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Outra chance para o amor

Ale Silva

1° Edição
2018
REVISÃO: JULIANA POLICARPO
CAPA: ALE SILVA
DIAGRAMAÇÃO: ALE SILVA
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. QUALQUER
SEMELHANÇA COM FATOS, NOMES E ACONTECIMENTOS
REAIS É MERA COINCIDÊNCIA.
OUTRA CHANCE PARA O AMOR — 2018 — ALEXANDRA
SILVA
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
SÃO PROÍBIDOS O ARMAZENAMENTO E/OU A
REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA OBRA SEM O
CONSENTIMENTO DA AUTORA.
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS É CRIME
ESTABELECIDO NA LEI N°.9.610/98 E PUNIDO PELO ARTIGO 184
DO CÓDIGO PENAL.
Agradecimentos
Primeiramente a Deus por me permitir escrever esta história e dar
vida aos personagens que surgiram na minha mente. Aos meus filhos que
tanto me cobraram para voltar a escrever e me apoiam mesmo quando fico
horas sentada em frente ao computador. Vocês são minha vida. As minhas
Sem filtro: Eliz, Cris e Ju, por me aturarem falando o tempo todo sobre o
livro e embarcar nessa loucura comigo; por “adotar os meus filhos” como
vocês fazem; por me ajudar na construção de mais esta história me dando
dicas e apoiarem em tudo. Amo vocês. Ao meu trio de “advogatas”: Juliana
Policarpo, Lorene Fonseca e Jéssica Bidoia por me auxiliarem nesse percurso
e me ajudarem a dar vida ao Felipe. A Juliana Giorgiani por me aturar te
perturbando o tempo todo perguntando sobre contabilidade. A Cristiane Lana
por me ajudar com essa capa. Não teria conseguido sem você. A minha
Gangue que sempre me incentiva e apoia. Por último, mas não menos
importante, aos meus leitores que deixo representados aqui por Viviane
Oliveira e Adiany Junior. Muito obrigada. Amo todos vocês.
Índice
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capitulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Capítulo quarenta e cinco
Capítulo quarenta e seis
Capítulo quarenta e sete
Capítulo quarenta e oito
Capítulo quarenta e nove
Capítulo cinquenta
Capítulo cinquenta e um
Capítulo cinquenta e dois
Epílogo
Bônus
Uma chance para a felicidade
Playlist
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Outras obras da autora
Sinopse
Amanda vê seu casamento desmoronando a cada dia e não tem mais
forças para lutar sozinha e tentar reverter essa situação. Os únicos momentos
de alegria que tem são ao lado de sua filha. As suspeitas de traições e
constantes brigas com o marido a fazem tomar as rédeas de sua vida e tentar
um recomeço. Ela só não contava que nessa construção de uma nova vida
fosse conhecer alguém capaz de mexer com todos os seus sentidos como
ninguém mais conseguiu.
Guilherme vive cercado por belas mulheres e está cansado de pessoas
que pensam mais no corpo do que em qualquer outra coisa. Sua vida é
administrar a academia onde é sócio com uma de suas irmãs e curtir a
família. Depois de uma grande decepção que teve no passado não pretende se
envolver com mais ninguém. Mas essa decisão vai por terra quando conhece
Amanda. Por mais que tente, ele não consegue tirá-la da cabeça. Nem mesmo
o fato de saber que ela é casada, faz com que ele consiga esquecê-la.
Duas pessoas machucadas e o destino se encarregando de juntá-las.
Será que eles darão outra chance para o amor?
Prólogo
Sinto o Felipe tenso, olhando pelo retrovisor a todo o momento e sei
que tem alguma coisa errada. Olho para trás e vejo um carro cada vez mais
próximo de nós.
Eu conheço esse carro e só o fato de estar nos seguindo já me deixa
nervoso. O que será que esse cara pretende fazer? Ele parecia fora de si e
tenho medo do que está passando na cabeça dele neste momento.
— É ele, não é? — Pergunto só para confirmar. Ele acena com a
cabeça em acordo sem desviar os olhos do trânsito. — O que será que ele
quer? Esse desgraçado não vai desistir?
— Parece que não. Fica com ela e deixa que eu cuido disso,
Guilherme. Ela está de cinto, não está? Coloca o seu também e tenta distraí-
la.
— Tudo bem. — Respondo a ele e me viro para a Duda. — O que
você fez na escola hoje, princesinha? — Tento fazer com que ela preste
atenção em mim.
— Por que o papai estava gritando na minha escolhinha, tio Gui? Ele
está triste comigo? Eu não fiz nada. — Diz com os olhos brilhando de
lágrimas.
Respiro fundo e tento pensar em uma desculpa para não complicar a
situação. Essa menina já passou por coisa de mais para eu piorar por estar
com vontade de socar a cara do pai dela para ver se ele para de fazer as
mulheres da minha vida sofrerem. Porque é isso que ela e a mãe dela são para
mim. Sou capaz de tudo pelas duas.
Olho para trás mais uma vez e vejo que ele está cada vez mais perto.
Percebo também que, logo atrás, tem um carro da polícia.
— É claro que não está triste com você, princesinha. Ele só estava
nervoso. Adulto é assim mesmo. Vive fazendo besteira e depois se arrepende.
Escuto uma pancada e o carro quase perde a direção. Olho para o lado
e vejo que é ele tentando nos jogar para fora da rua.
— Segura ela, Guilherme. Esse homem está louco. Vou tentar sair
daqui, mas o trânsito não está ajudando.
— O que foi isso, tio Gui? — A Duda pergunta assustada.
— Nada, minha princesinha. O tio Lipe já vai tirar a gente daqui. Fica
calma, tudo bem? É só você ficar quietinha.
O Felipe consegue sair em uma rua com menos movimento e ele vem
logo atrás. Escuto a sirene da polícia e espero que consigam nos alcançar
antes que ele faça mais alguma loucura.
Assim que fazemos outra curva ficamos de frente com vários carros
parados em um sinal. Não tem para onde o Felipe fugir. Viro-me para ver
onde ele está e percebo que deu um pouco de distância.
Quando acho que desistiu, ele acelera e vem a toda velocidade em
nossa direção. Só tenho tempo de soltar o meu sinto e tentar proteger a Duda
com o meu próprio corpo. Somos jogados com a batida e o carro roda na rua,
batendo em seguida em um muro. Sinto meu corpo doer, mas só consigo
pensar se a Duda está bem.
Começo a olhar para ela a procura de algum machucado.
— Você está bem, Dudinha? Fala com o tio Gui, minha princesinha.
— Eu quero a minha mãe. — Diz completamente assustada e
chorando muito.
— Tenta sair daqui com ela. Ele está vindo para cá. Rápido, cara.
Viro-me para ver o que ele está falando e vejo o César vindo em
nossa direção com uma arma na mão. Tento abrir a porta e não consigo. O
carro está amassado de um lado e o outro está encostado no muro me
impossibilitando de sair.
Percebo que o Felipe também tenta abrir a porta dele e não consegue.
Jogo o meu corpo por cima do da Duda e fecho os olhos fazendo uma prece
para que a polícia chegue aqui a tempo de impedir esse louco e que ele não
tenha coragem de machucar a própria filha. Escuto um disparo e tudo para ao
meu redor.
Capítulo um
Amanda
— Mamãe, o papai não vem? Ele não gosta mais de mim? — A Duda
me pergunta com a voz de choro e eu respiro fundo para me controlar antes
de ficar de frente para ela.
Nós tínhamos combinado de ir ao cinema com hoje e depois iríamos
lanchar em uma lanchonete que ela adora, só que, já são oito horas
da noite, o César ainda não chegou e nem atende o celular.
Espero sinceramente que ele tenha ficado preso em alguma reunião de
última hora e não tenha conseguido me avisar, caso contrário, eu vou esganá-
lo assim que passar pela porta de casa.
— Claro que ele gosta de você, meu amor. Deve ter acontecido
alguma coisa no trabalho dele e ele não conseguiu sair de lá ainda. Daqui a
pouco ele chega. Quer que a mamãe faça um lanchinho para você? Já está
tarde, nós não vamos conseguir mais sair hoje.
— Mas eu queria ver o filme. — Diz com lágrimas nos olhos.
— Agora não dá mais tempo, filha. Outro dia nós vamos. Se o papai
não puder ir junto, vamos nós duas. — Dou um beijo no rostinho dela e pego-
a no colo. — Vamos comer alguma coisa bem gostosa para você poder
dormir. O papai deve demorar ainda.
Vou com ela para a cozinha e, como ela jantou mais cedo para
sairmos, faço apenas uma vitamina de banana que ela adora. Pego também
alguns biscoitos de leite para que ela coma e não sinta fome durante a noite.
Assim que ela termina, vamos para o quarto, onde eu dou banho e
coloco o pijama dela.
— A gente pode ver mais um pouco de desenho, mamãe? Eu não
estou com sono. — Sinto que ela está querendo esperar o pai, mas sei que não
irá aguentar muito tempo.
— Só um pouquinho, mocinha. — Deito com ela no sofá da sala. Não
demora trinta minutos e ela já está dormindo.
Coloco-a na cama e a cubro. Dou um beijo na testa dela e volto para a
sala. Quero ver que horas e como o César irá chegar. Qual será a desculpa
dele?
Olho mais uma vez para o relógio. Já são onze horas da noite e nada
de ele chegar. Não sei mais o que pensar. Posso estar aqui o xingando de
todos os nomes e ele ter sofrido um acidente ou alguma coisa parecida.
Ele nunca teve horário fixo para chegar em casa, mas também nunca
chegou tão tarde. Se pelo menos atendesse o celular eu ficaria mais calma.
Começo a torcer para que ele esteja no bar com o pessoal do trabalho, apesar
de não entender o motivo de não ter me avisado, já que eu nunca fui de
reclamar dessas coisas.
Sei que o nosso casamento está passando por problemas, porém, a
maioria dos casais passa por isso em algum momento do relacionamento.
Acredito que seja a tão falada crise dos sete anos chegando adiantada, já que
nós só completaremos os mesmos daqui a quatro meses.
Começo a me lembrar de quando nos conhecemos. Eu conheci o
César em um dos piores dias da minha vida. O dia em que eu perdi a minha
mãe. Ela estava lutando contra um câncer e não resistiu.
Eu estava na faculdade quando meu pai me ligou para avisar. Saí da
sala sem rumo, chorando pelo corredor. Todos me olhavam, mas ninguém se
aproximava para perguntar o que estava acontecendo.
O César foi o único que me parou, perguntou se eu estava me
sentindo bem e, quando eu não consegui responder por causa do choro, só me
abraçou.
Estava tão perdida em minha dor que não reparei que ele me levava
para a cantina. Quando percebi, ele já voltava com uma garrafa de água para
mim. Ele esperou que eu me acalmasse e contasse o que estava acontecendo.
Logo depois de eu desabafar, perguntou se eu queria ir para o hospital
e se ofereceu para me levar. Não nos separamos mais depois desse dia.
Nós fazíamos faculdade de contabilidade. Ele estava no sexto período
e eu no quarto. Quando ele se formou, foi trabalhar com um casal de amigos
que abriu um escritório. Depois, eu completei o meu estágio lá e, assim que
me formei, fui efetivada.
Seis meses depois de formada, eu perdi o meu pai. Ele era tão
apaixonado pela minha mãe que se entregou quando ela faleceu. Mais uma
vez o César foi o meu suporte. Casamos seis meses depois.
No começo do casamento era tudo perfeito. Sempre nos demos muito
bem. Trabalhávamos juntos, saíamos com nossos amigos nos fins de semana
e nunca brigávamos.
Depois de dois anos, eu engravidei da Duda. Nossa filha foi muito
desejada. Assim que ela nasceu, ele me pediu para parar de trabalhar. Disse
que, no futuro, se precisasse, eu voltaria, porém, naquele momento, ele daria
conta de tudo e queria que eu curtisse o crescimento dela. Como eu não
conseguia me imaginar longe da nossa princesa, aceitei.
De um ano para cá começaram os problemas. A gente briga por tudo.
Ele vive chegando tarde em casa. Tem sempre uma desculpa de alguma
reunião, algum cliente de última hora. Tem tempo para tudo, menos para sair
com nós duas.
Foi por esse motivo que marcamos de sair hoje com a Duda. Ela anda
sentido falta do pai e, depois de mais uma discussão, nós combinamos de
fazer esses programas em família mais vezes. O que não adiantou nada. Pelo
contrário, só piorou. Minha filha foi dormir arrasada achando que o pai não
gosta mais dela.
Outro fator que mudou também foi em relação ao sexo. Nós sempre
nos demos muito bem neste quesito, só que, de um tempo para cá, está cada
vez pior. A gente quase não transa mais e, quando transa, não é a mesma
coisa. Eu sinto como se ele estivesse fazendo por obrigação.
Sei que se parasse para conversar em um grupo de amigas e contasse
tudo o que está acontecendo, elas iriam me perguntar o que ainda estou
fazendo em um relacionamento fracassado como esse, mas o problema é que
eu não tenho com quem conversar e, além disso, no fundo, eu ainda acho que
é só uma fase. Não quero jogar anos de relacionamento para o alto.
Acabei perdendo o contato com a maioria das amigas de faculdade. A
única que eu não perdi completamente foi a Rebeca, que é a dona do
escritório em que o César trabalha junto com o Artur, marido dela, só que ela
também é amiga dele. Inclusive, foi por isso que nos conhecemos. Então,
apesar de gostar muito dos dois, eu fico meio travada em conversar sobre
certos assuntos com eles.
Acabo pegando no sono no sofá esperando ele chegar e acordo com o
barulho da porta abrindo. Olho para o relógio e já passa de duas horas da
manhã. Respiro fundo e me levanto. Está na hora de enfrentar o problema de
frente.
— Posso saber onde você estava e por que não atendeu o celular? —
Pergunto tentando me controlar para não gritar e acordar a Duda.
— Boa noite para você também. Como foi o seu dia? — Deboche
puro sai de sua boca.
— Boa noite? Você já viu a hora, César? — Uso todo o meu controle
para não voar no pescoço dele.
— Eu estava trabalhando, Amanda. Alguém precisa fazer isso nesta
casa. — Não respondo. Sei que ele quer me provocar para que eu perca a
razão.
— Você esqueceu, não é? Não faz ideia do motivo de eu estar tão
irritada por você chegar tarde. — Minha voz transborda de incredulidade.
Sorrio sem humor nenhum.
— Esqueci o quê? Qual foi a data importante que eu deixei passar? —
Pergunta com sarcasmo.
— A gente tinha combinado de sair com a Duda. Ela ficou te
esperando até tarde. A menina dormiu chorando, César. Perguntando se o pai
não gosta mais dela.
— Dramática igual à mãe. Ela tem que entender que eu estava
trabalhando e não brincando. Não posso largar tudo só para satisfazer um
capricho dela.
— Capricho? O que você chama de capricho eu chamo de saudade.
Ela está sentindo a sua falta. Você quase não para mais em casa. Nunca tem
tempo para a gente.
— Sem drama você também, Amanda. Chega. Eu estou cansado.
Estava com um cliente importante para o escritório. Não posso me dar ao
luxo de escolher horários e negar uma reunião. Pensei que você soubesse
como funciona.
— Sabe o que eu sei? Que você poderia ter avisado que não vinha.
Assim pelo menos a sua filha não ficaria esperando por nada. Sabe mais o
que eu sei, César? Que é muito bom que você esteja falando a verdade para
mim e realmente estivesse em uma reunião com cliente, porque, se eu
descobrir que é mentira, eu não sei do que eu sou capaz.
— Vai querer me controlar agora? Você está se transformando
naquelas mulheres insuportáveis que só sabem cobrar e que o marido prefere
ficar na rua para não ter que aturar. É melhor ficar em uma reunião com um
cliente mala do que aqui em casa aguentando você com essa chatice.
— Eu nunca fui de te cobrar. Nunca reclamei de você ir para o bar
com o pessoal do escritório no final do dia, nem mesmo controlei os seus
horários. Mas eu te digo uma coisa, César, escuta bem o que eu vou falar, se
eu descobrir que você está me traindo, nada e nem ninguém vai me fazer ficar
quieta. Isso eu não perdoo. Pensa bem no que você está fazendo. O nosso
casamento está indo ladeira a baixo e você não está fazendo nada para
impedir, pelo contrário, está se afastando cada vez mais. Depois não diz que
eu não avisei. — Viro as costas e caminho em direção ao quarto da Duda.
— Aonde você vai? — Indaga com voz de surpresa. Acredito que não
esperasse que eu saísse assim da sala, já que eu nunca quero terminar uma
conversa brigada com ele.
— Para o quarto da minha filha. Esta noite eu me recuso a dormir
com você. Aproveita para pensar no que você quer. — Digo sem nem olhar
para trás.
Chego ao quarto da Duda e deito-me na cama com ela. Puxo o
corpinho dela para perto de mim e sinto o cheirinho gostoso que ela tem
tentando me acalmar, mas não funciona. Por mais que eu tente impedir, as
lágrimas descem livres pelo meu rosto.
Parece que o que eu mais temia está acontecendo. Meu casamento
está indo para um caminho sem volta e eu não sei se tenho forças para lutar
sozinha por ele.
Preciso voltar a pensar em mim. Tenho que colocar a Duda em uma
escola e voltar a trabalhar. Não quero mais depender dele para tudo. Eu não
estou mais sozinha. Se o meu casamento realmente chegar ao fim, eu tenho
que estar preparada.
— Vai ficar tudo bem, meu amor. Eu vou fazer tudo que puder para te
proteger disso tudo. Prometo. Eu te amo, minha filha. — Falo baixinho
próximo ao ouvido dela e dou um beijo em sua cabecinha. Ela se aproxima
mais de mim como se estivesse entendendo que eu estou precisando desse
carinho.
Capítulo dois
Amanda
Acordo mais tarde do que o costume e demoro um pouco para me
situar. Estou no quarto da Duda. Lembro-me da conversa que eu tive com o
César quando ele chegou. Nem sei se aquilo pode ser chamado assim, na
verdade.
Começo a escutar barulhos vindos da cozinha e resolvo não levantar
ainda. Acredito que o César esteja preparando alguma coisa para comer. Se
fosse outro dia, eu já estaria lá fazendo, mas, hoje não. Ele que se vire
sozinho.
Consigo ficar mais dez minutos deitada antes que a Duda acorde.
— Bom dia, meu amorzinho. — Dou um beijo nela e aperto o seu
corpinho junto ao meu.
— Bom dia, mamãe. A senhora dormiu aqui comigo? — Pergunta
sonolenta.
— Sim, princesa. A mamãe queria dormir agarradinha com você. —
Ela fica parada me olhando e sei que vai perguntar pelo pai. Resolvo mudar
de assunto antes que ela o faça. — Está com fome? Vamos tomar café? —
Ela se espreguiça e acena com a cabeça em acordo.
O barulho que vinha da cozinha já parou. Espero que ele tenha saído e
eu não precise encontrá-lo logo cedo. Levanto da cama, pego minha filha no
colo e sigo para o banheiro. Depois de nos prepararmos, vamos para a
cozinha juntas cantando a música da Ana e da Elsa do filme Frozen que ela
adora.
— Bom dia! Como as minhas garotas estão? Dormiram bem? —
Estaco na porta da cozinha com a cena que eu vejo.
A mesa está posta para o café com diversos tipos de pães, biscoitos,
bolo e frios, além de leite, achocolatado, suco e salada de frutas. Ele deve ter
ido à padaria que tem aqui na esquina para comprar essas coisas, pois nunca
que faria isso tudo.
— Papai. — Minha filha fala com voz de choro e se agarra em minhas
pernas.
— Oi, filha. Você desculpa o papai por ontem? — Ele se abaixa na
frente dela para perguntar. — O papai estava com um cliente muito
importante e não conseguiu chegar mais cedo, mas prometo que hoje nós
vamos nos divertir muito juntos. Nós três. — Diz olhando para mim.
— O senhor ainda gosta de mim? — Sinto que minha filha quer se
jogar nos braços do pai, só que ainda está sentida com ele.
— Claro que sim, bonequinha. O papai te ama. — Solto os bracinhos
dela da minha perna e me afasto, deixando os dois sozinhos e me aproximo
da mesa para preparar o pratinho dela. — Diz para o papai, o que você quer
fazer hoje?
— Eu quero ir no cinema. — Responde se animando.
— Então, eu já sei o que vamos fazer. Nós vamos tomar esse café
bem gostoso que eu preparei para nós três — Fala olhando para mim. — e
vamos para a pracinha brincar. Depois, a gente vem para casa tomar banho
para ficarmos bem cheirosos para ir ao shopping almoçar e ver o filme que
você quiser. O que você acha? Topa?
— Topo. — Grita com um sorriso enorme no rosto e se joga no colo
dele que a pega e abraça apertado.
Viro de costas e fecho os olhos rezando para que esse carinho todo
não seja passageiro mais uma vez. Eu quero acreditar, porém, não é a
primeira vez que isso acontece, e eu não consigo mais confiar assim tão fácil.
— Aqui, filha. Vem comer. — Coloco o pratinho na frente da
cadeirinha dela e sento-me ao lado para ajudá-la.
O café passa tranquilo, com eles fazendo planos para o dia e rindo um
para o outro o tempo todo. Sinto que ele quer me falar alguma coisa, mas se
controla por causa da Duda.
— E você, amor, — Coloca a mão sobre a minha e me chama como a
muito não fazia. — o que acha? Quer fazer alguma coisa diferente ou os
nossos planos estão bons para você também?
— O que a Duda quiser está ótimo para mim. — Digo puxando a
minha mão. Se ele acha que eu vou facilitar para ele, está muito enganado. —
Vou lavar a louça para a gente sair. — Falo e me levanto. Ele segura minha
mão mais uma vez e diz:
— Deixa que eu lavo hoje. Você já faz isso todos os dias. — Assim
que ele acaba de falar, a campainha toca. — Atende, por favor? Deve ser uma
encomenda que fiz.
Não respondo. Viro-me e caminho para a sala em direção a porta para
ver que é. Abro e vejo parado no portão de casa um entregador com um
buquê de rosas salmão em uma das mãos e uma caixa pequena na outra.
Caminho para o portão para receber. O César sempre teve esta mania.
Ele nunca me dá flores, a menos que queira se desculpar por alguma coisa,
como é o caso hoje.
— Bom dia, a senhora é a Amanda? — Questiona o entregador.
Aceno com a cabeça em acordo e ele continua. — São para a senhora e essa
caixinha é para a menina Eduarda. — Diz olhando para um papel com os
nomes anotados.
— Bom dia. — Respondo e pego o buquê e a caixa, que agora eu sei
ser de bombons da mão dele e agradeço. — Obrigada. Precisa assinar?
— Não, senhora. É só entregar mesmo. Tenha um bom dia.
— Obrigada. Você também. — Espero que ele saia para voltar para
casa.
Assim que eu entro, encontro o César me esperando. Vejo a Duda
sentada no sofá vendo desenho. Ele se aproxima de mim, segura em minha
cintura e tenta me beijar, mas eu desvio o rosto antes.
— Gostou das rosas? Sei que são suas flores preferidas. — Indaga
todo carinhoso.
— Sim, você acertou. Pena que eu só receba quando você faz alguma
besteira e precisa se desculpar, não é mesmo? — Dá um passo para trás como
se eu tivesse o empurrado. — Pode ficar tranquilo. Eu não vou estragar o seu
teatro. Não por você, e sim pela minha filha.
— Não sei do que você está falando, amor. — Diz se fazendo de
desentendido. — Eu sei que errei ontem. Estava de cabeça quente. Peguei um
cliente complicado no escritório que me solicita muito. Acabei descontando
em quem não devia. Sei que você está chateada, e com razão, mas estou me
desculpando. Ontem você me acusou de não estar fazendo nada pelo nosso
casamento, agora eu estou. Será que eu não mereço uma chance?
— Merece. Claro que merece. Assim que eu perceber que você
realmente quer esta chance e que você não vai mudar outra vez daqui a três
dias como vem acontecendo sempre nos últimos tempos. Você pode comprar
a nossa filha com presentes e passeios. Ela ainda é muito inocente para
entender as coisas, mas, eu, não. Eu quero atitudes, César. E não um dia só.
Quero direto. Quero o homem com quem eu casei, por quem eu me apaixonei
de volta. Não vou aceitar menos que isso. — Falo tudo em um tom baixo para
que a Duda não note que estamos discutindo. Sinto-me até mais leve depois
de soltar tudo que estava engasgado. — Toma, entrega a ela. Eu vou me
arrumar e separar a roupinha dela. — Viro-me para sair da sala e ele me
segura mais uma vez.
— Eu vou te provar que desta vez é sério. — Segura minha mão e
leva aos lábios, beijando os meus dedos e solta. Não respondo. Sigo para o
meu quarto.
Assim que passo pela porta, escuto os gritinhos de felicidades da
minha filha na sala. O pai deve ter entregado a caixa de bombom. A Duda
adora ganhar presentes e ele ainda escolheu uma coisa que ela ama:
chocolate.
Jogo-me na cama e respiro fundo. Penso no que o César falou para
mim agora na sala e espero que seja verdade. Apesar de me fazer de difícil,
eu ainda tenho esperança que possamos nos entender e voltar a ter o
relacionamento que tínhamos antes.
O que eu não aguento mais é fazer papel de boba. Perceber que nada
do que ele fala é verdade. Que as promessas dele não valem de nada. Ver
meu casamento cada vez mais perto do fim e fingir que nada está
acontecendo não está resolvendo. Está na hora de mudar isso. Meus pais não
me criaram para aceitar migalhas de ninguém. Ou ele fica completo, ou pode
ir embora de vez.
Não que eu não ame meu marido. Claro que sim. Estamos a quase dez
anos juntos, entre namoro e casamento. Não são dez dias. Mas também não
posso me submeter a tudo o que está acontecendo. Não vou manter um
casamento só por manter. Ninguém será feliz com isso. Nem ele, nem a Duda
e nem eu. Principalmente a Duda. Minha filha fica arrasada toda vez que nós
brigamos. Isso não é vida para uma criança. Ela precisa crescer em um lar
que transmita paz. E não é o que está acontecendo aqui.
Levanto-me, vou para o banheiro, tomo banho e me arrumo. Assim
que acabo de pentear os meus cabelos, prendo em um rabo de cavalo alto e
paro em frente ao espelho me olhando.
Eu ganhei alguns quilos com a gravidez e ainda não recuperei o meu
corpo de antes. Nunca me incomodei com isso, porém, agora, eu quero voltar
a me cuidar, a gostar de mim mesma. Decido que vou procurar uma
academia. Não é por impulso. Se eu quero recuperar meu casamento, preciso
me amar em primeiro lugar. E o meu corpo está começando a me incomodar.
Sei que não estou obesa. Estou apenas com alguns quilos a mais. Só
que sempre fui magra e essa diferença está mexendo comigo. Com a minha
autoestima. Não voltaria atrás. Essa mudança me trouxe a pessoa mais
importante da minha vida. Se eu tivesse que escolher, sem sombra de
dúvidas, ela seria a minha escolha, mas, se posso ter os dois, é o que vou
fazer.
Saio do quarto decidida. Essa semana irei começar a procurar uma
escola para a Duda e uma academia para mim. Tenho que voltar a trabalhar
também.
Entro no quarto dela e separo sua roupinha. Chamo por ela para se
arrumar que entra toda serelepe. Coloco uma roupa confortável para ela
brincar na pracinha já que iremos vir em casa antes de ir ao shopping.
— As minhas garotas já estão prontas? — O César indaga já
arrumado parado na porta do quarto da Duda enquanto eu prendo o cabelo
dela igual ao meu.
— Sim, papai, sim. — Ela pula animada e sai em disparada para a
porta.
— Ei, mocinha. Espera pela gente. Nada de sair correndo na nossa
frente. — Chamo por ela.
— Deixa a menina. Você sabe que ela não vai abrir o portão. A mãe
dela está ensinando muito bem. — Fala e me puxa para perto, pegando-me de
surpresa e me prendendo na parede do lado da porta do nosso quarto.
— Para, César. Ela pode entrar. — Tento me soltar em vão.
— Deixa. Se entrar, ela vai ver o pai beijando a mãe dela. Nada de
mais. — Diz e me beija sem me dar tempo de reagir. Eu acabo me entregando
ao beijo. Não posso negar que sinto falta dele. Só espero não me arrepender
mais uma vez.
Capítulo três
Amanda
— Vai querer almoçar naquele restaurante perto da praça que você
gosta? — O César pergunta enquanto estamos sentados tomando café da
manhã só nós dois.
A Duda ainda não acordou. Ela ontem foi dormir tão cansada que
acredito que vá acordar tarde hoje.
— Não precisa. Ontem nós já passamos o dia na rua. Eu faço alguma
coisa para a gente comer aqui mesmo.
— Tem carne na geladeira? — Aceno com a cabeça em acordo e ele
continua. — Faz uma saladinha de legumes e arroz então. Eu asso a carne na
churrasqueira. A Duda adora churrasco mesmo.
Passamos o domingo juntos. Almoçamos e depois assistimos a um
filme com a Duda deitada no meio de nós dois no sofá da sala. Mais tarde,
pedimos uma pizza para jantar.
Minha princesa vai dormir cansada da bagunça que nós fizemos, mas
feliz. Ela não para de sorrir um minuto. Eu espero que isso dure e que, desta
vez, a mudança do César seja definitiva.
Amanhã é o primeiro dia que ele vai sair de casa depois da nossa
conversa. Quero ver qual será o comportamento dele durante a semana, pois,
esses dias, ele nem atendeu ao celular. Sempre que tocava dizia que estava
com a família dele e, fosse o que fosse, poderia esperar. No final, chegou a
desligar o aparelho.

****

— Mamãe, o papai já está chegando? — Sinto que apesar de o pai


estar chegando cedo todos os dias, minha filha ainda tem medo que se repita
o que aconteceu na semana passada.
— Ele já mandou mensagem avisando que já está chegando. Que tal
você tomar banho para estar bem cheirosa quando ele chegar?
— Posso tomar sozinha? — Faz cara de pidona.
— Humm, que pena. Eu queria tomar banho junto com a minha
princesinha, mas já que você quer tomar sozinha... — Sei qual será a resposta
dela e não demora a chegar.
— Não, mamãe. Pode tomar junto comigo. — Sabia. Ela sempre me
pede para tomar banho comigo, mas não é sempre que eu deixo.
Esta semana foi de pura alegria para nós. O César parece que
realmente mudou. Tem chegado cedo todos os dias e aproveita para brincar
com ela enquanto eu termino de fazer o jantar.
Quando não ficam brincando no quarto dela, estão na sala vendo
algum desenho juntos. Fora isso, ele foi com ela na pracinha por duas vezes.
Disse que era para eu terminar de fazer a comida sem eles para me atrapalhar,
já que vira e mexe, eles entram na cozinha me pedindo alguma coisa.
— Mas que coisa boa. Nem me esperaram. Será que tem um
lugarzinho nesse banheiro para mim também? — O César pergunta parado
encostado no batente da porta do banheiro nos dando um susto.
— Que susto, César. Eu não escutei você entrando. — Digo com a
mão no peito.
— Queria ver o que as minhas garotas estavam aprontando. — Fala
sorrindo.
— Nós já estamos de saída. A comida já está pronta. Vai tomar o seu
banho que eu já vou arrumar a mesa para a gente jantar. É só o tempo de
secar essa menininha aqui e me arrumar. — Falo enquanto me seco. Ele
manda um beijo para nós duas e sai.

****

Mais um final de semana que nós passamos em paz. Mais um em que


o César não sai de perto da gente. Que ele deixa o celular desligado dizendo
que o fim de semana é da família dele e que ninguém pode atrapalhar.
Acabou que eu não procurei escola para a Duda, academia e nem
trabalho pra mim. Resolvo começar a pesquisar pela internet mesmo alguma
escola aqui por perto, já que, para que eu possa voltar a trabalhar, preciso que
ela já esteja matriculada ou terei que contratar alguém para tomar conta dela.
Encontro algumas e faço anotações das que eu mais gostei para poder
visitar depois. Aproveito e pesquiso algumas academias também.
Trabalho eu tenho que ver com o César primeiro, porque, quando eu
saí do escritório, a Rebeca e o Artur disseram que quando eu quisesse voltar
era só falar com eles que a minha vaga estaria me esperando.
Desligo o computador e preparo a comida para quando o César chegar
estar tudo pronto. Aproveito que ele ainda não chegou e levo a Duda para
tomar banho comigo.
Não gosto de deixá-la sozinha. Geralmente deixo para tomar o meu
quando ele chega, mas hoje está tão quente que prefiro ir de uma vez.
Quando terminamos, vamos para a sala ver um pouco de desenho
enquanto ele não chega.
— Mamãe, eu posso comer antes do papai chegar?
— Está com fome, filha? — Ela acena com a cabecinha em acordo e
passa as mãozinhas na barriguinha. — Então vamos lá que a mamãe vai
colocar a sua comidinha.
Levanto-me e pego-a no colo, seguindo para a cozinha. Coloco a
Duda sentada na cadeirinha dela e vou preparar o prato dela. Meu celular toca
na sala. Quando eu pego vejo a foto do César com a Duda no colo que eu
coloquei para aparecer quando ele me liga. Atendo no quarto toque.
— Oi, amor. Desculpa não te avisar antes, mas é que as coisas aqui no
escritório estão complicadas hoje. Eu vou chegar mais tarde. Ainda não
terminei aqui e tenho uma reunião daqui a pouco. Fala para a Duda que eu
mandei um beijo para ela e que amanhã eu vou chegar mais cedo para
compensar.
— Tudo bem. Ela já está jantando. Quer que eu te espere para comer
com você?
— Não precisa. Acredito que eu vá sair daqui bem tarde. A gente
deve pedir alguma coisa para comer durante a reunião mesmo. Pode dormir.
Quando eu chegar te chamo para me dar um beijo.
— Está certo. Cuidado na volta. Está perigoso andar por aí durante a
noite.
— Pode deixar. Agora eu tenho que desligar. Beijo. — Despeço-me
dele e desligo.
— Filha, o papai avisou que não vai conseguir vir cedo hoje. Ele tem
uma reunião no trabalho e vai chegar tarde. A mamãe vai comer com você e
depois nós vamos escovar os dentes e deitar lá no seu quarto para eu contar
uma historinha.
— Obaaaaa! Eu posso escolher?
— Só se a senhorita comer tudinho. — Ela come a comida toda sem
eu precisar falar mais nada.
Deito um pouco com ela, conto a história da princesa Sofia que ela
adora e ela acaba pegando no sono. Levanto-me da cama, coloco o lençol por
cima dela e vou arrumar a cozinha. Quando termino, sento no sofá da sala e
ligo a televisão para ver um filme enquanto espero o César chegar.
Penso no fato de ele ter essa reunião justamente tão tarde. Não quero
desconfiar, a final de contas ele ligou para me avisar, coisa que nunca fez
antes quando chegava tarde, porém, apesar de estarmos bem, ainda tenho os
dois pés atrás com ele.
Quero, do fundo do meu coração, que isso seja apenas coisa da minha
cabeça. Que essa mudança de comportamento dele seja verdade e não mais
uma das armações dele para me enrolar, pois estou chegando ao meu limite.
Procuro uma comédia romântica para assistir, deixo o volume bem
baixinho para conseguir ouvir se a Duda acordar e tento relaxar um pouco.
Acordo assustada, deitada toda torta no sofá. Procuro o meu celular e
vejo que já passa de meia-noite. Resolvo desligar a televisão e ir para o meu
quarto. Na hora que entro, escuto o chuveiro ligado.
Será que o César chegou e eu não ouvi? Se ele chegou, por que não
me acordou antes de tomar banho? Ele sempre reclama de me ver torta no
sofá e me acorda assim que entra.
Deito-me na cama esperando que ele saia do banho. Depois de cinco
minutos ele para na porta do banheiro me olhando.
— Já acordou? Eu ia te buscar agora. — Diz enrolado na toalha.
— Eu não ouvi você chegar. Por que não me acordou?
— Estava todo suado. Não quis te pegar no colo assim. Preferi tomar
banho antes. — Fala enquanto coloca a cueca boxer que pegou na gaveta da
cômoda.
— Já comeu? Quer que eu prepare alguma coisa para você?
— Não precisa. A gente comeu lá no escritório. Vamos dormir? Eu
estou morto. As coisas no escritório andam bem corridas. — Dá um beijo na
minha testa e me puxa para ele.
Acho que eu estou virando aquele tipo de mulher que vive
desconfiando do marido. Não é possível. Até o fato de ele tomar banho antes
de chegar perto de mim já me deixa cismada. Parece que fez para tirar algum
cheiro que estava nele.
Fora isso tem o fato de não me procurar. Desde que nós nos
entendemos que ele me procura todos os dias, coisa que não fez hoje.
Resolvo deixar essas minhas suposições de lado e aproveitar para sondar com
ele sobre voltar a trabalhar.
— Por falar em escritório, eu estava pensando em voltar a trabalhar.
Será que a minha vaga ainda está disponível como a Rebeca falou que
estaria?
— Nada disso, Amanda. Nós combinamos que você ficaria com a
Duda.
— Eu sei, só que ela já está na idade de entrar na escola e eu vou ficar
sozinha em casa. Era só unir o útil ao agradável.
— Mesmo que ela vá para a escola, não será o dia inteiro. Para você
trabalhar, ela teria que ficar com alguém o resto do dia e nós já conversamos
sobre isso. Eu não confio em colocar ninguém aqui dentro tomando conta da
minha filha.
— Tem escola em tempo integral, César. Seria bom para ela conviver
com mais crianças. A Duda só fica comigo. No máximo brinca quando vai à
pracinha. Ela precisa de amigos da idade dela.
— O que ela pode ter só de ficar meio período. O tempo que ela
estiver na escola você aproveita para fazer as coisas em casa. Assim ela não
te atrapalha.
— Minha filha não me atrapalha, César. Eu... — Não me deixa
terminar.
— Não, Amanda. Eu já falei. Nós combinamos isso quando você
engravidou. Não vai voltar atrás agora. — Fala em um tom que deixa claro
que o assunto encerrou para ele.
— Combinamos que eu voltaria a trabalhar depois de um tempo, e
não que eu ficaria assim para sempre. — Insisto. Não vou me dar por vencida
assim.
— Se, e eu disse se precisasse. Coisa que não está acontecendo.
Acabou o assunto. Eu estou cansado. Quero dormir. — Fala e vira para o
outro lado, deitando de costas para mim.
Não falo mais nada. Resolvo deixar para tocar no assunto outro dia.
Não vai adiantar ficar discutindo agora e já está tarde. Mas, se ele pensa que
eu vou desistir, está muito enganado.
Capítulo quatro
Amanda
Depois de chegar tarde por causa da reunião de segunda-feira, o César
cumpriu o que prometeu para a Duda e, assim que chegou do trabalho na
terça-feira, foi para a praça sozinho com ela. Na verdade, ele tem feito isso
todos os dias, o que é bom, assim, os dois têm um tempo só deles.
Ontem eu reparei em um detalhe que eu estava deixando passar.
Antes de sair ele fica no celular trocando mensagens. É sempre a mesma
coisa. Chega em casa, toma banho e senta na sala com ela, o celular vibra, ele
responde e me avisa que vai para a pracinha. Pode ser coincidência, mas não
sei.
Hoje faz três semanas da nossa briga e, aos poucos, ele está
começando a mudar outra vez. Ainda não está como vinha acontecendo,
porém, já não é o mesmo da primeira semana. Por exemplo, são nove horas
da noite e nada de ele chegar e nem avisar que vai se atrasar.
A Duda acabou pegando no sono no sofá enquanto esperava por ele.
Pego-a no colo e levo para o quarto. Quando vou colocar na cama, ela acorda.
— O papai chegou, mamãe? — Pergunta sonolenta.
— Não, meu amor. Dorme que está tarde. Amanhã você brinca com
ele, tudo bem? — Dou um beijo na testa dela e, quando eu a cubro com o
lençol, ela dorme outra vez. Levanto-me e volto para a sala.
Resolvo ligar para ele. O telefone chama até cair na caixa de
mensagem. Não insisto.
Faço um sanduíche para comer, arrumo tudo e volto para a sala com a
intenção de ler um livro, pois não quero ver televisão. Escolho um título na
estante e sento-me no sofá.
Acabo me distraindo e nem vejo a hora passar. É sempre assim,
quando eu começo a ler, esqueço-me de tudo. Não sei de onde essas autoras
tiram esses mocinhos dos livros. Eles são tão perfeitos que a gente acaba se
iludindo e esperando demais dos homens de verdade.
É pedir muito ter um desses ou que o meu marido fosse assim?
Continuo a leitura. Não adianta ficar sonhando com o impossível. A
história me prendeu tanto que, quando eu vejo, estou no epílogo. Termino de
ler e nada do César chegar. Coloco o livro de volta na estante e olho a hora.
Três horas da manhã. Penso em ligar mais uma vez, porém, antes que eu faça
a ligação, ele entra em casa.
— Outra reunião? — Não me controlo e questiono com sarcasmo.
— Sim. No bar da esquina. Por quê? Eu estou proibido de sair para
beber com os meus amigos agora? — Pergunta visivelmente alterado.
— Desde quando eu reclamo de você fazer isso, César? — Cruzo os
braços tentando me controlar para não voar em cima dele. Odeio quando ele
tenta me colocar como a vilã.
— Está fazendo agora. Qual o problema, Amanda? Eu não estou
fazendo o papel de marido feliz para você e a Duda? Será que eu não posso
tirar um dia para sair com os amigos? — Aumenta a voz ainda mais.
— Fala baixo. Você vai acordar a Duda. Ela não precisa presenciar
esta cena. — Digo com o dedo em riste para ele. — E eu não estou
reclamando de você sair e sim de não avisar. Custava me ligar para falar que
iria chegar mais tarde? São três horas da manhã, César. — Começo a andar
pela sala sem conseguir ficar parada. — E tem mais, fazendo papel de marido
feliz? Isso é alguma brincadeira para você? Uma representação? Se não quer,
está fazendo o que aqui então?
— Desculpa. Eu me expressei mal. — Passa as mãos pelo cabelo,
caminha minha em minha direção e tenta me abraçar. Desvio e vou para o
outro lado do sofá. — Eu estou de cabeça quente. Tem um cliente no
escritório que está me tirando do sério. Ele sempre se esquece de enviar os
documentos, manda tudo na última hora e eu tenho que me virar. Ainda se
acha certo. Diz que me paga, que tenho que fazer sem reclamar. — Vem para
perto de mim outra vez e, desta vez, eu deixo
— E por acaso eu tenho culpa? — Nega com a cabeça. — Está
começando tudo outra vez, César. — Falo esgotada. Segura meus braços e
me puxa para um abraço. — Para. — Tento me soltar. — O fato de ter um
cliente te perturbando não justifica você falar assim comigo e nem sair sem
me avisar que vai demorar. Uma coisa não elimina a outra.
— Eu sei. — Pega em minha cintura e me puxa para perto. — Errei
mais uma vez. — Cola a testa dele na minha. — É que juntou tudo. Eu estava
de cabeça quente e um colega do trabalho me chamou para ir ao bar beber
com ele. Eu pensei que fosse rápido, mas acabou demorando.
— E você não podia me avisar? Pegar o celular e me mandar uma
mensagem? Era pedir muito? — Questiono tentando empurrá-lo.
— Eu ia avisar, mas o cara estava mal. Ele terminou um
relacionamento e queria conversar. Toda vez que eu me afastava e pegava o
celular para te ligar, ele me puxava para conversar outra vez. Fiquei
consolando o meu colega e nem vi a hora passar. Pensei que fosse mais cedo.
— Você veio dirigindo? Bebeu e dirigiu?
— Eu não bebi. Fiquei no refrigerante. Você sabe que eu não dirijo
quando bebo. — Começa a beijar meu rosto e vai se aproximando da minha
boca.
— Que perfume é esse, César? — Afasto-me outra vez dele irritada.
— Não sei do que você está falando, amor. O bar estava cheio. Toda
hora alguém esbarrava em mim. O perfume de alguém deve ter passado para
a minha roupa.
— César! — Alerto e quando vou voltar a falar ele me corta.
— Nem começa. Eu sei o que você vai falar. Que não perdoa traição.
— Segura minha mão quando eu começo a andar pela sala outra vez, não
deixando que eu me afaste. — Você acha que se eu estivesse te traindo daria
esse mole de chegar em casa com perfume de mulher e ainda estaria te
abraçando para você sentir? Por favor, amor. Fala sério! Você me acha tão
burro assim? — Respiro fundo. Ele tem um bom ponto.
— Não sei. Não sei de mais nada. — Não vou facilitar.
— Amanda, eu estou cansado, doido para tomar banho e deitar. O bar
estava muito barulhento e com mistura de cheiro de perfume e cigarro.
Acabei ficando com dor de cabeça. Daqui a pouco a Duda levanta e eu quero
levá-la na pracinha e passar a manhã lá com ela. Vamos descansar. Por favor?
Eu só quero deitar com você um pouco.
— Promete que você não vai mudar outra vez? Que você está me
falando a verdade?
— Prometo o que você quiser, amor. Vai deitar que eu vou só tomar
banho rapidinho e já deito com você. — Dá um beijo de leve nos meus lábios
e me solta.
Faço o que ele fala e vou me deitar. Não demora e ele sai do banho,
coloca uma boxer e deita, puxando-me para ele. Estou tão cansada que não
demoro a pegar no sono.

****

— Olha quem acordou, mamãe. — O César diz quando entra na


cozinha com a Duda no colo. — Estava com preguiça de levantar. Acho que
é melhor ela ficar em casa e a gente ir sozinhos para a pracinha. O que você
acha?
— Não, papai. Eu já acordei, olha. — Diz com os olhinhos bem
abertos como se para demonstrar estar realmente acordada enquanto segura o
rosto do pai para que ele olhe para ela. Não resisto e começo a rir.
— Então vem tomar café para a gente poder se arrumar para ir. Tem
que comer tudo, mocinha, ou nada feito. — Falo colocando o prato de cereal
com leite dela.
— Pode deixar, mamãe. Vou comer tudinho, direitinho. — Começa a
comer assim que o pai a coloca sentada na cadeirinha dela.
— Vamos almoçar por lá hoje para você sair um pouco da cozinha?
— O César pergunta me abraçando por trás enquanto eu estou lavando a
louça do nosso café. — Assim a gente pode ficar mais tempo juntos.
— Pode ser. — Viro-me para ele e o abraço de volta. — Mas naquele
da esquina. Ele tem opções mais saldáveis. A Duda está comendo muita
besteira. Eu não quero que ela acostume.
— Sim, senhora. Você é quem manda. — Beija meus lábios e
completa. — E não se preocupa com isso. Você cuida muito bem da saúde da
nossa filha.
— Mamãe, acabei. Olha. Comi tudinho. — A Duda chama atenção
para ela mostrando o prato vazio.
— Muito bem, meu amor. Quer mais alguma coisa? Uma fruta?
— Pode ser maçã? — Pergunta com os olhos brilhando. Maçã é a
fruta preferida dela.
— Deixa que eu dou para ela, amor. Vai se arrumar de uma vez,
assim, quando ela acabar, você já arruma esta mocinha para a gente sair. —
Aceno com a cabeça em acordo, dou um beijo em cada um e vou me arrumar.
Coloco uma roupa confortável, uma rasteirinha e prendo meu cabelo
em um coque. Hoje está muito calor e eu não quero que ele fique grudando
no meu pescoço.
Vou para o quarto da Duda e separo a roupa dela. Pego uma bolsa e,
como a gente vai direto para o restaurante, coloco outra muda de roupa, uma
toalhinha, lenço umedecido, escova de cabelo e outras coisas que eu possa
precisar para a Duda quando a gente sair da praça.
Enquanto eu visto a roupa nela e penteio o cabelo, o César vai se
arrumar. Assim que terminamos, seguimos para a praça onde a Duda se acaba
brincando.
Olho no relógio e vejo que já são onze e quarenta. Decido chamar
logo a Duda para que eu possa limpá-la um pouco para almoçarmos.
Entramos no restaurante e eu deixo o César sentado enquanto vou ao
banheiro para lavar o rostinho dela e as mãos. Na hora que estamos voltando
para a mesa vejo o César ao telefone. Assim que me vê, ele desliga.
— Vamos escolher? — Diz assim que me aproximo.
— Quem era no telefone? — Pergunto fingindo pouco interesse.
— Era um colega lá do escritório. Eles marcaram um jogo de pôquer
e estavam me chamando.
— Pôquer? — Estranho. — Você nunca ligou.
— Eu sei. É que eles estão querendo animar um pouco o colega que te
falei ontem. Você se importa se eu for? Não devo chegar muito tarde.
— Não. Claro que não. — Viro-me para a Duda e tento disfarçar a
minha frustração. — A gente vai ver um filme, não é, filha? — Ela acena
com a cabeça em acordo sem entender nada do que está acontecendo.
Terminamos de almoçar e ele passa em casa para nos deixar e trocar
de roupa antes de sair. Como estamos suadas, assim que chegamos em casa,
dou banho na Duda e aproveito para tomar também.
Quando estamos terminando o César para na porta avisando que está
saindo. Dá um beijo em cada uma de nós e vai.
Passamos a tarde deitadas no sofá vendo os filmes que ela gosta.
Acabo fazendo pipoca de tanto que ela pede. Às seis horas da noite, percebo
que o César não deve voltar tão cedo assim e resolvo fazer uns lanchinhos
para nós comermos.
Faço uns sanduíches com uns pãezinhos integrais que ela adora,
queijo, presunto e salada. Pego um suco de laranja que tinha deixado pronto
mais cedo e coloco tudo em uma bandeja, levando para a sala em seguida.
Deito para dormir meia-noite e nada do César chegar. A Duda não
conseguiu esperar e dormiu antes mesmo das nove horas da noite.
Já estou sonolenta quando ele entra no nosso quarto.
— Desculpa, amor. Os caras não queriam me deixar sair de lá. Vou só
tomar banho e venho deitar com você. — Fala da porta do quarto indo direto
para o banheiro.
— Vem me dá um beijo primeiro. Já estou quase dormindo. — Peço.
— Estou cheirando a cigarro. Volto rápido. — Diz já de dentro do
banheiro não me dando tempo de retrucar.
Capítulo cinco
Amanda
Depois de chegar tarde do jogo de pôquer, o César passou o domingo
inteiro com a Duda e comigo. Fizemos o almoço juntos, brincamos com a
nossa filha o dia todo e, à noite, depois que ela dormiu, aproveitamos para
namorar.
Estou me esforçando para acreditar nele e confiar nas coisas que ele
me fala, só que, às vezes, é muito difícil.
— Filha, você gosta de ir à pracinha com o papai? — Estou me
segurando para não fazer essas perguntas a Duda, porém, não aguento mais.
Preciso tirar isso da minha cabeça.
— Sim, mamãe. — Responde e continua brincando com as bonecas
dela.
— E vocês brincam muito? — Insisto.
— Eu brinco. O papai, não. — Olho para ela sem entender.
— Como assim? O que o papai faz? Ele não brinca com você?
— Não, mamãe. Eu brinco com meus amiguinhos. O papai não.
— E o que ele faz enquanto você brinca? — Questiono querendo estar
errada no que estou pensando.
— Ele fica falando no celular. — Preciso me controlar para que ela
não perceba como esta resposta me incomoda. A Duda sempre foi muito
esperta e percebe as coisas muito rápido.
— A mamãe já volta, ok? Não sai daí. — Levanto e vou para o
banheiro jogar uma água no rosto.
Respiro fundo e lavo o rosto. Fico parada olhando para o espelho
pensando no que a Duda me falou. Se eu já desconfiava sobre essas
mensagens que ele recebe antes de sair, agora mais ainda.
Da próxima vez que ele for com ela para a praça, eu vou atrás. Está
decidido. Não vou conseguir ficar em paz enquanto não tirar isso a limpo.
Volto para a sala e fico brincando com a Duda esperando o César
chegar e, mais uma vez, ele demora sem me avisar.
Coloco a Duda na cama, arrumo tudo e vou tomar banho. Depois que
termino, ligo a televisão, escolho um programa de culinária e fico assistindo.
Às nove horas ele chega.
— Preciso de um banho, urgente. Saí um pouco mais tarde do
escritório e peguei um trânsito danado. Estou cheio de calor e todo suado. Já
volto para falar com você. — Diz passando direto para o nosso quarto.
Não me dou o trabalho de responder. Fico parada no mesmo lugar que
estou. Depois de cinco minutos, ele me chama do banheiro pedindo para eu
pegar uma toalha que esqueceu. Levanto-me e vou levar sem nenhuma
vontade.
— Aqui. — Falo colocando pendurada no gancho perto do box.
— Quer entrar aqui comigo um pouco? — Pergunta antes que eu saia
do banheiro.
— Não. Eu já tomei banho e estou vendo um programa. — Viro-me e
saio antes que ele insista.
— Você já jantou, amor? — Questiona parado atrás do sofá onde
estou sentada. Aceno com a cabeça negando e ele continua: — Vou pegar
alguma coisa para comer. Estou com fome. Vai querer também?
— Estou sem fome. — Respondo sem me virar. Ele vem para frente e
senta-se do meu lado no sofá.
— Você está chateada comigo. — Ele não pergunta, afirma. — Eu
não tive culpa, Amanda. Saí do escritório mais tarde do que costumo, mas
não esperava demorar tanto para chegar ou teria te avisado. — Respiro fundo.
Pondero se falo ou não sobre as ligações, porém, se eu falar, ele vai
saber que eu perguntei a Duda e eu não quero colocar minha filha no meio
disso tudo.
— Tudo bem. Não foi nada. Só estou com um pouco de dor de
cabeça. — Desconverso.
— Vamos comer alguma coisa para você tomar um remédio e ir
deitar. Ficar aí sentada vendo televisão não vai fazer passar. — Não me
mexo. — Deixa de ser teimosa. Vem que eu vou cuidar de você. — Levanta e
me puxa junto com ele.
Passa o braço pela minha cintura e caminha do meu lado para a
cozinha.
****

— Amor, vou levar a Duda na praça um pouco enquanto você termina


de fazer a comida. Tudo bem? — O César fala parado no batente da porta da
cozinha guardando o celular no bolso.
— Claro. Só não demora muito. Já estou quase terminando. — Digo
fingindo não ligar.
Assim que ele sai, eu acelero para terminar tudo. Como já estava
quase pronto, em cinco minutos eu termino. Pego as chaves de casa e vou
para a praça. Quero ver o que ele está fazendo.
Quando estou chegando perto da área onde nós costumamos ficar com
a Duda, vejo que ele está falando no celular. Pelo que posso perceber, a
conversa está bem animada, já que ele está com um sorriso enorme no rosto.
Caminho me aproximando dele que não me vê, mas, antes que eu
chegue perto o suficiente para escutar o que ele está falando, a Duda me vê e
corre em minha direção.
— Mamãe! — Ela grita e ele olha para mim, desligando em seguida e
guardando o celular.
— Oi, meu amor. — Pego-a no colo e dou vários beijos espalhados
pelo rosto dela. Ele se aproxima da gente e questiona um pouco agitado:
— Aconteceu alguma coisa?
— Nada. Resolvi fazer uma surpresa para vocês. Atrapalho? — Faço
de tudo para parecer o mais normal possível.
— Claro que não. — Coloco a Duda no chão e viro-me para olhar
para ele. — Você nunca atrapalha. — Diz e me dá um beijo leve nos lábios.
— Quem era no telefone? — Não me controlo e pergunto. — Você
parecia tão animado.
— Era o pessoal do trabalho me chamando para jogar outra vez, mas
eu disse que hoje não dava. Que eu queria ficar com as minhas garotas já que
ontem eu acabei chegando tarde em casa.
— Vamos para casa, então? — Chamo. Ele concorda e vai pegar a
Duda para podermos ir.
****

A Duda está no quarto dela brincando e eu estou parada na frente do


espelho no meu quarto me olhando a mais de dez minutos. Já é o segundo
short que eu pego no armário que não cabe em mim.
Olho para o meu corpo e vejo a diferença de antes da gravidez. Minha
barriga está bem maior, meus seios cresceram e estão mais flácidos, minhas
pernas estão mais grossas, com celulite e eu não consigo mais usar vestido
sem um short por baixo sem que elas fiquem irritadas, pois ficam esfregando
uma na outra o tempo todo. Fora as estrias que apareceram em vários pontos.
Não que sejam muito grandes, mas eu sei que estão lá.
De hoje não passa. Vou falar com o César sobre colocar a Duda na
escola e voltar a trabalhar. Aproveito e já falo sobre entrar em uma academia
também. Preciso fazer alguma coisa por mim.
Coloco uma roupa qualquer e vou olhar a Duda. Entro no quarto e
encontro-a deitada na cama abraçada com uma das bonecas dela, dormindo.
Deito-a direito, apago a luz e volto para o meu quarto. Trinta minutos depois,
o César chega.
Ele entra e vai direto para o banheiro sem falar nada.
— Oi, aconteceu alguma coisa? — Pergunto preocupada. Ele não
costuma entrar assim.
— Nada, Amanda. Só trabalho demais. — Responde de dentro do
banheiro.
— Você vai querer comer alguma coisa? Eu esquento para você. —
Tento puxar assunto.
— Pode ser. — Responde seco.
Vou para a cozinha e preparo um prato, coloco no microondas para
esquentar e espero que ele venha. Pego o suco na geladeira e coloco na mesa.
Ele entra na cozinha, senta e começa a comer sem falar nada.
— Quer mais alguma coisa? — Nega com um aceno de cabeça. — Eu
estava pensando. Se está tão puxado assim lá no trabalho, deve ter uma vaga
para eu voltar. Você podia falar com o Artur para mim. Eu já estou vendo
escola para a Duda mesmo. Não demora muito e ela começa a estudar. — Ele
larga o talher com raiva no prato e fala:
— Já não falei que você não vai voltar a trabalhar? Porra, Amanda, eu
chego em casa cansado, doido para tomar banho, comer alguma coisa e
descansar e você vem com perturbação na minha cabeça? Mas que merda. —
Fala completamente alterado.
— Eu não estou falando nada demais, César. Só estou querendo voltar
a trabalhar. Qual o problema nisso? — Acabo me alterando também.
— O problema é que eu já falei que você não vai voltar a trabalhar.
Qual a dificuldade de você entender isso? — Levanto-me revoltada. Quem
ele pensa que é para mandar em mim?
— Dificuldade tem você de entender que não manda em mim. Quem
decide se eu vou ou não voltar a trabalhar sou eu. Não aguento mais ficar em
casa direto. Já te falei que estava vendo escola para a Duda. Ela vai estudar e
eu volto a trabalhar. Simples assim.
— E nessa sua simplicidade você já parou para pensar que o Artur e a
Rebeca só falaram sobre você voltar por educação? Eles não estão precisando
de funcionários. Eu não vou pedir nada para eles pensarem que a gente está
precisando e te recontratar só por amizade. Pensa, Amanda. Pensa. —
Levanta-se tão rápido que derruba a cadeira.
— Posso até não voltar a trabalhar com eles, mas nada me impede de
procurar em outro lugar. Eu quero ter o meu dinheiro, César. Estou querendo
entrar em uma academia. Fazer alguma coisa para recuperar o meu corpo de
antes da gravidez. Não quero ter que ficar te pedindo dinheiro para tudo.
— Voltar ao seu corpo de antes da gravidez? — Começa a rir sem se
controlar. — Você acha que academia faz milagre? É mais fácil você
procurar um cirurgião plástico. — Aproxima-se do meu rosto para falar e eu
sinto o cheiro de bebida.
— Você bebeu? Não acredito que eu estou aqui toda preocupada e
você enchendo a cara por aí.
— Desde quando eu preciso beber para ver que você está gorda? Que
está toda flácida? Você é uma propaganda enganosa. Quando eu te conheci,
você era gostosa, agora, olha para isso. – Diz apontando para o meu corpo. —
Eu tenho que me esforçar e muito para transar com você. — Não me seguro
mais e acerto um tapa no rosto dele enquanto as lágrimas descem livres pelo
meu rosto.
— Estar embriagado não te dá o direito de falar assim comigo. Estou
gorda sim, e daí? Esse corpo aqui foi o que gerou sua filha. Se você não quer
mais, é só falar. Agora, uma coisa que eu não vou admitir é que você fique
me ofendendo, que você fique me humilhando. — Viro-me e saio da cozinha.
Ele vem atrás de mim e pergunta:
— Aonde você vai? Eu ainda não terminei de falar. — Ignoro. Sigo
para o meu quarto.
Vou direto para o armário e pego roupa de cama e um travesseiro para
ele. Esta noite ele não dorme comigo e eu me recuso a sair do meu quarto.
Ele que durma na sala.
— Vou te ajudar. Pode dormir tranquilo que hoje você não vai
precisar fazer o esforço de transar com essa gorda aqui. Esta noite você
dorme na sala. Bem longe de mim. — Jogo tudo em cima dele e volto para o
quarto. Entro e tranco a porta. Ele vem logo atrás e tenta entrar.
— Abre esta porta, Amanda. Eu ainda não terminei de falar. — Grita
enquanto dá socos na porta.
— Acho bom você parar com o escândalo. Se a Duda acordar, quem
vai tomar conta dela é você.
— Abre a porta, amor. Vamos conversar. — Pede praticamente
sussurrando.
— Cala a boca, César. Eu não quero mais ouvir a sua voz hoje. —
Solta um suspiro e fala:
— Você está de cabeça quente. Vou deixar passar esta noite, mas
amanhã a gente vai conversar.
Não me dou ao trabalho de responder. Deito-me na cama e deixo o
choro correr livre. Nós já discutimos diversas vezes, porém, ele nunca me
destratou desta maneira. Nunca me ofendeu como fez hoje.
Para mim chega. Vou começar a resolver minha vida. Não posso e
não quero me submeter a isso. Posso até não voltar a trabalhar com a Rebeca
e o Artur, mas, ficar em casa, eu não fico. Amanhã mesmo eu vou começar a
entregar o meu currículo em algumas empresas e escritórios. Estou tão
revoltada com tudo isso que, em um impulso, tiro a aliança e guardo na
minha caixinha de jóias que fica na mesinha de cabeceira do lado da cama.
Acabo pegando no sono enquanto penso o que vou fazer.
Capítulo seis
Amanda
Acordo assustada sentindo como se tivesse alguém me observando.
Olho para o lado e vejo o César sentado de cabeça baixa na beirada da cama.
Eu devo ter esquecido de trancar a porta outra vez quando saí para ver a Duda
de madrugada. Antes mesmo que eu me levante, ele começa a falar.
— Sei que ontem eu passei dos limites. Não me lembro ao certo o que
falei, você sabe que eu não sou de beber, a única coisa que eu sei é que eu
magoei você, caso contrário, você não teria me colocado para dormir na sala.
Peço desculpa, mesmo não me lembrando pelo quê.
— Vou repetir o que eu falei ontem para você. Estar embriagado não
te dá o direito de me ofender. Não venha colocar a culpa na bebida. Nunca
escutou falar que a bebida entra e a verdade sai? Se você me falou, é porque
pensa justamente aquilo.
— Eu juro para você que eu queria lembrar o que eu falei só para
poder te provar que não foi de coração e que eu mesmo não concordo com o
que falei. Sei que não foi boa coisa. Só de olhar para o seu rosto percebo que
passou a noite chorando e não vou me perdoar por isso. — Solta um suspiro.
— Não vou te perturbar mais. Sei que você precisa de um tempo. Quando eu
voltar, nós conversamos direito. — Tenta me beijar, mas eu desvio. Não
quero que ele me toque.
Levanto-me logo depois de ele sair e ligo o computador. O fato de ele
me pedir desculpa não muda em nada a decisão que eu tomei ontem. Tenho
que preparar o meu currículo para poder sair e distribuir. Preciso de um
emprego o mais rápido possível.
Aproveito que estou com o computador ligado para pesquisar
possíveis lugares para entregar o meu currículo e, na parte da tarde, depois de
dar o almoço da Duda, saio para distribuir. Como não tenho com quem deixá-
la, levo-a comigo.
Sinto que as pessoas ficam olhando para ela. Algumas me perguntam
se é minha filha e querem saber como eu pretendo fazer para trabalhar com
ela. Respondo que já estou vendo uma escola em horário integral. Outras nem
aceitam, dizem que não estão precisando e me dispensam. Sei que não foi a
melhor escolha sair com ela para procurar emprego, porém eu não tinha outra
opção.
Estamos tão cansadas de andar que resolvo comer alguma coisa pela
rua mesmo e volto para casa. Ela não aguenta e chega em casa dormindo.
Dou um banho rápido nela no meu colo já que ela não consegue nem
ficar de pé de tanto sono e coloco para dormir na cama dela. Termino de me
arrumar e vou deitar também.
O fato de ter quase certeza que não serei chamada para nenhuma
entrevista nas empresas que eu fui hoje me deixa desanimada.
Fico pensando no que eu vou fazer da minha vida. Assusto-me com
um vulto e vejo o César parado na porta do nosso quarto.
— Oi. — Não respondo. — Você já comeu?
— Eu comi na rua com a Duda. — Digo de má vontade.
— Tem alguma coisa pronta? Estou com fome. — Sorrio sem humor.
— Não. Se você quiser vai lá e faz. — Ele solta um suspiro e entra no
quarto. Senta na beirada da cama e fala:
— Você vai ficar assim comigo muito tempo? — Passa a mão pelos
cabelos. — Vai me castigar por uma coisa que eu nem lembro que fiz? —
Fico o encarando sem acreditar.
— Acha mesmo que eu vou cair nessa história que você não se lembra
de nada? Eu não nasci ontem, César. Você sabe muito bem que desta vez
passou dos limites.
— Mas é verdade, Amanda. Eu não me lembro de tudo. Só de
pedaços da nossa conversa.
— Conversa? Nós não conversamos. Nós discutimos. E você me
ofendeu o tempo todo. Então, mesmo que você não se lembre de tudo, aposto
que se lembra de alguns dos absurdos que me falou. Agora me dá licença. Eu
estou cansada e com dor de cabeça. Quero dormir. E quando sair, fecha a
porta.
— Eu vou dormir na sala outra vez? — Pergunta incrédulo. Acredito
que não esperava por isso já que eu sempre acabo cedendo quando ele me
pede desculpa.
— Eu não vou me dar ao trabalho de te responder. Boa noite. — Falo
e viro-me para o outro lado, dando as costas para ele que se levanta e sai do
quarto.
Tenho mais uma noite agitada e acordou outra vez com ele sentado na
beirada da cama me olhando.
— Sei que você ainda não me desculpou, só queria falar uma coisa
com você antes de sair para trabalhar. Eu passei a noite pensando e me
lembrei de algumas coisas que a gente falou. Você pode procurar a escola
para a Duda. É só escolher e me falar quanto é que eu te dou o dinheiro.
Você, mais uma vez, estava certa. Está na hora de ela ir para a escola e ter
contato com mais crianças. — Fala parecendo estar bem abatido, mas eu não
vou cair nessa outra vez.
— Era só isso? — Indago fazendo pouco caso para o que ele falou.
— Não. O que eu falei sobre você trabalhar lá no escritório é sério. Eu
realmente acho que não é uma boa ideia. Eles estão em uma fase complicada
e irão ficar constrangidos de te dizer não. Se você faz tanta questão assim de
trabalhar, eu não vou mais ser contra, porém, não posso falar com eles. Você
tem que procurar em outro lugar.
— Pode ter certeza que é isso que eu vou fazer. — Respondo seca. —
Acabou?
— Não. — Nega mais uma vez. — Não vou entrar em detalhes sobre
o que eu falei, só quero que você saiba que eu não acredito em uma palavra.
Eu estava bêbado e de cabeça quente. Acabei, mais uma vez, descontando em
quem não devia. Mas, se você quer mesmo entrar na academia, pode procurar
que eu pago para você. — Vou retrucar e ele não deixa, continuando a falar.
— Eu sei que você quer pagar com o seu dinheiro. Eu pago para você
enquanto você não consegue um emprego. — Faço menção de falar e ele não
deixa outra vez. — Como um pedido de desculpa. — Ele percebe que eu não
vou falar nada e diz: — Tenho que ir que já estou atrasado. Podemos
conversar melhor à noite?
— Não sei, César. Sinceramente, não sei.
— Ok. Eu não vou desistir de tentar. Prometo chegar cedo. — Tenta
me dar um beijo. Eu desvio e pega no canto da minha boca. Levanta-se e sai
do quarto.
Acredito que não tenha reparado que eu tirei a aliança ou teria me
questionado. Não me importo. Nem sei se voltarei a usar.
Logo depois eu levanto também. Faço o almoço enquanto a Duda não
levanta para podermos sair para procurar a escola dela. Assim, quando
voltarmos, já estará pronto e não precisaremos comer na rua outra vez.
Assim que a Duda acorda coloco o cereal com leite para que ela coma
enquanto eu arrumo a cozinha. Quando acabamos, trocamos de roupa e
saímos.
Estou andando pelo bairro para procurar as escolas que eu vi na
internet e passo em frente a uma academia. Olho o nome e vejo que é
justamente a que eu mais gostei. Decido entrar para conhecer mesmo que não
vá me matricular agora.
Entro na recepção, de onde eu consigo ter uma boa visão de quase
toda a academia, e fico impressionada. As fotos não demonstram metade da
realidade. É muito melhor pessoalmente.
— Bom dia. Posso ajudá-la? Gostaria de conhecer as instalações? —
Não tenho tempo nem de perguntar o nome da mulher que fala comigo. Um
rapaz, que eu nem tinha visto ainda, nos interrompe.
— Deixa que eu mostro para ela, Sara.
Capítulo sete
Guilherme
Estou a tanto tempo nesta sala cercado de papéis que não aguento
mais. Além das coisas de sempre, meu contador acabou de me ligar para
avisar que vai sair do país. Ele indicou um amigo para assumir a
contabilidade, mas, já trabalhamos com ele há anos e não queria ter que
mudar. Preciso parar um pouco para respirar ou vou acabar pirando. Decido
sair para dar uma volta pela academia.
Minha academia. Quem diria que esse sonho de criança iria se tornar
realidade. Desde pequeno que eu sempre disse que teria uma. Meu pai
sempre me levava quando ia e eu ficava fissurado. Ele me colocou em aulas
de diversas lutas e, mesmo depois de crescer, continuei fazendo as que mais
gostava. Como capoeira, por exemplo.
Não foi surpresa para ninguém quando eu escolhi a faculdade de
educação física já que eu pretendia seguir nesta área. A surpresa foi por eu
resolver fazer a de administração também. Cursei as duas ao mesmo tempo.
Muitas pessoas me chamaram de louco por fazer isso, mas eu não
queria esperar me formar em uma para começar a outra. Confesso que teve
época em que eu ficava maluco com tanto trabalho e prova. Na fase dos
estágios, eu parecia um zumbi. Não tinha tempo para nada.
Fiz meu estágio de administração aqui mesmo. Naquele tempo, a
academia ainda era do Pedro, amigo do meu pai. Depois que eu me formei,
ele me ofereceu para comprar. Disse que queria parar de trabalhar e
aproveitar a vida.
Acredito que o fato do meu pai ter falecido cedo o ajudou a tomar
essa decisão. Afinal de contas, ele era novo ainda quando sofreu um acidente
de moto. Tinha apenas quarenta e cinco anos. Ele estava de capacete, mas não
resistiu. Morreu a caminho do hospital.
Parece que ele sabia que iria nos deixar antes de poder nos apoiar para
tomar um rumo na vida e deixou tudo preparado. Ele fez um seguro de vida
no nome da minha mãe e outro nos nomes das minhas irmãs e meu.
Sou o irmão do meio. A Clara, que é a mais velha, abriu uma escola
com a minha mãe. As duas são professoras e pedagogas e resolveram investir
o dinheiro do seguro juntas. Foi lá que eu fiz o meu estágio de educação
física. Já a Júlia, que se formou há pouco tempo em educação física, comprou
trinta por cento da academia, virando minha sócia. Ela também dá aula de
dança aqui.
Sigo pelo corredor olhando se está tudo funcionando perfeitamente.
Sei que tenho bons funcionários, mas não custa estar sempre de olho. Quando
decidi cursar administração foi justamente para poder ficar a frente de tudo.
Além de administrar, sempre que algum professor falta, sobra para mim. Já
perdi as contas de quantas turmas eu precisei assumir.
Caminho para perto da recepção e vejo uma mulher entrar de mãos
dadas com uma menininha que deve ter por volta de quatro anos igual a Mel,
minha sobrinha.
A mulher é linda. Tem o corpo cheio de curvas, baixinha e um rosto
lindo que os cabelos presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça realçam
ainda mais. A menina deve ser filha dela, já que se parecem muito.
Fico parado olhando sem conseguir desviar o olhar. Quando vejo que
a Sara se aproxima para falar com ela, saio do transe e caminho em direção as
duas.
— Bom dia. Posso ajudá-la? Gostaria de conhecer as instalações? —
Escuto a Sara falar quando paro atrás dela e resolvo intervir.
— Deixa que eu mostro para ela, Sara. — Digo encarando a mulher
parada na minha frente. De perto, apesar do olhar triste que eu vejo nela, é
ainda mais bonita. A menina agarra as pernas da mãe como se estivesse
assustada. Vejo a mesma tristeza nos olhos dela.
— Tem certeza, Guilherme? — A Sara me pergunta sem entender
nada. Eu nunca faço isso, a menos que não tenha outro jeito.
— Tenho sim. Estou precisando dar uma volta mesmo. Já estava
ficando maluco preso dentro daquela sala. — Respondo olhando para ela que
acena com a cabeça em acordo. — Vamos? — Chamo virando-me para a
mulher que eu ainda não sei o nome. — Como você já deve ter percebido,
meu nome é Guilherme. — Estico a mão para cumprimentá-la.
— Prazer. Eu me chamo Amanda. — Seguro a mão dela mais tempo
do que o necessário e não tenho a mínima vontade de soltar.
— Nome bonito. — Falo encarando-a mais uma vez e ela desvia o
olhar. — E o desta princesa, qual é? — Questiono me abaixando para ficar na
altura da menina. A mãe, que agora eu sei se chamar Amanda, a incentiva
com um carinho na cabeça para que me responda.
— Duda. — Responde toda envergonhada.
— Que nome bonito. Combina com você, sabia? — Toco no nariz
dela quando falo. — Se você quiser pode me chamar de tio Gui, tudo bem?
— Acena com a cabeça em acordo, começando a se soltar.
— Bom, vocês estão em boas mãos. Ninguém melhor do que —
Percebo que a Sara vai dizer que eu sou o dono da academia e faço um sinal
discreto para que ela não continue. — Guilherme para mostrar a academia
para vocês. Se precisarem de mim é só chamar. — Despede-se e sai. Sei que
ela irá me questionar depois.
A Sara é uma das funcionárias mais antigas da academia. Quando eu
vim fazer o meu estágio, já trabalhava aqui. Ela me conhece a tanto tempo
que não temos uma relação apenas de empregada e patrão. Já virou amizade.
— Por aqui. — Aponto para a direção do salão. — Você já tem noção
do que quer fazer? Musculação, ginástica localizada, aeróbica, dança, lutas,
jump, step, pilates, funcional... — Vou falando algumas das opções que
temos.
— Ainda não sei. — Olha para tudo enquanto responde.
— Qual o seu objetivo? Se você me falar eu posso te ajudar a
escolher. — Tento puxar assunto para esta visita demorar mais tempo. Ainda
não quero que ela vá embora. — Você quer ganhar massa muscular, perder
peso ou o que?
— Emagrecer. — Olho-a de cima a baixo sem acreditar no que eu
ouvi. Em minha opinião, ela tem o corpo lindo assim, deste jeito. — Quero
perder os quilos que ganhei na gravidez desta mocinha aqui. — Diz fazendo
um carinho na cabeça da filha. — Eles gostaram tanto de mim que ainda não
me deixaram.
— Jura? Mas você está muito bem assim. — Solto sem pensar. Ela
abaixa a cabeça sem graça.
— Falou o homem que vive cercado por beldades. — Fala
sussurrando ainda de cabeça baixa.
— Mas é a verdade. — Surpreende-se por eu ter escutado. — Você é
linda assim. Principalmente quando fica envergonhada. — Vejo que o rosto
dela está cada vez mais vermelho. — Desculpa se eu te deixei sem graça. Não
foi a minha intenção.
— Não tem problema. É até bom receber um elogio depois de tanto
tempo. — Sorri sem humor. — Mesmo que seja só por educação.
— Acho que você precisa de um oftalmologista e não de uma
academia. — Ela me olha esperando que eu explique. — Se você acha
mesmo que precisa emagrecer, das duas uma, ou você está com algum
problema de visão, ou seu espelho está com defeito.
— Mamãe. Mamãe, olha. Tem brinquedo. Posso ir lá? Deixa, mamãe,
por favor? — A Duda pergunta toda animada quando a gente passa em frente
à sala de recreação para os filhos dos alunos, chamando a atenção para ela.
— Hoje não, meu amor. Outro dia, tudo bem?
— Essa sala é para os pequenos se distraírem enquanto os pais estão
fazendo aula. Está incluído na mensalidade. — Informo para ela e
continuamos andando.
Acho que essa é a pior apresentação da academia que eu faço. Eu não
estou explicando praticamente nada para ela. Mas, ao mesmo tempo, é a
melhor pela companhia.
— Na verdade ela vai para a escola. A gente saiu hoje para decidir
justamente isso. Eu já pesquisei na internet e agora quero ver pessoalmente.
Só entrei aqui porque estava passando na porta.
— Sorte dupla, então. Você achou a academia e a escola. — Olha-me
sem entender nada. — Quando vocês chegaram, eu estava justamente saindo
para ir à escola que a minha irmã é diretora. — Minto descaradamente. —
Fica a duas ruas daqui. Se você quiser, eu te mostro onde é quando
terminarmos aqui.
— Eu agradeço. A única que passei até agora era tão diferente do que
vi na internet que eu não quis nem entrar.
— Aposto que você vai gostar. Vamos terminar aqui que eu te levo lá.
— Não precisa se incomodar. É só você me passar o endereço que eu
vou.
— Não é trabalho nenhum. Como eu disse, já estava indo para lá. É
bom que eu mato a saudade da minha sobrinha. Ainda não encontrei com ela
essa semana. Vamos falar sobre as aulas. Estou fazendo um péssimo trabalho
aqui. Se a Sara souber vai me matar.
Faço um resumo para ela sobre os pacotes que temos na academia,
bem como os valores. Digo que ela pode fazer aulas experimentais para saber
do que realmente gosta antes de decidir o que vai fazer e sigo mostrando o
restante das salas.
— Mamãe, a gente vai dançar aqui? — A Duda pergunta animada
mais uma vez.
— A mamãe ainda vai pensar, mas você não pode, filha. Aqui é só
para adulto. — Fala toda carinhosa com a filha.
— Vocês gostam de dançar, pelo jeito. Talvez essa seja uma boa
escolha para você. Assim fica mais fácil se acostumar. Depois, aos poucos,
você vai fazendo mais alguma aula. — Acena com a cabeça em acordo e eu
me abaixo para falar com a Duda. — Você sabe dançar, princesinha?
— Sei sim. Não é, mamãe? Só o papai que não sabe. Ele nunca quer
dançar com a gente. — Diz cabisbaixa.
— É que ele chega cansado do trabalho, filha. Por isso ele não dança
com você.
Claro que ela é casada. E eu aqui flertando o tempo todo.
— Desculpa. Eu não sabia que você é casada. Você não usa aliança.
— É a minha vez de ficar sem graça.
— Eu tirei porque estava me machucando e me esqueci de colocar
outra vez. — Sinto que está mentindo, porém, não digo nada. Afinal de
contas, ela não me deve satisfações. — E não precisa pedir desculpa. Você
não me faltou com respeito, só me elogiou.
— Claro. — Sinto ainda mais tristeza nelas depois de falar sobre ele.
Sacudo a cabeça como se isso fosse me ajudar a reorganizar as ideias. — Nós
já vimos tudo aqui. Se você quiser, podemos ir à escola agora. Antes de sair
passamos na recepção e eu pego um panfleto para você.
Caminhamos juntos em direção a saída da academia e paramos para
que eu pegue o panfleto. Anoto o meu nome no verso e entrego a ela que
parece estar perdida em pensamentos.
— Você vai sair, Guilherme? — A Sara pergunta olhando-me de
esguelha.
— Vou levar a Amanda na escola da Clara para apresentar e já volto.
Se alguém me procurar, estou no celular.
— Claro. Sem problemas. — Diz com um sorriso como quem diz que
sabe o que eu estou fazendo. Sinto que serei metralhado por perguntas na
volta.
Capítulo oito
Amanda
Fico parada olhando para ele enquanto pega o folheto. O que
aconteceu? Ele estava mesmo flertando comigo ou apenas sendo educado?
Tem tanto tempo que não passo por isso que acho que nem sei reconhecer
mais.
Ele é bonito, com um corpo todo definido, mas nada exagerado,
cabelos curtos, um rosto forte, com a sombra de uma barba aparecendo que o
deixa ainda mais charmoso.
Charmoso? Eu realmente desaprendi. Sendo bem sincera, ele é
gostoso. O tipo de homem que chamava minha atenção antes de eu conhecer
o César.
César. Só de me lembrar dele eu já me sinto mal por estar pensando
sobre o Guilherme. Por mais que o meu casamento esteja uma droga, eu
ainda sou casada.
Quer saber? Eu não estou fazendo nada demais. Sou casada e não
cega. Não tem problema algum achar uma pessoa bonita.
Vejo que ele caminha em minha direção, entrega-me o panfleto e
volta-se para a Sara que o chamou. Resolvo deixar para pensar nisto tudo
mais tarde e me concentrar no agora. Preciso escolher uma escola para a
minha filha.
— Vamos? — Pergunta-me parado na minha frente me pegando de
surpresa, fazendo com que eu leve um susto. — Desculpa. Não queria te
assustar.
— Não. Eu que me distraí. — Digo e sigo para a saída da academia de
mãos dadas com a Duda e com ele ao meu lado.
Depois de cinco minutos em que nós estamos andando em silêncio ele
fala sem me olhar:
— Desculpa mais uma vez. Eu não pensei que você era casada, ou
não teria dito o que eu disse.
— Realmente não tem problema. Você não me ofendeu, só me
elogiou.
— Sim. Só elogiei. — Responde em um tom estranho ainda sem olhar
para mim. Depois de mais um tempo em silêncio volta a falar. — É que você
me parece um pouco triste. Pensei que... — Não o deixo completar.
— Não. Não tem nada haver com isso. Só estou passando por alguns
problemas. — Não entro em detalhes.
— Espero que consiga resolver logo. — Fala e me olha pela primeira
vez desde que saímos da academia. Fica me encarando durante um minuto e
diz: — A escola fica na próxima rua. É o primeiro prédio virando a esquina.
— Indica a direção.
— Essa é umas das que eu tinha visto na internet. — Comento quando
paramos em frente ao portão de entrada. — Nem percebi que era a mesma
quando você falou onde ficava.
— Você por aqui? Não acredito. — Um homem que eu acredito ser o
porteiro da escola fala em tom de brincadeira olhando para o Guilherme.
— Quem te escuta falar assim pensa que eu quase não apareço. —
Responde sorrindo. — Minha irmã está aí, Luiz?
— Na sala dela, como sempre. Vai lá. — Abre o portão para que a
gente passe. — E quem são essas duas?
— A princesinha é a Duda e essa é a mãe dela, Amanda. Elas vieram
conhecer a escola.
Dou um sorriso e o Luiz diz:
— Aposto que vão adorar. Essa é a melhor da região. E olha que não
estou falando isso por trabalhar aqui.
— Está querendo puxar o saco da Clara? Deixa o Rodrigo saber disso.
— Não enche, Guilherme. — Sinto o tom de camaradagem dos dois e
sorrio enquanto entramos.
Sigo atrás do Guilherme que vai cumprimentando todos por onde
passa. Desde os funcionários aos alunos. Ele para na porta de uma sala, bate e
abre sem esperar que respondam.
— Será que você tem um tempinho para o seu irmão? — Pergunta
divertido assim que passa pela porta.
— Gui. — Abraça o irmão e me olha. — E quem são essas moças? —
Pisca para mim e abaixa-se para ficar na altura da Duda. — Você é muito
linda, sabia?
Minha filha fica toda envergonhada e se agarra as minhas pernas. Ela
tem feito bastante isso quando saímos. Acho que o fato de ficar muito tempo
sozinha comigo fez com que ela ficasse mais tímida. Espero que isso melhore
quando começar na escola.
— Amanda, essa é a minha irmã, Clara. Clara, essas são a Amanda e
a Duda. Elas estão procurando uma escola e eu indiquei essa. — O
Guilherme nos apresenta.
Ela sorri, aperta minha mão e indica a cadeira para que eu me sente.
— Estou querendo colocar esta mocinha aqui na escola. Já era para ter
visto isso, uma vez que ela completou quatro anos no final do ano passado,
mas tive alguns problemas e não consegui. Vi na internet que as aulas
começaram essa semana e acredito que não esteja tão atrasada assim para
fazer a matrícula.
— Sim. Começaram esta semana. Você tem preferência por horário?
— Desculpa interromper vocês, mas é rapidinho. — O Guilherme fala
antes que eu possa responder. — Amanda, você está em ótimas mãos. —
Pisca para a irmã que sorri para ele. É visível o amor de um pelo outro. —
Vou procurar minha sobrinha para dar um beijo nela e voltar para a academia.
Quando voltar, pede para a Sara me chamar, ok? — Pede olhando para mim.
Sorrio e aceno com a cabeça em acordo mesmo achando que não vá fazer.
— Nada de atrapalhar a aula, Gui. Toda vez que você aparece, as
professoras levam um bom tempo para acalmar a turma depois. — Repreende
o irmão e vira-se para mim. — Esse daí só tem tamanho.
— Não tenho culpa se sou irresistível e até as crianças me amam. —
Dá um beijo na irmã, para perto da Duda e diz: — Gostei muito de você,
princesinha. — Dá um beijo na testa dela e continua falando baixinho: —
Cuida da mamãe, tudo bem?
Ela acena com a cabeça para ele em acordo e eu fico parada olhando
para os dois mexida com a cena. Quando saio do transe, ele já saiu da sala e a
Clara está me olhando como se perguntasse o que aconteceu aqui. Mal sabe
ela que estou me fazendo a mesma pergunta.
— De onde vocês se conhecem? — Fica me encarando como se
pudesse ler tudo o que está se passando na minha cabeça. Tento me controlar
para responder a pergunta. Não sou mais nenhuma adolescente e não tenho
nada para esconder também.
— Da academia. Eu entrei para conhecer e ele me mostrou. Enquanto
a gente conversava, eu comentei que estava procurando uma escola e ele se
ofereceu para me trazer aqui. — Respondo de maneira firme para ela que
arqueia a sobrancelha para mim.
— Ele te mostrou a academia? — Concordo. — A Sara não estava lá?
— Não entendo o motivo do espanto dela.
— Sim. Na verdade, foi ela que me recebeu, mas, na hora que ela
estava me perguntando se eu queria conhecer, o Guilherme apareceu e se
ofereceu para me mostrar.
Ela fica parada me olhando sem dizer nada até que levanta e caminha
para a porta.
— Vamos conhecer a escola. Depois a gente conversa sobre horários
e valores. — Muda completamente de assunto.
— Claro! — Levanto-me com a Duda sem entender o motivo dessa
reação e sigo atrás dela que vai me indicando o que são os lugares por onde
passamos. Minha filha olha para tudo fascinada.
Quando nos aproximamos de uma das salas escutamos várias crianças
falando ao mesmo tempo e rindo.
— Quer apostar que é o Gui? Ele não tem jeito. — Ela abre a porta e
a bagunça fica ainda mais alta. — O que eu falei, Guilherme? — Pergunta de
braços cruzados.
— Já estou de saída, general Clara! — Diz batendo continência. Não
resisto e acabo rindo da atitude dele que me olha sorrindo enquanto caminha
para a porta da sala onde eu estou parada. — Viu? Pode confiar que ela
coloca ordem. Chega a ser chata com isso. — Diz próximo ao meu ouvido
em uma altura que só eu e a irmã conseguimos ouvir. Tenho que me controlar
para não gargalhar.
— Eu ouvi isso, seu abusado. — Ele sai correndo como se estivesse
fugindo da irmã e a turma começa a rir.
A professora, que eu nem tinha visto, está sentada atrás de uma mesa
no canto da sala sorrindo para a cena. Ela vira-se para a turma e pede:
— Agora chega. Cada um no seu lugar.
Saímos da sala com um aceno de cabeça para a professora e
continuamos o passeio pela escola. Quando terminamos, voltamos para a sala
da Clara.
— Eu tinha te perguntado antes, mas o Gui nos interrompeu, você tem
preferência por horário?
— Na verdade, eu queria ver também sobre o horário integral, já que
pretendo voltar a trabalhar e não tenho quem fique com ela.
Ela me passa todos os horários, valores, lista de material, uniforme,
informações sobre a metodologia da escola e toda a documentação necessária
para a matrícula.
— No início, ela fica em horário reduzido para fazer a adaptação.
Acredito que em uma semana já esteja acostumada.
— Talvez ela não fique no integral logo, pois eu ainda não estou
trabalhando.
— Sem problemas. É só me procurar quando quiser mudar.
— Ok. Eu vou conversar com o meu marido e volto. Muito obrigada.
— Levanto-me para sair.
Ela fica parada me olhando por alguns segundos até que se levanta e
caminha comigo até a entrada da escola onde nos despedimos.
— Eu fico te esperando, então. Até mais. — Despeço-me também e
sigo para casa.
Capítulo nove
Guilherme
Só elogiei. Só elogiei. Só elogiei.
Fico repetindo isso na minha cabeça enquanto volto para a academia.
Talvez assim eu me convença.
Sei que ela é casada, mas não posso negar que alguma coisa nela me
atrai. Não acredito em amor a primeira vista e nessas baboseiras, não é isso.
Não sei explicar, é como se uma força muito forte me puxasse para ela.
Tentei não deixar isso transparecer depois de descobrir que ela é
casada, mas não consegui. Olho para ela e me dá vontade de cuidar, de tirar
aquele olhar triste que ela tem e fazê-la sorrir mais vezes como fiz na escola
enquanto brincava com as crianças.
E com a Duda não é diferente. Nenhuma criança deveria ter aquele
olhar. Só em pensar que o pai pode ser o culpado por isso já me deixa
nervoso. É tudo muito louco. Eu acabei de conhecer as duas, como posso me
sentir assim a respeito delas em tão pouco tempo?
Entro na academia, aproveito que a Sara está atendendo e passo direto
para a minha sala. Sinto que ela quer me chamar, porém não o faz. Não vou
escapar por muito tempo.
De volta aos papéis. Eles não se resolveram sozinhos enquanto eu
estava fora. O que seria ótimo, já que eu não estou com cabeça para nada
disso agora. Forço-me a começar e resolvo algumas das pendências que
preciso.
Uma hora depois de eu voltar para a academia, quando eu começo a
me concentrar melhor, o meu celular toca. Vejo a foto da Clara com a Mel e
atendo a minha irmã no segundo toque.
— Já está com saudades? Eu acabei de sair daí. — Implico.
— Guilherme, eu não estou afim de brincadeiras. O que você está
fazendo? — Poucas vezes eu escutei este tom de repreensão na voz dela.
— Estou na academia organizando a papelada que está em cima da
minha mesa. Por quê?
— Não se faça de burro, Guilherme. Você sabe muito bem do que eu
estou falando.
— Clarinha, sério. Eu não estou entendendo. Seja direta, por favor.
— Uma mulher casada, Guilherme? É sério isso? Você só pode estar
ficando maluco.
— Do que você está falando, Clara? O que a Amanda tem a ver com
isso?
— E ainda quer me dizer que não sabe do que eu estou falando? Você
já fez algumas besteiras na vida, assim como todo homem, mas isso? Isso eu
não esperava de você.
— Isso o quê, Clara? Eu só levei a Amanda na escola. Não sabia que
eu não podia mais indicar ninguém para você.
— Eu vi o jeito que vocês estavam se olhando, Guilherme. Eu já vi
aquele olhar.
— Você está viajando. Não tem nada acontecendo. Eu conheci a
Amanda hoje. — Tento convencer a nós dois ao mesmo tempo com essa
declaração.
— Claro. E você mostra a academia para todo mundo. Assim como
traz pessoalmente todo mundo que indica a escola, não é mesmo? — Diz com
puro sarcasmo. Como ela sabe que eu mostrei a academia para a Amanda?
— Pode ficar tranquila, Clarinha. Não está acontecendo nada e nem
vai. Como você mesma falou, ela é casada. Mesmo que eu ache que não por
muito tempo. E você sabe que eu nunca me envolveria com uma pessoa
comprometida.
— Esse é o meu medo, Gui. — Sinto a preocupação na voz dela. —
Olha o que você falou. Mesmo que o casamento dela esteja passando por
problemas isso não significa que ela vá se separar.
— Não precisa se preocupar. Eu sei disso. Fica tranquila. — Tento
acalmá-la.
— É claro que eu me preocupo. Você é meu irmão. Eu te conheço,
Gui. Sei como você se entrega e não quero te ver sofrendo outra vez. — Fico
tenso na hora. Sei aonde este assunto vai parar e não gosto nem um pouco. —
Não quero te ver como você ficou por causa da... — Não a deixo terminar de
falar.
— Pode parar agora mesmo, Clara. Chega! Eu já falei que você não
precisa se preocupar. Não sou nenhuma criança que precisa de babá o tempo
todo atrás para não fazer besteira. — Explodo.
— Gui, eu... — Interrompo-a mais uma vez.
— Você nada. Vive se gabando por me conhecer e vem me falar isso?
Eu já disse que nunca me envolveria com alguém casada. Agora, você tocar
nesse assunto? Jura, Clara? Logo você que sabe o quanto isso mexe comigo e
o quanto eu tento esquecer o que aconteceu? — Falo completamente alterado.
— Gui, desculpa. Eu não queria...
— Você nunca quer, Clara. Vou desligar que eu tenho mais o que
fazer.
— Espera... — Desligo antes que ela possa falar mais alguma coisa.
Levanto-me e começo a andar pela sala tentando me acalmar, mas é
em vão. Anos tentando esquecer tudo isso para a minha própria irmã me fazer
lembrar. Não que eu tenha esquecido completamente, acho que isso nunca vai
acontecer de verdade. Por mais que eu tente, esse assunto sempre vai me
perseguir.
De onde a Clara tirou a ideia de comparar a Amanda com aquela
mulher? Elas não poderiam ser mais diferentes. Sei que acabei de conhecê-la,
mas só precisei olhar para ela para saber disso.
Meu celular toca outra vez. Não atendo. Não quero falar com
ninguém agora. Continuo andando pela sala de um lado para o outro. Se eu
continuar assim vou acabar fazendo um buraco no chão.
A pessoa insiste em ligar. Pego o aparelho e vejo que é a Clara outra
vez. Desligo e tiro o telefone que fica na minha mesa do gancho. Sei que ele
é a próxima tentativa dela. Se alguém da academia quiser falar comigo, que
venha aqui.
Apoio minhas mãos na mesa e abaixo a cabeça tentando controlar
minha respiração. Preciso me acalmar e me concentrar no trabalho. Isso
sempre foi a minha salvação e dessa vez não será diferente.
Escuto uma batida na porta, mas não respondo. Quem quer que seja
que volte mais tarde. Continuo de cabeça baixa até que escuto a voz da Júlia.
— Posso entrar? — Pergunta parada na porta entreaberta me olhando
com receio.
— Vai adiantar alguma coisa falar que não? — Ela sorri e entra.
Caminha em minha direção e me abraça.
Não a impeço e retribuo. Preciso desse abraço e ela sabe disso.
— Ela não fez por mal. Você sabe disso. — Diz ainda me abraçando.
— Ela te ligou. — Afirmo.
— Você sabe que sim. Ela está preocupada com você. Disse que está
te ligando e você não atende.
— Não quero falar com ela agora. Na verdade, não quero falar com
ninguém. — Sou sincero com ela, apesar de saber que não vai adiantar falar
isso.
— Gui, você sabe como ela é com você. A Clara ainda se sente
culpada. A única vez que ela não se meteu, que deixou você fazer o que
queria mesmo não concordando, deu no que deu. Tenta entender.
— Eu até entendo, Ju. Mas por que trazer esse assunto à tona? Fora
que ela me conhece melhor do que ninguém. Sabe muito bem que eu não
teria nada com a Amanda ela sendo casada.
— Sou obrigada a concordar com ela. — Afasto-me dela que se
explica. — Não estou falando de tudo, Gui. Não precisa me expulsar daqui.
— Espero que ela continue. — Você já se olhou no espelho quando fala dessa
Amanda? — Nego com a cabeça sem entender aonde ela quer chegar com
isso. — Seus olhos ganham um brilho diferente, Gui. Um que há muito
tempo eu não vejo neles.
— Você está vendo coisas. — Desvio o olhar dela e viro de costas.
— Se você quer se enganar, tudo bem. Não é que eu não goste disso.
Eu só tenho medo igual à Clara. Você pode se machucar, irmão. E nem ela e
nem eu queremos isso. Nós te amamos muito. — Viro-me de frente para ela
outra vez e o que eu vejo me desarma. A preocupação que ela falou está
estampada no rosto dela.
— Eu também amo vocês duas. Mesmo quando me azucrinam. —
Tento aliviar o clima.
— Liga para ela. Ela está mal. Sabe que ela não gosta de brigar com
você. Você sempre foi o queridinho dela.
— Ciúmes? — Implico como sempre fiz.
— Você sabe que não. — Sorri. — Vai ligar?
— Depois. Agora eu tenho que trabalhar e sei que essa conversa vai
demorar.
— Manda uma mensagem, pelo menos. Ou não dou meia hora para
ela bater nessa porta. Ela já queria ter vindo. Eu que falei para esperar.
— Pode deixar. Agora vai trabalhar você também. Não está na hora
da sua aula? — Pergunto olhando para o relógio.
Ela acena com a cabeça em acordo, caminha em minha direção, dá um
beijo em meu rosto e sai da sala sem falar mais nada. Fico parado olhando
para a porta pensando em tudo o que ela falou.
Saio do transe em que estava e mando uma mensagem para a Clara
antes que aconteça o que a Júlia falou e ela apareça aqui. Digo que está tudo
bem e que depois nós conversamos direito, pois tenho várias coisas para
resolver na academia. Ela me responde que me liga mais tarde e que me ama.
Apesar de ter dito que tinha muita coisa para resolver, não faço nada.
Já vi que hoje o meu dia está perdido. Se já não estava com cabeça antes,
agora então é que não estou mesmo.
Decido dar outra volta pela academia. Péssima decisão. Por todo lugar
que eu passo, me lembro da Amanda e da Duda. Tento me distrair auxiliando
na sala de musculação. Explico a um aluno novo o uso certo de um aparelho,
aceno para o professor que já caminhava na direção dele e sigo pelo corredor.
— Fugindo de mim? — A Sara pergunta divertida quando eu passo
pela recepção.
— Vai adiantar? — Cruzo os braços e espero a chuva de perguntas
que não demora a acontecer.
— O que aconteceu com você hoje? Quem era aquela mulher? —
Encosta-se no balcão e fica me encarando.
— Não aconteceu nada. Será que eu não posso mais mostrar a minha
academia para ninguém que tem que ter um motivo?
— Claro que não. Só se você esconder o fato da academia ser sua e
sair com a pessoa em questão logo depois.
— Eu só fui levá-la na escola. Nada de mais. Para quantas pessoas eu
já não indiquei?
— Quantas pessoas você levou pessoalmente? — Ergue a sobrancelha
para mim. Solto um suspiro. Parece que todo mundo resolveu me perturbar
com isso hoje. — Sem julgamentos, Gui. E só para constar, ela é muito
bonita.
— Ela é linda mesmo. — Falo com um sorriso no rosto.
— Peguei você. — Dá uma gargalhada. Olho para ela sem entender
nada. — Você pode negar o quanto quiser, mas eu sei que você se interessou
nela. Só cuidado. Não recebo para segurar marido com ciúmes, não.
— Vai te catar, Sara. Já não bastam as minhas irmãs. — Caminho
para longe dela que grita:
— Fazer o que se elas estão certas?
Não me dou o trabalho de virar para trás e nem respondo. Continuo
andando pela academia, só não consigo tirar aquelas duas da minha cabeça.
Capítulo dez
Amanda
— Você procurou a escola para a Duda hoje? — O César pergunta
tentando puxar assunto enquanto eu estou no quarto brincando com ela.
Ele chegou cedo do trabalho e está tentando me fazer falar com ele
desde então.
— Já resolvi em qual vou colocar. Fui visitar hoje e peguei os valores.
Estão em cima do aparador na sala. — Respondo seca sem olhar para ele que
se vira e sai. Volta logo depois com o papel na mão.
— Você gostou da escola, filha? — Pergunta e senta-se no chão ao
meu lado.
— Sim, papai. Lá é muuuuuuuuuito legal. Eu vou ter um monte de
amiguinhos. A mamãe disse que eu vou aprender muita coisa também. —
Responde toda empolgada. O pai sorri e faz um carinho na cabeça dela.
Desde que nós chegamos da escola que ela não fala de outra coisa.
Foi o dia inteiro perguntando quando vai começar a estudar, quando vai
comprar o material. Nunca vi minha filha tão animada assim.
— Escolheu a academia para você? — Questiona virado para mim.
Antes mesmo que eu responda a Duda fala:
— A mamãe vai dançar, papai, mas ela disse que eu não posso. Que é
só para adulto. Não é, mamãe?
— Eu ainda não sei se vou, filha. — Respondo de cabeça baixa.
A impressão que eu tenho é que se o César me olhar agora vai
descobrir sobre o Guilherme. Não que tenha acontecido alguma coisa demais,
porém, eu prefiro que ele não saiba. Até porque eu já decidi que vou procurar
outra academia para mim.
Ele mexeu comigo de um modo que eu não sei explicar e tudo o que
eu não preciso agora é de mais problemas na minha vida. Prefiro manter
distância.
— Por que não sabe? Eu disse que eu pago para você, amor. — Não
digo nada e ele continua: — Até quando você vai ficar assim comigo? Sem
nem olhar para mim? — Segura o meu rosto me fazendo olhá-lo.
— Aqui não, César. Olha a menina. — Solto-me dele e me afasto.
— Quando? Já faz três dias que você não me deixa nem encostar em
você, Amanda. Eu sou seu marido, caramba. — Exalta-se.
— Jura? Engraçado. Na hora de me ofender, de levar em consideração
o que eu penso ou quero você não se lembra disso, não é mesmo? —
Levanto-me e saio do quarto.
Nunca gostei que a Duda presenciasse nossas brigas, mas ele
conseguiu me tirar do sério. Ele vem atrás de mim e me segura pela mão.
— Cadê a sua aliança? — Sinto que ele está completamente
descontrolado e me solto, caminhando para longe do quarto da Duda para que
ela não escute nada. Ele me segue mais uma vez. — Eu te fiz uma pergunta,
Amanda. Onde está a sua aliança? Esqueceu que é casada?
— Eu? Eu que esqueci? Você tem certeza disso? Sou eu que vivo
chegando tarde em casa? Que não largo a merda do celular? Que não te
procuro mais? — Explodo de vez. Não aguento mais escutar tanta besteira
calada.
— O problema é esse? Você está com falta de sexo? — Pergunta com
um sorriso de deboche. — A gente pode resolver isso agora mesmo. — Tenta
se aproximar de mim mais uma vez e eu me afasto, indo para o outro lado da
cama.
— Não encosta em mim. — Digo mais alto do que pretendia. —
Estou cansada, César. Cansada de você fazer merda atrás de merda e eu te
desculpar. Dessa vez, não.
— Dessa vez, sim. — Grita. — Você é minha mulher. Tem obrigação
de me agradar.
— Mamãe, vocês estão brigando? — A Duda pergunta na porta do
meu quarto chorando. Corro para perto da minha filha e a pego no colo
abraçando-a apertado.
— Não chora, meu amorzinho. É coisa de adulto. Não fica assim. —
Tento acalmá-la.
O César me olha, passa as mãos no cabelo e se vira para sair. Na porta
do quarto ele para e sem olhar para trás avisa:
— Vou dar uma volta. Não precisa me esperar.
Deito-me com ela na minha cama e fico cantando uma musica
baixinho até que ela pega no sono. Resolvo deixá-la dormir comigo esta noite
e, para evitar que o César venha me perturbar quando chegar, tranco a porta
do meu quarto. Acabo pegando no sono também e nem escuto quando ele
volta.
Estou em um lugar estranho. Está tudo escuro. Corro com a Duda no
colo. Sei que tenho que nos esconder, que tem alguém nos seguindo, mas não
sei quem é. Olho para trás e não consigo ver o rosto, porém, sinto que é
alguém conhecido.
Viro em uma rua e corro cada vez mais. Esbarro em alguém e quase
caio, mas a pessoa me segura antes. Na hora em que eu vou gritar sinto uma
mão tapando a minha boca. Tento me virar e escuto uma voz sussurrando no
meu ouvido.
— Calma, eu vou ajudar vocês. Vou tirar vocês duas daqui. Confia
em mim. — Eu conheço essa voz. Viro-me para confirmar o que estou
suspeitando e vejo o Guilherme me olhando com um sorriso no rosto. — Vem
comigo? — Pede. Sinto-me tão segura com ele do meu lado que não penso,
apenas o sigo.
Acordo sobressaltada. Que sonho foi esse? Por que justamente o
Guilherme apareceu para me ajudar? De quem eu estava fugindo? Levanto-
me e vou ao banheiro jogar uma água no rosto.
“Confia em mim”. Como posso me sentir segura com alguém que mal
conheço? Não sei, mas eu me sinto. Tanto que não pensei em momento
algum em dizer não sobre ir com ele na escola. Coisa que eu nunca faria,
ainda mais estando com a Duda.
Agora mais do que nunca eu vou procurar outra academia. Preciso
dessa distância.
Saio do quarto e, quando chego à cozinha, tem um bilhete do César na
geladeira.
“Tentei entrar no quarto para me despedir de você, mas estava
trancado mais uma vez. Pode sair para matricular a Duda e comprar o
material. Usa o cartão de débito da nossa conta. Vou chegar cedo para a gente
conversar. Não aguento mais ficar brigado com você. Sei que não sou o
marido que você merece, mas sinto a sua falta.”
Fico parada olhando para o bilhete. Conversar. A gente nem consegue
mais. Toda vez que tentamos, acabamos brigando mais ainda. Fora que eu
não sei se consigo desculpar o que ele me falou.
Volto para o quarto para acordar a Duda. Tenho certeza que ela vai se
animar quando souber aonde nós vamos. Não vai adiantar nada passar o dia
remoendo isso.
Começo a espalhar beijinhos pelo rosto e pescoço dela que abre os
olhos e se espreguiça.
— Não quero acordar, mamãe. Quero dormir mais. — Pede
sonolenta.
— Então não vamos poder voltar na escola para te matricular e nem
vamos sair para comprar o seu material e uniforme. Que pena. — Assim que
acabo de falar ela levanta da cama e começa a pular e gritar. — Ei, mocinha.
Assim você vai cair e se machucar. Aí nada de escola para você.
— Não, mamãe. Eu já parei, olha. — Diz sentando-se na cama. — Eu
vou mesmo para a escolinha? — Aceno com a cabeça em acordo e ela volta a
gritar. — Obaaaaaaaaaa!
Vamos direto para a escola. A Duda vai o caminho todo saltitando e
cantando. Se eu soubesse que ela ia ficar tão animada assim, teria colocado
antes.
Encontro com o Luiz na portaria que me cumprimenta sorrindo.
— Bom dia. Pelo jeito essa mocinha bonita vai estudar aqui. Estou
certo?
— Sim. Nós viemos fazer a matrícula dela. A Clara está?
— Aquela ali nem doente falta. Está na sala dela. Você já sabe o
caminho. Pode entrar. — Abre o portão para que eu passe.
Encontro a porta da sala aberta e a Clara distraída. Bato na porta e ela
me olha. Sorri e faz sinal para que eu entre.
— Bom dia, Amanda. Já conversou com o seu marido? — Aceno com
a cabeça em acordo e ela se vira para a minha filha. — E você, Duda, está
animada para começar a estudar?
— A mamãe disse que eu vou aprender muita coisa. — Fala animada.
— Vai mesmo. Vai aprender a escrever o seu nome. — Diz baixinho
como se estivesse contando um segredo e vira-se para mim. — Vamos lá.
Qual horário você prefere? Já decidiu sobre o integral?
— De manhã. Por enquanto ela vai ficar só meio período mesmo.
Quando eu conseguir voltar a trabalhar, vejo sobre o integral.
— Sem problemas. Você trabalha em quê? Quem sabe eu não sei de
alguma coisa?
Digo que trabalhava em um escritório de contabilidade, ela diz que se
souber de alguma coisa me avisa e começamos a preencher as fichas.
— Tia, o tio Gui não veio hoje? — A Duda pergunta do nada para a
Clara pegando a nós duas de surpresa.
Ela demora alguns segundos para responder e fica me encarando.
Depois, vira-se para a Duda e diz:
— Não, princesa. O tio Gui não trabalha aqui. Ele só vem para me
visitar. — Explica.
Continuamos acertando tudo e, depois de pegar as peças do uniforme
que ela vende na escola mesmo, seguimos para a saída.
— Na segunda eu trago as fotos dela. Vou aproveitar para tirar agora.
— Informo.
— Sem problemas. E vai se matricular na academia também? —
Questiona como quem não quer nada.
— Por enquanto, não. Ainda preciso resolver algumas coisas antes de
pensar sobre isso. — Ela arqueia a sobrancelha para mim.
— Claro. Até segunda então. — Fala alguns segundos depois.
Despeço-me também e sigo para as lojas para comprar os materiais e o que
falta do uniforme.
Almoçamos em um restaurante no shopping e aproveitamos para
passear um pouco. Quero que ela se distraia bastante para esquecer o que
presenciou ontem.
Acabo passando em outra academia antes de voltar para casa e não
gosto do ambiente. Quando eu andei pela academia com o Guilherme para
conhecer, as pessoas eram simpáticas. Na de hoje, eles me olhavam com ar
de superioridade.
Sigo para casa desanimada. Tenho que achar outra que eu me sinta
bem, que eu me sinta a vontade.
Capítulo onze
Guilherme
Entro na academia e caminho direto para o balcão da recepção onde a
Sara está mexendo no computador.
— Sara, faz um favor para mim? — Peço e ela dá um salto.
— Quer me matar, criatura? Que susto. — Diz com a mão no peito.
— Não tenho culpa se você anda devendo. — Implico e ela cerra os
olhos para mim.
— Vou começar a distribuir o número do seu celular para todas as
alunas da academia que me pedem. — Ameaça.
— Ei. Pode parar. Você não sabe nem brincar. — Dá um sorriso. —
Se a Amanda aparecer aqui para fazer a matrícula me chama, ok?
— Amanda? Aquela Amanda que não é nada? Que é coisa da
imaginação das suas irmãs?
— Bom dia, Sara. Se precisar de mim, estou na minha sala. —
Caminho pelo corredor escutando a risada dela.
Entro na minha sala e começo a organizar os papéis que estão desde
ontem espalhados. Acabou que fui cedo para casa e não consegui resolver
nada. Por mais que eu tentasse me concentrar, minha cabeça sempre voltava
para a conversa com as minhas irmãs e para a Amanda e a Duda.
Passei o resto do dia pensando se elas estavam bem, se ela vai
matricular a Duda na escola da Clara, se vai se matricular aqui na academia,
se os problemas que ela disse que passou têm a ver com o marido, se aquela
tristeza que eu vi no olhar das duas é culpa dele. Se isso, se aquilo, tudo
envolvendo elas.
A Clara não me ligou. Ela apareceu lá em casa depois que eu cheguei.
Nós conversamos e nos entendemos. Nunca consegui ficar muito tempo
brigado com ela. Nós sempre fomos muito agarrados.
Minha mãe diz que ela pedia muito por um irmão e que, quando eu
nasci, ela não desgrudava. Ela tinha que ficar de olho o tempo todo porque a
Clara queria me pegar no colo, dar biscoito para eu comer, entre outras
coisas.
A Júlia nasceu quando eu tinha quatro anos. Apesar de ela falar que a
Clara é mais apegada a mim, na verdade, ela é do tipo mãezona. Quer sempre
nos proteger de tudo e de todos. Sempre comprou nossas brigas na escola, na
rua, em todo canto. Ninguém mexia com nenhum de nós dois que ela virava
bicho.
Consigo dar fim aos papéis, confiro o email e respondo os que não
são de propaganda.
— Toc toc. Posso entrar? — A Júlia aparece na minha porta.
— Quero ver o dia que eu disser que não se você vai ficar do lado de
fora. — Faz uma careta para mim e entra.
— Você não vai almoçar? — Olho para o relógio. Fiquei tão perdido
colocando ordem na bagunça que estava a minha mesa que nem vi a hora
passar. Levanto-me e caminho para perto dela.
— Estava te esperando. — Minto e ela me dá um tapa no braço de
brincadeira.
— Mentiroso. — Agarra no meu braço e seguimos juntos para a
cantina que tem aqui na academia.
Como nós temos muitos alunos que aproveitam o horário do almoço
no trabalho pra vir para as aulas, abrimos uma cantina que serve desde
lanches até refeições leves.
Passamos no balcão, escolhemos uma salada com filé de peito de
frango grelhado e suco de laranja e seguimos para uma mesa mais afastada
para comermos.
— Oi, Gui. Você pode me ajudar a fazer uma série depois? É que eu
estou com dificuldades em alguns aparelhos. — Uma das alunas da academia
fala parada ao meu lado. Respiro fundo e me controlo para não ser grosso.
— Infelizmente não vai dar. Eu tenho que almoçar correndo para sair
para um compromisso, mas pede a qualquer um dos instrutores que eles te
ajudam. — Dou um sorriso forçado. Ela nem me responde e sai.
— Será que elas não vão desistir nunca? Toda vez que eu paro para
almoçar com você é isso.
— O que eu posso fazer? Não tenho como destratar uma aluna. Só
posso ficar inventando desculpas mesmo.
— Por que, Gui? Você é novo, solteiro, não tem nada que te impeça.
Qualquer outro homem no seu lugar iria aproveitar essa facilidade. — Faz
aspas com os dedos no ar.
— Não sou santo, Ju. Eu dou meus pulos por aí. Só não quero me
envolver com ninguém aqui na academia. Essas mulheres que me procuram
ligam mais para o corpo do que para qualquer outra coisa. Você sabe o que
eu penso a respeito disso.
— Elas devem pensar que você, sendo o dono da academia, pensa
igual.
— Não poderiam estar mais enganadas. Isso é o que menos me
importa. Já tive minha cota de mulher gostosa e fútil e deu no que deu. —
Desabafo.
— Gui...
— Não, Ju. Dois dias seguidos, não. Por favor. Eu estou bem assim.
Fica tranquila. Vamos voltar ao trabalho. — Levanto-me e ela me acompanha
sem insistir no assunto, o que eu agradeço.
Volto para a minha sala e, mais uma vez, a Amanda não sai da minha
cabeça. O que essa mulher tem que eu não consigo esquecê-la?
Pego o celular e ligo para a Clara que atende no segundo toque.
— Oi, Clarinha. Está na escola?
— Acabei de voltar do almoço. Por quê? Aconteceu alguma coisa? —
Questiona preocupada e eu me xingo mentalmente. O que eu estou fazendo?
— Não. Só queria saber se eu posso pegar a Mel no domingo a tarde.
Quero ir com ela na praça. Ela vive me pedindo. — Disfarço para ganhar
tempo e tentar descobrir o que realmente eu quero saber.
— Claro que pode. Quer almoçar com a gente antes? Fala com a
mamãe e a Ju também.
— Vou falar sim. Lembra que a dona Ana vai levar a sobremesa
como sempre. Se você fizer, ela vai te dar uma bronca.
— A mamãe não tem jeito mesmo. — Percebo que está sorrindo.
— E como estão as matrículas? Aparecendo muito aluno ainda? —
Idiota. Claro que ela vai perceber o que eu estou querendo saber.
— Por que você não me pergunta diretamente, Gui? Para de ficar
dando voltas. — Repreende-me. Depois desse mole que eu dei, não adianta
mais tentar disfarçar.
— Ela foi fazer a matrícula? — Não preciso dizer de quem eu estou
falando.
— Veio logo cedo. A Duda começa na segunda. — Faz uma pausa e
continua a falar. — Gui, eu não vou ficar falando disso o tempo todo, só toma
cuidado, por favor. — Pede e sinto a preocupação na voz dela. Solto um
suspiro.
Sei que ela tem razão de estar preocupada. Eu sempre odiei traição e
nunca me envolveria com alguém que tem um relacionamento por pior que
seja, mas não posso negar que a Amanda mexeu demais comigo.
Nunca senti nada parecido assim por ninguém em tão pouco tempo.
Eu não consigo explicar o que aconteceu.
— Eu sei que você está certa, mana, e não vou dizer o contrário.
Nunca consegui mentir para você. Eu queria, juro que queria dizer que isso é
coisa da sua cabeça, mas não é. Ela me atraiu de um jeito que eu...
— Eu sei, Gui. Eu percebi isso. Sei que você está lutando contra.
— Ela tem um olhar tão triste, Clarinha, que eu olho para ela e tenho
vontade de cuidar. A Amanda é linda e não enxerga isso. Diz que não escuta
elogio. Como um marido pode ter uma mulher como ela do lado e não elogiar
o tempo todo? — Pergunto porque eu realmente quero entender.
— Isso pode ser só uma fase, Gui. Vocês conversaram pouquíssimo
tempo. Não tem como saber o que realmente está acontecendo. A maioria dos
relacionamentos passa por problemas. Não quer dizer que...
— Eu sei, mana. Deixa pra lá. Nem sei se ela vai aparecer na
academia ou se eu vou encontrar com ela em algum lugar. Não adianta ficar
aqui tentando entender. Vai trabalhar que eu vou fazer o mesmo. Depois a
gente se fala.
— Fica bem, ok? Eu te amo. Lembra que eu estou sempre aqui para
você.
— Eu sei. E eu para você. Também te amo. Tchau. — Despeço-me e
desligo.
Passo o resto do dia entre a minha sala e a recepção da academia
esperando que ela apareça, mas é em vão. Ela não vem e eu não consigo
definir se isso é bom ou ruim.
Capítulo doze
Amanda
— Olha, papai, a minha mochila. Olha, papai, a mamãe comprou
tudinho da minha escolinha. — A Duda fala enquanto mostra o material e
uniforme para o pai.
Estou organizando a cozinha escutando-a tagarelar sem parar na sala.
Ela está ansiosa por segunda-feira para começar a estudar. Não fala de outra
coisa desde que chegamos da rua.
— A Duda está feliz com a escola. — O César diz parado atrás de
mim e eu me afasto. — Você estava certa em colocá-la.
— Era para ter visto isso logo no começo do ano. As aulas já
começaram e ela já era para estar matriculada. — Respondo sem olhar para
ele.
— Você tinha me falado. Eu que não te escutei. — Tenta me abraçar
e eu desvio mais uma vez. — Para de fugir de mim, Amanda. Que merda.
Você vai continuar com isso até quando? — Olha para a minha mão e
pergunta com uma voz irritada: — Por que você ainda não está com a
aliança?
— Porque eu não quero. Não sei nem se volto a usar. Satisfeito? —
Descontrolo-me.
— Vocês vão brigar outra vez? — A Duda pergunta na porta da
cozinha chorando assustada.
Corro na direção dela, porém o César chega primeiro e a pega no
colo. Olha-me de um jeito estranho e diz:
— Não, filha. O papai fez besteira, mas a mamãe já me desculpou,
não é, mamãe? — Caminha para perto de mim sorrindo. Tenho vontade de
gritar que não está nada bem, no entanto, não faço nada disso. O olhar da
minha filha me para. — Está tudo bem, não é, amor? — Segura em minha
cintura e me puxa para perto dele. Tenta me beijar, mas eu desvio e pega no
canto da minha boca. — Olha a menina. — Fala em meu ouvido.
Não acredito que ele está usando a nossa filha deste jeito. Tiro forças
não sei de onde para me controlar. Minha filha já está assustada o suficiente.
— Está tudo bem, meu amorzinho. — Pego-a no colo e me afasto dele
que continua com aquele sorriso debochado no rosto. — Vamos tomar
banho? — Preciso sair de perto dele agora ou não respondo por mim.
— Mamãe, não briga com o papai. — Pede toda triste enquanto eu
estou dando banho nela.
— Filha, isso é coisa de adulto. Não precisa se preocupar, tudo bem?
— Tento acalmá-la.
— Mas eu fico triste. — Faz cara de choro.
Escuto quando o César para atrás de mim e respiro fundo para me
acalmar. Minha vontade é de matar esse desgraçado por usar a menina.
— Não precisa ficar triste, filha. Tive uma ideia. Que tal se a gente
fizer um acampamento na sala? Vamos ver um filme e dormir nós três
juntinhos como você gosta.
Levanto-me em um rompante. O que ele pensa que está fazendo?
Viro-me para ele que sorri para mim com a cara mais cínica do mundo.
— De onde você tirou esta ideia maluca, César? Nada feito. —
Preciso de todo o meu controle para não voar no pescoço dele.
— Deixa, mamãe. Por favor? Por favor? Deixa. Eu quero. — Minha
filha pede toda animada e eu não consigo negar. Fuzilo-o com o olhar antes
de me virar para ela.
— Tudo bem, mocinha. — Forço um sorriso. — Mas tem uma
condição. Quero muitos beijos.
— Vamos começar agora. — Ele diz e me pega de surpresa quando
me beija. Afasto-me dele e saio do banheiro enquanto falo:
— Seu pai vai te ajudar, filha. A mamãe vai separar as coisas para
levar para a sala.
Jogo-me na cama e soco o travesseiro. Respiro fundo diversas vezes
e, depois de conseguir me recuperar um pouco, levanto-me e separo as roupas
de cama que vamos precisar.
Sigo para a sala e arrumo tudo. Preparo uma cabana com edredons e
lençóis. Coloco os travesseiros, almofadas e o bichinho de pelúcia da Duda
separado no sofá e o César chega com o colchão que sempre usamos para
isso.
Depois de tudo arrumado, coloco a Duda entre nós dois e ela escolhe
o filme da Moana para ver. Antes do final do filme, ela já dormiu.
O César espera mais um pouco para desligar a televisão e, quando
volta para o colchão, deita em cima de mim me pegando desprevenida. Tento
empurrá-lo, mas ele é mais forte do que eu.
Segura o meu rosto e me beija a força. Não retribuo, o que o irrita
ainda mais. Mexo-me o tempo todo tentando me soltar e sinto que ele me
aperta cada vez mais. Começa a passar a outra mão pelo meu corpo enquanto
continua segurando em meu rosto.
— Para de lutar, Amanda. Sei que você me quer. — Diz e sinto nojo
dele. — Fica quieta se não vai acordar a Duda.
— Para, César. Você está me machucando. — As lágrimas descem
livre pelo meu rosto e ele continua. Não acredito que ele não vai parar, que
ele vai me forçar. — Para, por favor. — Peço mais uma vez e ele me olha,
afastando-se de mim em seguida.
Senta-se do meu lado e passa as mãos pelo cabelo. Encolho-me e
choro ainda mais. Sinto-me suja. Tenho vontade de levantar para me lavar,
tirar o cheiro dele de mim, mas tenho medo que ele vá atrás.
— Eu sou homem, Amanda. Tenho minhas necessidades. Quanto
tempo você acha que eu vou esperar? Eu quero você e sei que você me quer.
Para de lutar contra. Por mais que a gente brigue, sempre nos entendemos.
Para que dificultar?
Não respondo. Ele não poderia estar mais errado. Eu não quero. Neste
momento, a única coisa que quero dele é distância. Não reconheço mais o
homem com quem eu casei.
Ele passa para o outro lado e se vira de costas para onde estou sem
falar mais nada.

****

Invento coisas pra fazer o domingo inteiro e tento me manter o mais


distante possível do César. Ele passa o dia com a Duda fazendo o papel de
pai devotado.
— Mamãe. Mamãe. O papai falou que vai levar a gente na pracinha.
Vamos tomar sorvete, mamãe. — A Duda entra correndo e gritando na
cozinha com ele logo atrás.
— Que legal, filha. Espera só um minuto que a mamãe já vai te ajudar
a trocar de roupa, ok? — Tento em vão soar animada. Ela acena com a
cabeça em acordo e não para quieta no lugar.
— Filha, vai para o seu quarto só um pouquinho que o papai quer
conversar uma coisa de adulto com a mamãe. Ela já vai lá para te arrumar. —
Fala e minha filha sai saltitando pela casa. — A gente precisa conversar,
amor. Eu não aguento mais este clima aqui em casa. Não aguento mais ficar
brigado com você. — Caminha para perto de mim.
— Pode ficar aí onde está. Não precisa chegar perto de mim para
falar. — Dou dois passos para trás quando digo.
— Eu sei que errei, ok? Mas você vai jogar quase dez anos de
relacionamento no lixo por causa de uma bobeira? — Pergunta exasperado.
— Bobeira? Você acha o fato de você me ofender, que você tentar me
forçar a ter relações com você é bobeira? — Tento controlar o meu tom de
voz por causa da Duda.
— Eu não ia te forçar, Amanda. Não fala besteiras. — Faz pouco caso
do que eu falo.
— Então por que não parou quando eu pedi? Por que não me deixava
sair? Se isso não é forçar, César, eu não sei mais o que é. — Digo e as
lágrimas começam a descer pelo meu rosto. Estou tão perto do meu limite
que minha vontade é pegar minha filha e sumir.
— Eu pensei que você estava fazendo charme, amor. Você sabe que
eu nunca teria coragem de te machucar, de te forçar a alguma coisa. — Passa
as mãos pelo cabelo e caminha para a porta, olhando na direção do quarto da
Duda em seguida. — Eu sei que não sou o marido que você merece, que eu
ando fazendo besteiras, mas eu te amo, Amanda. Amo você e nossa filha.
Não joga tudo o que nós já vivemos fora. Eu te prometo que se você me der
mais uma chance vou fazer por merecer. Você não vai se arrepender.
— Eu já me arrependi, César. Olha quantas chances eu te dei e a que
ponto nós chegamos. — Sou sincera. — Você acha mesmo que ainda tem
jeito? Que a gente vai conseguir recuperar o que está quebrado? — Questiono
exausta. Não aguento mais esta situação.
— Eu quero tentar, amor. Só mais uma chance. Eu não quero perder
vocês. — Aproxima-se de mim e me puxa para um abraço. Na hora em que
eu vou me soltar, a Duda entra na cozinha e corre para perto de nós se
enfiando entre a gente e eu resolvo que vou tentar mais uma vez. Pela minha
filha, eu vou tentar. Uma última vez.
Arrumo a Duda e me arrumo enquanto o César está na sala vendo o
jogo. Assim que chegamos à sala, saímos para a praça. Paramos no caminho
para tomar sorvete e minha filha se suja toda.
— Olha como você está, mocinha. Toda suja. — Digo sorrindo
enquanto passo uma toalhinha que eu trouxe no rosto dela.
Passamos à tarde com a Duda brincando na praça e eu sinto como se
estivesse sendo observada o tempo todo. Olho em volta e não vejo ninguém,
mas a sensação não me deixa.
— Obrigado, amor. Você não vai se arrepender de me dar esta
chance. — O César diz e me dá um beijo. Peço a Deus que, desta vez, dê
certo.
Capítulo treze
Guilherme
Chego cedo à casa da Clara e estaciono o carro enquanto a minha mãe
e a Ju, que vieram comigo, entram. Sempre que esses almoços de família
acontecem, nós passamos o dia inteiro juntos.
— Tio Gui. — A Mel vem correndo em minha direção assim que eu
entro e pula no meu colo. — Você vai brincar comigo?
— Oi, princesinha do tio. — Espalho beijos pelo rosto dela que sorri.
— Daqui a pouco eu brinco, ok? Tenho que falar com a sua mãe e seu pai
primeiro.
Coloco-a no chão e caminho para onde todos estão.
— Fala, cunhado. Vai assumir a churrasqueira? — Pergunta
brincando.
— Claro que não. Eu sou convidado. Você tem que me servir.
Fazemos o cumprimento típico de homem, aperto de mão e tapa nas
costas, dou um beijo em minha irmã e sento-me perto da minha mãe.
— Vai sonhando, moleque.
Quando o Rodrigo começou a namorar a Clara eu tinha quatorze anos.
Ele começou a me chamar assim e não parou mais.
— Rodrigo, você já reparou que a minha sobrinha está cada dia mais
bonita? Já parou para pensar o trabalho que ela vai dar?
— Vai te catar, moleque. Minha filha não vai namorar.
— Tem certeza? Se eu fosse você não esperava por isso. Ela vai te
deixar maluco. Quem mandou fazer filha mulher? — Implico.
— Está falando o que, meu filho? Até parece que, do jeito que você é
apegado a Mel, não vai sentir ciúmes quando ela começar a namorar. — Fico
sério na hora.
— Mãe, a senhora não sabe nem brincar. Pode contar comigo, cara.
Minha sobrinha não vai namorar. — Damos um aperto de mão como se
estivéssemos selando um acordo.
A Clara joga as mãos para o alto e diz:
— Meu Deus! Coitada da minha filha. Ela está ferrada com esses
dois.
— Pode deixar que eu ajudo a Mel. Vou levar a minha sobrinha para a
farra comigo.
— Nem pensar, Júlia. Eu conheço esse olhar. Toda vez que você fica
com essa cara, apronta. Minha sobrinha não vai sair com você.
Se tem uma coisa que minha irmã nunca foi é santa. Só de pensar nela
ensinando a Mel a ser igual já me dá arrepios.
— Claro que vai. Ela é tão sua sobrinha quanto minha. Seu abusado.
— Vocês não acham que ainda falta muito para isso acontecer? Será
que podemos curtir o domingo sem vocês implicando um com o outro?
— A senhora está pedindo o impossível, mãe. Eles sempre foram
assim. Pior que eu casei com um homem que, ao invés de me ajudar a
controlar, entra na bagunça junto com eles. Parecem três crianças quando se
juntam.
— Mas você me ama mesmo assim. — O Rodrigo fala e dá um beijo
na Clara que sorri para ele.
— Nem adianta, palhaço. Eu sou o preferido dela. — Falo e
continuamos a implicar com o outro.
Passamos a manhã toda nessa brincadeira. Fico um pouco com a Mel
e depois ajudo o Rodrigo a fazer o churrasco enquanto a minha mãe e a Ju
ajudam a Clara na cozinha. Toda vez que nos encontramos é assim. Era disso
que eu estava precisando. De um tempo com a minha família para me distrair.
Depois do almoço saio com a Mel para a praça como tinha combinado
com a Clara e a Ju vai comigo.
Assim que chegamos, ela vai correndo para o balanço com a Ju atrás.
Encosto em uma árvore e fico olhando as duas brincarem. Quando olho para
o outro lado da praça, vejo a Amanda com um homem e a Duda perto deles
brincando.
Não acredito no meu azar. Passei o resto de sexta e o sábado inteiro
pensando nela. Justo hoje, que eu consegui me desligar um pouco, ela
reaparece e com o marido ainda por cima.
Aproveito que de onde estou eles provavelmente não conseguirão me
ver e fico observando os dois. Se a Ju perceber o que estou fazendo sei que
vai me azucrinar a paciência e com razão. Ainda bem que a Clara não veio
junto ou seria muito pior.
Vejo que eles estão conversando, mas ela não parece muito animada e
olha em volta a toda hora como se estivesse procurando por alguém.
— Ei. O que você está fazendo aí parado? — A Ju pergunta parada na
minha frente.
— Estou olhando vocês duas brincarem. Afinal de contas, tenho que
tomar conta de vocês para nenhum engraçadinho se aproximar.
Falo para tentar disfarçar e fazer com que ela não perceba o meu
humor que já não está como antes. Ela olha para mim, semicerra os olhos e
olha em volta. Eu fico tenso pensando que ela possa perceber para onde eu
estava olhando e acabe descobrindo que a Amanda está aqui.
— Você está me escondendo alguma coisa. — Diz e fica me
encarando. — Está de olho em alguma mulher? — Cruza os braços esperando
que eu responda.
— E se eu estiver? Não foi você que disse que eu sou novo e que
tenho que aproveitar? — Evito o olhar dela e fico olhando para onde a Mel
está.
— Boa resposta. Só me avisa que eu vou para casa com a Mel. Não
quero ficar assistindo o meu irmão se pegando com ninguém.
— Pode ficar tranquila. Hoje eu sou todo de vocês.
— Tio. Tio. Vem me empurrar. — A Mel pede do balanço.
Fico brincando com ela, mas toda hora olho para onde a Amanda está.
Se ela estava mesmo com problemas no casamento devem ter se entendido, já
que o cara não desgruda dela nem um minuto.
Depois de uma hora vejo os dois se beijando e chamo a Mel e a Ju
para irmos embora. Para mim já chega.
Vou o caminho todo em silêncio. A Ju fica me olhando, porém não
fala nada. Sei que ela percebeu que alguma coisa aconteceu, mas vai esperar
estarmos sozinhos para perguntar.
Chego à casa da Clara para deixar a Mel e aviso que vou para casa o
que todo mundo estranha.
— O que houve, Gui? Você saiu daqui tão animado. — Minha irmã
questiona desconfiada.
— Nada. Estou com um pouco de dor de cabeça. — Minto. Não posso
contar a ela o que realmente aconteceu.
— Toma um remédio. Você não é de sentir nada. — Diz preocupada e
eu me xingo mentalmente por isso.
— Não precisa. Quando eu chegar em casa, vou deitar um pouco que
melhoro.
Despeço-me de todos e saio. Tento convencer minha mãe e a Ju de
ficarem mais um pouco, mas não consigo. Eu só queria ficar um pouco
sozinho.
Chego em casa e vou direto para o meu quarto. Tomo banho e me
jogo na cama só de boxer. Não sei o que pensar. Eu já sabia que ela era
casada, então, por que o fato de vê-la com o marido me incomodou tanto?
Talvez por acreditar que o casamento deles não estava bem eu tenha ficado
com alguma esperança, não sei dizer.
— Melhorou? — A Ju pergunta entrando no meu quarto. Sabia que
tinha que ter trancado a porta. Nego com um aceno de cabeça e ela deita do
meu lado na cama. — Agora você vai me falar o que está acontecendo de
verdade?
— Não tenho nada para falar. — Respondo sem paciência e ela me
olha como quem diz que sabe que eu estou mentindo. — A Amanda estava na
praça com a Duda e o marido. — Dou-me por vencido. Ela vira-se de lado e
deita no meu peito sem falar nada. — Você não vai falar nada? — Pergunto
depois de algum tempo em que ficamos em silêncio.
— Vai adiantar? Você sabia que ela era casada, Gui. Criou esperanças
porque quis. A Clarinha e eu te avisamos, mas você não quis ouvir. —
Levanta-se e fica sentada de pernas cruzadas me olhando enquanto questiona:
— O que você acha que sente por ela, Gui? Porque vocês só se viram uma
vez. Eu não entendo essa sua fascinação por essa mulher.
— Nem eu entendo, Ju. — Solto um suspiro. — Não sei te dizer o que
sinto. Ela mexeu comigo de uma maneira diferente. Eu nuca senti isso assim
tão rápido por ninguém. Eu olho para ela e me dá vontade de pegar para mim
e cuidar, tirar aquele olhar triste que ela tem. Eu pensei que ela estava com
problemas no casamento, mas o cara não saía de perto dela nem um minuto e
eu vi quando eles se beijaram.
— Foi por isso que você quis ir embora da praça? — Concordo. —
Desencana, mano. Vai ver eles estavam brigados e se acertaram.
— Pode ser. A Clarinha falou que isso podia acontecer. Que todo
casal passa por problemas e que isso não quer dizer que vão se separar.
— Se a Clarinha falou, está certo. Ela é a única de nós três que pode
falar sobre esse assunto. Afinal de contas, já são mais de dez anos com o
Rodrigo. Não é possível que nunca tenham brigado.
Ficamos calados por mais alguns minutos até que eu falo:
— Acho que foi bom isso acontecer. Assim eu esqueço de vez. —
Tento me convencer disso.
— Isso mesmo. Quer saber? Eu acho que você deveria sair. Liga para
o Felipe. Ele adora uma farra mesmo. Aposto que ele topa fazer alguma
coisa. Eu até me ofereceria para ir, mas as mulheres vão achar que sou sua
namorada e vou atrapalhar a sua diversão.
— Você está certa. É isso que vou fazer. — Digo levantando da cama.
— Assim é que se fala. Liga para ele que eu vou separar uma roupa
para você. Anda. Está esperando o que? Vai tomar banho. — Vai me
empurrando para o banheiro e aproveito para pegar o meu celular em cima da
cômoda no caminho.
Ligo para ele e combino em um barzinho que ele costuma ir. Tomo
banho e saio de casa. Como não estou a fim de beber, vou de carro.
Encontro com ele na entrada do bar e escolhemos uma mesa.
— É legal aqui. Ainda não conhecia. — Falo olhando em volta.
— Claro que não. Toda vez que eu chamo você tem uma desculpa.
Parece um velho.
— Também não é assim. Felipe. Não tem muito tempo que a gente
saiu junto, só fomos para outro lugar.
— O aniversário do Miguel foi há três meses, Guilherme. —
Repreende-me. — Qual foi o milagre de você me ligar hoje? O que está
acontecendo? Eu te conheço, cara.
Sei que não adianta esconder nada dele. Assim como as minhas irmãs,
o Felipe sempre consegue me fazer falar. Acredito que essa tenha sido a
intenção da Ju quando falou para ligar para ele. Ela sabia que eu estava
precisando conversar e, se tem alguém que vai me escutar sem me julgar,
esse alguém é o Felipe. Com certeza ele vai me ajudar a sair dessa enrascada
que me enfiei.
Faço um resumo de tudo para ele. Desde a hora em que vi a Amanda
pela primeira vez entrando na academia até hoje na praça. Ele não me
interrompe nem uma vez.
— É isso, cara. Eu estou ferrado. — Digo no fim.
— Você precisa se distrair. Há quanto tempo você não transa? —
Direto como sempre. Esse é o Felipe. — Nem precisa me responder. Pela sua
cara já vi que muito. Pois hoje você não sai daqui sozinho. Pode se preparar.
Não que eu acredite que isso vai resolver o meu problema, porém, o
que eu tenho a perder? Ele olha para uma mesa perto da nossa onde estão
sentadas duas mulheres e me mostra. Elas começam a olhar para a gente
também e levantamos os copos em cumprimento. Não demora muito e
estamos sentados juntos.
Capítulo quatorze
Amanda
— Amanda, não vai dar para levar vocês na escola. Um colega do
trabalho acabou de me pedir carona porque o carro dele não quer pegar.
— Não. Você não vai fazer isso. — Digo firme. Chega de aceitar
tudo. — Hoje é o primeiro dia da sua filha na escola, César. A menina está
toda empolgada. Nós combinamos de irmos juntos.
— Eu sei disso, mas agora não dá. Outro dia eu vou. — Diz pegando
a chave do carro para sair.
— Se você passar por esta porta, não precisa mais voltar. — Ele para
e vira-se para trás me olhando sem acreditar. — Você me pediu uma última
chance, pois bem, se você sair, essa chance acaba aqui.
— Seja razoável, Amanda. É só um dia. Não é o fim do mundo. —
Caminha para perto de mim e tenta me abraçar. Afasto-me dele.
— Quem é mais importante para você, César? A sua filha ou esse
colega de trabalho? Ele que pegue um táxi, uber, ônibus ou sei lá o que. Você
entra às oito horas no trabalho, a Duda entra sete e quinze na escola. Dá
tempo suficiente de você esperar que ela entre.
— Amor... — Não deixo que fale nada. Cansei de aceitar as desculpas
dele. Se ele quer manter este casamento, que faça por onde.
— Não vem com essa de amor. A escolha é sua. Eu não vou mudar de
ideia.
Caminha para o banheiro com o celular na mão e bate a porta com
força sem dar nem uma palavra. Viro-me e vou terminar de vestir a Duda.
Saímos de casa e ele vai calado o tempo inteiro. Nem a animação da
nossa filha consegue fazer com que ele fale.
Estamos no portão da escola esperando que abra e o César não para de
andar de um lado para o outro enquanto mexe no celular. Não comento nada,
pois não quero acabar discutindo com ele na frente da escola com vários pais
e alunos nos olhando.
Assim que abre o portão, a Clara vem receber a Duda.
— Tenho que ir, Amanda. Ela já entrou. — Vira-se e sai sem
cumprimentar a Clara e nem se despedir da filha.
Fico olhando sem acreditar. Fecho os olhos e solto um suspiro. Volto
a mim quando a minha filha me chama.
— Mamãe, por que o papai não me deu um beijo? — Pergunta
cabisbaixa.
— Não serve o meu? — Dou diversos beijos espalhados pelo rosto
dela que dá um sorriso fraco e entra. — Ele estava atrasado. Teve um
problema no trabalho. Quase que não vem aqui. Só veio mesmo por ser o
primeiro dia dela na escola. — Falo para a Clara que não para de me encarar.
— Claro. Eu sei como é. — Diz com um olhar que deixa claro que eu
não consegui enganá-la. — Já que ela sai mais cedo, se você quiser, pode
esperar aqui. A gente aproveita para conversar um pouco. Que tal? Eu gosto
de conhecer os pais dos meus alunos. Ajuda a entendê-los.
Sorrio sem graça e concordo com um aceno de cabeça entrando e
seguindo para a sala dela.
Sei o que ela quis dizer. Claro que ela percebeu que tem alguma coisa
de errado acontecendo. Assim como ela está certa, isso pode mesmo afetar a
minha filha.
— Será que ela vai chorar? — Questiono querendo deixar o foco da
conversa na Duda.
— Acredito que não. Ela estava bem alegre quando vocês vieram
fazer a matrícula. Mas, de qualquer forma, se acontecer, será só no início.
Depois ela acostuma. Vamos aproveitar esse tempinho para você me contar
um pouco sobre ela. Como foi a gravidez? — Dou o meu primeiro sorriso
sincero do dia antes de responder.
— Super tranquila. A Duda foi muito planejada. Eu engravidei depois
de dois anos de casada e consegui trabalhar até o final da gestação. Não tive
nenhum problema durante a gravidez e ela nasceu super saudável.
— Com quanto tempo ela começou a andar? — Dou graças a Deus
por ela estar mantendo a conversa nesse sentido. Juro que pensei que ela
fosse me perguntar alguma coisa sobre o César.
— Com sete meses e meio. No aniversário de um ano ela já andava
diretinho. Sem precisar se segurar em nada. Ela não parava quieta. Queria
andar o tempo todo. Não queria mais saber de colo. — Respondo empolgada.
Se tem um assunto que eu gosto, é sobre a Duda.
— Sei bem como é. A minha filha tem a mesma idade dela. Só
demorou mais um pouquinho para andar. Em compensação, aprendeu a falar
cedo e fala tudo direitinho para a idade dela igual a Duda.
— A Duda também começou a falar cedo. Antes de um ano ela já
falava algumas palavras perfeitamente. A pediatra ficou boba.
Conversamos mais um tempo sobre as nossas filhas, trocamos
experiências, porém, em momento algum ela toca no nome do Guilherme, o
que eu agradeço mentalmente. Não preciso de incentivo nenhum para pensar
nele. Mesmo a minha vida estando essa confusão que está, vira e mexe me
pego lembrando a nossa conversa. Foi pouco tempo que conversamos, mas
foi o suficiente para que eu não me esquecesse dele. Não sei explicar o
motivo.
— Olha, Amanda, não consigo enrolar, então, vou direto ao assunto.
Eu senti desde o primeiro dia que eu te vi que você está com problemas.
Você mesmo falou alguma coisa sobre isso quando veio conhecer a escola —
Não falo nada. Não tenho como negar o que ela diz.
Alguém bate na porta, ela pede que entre e uma mulher por volta da
minha idade aparece na porta.
— Desculpa. Não sabia que você estava ocupada. Depois eu volto. —
Sorri. Vira-se e fecha a porta em seguida não dando tempo nem de a Clara
falar nada.
— Voltando ao nosso assunto. — Diz me olhando outra vez. — Eu
sei que você não me conhece para confiar em mim e contar o que está
acontecendo, só quero que você saiba que, se quiser, eu estou aqui. Eu gostei
de você. Não sei o que é, mas você tem alguma coisa que atrai a gente. Que
faz com que a gente queira se aproximar de você. — Dá um sorriso e sacode
a cabeça. — Eu não sou a única da família a pensar assim. O Guilherme
sentiu a mesma coisa.
Abaixo a cabeça sem graça. Fico calada pensando no que ela falou e
resolvo falar por alto o que está acontecendo. Talvez ela possa me ajudar com
a Duda.
— O meu casamento está passando por problemas. Na verdade, tenho
minhas dúvidas se ainda tem jeito. Estou insistindo pela Duda.
— E você acha que insistir em uma coisa que não tem mais jeito pode
ser bom para ela? Veja bem, eu não quero me meter, não é isso. O que as
suas amigas dizem para você? Sei que a decisão é sua, mas conversar com
alguém pode ajudar. Às vezes quem está de fora vê coisas que você não
consegue. Como o jeito que ele te trata, se demonstra te amar independente
das brigas, essas coisas. — Sorrio sem humor.
— Acabei me afastando das minhas amigas quando casei. As que eu
ainda tenho são em comum com ele e não acho que seria uma boa ideia falar
sobre isso com elas.
— Você não conversa sobre isso com ninguém? — Nego com um
aceno de cabeça. — Amanda, você precisa falar. Precisa conversar com
alguém, colocar para fora. — Segura minhas mãos por cima da mesa. —
Ficar guardando assim só vai te fazer mal.
— Eu sei, mas o que eu posso fazer? Eu não sentia falta de ter com
quem conversar. O César sempre foi meu amigo. A gente sempre conversou
sobre tudo. A única amiga que eu ainda mantenho algum contato eu conheci
por ser noiva de um amigo dele. Ela é dona do escritório que eu trabalhava
antes da Duda nascer junto com o marido. É lá que o César trabalha.
Justamente por essa proximidade eu não me sinto a vontade para falar sobre
isso com ela. — Limpo uma lágrima que acaba escapando e descendo pelo
meu rosto.
— Não tem mais ninguém que você possa conversar? Uma irmã,
prima, cunhada, não sei. — Nego com um aceno de cabeça.
— Desculpa. Você mal me conhece e eu estou te alugando com os
meus problemas. Deixa para lá. Eu vou resolver isso. Dar um jeito na minha
vida.
— Ei. Nada disso. Eu que perguntei. E tem mais, você acabou de
ganhar uma amiga. — Diz. Levanta-se da cadeira e caminha para perto de
mim, abaixando-se na minha frente e segurando as minhas mãos sem a mesa
entre nós duas desta vez. — Se você quiser conversar, eu estou aqui, tudo
bem?
— Eu agradeço. — Tento segurar as lágrimas que insistem em cair.
— Eu não estou aguentando mais. Talvez você tenha razão. Guardar isso está
me fazendo mal. Ter que me controlar por causa da Duda, não poder explodir
e colocar tudo para fora está acabando comigo.
— Fala. Desabafa. Vai ser bom. Quem está aqui na sua frente agora
não é a diretora da escola da sua filha. É uma amiga. — Puxa uma cadeira e
senta-se perto de mim.
Acabo desabafando. Conto toda a minha história com o César desde a
época em que nos conhecemos para que ela entenda o que está acontecendo.
Falo também o que aconteceu hoje de manhã antes de virmos para a escola.
— Chegando aqui ele fez o que você viu. Foi embora sem nem se
despedir da filha. A Duda é muito carinhosa. Ela fica toda sentida quando ele
faz esse tipo de coisa e isso me deixa péssima. Se fosse só comigo ainda
passava, mas, com ela, eu não aguento.
— Amanda, eu não sei se suportaria isso tudo como você está
fazendo. Você já sabe o que vai fazer? Se vai insistir mais ou se vai se
separar?
— Depois de hoje eu não acredito que ele vá mudar de verdade.
Assim como não acredito nessa história de colega de trabalho querendo
carona. — Coloco em palavras o que não sai da minha cabeça.
— Você acha que ele está te traindo? — Concordo com um aceno de
cabeça. — Você seria capaz de perdoá-lo se ele se arrependesse e quisesse
voltar atrás?
— Não. — Digo com convicção. — Eu sempre deixei isso bem claro
para ele. Traição eu não perdoo. Não consigo aceitar.
— Vai se separar, então? Está decidida?
— Sim. Eu só não fiz isso ainda porque preciso me organizar. Tenho
que voltar a trabalhar, a me sustentar sem depender dele. Não tenho como
fazer isso agora. Eu estou procurando emprego, mas está difícil.
— Você sabe que ele tem que pagar pensão, não sabe? — Aceno com
a cabeça em acordo. — Você não precisa se prender a ele por causa disso.
— Eu sei, mas eu preciso disso, sabe? Saber que eu não dependo dele
para mais nada e que eu posso me virar sozinha. Cuidar de mim e da minha
filha.
— Eu te entendo. Vamos focar nisso, então? Em você conseguir um
emprego? Tive uma ideia. Faz alguns cartões com os seus contatos que eu
vou conversar com alguns amigos. Quem sabe não aparece alguma coisa?
— Eu te agradeço muito, Clara. Nesta época do ano tem as
declarações de imposto de renda também. Serve qualquer coisa.
— Estamos acertadas, então. Vou esperar você me trazer os cartões e
qualquer coisa eu te aviso. — Solta um suspiro e volta a falar. — Eu preciso
te contar o que realmente me fez te chamar aqui.
— Como assim? — Questiono sem entender do que ela pode estar
falando.
— É sobre o Guilherme. — Não falo nada. Fico esperando para ver o
que ela vai falar. — Ficou bem claro o interesse do meu irmão por você.
Além do jeito que ele te olhou, o Gui não mostra a academia para ninguém.
Ele tem funcionários para isso. — Olho-a sem entender. Pensei que ele fosse
um professor. — Você não sabia que ele é o dono? — Nego. — Típico dele
fazer isso. Não querer se mostrar pelo que tem. — Faz uma pausa. — Eu não
percebi só o jeito que ele te olhava. Vi que era recíproco.
— Clara, eu não...
— Não precisa se explicar, Amanda. É normal você ficar mexida com
um cara que demonstra interesse passando pelo que você está passando. Ele
te deu atenção, coisa que, pelo que me contou, você não tem recebido muito.
— Não nego. — Não é por ser meu irmão, mas o Gui é bonito. Ele sempre
chamou atenção das mulheres. Aí você está carente e vem um homem como
ele, todo atencioso, e te dá atenção, elogia, trata a sua filha com carinho. É
lógico que você vai ficar assim.
— Mas eu nunca teria nada com outro homem estando casada. Eu não
sou assim. — Tento fazer com que ela entenda.
— Sim. Só o fato de você não ter ido se matricular na academia ao
invés de tentar se aproximar já me diz isso. O problema não é esse.
— E qual seria, então? — Pergunto confusa. — Por que eu não estou
entendendo.
— Mesmo você me dizendo que quer se separar, nada disso está certo
ainda. Seu marido pode não estar te traindo. Pode estar passando por
problemas e não se abriu, mas quando perceber que está te perdendo de
verdade resolver mudar. Se essa proximidade continuasse, o mais prejudicado
seria o Gui. Eu conheço o meu irmão. Ele se doa demais e depois sofre. Eu já
vi isso acontecer uma vez e não quero ver outra.
— O que você quer dizer com isso? — Pergunto sem saber aonde ela
quer chegar.
— Vamos supor que você e o Guilherme se aproximem e, depois de
um tempo, você se acerta com o seu marido. Ótimo. Menos um casamento
desfeito. Só que o único prejudicado nessa história será o Gui. Meu irmão
que vai sofrer por te perder, por perder uma pessoa que ele nem teve de
verdade.
— Você pode ficar tranquila. Tudo o que eu menos quero agora é
arrumar mais problemas do que eu já tenho. Não tenho a mínima intenção de
me envolver com seu irmão. — Falo com uma firmeza que não tenho. — Não
quero trazer ninguém para essa bagunça que está a minha vida.
— Amanda, não me leve a mal. Não tenho absolutamente nada contra
você, pelo contrário. Se fosse em outro contexto, daria meu total apoio a um
possível relacionamento entre vocês. Eu realmente gostei de você. Falei sério
sobre nos tornarmos amigas. Mas ele é meu irmão e me preocupo com ele.
Nós sempre fomos muito grudados. Sei que se ele souber que estou falando
sobre isso com você vai querer me matar, mas eu precisava ser sincera com
você.
— Não precisa se preocupar, Clara. Não vou contar nada para ele e
nem vou me aproximar. Foi justamente por isso que não me matriculei na
academia. Seu irmão realmente mexeu comigo, não vou negar, porém não
posso e não quero fazer nada por isso agora. — Ela não fala nada e me
abraça.
Batem outra vez na porta e ela pede para que entre.
— Clarinha, tem uma pessoa querendo ver sobre matrícula e valores.
— A mesma mulher de antes aparece na porta e fala.
— Eu vou dar uma volta antes de buscar a Duda e deixar que você
trabalhe. Depois nos falamos mais. — Dou outro abraço nela e digo baixinho
para que só ela me escute: — Muito obrigada por me escutar.
— Sempre que você precisar. — Sorri para mim.
Saio da sala dela e caminho para a saída da escola.
Ainda falta uma hora para a Duda sair. Preciso dar uma volta e esfriar
a cabeça.
Ando sem rumo por um tempo pensando em tudo o que a Clara falou.
Será que ela tem motivos para se preocupar tanto assim com o Guilherme?
Nós mal conversamos. Não tem como o interesse dele por mim ser tanto
assim. Ou tem?
Esbarro em uma mulher e, quando me viro para pedir desculpas, vejo
a recepcionista da academia.
— Oi. Veio se matricular? — Diz com um sorriso enorme no rosto
que eu não entendo.
— Oi. Não. Eu só estava de passagem. Tenho que buscar a minha
filha na escola.
— Que pena. Volta com mais calma qualquer dia. O Guilherme vai
gostar de te ver. — Sorrio sem graça e me afasto.
Será que ele falou alguma coisa para ela? Mas o quê? Não aconteceu
nada para ele contar. Será que a Clara tem razão de se preocupar? Será que
ele ficou tão mexido assim comigo? Sacudo a cabeça para afastar esses
pensamentos e volto para a escola para pegar a Duda.

****

São onze horas da noite e o César ainda não chegou e nem ligou
avisando que iria demorar. Eu já coloquei a Duda para dormir e estou deitada
no meu quarto lendo um livro.
Escuto o barulho da porta, deixo o livro na mesinha de cabeceira e
desligo o abajur. Não quero que ele saiba que eu ainda estou acordada. Ele
entra no quarto e vai direto para o banheiro sem falar nada. Quando sai, deita-
se ao meu lado, vira-se de costas para mim e dorme.
No dia seguinte vamos levar a Duda para a escola. Ele, mais uma vez,
está calado. Minha filha não para de contar o que fez no dia anterior para ele
que nem responde direito. Apenas acena com a cabeça.
Mais uma vez ele sai assim que o portão abre sem se despedir e nem
me dá tempo de apresentá-lo à Clara.
Capítulo quinze
Amanda
Coloco a Duda para dormir, tomo banho e me deito enquanto o César
continua na sala vendo televisão. Ele chegou cedo e ficou o tempo todo junto
da filha. Brincou, conversou, perguntou sobre a escola. Nem parecia o
mesmo homem de hoje de manhã.
Passei o dia pensando em tudo o que conversei com a Clara. Eu falei
sério quando disse que quero me separar. O César está conseguindo acabar
com o sentimento que eu tinha por ele. Não aguento mais essas mudanças de
comportamento. Muito menos a desconfiança de que ele esteja me traindo.
Ele entra no quarto e vai para o banheiro em silêncio. Depois de cinco
minutos deita-se atrás de mim e passa o braço pela minha cintura.
— Eu sei que você ainda está acordada. Desculpa mais uma vez.
Parece que é só o que eu falo de algum tempo para cá. — Não respondo. —
Você não vai falar nada? — Viro-me para ele.
— Falar o que, César? Que eu já não aguento mais? Que o meu limite
já estourou há muito tempo? Que eu cansei das suas mentiras, das suas
desculpas esfarrapadas? O que você quer que eu fale? — Explodo.
— Prefiro que você fale tudo isso do que me ignore. Eu sei que eu
ando pisando na bola com você, Amanda. As coisas andam complicadas no
escritório, eu ando de cabeça quente, estressado e tenho descontado em cima
de quem não devo. Sei disso tudo, mas eu ainda sou o mesmo cara com quem
você casou.
— Não, você não é. O cara com quem casei não me trataria como
você anda fazendo. Não me faria pensar que está me traindo. Não ignoraria a
filha como você faz, nem faria pouco caso das novidades dela. Ele era
carinhoso, amigo. Não descontaria em mim um dia ruim. Tinha sempre um
elogio, uma palavra carinhosa para falar. Só que ele sumiu. Ficou para trás
em algum momento e eu não percebi. E, esse que está aqui agora, eu não
quero para mim. — Confesso.
— O que você está falando? Que não me quer mais? É isso? — Senta-
se na cama descontrolado.
— Estou falando que do jeito que está não dá mais. Você diz que vai
mudar e não muda. Fica alguns dias bem e volta tudo como era antes. A Duda
está sofrendo com isso e eu também. Eu não aguento mais, César. Eu tentei,
juro que tentei, mas não consigo mais. — Sento-me também. Acho que a
gente precisava desta conversa franca.
— Eu não quero te perder, Amanda. Não quero. Não aceito isso. —
Segura meu rosto com força e me faz encará-lo. — Está me ouvindo? Eu não
aceito. Você é minha mulher e vai continuar sendo.
— Para que, César? Para viver do jeito que nós estamos? Para brigar
o tempo todo? — Levanto-me da cama e começo a andar pelo quarto. Ele
levanta e vem atrás de mim.
— Isso é só uma fase, Amanda. A gente vai conseguir passar por ela.
Você vai ver. — Puxa-me para um abraço.
— Você está me traindo, César? Você está com outra mulher? É isso?
— Afasta-se de mim e me olha com os olhos arregalados. — É por isso que
você chega tarde e que não desgruda do celular?
— Não! Claro que não! De onde você tirou isso? Quem te falou uma
coisa dessas? — Pergunta nervoso.
— Ninguém me falou, mas eu não sou cega. Você acha que eu não
reparo? Que eu não sei que você leva a Duda para a praça e fica no celular o
tempo todo? Você chega tarde em casa e vai direto para o banheiro, não para
nem para me dar um beijo. Lembra que você mesmo me falou que se me
traísse não daria o mole de chegar perto de mim com cheiro de mulher?
— Não é nada disso, amor. Eu chego da rua cansado, suado. Só quero
tomar banho para poder ficar com você e a nossa filha. Você precisa acreditar
em mim.
— Então faça por onde. Porque, no momento, eu não consigo mais.
— Caminho para a cama e deito-me outra vez de costas para o lado dele.
Estou cansada disso tudo. Cansada de tentar consertar o que eu não
sei se tem mais jeito. Ele deita-se também e me puxa para ele.
— Eu vou te provar que te amo e vou começar agora. — Distribui
beijos pelo meu pescoço e me vira na cama deitando-se por cima de mim. —
Eu vou te amar a noite toda. — Diz e me beija. Não resisto. Não tenho mais
forças para lutar contra. Estou confusa e já não tenho certeza de mais nada.
Deixo que ele faça o que quer comigo. As lágrimas começam a descer por
meu rosto e ele pede: — Não chora. Eu vou te convencer que a gente ainda
tem jeito.
E eu choro. Choro pelo relacionamento que a gente tinha e que se
perdeu. Choro por pensar em minha filha sofrendo por tudo o que está
acontecendo. Choro por perder o meu amigo, o homem por quem eu me
apaixonei. Choro por me sentir fraca e não saber que caminho seguir.
Simplesmente deixo as lágrimas saírem na esperança que elas levem junto a
minha dor e incertezas.

****

— Bom dia. — Cumprimento a Clara na porta da escola uma semana


depois da nossa conversa.
Nós acabamos nos aproximando esses dias. Ela é uma ótima ouvinte e
tem me ajudado muito. Eu estava mesmo precisando de alguém com quem
conversar, com quem desabafar. Tenho me sentido mais leve.
Nós não conversamos somente sobre os problemas. Agora eu tenho
alguém para trocar dicas e histórias sobre filhos. Ela me faz rir, faz com que
eu me distraia e esqueça um pouco de tudo o que me deixa para baixo.
Trocamos os números de telefones e nos falamos quase todos os dias,
seja por mensagens ou ligações nos intervalos que ela tem na escola e no
final de semana que passou. A gente se deu tão bem que parece que nos
conhecemos há muito mais tempo e não somente a pouco mais de uma
semana.
Meus problemas estão longe de se resolverem. O César continua a
mesma coisa. Um dia é super carinhoso e no outro distante. Já não sei mais o
que pensar. Tenho apenas deixado correr e ver no que vai dar. Não sei até
quando eu vou aguentar sem explodir de vez.
Entrego os cartões que ela me deu a ideia de fazer. Espero que
apareça algum trabalho para mim mesmo que seja somente temporário.
Preciso começar a juntar dinheiro, pois sinto que vou precisar.
— Bom dia, Amanda. Que bom que trouxe. Tenho uma ótima notícia.
— Diz com a voz transbordando de animação. — Eu falei sobre você para
um casal de amigos. O filho deles estuda aqui na escola também. Eles têm
uma lojinha de utilidades e estão precisando de uma mãozinha de um
contador. O que você acha? — Abro um sorriso enorme.
— O que eu acho? — Sacudo a cabeça rindo. — Que você é a melhor
amiga que eu poderia ter. — Digo brincando.
— Só por isso? Assim você me ofende. — Devolve a brincadeira. —
Vamos conversar na minha sala que é melhor. Aqui fica muito tumulto.
Espera só passar o horário de entrada que a gente já vai.
Concordo com um aceno de cabeça e encosto-me próximo ao portão
para aguardar. Depois de mais quinze minutos, entramos e caminhamos para
a sala dela. Assim que nos sentamos, eu falo:
— Eu ainda não estou acreditando que você conseguiu alguma coisa
para mim.
— Pode acreditar. Sei que não é nada que vá resolver todos os seus
problemas, mas já é o começo. Vou passar o seu contato para eles hoje
mesmo. Eles estão desesperados procurando um contador. Acabou que ajudei
dois amigos ao mesmo tempo.
— Sim. Você não tem ideia do quanto me ajudou. Está muito difícil
conseguir alguma coisa. Dos currículos que eu entreguei, não fui chamada
para nenhuma entrevista. E não foram poucos.
— Falei para eles que vocês iriam combinar tudo e eles disseram que
você pode escolher se quer trabalhar no escritório que tem na loja ou na sua
casa. Assim, pelo menos por hora, você não precisa se preocupar em colocar
a Duda no integral.
— Prefiro em casa mesmo, pois assim dá para eu pegar mais algumas
coisas. Não posso pegar muitas lojas para trabalhar sozinha, porém, nada me
impede de pegar algumas declarações de imposto de renda para fazer. Vou
distribuir alguns cartões e pensei em colocar em uma página de serviços que
eu vi na internet também.
— Isso mesmo. Assim é que se fala. Se eu souber de mais alguma
coisa, eu te aviso. — Sorri para mim. — Agora me conta, como estão as
coisas? Não tenho te perguntado sobre isso.
— Na mesma de sempre. Cada dia de um jeito. Às vezes acho que ele
realmente vai mudar, no dia seguinte ele me prova que estou errada.
— Você pretende contar para ele que vai trabalhar? — Questiona.
— Não. Pelo menos por enquanto, não. — Digo decidida. — Vou me
organizar para fazer os serviços em horários que ele não esteja em casa. Ele
falou que concordava de eu voltar a trabalhar, mas, como ele está sempre
mudando de atitude, não quero correr o risco de ele ser contra e estragar a
minha felicidade.
— Está certo. Mudando de assunto, por que a gente não marca
alguma coisa para fazer com as meninas nesse final de semana? Elas estão se
dando tão bem na sala. Aposto que iriam adorar se encontrar fora daqui
também. Nem que seja uma simples ida à praça.
A Duda é da mesma sala da Mel, filha da Clara. Elas viraram amigas
inseparáveis desde o primeiro dia de aula. Todo dia, quando fala da escola, a
minha filha tem alguma história que envolva a nova amiguinha. A professora
falou que elas não aceitam sentar com outras crianças, querem sempre sentar
uma do lado da outra. Como elas não fazem bagunça e nem atrapalham a
aula, ela não viu problema em deixar.
— Vamos marcar, sim. A Duda vai adorar. Só que nós podíamos
fazer uma surpresa. A gente combina e leva as duas sem falar que é para se
encontrar.
— Ótima ideia. Estou doida para essa semana passar bem rápido.
Quero ver a carinha delas quando se encontrarem.
Conversamos mais um pouco e ela liga para o casal de amigos na
minha frente. Combino de ir à loja deles e sigo para lá. Espero que isso seja
um sinal que uma nova fase está se aproximando para mim e que ela seja boa.
Converso com eles e acerto sobre valores e prazos. Deixo tudo
combinado e aproveito para pegar alguns documentos que vou precisar para
começar a trabalhar. Quando saio da loja, falta pouco para o horário de saída
da Duda e vou direto para a escola.
O caminho que eu faço da loja para a escola passa em frente à
academia. Assim que eu viro a esquina, vejo o Guilherme. Ele não me vê.
Está prestando atenção na mulher com quem ele está abraçado. Ela é bonita.
Cabelos compridos, corpo definido, rosto delicado. Vejo quando os dois
entram na academia sorrindo um paro o outro.
É. Parece que a preocupação da Clara não tinha sentido. Pelo que
vejo, ele está muito bem.
Capítulo dezesseis
Guilherme
— Você já vai? — A Bianca me pergunta quando eu começo a me
vestir.
— Está na minha hora. Amanhã eu acordo cedo para trabalhar. — Ela
faz bico quando eu falo.
— Pensei que a gente ia passar a noite juntos. — Fala com voz
manhosa, o que só me dá mais vontade de sair daqui de uma vez.
— Não vai dar. Eu realmente preciso ir. — Digo já com a chave do
carro na mão.
— Pode me deixar em casa? Assim você já fica com meu endereço.
— Claro. Vou pedir a conta e esperar no carro enquanto você se veste.
— Saio antes que ela fale mais alguma coisa.
Onde eu fui me meter? Quando o Felipe e eu passamos para a mesa
dela e da Bruna não pensei que ia dar no que deu. A Bianca não é feia, pelo
contrário, é bem bonita, mas para por aí.
Deixei claro o que eu queria: uma noite de sexo. Pensei que ela
tivesse entendido e que pensava igual a mim, mas me enganei. Quando
saímos do bar ela queria que fossemos para a minha casa, o que eu cortei na
hora. Disse que não morava sozinho e não tinha como. Não deixa de ser
verdade, só que, mesmo que não fosse, eu não a levaria para lá.
Ela falou para irmos para o apartamento dela e eu sugeri um motel
que era mais perto. Não queria esse lance de casa. Nunca gostei disso. Se eu
não tenho intenção de ter algum relacionamento com a pessoa, prefiro um
motel.
Tem tanto tempo que não saio com alguém que nem lembro mais
quando foi a última vez. Pensei que era do que eu precisava, porém não foi
bem assim. A noite não foi como pensei que seria.
O sexo foi completamente mecânico. Já tive transas de uma noite
várias vezes, mas nenhuma foi como hoje. Eu não estava aqui de verdade.
Minha cabeça estava longe. Ela bem que tentou fazer com que eu me
envolvesse mais, só que não rolou. Quero sair logo daqui antes que ela crie
mais esperança do que já está criando.
— Adorei a noite. — Diz assim que eu paro na porta do prédio dela.
— Tem certeza que você não quer subir um pouco? — Nego com um aceno
de cabeça. — Anota o número do meu telefone para me ligar depois e a gente
marcar alguma coisa, então. — Pego o meu celular e finjo que salvo o
número dela. Não tenho nem uma intenção de ligar.

****

— Está mais animado hoje, cara? A noite foi boa? — O Felipe me


pergunta com um sorriso no rosto assim que entra em minha sala na segunda
de manhã.
— A sua foi, pelo visto. — Digo sério. Ele percebe que tem alguma
coisa de errado, para de sorrir e senta-se em uma cadeira de frente para mim.
— O que aconteceu? Você saiu do bar com a Bianca. Não rolou nada?
— Rolou. — Solto um suspiro. — Mas não devia. — Ele me olha sem
entender. Passo as mãos pelo cabelo. — Eu não estava no clima, cara. Foi
estranho.
— Você não... — Não deixo que ele fale.
— Não, cara, não foi isso. A gente transou, mas foi mais como uma
obrigação. Eu só não voltei atrás porque já estava no motel e ela estava
querendo. Se dependesse só de mim, eu teria voltado para casa.
— Você pensou na outra durante? — Arregala os olhos.
— Não pensei que estava com ela se é isso que você está pensando.
— Apoio os cotovelos na mesa e seguro a minha cabeça com as mãos.
— Mas pensou nela enquanto estava lá. — Afirma. — Cara, você viu
a mulher com o marido. Você acha que ela está fazendo o quê? Namorando
na sala de casa com os pais do lado? Acorda, Guilherme. — Direto como
sempre. Sei que ele não fala por mal, e sim por não querer me ver assim.
— Você não precisa me lembrar disso, Felipe. Eu sei muito bem o
que eu vi. E muito menos precisa ficar me fazendo imaginar os dois juntos.
Minha cabeça já tem feito isso direto. — Levanto-me e fico andando pela
sala.
— Segue a sua vida, cara. Você só falou essa mulher uma vez, não é
possível.
— Eu não sei explicar, cara. Sei lá, parece que ela tem um imã que me
atrai mesmo estando longe. Mesmo sem eu vê-la. Não consigo tirá-la da
cabeça.
— Se nem a Bianca conseguiu isso, a coisa está feia mesmo. A
mulher era gata.
— Pode até ser, mas eu quero distância. Ela é aquele tipo de mulher
que gruda. Não estou procurando relacionamento. Não quero me prender a
ninguém, nem quero mulher no meu pé. — Sento-me outra vez e resolvo
mudar o foco da conversa. — Agora fala você, e a sua noite?
— Digamos que o seu amigo aqui trabalhou a noite toda. — Diz se
gabando.
Ficamos conversando durante mais uns vinte minutos até que ele vai
para o trabalho.

****

— Guilherme, preciso da sua ajuda, cara. — O Felipe fala assim que


eu atendo a ligação.
— Já vi que eu vou me ferrar nessa. O que você quer, Felipe? Eu
estou trabalhando.
— Não é agora. Preciso de você a noite.
— Olha, eu sei que sou bonito, mas não sabia que era o seu tipo.
Mudou de lado agora? — Questiono para zoar com ele.
— Vai se ferrar, Guilherme. Você está cansado de saber de qual fruta
eu gosto, babaca.
— Abre o bico. Fala logo que eu estou na academia e isso aqui está
cheio hoje. — Afasto-me da sala de musculação para poder escutar melhor o
que ele está falando já que o barulho estava me atrapalhando.
— Eu combinei de sair com a Bruna hoje. Nós vamos naquele mesmo
bar da semana passada. — Alguma coisa me diz que eu não vou gostar do
que ele vai me pedir.
— E o que eu tenho a ver com isso? — Pergunto com medo da
resposta.
— É que a Bianca também vai, cara. A Bruna pediu para te chamar...
— Nem precisa terminar, Felipe. Esquece. Nada feito. Eu te avisei
que queria distância. Ela tem problema escrito na testa.
— Se você não for, a minha noite vai por água a baixo. Quebra essa
para o seu irmão. — Não acredito no que estou prestes a fazer.
— Eu juro que se ela começar a me perturbar você vai ficar sozinho
com as duas. Vai ter que dar o seu jeito.
— Valeu, Guilherme. Eu te devo uma. — Diz aliviado.
— Pode ter certeza que eu vou cobrar. E tem mais, esse é a única vez.
Da próxima, nem precisa pedir. — Aviso.
Combino com ele e me despeço. Passo o resto do dia na academia.
Uma hora e meia antes do horário em que marcamos, vou para casa me
arrumar.
Encontro-me com ele no bar. Preferi que viéssemos cada um em seu
carro para não dependermos um do outro na hora de ir embora. Entramos e
logo avistamos a mesa onde as duas estão. Respiro fundo e caminho atrás
dele na direção delas.
Não tem trinta minutos que chegamos e eu já não vejo a hora de sair
daqui. A Bianca está pior do que semana passada. Espero mais vinte minutos
e resolvo inventar uma desculpa para ir embora.
Pego meu telefone e finjo que recebi uma ligação.
— Oi, Clarinha. — Todos me olham. A Bianca tem um olhar
assassino para mim e o Felipe me questiona com o olhar. Fico calado um
tempo como se estivesse ouvindo o que ela está falando. — Calma, mana. Eu
já estou indo. Assim que chegar lá, eu te aviso. — Levanto-me. — Desculpa,
gente. Eu preciso ir.
— O que a Clara queria? Era alguma coisa com a Mel? — O Felipe
pergunta preocupado. Faço um aceno discreto de cabeça para que ele entenda
que não é nada.
— Está tentando falar com a minha mãe, mas ela não atende ao
telefone. Tenho que ver o que aconteceu. — Minto descaradamente.
— E você tem que sair daqui? A sua irmã não pode ir? Eu não escutei
o seu celular tocar. — A Bianca questiona como se tivesse o direito de me
cobrar alguma coisa.
— Minha irmã está sozinha com a minha sobrinha e ela já está
dormindo. Não tem como ela sair agora. — Respondo seco. — Meu celular
está para vibrar, por isso você não escutou. — Controlo-me para não dizer a
verdade. Que estou indo embora para não ficar aturando ela. — Boa noite. —
Despeço-me.
— Você pode me levar em casa primeiro? — Pede manhosa. — Eu
não quero ficar aqui sozinha com eles. Só vim por causa de você.
— Não vai dar. Mas tem um ponto de táxi aqui na porta. Tchau. —
Viro-me para sair.
— Espera, Guilherme. — O Felipe levanta-se e fala com a Bruna. —
Eu já volto, ok? — Caminhamos juntos para a saída do bar. — Agora pode
falar o que aconteceu. — Fala assim que paramos do lado de fora do bar. —
Você não recebeu ligação nenhuma que eu sei. — Cruza os braços e espera
que eu responda.
— Ela é maluca, Felipe. Não dá para mim. Você acredita que ela
estava discutindo comigo porque uma mulher passou perto da mesa e me
olhou? Se a gente só transou uma vez e já está assim, imagina se rolar mais
alguma coisa. Sem condições. — Ele começa a rir.
— Foge antes que ela venha atrás. Ela está olhando para cá. — Fala
quando consegue controlar o riso. Não penso duas vezes e vou para o meu
carro. Quero sair daqui o mais rápido possível.

****

— Você anda tão quieto esses dias. O que está acontecendo? — A Ju


me pergunta enquanto estamos voltando para a academia.
A Clara pediu para que nós dois fossemos na escola que precisava
falar com a gente. A professora de educação física está com o pé imobilizado
e não pode trabalhar por um mês. Ela pediu para que um de nós dois
cobríssemos os horários dela já que o outro professor trabalha em outra
escola e não poderia.
Acabou que sobrou para mim. A Júlia não pode porque dá aulas de
dança em alguns dos horários que precisaria estar lá e, como eu não sei dizer
não a elas, aceitei.
— Estou trabalhando muito. Ando cansado, só isso. — Respondo.
— Eu te conheço, Gui. Pensei que com as saídas com o Felipe você
ficaria mais alegre, mas vejo que não adiantou nada. Não conheceu ninguém?
— Nem me fala sobre isso. Não quero nem lembrar. — Prefiro
esquecer que conheci a Bianca.
— O que aconteceu? Agora eu fiquei curiosa. Pode me contar tudo.
— Como eu sei que não tem jeito e que enquanto não falar, ela não vai
sossegar, faço um resumo das duas noites para ela que ri o tempo todo.
— Ai, Gui. Só com você que acontecem essas coisas. Meu Deus! Eu
queria estar lá para ver a cara da maluca.
Estamos perto da academia. Ela me abraça e andamos conversando e
rindo das besteiras que ela fala. A Júlia sempre foi a mais doida de nós três e
eu não consigo ficar muito tempo sério do lado dela.
Capítulo dezessete
Amanda
Vejo as mães cochichando todas empolgadas no portão da escola. O
que será que está acontecendo? Uma delas se aproxima para falar comigo.
— Já viu o professor substituto de educação física? — Nego com um
aceno de cabeça. — Ele é lindo. Um gato. Por isso que elas estão nesse fogo
todo. Tem mãe aqui que nem costuma buscar o filho e veio só porque ficou
sabendo. — Sorrio para ela. Não estou interessada em professor gato
nenhum, mas não posso ser grossa e acabar fazendo com que as outras mães
não gostem de mim logo no início. Ela entende como um incentivo e
continua a falar. — Você é nova aqui, ainda não deve conhecer. Ele é...
— Mamãe. Mamãe, o tio Gui brincou comigo hoje. Ele disse que a
gente vai brincar um montão de vezes agora. — Minha filha chega perto de
mim falando e interrompe o que quer que fosse que a mulher iria falar.
Abaixo-me para falar com a Duda e escuto uma voz que me lembro bem atrás
dela.
— Vejo que esta princesinha já contou a novidade. — Levanto-me na
hora. — Boa tarde, Amanda. — Cumprimenta-me — Como você está? —
Pergunta. Sinto que ele me olha diferente do dia em que nos conhecemos.
— Oi, Guilherme. Estou bem, e você? — Tento não demonstrar o
quanto fiquei mexida por vê-lo outra vez, afinal de contas, agora eu sei que
ele também tem alguém.
— Vocês já se conhecem? — A mulher pergunta ainda parada ao meu
lado. Tinha até me esquecido dela. Concordamos juntos e ela diz mais
alguma coisa, mas não escuto. Ela se afasta e ficamos nós três.
— Pelo jeito também já sabe que eu sou o professor substituto. — Diz
olhando para a mulher enquanto ela caminha para perto das outras que não
param de nos olhar.
— Sim. Acabaram de me contar. — Olho para onde as outras mães
estão e me viro para ele outra vez. — Elas estão bem animadas com isso. —
Penso em dizer que a namorada dele pode não gostar, mas a ideia me parece
ridícula assim que penso nela.
Ficamos nos encarando sem dizer nada. Sinto um clima estranho entre
nós dois, diferente da primeira vez que nos vimos. Penso em me despedir,
porém, antes que eu o faça, escuto uma voz de mulher chamando por ele.
— Gui. Vamos almoçar naquele restaurante da esquina antes de
voltarmos para a academia? Não quero comer na cantina hoje. Quero comida
de verdade. — Diz quando para ao lado dele. Olho para ela e reconheço. Essa
é a mulher que eu vi abraçada a ele ontem. Resolvo ir embora, mas, antes que
eu me despeça, ela parece me notar pela primeira vez. — E quem são essas
duas? Não vai me apresentar? — Olha para ele e ergue a sobrancelha quando
pergunta. Ele respira fundo antes de falar me olhando:
— Amanda, essa é a...
— Amanda? — Interrompe antes que ele termine de nos apresentar.
— A Amanda que a Clarinha não para de falar e que roubou a minha melhor
amiga de mim? — Não sei o que falar.
— Para com isso. — Repreende. — Ela não roubou a Clara de você.
Que história é essa?
Tenho vontade de sair e deixá-los sozinhos. Não quero ficar
presenciando uma discussão de casal. Muito menos com a Duda junto. Já
bastam as que ela vê em casa.
— Roubou sim. Eu sempre fui a melhor amiga da Clara, mas agora é
só Amanda para lá, Amanda para cá. Não para de falar dela. — Reclama de
braços cruzados fazendo birra igual criança e o Guilherme me olha sem
entender nada.
— Não sabia que você e a Clara tinham virado amigas. — Antes que
eu possa dizer alguma coisa ela volta a falar.
— Claro que não sabia. Você anda muito desligado, sabe? Perdido em
pensamentos. — Sinto um tom de sarcasmo na voz dela.
— Júlia, chega. — Avisa sério e vira-se para mim. — Desculpa,
Amanda. É que a minha irmãzinha aqui é muito ciumenta. — Sorrio. Agora
eu sei quem ela é.
— Júlia? A Júlia que a Clara não para de falar? De contar como ela
era a bonequinha dela quando criança?
— Ela fala de mim, é? — Concordo. — Sabia que, no fundo, eu era a
irmã preferida. Viu Gui? A Clarinha contou de mim. Aposto que não falou de
você. — Faz careta para ele que sorri para a irmã. — Então, esta princesa
aqui só pode ser a Duda, acertei? — Pergunta abaixada na frente da minha
filha que estava quieta até agora sem entender nada e elas começam a
conversar.
— Não liga para a Ju. Ela é doidinha assim, mas é gente boa. —
Sorrio em resposta.
— Eu ouvi isso. — Levanta-se e belisca o irmão de brincadeira. —
Vamos, Gui. Estou com fome. Quer vir com a gente, Amanda? Eu vou adorar
conhecer melhor a mulher que conseguiu conquistar os meus irmãos tão
rápido. — Diz com um sorriso no rosto. Vejo que o Guilherme quase fuzila a
irmã com o olhar e abaixo a cabeça sem graça.
— Amanda. — Escuto a Clara me chamar e a vejo caminhar para
perto da gente com um olhar estranho. — Posso dar uma palavrinha com
você?
— Claro. — Acredito que vá falar alguma coisa sobre o irmão, mas
eu não tive culpa. Fui pega de surpresa. Coisa que ela podia ter evitado. —
Deixa para a próxima, Júlia. Obrigada mesmo assim. — Despeço-me deles e
sigo com a Clara para a sala dela.
— Desculpa, Amanda. Eu queria ter te mandado uma mensagem
ontem falando sobre o Gui, mas fiquei com medo de o seu marido ver e te
trazer problemas. — Pede assim que entramos.
— Não tem problema, Clara. Ele é seu irmão e a escola é sua. Você
não me deve satisfação de nada. — Falo, porém, preferia ser avisada para não
ser pega de surpresa.
— Sim. Você está certa, mas fui eu que falei com você sobre manter
distância dele e agora trago para cá. Não foi de propósito. Eu não tive
escolha.
— Não tem problema, Clara. É sério. — Sinto que ela está agitada e
tento acalmá-la.
— Ontem, depois que você saiu daqui, eu recebi uma ligação da
professora de educação física me avisando que está com o pé imobilizado e
que não vai poder dar aulas por um mês. Conversei com os dois com a
intenção de que a Ju ficasse, mas, com os horários das aulas dela na
academia, não daria para ela assumir a semana toda. Para não prender os dois
e complicar ainda mais a troca aqui na escola, acabou que o Gui que vai me
ajudar. — Explica-se.
— Mamãe. — Minha filha me chama e passa a mão na barriga. Sorrio
para ela. Parece que a minha pequena está com fome.
— Tem alguém com fome aqui, tia Clara. — Ela sorri para a minha
filha. — Não se preocupa, ok? Está tudo bem. E realmente foi melhor você
não me mandar mensagem. Ele não costuma mexer no meu celular, porém, se
visse, poderia falar alguma besteira e eu estou evitando problemas. Já basta
os que já tenho. — Não cito o nome do César por causa da Duda, mas sei que
a Clara entendeu a quem eu estava me referindo. — Preciso ir. Tenho que dar
comida para essa mocinha aqui. Depois a gente se fala. — Despeço-me dela e
sigo para casa.
Passo o restante do dia entre começar a fazer a contabilidade da loja,
cuidar da minha filha e me lembrar do encontro de mais cedo na escola.
Encontro esse que mexeu comigo por vários motivos.
Ver o Guilherme ontem, ainda que de longe e pensando que estava
com uma namorada, mexeu comigo, mas, hoje, com ele bem na minha frente,
esta sensação foi ainda maior. Descobrir que na verdade ele estava com a
irmã, mesmo sem ter certeza que ele não tem ninguém, deixou-me com um
alívio que não entendo.
Eu não devia me preocupar se ele tem ou não alguém. Ele não é nada
meu. Sei que o meu casamento está por um fio, mas, mesmo assim, ainda sou
casada. Preciso manter alguma distância, o que será mais difícil agora com
ele estando na escola durante este mês.
Gostei de conhecer a Júlia. A Clara já falou diversas vezes dela e eu
sabia que os três tinham uma relação bem próxima, vendo pessoalmente, isso
ficou ainda mais claro. Ela é uma figura. Cheguei a me preocupar pensando
que ela fosse implicar comigo, só que logo percebi que não passava de uma
brincadeira.
Lembro-me dela dizendo que iria adorar conhecer a mulher que
conquistou os irmãos e a cara do Guilherme quando ela falou isso. Pelo visto,
não foi só a Clara quem achou que ele se interessou por mim.
Será que é verdade? Hoje eu senti um clima completamente diferente
da primeira vez que nos vimos. Ele me tratou de um jeito mais frio. Se ele
sentiu mesmo alguma coisa, talvez já tenha esquecido. E eu devo fazer o
mesmo.

Guilherme
— Agora eu sei o que aconteceu. — A Ju fala assim que a Amanda se
afasta de nós.
— Do que você está falando, sua louca? — Pergunto enquanto
caminhamos para o restaurante.
— Ela é alguma feiticeira. Por isso conquistou você e a Clara assim
tão rápido. — Diz como se fosse a coisa mais séria do mundo.
— Júlia, eu juro que ainda te coloco uma mordaça. Jura que você
tinha que falar isso para ela? Você mesma falou para eu esquecê-la e agora
chama para almoçar com a gente? Sério isso?
— Gui, mas eu não tenho culpa. Já falei. Ela é feiticeira. Tanto que
conquistou a mim também. — Fala com cara de inocente. Solto um suspiro.
Não estou acreditando nisso.
— Isso só pode ser algum tipo de piada. Eu querendo esquecer e ela
ficando próxima de vocês. Assim será muito fácil para mim. — Reclamo.
— Meu irmãozinho querido, não adianta resmungar. Você não vai
esquecer. — Olho para ela sem acreditar no que ouvi. — Não adianta me
olhar assim. Você viu a mulher uma vez e não consegue tirar da cabeça.
Ficou todo borocoxô quando a viu com o marido. Acha mesmo que, agora,
encontrando com ela todo dia na escola, vai esquecer? Quando passar esse
mês, você não terá mais cura.
— Você me anima muito, irmãzinha. — Digo com desânimo.
Fico calado pensando no dia de hoje. Acabei me atrasando e
chegando à escola depois do horário de entrada. Sei que não atrasou a aula,
mas tenho que me programar para não acontecer mais isso.
Os alunos foram super tranquilos, pois a maioria já me conhece. Na
aula da turma da Mel tive a surpresa da amizade dela com a Duda. Elas não
saíam do lado uma da outra. Parece que se conhecem há anos.
Porém, o que mexeu mesmo comigo foi encontrar com a Amanda. Fui
um pouco frio com ela, só que não consegui me controlar. Quando a vi,
lembrei dela com o marido e quis manter certa distância.
Senti que ela também me tratou diferente, de uma maneira mais
distante. Não que tenha demonstrado algum interesse na primeira vez. Talvez
tenha se acertado com o marido, não sei. Ela só ficou mais a vontade depois
que descobriu que a Júlia era a irmã que a Clara tanto fala como ela mesma
disse.
— Para de pensar tanto, Gui. Estou sentindo o cheiro de fumaça
daqui. — Implica. — A Clara não entrou em detalhes, mas parece que ela
está mesmo passando por problemas no casamento. Se tiver que ser, será,
mano. Dê tempo ao tempo. — Diz de forma carinhosa.
— Ju, eu te amo, mas você não está ajudando assim. Eu preciso
perder as esperanças, não criar mais. — Ela finge que fecha a boca com um
zíper e não fala mais nada sobre o assunto.
Fico pensando no que ela falou. Não me pareceu que estivessem com
problemas no casamento quando eu vi os dois na praça, pelo contrário,
pareciam muito bem. Mas o que eu sei sobre eles? Talvez sejam como esses
casais que vivem brigando e fazendo as pazes.
Já vi tudo. Mais um dia pensando nela. Estou ferrado e não sei o que
fazer para mudar isso.
Capitulo dezoito
Amanda
Acabou que a Clara e eu não conseguimos nos encontrar na praça este
fim de semana. Ela tinha o aniversário do filho de um amigo de trabalho do
marido para ir no sábado e já tinha combinado de almoçar na casa da mãe no
domingo. Combinamos para o fim de semana que vem.
Como o César saiu dizendo que ia jogar futebol com os amigos, estou
sozinha com a Duda. Não acreditei muito, só que não falei nada. Já cansei de
brigar. O clima entre a gente está cada vez pior e prefiro ficar sozinha com a
minha filha.
Ela ficou toda tristinha quando o pai saiu. Disse que queria ir junto
com ele, mas o pai não deixou. Aproveito que estamos só nós duas e resolvo
passar a tarde na praça com ela que logo se anima.
Quando voltamos para casa o César ainda não está. Tomamos banho
juntas, jantamos e ficamos assistindo o filme Enrolados deitadas no sofá da
sala. Ela acaba pegando no sono de cansaço e eu a levo para a cama.
Organizo a casa e me deito em seguida.

****

Adianto o quanto posso o trabalho antes de buscar a Duda na escola.


Está passando um filme infantil no cinema e eu quero levá-la hoje à tarde
para assistir.
Nem cogito a ideia de esperar pelo César para ir já que ele a cada dia
chega em um horário diferente e o humor dele continua inconstante. Um dia
ele está todo carinhoso com a gente e, no dia seguinte, todo grosso.
A cada dia eu tenho mais certeza que a melhor decisão para mim é me
separar. Estou começando a me preparar para isso. Além de estar fazendo a
contabilidade da loja que a Clara me indicou, consegui também alguns
clientes para fazer a declaração do imposto de renda. Tento guardar todo
dinheiro que posso, pois quero ter uma reserva para não passar por aperto
nenhum.
Mandei um muda de roupa para a Duda e pedi à professora que
colocasse nela na hora da saída para podermos ir direto para o shopping, pois
sei que ela vai adorar almoçar por lá.
Saio de casa para buscá-la já esperando encontrar com o Guilherme.
Desde que ele começou a dar aulas na escola é sempre assim. Ele sempre está
no portão no horário de saída e entrada. Não sei como não nos encontramos
na entrada do primeiro dia. Acredito que ele tenha chegado mais tarde.
Agradeço o fato de o César não estar mais indo levar a Duda à escola.
Tenho medo que ele crie caso se o Guilherme vier falar comigo. A gente não
faz nada além de se cumprimentar, e, às vezes, conversar, mas eu sinto que
ele me olha de um modo diferente.
Já reparei que as outras mães ficam conversando baixinho e me
olhando, porém não ligo. Sei que o problema delas é a vontade de estar no
meu lugar e ficar perto dele, de ganhar o sorriso que ele me dá todos os dias.
Sei que não devia pensar assim, só que é impossível não ficar feliz
com o jeito que ele me trata. Talvez a Clara tenha razão e eu esteja sentindo
falta de atenção. Como ele é todo gentil, acabei me apegando. Não sei
explicar o que sinto. Só sei que está cada dia mais difícil disfarçar.
Chego à escola e o portão já está aberto para entregarem as crianças.
Vejo que a Duda está de mãos dadas com o Guilherme que olha em volta
como se estivesse procurando alguém.
— Aí está a mamãe, princesinha. — Fala para ela que se solta e vem
me abraçar. — Ela estava nervosa te esperando. Disse que vocês vão passear.
— Diz olhando para mim com um sorriso lindo no rosto que se torna
impossível não retribuir.
— A gente vai ao cinema, você quer ir, tio Gui? — Pergunta
deixando-nos sem reação. Ele fica parado me olhando por alguns segundos
antes de virar-se para ela e responder.
— O tio não pode, princesinha. Eu tenho que trabalhar. Quem sabe
outro dia? — Fala o final olhando para mim. — Bom filme para vocês. Até
amanhã. — Dá um beijo nela e se aproxima de mim me dando um também.
Fico parada olhando para ele sem reação.
Saio do transe e vejo algumas mães em um canto me olhando. Ignoro
e sigo para o shopping.
Chego e vou direto para a praça de alimentação. Escolho um
restaurante, peço a nossa comida e escolho uma mesa para sentarmos. De
repente a Duda levanta e sai correndo.
Levanto-me e corro atrás dela sem entender o motivo de ter feito isso.
Ela não tem esse costume. Assim que ela para, entendo o que aconteceu.
— Eduarda, você não pode fazer isso, filha. — Repreendo-a. — Eu já
não expliquei para você?
— Desculpa, mamãe. Eu vi a Mel. — Pede e abaixa a cabeça com um
olhar triste.
— Sua mãe está certa, mocinha. Não pode sair de perto dela. — A
Júlia diz abaixada para ficar na altura dela.
— Era só pedir que eu te trazia. — Vejo que ela está quase chorando.
— Não precisa ficar assim, mas não faz mais isso, tudo bem? Você promete
para a mamãe? — Ela concorda com um aceno de cabeça e começa a falar
com a Mel.
— Que coincidência encontrar vocês aqui. Vim almoçar com a Mel e
depois vamos ao cinema. Ela não parava de dizer que queria chamar a Duda.
— Coincidência em dobro, então. Nós viemos fazer a mesma coisa.
— Sorrio. — Quer sentar com a gente? Eu acabei de pedir o nosso almoço.
— Vou aceitar. Até porque tentar separar essas duas agora será um
problema.
Contamos para as meninas que gritam animadas e voltamos para a
mesa em que estávamos sentadas. Passamos a tarde juntas no shopping e,
quando vamos embora, sinto que ganhei mais uma amiga. A afinidade é
instantânea.
A Júlia é maluquinha, mas é um amor de pessoa. Cheguei a ficar
preocupada que ela estivesse realmente chateada sobre a minha amizade com
a Clara, mas tudo não passou de uma brincadeira dela.

****

— Depois do almoço eu vou levar a Duda na praça. — Comunico ao


César enquanto estamos tomando café da manhã na cozinha de casa.
A Duda ainda não acordou e eu quero deixá-la dormir mais um pouco
já que ela acorda cedo todo dia por causa da escola.
— Não estou a fim de sair hoje, Amanda. Deixa para outro dia. —
Responde sem me olhar enquanto lê o jornal. Sorrio sem humor.
— Você não entendeu o que eu falei, César. Eu não perguntei se você
vai. Eu comuniquei que eu vou com a Duda. Se você não quiser ir, o
problema é seu. — Para de ler e me olha sem acreditar em como eu falei com
ele.
— Muito bem. Vou ligar para os caras lá do trabalho e marcar alguma
coisa, então. Não vou ficar sozinho aqui. — Diz e volta a ler o jornal.
— Como se você precisasse de desculpas para isso, não é mesmo? —
Falo com sarcasmo.
— O que você está querendo dizer com isso, Amanda? — Larga o
jornal e cruza as mãos sobre a mesa me encarando.
— Eu não quero dizer nada, César. Já falei tudo o que tinha para falar
com você. Acabei com o meu estoque de palavras. — Levanto-me e saio da
cozinha.
Passamos o restante da manhã sem trocar nem uma palavra. Antes
mesmo do almoço ele sai de casa.
— Estou saindo. Não precisa me esperar que eu não tenho hora para
voltar. — Diz caminhando para a porta enquanto eu arrumo a mesa para o
almoço.
Não respondo. Sei que se eu falar alguma coisa nós iremos acabar
brigando mais uma vez e a Duda está na sala.
Acabamos de almoçar e resolvo ir mais cedo para a praça. Não
demora muito e a Clara chega com a Mel.
— Meu Deus! Que semana. Cada hora era uma coisa diferente para
resolver. — Fala sentando-se do meu lado enquanto as meninas estão
brincando. — Queria te ligar para conversar, mas nem mandar mensagem eu
consegui. Chegava em casa e ainda tinha que fazer tudo, quando parava,
estava morta. Só queria cama.
— Podemos conversar agora. Temos a tarde toda. — Brinco. —
Aposto que essas duas não vão querer sair daqui tão cedo.
— Com certeza. Como estão as coisas? Conseguiu mais algum
serviço? — Questiona me olhando.
— Mais algumas declarações. O boca a boca está começando a
funcionar. — Digo animada.
— Que bom. É pouco, mas é melhor do que nada. Aos poucos você
vai conseguir. Um passo de cada vez.
— Sim. Esse é o meu pensamento. Tem tanta gente que passa anos
tentando trabalhar e não consegue. Eu já consegui alguma coisa. Não posso
reclamar.
— Assim é que se fala. Nada de desanimar. O clima em casa
melhorou? — Pergunta mudando de assunto.
— Nada, Clara. A mesma coisa. Um dia ele chega cedo, no outro
chega tarde e nem avisa. Hoje, quando fui falar com ele que vinha para a
praça, disse para deixar para outro dia que não queria sair. Respondi que não
o estava chamando e viria sozinha, ele resolveu ligar para os colegas de
trabalho e marcar alguma coisa. Saiu de casa antes do almoço dizendo que
não tinha hora para voltar.
— Mudou de ideia rápido. — Sacode a cabeça. — Como você
consegue, Amanda? Eu já teria chutado o pau da barraca.
— Eu penso na Duda. Penso que eu preciso ter como me manter.
Falta pouco. É essa esperança que me segura. Você fala que não aguenta, mas
faria a mesma coisa e até pior pela Mel. Tenho certeza.
Ficamos conversando sobre diversos assuntos e depois de uma hora o
celular dela toca.
— É a Júlia. — Fala antes de atender. — Oi, Ju. — Escuta o que ela
diz e responde. — Eu estou na praça com a Mel. Marquei com a Amanda e
ela trouxe a Duda também. — Sorri para mim. — Tudo bem. Vou esperar. —
Desliga e vira-se para mim. — Ela está vindo para cá.
— Mamãe, olha isso. — A Duda me chama e eu caminho para perto
dela.
Fico brincando com as duas por mais dez minutos quando escuto a
Clara falar:
— Mel, Duda, olha quem está vindo ali. — Viro-me esperando ver a
Júlia e a encontro acompanhada pelo Guilherme.
Capítulo dezenove
Guilherme
Saio do banheiro só de boxer terminando de me secar e encontro a
Júlia deitada na minha cama como se estivesse na dela.
— O que você está fazendo aqui? — Fico parado olhando para ela.
— Estava te esperando. — Responde sentando-se e cruzando as
pernas.
— E não sabe mais bater na porta, folgada? Se eu saísse do banheiro
pelado? — Implico.
— Não seria o primeiro homem que eu veria assim. — Olho sério
para ela que faz careta para mim. Não preciso e não quero ficar com essa
ideia da minha irmã no mesmo lugar que algum babaca pelado. — Fora que
eu já cansei de te ver sem roupa, Gui. Esqueceu que a gente tomava banho de
mangueira pelados?
— Nós éramos crianças. Digamos que eu cresci um pouco depois
disso. — Pisco para ela.
— Nossa! Só um pouco? Por isso está sozinho. — Jogo a toalha que
estava segurando nela e coloco uma bermuda.
— Fala logo o que você quer. Quando chega assim mansinha está
querendo alguma coisa. — Sento-me junto com ela na cama.
— Quero conversar com meu irmão. Não posso? Você anda tão
quieto na sua.
— Só estou cansado. Mais do que o normal com essa história de dar
aula. Antes eu tinha o dia todo para resolver as coisas da academia, agora, só
tenho a parte da tarde.
— É por pouco tempo. Você sabe que se eu pudesse te ajudava. —
Deito minha cabeça nas pernas dela que começa a fazer carinho nos meus
cabelos.
— Sei sim. Não se preocupa. Está tudo bem. Nada que não dê para
aguentar.
— Vai ficar em casa esse fim de semana? — Aceno com a cabeça em
acordo. — Não sobra ânimo nem para sair com o Felipe para se distrair um
pouco?
— Já desisti disso, Ju. Cada hora é uma coisa diferente. — Ela me
interroga com o olhar. — Nas primeiras vezes você lembra o que aconteceu.
— Concorda rindo e eu continuo falando. — Sábado passado fomos para
outro bar. Não queria correr o risco de encontrar aquela louca. Conheci uma
mulher e não consegui conversar com ela nem cinco minutos de tão fútil que
ela era. Não me lembro nem o nome dela. Dei uma desculpa e saí de perto.
Acabei vindo cedo para casa.
— Tadinho do meu irmão. Não está dando sorte, não é mesmo? —
Olho para ela e levanto do colo dela sentando-me outra vez.
— Ok. Você já enrolou muito. Fala o que você quer de verdade. Para
de enrolar e vai direto ao assunto. Eu te conheço, Júlia.
— Ei! Se você não estivesse fugindo de mim eu não precisaria disso.
— Defende-se.
— Eu não estou fugindo de você, Ju. De onde você tirou isso?
— Então me fala como está sendo encontrar com a Amanda todo dia
na escola. Vocês têm conversado? — Estava demorando para ela tocar neste
assunto.
— Normal, Ju. Não tenho nada para te contar. — Tento desconversar,
mas sei que não vai adiantar. Ela dá um beliscão no meu braço. — Ai,
maluca. — Passo a mão onde ela beliscou e ela semicerra os olhos para mim.
— A gente só se cumprimenta. Não ficamos muito tempo conversando. Só na
hora da entrada e da saída. Satisfeita?
— Claro que não. Você está sendo muito superficial. Quero detalhes.
— Não tem detalhe nenhum, Ju. — Lembro-me de uma coisa que
aconteceu ontem e acabo sorrindo. Ela percebe na mesma hora.
— Não tem nada demais? E esse sorrisinho aí? Quer me enganar?
— Como se eu conseguisse esconder alguma coisa de você. — Deito
no colo dela outra vez e ela recomeça o carinho em meus cabelos. — Só me
lembrei de uma coisa que aconteceu ontem.
— Então fala. Vai me matar de curiosidade aqui. Esse sorriso no rosto
me diz que é coisa boa. — Diz animada.
— Na hora em que a Amanda foi buscar a Duda para elas saírem, a
Duda me disse que iriam ao cinema e perguntou se eu não queria ir junto com
elas.
— E o que você respondeu? — Pergunta não se aguentando de
curiosidade.
— Que eu ia trabalhar e não podia, mas que, outro dia, talvez. — Fico
esperando. Sei que ela vai me perguntar mais alguma coisa, o que não
demora.
— E a Amanda falou o quê? Anda, Gui. Fala tudo de uma vez. Fica
falando a prestação. — Puxa meu cabelo de leve e eu sorrio. Sabia que ela ia
se irritar.
— Não falou nada, Júlia. Queria que ela falasse o quê? Esqueceu que
ela é casada? — Ela não responde e eu termino de contar antes que ela
pergunte mais alguma coisa. — Dei um beijo nas duas e entrei. Tinha que
pegar as minhas coisas para ir para a academia.
— Deu beijo, é? — Dá um sorriso. Ela não tem jeito. Nem me dou ao
trabalho de responder. — Ela estava bonita ontem, né?
— Estava linda. — Digo lembrando-me de como ela estava. —
Aquele vestido a deixou ainda mais gostosa. — Solto sem pensar e me dou
conta de um detalhe. — Como você sabe que ela estava bonita?
— Eu fui ao shopping com a Mel e encontrei com elas. Acabamos
almoçando e indo ao cinema juntas.
— Quem está escondendo as coisas agora, em? — Arqueio a
sobrancelha.
— Escondendo nada. Só esqueci de comentar. — Para de falar por
alguns segundos. — Passamos uma tarde bem divertida juntas. Gostei dela,
Gui. De verdade. Você acertou, mano. Só errou a hora. — Olho para ela sem
acreditar que falou isso.
— Você sabe como animar uma pessoa. Caramba, Júlia.
— Sou sincera, sabe disso. — Dá um tapa na própria testa. — Tive
uma ideia. Vamos na Clarinha. Quero brincar com a minha sobrinha mais um
pouco.
— E o que uma coisa tem a ver com a outra?
— Nada. Só me deu vontade. — Tenta se levantar e me empurra para
conseguir. — Você vai ou não vai? Eu só vou pegar minha bolsa para sair. Se
vai comigo, anda logo. — Diz e caminha para a porta do meu quarto.
— Vou, sua chata. Só tenho que terminar de me vestir. — Digo e
levanto-me para pegar uma blusa.
Vinte minutos depois estamos parados na porta da casa da Clara.
Toco a campainha e o Rodrigo atende.
— Estão com tanta saudade assim de mim que vieram me ver mesmo
sem a irmã e sobrinha de vocês em casa? — Pergunta enquanto nos
cumprimenta com um beijo na Ju e um aperto de mão comigo.
— Elas não estão? — Pergunto só para confirmar enquanto entramos
na casa deles.
— Eu acabei de chegar e só encontrei um bilhete avisando que elas
estariam na praça. Não sei que horas foram.
— Vou ligar para ela. — A Ju diz e se afasta para ligar e volta dois
minutos depois. — Elas estão na praça que a gente sempre leva a Mel. Ainda
vão ficar lá mais um tempo. Vamos lá, Gui?
Concordo com ela e nos despedimos do Rodrigo. Como a praça é
perto, chegamos em dez minutos.
Caminho com a Ju para onde a Clarinha está e vejo a Amanda perto
da Mel e da Duda. Dou um sorriso e pergunto a Júlia:
— A Clarinha falou que a Amanda também estava aqui? — Ela
coloca o dedo na boca e faz cara de quem está pensando. Não aguento e
acabo rindo.
— Sabe que eu não sei? Acho que ela comentou. Devo ter me
esquecido de falar. — Faz cara de inocente.
— Por que será que eu estou achando que você sabia que elas
estariam aqui antes mesmo de sair de casa?
— Não sei de onde você tirou isso. — Nega e se afasta caminhando
na minha frente.
Vou caminhando devagar e quando eu chego onde elas estão, as três
já começaram a conversar e as meninas estão brincando de balanço perto
delas. Falo com a minha irmã e me aproximo da Amanda para cumprimentá-
la também. Não resisto, dou um beijo e aspiro o perfume dela que fica toda
sem graça. Vejo o rosto dela ganhar um tom avermelhado que o deixa ainda
mais bonito.
— Quer dizer que ontem a mala da minha irmã mais nova te alugou a
tarde toda? — Pergunto para puxar assunto parado ao lado dela enquanto a Ju
e a Clarinha conversam baixinho. Coloco as mãos no bolso da bermuda para
me segurar e não tirar uma mecha de cabelo que se soltou do rabo de cavalo
dela e colocá-la atrás da orelha.
— As meninas se divertiram muito. Não queriam sair de lá de jeito
nenhum. — Tem um sorriso lindo no rosto quando responde.
— Elas estão bem felizes aqui também. — Não só elas. Penso. — Na
verdade, acho que em qualquer lugar que elas estejam juntas será assim. Elas
se adoram. Parece que se conhecem há muito tempo.
— Isso é verdade. A Duda não fala de outra coisa em casa. Sempre
que vai me contar alguma história da escola, fala no nome da Mel.
As meninas correm em nossa direção e eu me abaixo para falar com
elas. Pego as duas no colo, uma em cada braço e levanto-me.
— Eu ainda não ganhei um beijo das minhas princesinhas. — Digo e
elas começam a me beijar, uma de cada lado do meu rosto.
— Deixa a gente brincar agora, tio Gui. — A Mel pede e eu coloco as
duas no chão. Elas voltam para os brinquedos correndo.
A Ju se aproxima de mim e cutuca a minha cintura com o dedo
sorrindo. Aproveito que a Amanda e a Clara estão distraídas olhando as
meninas e pergunto:
— Você armou isso, não foi? — Ela não nega e continua sorrindo. —
A Clara sabe disso? — Arregala os olhos para mim.
— Claro que não. Ela me mata. — Sacudo a cabeça. — A Amanda
comentou ontem comigo que tinha combinado com ela. Eu só pensei em dar
mais um tempinho para vocês dois ficarem conversando. — Faz aspas com os
dedos no ar. — Deu certo. Olha o seu sorriso. E a Amanda não fica atrás.
Viro para frente, olho na mesma direção que ela e percebo do que está
falando. A Amanda tem um sorriso enorme no rosto. Um que não estava lá
no dia em que eu a conheci.
Passamos à tarde na praça conversando e brincando com as garotas.
Compro sorvete para a gente e elas ficam todas meladas. A Amanda pega um
pacote de lenço umedecido na bolsa e limpa as mãos e os rostos delas que
voltam a brincar.
Quando começa a escurecer, a Clara e a Amanda chamam as duas
para irmos embora e elas começam a reclamar.
Caminhamos na direção que eu deixei o meu carro e percebo que a
Amanda está a pé. Como não sei se ela mora perto, aproveito que a Ju e a
Clara estão na nossa frente com as meninas e decido perguntar.
— Você mora perto daqui? Quer uma carona? — Arrependo-me
assim que as palavras saem da minha boca. O sorriso some do rosto dela na
mesma hora.
— Não precisa. Eu vou andando mesmo. É aqui pertinho e a gente já
está acostumada. — Lógico que ela não vai querer. O que o marido iria
pensar de vê-la chegando comigo?
— Tudo bem. Você quem sabe. Até segunda. — Despeço-me dela e
dou outro beijo, esse mais rápido que o primeiro. Ela dá um sorriso fraco, fala
alguma coisa com a Clara e se afasta.
Capítulo vinte
Amanda
Chegamos em casa e vamos direto para o banho. Quando saímos,
preparo um lanche para comermos e deito-me com a Duda no quarto dela
para contar uma história. Ela está tão cansada que dorme antes da metade.
Coloco um lençol por cima dela e vou para o meu quarto. Pego um
livro para ler, mas não consigo me concentrar. Fico me lembrando da tarde de
hoje na praça. Não sei se foi coincidência ou coisa da Júlia, já que eu tinha
comentado com ela que iria, só sei que gostei. Passar à tarde com eles me fez
muito bem.
Sendo bem sincera, passar à tarde com o Guilherme me fez muito
bem. Não tenho mais como negar que sinto alguma coisa por ele. Ainda não
sei dar nome, porém, uma coisa tenho certeza, não é uma simples amizade.
Nunca um simples beijo no rosto mexeu tanto comigo quanto o que
ele me deu. Senti quando ele aspirou meu perfume e tive que me controlar
para não suspirar e me entregar.
Não sou mais nenhuma garotinha, tenho trinta anos, mas, perto dele, é
como me sinto. Eu coro com um simples beijo ou elogio. Sinto meu rosto
esquentar só de vê-lo sorrir para mim.
Queria que ele tivesse aparecido em minha vida em outra época. Uma
que eu não estivesse passando por tantos problemas, que não precisasse
controlar o que sinto que está nascendo entre nós.
Não é unilateral. Ele também sente alguma coisa por mim. Vejo como
as mães na escola, mesmo as casadas, fazem tudo para chamar a atenção dele
e ele nem percebe, porém, sempre tem tempo para falar comigo, nem que seja
para me cumprimentar e perguntar como estou.
Além disso, tem o jeito que ele trata a Duda. Minha filha sempre foi
mais fechada com homens, e, com o Guilherme, ela se solta completamente.
Vive falando do tio Gui para lá, tio Gui para cá.
Teve um dia que ela falou dele para o pai. Na hora eu gelei, pensei
que ele fosse criar algum problema, mas ele não estava nem prestando
atenção na filha. Coisa que vem acontecendo muito, ultimamente.
Está cada dia mais difícil suportar. Não sei até quando eu vou
aguentar, pois já estou no meu limite. Se não fosse a Duda, eu já teria saído
de casa e ido nem que fosse para uma pensão.
Acabei me perdendo entre a tentativa de leitura do livro e
pensamentos e não vi a hora passar. Já são meia-noite e o César ainda não
chegou. Às vezes penso que era melhor que ele saísse de casa de uma vez.
Talvez assim eu tivesse um pouco de paz.
Meu celular apita uma mensagem e eu pego para ver pensando que
pode ser dele, mas não é. É de um número que não conheço. Não tenho o
costume de atender ligações e nem olhar mensagens de números assim, mas
algo me faz olhar. Abro o aplicativo e leio.
“Você sabe onde e com quem o seu marido está? Abre o olho, otária.”
Fico parada olhando para a tela do meu celular sem acreditar no que
leio. Claro que eu já desconfiava que o César está me traindo, mas, daí a
receber uma mensagem praticamente confirmando isso, é bem diferente.
Sei que não o amo mais, o que não diminui o que ele está fazendo. Eu
sinto pelos anos que passamos juntos, pela vida que construímos e ele está
jogando fora, pela nossa filha que é a que mais vai sofrer nisso tudo. Sinto
por não reconhecer mais o homem por quem eu me apaixonei e casei, o pai
da minha filha.
Preciso desabafar, falar com alguém. Tiro um print da tela do meu
celular e envio para a Clara apesar de achar que ela já deve estar dormindo,
porém, ela visualiza na mesma hora e, ao invés de me responder por
mensagens, o meu telefone toca.
— Que merda é essa, Amanda? Quem te enviou isso? Você está em
casa? Ele já chegou? — Pergunta com a voz transbordando de raiva.
— Não faço ideia. Acabei de receber. Estou em casa e ele ainda não
chegou. — Tento controlar a voz para que ela não perceba que eu estou
chorando.
— Você não vai me dizer que está chorando por causa desse babaca?
— Sinto que ela está se controlando para não gritar. Acredito que deva ter
saído do quarto para não acordar o Rodrigo.
— Não por ele, Clara, e sim por tudo o que a gente construiu, pela
minha filha no meio disso tudo.
— Você tem que fazer alguma coisa, Amanda. Não é possível. Pega
essa mensagem e usa como prova, não sei, mas ficar assim não dá. Você está
sofrendo, amiga.
— Isso não serve como prova, Clara. Quem garante que a pessoa está
falando a verdade? — Solto um suspiro.
— Eu não acredito que escutei isso, Amanda. Você não pode estar
falando sério. Ainda tem dúvidas de que ele está te traindo?
— Não! Claro que não! Antes mesmo de receber essa mensagem eu já
sabia, porém, ele vai alegar que a pessoa está inventando, que não é verdade.
Eu preciso de alguma coisa melhor do que isso para poder agir.
— Já pensou em pegar o celular dele? Aposto que você vai achar
muita coisa comprometedora.
— Até pensei, mas ele não desgruda do celular nem para dormir.
Além disso, ele colocou senha e eu não sei qual é.
— Você respondeu a mensagem? Mandou alguma coisa?
— Não. Até pensei em responder. Em mandar fazer bom proveito,
mas do quê vai me adiantar? Só corro o risco de ficar me mandando uma
mensagem atrás da outra.
— Salva esse print, Amanda. Envia para o seu email e faz uma pasta.
Tudo que você receber desse tipo, salva. Para alguma coisa deve servir. —
Aconselha-me. — Você vai falar com ele sobre isso? Vai confrontá-lo?
— Sim. Eu não aguento mais. Antes de a mensagem chegar, eu estava
pensando justamente isso, que já estava no meu limite.
— Faça isso. Amanda, lembra que se precisar é só me ligar, ok? Eu
tenho que desligar. O Rodrigo já apareceu três vezes aqui na sala
perguntando o que aconteceu.
— Desculpa te perturbar a essa hora. Vai descansar. Depois a gente se
fala.
— Não se preocupa com isso. Amanhã eu te ligo para saber como
você está. Tenta ficar bem, ok?
— Pode deixar. Obrigada por me escutar. Até amanhã.
— Sempre que precisar. Boa noite. — Diz e desliga.
Levanto-me e ando pela casa olhando tudo. As fotos do nosso
casamento que estão na parede da sala, nossas fotos com a Duda no
nascimento, aniversários e passeios que fizemos juntos. Uma vida que não
existe mais.
Vou ao quarto da Duda, vejo minha filha dormindo tão serena. Não
tem ideia da confusão que a nossa vida está. Volto para o meu quarto e vejo
que chegou outra mensagem. Cogito não olhar achando que é do mesmo
número, mas a curiosidade sobre o que pode ser é mais forte. Pego e vejo o
nome do César na tela. Entro no aplicativo para ver o que ele quer a essa
hora.
“Bebi demais. Vou dormir por aqui. Volto amanhã depois do jogo.”
Largo o celular na mesinha de cabeceira, deito-me na cama e deixo as
lágrimas descerem livres. A Clara tem razão. Preciso me livrar disso o mais
rápido possível.
Em algum momento da noite, depois de muito chorar e pensar no que
fazer, eu acabo pegando no sono. Acordo com a Duda parada em pé próxima
a minha cama me chamando.
— Você está dodói, mamãe? — Pergunta e faz um carinho no meu
rosto.
— Não, meu amorzinho. — Sento-me e pego-a no colo. — A mamãe
só está cansada. — Beijo o rostinho dela.
— Você chorou? — Meu rosto deve estar todo inchado para ela me
perguntar isso.
— Não. A mamãe está com alergia, filha. — Minto. — Daqui a pouco
passa. Vamos tomar café? — Mudo de assunto. Não quero que ela fique
preocupada comigo.
— Cadê o papai? — Questiona quando estamos saindo do quarto.
— Está na casa do amigo dele. Depois ele vem. O que você vai querer
comer? — Desconverso mais uma vez.
Estamos na cozinha quando o meu celular apita avisando que chegou
mais uma mensagem. Depois das últimas que eu recebi dá vontade de
desinstalar o aplicativo. Lembro-me que a Clara ficou de falar comigo de
manhã e pego para ver de quem é e acerto. Entro para ler.
“Já acordou? Está podendo falar?”
Respondo dizendo que posso e ela me liga na mesma hora.
— Como você está? Já falou com ele? — Pergunta assim que atendo.
— Só um minuto, Clara. — Peço e viro-me para a Duda. — Filha,
fica quietinha e come o seu cereal todo que a mamãe já volta, tudo bem? —
Controlo-me para que ela não me veja chorar e vou para o meu quarto. — Ai,
Clara, você não sabe o que ele fez. — Não me controlo mais e as lágrimas
descem.
— O que ele fez, Amanda? Ele te machucou?
— Não. Não foi isso. Ele não veio para casa. Mandou uma mensagem
avisando que ia dormir onde estava e que só vinha depois do jogo. Eu não
aguento mais.
— Vem aqui para casa. Você não tem condições de ficar sozinha hoje
e ainda tem a Duda. Aqui ela vai se distrair. Quer que eu vá te buscar?
— Não, Clara. Eu não quero te incomodar mais do que já estou
fazendo. Eu vou ficar em casa mesmo. — Solto um suspiro.
— Amanda, escuta bem o que eu vou te dizer. Você tem trinta
minutos para vir. Se você não vier, eu vou para a sua casa. E eu juro para
você que se quando esse babaca chegar eu ainda estiver aí a coisa não vai
ficar nada bonita. A escolha é sua. Você vem ou eu vou? — Pergunta
completamente alterada.
Sei que ela está certa. Não estou bem para ficar aqui sozinha com a
Duda ou ela vai acabar percebendo que tem alguma coisa errada. Muito
menos quero que esse encontro dela com o César aconteça. A Clara é aquele
tipo de pessoa que vira bicho quando mexem com alguém próximo a ela e,
apesar de nos conhecermos a pouco tempo, sei que ela me inclui nesse grupo.
— Tudo bem, mas não precisa vir me buscar. Eu pego um táxi, uber
ou sei lá. Eu dou meu jeito. Só me passa o seu endereço que eu já chego aí. E,
Clara, muito obrigada. Você não tem noção de como tem me ajudado.
Despeço-me dela e vou aprontar a Duda para podermos ir. A Clara me
envia o endereço dela e eu sigo para lá.
Toco a campainha e a Clara atende junto com o Rodrigo que pega a
Duda do meu colo e leva para o quintal para brincar com a Mel. Ela me puxa
para a sala e, quando entro, vejo a Júlia, uma senhora que não conheço e o
Guilherme me olhando.
Fico parada na porta. Não pensei que a família dela estaria aqui. A
Júlia percebe que não vou entrar e se aproxima de mim.
— Ei. Nada disso. Você está entre amigos. — Diz segurando as
minhas mãos.
— Eu não quero atrapalhar. Não sabia que a sua família estava aqui,
Clara. Eu vou para casa.
— Amanda, não é? — A senhora que eu acredito ser a mãe deles
pergunta. Aceno com a cabeça em acordo e ela continua. — Se você é amiga
dos meus filhos, é minha também. Eu nunca aceitaria que meus filhos
virassem as costas para alguém que está precisando. Não foi assim que eu os
criei. — Caminha para perto de mim e faz um carinho no meu rosto. — Você
não precisa ir a lugar nenhum, pelo contrário, está justamente onde deveria
estar. Vou deixar que vocês conversem e olhar as meninas lá no quintal. —
Diz e se afasta.
Tapo o meu rosto com as mãos e respiro fundo tentando me recuperar.
Não aguento mais chorar. Sinto alguém segurando meu braço e, quando
abaixo as mãos, vejo o Guilherme parado na minha frente.
Capítulo vinte e um
Guilherme
— O que ele fez, Amanda? Ele te machucou? — Entro na sala da
Clara e escuto quando ela fala ao telefone.
Congelo no lugar esperando a resposta. Ser for positiva, eu não
respondo por mim. A Clara nega com um aceno de cabeça e eu solto a
respiração outra vez.
Tento escutar o que ela está falando, mas ela entra no quarto e fecha a
porta. Fico andando de um lado para o outro esperando que ela saia e me
conte o que está acontecendo.
Meu cunhado se aproxima de mim e me puxa para um canto.
— Gui, se controla. Sei o que está passando na sua cabeça, mas não
faz nenhuma besteira. Não é isso que ela precisa agora. Ela já está com
problemas demais na cabeça.
— O que você sabe? — Respiro fundo para me controlar.
— Não sei muita coisa. Só que sua irmã estava conversando com ela
de madrugada e estava tentando convencê-la a pedir o divórcio de uma vez.
— O que eu não entendo é por que ela ainda não fez isso se não está
mais dando certo. — Desabafo. — Será que ela ainda ama aquele babaca?
— Isso só a própria pode te dizer. Mas vai com calma. — Pede.
Volto para a sala e encontro a Clara dizendo para a Júlia que a
Amanda está vindo para cá.
— Qual o endereço dela? Eu vou lá. — Digo já pegando a chave do
carro.
— Você não vai a lugar nenhum, Gui. Não piora as coisas. — A Clara
fala e pega a chave da minha mão.
Sento-me no sofá, apoio os cotovelos no joelho e seguro minha
cabeça com as mãos. Puxo o meu cabelo enquanto seguro a vontade de socar
alguma coisa.
— O que aconteceu, Clara? Ele fez alguma coisa com ela? —
Pergunto com medo da resposta.
— Eu não posso te falar, Gui. A única coisa que eu vou te dizer é que
ele não bateu nela. Nem em casa ele está. — Levanto-me e vou para o
quintal. Preciso ficar um pouco sozinho para me acalmar antes que ela
chegue.
Volto para a sala depois de vinte minutos. Essa espera está acabando
comigo. Preciso olhar para a Amanda e ter certeza que ela está bem ou vou
enlouquecer.
Escuto a campainha tocar e tenho que me segurar para não correr na
direção dela. A Júlia percebe o que estou prestes a fazer e pede:
— Calma, Gui. Espera ela entrar. A Amanda não sabe que estamos
aqui. Se você for, pode assustá-la. — Concordo com um aceno de cabeça e
fico do lado dela e da minha mãe.
Vejo a Amanda entrando na sala e ela para na porta quando nos vê. A
Júlia se aproxima dela e fala alguma coisa, mas eu não consigo prestar
atenção. Fixo o meu olhar nela e não desvio.
Minha mãe fala com ela, faz carinho no rosto dela e se afasta. Quando
ela cobre o rosto com as mãos e começa a chorar não resisto mais e me
aproximo. Seguro nos braços dela e tento fazer com que olhe para mim. Ela
abaixa as mãos aos poucos e, quando me vê, tenta se soltar de mim.
— Não se afasta, por favor. — Peço. — Eu só quero saber se você
está bem. — Ela nega com um aceno de cabeça e eu puxo-a para um abraço.
— Não chora que te ver assim me dá vontade de acabar com a raça de quem
fez isso com você. — Falo baixo no ouvido dela.
Olho em volta e vejo que estamos sozinhos. Fico por cinco minutos
em silêncio abraçado a ela que vai se acalmando aos poucos. Afasta-se de
mim e fala olhando para a minha camisa:
— Desculpa. Molhei sua camisa toda. — Pede tímida. Seguro o rosto
dela com as mãos e dou um beijo em sua testa.
— Não tem problema. Está mais calma? — Concorda com um aceno
de cabeça. — Você vai conversar comigo ou prefere que eu chame a Clara e a
Júlia? — Pergunto. Não vou forçá-la a falar.
— Não quero te incomodar com os meus problemas. — Diz e passa
as mãos no rosto tentando secar as lágrimas que já diminuíram.
— Você não me incomoda, mas sei que vai ficar mais a vontade com
elas. Se precisar de mim, estarei no quintal. — Afasto-me mesmo que sem
vontade. Agora o que importa é o que ela quer. É que ela fique bem.
Passo pela porta da varanda e encontro a Júlia e a Clara me
esperando.
— Ela está mais calma? — A Clara questiona.
— Um pouco. Está esperando vocês. Façam um favor para mim? —
Peço para elas que concordam com um aceno de cabeça. — Cuidem dela. Eu
queria poder fazer isso, mas sei que, no momento, ela precisa de vocês. Eu
ainda vou conseguir a confiança dela para que se abra comigo, porém ainda
não tenho.
— Gui, eu...
— Não, Clara. Sermão agora não. Por favor. — Não vou suportar que
ela me peça para me afastar da Amanda agora.
— Não era isso. Eu ia pedir para você ter paciência com ela. Dê
tempo ao tempo. — Beija o meu rosto e entra com a Ju que dá um sorriso
fraco para mim.
Sento-me no sofá da varanda enquanto elas conversam. Minha mãe se
aproxima e senta-se junto comigo.
— É ela, não é? — Pergunta e eu a olho sem entender. — É por causa
dela que você anda assim, sonhando acordado. — Abaixo a cabeça. — Você
pode não conversar comigo, meu filho, mas eu te conheço. Você saiu de
mim.
— Eu não sabia o que falar, mãe. Nem eu entendo o que aconteceu.
Não sei dar nomes ao que estou sentindo. — Desabafo.
— E precisa de nomes? Basta sentir, filho. Mas você precisa ser
paciente. Ela está passando por momentos complicados.
— Todo mundo me pede a mesma coisa. Para eu ter calma, ter
paciência. Eu estou tentando, mãe, só que é difícil. Por que ela não se separa?
Por que fica suportando isso? A senhora acha que ela ainda ama o marido?
— Não é tão simples assim, Gui. Ela tem uma filha. E uma mãe
sempre vai colocar o seu filho em primeiro lugar. — Não discordo. Não
agora. — Mesmo que ela não queira mais, mesmo que o casamento não tenha
mais jeito, ela vai pensar muito bem antes de tomar qualquer atitude por
causa da menina. — Solto um suspiro.
— Eu só queria ter como ajudá-la. Poder fazer mais do que dar um
abraço. — Desabafo.
— Você está enganado se acha que isso não é o suficiente. É tudo o
que ela precisa agora. De alguém que a apoie, que a escute, que a conforte. —
Levanta-se e entra na sala onde elas estão conversando.
Levanto-me também. Paro na porta da sala, vejo que a minha mãe
seguiu para a cozinha e acabo escutando o que elas conversam sem que me
notem.
— Você precisa fazer alguma coisa por você, Amanda. Precisa se
amar em primeiro lugar. Você não disse que queria se cuidar, recuperar o
corpo de antes da gravidez? Não estava vendo academia? Por que não faz?
— Clara, eu não...
— Eu sei que eu tenho um pouco de culpa por você não estar fazendo,
mas era diferente, Amanda. — Não entendo o que a Clara quer dizer com ter
culpa. — Eu não te conhecia, não sabia nada sobre você, sobre o que estava
passando e ainda está. Agora eu confio, sei quem você é e o que pensa.
Olho sem acreditar. Será que a Clara seria capaz de pedir para a
Amanda se afastar de mim? Claro que eu sei a resposta. Minha vontade é
entrar agora e confrontá-la, porém não faço, mas ela me deve uma explicação
e eu vou cobrar.
— Eu não posso, gente. Vocês sabem que não tenho trabalho fixo.
Não tenho como pagar nada disso agora. Eu preciso juntar dinheiro agora
mais do que nunca. Não quero depender do César para nada. — Só de escutar
o nome desse desgraçado a raiva volta com força total.
— Não precisa ser um pacote. Faz só a dança mesmo. Você não disse
que gosta de dançar? Eu te dou um desconto. Para alguma coisa tem que
servir ser sócia da academia.
— Eu não posso aceitar isso, Júlia.
— Aceita um conselho de uma mulher que já passou por maus
momentos nessa vida? — Minha mãe pergunta voltando para sala. A Amanda
concorda com ela que continua. — Sei o que você está fazendo. Está
colocando a sua filha em primeiro lugar. Eu fiz o mesmo quando perdi o meu
marido. Esqueci de mim e só pensava nos meus filhos. Mas sabe o que eu
descobri? Que a gente só consegue fazer alguém feliz se estiver. Você não
pode se anular. Tem que cuidar de si própria, caso contrário, pode fazer o
sacrifício que for, que a sua filha não ficará completamente feliz. Criança
sente. Criança percebe tudo. Não adianta fingir uma felicidade que não existe,
você não vai convencê-la. E ela só será feliz se você também for.
— Você pode usar o desconto que a academia dá se os filhos forem
matriculados na escola da Clara. — Resolvo intervir. Minhas irmãs e mãe me
olham, porém não me desmentem. — No dia em que você conheceu a
academia, quando falei para você da escola, eu me esqueci de te avisar, mas
nós temos um desconto de cinquenta por cento para pais de alunos nos seis
primeiros meses.
— Isso. Que cabeça a minha. Como eu pude me esquecer desse
detalhe? — Ela olha desconfiada para a gente e a Júlia continua falando. —
Está vendo? Não vai ficar tão pesado assim. Sei que você já conseguiu alguns
serviços temporários e vão aparecer mais, tenho certeza. Ele tem que pagar
pensão para a Duda e até mesmo para você se não me engano. Não foi ele
quem te pediu para não trabalhar? Depois a gente confirma com um
advogado. Você não precisa se preocupar. Tudo vai se resolver. Aos poucos
as coisas se ajeitam. — Penso em conversar com o Felipe para poder ajudá-
la.
— Com o que você trabalha? Talvez eu possa ajudar. — Questiono.
— Sou formada em contabilidade. Estou prestando consultoria em
uma loja que a Clara me indicou e peguei algumas declarações também, mas
ainda preciso de mais empresas ou algo do tipo, alguma coisa que seja fixa e
não temporária. Preciso de estabilidade. — Controlo-me para não falar o que
eu pensei.
Preciso falar com a Júlia primeiro, apesar de ter quase certeza da
resposta dela.
— Pensei em uma opção, só preciso resolver uma questão antes, mas,
enquanto isso, eu posso ver se algum amigo está precisando.
— Eu agradeço. Prometo que vou pensar sobre a academia. — Fala e
solta um suspiro.
— Aceita, minha filha. Vai te fazer bem. — Minha mãe fala
segurando a mão dela e dá um sorriso.
— Tem horas que eu me pergunto o que eu fiz para merecer que
vocês entrassem na minha vida. — Dá um sorriso fraco. — Muito obrigada
por tudo o que vocês estão fazendo.
— Sinta-se acolhida, filha. — Minha mãe fala e a puxa pelas mãos
para que levante. — Agora, vamos lavar esse rosto e pensar em tudo o que
você precisa fazer. Em quais providências você precisa tomar. — Caminha
com ela para o banheiro.
— Ju, Clara, preciso falar com vocês. — Digo sério e elas se
aproximam de mim. — Eu recebi um telefonema do contador da academia e
me esqueci de avisar.
— Você quer falar sobre trabalho agora, Gui? Sério? — A Ju me
repreende.
— Você pode me escutar? — Ela fica calada e deixa que eu continue.
— Ele está parando de trabalhar. Parece que a filha dele que mora fora do
país está com algum problema de saúde e ele vai se mudar. Não sabe quando
volta e nem se vai mesmo voltar. Ele me indicou um amigo para assumir a
contabilidade da academia e eu disse que iria conversar com vocês e falava
com ele.
— Filho da mãe. Ele não me avisou nada. Até me ligou outro dia, mas
eu não estava na escola e ainda não liguei de volta. Quando será isso? — A
Clara pergunta já que ele também é contador da escola.
— Por isso estou falando com as duas. Eu disse para ele que
conversaria com você para adiantar o assunto e pediria para entrar em contato
com ele, mas, como ele indicou alguém e estava tudo encaminhado, não me
preocupei e acabei esquecendo. — Digo para a Clara. — Ele tem que viajar
em duas semanas. Eu pensei em...
— Claro. — A Ju grita me interrompendo. — A gente não vai colocar
o amigo dele coisíssima nenhuma. A Amanda vai assumir. — Sorrio.
A Amanda entra na sala com a minha mãe e a Clara diz:
— Você acaba de conseguir mais duas empresas. — Ela arregala os
olhos para a gente sem entender nada.
— Como assim? Do que vocês estão falando? Eu acabei de sair daqui.
— O nosso contador vai sair do país e nós queremos que você assuma
a contabilidade da academia e da escola. — Respondo sorrindo para ela.
— Vocês estão falando sério? Eu não quero que vocês mudem tudo
por minha causa.
— Mais do que sério. Ele vai se mudar para cuidar da filha. —
Explico.
— Eu não disse, filha. As coisas vão se acertar. — Minha mãe fala e
dá um abraço nela que retribui.
— Vamos almoçar. Depois nós conversamos mais e acertamos tudo,
incluindo o que você vai fazer a partir de agora. — A Clara diz firme.
Todos caminham para o quintal e eu seguro no braço dela, falando em
seguida:
— Quero falar com você depois. Eu espero ter entendido errado,
Clara, mas você tem que me explicar essa história de ser culpada sobre a
Amanda não ter voltado na academia. — Ela me olha assustada.
— Não sabia que você ficava escutando a conversa dos outros atrás
da porta. — Tenta inverter a situação.
— Nem tenta me enrolar. Esta sua reação só me dá mais certeza que
tem dedo seu nisso. — Falo com raiva e saio na frente dela antes que eu não
consiga mais esperar para saber o que ela fez.
Capítulo vinte e dois
Amanda
— Vamos descansar um pouquinho enquanto eu conto uma história
para vocês? — A Ana, que não me deixou chamá-la de senhora de jeito
nenhum, fala com a Duda e a Mel quando nós acabamos de almoçar.
Durante o almoço, o assunto da minha separação foi esquecido já que
as meninas estavam conosco. Sei que a Ana as tirou daqui para que
pudéssemos conversar sem elas por perto e agradeço por isso.
— A louça hoje é minha. — O Rodrigo fala, levanta e retira a mesa,
seguindo para a cozinha.
— Posso te fazer uma pergunta? — O Guilherme questiona assim que
ele se afasta. Concordo com um aceno de cabeça e ele vira-se para as irmãs.
— Vocês podem me deixar sozinho com a Amanda por cinco minutos?
— Vamos ajudar ao Rodrigo, Ju. Daqui a pouco a gente volta. — A
Clara chama a irmã enquanto se levanta e as duas seguem para a casa
também.
O Guilherme levanta-se, pega uma cadeira, coloca do meu lado e vira-
me de frente para ele. Pega uma mecha de cabelo que se soltou do rabo de
cavalo que eu estou, coloca atrás da minha orelha com carinho e fica me
olhando em silêncio por um minuto com os cotovelos apoiados nos joelhos.
Solta um suspiro e pergunta:
— Você ainda ama o seu marido? — Sinto-o tenso enquanto espera a
minha resposta.
— Não. — Digo firme. — O César conseguiu acabar com qualquer
sentimento que eu tinha por ele. — Vejo seu olhar mudar, como se estivesse
aliviado pelo o que eu falei.
— Então, por que ainda está com ele? — Abaixa a cabeça e continua
antes que eu responda. — Desculpa. — Olha-me outra vez. — Sei que não
me deve satisfação nenhuma, mas eu não consigo entender. Desde o dia em
que eu te conheci que eu percebo esse olhar triste em você.
— No começo, eu achei que teria jeito. Que era só uma fase e que
iríamos conseguir nos acertar, mas foi piorando. Ele diz que vai mudar, fica
alguns dias bem e depois volta tudo outra vez. Chega tarde do trabalho, fica o
tempo inteiro mexendo no celular, fala coisas para me ofender e me humilhar.
Até com a Duda ele mudou. — Acabo desabafando. Não consigo entender o
motivo, porém, ele me passa uma calma, uma segurança que eu sinto que
posso contar com ele, que posso falar o que está acontecendo e ele vai me
apoiar.
— E mesmo assim ainda não se separou. Mesmo ele não dando valor
para a mulher que você é. Mesmo te ofendendo e humilhando ao invés de dar
carinho e atenção que é o que você merece. — Faz um carinho no meu rosto.
Não consigo segurar e solto um suspiro aproveitando o contato e remexo
meus dedos em meu colo me segurando para não retribuir.
— Não posso pensar só em mim. Eu tenho a Duda. É nela que eu
penso em primeiro lugar. — Tento fazer com que ele entenda. — Até pouco
tempo atrás eu não trabalhava. Não tenho casa própria e nem família. Meus
pais faleceram antes que eu casasse. Dependia do César para tudo. Precisava
ter certeza que seria capaz de cuidar da minha filha. Não me importa que ele
tenha que pagar pensão a nós duas. Quero ser capaz de nos sustentar. Capaz
de viver sem a sombra dele na minha vida. Eu não o reconheço mais, não
quero que ele jogue na minha cara que me banca. Somos só nós duas,
Guilherme.
— Não mais. Vocês têm a nós, têm a mim. Eu quero cuidar de vocês,
Amanda. Quero te ajudar. Não me afasta, por favor. Sei que nos conhecemos
há pouco tempo, mas confia em mim. — Segura as minhas mãos. — Não sei
o que você tem, só que mexeu comigo de uma maneira que eu não esperava e
que não sei explicar.
— Eu confio, Guilherme. Não me pergunte o porquê, só sei que
confio. Mas não quero te trazer para essa confusão que está a minha vida
mais do que já fiz. Não acho que esteja em um bom momento para me
aproximar de ninguém e muito menos acho justo fazer isso com você. E,
além disto, eu não conseguiria ficar com outra pessoa estando casada. Mesmo
que o César não mereça a minha consideração. Não consigo ser assim.
— Injusto seria você me afastar quando o que eu mais quero é ficar
perto. Eu entendo que você precisa de um tempo, que tem muita coisa
acontecendo na sua vida, que você queira esperar a separação, entendo isso
tudo. Só que não sou mais nenhum moleque. Sei o que quero e onde estou me
metendo. Você não está me enganando, Amanda. E, quer saber? Se você me
disser para esperar, é o que vou fazer. Não me importo. Só que eu não preciso
estar longe para isso.
— O que você viu em mim? Você é novo, bonito, carismático e tem
tantas outras qualidades. Vive cercado por mulheres lindas, com corpos
perfeitos, sem filhos, sem complicações e que tem a sua idade. Por que foi se
interessar justo por uma mulher assim? — Faço sinal com as mãos para o
meu corpo. — O que eu tenho para te oferecer?
— Não sei o que ele te falou para fazer você ter essa visão tão errada
de si mesma, mas, o que vejo, é completamente diferente. — Levanta-se e me
puxa pelas mãos para que faça o mesmo. Afasta-se de mim e fica me olhando
de um jeito que me deixa sem ar. — Acredito que você tenha percebido
minha opinião quando nos conhecemos, mas vou ser mais direto agora.
Quando te olho, vejo uma mulher linda, com um corpo que me deixa doido e
que não consegui tirar da cabeça nem por um dia sequer.
— Você está cego. — Digo de cabeça baixa. Ele coloca o dedo no
meu queixo e me faz olhá-lo nos olhos enquanto diz:
— Não poderia estar mais enganada, Amanda. Você é perfeita do
jeito que é. Não mudaria nada em você. Nem uma curva. — Fala e eu
acredito no que diz. Vejo nos olhos dele que está sendo sincero.
— Era para você ter aparecido na minha vida em um momento mais
calmo e não no meio desse furacão que estou passando.
— Talvez, mas, agora que eu apareci, não tenho a mínima vontade de
sumir. — Olha para trás de mim, faz uma pausa e volta a falar. — Acho que
o nosso tempo acabou. Tem duas mulheres nos olhando da varanda e estão se
segurando para não virem aqui. — Sorrio para ele que sorri de volta e faz
sinal com a mão chamando-as.
A Júlia chega perto de mim e fala no meu ouvido:
— Você merece ser feliz. Não se negue esta chance. — Sorri e se
afasta falando em seguida: — Vamos ser práticas agora? Você precisa decidir
o que vai fazer. Antes de qualquer coisa, saiba que pode e deve contar com a
gente.
— A Ju está certa, Amanda. — A Clara concorda. — O que você
pretende fazer?
— Pedir a separação. Ainda não sei como vou fazer, mas, desse jeito,
não dá para ficar. Tenho quase certeza que ele não vai facilitar, pois, apesar
de agir do jeito que está agindo, sempre que eu falo que não dá mais, ele não
aceita.
— Mesmo sem ele aceitar você pode entrar com o pedido. Pode ser
que demore mais um pouco do que se fosse de comum acordo, mas, o que
não pode, é você continuar passando por isso. Tem que ver um advogado
para te orientar melhor. — A Clara me orienta.
— Eu posso falar com o Felipe. Se você quiser, eu ligo agora mesmo
para ele.
— Isso, Gui. — A Júlia concorda. — O Felipe é fera, Amanda. Você
vai ficar em ótimas mãos.
Ele se afasta com o celular na mão já fazendo a ligação. A Clara
aproveita que ele está mais distante de nós para falar.
— Você está com o rosto mais animado do que quando chegou. —
Fica me olhando com um sorriso. — Acho que eu me enganei. Vocês não vão
fazer mal um ao outro. É o contrário.
— Eu já tinha falado isso. Você que não quis me escutar. — Empurra
a irmã com o ombro de brincadeira.
— O Felipe foi atender um cliente antigo do escritório fora da cidade.
Volta daqui a três ou quatro dias. Expliquei a ele mais ou menos a situação e
ele disse que assim que voltar conversa com você e começa a agir.
— Não seria melhor falar com outro advogado...
— Não. — A Clara nem consegue terminar de falar antes que o
Guilherme a interrompa.
— Guilherme. Quem decide isso é ela. — Os dois ficam se encarando
sem dar uma palavra. Depois de um minuto nessa disputa, ele vira-se para
mim e diz:
— Desculpa, Amanda. A decisão é sua. É que não tem ninguém que
eu confie mais do que o Felipe para te ajudar.
— Eu concordo com o Gui. O Felipe é a melhor opção. — A Júlia diz
e me olha. — O que você acha, Amanda? Você conhece algum advogado?
— Não. Não conheço. Eu confio na opinião de vocês. Se estão me
dizendo que ele vai me ajudar, é ele mesmo que eu quero. De qualquer
maneira, vou falar com o César hoje.
— Quer deixar a Duda aqui? Assim você pode conversar com ele sem
medo de ela ouvir.
— Não precisa, Clara. Ela nunca dormiu fora de casa. Pode acabar
estranhando. Fora que eu não trouxe nada da escola para ela.
— Isso é o de menos. Eu coloco um uniforme da Mel nela. As duas
são do mesmo tamanho. Na hora da entrada você leva a mochila dela.
— Obrigada, mas, essa noite, quem precisa dela sou eu. — Dou um
sorriso fraco.
— Será que é uma boa ideia você ficar sozinha com ele? — O
Guilherme pergunta e, pela expressão que tem no rosto, percebo que ele,
realmente, tem medo do que o César pode fazer.
— Não acredito que ele vá fazer nada. O César já aprontou muito,
mas nunca levantou a mão para mim.
— Qual o número do seu celular? — Pergunta com o dele na mão. —
Eu vou te ligar e você salva o meu número. Se ele fizer qualquer coisa, você
me liga na hora. Qualquer coisa mesmo. — Faço o que ele pede mesmo
achando que não irei precisar.
As meninas aparecem no quintal com a Ana e o Rodrigo atrás.
— Eu juro que tentei, mas não consegui mais segurar. Elas estavam
agitadas querendo sair para brincar. — A Ana fala quando para perto de nós.
— Está mais calma, minha filha? — Pergunta-me com carinho. Aceno com a
cabeça em acordo mesmo que não seja completamente verdade.
Sei que ainda tenho muita coisa para enfrentar. E algo me diz que não
será fácil.
Fico por mais uma hora e resolvo ir para casa. Quero tentar fazer a
Duda dormir antes que ele chegue em casa. Não quero que a minha filha nos
veja brigando.
O Guilherme se oferece para me levar, porém eu não aceito. Acredito
que o César ainda não esteja em casa, mas não quero arriscar.
Chego em casa por volta das seis horas da noite. Dou banho na Duda,
preparo algo para a gente comer e deito-me com ela para contar uma história
com a intenção de diminuir a agitação dela ou não irei conseguir fazê-la
dormir.
Quando ela pega no sono é a minha vez de tomar banho. Assim que
acabo sento-me na sala e fico esperando que o César chegue. De hoje ele não
me escapa. Escuto o barulho da porta e desligo a televisão. São nove horas da
noite e ele entra em casa como se não tivesse feito nada demais. Como se não
tivesse passado a noite fora com a amante, que é o que eu tenho certeza que
fez.
— Ainda está acordada? Pensei que te encontraria dormindo. — Diz
com deboche.
— Nós precisamos conversar, César. — Digo firme.
— Hoje não, Amanda. Eu quero tomar banho para dormir. — Começa
a caminhar para o quarto e eu volto a falar:
— Hoje, sim. Você vai me escutar de um jeito ou de outro. — Ele
para, mas não se vira em minha direção. — Eu quero me separar de você,
César. Para mim, chega. Eu não aguento mais. — Olha-me cheio de raiva.
— Outra vez esse assunto? Vai tentar me chantagear? Tudo isso
porque eu saí com os meus amigos um dia?
— Não preciso falar os motivos. Você pode ser tudo, menos burro.
Sabe muito bem o que fez e continua fazendo. Estou cansada das suas
promessas. De escutar você dizendo que vai mudar, que não quer me perder e
que me ama. Quem ama não faz o que você está fazendo. Quem ama trata
bem, cuida, dá atenção. E, principalmente, quem ama não trai. — Falo em um
tom baixo de forma firme.
— De onde você tirou isso? Ficou maluca? — Pergunta
completamente alterado.
— Onde você passou a noite, César? — Fica calado me olhando,
pensando na resposta que vai me dar. — Responde. Com quem você estava?
— Eu avisei que ia sair com os caras do trabalho. Mandei mensagem
que eu não vinha para você não ficar preocupada. Esqueceu? — Caminha
para perto de mim e tenta em tocar.
— Não encosta em mim. A partir de hoje você não encosta mais um
dedo em mim. Acabou, César. Eu cansei de fazer papel de palhaça. Eu te
avisei que o meu limite estava acabando.
— Você não está falando sério. — Tenta se aproximar de mim outra
vez e eu dou um passo atrás.
— Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida. Já estou procurando
um advogado. Ainda esta semana ele deve te procurar.
— Não. — Insiste. — Você me ama. Está falando isso porque está
nervosa. Vai dormir que amanhã a gente conversa. Eu vou esquecer todos os
absurdos que você falou. Não se preocupe.
— Só me dará o trabalho de repetir tudo amanhã. — Viro-me para
sair da sala e sou pega de surpresa quando ele puxa o meu braço virando-me
para ele.
— Escuta aqui, Amanda. Eu não vou me separar de você.
— Eu não sou obrigada a continuar casada. A única coisa que você
vai conseguir com essa negação é me deixar com mais raiva do que eu já
estou sentindo por você nos fazer passar por tudo isso.
— Eu tiro a Duda de você. Entro com o pedido de guarda. Você não
tem onde morar e não trabalha. Vamos ver quem vai ficar com ela. —
Ameaça.
— Nenhum juiz tira a guarda da mãe assim tão fácil. — Tento manter
minha voz firme. Queria ter conversado com o advogado para ter certeza que
não corro nenhum risco.
— Paga para ver. Eu consigo nem que seja a guarda compartilhada.
Durante uma semana você não vai chegar perto da sua filha. É isso o que
você quer? Fazer com que ela ache que você não liga para ela? — Sinto medo
do que vejo quando olho para ele.
O César está completamente louco. Não duvido de nada do que ele
falou. Esse desgraçado vai tentar colocar a minha filha contra mim. Tudo o
que eu quis evitar esse tempo todo vai acontecer.
— Não ouse usar a minha filha. — Digo com o dedo em riste no rosto
dele. — Eu acabo com você. Escuta bem o que eu estou falando. — Ameaço
também. Não vou deixar que ele tire a Duda de mim.
— Daqui eu não saio. O contrato de aluguel está em meu nome. Se
você quer se separar, que procure outra casa. Arrisca pedir a guarda que você
tanto quer sem ter um teto. Eu vou adorar ver a sua cara de derrotada.
— Isso é o que vamos ver. — Viro-me e caminho para o quarto da
Duda, entro e tranco a porta. Não quero correr o risco de ele entrar aqui.
Preciso pensar. Não posso perder a guarda da minha filha. Tenho que
agir com calma. Preciso conversar com o advogado para ver quais as chances
que eu tenho. Sei que o César falou para me assustar, mas não quero arriscar.
Pego o celular, que estava no meu bolso, pensando em mandar uma
mensagem para o Guilherme para acalmá-lo, pois sei que ele estava
preocupado com essa conversa e vejo que tem uma mensagem do número da
Júlia de trinta minutos atrás. Entro no aplicativo para ler.
“Espero que esteja tudo bem. Não esquece que estou aqui se precisar
de mim. Beijos, G.”
Sorrio feito boba olhando para o celular. Não é dela. Ele teve tanto
cuidado para não correr o risco de me prejudicar que eu só consigo sorrir
mesmo com tantos problemas e medos.
O Guilherme está sendo uma brisa fresca no meio da tempestade que
está a minha vida. Perto dele, eu fico calma. Consigo sorrir de verdade e não
de maneira forçada. Só espero que ele não canse de me esperar e que tenha
paciência para aguentar esse tempo que eu preciso.
Respondo a mensagem para o número da Júlia. Não quero correr o
risco de o César pegar o meu telefone e usar essas mensagens contra mim.
“Está tudo bem. Estou no quarto da Duda. Depois nos falamos.
Beijos, A.
Recebo a resposta em poucos segundos.
“Tranca a porta. Boa noite.”
Não respondo. Deito-me e abraço a minha filha fazendo uma prece
para que nada e nem ninguém a tire de mim.
Capítulo vinte e três
Guilherme
Escuto o falatório a minha volta, mas não consigo prestar atenção em
nada que está sendo dito. Minha cabeça está na Amanda. Por mais que ela
tenha falado que ele não vai fazer nada, eu só vou conseguir ficar tranquilo
depois que tiver certeza que ela está bem.
Penso em tudo o que ela me falou e não consigo parar de sentir
vontade de estar frente a frente com esse babaca. Não sei o que ele fez para
destruir a autoestima dela dessa maneira, mas vou fazer tudo que eu puder
para que ela volte a se ver como realmente é. Uma mulher linda. Por dentro e
por fora.
Fecho os olhos e me lembro da reação dela quando fiz um simples
carinho em seu rosto. Precisei me controlar para não beijá-la. Não é só ela
que não quer se envolver com alguém comprometido, mas eu estava falando
sério quando disse que vou esperar por ela.
Quero tanto tê-la nos meus braços que chega a doer. Se eu achei que
ela tinha mexido comigo quando a conheci, depois desses dias em que nos
víamos na escola e nos encontramos na praça, a situação só se intensificou.
— Você vai para casa agora, filho? — Minha mãe me tira do transe
que eu estou.
— Daqui a pouco, mãe. — Respondo.
— Fica mais um pouco, mãe. Ainda está cedo. Quer mais alguma
coisa, Gui? Você não comeu quase nada.
— Quero sim, Clara. Que você aproveite que a Amanda não está mais
aqui e conte para a gente o porquê que você disse que tem culpa de ela não
aparecer mais na academia. — Inclino-me para frente, apoio os cotovelos nos
meus joelhos e cruzo as mãos. Vejo quando ela arregala os olhos para mim.
— O que está acontecendo aqui? — Minha mãe pergunta olhando
entre nós dois sem entender nada.
— Também quero entender, mãe. Explica para a gente, Clara. —
Insisto. Se ela pensou que eu fosse deixar este assunto para lá, se enganou.
— Eu conversei com a Amanda no primeiro dia de aula da Duda e
falei que achava melhor que ela não se aproximasse de você. Disse que ela
era casada, que estava passando por muitos problemas e que não queria que
você se envolvesse. — Fala como se não tivesse feito nada demais.
— Você o quê? — Questiono sem acreditar no que acabei de ouvir.
— Quem você pensa que é para se meter na minha vida dessa maneira?
— Eu não penso, Guilherme. Eu sou sua irmã e me preocupo com
você. Não quero te ver sofrer outra vez, droga. — Já estamos em pé, um de
frente para o outro.
— Você ser minha irmã não te dá o direito de fazer o que fez, porra.
— Perco o controle e grito com ela, coisa que quase nunca faço.
— Calma lá, Guilherme. Olha como você fala com a minha mulher.
— Meu cunhado fica entre nós dois.
— Então manda a sua mulher tomar conta da vida dela e deixar que
da minha cuido eu. — Respondo sem diminuir o tom e viro-me para ela outra
vez. — Eu aceitei você ter me ligado para falar todas as merdas que me falou,
Clara, mas isso não. Você não tinha esse direito. É a minha vida, droga.
— Chega! Os dois sentados, agora! — Minha mãe fala de uma
maneira que não deixa margens para negarmos. — Faça o favor de se
acalmar, Guilherme. Está assustando a sua sobrinha. — Impõe me olhando e
vira-se para a Clara. — Você passou dos limites, Clara. Não pense que
porque já tem trinta anos que vou aceitar calada uma coisa dessas. Você
sempre teve a mania de impor ao seu irmão as suas vontades, como quando
tinha oito anos e escolhia a roupa que ele ia usar. Nunca aceitava um não
como resposta, mas ele não tem mais quatro anos. É um homem e tem
capacidade de tomar as próprias decisões.
— Eu te avisei, Clara. Falei que isso ainda ia se virar contra você, mas
você não me escutou. — A Júlia fala para ela que a fuzila com o olhar.
— Você sabia, Júlia? — Sorrio sem humor e sacudo a cabeça de um
lado para o outro. — E não me falou nada.
— O que você queria que eu fizesse, Gui? Já estava feito, não tinha
mais jeito. Queria que eu falasse para vocês brigarem igual aconteceu agora?
Não, meu irmão, porque odeio quando isso acontece.
— Sua irmã está certa, filho. Ela não podia se meter nisso.
Viro-me e caminho para o portão sem falar nada. Preciso sair daqui
antes que eu fale alguma coisa que me arrependa depois. Escuto alguém
correndo atrás de mim e sinto quando seguram o meu braço.
— Aonde você vai, Gui? Você não pode sair daqui assim. Fala
comigo. — A Clara pede e, quando me viro, vejo que está chorando.
— É melhor você me soltar, Clara. Não quero falar nada agora. —
Aviso e vejo o meu cunhado parado atrás dela me olhando. — O que você
não entendeu ainda é que não manda em mim. Eu não só posso sair daqui
assim como vou.
— Deixa, amor. Vocês estão nervosos. Vão acabar se magoando
mais. — O Rodrigo tenta convencê-la.
— Escuta o seu marido. — Ela solta o meu braço e eu volto a
caminhar. Minha mãe e a Júlia vêm atrás de mim sem dar nem uma palavra.
Entro no carro e faço o percurso até em casa em silêncio. Não quero
falar com ninguém agora. Elas percebem que eu não estou bem e não dizem
nada. Sabem que eu preciso do meu tempo.
Chego em casa e vou direto para o banheiro. Entro no box sem nem
tirar a roupa toda. Sento-me embaixo do chuveiro e deixo a água correr,
tentando me acalmar.
Quando esse dia começou, não pensei que aconteceria metade do que
aconteceu. Minha cabeça dá voltas entre a briga com a Clara e a preocupação
com a Amanda. Tenho vontade de ir até a casa dela e trazê-la para cá. Não
deixar que aquele filho da mãe chegue perto dela nem mais um dia sequer.
Acaba comigo saber que ele pode estar tentando convencê-la a
perdoá-lo e não se separar. Só de imaginar que ele pode estar tocando-a e
abraçando-a já me dá vontade de socar alguma coisa. Sei que não tenho esse
direito, mas não consigo controlar o que sinto quando diz respeito a ela. Tudo
se torna mais forte, mais intenso.
E no meio disso tudo tem a Clara e essa mania dela de querer decidir
a minha vida. Eu amo minha irmã mais do que a mim mesmo, mas não vou
aceitar mais esse tipo de atitude vindo dela.
— Posso entrar? — Escuto a voz da minha mãe perguntando e,
quando levanto a cabeça, vejo-a parada na porta do banheiro que eu esqueci
aberta. Aceno com a cabeça em acordo e ela se aproxima de mim. — Sai
desse chão, filho. — Solto um suspiro. — Vem, coloca uma roupa e vamos
para o quarto. Eu vou fazer carinho em seus cabelos como sei que você gosta
e a gente conversa um pouco.
— Não quero conversar, mãe. — Falo em um sussurro.
— Tudo bem, mas sai daí. Quero ficar um pouco com o meu filho,
nem que seja só para te fazer companhia. — Pede e não consigo negar.
Talvez um pouco de colo de mãe ajude. Ela sempre teve o dom de me
acalmar.
Levanto do chão e me seco. Pego uma boxer e uma bermuda, me visto
e deito na cama onde ela já me espera sentada. Deito minha cabeça no colo
dela que começa a mexer nos meus cabelos como sabe que eu gosto.
Ficamos assim por uns dez minutos até que falo:
— Será que ela está bem?
— Qual delas? A sua irmã ou a Amanda? — Questiona sem parar de
mexer nos meus cabelos.
— A Amanda. Eu não confio que o marido não vá fazer nada. Tenho
medo que ele a machuque ou faça alguma coisa com a Duda para atingi-la.
— Acha mesmo que a Amanda iria deixar? Ela teria deixado a Duda
com a sua irmã se tivesse alguma chance de isso acontecer. Tenta se acalmar.
— Fica calada por um minuto e volta a falar. — Ela te olha do mesmo jeito
que você. — Sorri. — Qualquer um pode perceber. O olhar de vocês muda
quando estão juntos ou falam um do outro. Ganham um brilho diferente. O
mesmo brilho que eu tinha quando olhava para o seu pai e ele para mim.
— A senhora acha que pode dar certo e que a gente vai conseguir
ficar junto? — Tento sondar a opinião dela sobre isso.
— Tenho certeza. — Afirma. — Não vai ser fácil, mas vocês vão
superar tudo o que aparecer pelo caminho.
— Como a senhora pode ter tanta certeza assim? — Questiono
enquanto sento-me de frente para ela que sorri.
— Porque eu sinto, Gui. Está na hora de ser feliz, meu filho. De
esquecer o seu passado e ser feliz de verdade. Não foi fácil o que você
passou, mas fez com que se tornasse o homem que é hoje. E eu me orgulho
muito dele.
— Concordo com a mamãe, irmãozinho. Em tudo. Também me
orgulho muito de você. — A Ju diz se aproximando de nós. — Tem espaço
para mais uma nessa cama? — Pergunta deitando-se entre a gente.
— Será que você pode parar de entrar no meu quarto sem bater? —
Faz careta para mim e acabo sorrindo. — Dá licença? Eu estava deitado no
colo da minha mãe. — Implico.
— Agora é a minha vez. Eu também sou filha dela, sabia? — Tenta
me empurrar.
— Ciumenta. — Ficamos quietos só curtindo a companhia um do
outro por cinco minutos até que eu volto a falar: — Será que ele já chegou?
Será que ela já falou com ele? — Não consigo esquecer isso de jeito nenhum.
— Não sei. Ela não te deu o número dela? Manda uma mensagem
perguntando.
— Não, Ju. Se ele mexer no celular dela e ver que é minha pode fazer
alguma coisa. O filho da mãe ainda pode alegar que ela tem um amante.
— Manda do meu então. — Pega o celular no bolso e me entrega. —
Está salvo como futura cunhadinha. — Não me seguro e acabo rindo e minha
mãe faz o mesmo. Essa minha irmã não tem jeito.
Mando a mensagem e ela não responde nem visualiza. Fico ansioso
esperando. Minha mãe e a Ju não saem de perto de mim nem por um segundo
esperando tanto quanto eu para saber como ela está.
Depois de trinta minutos, ela responde que está bem e está no quarto
da Duda. Peço para que tranque a porta e me despeço.
Escuto um barulho na porta da frente e levanto-me para ver o que é.
Quando entro na sala, vejo o Rodrigo com a minha sobrinha dormindo no
colo e a Clara ao lado dele com o rosto inchado de tanto chorar.
— Será que você pode me escutar, Gui, por favor? Eu não suporto
ficar brigada com você. Não vou conseguir dormir se a gente não conversar.
— Pede com as lágrimas descendo pelo rosto.
— Eu tentei convencê-la de falar com você amanhã, mas não
adiantou. A única coisa que eu pude fazer foi vir dirigindo. Ela não tinha
condições do jeito que está nervosa. Conversa com ela, cara. Eu estou te
pedindo. Sua irmã errou e sabe disso, mas ela te ama. — O Rodrigo fala e
caminha para o quarto da Ju com ela para colocar a Mel na cama. Vejo que a
minha mãe também sai da sala para nos deixar a sós.
— Desculpa, Gui. Sei que errei. Já tinha percebido isso e hoje eu
comprovei. Ver vocês dois juntos fez com que eu admitisse para a Amanda
que estava errada. Eu disse para ela isso. Falei que não tem como vocês
fazerem mal um ao outro. É justamente o contrário, Gui. Vocês dois
transmitem um sentimento bom quando estão perto um do outro.
— Sentimento esse que poderia ter se perdido se dependesse de você.
— Digo ainda com raiva pelo que ela fez.
— Eu sei, Gui. Mas eu voltei atrás. — Olho para ela sem entender. —
Se eu não quisesse mesmo essa proximidade, não teria te chamado para dar
aula na escola. Teria dado outro jeito. Assim como quando a Ju me ligou para
saber se eu ainda estava na praça eu sabia que você estava junto. Podia ter
inventado uma desculpa e vocês não se encontrariam, mas não quis. De
alguma maneira, eu sabia que era o certo a se fazer e quis consertar o que
tinha feito.
— Você precisa parar com isso, Clara. Precisa me deixar viver a
minha vida. Tomar as minhas decisões. — Falo cansado disso tudo.
— Eu sei, Gui. Eu aprendi. Juro para você que, desta vez, aprendi. —
Diz ainda chorando.
— Vem cá. — Chamo e abro os braços. Ela vem correndo e eu a
abraço forte. Não consigo ficar brigado com ela. Sempre foi assim. — Não
faz mais isso. — Peço. — Não suporto brigar com você, mas não vou aceitar
que você se meta mais na minha vida.
Capítulo vinte e quatro
Amanda
— Papai. — A Duda entra correndo na cozinha quando vê o pai e
corre para abraçá-lo.
Não queria sair do quarto antes do César ir trabalhar, mas tenho que
levar a Duda na escola e já está em cima da hora.
— Vem comer, filha. Está na hora de ir para a escola. A gente vai se
atrasar. — Chamo e coloco o prato dela na mesa.
— Come tudo, filha, que o papai vai te levar na escola hoje. — Diz
todo carinhoso com ela.
— Não! — Digo na mesma hora. — Nós vamos andando como nos
outros dias.
— Por que, amor? — Pergunta para me provocar. Não vou cair no
jogo dele.
— Você tem que ir trabalhar ou vai se atrasar, lembra? Como nos
outros dias. Não precisa se incomodar. — Devolvo a provocação.
— Deixa, mamãe. Eu quero ir com o papai. — Pede manhosa.
— A mamãe não quer ir com a gente, filha. Ela não gosta mais de
andar com o papai.
Viro de costas e respiro fundo tentando me acalmar. Não acredito que
ele está fazendo isso. Que está tentando colocar a minha filha contra mim.
Tenho que me segurar para não avançar nele.
Penso no que tenho que fazer. Sei que se eu chegar à escola com ele o
Guilherme vai entender tudo errado, porém, não tenho outra opção. Até
conseguir conversar com o advogado e ter certeza que não corro o risco de
perder a guarda da minha filha e nem sequer dividir com ele, não vou ter paz.
— Tudo bem. — Falo e viro-me para a Duda. Ele me olha com um
sorriso debochado. — Acabou, filha? A mamãe vai ao banheiro e já volta
para a gente sair. Escova os dentes com o papai, tudo bem?
Entro no banheiro e tranco a porta. Pego o celular e mando uma
mensagem para o Guilherme falando que o César vai junto e que depois eu
converso com ele. Não tenho tempo de esperar a resposta, já que o César bate
na porta e me chama.
Vou sentada no banco de trás com a Duda, pois me recuso a andar ao
lado dele. Chego na escola e desço do carro o mais rápido que consigo. Tento
sair de perto dele, mas ele pega a Duda no colo e caminha para o portão com
ela.
Não acredito que, justo hoje, ele vai esperar que ela entre quando nos
dois únicos dias que veio ficou reclamando o tempo inteiro e nem se despedia
da filha.
O portão da escola abre e o Guilherme me olha com um sorriso lindo
no rosto que morre quando vê a Duda no colo do pai. Ele não deve ter visto a
mensagem.
— Tio Gui, olha. O papai veio hoje. — A Duda fala toda animada
sem ter noção do que está acontecendo.
— Não sabia que a Duda tinha um professor. — Diz me olhando, mas
não tenho tempo de responder.
— Ele está substituindo a professora de educação física que se
machucou e está de licença. — A Clara, que eu nem tinha visto chegar,
percebe o clima e explica.
— Vai, filha. Entra que seus amiguinhos já estão indo. — Digo para
ela e me aproximo da Clara. — Mandei mensagem. — Falo baixo para que só
ela escute.
— Vamos? — A Clara chama a Duda e acena com a cabeça em
positivo que entendeu.
— Dá um beijo no papai. Vou chegar cedo para a gente passear hoje,
tudo bem? Nós três. — Diz olhando para mim, dá um beijo na Duda e a
coloca no chão para que entre.
Fico parada olhando, esperando que o César vá embora de uma vez.
Quero falar com o Guilherme que me olha de uma maneira completamente
diferente da de ontem.
— Vamos, amor? Eu te deixo em casa antes de ir trabalhar. — O
César diz e tenta me abraçar pela cintura. Afasto-me dele sem me importar
com as outras mães que me olham.
— Eu te avisei para não encostar mais em mim. — Falo com raiva.
— Vai querer fazer uma cena na porta da escola da Duda? Maravilha!
Mais uma coisa para o juiz ficar sabendo. — Ameaça.
Sinto que o Guilherme está se controlando para não falar nada. O
Luiz, que acabou de chegar ao portão, percebe e inventa uma desculpa para
que eu entre.
— A Clara pediu para te avisar que precisa falar com você sobre os
uniformes.
— Obrigada. — Agradeço e me viro para o César. — Vai embora,
César. Vai trabalhar e me deixa em paz.
— Vou sim. Lembra do que eu te avisei. À noite a gente conversa,
amor. — Vem para me beijar, mas eu desvio na hora e pega no meu rosto.
Sorri para mim e se vira para ir embora enquanto eu passo a mão na
minha bochecha como se pudesse apagar o contato com ele. Fico esperando
que ele entre no carro e saia e escuto algumas mães cochichando atrás de
mim. Não ligo, elas não sabem nada da minha vida para me julgarem.
Assim que o carro vira a esquina escuto o Guilherme perguntando:
— O que foi isso, Amanda? — Antes que eu responda o Luiz diz:
— Aqui não, cara. Já tem várias mães olhando. Entra e vai para a sala
da Clara. Ela está te esperando. — Ele respira fundo antes de falar:
— Foi ela quem te mandou aqui? — O Luiz concorda com um aceno
de cabeça e ele continua. — Tudo bem. — Espera que eu entre e segue
comigo para a sala da Clara sem dar uma palavra.
— Fica aqui com ela. Eu vou olhar a turma enquanto isso. — A Clara
fala assim que entramos na sala dela. Passa por mim, dá um beijo em meu
rosto e aperta a minha mão tentando me transmitir forças antes de sair.
— Eu te mandei mensagem falando que ele vinha e que conversava
com você depois. — Não espero nem a porta fechar completamente para
falar.
— Ele está te ameaçando. — Não pergunta, afirma. — Você vai
desistir? Vai fazer o que ele quer? — Caminha para perto de mim e segura o
meu rosto com as mãos fazendo com que eu olhe nos olhos dele. — Esse
filho da mãe não vai tirar a sua filha de você, Amanda. Eu te prometo.
— Você não pode me prometer isso, Guilherme. Não está em suas
mãos essa decisão. — Digo com os olhos cheios de lágrimas prestes a cair.
Solta o meu rosto e se afasta, virando-se de costas para mim e passa
as mãos pelos cabelos.
— Juiz nenhum vai tirar a sua filha de você. Ele está blefando para te
convencer a ficar e não se separar dele. Não é possível que você não
enxergue isso. — Sinto que ele está se controlando para não gritar.
— Eu não posso arriscar, Guilherme. Tenta me entender. — Peço e
ele me olha outra vez.
— Desculpa, mas eu não entendo você continuar casada com um
homem como ele, Amanda.
— Mas eu não vou. — Falo um pouco mais alto. — Eu só preciso ter
certeza de como agir, Guilherme. Ele ameaçou pedir a guarda compartilhada
e disse que vai colocar a minha filha contra mim. Aquele maluco está usando
a própria filha para me atingir.
Avança em minha direção e segura o meu rosto outra vez. Olha nos
meus olhos e desce o olhar para a minha boca. Respira fundo algumas vezes e
sinto a respiração dele próxima aos meus lábios. Tenta se controlar e encosta
a testa na minha. Luto contra a vontade de beijá-lo e sinto que ele faz o
mesmo. Depois de um minuto em silêncio, dá um beijo na minha testa e me
abraça.
— Eu quase enlouqueci quando vi vocês três juntos. Passaram tantas
opções ao mesmo tempo na minha cabeça e nem uma delas era boa para mim.
— Eu não vou voltar atrás na minha decisão, Guilherme, mas eu
preciso agir com calma. Pensar em cada passo que eu vou dar. É a guarda da
minha filha que está em jogo. — Afasto-me do abraço e prendo o meu olhar
no dele. — E, se você quiser mesmo me esperar como disse, preciso que
confie em mim, que não acredite e nem caia nessas cenas que ele vai fazer.
Porque ele não vai parar.
— Não tem nada que eu queira mais neste momento que você,
Amanda. — Puxa-me para outro abraço e eu retribuo.
Escuto o meu celular apitar avisando que uma mensagem chegou e ele
me solta para que eu veja. Reconheço o mesmo número que me mandou da
outra vez. Fico parada olhando para o celular decidindo se leio ou não.
— Como se não bastasse todo o resto. — Solto um suspiro.
— Do que você está falando? Aconteceu alguma coisa? — Questiona
preocupado.
— Esse mesmo número me mandou uma mensagem no sábado
perguntando se eu sabia onde o César estava e para abrir o meu olho. —
Explico.
— E o que diz nessa? — Pergunta caminhando para perto de mim.
— Não sei. Ainda não li e nem sei se quero. — Confesso.
— Pode ser alguma coisa que você possa usar contra ele. —
Concordo com um aceno de cabeça. Entro no aplicativo e ele para atrás de
mim lendo junto comigo.
“Hoje seu marido vai chegar tarde. Pode ficar tranquila que vou
cuidar muito bem dele, otária.”
Fico com tanta raiva que respondo na mesma hora sem pensar no que
estou fazendo.
“Faça bom proveito. Aproveita e tenta convencê-lo a me dar a
separação que eu pedi e ele não aceitou. Pelo jeito você não é isso tudo já que
ele continua querendo ficar com a otária aqui.”
Começo a chorar de nervoso e o Guilherme tenta me acalmar.
— Ei. Calma. Não fica assim. Está tudo bem.
— Não é por ele, sabe? É pelo que ele está nos fazendo passar, a
Duda e eu. Não suporto mais isso. — Respiro fundo. — Será que o seu amigo
advogado pode conversar comigo por telefone? Só para me tirar algumas
dúvidas.
— Claro que sim. Vou ligar para ele e ver se está podendo falar. —
Pega o celular e faz a ligação. O amigo atende logo em seguida. — Fala,
Felipe. Está podendo falar, cara? É que a Amanda queria conversar com você
para tirar algumas dúvidas. — Escuta o que ele responde e diz: — Não,
melhor não. Outra hora que ela estiver comigo eu te ligo. Valeu. Boa sorte aí.
Depois a gente se fala.
— O que foi? Ele não podia falar, não é? — Pergunto desanimada.
— Ele vai entrar em uma audiência agora. Queria o seu número para
te ligar, mas eu fiquei com receio de ser em uma hora que o babaca esteja
perto. Na hora da saída a gente tenta outra vez. Fica calma, ok? Eu confio no
Felipe. Ele vai te ajudar. Você vai ver.
Capítulo vinte e cinco
Amanda
— O que você fez, Amanda? — O César entra em casa gritando
completamente alterado.
— Do que você está falando, César? — Questiono sem entender.
— Se você pensa que vai conseguir se livrar de mim assim tão fácil
está muito enganada. — Caminha em minha direção e eu me afasto. Não sei
o que está acontecendo, mas ele está transtornado.
— Mamãe. — A Duda me chama do corredor chorando assustada.
— Para de chorar, garota. — Avança na direção dela gritando. — Vai
para o seu quarto agora antes que eu...
— Antes que você o que, César? — Grito de volta e me coloco no
caminho dele. — Levanta a mão para a minha filha que eu acabo com você,
está me ouvindo? Sai daqui. Vai embora, César. — Perco completamente o
controle.
Ele sai e bate a porta com raiva. Escuto o barulho dos pneus
derrapando na rua quando arranca com o carro. Corro para o quarto da Duda
e a encontro escondida entre o armário e a cômoda encolhida e chorando
muito. Sento-me no chão e a puxo para o meu colo.
— Mamãe. — Ela chora e eu choro junto. Corta o meu coração ver
minha filha assim tão assustada.
— Está tudo bem, meu amorzinho. Mamãe está aqui, ok? — Tento
acalmá-la.
Fico com ela no meu colo por trinta minutos e o choro diminui aos
poucos, porém não acaba de vez. Ela está assustada e fica tremendo toda
hora. Preciso resolver isso e dar um jeito na minha vida. Tenho que tirar a
minha filha do meio dessa confusão.
Tento fazer com que ela coma alguma coisa, mas não consigo. Nem a
vitamina que tanto gosta quis tomar. Tomo banho junto com ela já que toda
vez que me afasto nem que seja por alguns segundos ela volta a chorar. A
Duda sempre foi muito sensível e agarrada com o pai. Essa atitude dele
mexeu demais com a minha filha.
Consigo fazer com que durma, mas, toda vez que tento colocá-la na
cama, acorda chorando. Tranco a porta do quarto caso ele volte e tente entrar
aqui e deito-me abraçando-a.
Passamos uma noite agitada. A Duda não dormiu direito, acordava a
todo o momento chorando e me chamando. Penso em não levá-la a escola,
mas, ao mesmo tempo, sei que ela gosta e talvez isso consiga distraí-la um
pouco.
Levanto-me e nem sinal do César. Apronto tudo e a chamo para tomar
café e se arrumar. Ela levanta com o rostinho triste e faz tudo calada coisa
que nunca acontece. A Duda é sempre falante e animada de manhã e vê-la
assim por causa do pai me dá vontade de matá-lo.
Quando estamos prestes a sair de casa, ele entra batendo a porta com
força mais uma vez fazendo com que a Duda corra para perto de mim e se
agarre em minhas pernas com os olhos cheios de lágrimas.
— Aí estão as duas. — Caminha em nossa direção e ela se encolhe
mais ainda. Fico o encarando sem desviar o olhar. Se ele pensa que vou
demonstrar medo, está enganado. — Não queria a separação? Pois se prepara.
Você vai se arrepender. — Ameaça e sinto medo do que vejo no olhar dele.
Vai em direção ao nosso quarto e sai de lá com uma mochila cheia batendo a
porta sem falar mais nada.
— Está tudo bem, filha. — Abaixo-me na frente dela e faço um
carinho no seu rosto. — Vamos para a escola brincar com os seus
amiguinhos? A Mel está te esperando. — Forço um sorriso. Ela concorda
com um aceno de cabeça fraco, mas não diz nada.
Chego à escola com a Duda no colo e o portão já está aberto. A
maioria dos responsáveis já foi, porém, algumas mães ainda estão
conversando e ficam me olhando quando passo.
O Guilherme encosta na Duda para pegá-la o que faz com que ela se
assuste. Ele me olha de maneira interrogativa e eu nego com um aceno de
cabeça. Não quero falar sobre isso aqui.
— É o tio Gui, princesinha. — Diz enquanto faz um carinho nas
costas dela que se vira e pula para o colo dele dando um abraço apertado. —
O que foi, princesinha? Por que você está triste? — Limpo uma lágrima que
escapa pelo meu rosto e sinto que ele se controla para não me puxar para si.
— Vai lá com os seus amiguinhos, tudo bem? A tia me falou que hoje a aula
é muito legal.
Ela vira para me dar um beijo e ele a coloca no chão para que entre.
Assim que se afasta da gente sinto que ele vai me perguntar alguma coisa e
peço antes:
— Aqui não. Por favor. — Sussurro para que somente ele escute.
— Entra comigo. Vamos para a sala da Clara, então. — Nego com um
aceno de cabeça. — Amanda...
— Não. Eu já te atrapalhei demais ontem. Depois a gente conversa.
— Espera. — Pede. — Vou pedir a Clara para dar alguma atividade
para as crianças hoje. Ela está livre agora que eu sei. — Tento negar mais
uma vez, mas não deixa. — Por favor, Amanda. Não vou conseguir trabalhar
se não souber o que aconteceu para vocês estarem assim. Vai para a academia
e me espera lá para ninguém nos ver sair daqui juntos. Eu vou ligar para Sara
avisando para você me esperar na minha sala.
— Tudo bem. — Acabo cedendo. Ele sempre me acalma e eu preciso
disso agora. Preciso que ele me diga que vai ficar tudo bem.
Sigo pelas ruas me controlando para não chorar e chamar atenção por
onde passo. Entro na academia e a Sara logo me vê e caminha em minha
direção.
— O Gui me avisou que você vinha. Vem, vou te mostrar o caminho.
— Diz com um sorriso simpático no rosto e eu sigo com ela pelo corredor. —
Aqui. — Abre uma porta e indica para que eu passe. — Fica a vontade, ok?
Se precisar de alguma coisa é só chamar. No telefone em cima da mesa tem o
ramal da recepção anotado.
— Obrigada e desculpa pelo trabalho. — Falo sem graça.
— Não foi trabalho nenhum. — Despede-se, sai da sala fechando a
porta e me deixando sozinha.
Sento-me em um sofá no canto da sala e desabo. Todo o choro que
estava segurando por causa da Duda vem junto e meu corpo sacode com os
soluços. Não sei dizer quanto tempo fico assim até que sinto braços em volta
de mim.
— O que aquele desgraçado fez para vocês duas ficarem assim? — O
Guilherme pergunta me abraçando forte contra o seu peito. — Ele machucou
você? Fala comigo, por favor, Amanda, ou eu vou enlouquecer aqui sem
saber de nada. — Pede quando eu não respondo.
— Não. Ele não me machucou. — Conto para ele tudo o que
aconteceu ontem à noite e hoje de manhã. — A Duda não dormiu direito de
tão assustada que ficou. Acordou chorando a noite toda. — Limpo o meu
rosto com as mãos.
— Por que você não me ligou? Eu teria ido buscar vocês. — Solto um
suspiro. — Tudo bem. Sei que não posso fazer isso, mas teria dado um jeito.
Pedido a Clara ou a Ju, não sei.
— Tenho que falar com o Felipe o mais rápido possível. Preciso saber
como agir, o que eu devo fazer. Eu não quero sair de casa. Acredito que ele
não volte durante um tempo já que levou uma mochila com algumas roupas,
mas tenho medo do que ele pode fazer com as nossas coisas. Depois de falar
com o Felipe, devo procurar o João. Ele é o proprietário da casa e era amigo
dos meus pais. Quero ver com ele se falta muito para o contrato acabar e
fazer um no meu nome.
— Sim, mas não dá mais para continuar assim, sem ter certeza se ele
vai voltar e entrando em casa a hora que quer. Vocês duas não podem mais
ficar sozinhas. Vou pedir para a Ju dormir lá. Pelo menos esses dias enquanto
o Felipe não chega e a gente resolve logo isso. Queria poder ficar, mas sei
que não tem como e corro o risco de te prejudicar.
— Não queria dar mais trabalho para vocês do que já dei, mas aceito.
Vou me sentir mais segura com alguém por perto.
— Vou mandar uma mensagem para o Felipe explicando o que está
acontecendo para ver o que ele fala. Sei que há essa hora ele não pode falar,
mas, assim que der, tenho certeza que vai me responder e nos dar uma luz
sobre o que fazer.
O Felipe não recebe a mensagem e, quando o Guilherme tenta ligar,
dá desligado ou fora da área de cobertura. Tenta ligar mais algumas vezes até
que eu falo:
— Deixa, Guilherme. Quando receber a mensagem ele retorna.
— Tudo bem. — Concorda. — O que você quer fazer agora? —
Pergunta enquanto faz carinho no meu rosto.
— Não sei. Eu preciso me acalmar para quando for buscar a Duda na
escola.
— Então vamos ficar aqui até você se sentir melhor. — Tento falar,
mas ele não deixa. — Eu quero cuidar de você, Amanda. Não me negue isso,
por favor. Prometo que não vou fazer nada. Só quero ficar com você.
— Não é isso, Guilherme. Eu só não quero prejudicar o seu trabalho.
Ontem você pegou a turma atrasado por minha culpa e hoje não vai dar aula?
Não é certo.
— O que não é certo é você se preocupar com isso. Não vai me
prejudicar em nada ficar aqui. Não repete mais isso, ok? Eu quero ficar,
Amanda, e, a menos que você não queira que eu fique, é o que vou fazer. Só
preciso te olhar e ter certeza que está bem. Mais nada.
Não falo mais nada. Aceito o carinho e atenção que ele me oferece.
Capítulo vinte e seis
Guilherme
Passo a manhã na minha sala com a Amanda. Tento conversar sobre
assuntos mais leves para distraí-la e aproveito para puxar assunto sobre
nossas preferências, infância e adolescência para nos conhecermos melhor.
Falo sobre o meu pai, sobre como minhas irmãs e eu sempre fomos
agarrados, sobre a minha vontade desde criança de ter uma academia e tantas
outras coisas. Ela me fala um pouco dela também e percebo que evita falar
sobre acontecimentos que o César esteja ligado, o que agradeço. Não preciso
saber o que eles viveram. O que me importa é o agora e o daqui para frente.
Tento esquecer o estado que ela e a Duda estavam hoje pela manhã e
o que ela me contou que aconteceu ou sou capaz de caçar esse filho da mãe
no inferno. Ver a Duda, uma criança doce e carinhosa, tão assustada, acabou
comigo. Acredito que se ele estivesse na minha frente na hora eu não
conseguiria me controlar.
Ela recebe uma mensagem dele no celular avisando que vai em casa
pegar mais algumas coisas.
— Tenho que ir. Não quero que ele entre lá sozinho e mexa nas
nossas coisas. — Levanta-se do sofá onde estávamos sentados conversando.
— Não, Amanda. — Seguro o braço dela e me levanto também. —
Não acho uma boa ideia você ficar sozinha com ele. Pensa um pouco. Ele já
te ameaçou e, para fazer alguma coisa, pouco falta.
— Guilherme, eu preciso... — Não a deixo terminar de explicar.
— Não estou tentando mandar em você, mas, por favor, não vai. Se
ele pegar algum bem material é só comprar outro depois. O importante é você
estar segura. Pensa na Duda. Se ele fizer alguma coisa com você como ela vai
ficar? — Apelo, porém guardo para mim o fato que eu também não
suportaria. — Fica aqui comigo. — Pondera antes de responder.
— Tudo bem. Já está quase na hora de buscar a Duda também. Espero
que ele saia de lá antes da gente chegar.
— Volta para cá. Vou ficar mais tranquilo. Eu peço o almoço em um
restaurante aqui perto que a Ju adora. Aproveito e chamo aquela mala para
comer com a gente também.
— Ok. Também prefiro que a Duda não encontre com ele. Pelo
menos por enquanto. Vou buscá-la na escola e volto para cá. Quer que traga
alguma coisa para o almoço ao invés de pedir?
— Não precisa. — Sorrio para ela. — Cuidado na rua. Queria ir com
você, mas sei que não é uma boa ideia.
— Pode deixar. Daqui a pouco eu volto. — Caminha para a porta e eu
a puxo para um abraço antes que saia. Dou um beijo próximo a sua boca e
aspiro o perfume dela. Ela sorri para mim e sai.
Aproveito enquanto ela vai para falar com a Ju sobre dormir na casa
dela. Não gosto muito da ideia de deixar as três sozinhas, mas confio na
minha irmã. Ela sempre soube se defender muito bem e, se ele tentar alguma
coisa, vai se arrepender. Já vi a Ju derrubar homens muito maiores que ela
que estavam se gabando nas aulas.
Meu pai dizia que uma mulher tem que saber se defender sozinha e
colocou tanto ela quanto a Clara para fazer aulas de luta também.
— Está sozinho? Posso entrar ou vou atrapalhar alguma coisa? — A
Ju aparece na porta da minha sala antes que eu saia para procurá-la.
— Estava querendo falar com você. Queria te pedir um favor e te
chamar para almoçar aqui na sala comigo. Vou pedir comida naquele
restaurante que você adora.
— O que você vai me pedir para estar tentando me comprar? É algo
tão ruim assim? — Implica.
— Eu queria poder fazer ao invés de te pedir, mas sei que não dá.
Você pode dormir com a Amanda e a Duda por uns dias? — Ela me olha sem
entender e eu conto por alto o que aconteceu. — Não queria que elas
ficassem sozinhas lá. Tenho medo que ele apareça e faça alguma coisa com
as duas.
— Claro que posso. E é melhor para esse babaca que não apareça na
minha frente ou finalmente vou usar os meus treinos de lutas para alguma
coisa. — Diz com a voz transbordando de raiva.
— Ju, não quero que faça nem uma loucura. Estou querendo ficar
mais calmo sabendo que você está lá e não o contrário.
— Ei. Assim você me ofende, Gui. Eu não faço loucura. — Diz com
cara de ofendida.
— Claro que não. Você é a loucura em pessoa. Esquece. Vou pedir
para outra pessoa. — Falo e ela quase me acerta com uma revista. — Ficou
maluca?
— Você não ouse acabar com a minha noite de meninas com as
minhas futuras cunhadinha e sobrinha. Vai ser divertido, Gui. Eu vou fazer
que elas se esqueçam dos problemas. Pode ficar tranquilo. — Sorri para mim
e eu retribuo.
Espero a Amanda chegar com a Duda para escolher o que pedir, pois
ainda não sei do que elas gostam. Assim que elas chegam, a bagunça está
formada na minha sala. A Ju parece que tem a mesma idade da Duda e nos
diverte o tempo todo.
— Vamos, filha? O tio Gui e a tia Ju precisam trabalhar e eu também.
— A Amanda fala dez minutos depois de a gente acabar de almoçar.
— Deixa a Duda comigo, Amanda. Eu vou em casa separar umas
coisinhas para levar para a sua e minha mãe vai adorar ver esta princesinha.
— Sinto que a Amanda fica em dúvida.
— Deixa, mamãe? Eu quero ir com a tia Ju. — A Duda pede e ela não
consegue negar.
Elas saem e eu aproveito para colocar em dia o trabalho. Depois de
uma hora me lembro de tentar ligar mais uma vez para o Felipe, mas o celular
dele continua sem sinal ou desligado. Estranho, pois ele nunca se esquece de
carregar.

Amanda
Saio de casa para levar a Duda para a escola junto com a Júlia. Minha
filha está cansada de tanta bagunça que elas fizeram ontem. Além de
brincarem a tarde toda como me contaram quando chegaram, elas ainda
fizeram sessão se cinema e brincaram de boneca antes de dormir.
— Tchau, princesa. Mais tarde a gente brinca mais, combinado? — A
Júlia se despede da Duda na porta da academia. — Qualquer coisa me liga,
Amanda. Você tem o meu número.
— Pode deixar. Obrigada. — Agradeço e sigo para a escola com a
Duda.
Ela vai toda feliz me contando mais uma vez sobre o dia de ontem e
todas as brincadeiras.
— Agora sim. — O Guilherme fala assim que vê a Duda. — O tio
quer ver você sempre assim, ok? Com esse sorriso lindo no rosto. — Diz e a
pega no colo. — Está tudo bem? Ele apareceu? — Pergunta baixo para que só
eu escute. — Espera. Deixa essa princesinha aqui entrar primeiro. — Pede.
Coloca a Duda no chão e ela entra junto com uma menina da turma dela que
também chegou agora. — Prefiro que ela não escute nada relacionado a isso.
— Explica.
— É melhor mesmo. Ela pode perceber de quem estamos falando. —
Concordo. — Acredito que ele não vá aparecer. Levou quase tudo e deixou
um recado que quando fosse pegar o restante me avisava.
— Não sei se confio nele, Amanda. Não depois de tudo o que você
me contou. Ele não estava aceitando a separação e, do nada, muda de ideia
assim tão fácil? Disse que você ia se arrepender e não faz nada? Sei lá. Não
consigo acreditar nisso. Para mim ele só quer que você baixe a guarda para te
pegar de surpresa. Toma cuidado, por favor.
— Pode deixar. Você conseguiu falar com o Felipe? — Pergunto. Até
eu que não o conheço já estou preocupada com essa falta de contato.
— Nada ainda. Se não me ligar hoje, vou entrar em contato com o
escritório para perguntar se ele tem falado com eles. Além de estar
preocupado, quero saber se tem alguma coisa que você possa fazer antes
mesmo de ele voltar.
— Eu também. Tenho que adiantar alguns serviços. Depois a gente
conversa. Não vou te atrapalhar mais um dia. Manda uma mensagem para
mim se ele te ligar, ok?
— Pode deixar. — Diz e fica me olhando com carinho. — Queria
passar a manhã conversando com você outra vez.
— Eu também, mas temos que trabalhar. — Sorrio.
— Almoça comigo outra vez? — Pede. Vejo algumas mães nos
olhando e cochichando, mas não me importo.
— Melhor não. Você está me acostumando mal. — Falo brincando.
— Você ainda não viu nada. Vou te mimar muito mais. — Vira-se
para trás e diz: — Tenho que ir. Quer me encontrar direto na academia? Eu
levo a Duda para você.
— Não precisa. Eu venho buscá-la e nos encontramos lá. — Beija o
meu rosto me pegando de surpresa e entra.
Passo perto das mães que estavam nos olhando e escuto quando uma
delas fala:
— Essa daí acabou de chegar na escola e já agarrou o irmão da dona.
Viram o pai da menina? É um gato também, mas a gulosa quer logo os dois.
Tenho vontade de responder que ela não sabe o que está falando e que
pode ficar com o César todo para ela, mas não me dou ao trabalho. Nunca
liguei para o que os outros pensam de mim e não será agora que isso irá
mudar.
Passo na loja, resolvo o que preciso e vou para casa pegar uma muda
de roupa para a Duda. Ela ontem acabou passando o dia de uniforme. Quando
estou chegando, vejo o César saindo com um homem de lá.
O que será que ele estava fazendo? Ele mesmo me falou que avisaria
se precisasse voltar. Pelo menos não saiu com nada nas mãos. Espero que se
afastem e entro. Olho tudo e não vejo nada mexido. O que será que ele está
aprontando?
Pego o que preciso e sigo para a escola para buscar a Duda. Ela vai
caminhando para a academia toda animada por ficar mais uma vez com o
Guilherme que já avisou que vai chamar a Júlia também.
Ontem ele me disse que, pelo menos por enquanto, prefere não ficar
sozinho comigo e com a Duda para não confundir a cabeça da minha filha.
Fico encantada com o carinho e preocupação que ele demonstra sentir por ela
o que só faz com que me apaixone cada vez mais.
É, não tenho mais como negar. Eu estou apaixonada pelo Guilherme.
Entro na academia e a Sara acena para mim de trás do balcão onde
está atendendo.
— Boa tarde. — Cumprimenta-me. — Já sabe o caminho. A Ju já está
esperando vocês. — Avisa e pisca para mim.
O Guilherme chega logo depois com várias sacolas com comida.
— Não sabia o que vocês queriam comer. Trouxe mais de uma opção.
— Diz colocando em cima da mesa.
— Meu Deus, Gui! Para que isso tudo? — A Júlia pergunta rindo.
— Já tenho que emagrecer, desse jeito, vou explodir. Quem está
sempre malhando são vocês dois, não eu.
— Não precisa mesmo. Está ótima do jeitinho que está. Bem até
demais para a minha sanidade. — O Guilherme fala e me olha de cima a
baixo como se pudesse me comer com os olhos e eu coro feito uma
adolescente.
— Opa. Opa. Opa. Crianças na área. Vamos parar com isso que a titia
aqui não precisa presenciar essas coisas. — A Júlia me deixa ainda mais sem
graça e o irmão joga uma bola de guardanapo amassado nela.
Depois do almoço, enquanto a Duda pinta uns desenhos que a Júlia
trouxe para ela, comento com eles sobre ter visto o César lá em casa e o
Guilherme fala:
— Ele está armando alguma coisa, Amanda. Vou tentar ligar para o
Felipe outra vez. — Pega o celular, disca o número dele e faz sinal de
positivo com o dedo. — Fala, Felipe. Está difícil falar com você cara.
Recebeu as minhas mensagens? — Escuta o que ele responde e volta a falar:
— Ok. Só me responde uma coisa, depois de tudo que eu te expliquei, ela
pode trocar a fechadura da casa ou corre o risco de se prejudicar? — Anda
pela sala enquanto espera a resposta. — Tudo bem, Felipe. Até amanhã,
então. — Despede-se.
— O que ele falou? — Questiono assim que ele desliga.
— Eu fui mandando mensagens para ele com tudo o que você me
falava e acontecia. Sabia que a hora que chegasse ele iria ler todas. —
Explica.
— E o que aconteceu para ele não retornar as ligações? — A Júlia
pergunta preocupada.
— Disse que está em um lugar que o sinal é ruim. A ligação falhava o
tempo todo enquanto a gente conversava agora. — Responde e vira-se para
mim. — Ele está voltando amanhã à noite. Falou que você pode conversar
com o proprietário da casa sobre o contrato para se informar, mas que pode
trocar a fechadura. Assim evita que ele entre a hora que quiser.
— Vou à casa do João hoje mesmo para fazer isso. Ele não mora
muito longe lá de casa.
Fico mais trinta minutos com eles e vou embora. No caminho passo
na casa do João, mas não o encontro. Uma vizinha diz que ele viajou no final
da manhã e só volta na sexta-feira à noite.
Capítulo vinte e sete
Amanda
Chego em casa e ligo para um chaveiro vir trocar a fechadura da
porta. Só em pensar que o César não terá mais como entrar aqui e me pegar
de surpresa já sinto certo alívio. Assim que ele termina o serviço, a Júlia
chega para passar a noite aqui outra vez.
— Tia Juuuuu. — A Duda grita do corredor e corre na direção dela
que a pega no colo.
— Oi, princesinha. Vamos brincar mais hoje? — Pergunta fazendo
cócegas na barriga da Duda.
— Obrigada, Júlia. Desculpa por te dar todo esse trabalho.
— Não precisa agradecer, Amanda. Eu adoro brincar com a minha
sobrinha. — Sorrio para a maneira que ela chama a minha filha. — Não é
trabalho nenhum.
Deixo as duas brincando e aproveito para adiantar algumas
declarações que eu preciso entregar. Depois de tanto brincar, a Duda acaba
pegando no sono durante o filme que estávamos assistindo.
— Está dormindo feito uma pedra de tão cansada. — Digo para a
Júlia quando volto para a sala depois de colocar a Duda no quarto dela. —
Sei que você diz que não precisa, mas obrigada mesmo assim. A minha filha
andava muito tristinha. Depois do que aconteceu, então, ficou pior ainda. Vê-
la voltar a sorrir é bom demais. — Limpo uma lágrima que escapa e desce
pelo meu rosto. — Nunca serei capaz de agradecer o que vocês estão fazendo
por nós duas.
— E nem precisa. Eu faço de coração. Faço porque quero e gosto de
estar perto de vocês. — Dá um aperto na minha mão. — Você ainda não
entendeu, não é?
— Não entendi o quê? — Olho para ela sem entender o que quer
dizer.
— A nossa família te adotou. Adotou vocês duas, na verdade. Vocês
conquistaram a todos nós. — Faz uma pausa e volta a falar: — Reparei o
jeito que me olhou por chamar a Duda de sobrinha, mas é assim que eu vejo.
É assim que eu sinto. Sei que é questão de tempo para você e meu irmão se
entenderem. Sendo bem sincera, acho que já eram para terem feito isso.
Entendo que estão se segurando por causa do seu casamento, só que ele já era
mesmo. Façam escondidos por um tempo para não te causar problemas, tudo
bem, mas não acho que precisem mais esperar.
— Não é só isso, Júlia. Eu preciso de um tempo, sabe? Não quero
entrar em um relacionamento com o seu irmão com algo entre nós. Quero
entrar livre, sem nada que nos atrapalhe. Preciso resolver essa separação e
preciso de um tempo para mim. Não quero sair de um casamento e cair de
paraquedas em outro relacionamento. Preciso respirar, sentir que sou capaz
de ficar sozinha e de cuidar da minha filha e de mim mesma. Eu avisei ao seu
irmão que não estava pronta e que precisava de um tempo. Não o estou
enganando.
— Você está certa, Amanda. Eu que sempre vejo as coisas de uma
maneira muito simples. Ou vai ou não. Mas nem sempre é assim. Espera o
seu tempo, posso te afirmar que vai valer a pena. O Gui é louco por você. Ele
te olha de uma maneira que nunca vi meu irmão olhar para ninguém. Nem
mesmo... — Para de falar.
— Nem mesmo? O que você ia falar? — Questiono sem entender.
— Nem mesmo uma namorada que ele teve. — Sinto que ela fica
tensa com o assunto. — A gente pensou que era sério, mas acabou. Nem para
ela ele olhava do jeito que te olha. — Volta a sorrir.
— Seu irmão também mexe demais comigo. De uma maneira que eu
não esperava. — Confesso.
— Ele ficou doido desde o primeiro dia que te viu. A Clara percebeu
só de ver vocês dois juntos. — Sorri.
— Comigo não foi diferente. Só que me segurei, tentei negar e
esquecer porque não achava certo. O César estava dizendo que iria mudar e
eu estava tentando salvar o meu casamento. Não podia sentir nada por ele.
Por isso não voltei na academia e resolvi que procuraria outra. Tentei manter
distância, mas não adiantou muito, não é?
— Não mesmo. Melhor não lutar contra. Está na cara de vocês dois o
que sentem. Mas tudo bem. Eu te entendo. Meu irmão é um gato. — Brinca.
— Sim. Seu irmão é lindo mesmo, mas não foi isso que fez com que
ele me conquistasse. No primeiro momento, claro que me chamou atenção,
não sou cega. Só que foi o dia a dia, a convivência que me deixou de um jeito
sem volta. Foi o jeito que ele me trata, o jeito que trata a minha filha e que
demonstra preocupação com a gente. São as atitudes dele que me cativaram
cada dia mais.
— Dá gosto escutar vocês falando um do outro. Chego até a pensar
em mudar de ideia e sossegar com alguém. Coisa que nunca passou pela
minha cabeça.
— Por que isso, Júlia? Você teve alguma decepção para pensar
assim? — Tento entender. — Porque pelos exemplos que você tem em casa
não é. Sua irmã e o Rodrigo estão juntos há doze anos que ela me contou e
seus pais também foram assim.
— Acho que eu ainda não achei alguém que valesse a pena e que me
fizesse pensar diferente. E sabe como é, enquanto não acho o certo, vou me
divertindo com os errados mesmo. — Não consigo segurar e começo a rir. —
E, futura cunhadinha, tem cada errado gostoso por aí. — Começa a se abanar
e eu preciso me controlar para não gargalhar e acabar acordando a Duda.
— Só você mesmo, Júlia.
Continuamos conversando por mais uma hora e meia até que
resolvemos dormir também já que amanhã acordamos cedo. Ela para ir para a
academia, eu para organizar tudo para levar a Duda para a escola e voltar
para casa para trabalhar.

****

— Você não precisa mais dormir lá em casa, Júlia. — Digo enquanto


estamos conversando na academia.
O Guilherme me chamou para almoçar mais uma vez, mas eu neguei.
Disse que já tinha deixado o almoço pronto antes de buscar a Duda na escola.
Ele me pediu para que fosse um pouco na academia de tarde para podermos
conversar sem ninguém nos olhando e julgando o tempo todo como acontece
na porta da escola. Sei o porquê de ele estar fazendo isso. Ele ainda acha que
o César pode aparecer e tenta evitar que eu fique sozinha em casa de toda
maneira.
— Está querendo se livrar de mim, Amanda? — Semicerra os olhos
para mim.
— Claro que não. Você, além de distrair a Duda, diverte a mim
também. Adoro as nossas conversas. Só não gosto de dar trabalho. —
Justifico.
— Já falei que não é trabalho nenhum, futura cunhadinha. — O
Guilherme se engasga com o copo de água que estava bebendo. — O que foi,
Gui? Falei alguma coisa errada? — Questiona com a cara mais inocente do
mundo.
— Não sei por que ainda me espanto com o seu jeito, Ju. Sério. —
Diz sorrindo para a irmã.
— É sério, Júlia. — Volto ao assunto. — Agora que troquei a
fechadura ele não tem mais como entrar. — Não cito nomes por causa da
Duda, mas sei que eles entenderam de quem estou falando.
— Amanda, olha só, você pode até ter razão, mas eu acho melhor a Ju
dormir com vocês por mais uns dias. Só por segurança. — Sinto a
preocupação na voz dele. — Quem decide isso é você, só que eu me sentiria
mais seguro sabendo que não estão sozinhas.
— Tudo bem. — Acabo cedendo. — Mas só por mais uns dias. — Ele
me dá um sorriso lindo e se aproxima de mim.
— Obrigado. — Fala próximo ao meu ouvido e me dá um beijo
demorado no rosto.
— Vamos sair com a tia Ju, Duda? Dar um passeio na sala de
recreação? — Escuto a Júlia falando e vejo quando ela sai da sala com a
minha filha que sorri toda feliz.
— Essa minha irmã não tem jeito. — Diz e solta um suspiro. — Ela
só não sabe que não é uma boa ideia me deixar sozinho com você. A Duda
estando junto é mais fácil de segurar a vontade que tenho de te beijar. —
Abaixo a cabeça sem responder e ele coloca o dedo no meu queixo
levantando o meu rosto e me fazendo olhar para ele outra vez. — Desculpa.
Eu disse que ia esperar e vou. — Faz um carinho no meu rosto e eu fecho os
olhos aproveitando o contato.
— Não é só para você que é difícil. — Admito. — Mas eu preciso
desse tempo. Preciso me achar antes de entrar em um relacionamento.
— Eu te entendo e vou esperar esse tempo. Só não garanto que não vá
aproveitar toda oportunidade que surgir para te tocar. — Dá outro beijo em
meu rosto, esse bem próximo aos meus lábios me deixando sem reação e se
afasta.
— Vou procurar aquelas duas para ir para casa. Preciso terminar
algumas declarações. — Digo quando volto a mim e saio da sala.

****

Acabei de sair do escritório do Felipe. Ele ligou de manhã para o


Guilherme e pediu para que eu fosse na parte da tarde porque precisou
resolver alguns problemas de manhã já que ficou quase uma semana fora da
cidade.
Deixei a procuração assinada para ele poder dar entrada na segunda-
feira na ação de divórcio. Acredito que tenha o dedo do Guilherme nessa
rapidez com que ele está fazendo, mas não ligo, pelo contrário, até agradeço.
Não vejo a hora de resolver logo isso e poder seguir a minha vida em paz.
Passo na academia para pegar a Duda que ficou com a Júlia, converso
com o Guilherme sobre o que o Felipe falou e encontro a Clara também.
— Vim te convidar para a noite das meninas lá em casa hoje. O
Rodrigo vai para a casa do Felipe com o Gui assistir um jogo e pensei em
aproveitar a oportunidade. A Ju também vai.
— A gente pode fazer lá em casa também. — Ofereço.
— Não leva a mal, Amanda, mas eu não quero brigar com o meu
irmão outra vez. — A Clara fala. Olho para ela sem entender. — Ele já fica
todo preocupado com vocês três lá, se a Mel estiver junto e eu também, o
homem vai ter um ataque.
— Brigaram porque você deu mole. Eu te avisei que isso ia acontecer.
— A Júlia diz e a Clara olha séria para ela. — Não adianta me olhar assim.
Você sabe que eu estou certa.
— Precisava falar disso agora, Júlia? — Questiona com um tom de
repreensão.
— Foi você quem começou o assunto. Eu só completei.
— Do que vocês estão falando? — A Clara solta um suspiro e me
responde.
— O Gui escutou quando eu te falei sobre ter alguma culpa de você
não voltar aqui na academia e perguntou o que eu fiz.
— Vocês brigaram por causa disso? — Pergunto.
— Claro que sim, Amanda. O Gui ficou com raiva e com razão. Uma
coisa era ela conversar com ele sobre o assunto, isso eu também fiz, mas daí a
falar para você se afastar? Ela passou dos limites e sabe. Não tem que se
meter assim na vida dele. Ela deu sorte que foi com o Gui. Aquele ali não
consegue ficar brigado com ela muito tempo. Se fosse comigo, a coisa ia ser
feia.
— Clara, eu não... — Não consigo terminar de falar.
— Não, Amanda. Eles estão certos. Eu sei que errei e me arrependi.
Acabou. Vamos mudar de assunto. Quero saber o que vamos fazer na nossa
noite das meninas.
— Vou preparar alguns lanches para levar. Quero passar no mercado
agora, ai aproveito para comprar os ingredientes. Querem alguma coisa
específica?
— Não. Não precisa levar muita coisa. Eu também vou fazer alguns
petiscos e bolos por causa das meninas. Leva roupa para vocês passarem o
sábado lá em casa. Assim elas aproveitam a piscina.
— Tudo bem. Vou pegar a Duda na sala de recreação para ir. Tenho
que adiantar algumas coisas antes de sair. — Despeço-me e sigo pelo
corredor.
Passo no mercado e compro tudo o que preciso para os lanches e mais
algumas coisas que estava precisando em casa. Quase não consigo abrir a
porta quando chego por estar com as mãos cheias de sacolas. Entro, deixo
tudo na cozinha, preparo os lanches e deixo separado enquanto dou um jeito
na casa.
Separo uma mochila de roupa para a Duda e coloco também algumas
peças para mim. Pego a boneca que ela mais gosta e coloco junto com tudo
em cima do sofá. Como já estou com tudo pronto e acabei demorando mais
do que devia, resolvo ir ao quarto dela ver o que está fazendo para podermos
sair, pois a Clara já deve estar me esperando. Quando chego à porta do
quarto, ela aparece na porta.
Escuto um barulho e a Duda arregala os olhos e começa a chorar.
Viro-me para onde ela está olhando e vejo o César parado com um olhar que
me dá medo. Não sei como ele entrou aqui, mas não gosto nada disso. Algo
me diz que ele não veio aqui somente para pegar o restante dos pertences
dele.
— O que você está fazendo aqui? — Pergunto e coloco a Duda atrás
de mim.
— Estão com saudade de mim? — Sarcasmo escorre das palavras que
ele diz. — Vim me despedir de vocês. Passar a última noite juntos.
— Sai daqui, César. Vai embora. — Tento manter a minha voz firme
apesar do medo que estou sentindo e dou passos para trás. Quando vejo, estou
quase na porta do meu quarto.
— Não sem antes ter o que é meu por direito. Você ainda é minha
mulher, Amanda. Você me deve isso. — Caminha em minha direção e eu não
tenho tempo de fechar a porta. Só consigo rezar pedindo para que ele não
faça nada com a minha filha.
Capítulo vinte e oito
Guilherme
Estou cercado pelos alunos na escola, mas a Amanda não sai da
minha cabeça. Durante esses dias, nós nos aproximamos mais ainda. Estou
ficando mal acostumado de passar as tardes com ela. Sei que ela tem que
trabalhar, mas me preocupo com o fato de ela ficar em casa sozinha e acabo
pedindo para que fique comigo.
Não consigo acreditar que o César vá deixar isso assim tão fácil
depois de tudo o que a Amanda me falou. Tenho medo que ele faça alguma
coisa com ela e até mesmo com Duda.
Meu telefone toca na hora do intervalo e, quando pego para ver quem
é, vejo o nome do Felipe na tela. Atendo no terceiro toque.
— Fala, Guilherme. Você está podendo falar ou está dando aula?
— Estou no intervalo. Queria mesmo falar com você.
— Já imagino sobre o que seja. Não adiantou nada fugir, não foi? —
Pergunta e sei que está sorrindo.
— Não mesmo. Já era, Felipe. Estou de quatro por ela. — Admito. —
Por isso mesmo que preciso da sua ajuda. Não confio em outra pessoa para
agilizar o divórcio dela e queria te pedir para fazer tudo que puder para ser o
mais rápido possível. Quero que ela se livre logo disso.
— Sem nenhum interesse, claro. — Implica.
— Com todos os possíveis. Eu falei que ia esperar o tempo dela, mas
não custa dar uma mãozinha. — Sorrio.
— Sei que não vai adiantar falar nada, mas você tem certeza disso,
cara? Ela está saindo de um casamento complicado, é mais velha que você,
não que eu ligue para essas coisas, e tem uma filha na equação. Está mesmo
preparado para entrar de cabeça nessa? — Penso no que ele falou antes de
responder.
— Mais do que preparado. — Respondo com toda a certeza. — Não
sei explicar, Felipe, mas tudo com ela é mais intenso. Não estou disposto a
arriscar perder essa chance por coisas como as que você falou. A Duda não é
um problema. Sou louco naquela menina. A idade da Amanda não me
interessa. A diferença nem é tanta assim. São quatro anos só. Sobre o
casamento, a única coisa que eu posso fazer é provar para ela que sou
diferente daquele babaca.
— Você está certo, Guilherme, só que eu tinha que perguntar. Ela
chegou a conversar com o proprietário do imóvel que mora sobre o contrato?
— Não. Até foi na casa dele, mas parece que o homem viajou e só
volta hoje à noite. Disse que amanhã vai tentar outra vez. Só trocou a
fechadura mesmo. Queria que ela pudesse pedir uma medida protetiva contra
ele. Sei que isso não garante muita coisa, mas é mais uma segurança.
— Com o que você me contou que aconteceu não dá. Ele teria que ter
a agredido ou ameaçado.
— Espero não chegar a esse ponto e que isso seja só coisa da minha
cabeça, mas não consigo acreditar que ele não vai aprontar alguma.
— Vou fazer de tudo para resolver isso o mais rápido possível, pode
deixar. Pede para ela vir no meu escritório hoje na parte da tarde. Assim eu já
converso com ela e adianto a procuração para dar entrada na segunda-feira.
Só não falo para vir agora de manhã porque tenho algumas pendências para
por em dia por causa da viagem.
— Pode deixar que falo com ela. Obrigado, Felipe. Fico te devendo
essa, cara. — Não tinha dúvidas que ele iria me ajudar. Ele sempre foi como
um irmão para mim.
— Mudando um pouco de assunto. Está a fim de ver o jogo lá em
casa hoje? Vê se a Clarinha libera o Rodrigo e fala com ele também. Já tem
meses que a gente não faz isso. Beber, comer besteira, ver jogo e jogar
videogame sem nenhuma mulher para reclamar. — Acabo rindo do que ele
fala.
— Como se você e eu tivéssemos alguma mulher para reclamar.
O Felipe está na fase das farras. Diz que não pretende parar tão cedo.
Eu pensei que seguiria nessa com ele, aí a Amanda apareceu na minha vida e
eu só quero ficar preso a alguém.
— Você já está assim. Admite que vai falar com a Amanda antes de
confirmar comigo. — Estava demorando para ele começar a me zoar.
— Só para ela saber onde me encontrar, palhaço. — Respondo e sei
que alimentei o monstro.
— Falei. Ainda nem assumiu nada e já está assim. Daqui a pouco está
andando de coleira. Perdi meu parceiro de farra. Não acredito nisso. Daqui a
pouco não sobra um.
— Vai querer que a gente chegue que horas? — Mudo de assunto
para ver se ele para de pegar no meu pé.
— Pode ser por volta das oito da noite. Deixa as bebidas e comidas
por minha conta dessa vez. Você e o Rodrigo que levaram tudo da última.
— Valeu, cara. Vou falar com ele. Mais tarde a gente se vê. Cuida da
minha garota para mim. — Peço.
— Sua garota? Que eu saiba ainda não é. Quem sabe quando me
conhecer ela não muda de ideia e prefere um advogado a um dono de
academia.
— Vai se ferrar, Felipe. — Digo e desligo.
Mando uma mensagem para o Rodrigo falando sobre hoje à noite e
ele confirma na mesma hora. Mando também uma para a Amanda avisando
sobre a ida ao escritório do Felipe e o endereço. Está acabando o intervalo e
sei que se ligar agora não vou querer desligar. Fora que ela geralmente
aproveita que a Duda está na escola para trabalhar.
Saio da escola e passo em casa para pegar o carro já que tenho que ir
para a casa do Felipe mais tarde. Aproveito e pego também uma muda de
roupa para mim.
Chego à academia e a Sara me chama quando estou passando pela
recepção.
— Espero que não sejam problemas. — Digo quando me aproximo
dela.
— Não, nada disso. Só quero tirar uma dúvida com você. — Fala
séria. — Quero saber se eu mando fazer o cartaz para colocar aqui na entrada
no mesmo lugar de sempre.
— A gente sempre faz no mesmo lugar, Sara, mas de qual cartaz você
está falando? Não me lembro de ter pedido nenhum. — Digo confuso.
— O que avisa para as oferecidas de plantão que o patrãozinho está
fora do mercado. — Sorri para mim. — Assim, não perdem mais o tempo
delas e nem me fazem perder o meu respondendo toda hora que não posso
passar o seu celular.
— Ainda não. Vai demorar um pouco para elas poderem saber. —
Pisco para ela que sorri para mim. — Só não dá o meu número ou está
demitida. — Brinco.
— Nem pensar, patrãozinho. Até porque gostei dela. Muito melhor do
que essas que vivem te cercando.
— Não tem nem comparação. — Respondo e caminho para a minha
sala sorrindo.
Estou terminando de ler uma documentação quando o contador liga
para me lembrar sobre a viagem dele no final da semana que vem. Aproveito
para avisar sobre a Amanda e que não vou precisar da indicação que ele me
deu. Ele diz que já falou com a Clara mais cedo e que ela tinha falado com
ele, mas que preferiu confirmar. Lembro-me que tenho que conversar com a
Amanda sobre isso. Com essa confusão toda acabou que ainda não acertamos
nada.
— Olha quem está aqui. — A Ju entra na minha sala com a Duda nas
costas fazendo a maior bagunça.
— Oi, princesinha. Veio visitar o tio? — Pergunto enquanto a pego
no colo e beijo o rostinho dela.
— Vim brincar com a tia Ju. — Responde sorrindo.
— Cadê a sua mamãe? — Olho para a porta esperando que ela entre.
— Foi no Felipe e eu me ofereci para ficar com essa mocinha. Ela vai
ficar na sala de recreação brincando, não é, princesinha? — A Duda concorda
com um aceno de cabeça animada.
— Ela não entrou? — Questiono desanimado.
— Calma que não é o fim do mundo, dramático. — Implica. — Só
estava com um pouco de pressa. Pediu para te avisar que na volta fala com
você e te conta como foi.
— Não sou dramático. Só perguntei. — Defendo-me.
— Só perguntou, não é? Pura curiosidade. Nem foi por querer ficar
mais tempo com ela.
— Vai trabalhar, Júlia. Não enche. — Despede-se e leva a Duda com
ela.
Depois de organizar a minha mesa e responder alguns emails faço
uma vistoria pela academia para conferir se está tudo bem, auxilio alguns
alunos com exercícios e, quando estou voltando para a minha sala encontro
com a Amanda que veio buscar a Duda. Ela me conta que acabou de sair do
escritório do Felipe e que já deixou a procuração para ele dar entrada na ação
na segunda-feira mesmo. Volto para a minha sala e ela vai encontrar com a
Júlia.
Ligo o rádio e deixo em um volume baixo. Começa a tocar Quem de
nós dois da Ana Carolina e acabo percebendo que a letra me lembra muito
tudo isso que está acontecendo entre a Amanda e eu. Cada vez que tentei
fugir disso tudo, parece que alguma coisa me aproximava mais ainda dela.
Depois de quarenta minutos a Júlia entra na minha sala outra vez.
— Você não aprende a bater na porta mesmo, não é?
— Por quê? Está escondendo alguma coisa que eu não possa ver?
Vendo algum filme pornô? Se for bom depois me passa o nome. É sempre
bom ter opções para quando não dá para sair.
— Júlia. — Repreendo-a. — Um irmão não precisa saber essas
coisas, caramba.
— Ah, Gui. Vai me dizer que você acha que eu ainda sou virgem?
Faça-me o favor.
— Pode parar. Não quero pensar sobre isso. Prefiro a ignorância. —
Digo sério e ela ri. — Vamos mudar de assunto. O que você veio fazer aqui?
— Já fiquei sabendo da noite de farra de vocês, mas, se pensaram que
iam ser os únicos, vocês não sabem de nada. Nós vamos fazer a noite das
meninas também.
— Onde vocês vão ficar? — Pergunto preocupado.
— Na casa da Clarinha. Ela sabia que você ia surtar se fosse na da
Amanda e deu a ideia. — Suspiro aliviado.
— Ainda bem que vocês me conhecem. Não gosto nem de pensar em
vocês juntas e aquele babaca entrando lá.
— Não precisa se preocupar. Vou te deixar trabalhar. Só vim mesmo
para te avisar que vou tomar conta da sua amada enquanto você está na
bagunça.
— Como se vocês fossem ficar quietinhas. Tenho até medo do que
vão fazer. — Ela faz careta para mim e sai da sala me deixando sozinho.
Duas horas depois ela entra outra vez na minha sala. Quando eu vou
implicar sobre não bater antes, vejo pela fisionomia dela que aconteceu
alguma coisa.
— Gui, a Amanda te ligou? — Pergunta nervosa.
— Não. Só falei com ela quando veio buscar a Duda. Por quê?
Aconteceu alguma coisa?
— Ela combinou com a Clara de chegar mais cedo para as meninas
brincarem já que eu ia ficar até tarde na academia, mas ainda não chegou. —
Pego o meu celular e começo a discar o número dela.
— Já tentaram ligar para ela? — Pergunto preocupado enquanto
começo a andar pela sala. — Ela não atende.
— A Clara já tentou várias vezes e não conseguiu também. Eu tentei
enquanto vinha para cá falar com você e nada.
— Continua tentando. — Digo. Pego a chave do carro e corro para a
porta da minha sala com ela atrás de mim. — Aconteceu alguma coisa, Ju.
— Onde você vai, Gui? Espera.
Não respondo. Corro pelo corredor para a saída da academia e peço
para que não tenha acontecido nada com ela ou sou capaz de matar aquele
filho da mãe.
Capítulo vinte e nove
Amanda
— Não sem antes ter o que é meu por direito. Você ainda é minha
mulher, Amanda. Você me deve isso. — Caminha em minha direção e eu não
tenho tempo de fechar a porta. Só consigo rezar pedindo para que ele não
faça nada com a minha filha.
— O que você quer dizer com isso? — Tento ganhar tempo.
Ele para próximo a porta impossibilitando a minha saída. Sei que se
eu tentar passar, não vai permitir e tenho medo do que pode acontecer se eu
irritá-lo já que ele parece transtornado. Não me lembra em nada o homem
com quem casei.
— Ahh, você sabe muito bem o que eu quero dizer. — Diz com um
sorriso que me assusta ainda mais.
— César, olha a nossa filha. A menina está assustada. Para com isso.
Vai embora, por favor.
— Este sempre foi o seu problema, Amanda. Esta garota é mimada.
— Dá um passo mais perto e eu dou outro para trás com a Duda grudada a
mim.
A Duda não solta as minhas pernas e não para de chorar. Preciso tirar
a minha filha daqui.
— Ela é só uma criança, César. Não tem culpa de nada. Deixe-a
passar. — Tento fazer com que ele recupere um pouco do bom senso.
— Claro que tem culpa. Tudo isso é culpa dela. — Grita nos
assustando ainda mais.
— Ela é sua filha, César. Como você pode falar uma coisa dessas?
Que culpa a nossa filha tem do que aconteceu? Ela foi a mais atingida com
isso tudo. — Faço de tudo para controlar a minha voz e não demonstrar o
nervosismo que estou sentindo.
— Tudo começou por causa dela. O nosso casamento estava muito
bem até você engravidar desta peste.
— Não fala assim da minha filha, seu louco. Louco, é isso o que você
é. Nossa filha foi planejada. Você queria tanto quanto eu. Ela veio para
completar a nossa família. Você mesmo dizia isso.
— Isso até você perder a vontade de transar porque estava enjoada.
Até você perder o seu corpo de antes e virar essa mulher gorda que é hoje.
Até você começar a dar atenção só a ela e se esquecer de mim. Tudo era
Duda. Duda para cá. Duda para lá. Eu não tinha mais nada. Você só dava
atenção a ela.
— Ela é uma criança, César. Precisa de atenção e cuidado. O que
você queria que eu fizesse?
Preciso fazer com que ele continue falando. Já era para eu ter chegado
na Clara e sei que ela vai estranhar. Só preciso de mais tempo para alguém
me procurar. Ela vai tentar me ligar e, se não conseguir falar comigo, vai
avisar ao Guilherme. Tenho que ganhar tempo para que ele chegue aqui, pois
tenho certeza que virá atrás de mim.
— E eu, Amanda? Quem me dava atenção? — Grita cada vez mais.
— Como você acha que eu ficava se minha mulher não me procurava mais?
Se a gente já quase não transava?
— César, isso não é assunto para falar na frente da menina. Deixa a
nossa filha sair e a gente conversa. Tenho certeza que vamos nos entender. —
Peço mais uma vez.
— Não. Ela vai ficar aqui e escutar tudo para saber o que fez. O
quanto me atrapalhou. Quantas noites a gente estava transando e você parava
para olhar essa garota porque ela estava chorando e depois dizia que não
tinha mais clima? Quantas noites você passou em claro porque ela estava
doente, mas se eu pedisse para ficar até mais tarde acordada comigo dizia que
estava cansada e precisava dormir? Quantas, Amanda?
— César, por favor. Vai embora. Estou te pedindo. Você mesmo está
dizendo que não tem mais jeito. Vai viver a sua vida e nos deixe em paz.
— Você acha que será assim tão fácil se livrar de mim? Pois está
muito enganada. Você vai se arrepender de pedir a separação.
— Por que, César? Eu não entendo. Você mesmo diz que não estava
legal, por que não segue a sua vida e me deixa seguir a minha? Eu sei que
você tem alguém.
— Claro que eu tenho. Ou você acha que eu ia ficar esse tempo todo
sem uma mulher para me satisfazer? Nem para isso você servia mais.
— Não consigo entender. Se você pensava assim, por que não me
falou? Por que não conversou comigo? Eu achei que nós fossemos amigos
antes de qualquer coisa, César. Pensei que você gostasse das nossas noites. E
elas não eram tão poucas assim como diz. Não consigo entender de onde
você tirou isso.
— Claro que não consegue. Tudo para você gira em torno dela. Só
que eu não vou jogar no lixo todo o tempo e dinheiro que investi nesse
casamento. Foram anos te aturando para agora você resolver que não quer
mais.
— Olha o que você está falando. — Digo sem acreditar no que
escutei. — Tudo não passa de orgulho ferido. Você não me ama, mas não
quer dar o braço a torcer porque fui eu que pedi a separação. Você também
quer isso, César. Será que não consegue enxergar que é o melhor para nós
três?
— Não, não é. Você não vai se livrar de mim. Eu não casei para me
separar. Agora chega de conversa. Vamos logo ao que realmente interessa.
Eu não vim aqui perder o meu tempo com conversas que não nos levam a
lugar nenhum. Vim aqui para ter o que é meu por direito. Uma noite decente
que há muito tempo você não me dá.
— César, não. Por favor. Você não é assim. Para com isso. — Peço.
Meu Deus! Não é possível que não vá chegar ninguém. Onde está a
Clara, a Júlia, o Guilherme, qualquer um? Eu preciso de ajuda. Tenho medo
do que ele é capaz de fazer. Preciso tirar a minha filha daqui.
— Você está enganada. Esse sou eu. — Dá mais um passo ficando
cada vez mais próximo de nós.
Sinto vontade de me virar para acalmar a Duda que não para de
chorar.
— Você não quer fazer isso. Vai acabar se arrependendo depois.
— Tenho certeza de que não. Pelo contrário. Vou adorar cada
segundo.
— Deixa a Duda sair. Eu fico aqui com você e faço o que quiser,
César. Só deixa a minha filha sair, por favor.
— Tudo bem. Não aguento mais essa garota chorando na minha
cabeça. — Concorda deixando-me aliviada. — Sai daqui, garota. Anda. —
Grita com ela mais uma vez.
— Não, mamãe. Eu não quero. Quero você. — Abaixo-me na frente
dela para falar.
— Filha, escuta o que a mamãe vai falar. — Seguro o rosto dela para
que me olhe e tento limpar as lágrimas que não param de descer. — A
mamãe precisa que você vá para a sala e fique quietinha lá me esperando, ok?
— Não, mamãe. — Chora ainda mais.
— Eduarda, você precisa me escutar. — Digo séria. Preciso que ela
me obedeça. — Você vai sair do quarto da mamãe e vai ficar na sala me
esperando sentada no sofá. A sua boneca preferida está lá. Fica brincando que
eu já vou ficar com você, ouviu? — Dá um aceno fraco de cabeça
concordando.
Ela me solta e caminha para a porta, quando está quase saindo o César
grita fazendo com que se assuste e corra.
— Anda logo, garota. Você já me atrapalhou demais. — Vira-se para
mim e diz: — Agora sim a noite vai começar.
Dá mais dois passos e não tenho para onde fugir. Estou presa entre ele
e a parede atrás de mim. Sinto o cheiro de bebida vindo dele e vejo que os
olhos estão vermelhos. Fecho os olhos e imploro em pensamento para que
alguém apareça. Não sei mais o que fazer para conseguir ganhar tempo e
sinto que está perto de acontecer o que ele tanto quer.
— Por favor, César. — Faço uma última tentativa.
— Não adianta tentar fugir, Amanda. — Diz enquanto passa as mãos
pelo meu corpo tentando tirar a minha roupa.
Faço o possível para evitar que ele consiga. Ele coloca as mãos por
dentro da minha calça e aperta as minhas nádegas. Sinto nojo dele e o
empurro com toda força que consigo.
Ele segura o meu braço e torce para trás fazendo com que eu grite de
dor. Aperta-me mais uma vez forçando o meu rosto na parede. Sinto as
lágrimas descendo livres, mas não tenho força para impedi-las.
— Solta o meu braço, César. Você está me machucando.
— Continua a lutar que te machuco mais. Você ainda não viu nada,
querida. — Sarcasmo escorre pelas palavras que diz.
Levanta-me e joga o meu corpo na cama. Arrasto-me para trás
tentando fugir, mas não tenho sorte. Ele deita em cima de mim e coloca o
peso do corpo para me prender.
Puxa a minha blusa fazendo com que dois botões voem longe
deixando assim meus seios a mostra. Tento me tapar e ele segura os meus
pulsos.
Lembro-me da Júlia contando sobre um homem que tentou violentá-la
em uma boate e ela acertou com o joelho entre as pernas dele fazendo com
que a soltasse. Espero por um momento de distração do César e, quando ele
solta os meus pulsos, levanto o meu joelho e o acerto com toda a minha força.
Ele grita de dor e sai de cima de mim. Levanto-me e corro para a sala
onde encontro a Duda sentada agarrada na boneca dela. Pego minha filha no
colo, minha bolsa que está do lado dela e saio de casa o mais rápido que as
minhas pernas permitem. Chego na rua, vejo um táxi deixando uma vizinha e
entro sem pensar duas vezes.
— Rápido, moço, por favor. — Peço desesperada com medo que ele
saia atrás de mim.
— Para onde a senhora quer ir? — Pergunta olhando-me pelo
retrovisor do carro.
— Só me tira daqui, pelo amor de Deus. Rápido. — Digo olhando
para trás e vendo o César na porta de casa olhando em volta me procurando.
O motorista arranca com o carro e eu rezo para que o César não venha
atrás de nós.
— A senhora está bem? — Pergunta parecendo preocupado.
— Não, mas vou ficar. — Abraço a Duda apertado e digo baixinho no
ouvido dela: — Está tudo bem, filha. A mamãe está aqui.
— Preciso saber para onde a senhora quer ir. — Respiro fundo e
passo o endereço de onde sei que vou encontrar a única pessoa capaz de me
acalmar nesse momento.
Capítulo trinta
Guilherme
— Gui, espera. — A Júlia vem correndo atrás de mim, mas não paro.
Quando estou chegando à recepção escuto um falatório. Olho para
frente e meu mundo para.
— Amanda. — Corro na direção dela desviando dos alunos que estão
olhando sem entender o que está acontecendo.
Ela está com a Duda no colo e as duas estão chorando. A Duda se
agarra ao pescoço da mãe e chora ainda mais.
— O César. — É só o que ela consegue falar antes de recomeçar a
chorar.
Abraço as duas e olho em volta. Vejo a Sara me olhando espantada da
recepção e a Júlia parada próxima a mim.
— Sara, liga para a Clara e pede para ela vir para cá o mais rápido
possível. — Peço e ela acena com a cabeça em acordo pegando o telefone na
mesma hora. Viro-me para a Ju e digo: — Liga para o Felipe e diz que
preciso dele aqui, agora. — Olho em volta outra vez e falo: — Podem voltar
para as suas atividades. Não tem nada aqui para vocês.
Eles começam a sair da recepção e a Júlia se aproxima para tentar
pegar a Duda do colo da Amanda.
— Vem com a tia Ju, princesinha. — Chama e ela se agarra ainda
mais ao pescoço da mãe e não solta.
— Mamãe. Mamãe. — Começa a chamar e não aceita sair por mais
que a Ju tente.
— Deixa. Eu quero ficar com a minha filha. — Pede quase sem
conseguir falar.
— Vem. Vamos para a minha sala. Lá a gente conversa. — Passo
meu braço pela cintura dela e a guio para a minha sala.
Minha mente cria diversas opções para o que pode ter acontecido e eu
não gosto de nenhuma. Tinha certeza que ele ia aprontar e queria muito estar
enganado sobre isso.
Entramos na minha sala e caminho para o sofá com elas. Quando
estamos sentados, a Ju pega água para as duas.
— Toma. Bebe para se acalmar. Do jeito que você está nervosa, não
vai conseguir nem explicar o que aconteceu. — Fala para a Amanda enquanto
tenta fazer com que a Duda beba também.
Respiro fundo diversas vezes me controlando para não falar nada.
Quero saber o que aconteceu, mas entendo que ela precise de um tempo.
— Calma. Acabou. Não vou permitir que ele faça mais nada com
vocês. — Puxo-as para um abraço de lado e mantenho-as perto de mim.
Preciso desse contato e saber que elas estão bem.
— Respira e tenta se acalmar, ok? — A Ju diz abaixada na frente
delas. — Estamos com vocês. Seja o que for que aconteceu, acabou. Vocês
estão seguras. — Afirma fazendo um carinho nas costas da Duda. Elas vão
parando de chorar aos poucos e a Ju fala com a Duda: — Princesinha, olha
para a tia Ju. — Pede e a Duda olha para ela. — Vem um pouquinho com a
tia. A mamãe precisa descansar um pouco.
— Mamãe. — Chama e não solta do pescoço da Amanda.
— A gente vai ficar aqui pertinho da mamãe, ok? Vamos ficar ali na
mesa do tio Gui desenhando. Você vai ver a sua mamãe o tempo todo. —
Estica os braços para ela e a pega no colo. — Isso, meu amorzinho. —
Levanta-se com ela e caminha para a minha mesa onde começam a desenhar.
A Amanda solta a bolsa que estava pendurada no braço e coloca em
cima do sofá. Viro-me para ela e arregalo os meus olhos quando vejo o
estado que está a blusa dela. Como a Duda estava agarrada a ela eu ainda não
tinha visto que está sem alguns botões. Fecho os olhos e respiro fundo
diversas vezes para me acalmar. Ela se encolhe ainda mais no sofá tentando
se cobrir e eu me chuto mentalmente por isso.
— Como você está? Ele te machucou? — Pergunto passando as mãos
nos braços dela e vejo que os pulsos estão ficando com marcas. — Desculpa.
Eu não podia ter deixado vocês sozinhas. Não podia. — Puxo-a para um
abraço agora sem a Duda entre nós.
— Você não tem culpa, Guilherme. — Afasta-se de mim. — O César
está louco. Não sei o que aconteceu com ele. Parecia transtornado. Nem
mesmo nos piores dias chegou perto do estado que estava hoje. — Fala um
pouco mais calma.
— Você vai me contar o que ele fez? — Questiono, mas não sei se
quero saber de verdade. Talvez ficar na ignorância seja melhor para mim e
evite que eu faça uma besteira.
— Vou sim. Só queria esperar o Felipe chegar. — Faz uma pausa
tentando se acalmar. — Sei que vou precisar contar para ele também e prefiro
falar de uma vez só. Não quero ficar revivendo e sei que isso vai acontecer
quando falar sobre o que aconteceu.
— Tudo bem. Só promete que vai me deixar cuidar de vocês. —
Acena com a cabeça em acordo.
— Posso te pedir uma coisa? — Pergunta baixinho me olhando e eu
concordo acenando com a cabeça. — Você pode me abraçar? — Vejo que os
olhos dela estão cheios de lágrimas outra vez.
Seguro o rosto dela com as duas mãos para que olhe para mim e digo:
— Não precisa me pedir, Amanda. É o que eu mais quero. Quero que
você saiba que está segura aqui comigo e que eu sou capaz de tudo por vocês
duas. — Beijo os dois olhos dela e a ponta do nariz e a puxo para os meus
braços mais uma vez.
A Clara irrompe em minha sala com o rosto preocupado.
— O que aconteceu? Eu tinha acabado de sair de casa para vir para cá
quando a Sara me ligou. — Caminha para perto da gente e se abaixa na nossa
frente. — Foi ele? — Pergunta para ninguém em especial. Aceno com a
cabeça em acordo e falo:
— Agora não. Vamos deixar que ela se acalme. — Peço. — O Felipe
já deve estar chegando. — Faço uma pausa. — Pega a minha mochila, por
favor, Clara. — Peço.
Não quero soltar a Amanda nem sair de perto dela mesmo que por
alguns segundos que sejam. Ela me entrega e eu pego uma blusa minha e
entrego para que a Amanda coloque. A Ju me olha da mesa onde está com a
Duda e dá um sorriso forçado.
— Obrigada. Saí de casa correndo e não pensei em nada. Só queria
sair de lá o mais rápido possível. — Diz enquanto coloca.
Sinto vontade de sair a caça desse desgraçado onde quer que esteja e
acabar com ele de uma vez, porém, sei que ela precisa de mim aqui e é onde
eu vou ficar mesmo que esteja acabando comigo olhá-la do jeito que está e
não poder fazer nada para voltar atrás e evitar que aconteça o que quer que
tenha acontecido. Eu devia ter ido com elas. Não podia ter deixado as duas
sozinhas.
Alguém bate na porta e o Felipe entra em seguida.
— Estava quase chegando em casa quando a Ju me ligou. — Olha
para a Amanda e vira-se para mim outra vez. — O que aconteceu?
— Ainda não sabemos. — Respondo. — Elas chegaram aqui muito
nervosas e a Amanda preferiu te esperar para contar para todo mundo junto e
não precisar ficar repetindo.
Ele puxa uma cadeira e senta-se a nossa frente enquanto a Clara fica
ao lado da Amanda no sofá e a Ju continua distraindo a Duda.
— Sei que você quer esquecer o que aconteceu, mas preciso que me
conte tudo desde o início, ok? — Ela concorda e começa a falar.
— Eu ia arrumar a Duda para irmos para a casa da Clara quando
escutei um barulho e, quando vi, o César estava parado na entrada do
corredor me olhando.
— Ok. Você tinha trocado a fechadura. Como ele entrou? Arrombou a
porta? — Questiona.
— Não. Eu devo ter me esquecido de trancar quando cheguei. Estava
com as mãos cheias de sacolas e quase não consegui abrir.
— Tudo bem. Continua. — Pede.
— Ele começou a se aproximar de mim. Fui dando passos para trás
tentando fugir e acabei no meu quarto. Lembro-me que ele parecia estranho,
transtornado, muito mais agitado e agressivo que o normal. Dizia que não iria
embora antes de ter a nossa despedida. — Fala em um sussurro. — Colocava
a culpa do fim do nosso casamento na Duda, porque eu só dava atenção a ela.
Nós discutimos durante um tempo e eu consegui convencê-lo a deixar a Duda
sair do quarto. — Ela volta a chorar.
— Calma. Se você quiser, a gente para um pouco. — Digo segurando
a mão dela e dando um aperto leve.
— Não. Eu quero falar de uma vez. — Respira fundo e volta a falar.
— Ele tentou me agarrar e quando eu o empurrei, torceu o meu braço e me
imprensou na parede. Pedi para que me soltasse e ele me jogou na cama
deitando-se por cima de mim. — Limpa as lágrimas que descem pelo rosto e
eu preciso fazer um esforço enorme para não socar alguma coisa. — Foi
quando arrancou os botões da minha blusa. Tentei me cobrir, mas ele segurou
os meus pulsos. — Olha para baixo e volta chorar.
— Ju, tenta tirar a Duda daqui. — A Clara pede e a Amanda volta a
falar.
— Não. Eu não quero perdê-la de vista, por favor.
— Tudo bem. Ela não vai a lugar nenhum. — Garanto. A Ju faz sinal
com as mãos que a Duda não está ouvindo nada do que estamos falando.
— Como você conseguiu fugir? — O Felipe volta a questionar.
— Eu me lembrei da Ju contando sobre uma joelhada que ela deu em
um homem. — Olho para a minha irmã que nega com um aceno de cabeça.
— Aproveitei um momento que o César se distraiu e fiz o mesmo. Ele acabou
se afastando e eu corri do quarto, peguei a Duda e a minha bolsa e fugi para a
rua. Minha sorte é que tinha um táxi parado próximo ao portão e eu entrei
antes que ele me visse. Quando o motorista arrancou com o carro, olhei para
trás e ele estava no portão olhando em volta para me procurar.
— Agora eu preciso saber o que você quer fazer. Podemos, e eu acho
que é o melhor a se fazer, ir à delegacia prestar queixa. Eu aproveito e já
entro com o pedido de medida protetiva. Como a Duda estava junto, posso
incluí-la também. Quem resolve é você.
— E o que acontece se eu fizer isso?
Fico olhando para eles enquanto o Felipe explica para a Amanda
quais são os próximos passos a serem dados e o que pode ser feito, mas não
consigo prestar atenção em nada. Só consigo pensar que eu queria estar frente
a frente com esse filho da mãe e ensiná-lo como se trata uma mulher. A
minha mulher. Porque é assim que eu já a considero.
Volto a mim e escuto quando o Felipe fala para irem agora à
delegacia.
— Amanda. — Chamo e ela me olha. — Sei que você quer ficar com
a Duda, mas é melhor que ela fique lá em casa com a minha mãe e a Ju. Não
acho que seja uma boa ideia levá-la para a delegacia.
— Tudo bem. Você tem razão. — Concorda. — Não trouxe roupa
para ela. — Fecha os olhos e respira fundo. — A mochila de roupa que eu
tinha separado ficou em cima do sofá. Na hora não pensei em pegar.
— Não se preocupa com isso. Tem algumas roupas da Mel lá em
casa. Ela pode usar até a gente ver o que faz. — Respondo.
— Não se preocupa com nada disso, ok? Deixa que a Clarinha e eu
cuidamos dessa princesinha. — A Ju reforça o que eu disse.
— Obrigada por mais uma vez estarem me ajudando. Eu não sei o que
seria de nós duas se não fossem vocês.
— Não precisa pensar nisso. Você não corre mais esse risco. — Digo
e ela força um sorriso para mim.
— Vamos? — O Felipe chama e todos nos preparamos para sairmos
da sala.
Caminho para perto da Ju e peço:
— Coloca a Duda para dormir no meu quarto. Depois que resolver
tudo na delegacia eu vou levar a Amanda para casa também e elas dormem
lá.
— Elas podem ficar no meu quarto. — Diz.
— Não, Ju. Eu as quero no meu. Pode deixar que eu não vou dormir
lá.
— Não falei nada, irmãozinho. Por mim, não teria problema nenhum
se quisesse também. Só não acho que seja o momento depois de tudo o que
ela passou hoje. — Concordo com um aceno de cabeça.
— Explica para a nossa mãe o que aconteceu. Não quero fazer isso
pelo telefone.
— Pode deixar. Cuida da Amanda que eu cuido da nossa princesinha.
Dou um beijo nela e caminho para perto da Amanda. Ela abraça a
filha e fala alguma coisa no ouvido dela antes de soltar. Quando se levanta
vejo que está com os olhos cheios de lágrimas mais uma vez.
Abaixo-me para dar um beijo na Duda e ela me abraça sem que eu
espere por isso. Aperto ela em meus braços e agradeço ao fato de que mesmo
com tudo o que ela viu e ouviu hoje não me afastou.
Capítulo trinta e um
Guilherme
— Oi, minha filha. Como você está? — Minha mãe pergunta para a
Amanda assim que chegamos da delegacia enquanto dá um abraço nela.
— Vou ficar bem. — Sorri sem humor.
— Vai sim, filha. Você não está sozinha. Tem amigos que te amam e
sempre irão te apoiar. — Faz um carinho no rosto dela.
— Obrigada, Ana. Onde está a Duda? — Pergunta olhando em volta.
— Está dormindo. A Ju conseguiu convencê-la de tomar banho e
comer alguma coisa, só que, para dormir, foi mais difícil. Estava muito
agitada e perguntando por você, mas fiz um chá de camomila para ela e
acabou dormindo de cansaço. Vocês precisam fazer o mesmo. Vão tomar
banho enquanto eu preparo alguma coisa para comerem.
— Vem. Vou te mostrar onde a Duda está. — Digo e pego na mão
dela seguindo para o meu quarto onde encontramos a Duda dormindo com a
Ju sentada olhando-a.
— Vocês chegaram. — Fala baixo, abraça a Amanda e vira-se para
mim. — Encostei a cama para ela não cair.
— Não tem problema, Ju. Fica melhor assim. Vai descansar. — Digo.
— Obrigada, Júlia. — A Amanda agradece enquanto olha para a filha.
Vejo uma lágrima que escapou descendo pelo rosto dela.
A Ju dá outro abraço nela, aperta meu ombro quando passa por mim e
sai do quarto sem falar mais nada.
Pego uma toalha, uma blusa, uma cueca e um short meus para ela.
— Aqui. — Entrego. — Toma banho no meu banheiro. No armário
tem tudo o que você precisa.
— Obrigada, Guilherme. Estou mesmo precisando de um banho para
tirar toda essa sujeira de mim. — Faço um carinho nela que inclina o rosto na
direção da minha mão.
— Qualquer coisa chama, ok? Vou tomar banho no outro banheiro e
te espero para a gente comer.
— Estou sem fome. — Responde desanimada.
— Mas precisa comer, Amanda. Você tem que se cuidar. Pensa na
Duda. — Apelo. Ela força um sorriso.
— Pode deixar. — Diz e entra no banheiro.
Pego uma roupa e outra toalha para mim e vou para o banheiro do
corredor tomar banho. Quando estou debaixo do chuveiro penso no dia de
hoje.
Estava animado para passar a noite com os caras e nunca pensei que o
dia fosse terminar assim. Sei que eu falava que ele iria aprontar, mas não
pensei que fosse desse jeito.
Está difícil controlar a vontade que estou sentindo de ir atrás e acabar
com a raça dele. Só não fiz ainda por não querer sair de perto da Amanda e
temer que possa prejudicá-la de alguma maneira.
Não demoro muito, pois quero estar no quarto esperando quando ela
sair do banho. Seco-me, coloco a roupa e volto para perto da Duda. Fico
olhando para ela dormir e não entendo como o pai pode ter falado os
absurdos que falou.
Ela é uma criança tão doce, tão carinhosa que é impossível não se
apaixonar. Sento-me perto dela e acaricio os cabelos. Escuto quando a
Amanda sai do banho, mas não me viro de imediato.
— Ela é uma princesinha, sabia? Conseguiu me conquistar desde o
primeiro dia que eu a vi. — Sacudo a cabeça como se para organizar os
pensamentos. — Igual à mãe dela. — Levanto-me e caminho para perto dela,
porém preciso me controlar para não agarrá-la. Vê-la com a minha roupa
acaba com a minha sanidade. — Como você consegue ficar ainda mais linda
com essa roupa?
— Você me elogia tanto que vou acabar acreditando. — Responde e
me aproximo mais dela.
— Mas é a verdade. — Abaixa a cabeça tímida. — Vamos comer
alguma coisa. Você precisa descansar. — Mudo de assunto. Ela não precisa
que eu fique em cima dela depois de tudo o que passou hoje.
Pego na mão dela e a guio para a cozinha onde encontro minha mãe
com uma jarra de suco e alguns sanduíches naturais preparados para a gente.
— Não sabia de qual vocês iam querer, então fiz de frango e de peito
de peru.
— Está ótimo, mãe. Vai deitar que já está tarde. Pode deixar que eu
ajeito tudo aqui depois. — Concorda com um aceno de cabeça, dá um beijo
em cada um de nós e sai da cozinha.
Comemos em silêncio, mas não me incomodo. Não quero falar sobre
o que aconteceu e, só de estar com ela aqui na minha frente, vestindo a minha
roupa e com a Duda no meu quarto, já me sinto bem. Parece que elas
finalmente estão onde deveriam estar.
— Quando o motorista do táxi me perguntou para onde eu queria ir,
não conseguia pensar em outro lugar que não fosse a academia onde sabia
que ia te encontrar. — Fala sem me olhar. — Sabia que quando chegasse lá e
te encontrasse tudo estaria bem. Você me passa uma segurança e uma calma
que não sei explicar.
Coloco minha mão por cima da mesa e seguro a dela dando um aperto
suave.
— Sempre estarei aqui para vocês. Se eu pudesse, faria com que não
passassem por nada de ruim. Nenhuma decepção, nenhum perigo, medo,
nada. Queria ter o poder de voltar atrás e evitar que aquilo acontecesse, mas,
infelizmente, não tenho. A única coisa que posso fazer é te ajudar a superar.
É provar que quando digo que quero você e que vou te esperar, estou sendo
sincero. É te provar com atitudes que não me pareço em nada com ele.
— Às vezes eu acho que você é fruto da minha imaginação. Pouco
antes de te conhecer estava lendo um livro e pensei sobre os mocinhos. Eles
nos iludem com aquela perfeição toda e depois acabamos nos decepcionando
por não achar um igual. Eu achei. — Sorri e retribui o aperto na minha mão.
— Você apareceu como um anjo para me tirar da escuridão onde eu estava
entrando. Trouxe alegria quando eu só tinha tristeza. Trouxe paz no meio do
meu caos.
Sinto uma vontade insuportável de levantar e tomá-la nos meus
braços, porém não o faço. Não quero que ela se lembre do nosso primeiro
beijo e pense no que aconteceu no mesmo dia. Pode demorar, mas será
especial.
— Vamos dormir antes que eu jogue o meu bom senso para o inferno
e te beije aqui mesmo. — Digo sincero e levanto-me.
— Onde posso colocar a Duda? — Pergunta enquanto estamos indo
para o meu quarto.
— Em lugar nenhum. Ela vai dormir na minha cama com você.
— Não, Guilherme. A gente já deu trabalho demais. Isso não está
certo.
— Amanda, olha para mim. — Peço ficando de frente para ela e
segurando o rosto dela com as duas mãos. — Vocês vão dormir lá e não abro
mão disso. Está decidido. Eu te pedi para me deixar cuidar de vocês e é o que
estou fazendo. Não me importo de dormir na sala se sei que vocês estão bem
e seguras. — Ela tenta falar, mas não deixo. — Agora, você vai entrar no
banheiro, pegar uma escova nova no armário, escovar os dentes e se deitar
para descansar. Amanhã a gente conversa. Se precisar de mim durante a noite
é só me chamar, ok? — Acena com a cabeça em acordo sem dizer mais nada.
Dou um beijo na testa dela e viro-me para pegar um travesseiro e um
lençol para mim no armário. Saio do quarto, deixo tudo em cima do sofá e
vou ao banheiro escovar meus dentes e jogar uma água no rosto. Preciso me
acalmar para conseguir dormir ou essa noite será complicada com ela tão
perto de mim vestida com a minha roupa.
Deito-me no sofá, mas não consigo dormir. Viro de um lado para o
outro e nada. Não sei precisar quanto tempo fico assim até que escuto alguém
entrar na sala.
— Não está conseguindo dormir? — Minha mãe pergunta parada na
minha frente.
— Não. O dia hoje foi complicado demais e não consigo desligar. —
Respondo sentando-me para que ela sente também.
— Tem certeza que é só isso ou tem mais alguma coisa te tirando o
sono? — Passo as mãos no cabelo e solto um suspiro.
— O que não faltam são motivos para me tirar o sono.
— Então, fala. Desabafar sempre ajuda. — Acaricia o meu rosto.
— Sinto-me culpado pelo o que aconteceu. Se eu estivesse junto com
elas, não teria acontecido. — Desabafo.
— Você não tem como controlar tudo, meu filho. Não se culpe. O
verdadeiro culpado é ele e não você.
— Eu sei, mas não consigo deixar de pensar que poderia ter evitado.
— Ou piorado. Já pensou o que poderia acontecer se ele te
encontrasse lá?
— Não me importaria de entrar em uma briga se isso evitasse o que
aconteceu. — Digo firme.
— Mas aposto que a Amanda, sim. Você não sabe do que ele é capaz,
Gui. Se acontecesse alguma coisa com você ela ficaria se sentindo culpada
além de correr o risco de passar por tudo do mesmo jeito. — Jogo a cabeça
para trás no encosto do sofá e solto um suspiro. — Fala. — Olho para ela sem
entender. — Tem mais alguma coisa te incomodando. Será o fato de ela estar
tão perto e tão longe ao mesmo tempo?
— Eu quero demais essa mulher, mãe. Tanto que chega a me sufocar.
Ficar aqui sabendo que ela está tão perto e sem poder tocá-la não é nada fácil.
— Estou muito orgulhosa de você. Qualquer outro homem no seu
lugar não estaria ligando para o fato de ela ser casada. Pensaria na sua
vontade e pronto. Ela precisa disso, Gui. Não pressione.
— Não vou. — Digo. — Vai deitar, mãe. A senhora deve estar
cansada. Vou tentar dormir também.
— Vou sim, filho. Até amanhã. Dorme com Deus. — Beija o meu
rosto e levanta caminhando para o quarto dela em seguida.
Fico sentado por mais cinco minutos e resolvo olhar para ver como
elas estão. Levanto-me e sigo para o meu quarto. Caminho para perto da
cama e fico olhando as duas dormirem. Percebo que estão com o sono
agitado. Sento-me na poltrona que tem no canto do quarto e fico olhando-as.
Vejo quando a Duda levanta e começa a chorar. Corro para perto dela
e pego-a no colo. Ela se agarra a mim na mesma hora.
— Tio Gui, não deixa. — Pede. Vejo a Amanda nos olhando e
respondo enquanto ela caminha para perto de mim.
— O tio Gui está aqui, princesinha. Não vou deixar que façam nada
com vocês, ok? Está tudo bem. — Faço carinho nas costas dela enquanto falo
para tentar acalmá-la.
A Amanda pede para pegá-la, mas, quando afasto o corpinho dela do
meu, ela segura no meu pescoço e começa a chorar mais. Nego com um
aceno de cabeça e sento-me com ela no colo.
Fico assim por trinta minutos e toda vez que tento colocá-la na cama,
ela acorda chorando outra vez.
— Assim você não vai conseguir dormir. Deita com ela. — A
Amanda diz e eu acabo fazendo o que ela falou. Acabamos os três deitados
na minha cama com a Duda no meio de nós dois.
Parece que o sono finalmente chega e consigo dormir. Acordo
algumas vezes durante a noite com a Duda agarrada a mim. Passo o braço por
cima dela e abraço a Amanda também.
Capítulo trinta e dois
Amanda
Acordo, mas não abro os olhos. Fico pensando em tudo o que
aconteceu ontem e não consigo acreditar. Aquele homem que me atacou não
se parecia em nada com o César que eu conheci. Nunca pensei que ele fosse
capaz de fazer o que fez.
Queria que tudo não passasse de um sonho ruim, um pesadelo, porém,
sei que não é. Foi real e não tenho como fugir. As lembranças ainda estão em
minha mente e vão continuar por muito tempo. Isso se eu conseguir esquecer
algum dia.
Sinto um carinho no meu rosto e abro os olhos. Vejo o Guilherme
deitado me olhando com a Duda agarrada a ele.
— Desculpa. Eu te acordei? — Pergunta sorrindo para mim.
— Não. Já estava acordada. Só pensando um pouco. — Forço um
sorriso.
— Um doce pelos seus pensamentos. — Brinca.
— Acho melhor, não. Você não iria gostar. — Digo desanimada.
— Queria ter o poder de te fazer esquecer tudo o que aconteceu. —
Fala com um olhar triste. — O que você quer fazer hoje? — Muda de
assunto.
— Quero voltar para casa. — Percebo que ele quer falar alguma
coisa, mas não deixo. — Larguei a casa toda aberta e também preciso retomar
a minha vida. Quero ver se consigo conversar hoje com o João sobre o
contrato de aluguel.
— Eu vou também. — Fala em um tom que não deixa espaço para
negação. — Sei que não posso te proibir e nem quero fazer isso, mas você
acha que é uma boa ideia continuar lá depois do que aconteceu? Ele já entrou
lá uma vez.
— Ele só entrou porque deixei a porta destrancada. Fora que não
acredito que vá voltar a aparecer. O César não é burro. Sabe muito bem que
eu daria queixa.
Ele não fala nada por um tempo e fica só me olhando. Não sei o que
está pensando, só tenho certeza que não gostou da minha decisão, mas não
volto atrás. Aquela é a minha casa. É lá que vou ficar com a minha filha.
— Deixa a Duda aqui com a minha mãe e a Ju. Pelo menos até ter
certeza que está tudo bem e você conversar com o proprietário. Talvez seja
melhor colocar um alarme na casa também.
Não discordo, pois acho que ele tem razão e me sentirei mais segura
assim também.
— Vou acordá-la para poder dar café e sair, então. Não quero que ela
acorde e não me veja aqui.
— Não acha melhor que eu me levante primeiro? O que será que ela
vai pensar se me ver deitado aqui com vocês? — Sorrio para ele.
— Esta preocupação que você tem com ela só me encanta mais,
sabia?
Não me responde. Dá um beijo na cabeça dela, solta o bracinho que
está em volta do pescoço dele e levanta. Assim que se afasta da cama, a Duda
acorda.
— Mamãe. — Choraminga.
— Estou com aqui, meu amor. — Faço um carinho nela que se vira
para mim. — Vamos tomar café? — Acena com a cabeça em acordo.
— Cadê o tio Gui? — Pergunta manhosa.
— Estou aqui, princesinha. — Responde de perto da porta como se
tivesse acabado de entrar. — Vim saber quem quer comer bolo.
— Eu, tio Gui. Eu quero. — Levanta-se e corre para perto dele que a
pega no colo.
— Humm. Só se eu ganhar um beijo. — Ela se agarra no pescoço dele
e dá um beijo.
— Primeiro lavar o rosto, mocinha. — Levanto-me e caminho para
perto dos dois.
Estico o braço para pegar a Duda no colo e ele me dá um beijo
demorado no rosto.
— Bom dia. — Pisca para mim. — Vou esperar vocês na cozinha. Se
precisarem de alguma coisa é só falar. Quer trocar de roupa, tomar banho,
alguma coisa?
— Preciso de uma roupa para sair. — Solto um suspiro.
— Vou pedir a Ju para separar para você e pegar outra roupa para esta
princesinha também.
— Não acho que a roupa da Ju dará em mim. Ela é bem mais magra
do que eu. — Falo desanimada.
— Ela deve ter alguma coisa que sirva em você. Já volto. — Vira-se e
sai do quarto sem esperar por resposta.
— Gostou de dormir na casa da tia Ju e do tio Gui? — Pergunto para
distrair a Duda enquanto espero por ele.
— A vovó Ana me deu batatinha para comer. — Não me surpreendo
com jeito que ela chama a Ana. A Duda sempre quis ter avós, mas não
conheceu nenhum deles. Nem os pais do César e nem os meus.
— É mesmo? E você, comeu tudo? — Acena com a cabeça em
acordo.
— Aqui. — Diz me entregando um vestido para a Duda, uma calça
legging e uma blusa solta para mim. — A Ju pediu para te avisar que pegou
uma escova de dentes nova das que a minha mãe compra para a Mel para a
Duda usar e deixou no meu banheiro separada. A toalha dela também está lá.
É a de bichinhos que está pendurada.
— Obrigada, Gui. — Ele me olha sorrindo e eu percebo o que fiz.
Sempre o chamo pelo nome e acabei chamando-o pelo apelido sem nem
perceber.
— Já estava me perguntando até quando eu seria Guilherme para
você. — Pisca para mim. — Vou esperar vocês na cozinha. — Dá um beijo
na Duda, outro em mim e sai.
Arrumo a Duda e me arrumo antes de encontrar com ele, a Ana e a
Ju conversando sentados na cozinha. Tomamos café da manhã entre
brincadeiras. Percebo que eles fazem de tudo para distrair a Duda e a mim.
— Quer comer mais alguma coisa, princesinha? — A Ana questiona
quando a Duda acaba de comer o pedaço de bolo que coloquei para ela.
— Posso comer mais bolo, vovó? É booooom. — O Gui olha para ela,
sorri e fecha os olhos por alguns segundos.
— Claro, meu amor. — Vira-se para mim. — E você, Amanda, quer
mais alguma coisa?
— Não, Ana. Obrigada. — Faço uma pausa. — Na verdade, será que
você pode ficar com a Duda para mim um pouco? Preciso ir em casa e não
queria levá-la agora.
— Não precisa pedir, Amanda. Eu vou adorar ficar com essa
princesinha. A Clara está vindo para cá com a Mel. Aproveito para curtir as
minhas duas netas. — Aperta a minha mão de leve por cima da mesa e sorri
para mim.
— Vou aproveitar que só trabalho de tarde e me acabar de brincar
com as minhas sobrinhas. Não é todo dia que posso estragá-las assim. — A
Ju diz esfregando as mãos.
— Mãe, controla a Ju. Essa daí é pior que criança. — O Gui fala e a
Ju mostra a língua para ele.
Depois de quinze minutos, o Gui e eu saímos de casa. Casa. É assim
que me sinto quando estou com essa família. Em casa. Não é só o Gui que me
trata bem. A Duda e eu fomos bem recebidas por todos. Sinto o tempo todo o
carinho deles por nós e que fazem de tudo para nos sentirmos bem. Para
tentar fazer com que não nos lembremos do que aconteceu. Pena que não é
assim tão fácil.
Fecho os olhos e encosto a cabeça na janela do carro enquanto o Gui
dirige. Ele aperta a minha mão quando paramos em um sinal de trânsito
chamando a minha atenção.
— Será que a Duda vai ficar bem? Ela não está acostumada a ficar
com ninguém.
— Estou mais preocupado com a mãe dela neste momento. Você está
muito pensativa e algo me diz que não era sobre isso que estava pensando. —
Solto um suspiro.
— Estava pensando no que eu vou fazer da minha vida agora. Preciso
trabalhar. Estou apenas com a loja que a Clara me indicou e as declarações de
imposto de renda, que não duram o ano todo, mas, agora que já abri a minha
empresa, posso assumir a contabilidade da loja como os donos comentaram
que queriam fazer. Não posso esperar que o juiz decida nada e não quero
nada dele para mim. Quero ser capaz de sustentar minha filha e a mim
mesma.
— Semana que vem é a última do contador da academia e da escola.
Sei que não tocamos mais no assunto com tudo o que aconteceu, mas ainda
está de pé o que oferecemos. A Clara e eu queremos que você assuma a
contabilidade para a gente. Posso ver se algum amigo está precisando
também.
— Eu agradeço, Gui. Não posso ser orgulhosa agora e negar.
Cinco minutos depois estamos estacionando no portão da minha casa.
Descemos do carro e caminhamos juntos para entrar. Ele me para antes que
eu abra o portão e fala:
— Deixa que eu entro na frente, Amanda. A casa ficou aberta e a
gente não sabe o que vai encontrar. Alguém pode ter entrado ou ele ainda
estar aí. Fica aqui me esperando, por favor. — Pede e eu não nego, pois sei
que ele está certo. Dois minutos depois ele volta. — Não parece que entrou
ninguém e ele deve ter ido embora depois que você saiu com medo que a
polícia viesse.
— Sim. Estava com medo que tivessem entrado, mas, aqui sempre foi
tranquilo e não tinha como saberem que a porta não estava trancada já que
estava fechada quando nós chegamos. Ele deve ter fechado quando saiu. Vou
olhar se ele mexeu em alguma coisa. — Digo e entro na casa.
Olho em volta e não vejo nada fora do lugar. Entro no meu quarto,
vejo o armário aberto e sem o restante das coisas que ele ainda não tinha
levado. Volto para a sala e encontro o Gui parado perto do aparador da
entrada pegando um papel que eu não reparei quando entrei. Ele fica calado
lendo e vejo o rosto dele se transformar deixando visível a raiva que sente do
que está escrito.
— Ele te deixou um bilhete. — Diz visivelmente alterado esticando a
mão em minha direção.
— O que está escrito? — Pergunto com medo de ler.
Ele não me responde. Fica calado me olhando enquanto respira
pesadamente. Pego o papel e começo a ler.
“Achava mesmo que eu deixaria assim tão fácil para você? Não quis
se separar? Agora vai se virar sozinha. Pode procurar outro lugar para morar.
O contrato acabou e a casa já está alugada para outra pessoa. Você tem até
terça-feira para entregar as chaves. Não se preocupe, já peguei todas as
minhas coisas. Pode ficar com o resto para você.”
Não acredito no que leio. O César não pode ter feito isso comigo. As
lágrimas começam a descer livres pelo meu rosto.
— Amanda, calma. A gente vai resolver isso. Eu vou ligar para o
Felipe. Deve ter alguma coisa que possamos fazer. — Diz se aproximando de
mim.
— Meu Deus! O que mais ele vai fazer, Gui? Será que ainda não foi o
bastante? Como ele faz uma coisa dessas? Como ele espera que eu ache um
lugar para ficar em tão pouco tempo?
— Ei. Calma. Eu vou te ajudar. — Fala segurando o meu rosto com as
duas mãos e me fazendo olhar para ele.
— Você não está entendendo, Gui. Eu não sei o que fazer. — Admito.
— Vamos conversar com o Felipe. Tudo vai se resolver. Eu prometo.
— Diz e me puxa para um abraço que eu aceito.
Não suporto mais. Estou ficando sem forças. De uma hora para outra
parece que a minha vida desmoronou e eu não sei o que fazer para parar com
isso. Para reconstruir e recomeçar.
Capítulo trinta e três
Guilherme
Seguro-a em meus braços tentando acalmá-la, mas, na verdade,
preciso me acalmar também. Poucas vezes eu senti tanto ódio de alguém
como estou sentindo agora. Sendo sincero, foi uma única vez e pensei que
nunca mais sentiria nada parecido.
Dou um beijo na testa dela e me afasto mesmo sem vontade.
— Vou ligar para o Felipe e ver o que ele diz, ok? — Acena com a
cabeça em acordo sem dizer uma palavra. Pego o celular e disco o número
dele que atende no segundo toque. — Fala, Felipe. Está podendo falar?
— Estou sim, irmão. Aconteceu alguma coisa? — Percebe na minha
voz que tem alguma coisa de errado. Explico para ele o que aconteceu e ele
questiona: — Qual o endereço daí? — Passo para ele. — Daqui a cinco
minutos estou aí. — Diz e desliga.
— Ele está vindo para cá. Vamos esperar para ver qual a opinião dele.
— Falo e a puxo para os meus braços outra vez. — Acho melhor conversar
com o proprietário do imóvel também. Ele pode ter falado isso só para te
assustar. — Nem eu mesmo acredito nesta opção.
— Como pude ser tão burra? Como casei com um monstro e não
percebi nada durante esses anos? Olha o tipo de pessoa que eu escolhi para
ser pai da minha filha. O que eu fiz com a minha vida, Gui?
— Ei. A culpa não é sua, Amanda. Quantas vezes você disse que ele
não era assim? Você é a vítima, não se culpe por nada disso.
Ela não diz nada. Fica calada, mas percebo que ainda está chorando.
Deixo que coloque para fora. Sei que não está sendo nada fácil para ela tudo
o que vem acontecendo.
Escuto o barulho de um carro parando perto da casa, afasto-me dela,
olho pela janela e vejo o Felipe olhando em volta.
— É o Felipe? — A Amanda me pergunta caminhando para onde
estou. Concordo com um aceno de cabeça e abro a porta para ele entrar.
— Cadê o bilhete? — Pergunta assim que passa pela porta. Entrego a
ele que lê e diz: — Você disse que conhece o proprietário, certo? Vamos
conversar com ele e ver se isso é verdade antes de mais nada. Talvez o
contrato ainda não esteja assinado e possamos fazer algo a respeito. Outra
coisa, guarda esse bilhete. Pode nos ajudar se o seu ex quiser mesmo pedir a
guarda da Duda. Se isso for mesmo verdade, ele agiu de má fé tentando
deixá-las sem casa e ainda temos a queixa de agressão de ontem.
— Eu não quero aquele monstro perto da minha filha. Ele não pode
ganhar a guarda, nem mesmo a compartilhada. — A Amanda fala e a voz
dela transmite todo o medo que sente de isso acontecer.
— Não vai conseguir. Você não disse que a Duda está com medo
dele? Ela vai precisar passar por um psicólogo que vai observar isso. Fica
calma que vou me empenhar, dar o meu melhor para que isso não aconteça,
ok? Vamos nos preocupar com uma coisa de cada vez, tudo bem? Agora a
gente precisa ver sobre o contrato de aluguel. Vamos à casa do proprietário.
Ele chegava ontem, certo? — Concorda com um aceno de cabeça.
— Vai no seu carro ou quer ir no meu com a gente? — Questiono.
— Vou no meu mesmo. Assim, dependendo do que resolver lá, não
preciso voltar aqui para pegar.
Trancamos a casa e saímos. Cerca de dez minutos depois estamos na
casa do proprietário. Toco a campainha e um homem por volta de trinta anos
atende o portão.
— Amanda. — Fala animado demais para o meu gosto. — Quanto
tempo que não te vejo. Já tem o quê? Uns cinco anos?
— Oi, Carlos. Acho que sim. — Sorri para ele. — Não sabia que você
tinha voltado.
— Cheguei ontem à noite com o meu pai. Entra. Vamos conversar lá
dentro. E quem são esses? — Acena com a cabeça na direção do Felipe e de
mim.
— Prazer. Guilherme. — Digo firme e o cumprimento com um aperto
de mão mais forte do que o necessário. Fico encarando-o por alguns segundos
antes de soltar a mão dele. O Felipe o cumprimenta também, mas não faz a
mesma coisa.
— São meus amigos. O Felipe é meu advogado também. Seu pai está
em casa? — Muda de assunto.
— Está. — Sacode a cabeça. — Advogado? O que aconteceu? —
Fala dando passagem para que a gente entre pelo portão.
— Estou me separando do César. — Ele arregala os olhos e percebo
que se controla para não sorrir em seguida.
— Vejo que vocês têm muito assunto para colocar em dia, mas que tal
se a gente focar no que interessa agora? — Pergunto seco.
— Claro. Você está certo. — A Amanda diz séria sem olhar para trás
e eu levo um tapa na nuca do Felipe. — Chama o seu pai, por favor, Carlos.
— Pede para ele que concorda e entra em casa deixando a porta aberta para
que a gente faça o mesmo. Dois minutos depois volta acompanhado de um
senhor por volta de setenta anos.
— Amanda, minha filha. Que saudade que eu estava de você. Pedi ao
seu marido que te trouxesse aqui para me ver, mas ele sempre inventava
alguma desculpa.
— Ele não é mais meu marido, João. Eu vim aqui para conversar com
o senhor sobre o contrato de aluguel lá de casa.
— Como assim, minha filha? Não estou entendendo. Eu liguei para
avisar que o contrato estava acabando, mas ele demorou a aparecer. Quando
veio, trouxe junto um homem dizendo que ele queria alugar a casa. Perguntei
se vocês não iriam mais morar lá e ele disse que tinha comprado uma casa
para vocês e me pediu para não falar nada contigo que era surpresa.
— A surpresa foi sair de casa e deixar um recado que ela tem até
terça-feira para entregar a chave para o senhor. — Não me controlo e acabo
dizendo.
Percebo que foi realmente pego de surpresa pela fisionomia dele.
Senta-se no sofá da sala e indica o outro para que façamos o mesmo. O filho
senta ao lado dele e volta a falar.
— Isso é sério? — Pergunta olhando direto para a Amanda que
concorda com um aceno de cabeça. Vira-se para o pai. — Esse novo contrato
já está assinado, pai?
— Já sim, filho. Deixamos tudo certo antes de eu viajar para
encontrar com você. O César disse que o Maurício, que é o novo inquilino,
estava com pressa, pois tinha que entregar o apartamento em que morava até
o próximo final de semana.
— O senhor se incomoda se eu der uma olhada no contrato? — O
Felipe pede para ele que concorda e levanta para buscar. Volta em seguida e
entrega para ele. — Está tudo certo, Amanda. Não tem nada que possamos
fazer.
Ela abaixa a cabeça e sinto que está chorando. Abaixo-me na frente
dela e faço com que olhe para mim sem me importar que estejam nos
olhando.
— Ei. Lembra do que te falei. A gente vai dar um jeito. — Digo
baixinho de forma carinhosa.
— Que jeito, Gui? Não tem o que fazer. O contrato já está assinado e
eu não vou conseguir achar uma casa em tão pouco tempo.
— Amanda, eu não sabia de nada, minha filha. Nunca concordaria
com isso. Fico em uma situação complicada se voltar atrás com o contrato,
pois sei que o Maurício também está contando com isso já que vai entregar o
apartamento esta semana. Fora que já recebi dois meses de caução pelo
aluguel e não acho que ele sabia de nada disso, pois me pareceu boa pessoa.
Acredito que tenha sido enganado pelo César igual a mim. — Sinto
sinceridade nele quando fala.
Levanto-me da frente dela e fico dando voltas pela sala tentando
pensar em alguma solução até que me lembro de uma coisa que ainda não
tinha me passado pela cabeça. Como sou idiota. Por que não pensei nisso
antes? Pego o celular e saio para o quintal para fazer uma ligação.
— Só um minuto. — Aviso da porta. — Mãe. — Digo assim que ela
atende. — Não tenho como explicar muito bem agora. Estou com um pouco
de pressa. Aquele filho da mãe entregou a casa e a Amanda tem que entregar
as chaves até terça-feira, pois já está alugada para outra pessoa.
— Ela fica aqui. — Não espera que eu termine de explicar.
— Não adianta, mãe. Ela não vai aceitar. Pensei na casa de trás. A
senhora já alugou? Sei que tinha ido uma pessoa ver, mas não me lembro da
senhora falar mais nada.
— Ainda não, Gui. O casal estava procurando uma casa com o quintal
maior. Pode falar com ela, filho.
— Vou conversar com ela aqui e retorno para a senhora. A Ju e a
Clarinha ainda estão aí? Pede para elas darem uma olhada se precisa limpar,
por favor.
— Pode deixar, filho. Vou ver tudo aqui com as suas irmãs. —
Despeço-me e desligo seguindo para dentro da casa outra vez.
— Como esse homem alugou a casa sem ver? — Escuto a Amanda
perguntando ao João quando entro.
— Ele viu, minha filha. Eu estive lá com eles na semana passada
antes de assinar o contrato. Fora que o César já tinha mostrado fotos para ele.
— Pai, a Amanda pode ficar aqui com a gente por um tempo. A casa é
grande só para nós dois.
— Não será preciso. — Respondo antes mesmo que ela fale alguma
coisa. Sinto que está me olhando, mas não desvio o olhar do homem a minha
frente que me encara de volta. — Acabei de conseguir uma casa para ela
alugar.
— Como assim, Gui? De que casa você está falando? Como você
conseguiu isso com um telefonema? — Questiona sem entender e viro-me
para ela para explicar.
— Minha mãe tem uma casa atrás da nossa com uma entrada
individual. É um pouco menor do que a que vocês moravam, mas não muito e
está vazia. O casal que foi olhar não quis alugar.
— Você está falando sério? — Levanta-se em um pulo do sofá toda
animada.
— Eu não brincaria com esse assunto, Amanda. Posso pedir para a Ju
mandar fotos para você agora mesmo se quiser. Se gostar da casa, a gente
aproveita o final de semana par fazer a mudança de uma vez. Assim, antes de
terça-feira, a casa já estaria vazia.
— Você não existe, sabia? — Abraça-me e eu retribuo.
Aperto ela em meus braços aproveitando esse contato. Não me passa
despercebido o olhar do Carlos para mim. Se pensa que vou desistir assim tão
fácil só porque ele apareceu, está muito enganado. Eu quero a Amanda para
mim e não abro mão. Vou lutar com todas as minhas armas para conseguir o
que quero.
— Vocês vão precisar de ajuda, certo? — O Felipe pergunta notando
o meu olhar para o Carlos. — Posso levar algumas coisas aproveitando que
estou com a picape aqui e não tenho nada para fazer hoje.
— Mas eu ainda nem comecei a embalar as coisas e preciso de caixas
para isso. Não acho que daria tempo.
— Claro que dá. A gente passa no mercado agora e compra uns sacos
para roupa e algumas outras coisas. Podemos conseguir algumas caixas por lá
mesmo. Fora que eu conheço uma pessoa que trabalha com mudança e posso
pedir para ajudar. Sei que ele sempre tem caixas para esses casos e, ao invés
de ficar levando as coisas aos poucos na picape do Felipe e na minha, vai de
uma vez só no caminhão dele. Você quer conhecer a casa ou pode ser por
fotos? Eu peço a Ju para tirar agora. — Digo para ela.
— Eu confio em você, mas confesso que estou curiosa para saber
como é. Pede para ela mandar algumas fotos, por favor.
— Algumas? Até parece que você não conhece a Ju. Ela vai encher
meu telefone com milhares de fotos de todos os ângulos. — Ela sorri para
mim.
Mando mensagem para a Ju que me responde na hora que está na casa
limpando com a Clara e já vai tirar para me mandar.
— Eu também posso ajudar. — O Carlos diz chamando a atenção da
Amanda para ele. — Não tenho nada para fazer hoje. Assim já fico sabendo o
seu novo endereço. — Sorri para ela e eu tenho vontade de partir a cara dele
ao meio.
— Não consigo mais ajudar com o peso, mas posso fazer o almoço
para vocês enquanto trabalham e levar lá. Assim não precisam se preocupar
com isso. — O João se oferece.
— Não quero dar mais trabalho do que já estou dando para vocês. Eu
faço o almoço.
— Nada disso, Amanda. Aproveita para matar a saudade da comida
do meu pai. Você sempre dizia quando vinha almoçar comigo depois da
escola que adorava a comida dele. — Percebo que ele está tentando me
provocar demonstrando que a conhece há mais tempo.
— Nem fala, Carlos. Só de lembrar já me dá fome. — Respiro fundo
para me controlar e escuto o meu celular apitando.
— A Ju está mandando as fotos. Falei que seriam várias. — Digo para
a Amanda e entrego o meu telefone para que ela veja.
— Está ótima, Gui. — Diz sorrindo. — Só preciso ver sobre o aluguel
com a sua mãe.
— Se quiser ligo para ela agora e vocês conversam, mas não vejo
necessidade. Tenho certeza que chegarão a um acordo que fique bom para as
duas.
— Você tirou um peso enorme das minhas costas. Muito obrigada. —
Agradece.
— Se eu tivesse o poder de tirar todos, faria sem pensar duas vezes.
— Faço um carinho no rosto dela que sorri para mim.
— Vai precisar de jornal para embalar os objetos de vidro, Amanda.
Meu pai tem muito aqui. A gente pode levar.
— Vamos logo, então. Ou não conseguiremos fazer nada hoje. — O
Felipe diz para amenizar o clima que ficou com essa interrupção dele.
— Melhor ir direto ao mercado. — Opino. — Aí já compramos logo
os sacos e pegamos algumas caixas para adiantar. Vou ligar para o Anderson
e falar com ele de uma vez também. Quem sabe ele não está aqui por perto e
nos entrega logo as caixas?
Capítulo trinta e quatro
Amanda
O Gui liga para o conhecido dele que combina de levar as caixas na
minha casa daqui à uma hora. Ele disse que não poderia ficar para ajudar,
pois tinha serviço, mas que voltava à tarde para buscar a mudança.
Combinamos de encontrar com o Felipe e o Carlos daqui a quarenta
minutos para começarmos a empacotar as coisas e seguimos para o mercado.
Sinto o Gui tenso e resolvo perguntar o que está fazendo com que ele fique
assim.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele desvia a atenção do trânsito por
um segundo e me olha.
— Não. Por que você está perguntando isso? — Questiona virando-se
para frente outra vez.
— Porque estou te sentindo tenso desde que chegamos à casa do João.
— Impressão sua. Só estava preocupado com tudo isso. — Diz, mas
sinto que não foi sincero. — Será que a Duda vai gostar de se mudar lá para
perto de casa? — Desconversa, o que me dá mais certeza que tem alguma
coisa acontecendo.
— A Duda é apaixonada por vocês. Claro que ela vai gostar. O difícil
será segurá-la em casa com a sua mãe a mimando como faz.
— Só a Duda? — Pergunta e não entendo o que quis dizer.
— Como assim? Só a Duda o quê? — Sorri para mim antes de
responder.
— Nada não. Deixa para lá. — Estaciona e desce do carro sem falar
mais nada.
Compramos tudo o que precisamos, conseguimos algumas caixas e
seguimos para casa. Chegamos antes do Felipe e do Carlos e começamos a
empacotar as roupas para esvaziar os armários e poder desmontar. Ele fica no
quarto da Duda e eu no meu.
Cerca de vinte minutos depois o Carlos chega com os jornais e se
oferece para começar a empacotar os objetos da cozinha. Cinco minutos mais
tarde o Felipe chega.
— Quem diria que um advogado iria trabalhar com mudança. —
Brinco com ele. — Obrigada, Felipe. Desculpa todo esse trabalho.
— Não precisa agradecer, Amanda. Sei o que você representa para
aquele cara ali e tenho certeza que ele faria o mesmo no meu lugar. — Fala
apontando para o Gui que caminha para perto da gente.
— Não acredita em nada que esse cara falar de mim. É tudo mentira,
Amanda. — Diz e me abraça pela cintura.
— Estava falando bem de você, palhaço. Já que é assim, acho que
posso começar a contar os podres. — Sinto o tom de camaradagem deles.
— Vamos trabalhar, Felipe. Para de enrolar. — Fala e volta para o
quarto da Duda. — Começa a empacotar as coisas da sala. — Grita antes de
entrar.
— Ele está certo. Vamos trabalhar que ainda temos muita coisa pela
frente. — Pisca para mim e começa a montar algumas caixas para guardar os
objetos.
Volto para o meu quarto e recomeço a empacotar tudo. Cerca de uma
hora depois só falta desmontar os armários e a cama. Na hora em que vou sair
do quarto o Gui aparece na porta. Ele olha em volta sério e não diz nada. Não
sei o que está passando pela cabeça dele, mas sinto que, seja o que for, o
incomoda muito. Respira fundo antes de falar:
— O quarto da Duda já acabou. Tem que desmontar a cama dela, mas
o armário acredito que não precise. Ele não é muito grande e passa nas
portas. Assim fica menos um móvel para desmontar e montar.
— Aqui só falta desmontar os móveis também. Já empacotei tudo.
Vou ver como eles estão lá na sala e na cozinha. Acredito que o Carlos é que
tenha mais serviço.
— Pode deixar que eu ajudo. Dá uma olhada pelo resto da casa.
— Não, Gui. Deixa que eu ajudo o Carlos. Você podia desmontar o
armário e a cama para mim. Se o Felipe tiver acabado na sala eu peço para
ele te ajudar.
— Não precisa. — Diz sério. — Só preciso que você me diga onde
ficam as ferramentas. — Fico parada olhando para ele.
— Você vai me contar? — Olha para mim como se não tivesse
entendido o que eu falei. — O que está te deixando assim. — Explico. — Sei
que não me contou a verdade no carro, mas não vou insistir. Só queria que
confiasse em mim como eu confio em você.
— Eu confio, Amanda. — Solta um suspiro. — Não é nada que você
deva se preocupar. Só coisa da minha cabeça mesmo. Daqui a pouco passa.
— Faz um carinho no meu rosto.
— Não gosto de te ver assim. Sinto falta do seu sorriso. — Contorno
os lábios dele com o dedo e ele fecha os olhos por alguns segundos.
— Não faz isso. Eu não sou de ferro. Já é difícil o suficiente me
controlar sem você fazer essas coisas.
— Amanda, onde posso colocar os mantimentos que estão no
armário? — O Carlos para na porta perguntando e eu vejo o Gui respirar
fundo.
— Pode colocar nos sacos menores ou nas caixas mesmo. —
Respondo.
— As ferramentas, Amanda. Você ia me dizer onde estão.
— Claro, Gui. Vem que eu te mostro. — Passo pela porta desviando
do Carlos que ainda não saiu e o Gui me segue.
Mostro o armário na área onde guardo as ferramentas e ele pega as
que vai precisar. Na hora em que vou ajudar o Carlos na cozinha o João
chega com o almoço.
Pego os pratos, talheres e copos que ainda não estão empacotados e
arrumo na mesa da sala para podermos comer.
— Gui, Felipe, Carlos, parem um pouco para almoçar. Depois a gente
termina. A comida vai esfriar. — Digo e eles aparecem perto de mim em
seguida.
— O cheiro está ótimo. — O Felipe fala sentando-se a mesa.
— O João cozinha divinamente. — Elogio.
— A Amanda sempre gostou da comida do meu pai. Vivia inventando
desculpas para ir lá depois da escola e almoçar com a gente.
— Agora eu preciso me controlar por causa da comida da Ana. Ela
também cozinha muito bem. A disputa entre os dois é séria. — Digo
brincando.
— Quem é Ana? — O Carlos pergunta, mas não tenho tempo de
responder.
— Minha mãe. Ela sempre gostou de cozinhar. Dizia que se não
gostasse tanto de dar aulas abriria um restaurante. — Sinto o orgulho que ele
sente da mãe quando fala.
— Onde está a sua filha, Amanda?
— Está com a Ana. Ela e a Ju, irmã do Gui, estão com a Duda desde
ontem. Hoje de manhã eu preferi deixá-la por não saber como iria encontrar a
casa.
— Como assim? Aconteceu mais alguma coisa? — O Carlos pergunta
e eu abaixo a cabeça.
O Gui, que está sentado ao meu lado, aperta a minha mão e responde
por mim.
— O César entrou ontem aqui e tentou violentá-la. Ela conseguiu
escapar e fugiu para a minha academia com a Duda, mas a casa ficou aberta
durante a noite e nós não sabíamos se alguém teria entrado ou se ele mesmo
teria feito alguma coisa.
— Filho da mãe. Você está bem, Amanda? — O Carlos pergunta
preocupado. — Ele te machucou? Você já prestou queixa?
— Estou bem. Vou ficar, na verdade. O Gui e o Felipe foram ontem
mesmo à delegacia comigo prestar queixa contra ele. — Sinto o Gui apertar a
minha mão outra vez, mas não solta em momento nenhum, como se soubesse
que preciso deste contato.
— Acho melhor mudarmos de assunto. — O João fala. — Não
precisamos fazer com que ela relembre isso. — Todos concordam. — De
onde vocês se conhecem?
— Da academia dele. Depois ele me indicou a escola da irmã para a
Duda. Ela estava na época de entrar na escola e eu ainda não tinha colocado.
— Faz pouco tempo, então. — O Carlos comenta e vejo o Gui o
encarando antes de responder.
— Esse lance de tempo não quer dizer muita coisa. Às vezes você
acha que conhece uma pessoa, mas, na verdade, não sabe nada dela. — Sei
que ele está falando do César. — Pode ter pouco tempo que nos conhecemos,
só que essas duas me conquistaram logo de cara. A minha família e a mim
também. — Sorri para mim e eu retribuo.
— Vocês dois estão... — Não deixo o Carlos terminar de perguntar.
— Não. Eu pedi a separação ao César, mas não foi por estar com
outra pessoa. Pelo contrário, ele que tem uma amante. O Gui é um amigo
muito especial para mim. — Digo e é a minha vez de apertar a mão dele.
Sinto que ele fica sério, mas não entendo. O que ele esperava que eu
dissesse?
— Guilherme, vamos terminar de desmontar os móveis do quarto da
Amanda? — O Felipe chama, ele acena com a cabeça em acordo e levanta
sem dar uma palavra.
— Este rapaz gosta de você, minha filha. — O João fala baixo assim
que eles se afastam, porém não nego. — Ele me parece um bom rapaz.
— Mais do que isso. O Gui é um anjo que apareceu na minha vida
para me ajudar a superar tudo isso que eu estou passando. Não sei o que seria
de mim e da Duda sem o apoio dele. O senhor precisa ver como ele trata a
minha filha. Como a família dele trata a nós duas.
— Fico feliz por você. Seus pais iriam aprová-lo. — Diz emocionado.
— Tenho certeza disso. — Concordo forçando um sorriso. Falar dos
meus pais sempre mexe comigo e, hoje, depois de tudo o que tenho passado,
isso se intensifica.
O Carlos não dá uma palavra durante o restante do almoço. Assim que
acabo de retirar a mesa o João volta para casa e nós dois voltamos a
empacotar os utensílios da cozinha com ele ainda em silêncio durante um
bom tempo.
Terminamos de empacotar tudo e, no final da tarde, o Anderson,
conhecido do Gui, chega para levar a mudança.
Estou começando uma nova fase na minha vida. Espero que esta
mudança seja para melhor. Chega de problemas. Preciso de um pouco de paz.
Capítulo trinta e cinco
Guilherme
Passar o dia na casa em que a Amanda viveu com outro homem,
cercado pelas lembranças deles e ainda aturando o Carlos o tempo todo me
provocando querendo demonstrar que a conhece há mais tempo está me
deixando no meu limite.
Olhar para o quarto em que ela dormia com o ex e me lembrar do que
ele tentou fazer com ela ontem, faz com que se torne praticamente impossível
me controlar.
— Acho melhor você falar com a Clara e parar de dar aula. Não está
te fazendo bem, Guilherme. — O Felipe fala assim que entramos no quarto
da Amanda para terminar de desmontar os móveis.
— Do que você está falando, Felipe? Não estou com paciência para
suas gracinhas hoje. — Aviso.
— Você está agindo igual às crianças que dá aula. Fazendo pirraça
quando não tem o que quer. — Solto um suspiro.
— Esse babaca fica o tempo todo me provocando, cara. Você quer
que eu faça o que?
— Sim. Ele está te provocando. E você está caindo igual um patinho.
A Amanda não está nem aí para ele, cara. Qualquer um pode ver a diferença
do olhar dela para vocês dois. Ela vê o cara como um irmão. Para de agir
igual um adolescente, caramba.
— E me vê como um amigo muito especial. Não ouviu quando ela
falou? — Questiono perdendo o resto da minha paciência.
— Queria que ela respondesse o quê? Que está caidinha por você
mesmo tendo acabado de se separar? A mulher já falou que precisa de um
tempo, Guilherme. Controla esse seu ciúme antes que você faça alguma
besteira, cara. Vai por mim. — Penso no que ele falou.
— Você está certo, cara. — Solto um suspiro. — Mas não está fácil
me controlar. Ter que me segurar perto dela está exigindo muito da minha
força de vontade e ainda vem esse babaca para atrapalhar mais ainda.
— Ele só vai atrapalhar se você deixar, Guilherme. Você precisa se
segurar. Ela acabou de sair de um relacionamento de merda. Não deixe que
pense que vai entrar em outro com essas suas atitudes.
Passo as mãos pelo cabelo e ando de um lado para o outro respirando
fundo. O Felipe está certo. Preciso me controlar ou posso colocar tudo a
perder.
Acabo de desmontar os móveis e carrego o caminhão do Anderson
com ele, o Felipe e o Carlos. Seguimos para a minha casa com o caminhão
atrás do meu carro onde estou indo com a Amanda.
— Você parece mais animada. — Digo olhando para ela quando
paramos em um sinal de trânsito.
— Estou começando uma nova fase na minha vida. Preciso me
animar. Não quero viver cabisbaixa para sempre. Tenho que reagir pela Duda
e por mim.
— Isso ai. É assim que se fala. Sabe que pode contar comigo nessa
nova fase, não sabe? — Acena com a cabeça em acordo sorrindo. Viro-me
para frente e volto a prestar atenção no trânsito.
Estaciono no portão de casa e minha mãe logo vem nos receber com
um sorriso enorme no rosto.
— Vem, minha filha. Quero mostrar a casa para você. A Ju disse que
tinha que trabalhar, mas que mais tarde te ajudava a organizar tudo. A Duda e
a Mel estão brincando e a Clarinha está lá olhando as duas. Não sabia se você
ia querer mostrar a casa de uma vez para ela ou só quando estiver pronta.
— Acho melhor depois de organizar pelo menos uma parte ou não
consigo arrumar nada com ela lá. Tenho certeza que vai ficar tão empolgada
que não vai querer sair.
— Foi o que pensei. Vem. Vamos entrar por aqui. Tem um portão no
final do meu quintal, mas fica trancado. Só será usado se você quiser, ok? —
Diz abrindo o portão e dando passagem para a Amanda.
— Não tem problema. Só tenho que segurar a Duda ou não vai sair da
sua casa. — Responde sorrindo.
— Aposto que ela não vai gostar, sabe Amanda? — Implico.
— Não vou mesmo, não. Vou amar mimar a minha princesinha. —
Sorri para nós e abre a porta da casa. — Pode entrar, filha.
Fico parado do lado de fora com a minha mãe esperando que olhe
tudo. Depois de uns cinco minutos ela volta com um sorriso enorme no rosto.
— Está ótima, Ana. O Gui disse que é menor, mas nem parece tanto
assim. É perfeita para a Duda e para mim.
— Que bom que gostou. Agora vamos trabalhar. — Falo e caminho
para o caminhão para descarregar.
Depois de descarregar tudo, começamos a montar os móveis para
poder organizar a casa. A Clara se oferece para desempacotar as caixas da
cozinha e lavar a louça para adiantar.
Fico no quarto da Amanda com o Felipe e ela no da Duda com o
Carlos, o que faz com que eu tenha que me controlar para não surtar. Sei que
o Felipe até tem razão, mas não queria os dois sozinhos, porém, quando ele se
ofereceu, não pude falar nada.
— Melhora essa cara, Guilherme. Se as meninas aparecerem aqui vão
se assustar. — O Felipe diz quando já estamos quase terminando.
— Não enche, Felipe. Tirou o dia para me irritar, foi?
— Sabe, outro dia fui a um bar temático onde cada noite toca um
estilo musical diferente, estava tocando umas músicas dos anos oitenta e
escutei uma que me lembra você. — Não comento nada. Sei que ele quer me
perturbar. — Não quer saber qual foi?
— Não. Quero que você me deixe em paz. — Respondo irritado.
— É uma do Ultraje a Rigor, conhece? “Mas eu me mordo de
ciúmes.” — Canta um trecho. Pego um sapato na caixa ao meu lado e jogo
nele que desvia e começa a rir.
— Vai ver se eu estou ali na esquina, Felipe. — Saio do quarto.
Preciso respirar um pouco antes que eu enforque o meu amigo.
Quando vou passar na porta do quarto que a Amanda está com o
Carlos escuto os dois conversando e paro para escutar sem que eles me
vejam.
— Eu sempre gostei de você, sabia? Desde a nossa infância. — Tenho
que me controlar para não entrar e socar a cara dele. Depois o Felipe diz que
não tenho motivo para ter ciúmes.
— Eu também gosto de você, Carlos. Sempre me lembro das
bagunças que a gente aprontava um na casa do outro.
— Você não entendeu, Amanda. Eu gostava de você, mas não como
amigo. Só que, quando resolvi me abrir, quando decidi falar sobre isso, você
me apresentou o César e percebi que o meu tempo tinha acabado.
— Eu não sabia de nada. Por que você nunca me falou?
— Tinha medo que você não quisesse nada comigo e se afastasse de
mim. Acabou que quem se afastou fui eu.
— Por que você fez isso? Eu sentia a sua falta. — Diz com uma voz
melancólica e eu respiro fundo.
— O César me procurou. Disse para eu me afastar e que você se
sentia mal de falar, mas não queria mais andar comigo.
— Eu nunca falei nada disso, Carlos. Aquele idiota mentiu para você.
— Fala irritada.
— Pode até ser, mas eu via que você passava cada vez mais tempo
com ele e sentia que atrapalhava quando saia com vocês. Não conseguia ficar
perto vendo os dois se beijando. Acabei me afastando por mim mesmo.
Depois veio a mudança de cidade e eu aproveitei.
— Eu nunca imaginei nada disso. Você tinha que ter falado comigo.
Nós éramos amigos.
— Não iria adiantar, Amanda. Aí, hoje, quando você apareceu lá em
casa falando que estava se separando dele, eu pensei que teria uma chance e
que finalmente ia poder me abrir com você já que ainda não te esqueci.
— Carlos, eu não... — Não escuto mais nada. Viro-me e caminho
para o quintal.
Fico andando de um lado para o outro tentando me acalmar. Passo
tantas vezes as mãos nos cabelos que eles devem estar uma bagunça.
Bagunça igual estou me sentindo agora.
Cinco minutos depois a Clara e o Felipe passam pela porta e
caminham para perto de mim.
— O que aconteceu, Gui? Que cara é essa, irmão?
— Felipe, sério. Só me deixa em paz, por favor. Não estou com
cabeça para suas brincadeiras agora.
— O que está acontecendo aqui? — A Clara pergunta de braços
cruzados.
— Nada, Clarinha. Só acho que esses dois precisam se entender logo
ou o seu irmão vai ter um treco. Vem. Vamos lá na tia Ana comer alguma
coisa. Deixa esse ciumento aí que ele está precisando se acalmar.
Sai puxando a Clara pelo braço e eu ainda escuto quando ela pergunta
para ele o que está acontecendo.
— Achei. — Escuto a voz da Amanda atrás de mim. — Estava te
procurando. — Viro-me para ela e forço um sorriso. — O Carlos está indo
embora. Ele se ofereceu para me pegar aqui amanhã para ir lá em casa e ver
se ficou alguma coisa.
— Não vejo necessidade. Ele mora lá perto. Para que vai vir até aqui
te pegar e voltar para lá? Não seria mais fácil ele levar a chave? Se tivesse
alguma coisa ele traria, caso contrário a chave já fica com ele. — Opino
tentando evitar que eles ficam mais tempo juntos. — Mas se você fizer
questão de ir, eu posso te levar. — Tento soar o mais natural possível. Ela
fica me olhando durante alguns segundos antes de responder.
— O Gui está certo, Carlos. Não faz sentido você vir me buscar.
Leva a chave. Se não tiver mais nada, entrega ao seu pai, por favor.
— Claro. — Olha para mim quando fala e fica me encarando. —
Como você preferir, Amanda. Mas não é trabalho nenhum te ajudar. Pelo
menos colocamos o papo em dia. — Sorri para ela.
— Não vão faltar oportunidades. Agora a gente não vai mais perder o
contato. — Dá um abraço nele que continua me encarando.
Assim que ela se afasta dele, puxo-a para perto de mim e passo o
braço pela cintura dela. Ele olha para minha mão e é a minha vez de sorrir.
— Tchau. Depois a gente se fala. — Despede-se e caminha pelo
corredor para o portão.
— Você vem comigo. — Diz séria assim que ele se distancia da
gente. — Agora. — Puxa-me para a sala e me empurra no sofá fazendo com
que eu caia sentado. — Chega, Gui. Não aguento mais. Pode falando o que
está acontecendo. — Cruza os braços na altura dos seios o que os deixa ainda
mais realçados. Desvio o olhar e respiro fundo antes de responder.
— Já falei, Amanda. Nada que você precise se preocupar. Só coisa da
minha cabeça. — Insisto tentando que ela desista de querer saber.
— Não aceito isso como resposta. Pode falando a verdade. Você está
estranho desde que chegamos à casa do Carlos e toda vez que ele está perto o
seu humor fica péssimo. Você o conhece de algum lugar? Já tiveram algum
desentendimento? — Nego com um aceno de cabeça. — Fala, Gui. Eu não
vou desistir até você me falar o que está acontecendo. Você não é assim. —
Diz com um tom de tristeza na voz e eu me chuto mentalmente.
— Deixa para lá, Amanda. É bobeira minha. Esquece isso. — Olha-
me de um jeito que deixa claro que não vai desistir. Respiro fundo antes de
falar: — Não gostei dele te cercando o tempo todo e fazendo questão de dizer
que vocês se conhecem desde crianças. — Conto uma parte da verdade. —
Satisfeita?
— Não. Ele é meu amigo, Gui. Sempre foi. Nós crescemos um na
casa do outro. Nossos pais eram amigos e vivíamos grudados. Mesmo depois
de um tempo sem nos falarmos, o que sinto por ele não mudou.
— E nem o que ele sente por você, não é? — Digo com deboche.
Passo as mãos nos cabelos e jogo a cabeça para trás no encosto do sofá.
— Do que você está falando? — Olha-me como se não entendesse.
— Eu ouvi quando ele disse que sempre gostou de você, Amanda.
Quando ele disse que só se afastou por causa do César e que agora que você
estava se separando pensou que podia ter a chance dele.
— Não sabia que você tinha o costume de escutar a conversa dos
outros. Não é a primeira vez que faz isso, não é mesmo? Afinal de contas, foi
assim que descobriu sobre a Clara ter falado de você comigo. — Não
respondo. Sei que ela está tentando mudar o foco da conversa. — Foi só isso
ou escutou mais alguma coisa?
— Precisava escutar mais alguma coisa? Acha que isso não foi
suficiente? — Tento em vão me controlar.
— Já que vai escutar, então que fique até o final. O mais importante
você não escutou, seu burro. — Fala deixando claro o quanto está irritada. —
Não escutou quando ele falou sobre o que todo mundo enxerga menos você.
— Levanto-me do sofá e ela tenta me empurrar. Seguro os pulsos dela e
pergunto:
— Do que você está falando, Amanda?
— Que você é cego. Se você tivesse escutado até o final saberia que
ele disse que percebeu que não teria chance comigo e que mais uma vez
chegou tarde. — Olho para ela sem entender aonde quer chegar. — Saberia
que até ele, em um único dia, já percebeu que eu só tenho olhos para você e
que...
Não deixo que fale mais nada. Passo um braço pela cintura dela e a
puxo para mim, segurando-a pela nuca e beijando aqueles lábios do jeito que
eu tanto sonhei em fazer. E descubro que o sonho não chega nem perto da
realidade.
Capítulo trinta e seis
Amanda
Demorei um pouco para entender o que estava fazendo com que o Gui
agisse completamente diferente da maneira que costuma. Eu nunca consegui
enxergar o Carlos dessa maneira e não pensei que pudesse ser isso.
Ciúme. O mais puro ciúme. Tanto que fez com que ele ficasse cego e
não enxergasse um palmo diante do próprio nariz. Já não é de hoje que eu
não consigo disfarçar o que sinto por ele.
Entendo que o fato de ter escutado a minha conversa com o Carlos
não ajudou muito já que ele não escutou até o final. Não escutou o Carlos
dizendo que percebeu que chegou tarde e nem quando eu admiti para ele estar
completamente apaixonada pelo Gui.
Sinto vontade de bater nele para que entenda de uma vez por todas
que eu não quero mais ninguém. Quando ele me puxa para um beijo, perco o
resto do meu controle. Não consigo me afastar, muito menos não retribuir.
Quero esse beijo tanto quanto ele e não posso mais negar.
Que se dane que ainda não me separei no papel. Que se dane que
legalmente ainda sou casada com o César. Não vou mais me afastar, não vou
mais lutar contra a minha vontade quando a única coisa que eu quero é ficar
nos braços dele.
Ele beija de um jeito que me deixa nas nuvens. Nunca senti isso com
mais ninguém. Sinto que me aperta cada vez mais como se quisesse unir os
nossos corpos em um só. Estou ficando sem ar, mas não quero que acabe.
Quero que dure para sempre.
Vai parando o beijo aos poucos e deixando beijinhos suaves nos meus
lábios até que para de vez e encosta a testa na minha respirando com
dificuldade assim como eu.
— Você é muito cego, muito burro. — Sussurro para ele ainda sem
ar.
— Sou isso tudo, mas não quero perder tempo agora falando disso.
Quero ficar assim com você. Esperei por tempo demais para desperdiçar uma
chance dessas agora. — Diz distribuindo beijos pelo meu rosto. Suspiro
aproveitando o contato.
— Quando percebi o motivo da sua mudança de humor senti vontade
de te bater para fazer você acordar.
— Fiquei inseguro e agi como um adolescente, eu sei, mas não
consegui controlar. Sei que você precisa de um tempo e que queria esperar
resolver sobre o divórcio, só que não aguento mais ficar perto e não poder te
beijar, Amanda. — Solta um suspiro.
— Nem eu, Gui. Não quero mais essa distância. — Segura o meu
rosto com as duas mãos me fazendo olhar nos olhos dele.
— Está falando sério? — Aceno com a cabeça em acordo e ele me
beija de maneira possessiva.
— Não acho que seja o momento de assumir para todos que estamos
juntos. Já tem muita coisa na cabecinha da Duda e ela pode ficar confusa. Até
outro dia nós morávamos com o César. Agora, estamos em outra casa, sem
ele e com toda a nossa rotina mexida. Sei que ela é louca por você, mas
prefiro ir aos poucos.
— Concordo com o que você quiser desde que não precise mais me
segurar e que possa te beijar e te abraçar assim mais vezes. — Aperta os
braços em volta da minha cintura para demonstrar o que fala e me beija.
— Opa. Opa. Opa. Acho que não chegamos em uma boa hora, Ju. —
Escuto a voz do Felipe. Encerro o beijo e escondo o meu rosto no peito do
Gui.
— Já não era sem tempo. Pensei que fosse ter que prender vocês um
ao outro com uma corrente com cadeado e jogar a chave fora para fazerem
alguma coisa.
— O que vocês dois querem aqui? — O Gui pergunta com uma voz
feliz. Viro-me dentro dos braços dele e fico de frente para os dois com o Gui
ainda me abraçando.
— Vim saber se você ainda estava vivo ou já tinha tido um ataque. —
Sorri com deboche.
— Do que você está falando, Lipe? — A Ju semicerra os olhos para
ele.
— De nada, Júlia. O Felipe tirou o dia para me irritar hoje. —
Desconversa e o Felipe pisca para mim.
— Se esse cara ficar de bobeira, lembra que você pode trocá-lo por
um advogado cabeça, Amanda. Estou a sua disposição. — Implica.
— Ju, tira esse cara daqui antes que eu acabe com a raça dele. — O
Gui tenta me soltar, mas eu seguro as mãos dele na minha cintura.
— Quem escuta estes dois falando e não conhece até acredita. Vamos
trabalhar. Foi para isso que eu vim aqui. Anda, deixem para se pegar depois.
Quero esta casa com tudo no lugar hoje. A Clarinha já está voltando para
ajudar também.
— Quem é você e o que fez com a Ju que eu conheço? — O Felipe
pergunta com a mão em cima do coração.
— Está fugindo do trabalho, Felipe? — Cruza os braços e fica de
frente para ele. — Lembra do nosso trato. Não vou te levar para balada
nenhuma. — Fico olhando sorrindo para a interação deles três.
— Ei. Que história é essa de você sair com a minha irmã para balada?
— A Ju não te contou, não? A gente está se pegando. — O Gui
consegue pegar um rolo de fita que estava no sofá e joga nele que desvia
rindo.
— Vocês são dois idiotas, isso sim. Já provei e figurinha repetida não
completa álbum.
— Ok. Vamos mudar de assunto? Vocês vão me ajudar ou não? —
Resolvo intervir antes que o Gui tenha um ataque de verdade.
— Não pense que vou esquecer, Felipe. Você vai me explicar isso
diretinho depois. — Viro-me e dou um beijo nele.
— Eles só estão querem te provocar e estão conseguindo, Gui.
Relaxa.
Coloco os dois para instalarem as prateleiras do quarto da Duda e da
área e vou para a cozinha com a Ju. Depois de cinco minutos a Clara chega
também. Duas horas depois estamos todos sentados nos sofás da sala.
— Cansei, mas valeu a pena. Só falta a sala. — A Ju diz colocando os
pés no colo do Felipe que faz cócegas nela.
— Deixa que amanhã eu arrumo. Aqui na sala é pouca coisa e vocês
já trabalharam muito.
— O que tem nessas caixas? — A Clara pergunta apontando para as
caixas que estão em um canto da sala.
— Em uma delas os retratos e outras coisinhas que eu tinha em cima
do aparador e do rack. As outras são dos meus livros.
— Isso é fácil de arrumar. Vamos acabar logo hoje. Assim, amanhã
você descansa. Essa semana que vem agora temos que conversar sobre a
contabilidade da academia.
— Bem lembrado, Gui. Sobre a da escola também.
— Não tem problema. Os livros eu vou arrumar aos poucos.
— Por quê? É só pegar e colocar na estante. — O Felipe diz.
— Nada disso. Eu tenho todo um ritual para arrumar os livros. Separo
por autor, os nacionais, os internacionais, os que já li e os que ainda não li.
Ainda pego os que eu mais gostei e releio alguns trechos. Fora que sempre
me empolgo e quando vejo já li uns três capítulos. Não consigo fazer isso
rápido.
— Aquelas caixas são todas de livros? — O Felipe questiona de olhos
arregalados apontando para as cinco caixas.
— Uma leitora nunca tem livros suficientes. Sempre vai querer mais
algum daquela autora que gosta, aquele lançamento tão esperado ou o último
da série que estava esperando sair. A lista de desejos só cresce.
— Gui, acho que você precisa ter ciúmes daquelas caixas. Ela está
dizendo que se perde lendo sobre outros homens. — O Felipe não perde uma
oportunidade de implicar com o Gui.
— Aí é que você se engana. Ela me disse que já achou o mocinho dos
livros dela. — Pisca para mim e me puxa para um beijo. Escuto uma gritaria
e sei que é a Ju e o Felipe.
— Epa! Acho que eu perdi alguma coisa aqui. — A Clara diz
brincando.
— Você perdeu, maninha. Quando cheguei aqui mais cedo com o
Felipe, pegamos esses dois se atracando.
— Sabe aquele beijo desentupidor de pia? Então, era assim. — O
Felipe fala me deixando ainda mais sem graça. Escondo o rosto no peito do
Gui que sorri para eles.
— Vocês precisam guardar essas línguas. Não é para ninguém saber
por enquanto. — O Gui pede.
— Por que, Gui? Vou dar entrada no processo de separação na
segunda-feira de manhã, ela não mora mais com o cara e quem saiu de casa
foi ele, não tem motivo para isso.
— É só por enquanto. A Duda já teve muita mudança em pouco
tempo. Fica muita coisa para a cabecinha dela. — Responde e eles
concordam.
— Estou com fome. Vamos pedir uma pizza? Uma não, duas.
— Você vive com fome, Felipe, mas desta vez eu concordo contigo.
Vou lá em casa tomar banho que estou todo suado e peço. Vão querer de
quê?
— Acho que se for uma de frango com catupiry e outra de marguerita
todo mundo gosta. — A Ju opina e todos concordam. — Pede alguma coisa
para beber também que aqui está tudo quente ainda. Liga para o Rodrigo,
Clarinha. Ele não vem te buscar? Assim ele come com a gente também.
— Vou pegar a minha mochila no carro e tomar banho também.
Aproveitem e façam o mesmo. Não quero cheiro de suor na hora de comer.
— O Felipe diz brincando e levanta junto com o Gui.
A Ju e a Clara também vão tomar banho e eu aproveito para fazer o
mesmo. Quando eles voltam, já separei os copos, pratos, talheres e arrumei
na mesa da sala para a gente comer.
— Eu ia trazer as meninas, mas já estão dormindo. — A Clara fala
assim que entra na sala.
— Queria trazer a Duda para conhecer a casa. — Digo frustrada.
— Deixa para amanhã, Amanda. Elas brincaram o dia todo e estavam
cansadas. Não conseguiram esperar. — A Ju fala sentando-se ao lado da
irmã.
Comemos as pizzas em clima de descontração. Sinto-me feliz como já
não me sentia há bastante tempo mesmo tendo passado pelo que passei hoje.
Parece que eles conseguem me fazer esquecer todos os meus problemas.
Estar do lado do Gui faz tudo parecer mais fácil.
— A Duda está na minha cama. — O Gui fala depois que todos se
despedem. — Acho melhor não trazer para cá. Ela pode acordar e se assustar
por não conhecer.
— Não vai te atrapalhar? — Nega com um aceno de cabeça. — Tudo
bem. — Concordo. — Melhor deixar para amanhã de manhã. — Solto um
suspiro. — Estava pensando e acho que vou dormir na cama dela por um
tempo. Não quero mais a minha.
— Amanhã a gente desmonta e leva para a igreja aqui perto se você
quiser. Eles aceitam doações. Depois compramos outra para você. — Faz um
carinho no meu rosto. — Dorme lá com a Duda hoje. Prometo que me
comporto e levanto antes dela acordar. — Pede e pisca para mim.
— Vem. Vamos que eu quero falar com a sua mãe antes que ela
durma. — Levanto-me e puxo a mão dele para que faça o mesmo seguindo
para a porta. Sei que se ficarmos aqui mais um minuto sozinhos os planos de
ir aos poucos cairão por terra.
Capítulo trinta e sete
Amanda
Parece que a minha vida está finalmente melhorando. Passei o
domingo cercada de amigos. Queria fazer um almoço para agradecer o
trabalho que eles tiveram me ajudando com a mudança, mas a Ana não
deixou. Disse que o primeiro seria dela como boas vindas para a Duda e para
mim.
O restante da arrumação ficou para depois e procurei curtir a minha
filha. Consegui acabar de organizar tudo no início da semana, doei a minha
cama e comprei uma nova. Não conseguiria dormir na mesma em que dormi
com o César por anos e onde me faria lembrar tudo o que passei.
Conversei com a Ana sobre o aluguel da casa. No início ela não
queria aceitar que eu pagasse, mas, quando deixei claro que se fosse assim
não aceitaria, acabou cedendo. Sei que me cobrou mais barato do que seria,
porém ela disse que faria a mesma coisa para qualquer conhecido e que
prefere receber menos e ter alguém de confiança do que o contrário.
Durante essa semana assumi a contabilidade da loja em que vinha
prestando serviços, além de assumir também a da academia e da escola já que
o antigo contador preferiu só fechar o mês e ficou menos tempo do que tinha
dito.
Tenho aproveitado cada minuto que posso para curtir o Gui. Todo dia,
depois que a Duda dorme, nós ficamos na sala conversando e namorando um
pouco. Sei que se dependesse dele continuaríamos dormindo juntos, mas
ainda acho muito cedo para isso. Preciso do meu espaço e ele também. Além
do que, não faz sentido alugar a casa e não usá-la.
Ainda tenho muita coisa para acertar, mas estou confiante que irei
conseguir. Estão aparecendo mais serviços, o Felipe já deu entrada no
divórcio, a Duda não acorda mais assustada durante a noite com pesadelos,
tenho amigos e um namorado por quem sou louca.
Fico viajando em pensamentos enquanto vejo a minha filha brincar e
volto a mim quando o Gui entra na sala dele na academia onde estamos. Ele
fez um cantinho de brinquedos na sala dizendo que era para quando a Duda e
a Mel viessem aqui, mas sei que a Mel quase não vem e isso foi desculpa
para ter a Duda por perto já que adora mimá-la.
— Não vejo a hora de ficar sozinho com você outra vez. — Diz
parando atrás de mim e beijando o meu pescoço.
— Comporte-se, senhor Guilherme. — Encosto nele aproveitando que
a Duda está distraída.
— Você me provoca e quer que eu me comporte? Assim fica difícil.
— Respira perto da minha orelha fazendo com que eu me arrepie.
Meu celular toca e, quando pego para ver quem é, vejo o nome do
Carlos na tela. O Gui se afasta de mim na mesma hora com cara de poucos
amigos.
— Oi, Carlos. Tudo bem?
— Amanda, tenho uma boa notícia. Conversei com um amigo, dono
de uma empresa, e ele está precisando de um contador. Falei de você para ele
e me pediu para te ligar e marcar uma reunião. Quando daria para você?
— Jura? Você está falando sério? — Questiono animada. — O dia
que você quiser. Se puder ser na parte da manhã, fica melhor para mim por
causa da Duda, mas, se não tiver como, não tem problema. Eu peço a Ana ou
a Ju para ficar com ela para mim.
— Vou combinar com ele e te mando por mensagem o dia, a hora e o
endereço. Depois conversamos melhor. Estou no trabalho e está corrido aqui
hoje. Beijos.
— Pode deixar. Obrigada, Carlos. Beijos. — Despeço-me e desligo.
Viro-me para o Gui e a fisionomia dele está ainda pior do que quando
atendi a ligação.
— O que esse cara queria? — Pergunta emburrado.
— Dizer que consegui uma reunião com um amigo dele que está
procurando um contador. — Não fala nada e continua fingindo ler o papel
que está na mão dele. — Vai ficar assim?
— Cadê a minha princesinha? — A Ju entra na sala chamando pela
Duda que se levanta e corre para os braços dela.
— Ju, faz um favor para mim? — Peço e ela acena com a cabeça em
acordo. — Você pode levar a Duda para dar uma voltinha? Preciso ter uma
conversa com o seu irmão.
— Claro, cunhadinha. — Responde com um sorriso no rosto. — Sei
bem o tipo de conversa que vocês precisam ter.
— O que é cunhadinha? — A Duda pergunta no colo dela nos
fazendo rir.
— É um apelido que a tia Ju deu para a sua mamãe. Eu não te chamo
de princesinha? — Acena com a cabeça em acordo. — Então. — Sai da sala
conversando com ela.
Caminho para perto da cadeira onde o Gui está sentado e afasto-a da
mesa sentando-me de frente no colo dele.
— Ainda não ouvi a sua resposta. Vai ficar assim? — Distribuo beijos
no rosto dele.
— Eu não gosto desse cara, Amanda. Não adianta tentar me distrair.
— Gui, o Carlos é meu amigo. Sempre foi. Nós fomos criados juntos
desde criança. Passamos um tempo sem contato, mas isso não mudou nada.
— Fico fazendo carinho na nuca dele como sei que gosta.
— Nada mesmo. Nem o que ele sente por você. — Passa os braços
pela minha cintura.
— Nós já conversamos sobre isso, Gui. Não me importa o que o
Carlos sente. Ele sabe que não vai acontecer nada entre a gente. Você precisa
confiar em mim.
— Mas eu confio em você. É nele que não confio. O cara fez questão
de falar o dia todo que te conhece desde criança e de contar tudo o que vocês
já fizeram juntos. Fez de propósito para me provocar e você não pode negar
isso.
— Vou conversar com ele sobre isso, tudo bem? Ele não vai fazer
mais. — Tento amenizar.
— Eu não quero que você converse com ele sobre nada. — Diz
fazendo bico outra vez.
— Não vou me afastar do Carlos outra vez, Gui. — Falo séria. — Já
fizeram com que isso acontecesse uma vez sem que eu soubesse. Não vou
aceitar que façam outra vez.
— Desculpa. — Solta um suspiro. — Falei sem pensar. Eu nunca te
pediria isso, mas não consigo gostar dessa proximidade. Ele não desistiu de
você durante anos, porque faria agora de uma hora para outra?
— O que você não entende é que não importa se ele desistiu ou não.
O que você tem que levar em consideração é que eu não quero. Eu quero
você, Gui. E acho que estamos perdendo tempo aqui discutindo por besteiras.
Não vou dizer que não gosto que sinta ciúmes de mim, mas não exagera, por
favor. Não quero ficar brigando com você por coisas sem sentido ao invés de
aproveitar o tempo que temos juntos.
— Tudo bem. — Encosta a testa na minha e respira fundo. — Você
tem razão. Não quero mais perder tempo falando dele. Vamos aproveitar que
a Ju está com a Duda para namorar. — Diz e me beija.
— Eu preciso ir. — Falo assim que encerramos o beijo. — Ainda
tenho algumas coisas para fazer hoje. — Tento levantar do colo dele, mas ele
me segura.
— Ainda está cedo. Fica mais um pouco. — Pede beijando o meu
pescoço.
— Eu preciso trabalhar, Gui. E você também. Não posso passar todas
as tardes aqui com você. — Alguém bate na porta e eu me levanto do colo
dele. Olho para a porta e a Ju aparece com a Duda.
— Aprendeu a bater antes de entrar? — O Gui implica com ela.
— Da próxima vez, entro direto, já que prefere assim. Queria ver você
explicar para uma certa pessoinha o que estava acontecendo aqui dentro. —
Semicerra os olhos para o irmão.
— Duda, dá tchau para a tia Ju e para o tio Gui que nós vamos para
casa. A mamãe tem que trabalhar e eles também. — Ela faz bico, mas não
discute e faz o que eu pedi.
Despeço-me deles e passo no mercado para comprar algumas frutas
que acabaram antes de ir para casa. Coloco a Duda para brincar e trabalho
durante o resto da tarde.
No final da tarde recebo uma mensagem do Gui perguntando se quero
ir à praça a noite com a Duda e a Mel. Respondo que sim e aproveito que
ainda está cedo para ele chegar para dar um jeito na casa.
Combinamos de nos encontrar com a Clara e o Rodrigo na praça e,
quando estamos saindo de casa, vejo um homem se aproximar da gente. O
Gui também percebe e se coloca na nossa frente.
— Boa noite. Você é a Amanda, certo? — Pergunta quando para
perto de nós.
— Quem é você? — O Gui questiona desconfiado.
— Meu nome é Maurício. Sou o novo inquilino da casa onde ela
morava. Será que a gente pode conversar em algum lugar?
— Foi ele que eu vi saindo lá de casa com o César, Gui. — Digo
baixo só para ele escutar.
— Sobre o que seria? Sobre o fato de você ter ajudado o ex a tirar a
casa dela e da filha?
— Eu não sabia o que ele ia fazer, mas tenho algumas coisas para
contar que acredito que possam ser úteis.
Capítulo trinta e oito
Amanda
O Gui me olha esperando que eu fale alguma coisa. O que será que
esse homem tem para me contar? Faço um aceno positivo com a cabeça para
o Gui que se vira para o homem e responde:
— Tem um bar aqui perto. Podemos conversar lá. — Diz firme. — Só
precisamos passar na praça antes. Segue a gente.
— Como vocês quiserem. — Concorda e nos segue quando
começamos a andar.
Mesmo que a gente não costume andar de mãos dadas na rua, o Gui
pega a minha mão e aperta como se percebesse que eu preciso deste contato.
Caminhamos em silêncio até a praça onde encontramos com a Clara, a Mel e
o Rodrigo.
— Clara, fica com a Duda, por favor. A gente não demora. — O Gui
pede à irmã que logo percebe pelo tom de voz dele que tem alguma coisa de
errado.
— Claro que fico, mas o que aconteceu? — O Rodrigo percebe o
clima e se aproxima também quando a escuta perguntar.
— Vamos ao bar da esquina ver o que esse cara quer com a Amanda.
— Acena com a cabeça na direção dele. — Ele é o novo inquilino da casa
onde ela morava e disse que tem algumas coisas para contar.
— Quer que eu vá com vocês, moleque? — O Rodrigo questiona já
dando um passo a frente.
— Não precisa. Só fica de olho na Duda para mim. — Fala e
caminhamos para o bar com o Maurício nos seguindo.
— Sei que devem estar se perguntando o que eu posso ter para falar
que interesse a vocês. — Diz assim que nos sentamos a uma mesa no canto
do bar.
— Eu vi quando você saiu da casa semana passada com o César. —
Afirmo. Um garçom se aproxima da gente, o Gui pede dois copos de suco
para a gente e o Maurício diz que não quer nada.
— Provavelmente o dia em que fomos fazer a vistoria junto com o
João. — Respira fundo e começa a contar: — Eu não sabia que ele ia fazer
isso. Ele me falou que vocês estavam se separando e que você já tinha para
onde ir. Só fiquei sabendo o que aconteceu quando o Carlos, filho do João,
me entregou a chave hoje pela tarde e me perguntou se eu tinha alguma coisa
a ver com isso. — Sinto o Gui tenso do meu lado. — Ele me contou que o
César te agrediu na sexta-feira passada. Talvez eu saiba o motivo, mas acho
melhor contar do começo.
— Como você sabia onde encontrá-la? O César sabe onde ela está? —
O garçom entrega os sucos e se afasta.
— Não. E, se depender de mim, continuará sem saber. Eu falei para o
Carlos que não sabia de nada e que precisava conversar com você e ele me
passou o endereço. — Aperto a mão do Gui tentando fazer com que ele se
acalme. Sei que não gostou do Carlos passar o meu endereço, mas não tenho
tempo para isso agora.
— O que você tem para me contar? Não posso demorar. Tenho que
buscar a minha filha.
— Comecei a trabalhar no escritório junto com o César assim que
você saiu de lá e acabei fazendo amizade com ele. No começo, estava tudo
normal, mas, depois de alguns anos, começou a mudar de comportamento.
Pressionei até que ele me contou que tinha uma amante.
— Até agora você não contou nem uma novidade. Eu já sabia que ele
tem uma amante. — Digo sem paciência.
— Vou chegar lá. — Fala e continua a contar: — O César começou a
mudar com todos os outros funcionários do escritório. As pessoas começaram
a se distanciar dele. Chegava irritado e descontava em todos. Teve caso de
gente que não aguentou e saiu do escritório para trabalhar como autônomo.
— Por que não falaram com o Artur ou com a Rebeca? — Tento
entender.
— Ficavam com medo. Ele sempre ameaçava dizendo que seriam
demitidos. Como ele era amigo deles, ninguém arriscava. Eles não sabem de
nada do que vem acontecendo.
— Tudo bem. Mas em que isso pode ser útil para ela? — O Gui
questiona. — Até agora você falou, falou e não disse nada.
— Certo. — Concorda. — Sempre que agia assim era porque tinha
brigado com a Nicole. Tentei várias vezes falar que ela não prestava, mas não
adiantava nada. Ele sempre ficava contra mim e acreditava nela. Dizia que eu
estava de olho nela e por isso queria que ele se afastasse. Percebi que estava
bebendo cada vez mais e começou a usar drogas também.
— Drogas? O César nunca gostou nem mesmo de cigarro. Ele mal
gostava de beber. — Digo surpresa.
— A Nicole usa e começou a incentivar que usasse também. Ele
começou com pouca quantidade, mas foi aumentando cada vez mais. Nos
últimos meses as coisas pioraram muito. Por várias vezes ele já saia do
trabalho drogado. Cansei de ficar com ele no meu apartamento esperando que
melhorasse um pouco para poder ir para casa. Isso quando conseguia
convencê-lo de não ir para a casa dela. Sabia que se ele fizesse isso ia ficar
ainda pior.
— Se você se preocupava tanto assim com ele, por que não me
procurou e me contou o que estava acontecendo? — Questiono irritada.
— Pensei em fazer isso mais de uma vez, mas ele sempre dizia que
você se distanciou cada vez mais dele e que desconfiava que também tivesse
um amante. Chegou a falar que achou mensagens suas para um homem.
— Eu nunca tive amante nenhum. — Raiva transborda da minha voz.
Sinto o Gui apertando a minha mão, mas nem isso me acalma agora. —
Quem se distanciou foi ele e não eu. — Ele encara o Gui durante um tempo.
— Pense muito bem antes de insinuar qualquer gracinha. Conheci a
Amanda poucas semanas atrás quando ela já estava com problemas no
casamento e, mesmo assim, não tivemos nada. Ela, assim como eu, nunca
teria um relacionamento com outra pessoa estando casada.
— Não importa. Semana passada, não sei como a Nicole descobriu
que você tinha pedido a separação e ele não tinha aceitado.
— Ela começou a me mandar mensagens e acabei respondendo que
não me importava e que já tinha pedido a separação. — Conto.
— Eles brigaram feio e ele saiu transtornado do prédio. — Lembrou-
me do jeito que ele entrou em casa naquele dia e tudo faz sentido. — Estava
drogado e, depois que voltou, saiu para beber com ela. Na terça-feira de
manhã ele me procurou oferecendo a casa e me mostrou diversas fotos. Como
ele sabia que eu queria me mudar e não estava achando lugar, não desconfiei.
Fomos à casa do João para resolver e, depois de eles dois conversarem por
um tempo, deixamos tudo combinado para vistoriar a casa e assinar o
contrato no dia seguinte.
— Então você não escutou quando ele disse para o João que tinha
comprado uma casa para a gente e por isso não iríamos mais morar lá. —
Digo.
— Não. Eles ficaram conversando sozinhos. Só depois que me
aproximei para resolver sobre a casa. — Explica. — Como eu já falei, não
sabia que você tinha intenção de ficar na casa. O que o César me falou foi
que você ia morar com o seu amante, ele com a Nicole na casa que alugou
para ela e que iriam entregar a casa, por isso aceitei assim tão rápido. Eu
precisava de um lugar para ficar, pois tinha que entregar o meu apartamento.
Estava achando que teria que ir para algum hotel e pagar um depósito para os
meus móveis.
— Você disse que talvez soubesse o motivo para ele ter me agredido
na sexta-feira. — Não aguento mais esta conversa. Quero sair logo daqui e
ficar com a minha filha.
— Sim. Na sexta-feira o César brigou mais uma vez com a Nicole.
Ele falou que queria pedir a guarda da filha e ela não concordou. — Tremo só
de pensar e o Gui, mais uma vez, aperta a minha mão tentando me acalmar.
Sinto que ele também ficou agitado com essa informação. — Disse que se ele
pensava que ela ia se anular para cuidar de criança igual você fez estava
muito enganado. Que a menina tinha estragado o casamento dele e que ele
estava querendo fazer o mesmo com o relacionamento deles.
— Ele não pode fazer isso, Gui. Não pode. — Digo desesperada.
— Calma, Amanda. Ele não vai conseguir. Lembra do que o Felipe
falou. — Diz olhando para mim e vira-se para o Maurício outra vez. — Era
só isso que você queria dizer?
— Já estou acabando. O César estava completamente alcoolizado e
drogado na sexta-feira. Ele não está conseguindo mais se controlar. Qualquer
juiz que souber disso não dará a guarda a ele. Não quero que ele saiba que
contei tudo isso para vocês, mas não podia deixar que ele fizesse isso. A filha
de vocês não tem culpa de nada e não merece passar pelo que está passando.
— Levanta-se para sair e fala: — Desculpa pela casa. Eu realmente não sabia
de nada. Sinto muito. — Vira-se e sai.
— Ei. Escutou o que ele falou? — Vira-se para mim e segura o meu
rosto com as duas mãos. — A gente vai falar isso para o Felipe. Se o César
resolver mesmo pedir a guarda da Duda, a gente usa isso contra ele. Fica
calma, ok?
— Eu quero minha filha, Gui. Vamos para casa, por favor. — Peço
enquanto me levanto.
Ele não fala nada. Levanta junto comigo, paga o suco e saímos do bar
para pegar a Duda na praça.
— Como foi? O que ele tinha para contar? — A Clara pergunta assim
que nos aproximamos.
— Amanhã a gente conversa, Clara. Estou com dor de cabeça. Só
quero ir para casa e tomar algum remédio para ver se passa. — Digo para ela.
— Quer deixá-la com a gente? Ela pode dormir lá em casa hoje. —
Fala enquanto o Gui pega a Duda perto dos brinquedos.
— Hoje não. Deixa para outro dia. — Ela percebe que não estou legal
e não insiste.
— Tudo bem. Se precisar de alguma coisa é só ligar, ok? — Aceno
com a cabeça em acordo e me despeço.
— Quer passar em algum lugar para comprar alguma coisa para
comer primeiro? Acabou que a Duda não comeu nada e nem a gente.
— Não precisa, Gui. Estou sem fome e faço uma vitamina para ela
quando chegar em casa. Se você quiser ficar com eles, pode ficar. Não estou
uma boa companhia agora.
— Vou fingir que não escutei o que você falou. — Passa um braço
pela minha cintura enquanto leva a Duda no outro.
Não sei o que ele falou para a Duda, mas ela vem quietinha o caminho
todo. Assim que chegamos em casa a levo para o banho.
— Vamos tomar banho para comer e dormir, mocinha. A mamãe está
com dor de cabeça e precisa descansar para melhorar, tudo bem?
— Você está dodói, mamãe? — Pergunta com o rostinho preocupado.
— Ela já vai melhorar, princesinha. O tio vai cuidar dela. Toma o seu
banho que eu vou preparar uma vitamina bem gostosa para você, ok? — Diz
todo carinhoso e caminha para a cozinha.
Dou banho na Duda e aproveito para tomar junto com ela. Depois de
colocar a nossa roupa, vamos para a cozinha encontrar com o Gui.
— Olha, tio Gui, como a Duda está cheirosa. — Ela sorri satisfeita no
meu colo.
— As duas estão. — Pisca para mim. — Aqui, princesinha. Toma
tudinho para ficar bem forte. Quer biscoito também? — Pergunta pegando o
pote em cima do armário e colocando alguns em um prato na frente dela. —
Isso aqui é para você. — Vou falar, mas ele não deixa. — E nem adianta
dizer que está sem fome. Tem que comer para tomar o remédio ou vai piorar.
— Não discuto. Sei que não vai adiantar. Pego o sanduíche e como mesmo
sem vontade.
— Acabei, mamãe. Olha, tio Gui. Tomei tudinho. — Diz mostrando o
prato e o copo vazios.
— Vamos escovar os dentes para dormir que o tio vai contar uma
história para você. — Pega a Duda, pisca para mim e sai da cozinha. — Pode
fazer o mesmo que eu já vou cuidar de você também. — Fala da porta.
Recolho tudo da mesa e coloco na pia. Não gosto de deixar a pia com
louça, mas, hoje, não vou esquentar com isso. Só quero deitar e tentar dormir.
Aproveito que os dois já saíram do banheiro, escovo os meus dentes e passo
no quarto da Duda para dar um beijo nela.
— Boa noite, amorzinho. Dorme com Deus. — Beijo o rostinho dela
e vou para o meu quarto deitar.
Não menti sobre estar com dor de cabeça. Ficar sabendo tudo o que o
Maurício me falou me deixou mal. Deito e tento relaxar um pouco para ver se
melhoro, mas não adianta. Depois de dez minutos o Gui entra no meu quarto
e caminha para perto de mim.
— Posso deitar aqui com você um pouco? Prometo que vou ficar
quieto. Só quero te abraçar. — Aceno com a cabeça em acordo e ele tira os
tênis e a blusa para deitar ficando só de bermuda. — Se eu soubesse que você
ia ficar assim, não teria deixado que ele falasse nada. — Puxa-me para os
braços dele.
— Não vou dizer que gostei do que ouvi, mas foi bom saber. Assim
eu entendo um pouco o que aconteceu. Sei que nada justifica o que ele fez,
mas, pelo menos, explica o motivo da mudança de comportamento. Aquele
não era o César que eu conheci. Ele se perdeu no meio das drogas e bebidas.
— Fica calado me escutando. — Como que eu não percebi essa mudança?
Como que eu nunca percebi que ele estava usando drogas?
— Você não tinha como saber, Amanda. Não se culpe. E mesmo que
soubesse, não conseguiria fazer nada. Não ouviu o que o Maurício falou? Ele
não escutava ninguém.
— Você tem razão. É que é tão ruim saber que alguém que era tão
próximo de você está passando por isso. Não esqueci nada do que me fez e
nem vou, mas ele ainda é o pai da minha filha e não consigo desejar mal a
ele.
— Eu te entendo, pequena, mas tenta esquecer isso um pouco. —
Viro-me para ele
— Do que você me chamou? — Questiono com as mãos cruzadas em
cima do peito dele e meu queixo apoiado nelas.
— De pequena. Você é a minha pequena. Minha pequena gostosa. —
Morde o meu lábio inferior. — A pequena que me deixa doido e me tira do
sério. — Dou um beijo nele. — Não me provoca. Eu prometi que ia me
comportar e você está com dor de cabeça. — Diz apertando a minha cintura
com as mãos.
— Posso te pedir uma coisa? — Acena com a cabeça em acordo. —
Dorme aqui comigo hoje?
— E a Duda? — Pergunta preocupado.
— Você sai antes de ela acordar igual nós fizemos os dias que
dormimos juntos no seu quarto. Hoje eu preciso da calma que você me traz.
Só quero dormir abraçada com você. Mais nada.
Capítulo trinta e nove
Guilherme
— Tio Gui, você dormiu aqui? — Dou um pulo da cama na mesma
hora.
— Oi, princesinha. — Preciso pensar rápido. — A mamãe estava
dodói e o tio ficou para cuidar dela. — Pego-a no colo e levo para a sala. A
Amanda está tão cansada que não acorda. — O que a minha princesinha já
está fazendo acordada? — Tento distraí-la.
— Não quero mais dormir. Quero leitinho. — Diz e deita a cabeça no
meu ombro.
— O tio vai preparar para você. Vamos deixar a mamãe dormir mais
um pouco que ela está cansada, tudo bem? — Acena com a cabeça em
acordo.
Levo-a no banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes e aproveito
para fazer o mesmo. Coloco-a sentada na cadeira e preparo o leite com cereal
que a Amanda sempre dá para ela comer de manhã. Enquanto ela come,
preparo o café e deixo a mesa pronta para quando a Amanda acordar. Pego
uma maçã e corto, pois sei que a Duda adora. Assim que ela acaba o cereal,
pega a maçã para comer também.
— Posso saber o que vocês dois estão aprontando? — A Amanda
questiona apoiada no batente da porta sorrindo.
— Mamãe, você não está mais dodói? — A Amanda nega com um
aceno de cabeça. — O tio Gui disse que cuidou de você. — Olha-me
esperando que explique.
— Vamos deixar a mamãe comer para ela ficar bem forte e não ficar
dodói outra vez, ok?
— O que eu perdi? — Pergunta parando próxima a mim.
— Ela me viu dormindo com você. Tive que inventar alguma coisa
rápido. Foi o que consegui. — Sorri para mim e aproveita que a Duda está
distraída com um brinquedo para me dar um beijo rápido.
— Adorei acordar e ver vocês dois juntos aqui. — Diz sentando-se
para tomar café e pisca para mim.
— Depois desse susto, não sei quando vai acontecer outra vez. —
Sento-me ao lado dela. — Preciso ir à academia, mas não demoro. Vamos
levar a Duda no shopping para compensar por ontem? Acabou que ela quase
não brincou na praça.
— Você está mimando mãe e filha desse jeito. Depois não reclama.
— Brinca.
— Não vou reclamar. Só quero ver vocês duas sorrindo e bem. Mais
nada. Faço o que for preciso para isso. — Olho em volta e vejo que a Duda já
saiu da cozinha e aproveito para beijá-la.
Termino de tomar café, passo em casa para me arrumar e vou para a
academia. Resolvo tudo que preciso o mais rápido possível e volto para
podermos sair. Passamos a tarde juntos no shopping e, mais uma vez, fico
com as duas até dormirem. Desta vez, não arrisco e vou para casa. Não quero
ser pego de surpresa outra vez.

****

Quatro semanas. É o tempo que a Amanda se mudou para perto de


mim e eu preciso me segurar mesmo com ela tão perto. Quatro semanas que
eu namoro no sofá da sala com medo de alguém aparecer igual a um
adolescente. Só que, nesse caso, não é o pai e sim a filha.
Sou completamente apaixonado pela Duda, mas queria um tempo
sozinho com a Amanda para poder curti-la sem interrupções e sem medo.
Parece brincadeira, mas ainda não conseguimos isso. Sempre chega alguém
ou escutamos um barulho e pensamos que pode ser a Duda.
Agora que ela está prestando serviços para mais empresas, não
consegue ir tanto na academia como antes e temos ainda menos tempo
sozinhos. A reunião que o Carlos conseguiu para ela deu certo, assim como a
com um aluno aqui da academia que eu indiquei.
Com a audiência de conciliação já marcada, o fato de o César não ter
mais procurado as duas e ela estar conseguindo trabalhar, sinto que as coisas
estão se ajeitando.
Só sinto falta de poder assumir para todos que estamos juntos. Coisa
que ela ainda não quer. Diz que está começando a dar um jeito na vida dela e
não precisa ficar escutando quem não sabe de nada julgá-la. Pediu para que
esperasse um pouco e, como não consigo negar nada para ela, aceitei.
Minha mãe pediu para ficar com a Mel e a Duda hoje. Disse que vai
sair com elas e depois quer que durmam lá. Pensei que fosse conseguir um
tempo só nosso, mas me enganei. As minhas irmãs resolveram marcar a noite
das mulheres que não conseguiram da última vez e vão a um pub com música
ao vivo.
Acabei marcando com o Felipe e o Rodrigo de irmos a um bar
também, pois sei que se eu ficar em casa pensando no que ela está fazendo,
vou surtar. Nunca fui tão ciumento como sou com a minha pequena.
— Animado para hoje à noite? — O Felipe pergunta entrando na
minha sala.
— Não. — Curto e grosso. Nem me dou ao trabalho de levantar a
cabeça para responder. Sei que ele vai começar a me perturbar e não estou
com paciência para isso.
— Ei. Pode melhorar essa cara até a noite ou vai afastar as gatas. —
Olho para ele na mesma hora.
— Está esquecendo que o único prejudicado será você? Eu não quero
saber de mulher nenhuma, já tenho a minha pequena, e o Rodrigo que não se
atreva a olhar para o lado ou acabo com aquele rostinho que minha irmã tanto
gosta.
— O cara é casado, mas não cego, Guilherme. Deixa o Rodrigo curtir
a noite de folga. — Fecho os olhos e respiro fundo. Sei que ele quer me
provocar.
— Não tem mais nada para fazer do que perturbar a minha cabeça? —
Ele sorri para mim.
— Essa irritação toda é só porque a Amanda vai sair sozinha essa
noite?
— Ela não vai sozinha. Vai com as minhas irmãs. — Bufo. — Eu
confio nela, ok? Fora que a Clara e a Ju nunca deixariam que ela fizesse nada.
— O problema não é esse, certo? A Amanda é uma gata e aposto que
vai se produzir toda. — Semicerro os olhos para ele. — Os caras vão cair
matando e você não vai estar lá para fazer nada. Eles vão passar a noite
secando a sua mulher.
— Felipe, sério. O que você veio fazer aqui? Colocar mais lenha na
fogueira?
— Claro que não. Sou seu amigo, cara. Só acho que a gente podia
mudar os planos e aparecer de surpresa no pub. — Dá um sorriso de lado. —
Eu sei onde é. Já fui lá algumas vezes. — Penso no que ele falou.
— A minha pequena me mata se eu fizer isso. — Solto um suspiro. —
Se ela não me matar, a Ju, com certeza, vai. — Fico encarando-o por alguns
segundos. — Por que você está tão interessado nisso? — Pergunto
desconfiado. — Tem alguma coisa a ver com o fato de a Júlia estar junto?
— Não. Claro que não. Só queria te ajudar, cara. — Fala rápido
demais.
— Eu ainda não engoli aquela história de vocês dois. Fica longe da
minha irmã, Felipe. — Aviso.
— Conheço a Ju desde pequena, cara. Não pira. Ela é como uma irmã
para mim. Vou malhar um pouco. Seu humor está péssimo e não quero ficar
olhando para essa sua cara feia. — Desconversa. Levanta-se e caminha para a
porta sem nem olhar para trás, deixando-me ainda mais desconfiado.
Recebo uma mensagem do Rodrigo perguntando se eu quero que ele
me busque e respondo que vou no meu carro. Não quero ficar preso com
ninguém. Se eles me perturbarem muito, vou embora na mesma hora.
Decido ir para casa de uma vez para ver se dou sorte e encontro com a
Amanda antes de ela sair. A Ju e a Clara conseguiram convencê-la de ir a um
salão fazer cabelo, unhas, depilação e sei lá mais o quê. Disseram que
compraram um pacote para as três e que saía mais barato.
Parece que elas estão fazendo de propósito. Queria passar, pelo
menos, à tarde com a Amanda e nem isso consegui. Mal pude falar com ela
de manhã antes de vir para a academia.
Passo pela recepção e a Sara grita:
— Já vai, chefinho? — Viro-me para trás e respiro fundo. Mais uma
para me perturbar, não vou aguentar.
— Você também, não. — Passo a mão nos cabelos.
— Ei. Não falei nada. — Diz.
— Desculpa. É que parece que todo mundo resolveu me irritar hoje.
— Esse estresse todo é só porque a Amanda vai sair com as meninas?
Estou pensando em ir junto, também. — Olho sério para ela que passa os
dedos nos lábios fingindo costurar.
Chego em casa e vou direto tentar falar com a Amanda.
— Onde você pensa que vai, Gui? — A Ju me para antes que eu entre.
— Só quero falar com ela, Ju. Deixa de ser chata. — Falo frustrado.
— Dá uma folga, Gui. Você não vai morrer se ficar um dia sem ver a
sua pequena. — Implica.
— Deixa, Ju. — Escuto a voz da Amanda atrás dela. — Ele não vai
demorar, não é? — Sorri para mim e perco o fôlego.
Pensei que não fosse possível, mas a minha pequena está mais linda
do que antes. Os cabelos dela estão mais brilhosos, ela está com um sorriso
lindo no rosto e um brilho no olhar que me deixam sem palavras.
— Você está linda. — Digo olhando para ela sem piscar. — Mais do
que já é.
— Deixa de ser bobo, Gui. Eu ainda nem acabei de me arrumar. —
Aproxima-se de mim.
— Vocês têm dois minutos. Nem um segundo a mais. — A Ju fala e
entra.
— Dois minutos não dá nem para começar a fazer o que está passando
na minha cabeça neste momento. — Puxo-a pela cintura para mais perto de
mim.
— Melhor começar logo, então. — Não perco tempo e a beijo. Ela se
entrega e eu me perco no gosto dela.
— Opa. Opa. Opa. Vamos parando. Já se passaram dois minutos.
Anda, maninho. Pode ir para casa que a Amanda tem que terminar de se
arrumar. Não quero me atrasar. A noite promete.
Encerro o beijo e encosto a minha testa na dela.
— Tem certeza que você vai com elas? — Pergunto em um sussurro.
— Você sabe que se eu não for, as duas vão me matar, Gui. É só uma
noite.
— Só de pensar em você linda desse jeito, andando por aí sozinha...
— Não me deixa terminar de falar.
— Não termina, Gui. Você tem que confiar em mim. Podem aparecer
quantos homens quiserem que não vai adiantar nada. Eu só quero você. —
Solto um suspiro.
— Tudo bem. Estou sendo chato, não é? Quando se trata de você eu
não consigo controlar o meu ciúme. Aproveita a sua noite, mas, amanhã, não
vou desgrudar de você. — Aviso. Dou um beijo leve nos lábios dela e viro
para ir para casa.
Entro no box, encosto a minha cabeça na parede e deixo a água cair.
Sei que estou exagerando, mas não consigo controlar. Respiro fundo e
termino meu banho.
A Ju está certa. Preciso deixar a Amanda se distrair um pouco. Até
pouco tempo atrás ela não tinha amigas e nem saía para se divertir. Acabou
de passar por vários problemas e merece ter uma noite só dela. Mando uma
mensagem para ela.
“Desculpa, pequena. Sei que exagerei. Perco a razão quando se trata
de você. Aproveita a sua noite e lembra de me avisar quando chegarem.
Preciso saber que vocês estão bem. Beijos.”
Ela visualiza e manda um emoji de coração para mim. Termino de me
arrumar para sair. Passo na cozinha para beber um copo de água e encontro
com a Ju.
— Já vai sair, irmãozinho? — Questiona sorrindo. Aceno com a
cabeça em acordo.
— Boa diversão para vocês. Qualquer coisa me liga e não perde a
Amanda de vista. — Dou um beijo na testa dela e saio.
Procuro a chave do carro no aparador onde sempre deixo e não acho.
Quando vou perguntar a Ju onde está, o meu celular toca e vejo a foto da
Amanda com a Duda no colo que coloquei para aparecer quando ela me liga.
Estranho, mas atendo no terceiro toque.
— Gui, você pode vir aqui em casa?
— Aconteceu alguma coisa? — Pergunto enquanto viro-me na
direção do quintal e apresso o passo.
— Só vem aqui, por favor. — Pede. Não respondo. Desligo e saio
correndo.
Encontro a porta da casa aberta e entro procurando por ela.
— Pequena, onde você está? — Grito da sala olhando em volta.
Escuto uma música vinda do quarto dela e reconheço. É Medo bobo da
Maiara e Maraísa. Caminho para lá e, quando chego à porta, perco o fôlego
pela segunda vez hoje. Ela está com uma camisola azul, justa nos seios, solta
até o alto das coxas, de renda transparente e deixando quase nada para a
minha imaginação. — Isso é covardia. Você sabe como eu amo quando você
usa azul.
Mordo o lábio inferior e caminho para perto dela sem desviar o olhar
nem por um segundo. Paro na frente dela e passo o nariz do ombro até a parte
atrás da orelha que sei que vai deixá-la arrepiada. Deixo um beijo e faço o
caminho outra vez distribuindo beijinhos por onde passo. Ela respira fundo
antes de falar quase sem fôlego.
— Pelo jeito você gostou da surpresa. — Sinto a respiração dela
falhar quando desço uma das alças da camisola.
— Só se eu fosse louco para não gostar. — Dou um passo atrás e olho
para ela de cima a baixo. — Você me enganou. — Digo tentando controlar o
tesão na minha voz. — Passei o dia todo irritado por causa dessa sua ida ao
pub e tudo não passou de uma armação sua com as minhas irmãs, não foi? —
Morde o lábio inferior e concorda com um aceno de cabeça.
— Se você não quiser, posso ligar para a Ju e pedir que me espere. —
Provoca.
— Você não ouse sair dessa casa. Esta noite é só nossa. Você vai me
pagar pelo o que fez. — Dou um sorriso de lado.
— Ahh é? O que você vai fazer comigo? — Dá um passo a frente e
dou outro para trás.
— Quero te deixar doida como eu fiquei. Vou te dar tanto prazer, que
você vai me pedir para parar. — Ameaço. — Quero suas mãos bem
quietinhas. Só quem pode te tocar sou eu. Se você não cumprir, eu vou parar,
entendeu? — Acena com a cabeça em acordo.
Sinto a respiração dela falhar. Dou um passo a frente e me abaixo aos
pés dela. Seguro nos tornozelos e vou subindo com um toque suave e lento.
Quando as minhas mãos estão na altura da bainha da camisola, paro, encosto
o meu nariz no ventre dela e desço aspirando o seu cheiro.
Coloco as minhas mãos por dentro da camisola e segurando-a pela
bunda aperto contra o meu rosto. Deixo um beijo em cima da calcinha e me
levanto, levando junto a camisola, deixando-a nua da cintura para cima.
— Gui, passei o dia contando os minutos para estar sozinha com
você. Não me tortura mais. — Pede com a respiração entrecortada.
— Calma, pequena. Temos a noite toda. — Digo e a beijo com todo o
meu amor.
Porque é isso que sinto por ela. Não me interessa há quanto tempo nos
conhecemos e nem que estamos juntos a pouco mais de um mês. Eu amo esta
mulher como não achei que seria possível. Pensei que já tinha amado alguém,
mas nada se compara ao que sinto por ela. Nada do que senti até hoje chega
aos pés do que sinto por ela.
Levanto-a e ela coloca as pernas em volta da minha cintura. Caminho
até a cama sem parar o beijo e deito o corpo dela com cuidado. Beijo cada
pedacinho de pele exposta. Quero conhecer cada centímetro dessa mulher e
sentir o gosto dela na ponta da minha língua.
Como eu disse para ela, temos a noite toda. Não tenho pressa, vou
demonstrar para ela o que sinto amando-a a noite toda. Vou fazer valer cada
dia que esperamos por esse momento.
Capítulo quarenta
Amanda
Dois meses se passaram que eu saí de casa e a minha vida está se
ajeitando. O divórcio está quase no final e eu estou conseguindo sustentar a
mim e a Duda sem precisar do César já que eu não quis pedir pensão para ele.
Com as empresas que eu assumi a contabilidade, estou conseguindo
viver sem dificuldades. Aproveito que ainda tenho as declarações de imposto
de renda para juntar algum dinheiro para uma emergência já que não
aparecem o ano todo.
Uma coisa que me ajudou bastante também foi o fato de a Clara ter
insistido para dar uma bolsa de cinquenta por cento para a Duda dizendo que
fazia o mesmo com o afilhado do antigo contador. Não acreditei muito, mas
já aprendi que a teimosia está no sangue dessa família e que não adianta
discutir.
Também comecei a fazer aulas de dança com a Ju depois de muita
insistência dela. As aulas são uma mistura de gêneros e eu, que sempre gostei
de dançar, estou amando.
Já sinto uma pequena diferença no meu corpo, pois, além de ter
começado a me exercitar, estou cuidando mais da minha alimentação.
Namorar uma pessoa que sempre se preocupa com a saúde facilita a minha
vida nesse sentido, porque, apesar de estar sempre comendo fora quando
saímos, o Gui sempre procura algum lugar com opções mais saudáveis. Não
só por nós dois, mas pela Duda também. Ele, assim como eu, se preocupa
com a qualidade da alimentação dela.
Por falar em Gui, o meu namoro com ele está cada vez melhor.
Passamos quase todas as noites juntos depois da minha armação com as
minhas cunhadas. A Duda nos pegou mais uma vez. Tínhamos tomado banho
juntos e estávamos tão cansados que deitamos e esquecemos de fechar a
porta. Só acordamos com ela pulando na gente no dia seguinte. Sorte que nos
vestimos antes de dormir.
Ele sempre inclui a Duda nos nossos passeios. Amo o fato de ele
entender que a minha filha sempre será a minha primeira opção. Não sinto
como se fizesse só para me agradar. Pelo contrário, sinto que é verdadeiro
esse carinho e cuidado que sente por ela.
Por mais que a gente sinta vontade de ficar a sós, ele nunca destrata a
minha filha. Dá atenção a ela até que se canse e durma para, aí sim, podermos
namorar.
As únicas coisas que sei que ainda incomodam o Gui são o Carlos,
que eu continuo mantendo contato por telefone apesar de quase nunca
encontrar com ele, e o fato de não ter declarado o nosso namoro na academia
ainda. Não me preocupo mais em andar de mãos dadas com ele na rua ou
abraçados, mas, aqui, eu evito, por mais que ele insista.
Nunca me importei com o que os outros pensam sobre mim, mas aqui
é o ambiente de trabalho dele. Não quero arrumar confusão se escutar alguém
falando alguma coisa. A Ju diz que eu tinha que colocar logo uma coleira
nele para afastar as oferecidas, mas não ligo. Eu confio no Gui e sei que ele
não me trairia.
Estou na sala dele na academia com a Duda e a Ju esperando para
almoçarmos. Como um instrutor faltou e ele está substituindo, vamos
almoçar aqui na cantina mesmo.
— Mamãe, eu posso ser a namo. — Faz uma carinha pensativa. —
Namo...
— Namorada, princesinha? — A Ju a ajuda a falar. — De quem você
quer ser namorada?
— Do tio Gui. Eu posso, mamãe? — A Ju começa a rir sem se
controlar. Olho para ela séria e ela para.
— Não, meu amorzinho. O tio Gui é adulto. Ele não pode namorar
com uma criança. Tem que namorar com uma adulta igual a ele. —
Respondo.
— Então, você pode, mamãe? — Arregalo os olhos para ela e a Ju se
controla para não voltar a rir.
— Você quer que a mamãe namore com o tio Gui, princesinha? — A
Ju pergunta e eu semicerro os olhos para ela.
— Quero. — Diz animada.
— Você gosta muito do tio Gui, filha? — Questiono.
— Siiim. Um muitão assim, olha. — Fala animada abrindo os braços
o máximo que consegue.
— E vocês dois com medo. Não sabem de nada.
— Quem não sabe de nada, Ju? — O Gui questiona entrando na sala.
— Ninguém. — Não deixo que ela fale. — Vamos almoçar?
— Tio Gui, você quer ser o namola... — Cubro meu rosto com as
mãos e escuto a Ju rindo outra vez.
— Namorado, princesinha. — Ajuda mais uma vez.
— Namorado de quem, princesinha? — Ele questiona.
— Da mamãe.
— Você deixa o tio namorar a mamãe? — Olho para ele sem acreditar
e a Duda concorda com um aceno de cabeça. — Então o tio vai namorar, ok?
— Puxa-me para perto dele é beija meus lábios de leve.
— Será que podemos almoçar? — Tento fazer com que parem de
falar sobre isso e caminho para a porta. Eles me seguem com um sorriso no
rosto.
Escolho uma mesa no canto e fazemos o pedido. Quando já estamos
quase acabando, chega uma aluna da academia e para perto do Gui.
— Guilherme, você pode me ajudar em um exercício? — Pergunta
com uma voz anasalada se esfregando nele.
Não acredito que isso esteja acontecendo. Essa vaca vai mesmo fingir
que não está me vendo aqui? Olho para a Ju e vejo quando ela mexe os lábios
sem emitir som nenhum dizendo que me avisou. Pior que avisou mesmo. O
Gui sempre quis espalhar aos quatro ventos o nosso namoro. Eu que fui
contra.
Olho para ele esperando para ver o que vai responder. Ele engole em
seco antes de falar.
— Agora estou almoçando, mas tenho certeza que tem algum
instrutor lá que possa te ajudar.
— Mas eu queria tanto que fosse você. — Passa a mão no braço dele
e eu perco a minha paciência.
— Você vai mesmo continuar agindo como se ele estivesse sozinho?
É cega ou o quê? — O Gui arregala os olhos para mim e a Ju começa a rir. —
E você, Guilherme, vai deixar que ela fique se esfregando em você e não vai
falar nada? — Levanto-me com raiva empurrando a cadeira para trás e
chamando a atenção de todo mundo. — Pois faça bom proveito. — Viro-me e
caminho para a saída da cantina sem olhar para trás.
— Amanda, espera. — Grita correndo atrás de mim. — Pequena, para
com isso. Eu não fiz nada. — Segura o meu braço e me vira para ele. Olho
em volta e vejo que viramos o centro das atenções. Sinto vontade de enforcá-
lo por isso.
— O problema é justamente esse, Guilherme. Você não fez nada. Ela
se esfrega em você, falta pouco se jogar no seu colo e você não faz nada. —
Falo com a minha voz transbordando de raiva.
— O que você queria que eu fizesse, pequena? Eu não posso
destratar os alunos da academia. E a culpa é sua. Se você tivesse me deixado
espalhar o nosso namoro como eu queria, nada disso teria acontecido. —
Olho para ele sem acreditar.
— Não me chama de pequena. — Digo irritada. — Então, a culpa é
minha? — Acena com a cabeça em acordo, mas noto o medo do que está por
vir no olhar dele. — Pode deixar que eu vou resolver. — Dou um sorriso
debochado.
— O que você vai fazer? — Olha-me assustado.
— Isso. — Falo e empurro o corpo dele na parede beijando-o em
seguida. Escuto gritos e assobios, mas não ligo. Agora essas oferecidas já
sabem que ele é meu.
— Pensei que eu fosse o único ciumento da relação. — Brinca
quando encerro o beijo. — Foi bom passar pelo mesmo que eu? — Pergunta
com um sorriso de lado no rosto.
— Você fez de propósito, seu filho da mãe. — Bato no braço dele de
brincadeira.
— Alguma coisa tinha que fazer você mudar de ideia. — Diz e me
beija.

****

Depois de a Duda perguntar ao Gui se ele queria ser meu namorado e


daquela cena na academia há uma semana, O Gui praticamente não sai mais
aqui de casa.
Outro dia escutei a Ana perguntando a ele por que não se mudava de
uma vez que poupava o trabalho de ficar de lá para cá. Quase morri de
vergonha, mas sei que foi brincadeira dela.
Ele passa todo o tempo que não está na academia aqui com a Duda e
comigo. Já fazia praticamente isso, mas, como a Duda não sabia, disfarçava
um pouco. Agora, nada mais o segura de me beijar onde quer que a gente
esteja.
Não que a gente fique se agarrando e se beijando o tempo todo na
frente dela, não é isso, mas ele não evita mais me cumprimentar com um
beijo rápido nos lábios por causa dela o que a faz sorrir toda vez que isso
acontece.
Ela é apaixonada por ele e conta para todo mundo que ele é meu
namorado agora que aprendeu a falar direito. Todas as coleguinhas dela na
escola já sabem. Inclusive as mães que não param de me encarar quando vou
levá-la ou buscá-la.
Estamos na sala vendo um filme e a Duda está dormindo no quarto
dela. Começa uma cena em que o casal está transando e o Gui me olha com
um sorriso safado no rosto.
— Acho que a gente podia aproveitar a dica deles. — Pisca para mim.
Subo minha mão que está na coxa até o membro dele e acaricio. Ele
solta um suspiro.
— Aqui, igual a dois adolescentes? — Questiono sorrindo.
— Se você não quer, é melhor não me provocar assim. — Avisa, mas
eu não paro. Olho para ele mordendo os lábios.
— Nunca escutou falar que o perigo excita? — Ele segura a minha
mão.
— A Duda está logo ali, pequena. — Fala, mas sei que não quer que
eu pare.
— Ela está dormindo e o sofá não deixa que nos veja. Se ela sair do
quarto, a gente vai escutar antes que veja alguma coisa. — Insisto.
— Você adora me provocar. — Diz deitando-se por cima de mim. —
Vai ser rápido e de roupa. — Avisa abaixando a bermuda um pouco. —
Prometo que depois eu te compenso. — Levanta a minha camisola, coloca a
minha calcinha para o lado e começa a me tocar.
— Uma rapidinha com você tem o seu valor. — Atiço e ele me beija
com desespero me invadindo em seguida.
— Você é a minha perdição, pequena. — Sussurra em meu ouvido e
morde o lóbulo da minha orelha fazendo com que eu me arrepie.
— E você gosta mesmo assim. — Implico.
— Gosto, não. — Antes que ele complete o que vai falar escutamos
um barulho e, logo em seguida, a voz da Duda.
— Mamãe, quero água. — Pede. O Gui sai de cima de mim na mesma
hora e coloca uma almofada no colo enquanto puxa a bermuda.
Abaixo minha camisola e tento me endireitar antes de levantar.
— Vamos lá na cozinha que a mamãe pega para você. — Digo para
ela e caminho para lá. Dou água a ela que bebe tudo e digo: — Agora volta
para a sua caminha, tudo bem? — Acena com a cabeça em acordo e vai.
Volto para a sala e me jogo no sofá do lado dele que ri. — Onde nós
estávamos? — Pergunto só para implicar.
— Eu avisei. Vamos para o quarto. Mais um susto desses hoje e vou
ficar com um caso sério de bolas azuis. — Tenho que me controlar para não
gargalhar.
— Vai dizer que não gostou? — Sorrio de lado.
— Isso não foi nem o aperitivo, pequena. A noite é uma criança.
Vamos logo. Para de me enrolar. Foi me provocar, agora, aguenta. — Fala e
me pega no colo caminhando para o meu quarto e fecha a porta quando entra.
— Só por garantia. — Pisca para mim com um sorriso sem vergonha no rosto
e me coloca na cama.
— Foi prometer, agora, vai ter que cumprir, grandão. — Olha-me de
um jeito que me deixa ainda mais louca por ele. — Vou querer a noite toda.
— Grandão, é? — Concordo com um aceno de cabeça. — Pois, pode
se preparar que vou cumprir cada palavra. — Segura os meus pés e me puxa
para perto. — Começando agora mesmo. — Diz e começa a distribuir beijos
pelas minhas pernas subindo cada vez mais.
Com ele não sinto vergonha do meu corpo e nem das marcas que a
gravidez deixou. Desde o primeiro dia em que transamos, ele me prova que
não se importa e que gosta de mim do jeito que eu sou. Diz que isso é a prova
do meu amor pela Duda e que não tem como não amar cada pedacinho meu.
Fala isso com tanta sinceridade que não consigo duvidar.
Capítulo quarenta e um
Guilherme
Finalmente, depois de três meses, o divórcio da Amanda saiu. Isso
porque o Felipe adiantou o máximo possível. O que trouxe alívio não só para
ela como para mim também. Sei que eles sempre terão um vínculo por serem
os pais da Duda e que isso ninguém tira, mas, só de saber que não são mais
casados, nem mesmo no papel, já me sinto melhor.
O César não quis entrar com a ação de guarda e nem tentar a ação de
visitação. Como a Amanda está conseguindo trabalhar como queria, resolveu
não pedir pensão alimentícia.
Não falei nada com a Amanda, mas preferi assim. Quanto mais
distante aquele homem ficar das duas, mais seguro vou me sentir. Se
precisarem de alguma coisa, elas têm a mim.
Se me perguntassem há cinco meses se eu achava que iria me
envolver com alguém, responderia com toda a certeza que não. Já tive
decepções na vida que me fizeram perder a esperança de um relacionamento
igual ao dos meus pais e o da minha irmã. Desisti de procurar e segui a vida
sem me prender a ninguém.
Isso até a Amanda aparecer na academia e mudar tudo o que eu tinha
como certo. Antes de me apaixonar por mãe e filha. Ela e a Duda me têm nas
mãos e não fazem ideia disso. Sou capaz de qualquer coisa por elas e não me
vejo mais se não for com as duas do meu lado.
Começo a fazer planos para o futuro e em todos as duas estão
presentes. Sei que preciso ter calma e que não posso agir por impulso, pois a
Amanda saiu de um relacionamento complicado, mas não consigo controlar
os pensamentos que insistem em aparecer.
Quero construir uma família. Sempre quis isso e, por mais que por um
tempo esse direito tenha sido tirado de mim, não desisti. Quero que elas
sejam a minha família e quero também ter mais filhos com a Amanda.
Digo mais porque, para mim, por mais que não seja de sangue, a
Duda já é minha filha. Amo aquela garota como se fosse minha e nada, nem
mesmo ter mais filhos, irá mudar o que eu sinto por ela. A Duda é e sempre
será a minha princesinha.
Tive que vir a academia hoje, mas não adiantou muita coisa já que
não consigo me concentrar em nada. Tudo o que consigo pensar é em estar
com a Amanda.
— Cara, a coisa está pior do que pensei. — O Felipe fala sentando na
cadeira a frente da minha mesa me assustando. — Nem me viu entrar, não é?
— Sacode a cabeça para os lados.
— Estava distraído. — Admito.
— Jura? — Pergunta com deboche. — Isso é novidade. Você quase
não fica assim. — Sorrio para ele.
— Fazer o que se não tiro a minha pequena da cabeça. — Solta um
suspiro.
— Mais um soldado perdido. Só falta a Amanda colocar uma coleira
em você e sair por aí te puxando.
— Está com inveja? — Implico com ele me recostando na minha
cadeira.
— Está maluco? Inveja de quê? De ficar preso a alguém? Isso não é
para mim. — Desdenha.
— Você fala isso agora. Quero ver quando aparecer a pessoa certa.
Vai ficar pior do que eu e será a minha vez de te zoar. Pode esperar. Ainda
vou te ver de quatro por uma mulher.
— Vai jogar praga em outro, Guilherme. Gosto da minha vida do
jeitinho que está. — Olho para ele por alguns segundos sem falar nada.
— Pode falar, cara. O que está acontecendo com você? Por que sinto
que está me escondendo alguma coisa?
— Não tem nada, cara. Não viaja. — Fala sem me convencer.
— Sério, Felipe, sou a mesma pessoa de sempre, o seu irmão. Sei que
não tenho te dado tanta atenção assim, mas você pode falar. A gente nunca
teve segredos um para o outro, cara. O que está acontecendo? — Passa a mão
pelos cabelos.
— Desencana, Guilherme. Não tenho nada para te falar. Só um caso
complicado lá no escritório que está me dando trabalho. — Tenta
desconversar, mas não me engana. Lembro-me de uma coisa. Será?
— Tem alguma coisa a ver com a Ju? — Ele arregala os olhos para
mim. — Sempre que eu falo dela a sua reação é essa agora. Você está a fim
da minha irmã? É isso? — Cruzo as mãos em cima da mesa e o encaro
esperando que me responda.
— Não. Claro que não. Eu vi a Ju crescer, Guilherme. Fora que um
relacionamento entre nós dois nunca daria certo.
— Mas você queria que desse. — Afirmo e ele nega com um aceno de
cabeça.
— Sério, Guilherme, relaxa. Eu não tenho nada com a sua irmã e nem
quero, ok? Tem uma advogada nova lá no escritório. Convidei para sair, mas
está se fazendo de difícil. Satisfeito?
— Se é só isso, por que você não me falou nada antes? — Questiono
desconfiado.
— Porque não é nada demais, cara. Você tem as suas coisas. Não vou
ficar te perturbando com besteiras. Se ela não quiser, o problema é dela. O
que mais tem por aí é mulher.
— Entre a gente não tem isso. Não interessa se não é nada demais e
nem se eu tenho as minhas coisas. Estou aqui para você do mesmo jeito que
sei que você está para mim, cara. Lembra disso. Somos irmãos.
— Certo. Quais são os planos para hoje? — Muda de assunto, mas
não insisto.
— Vou com a Duda e a Amanda ao cinema daqui a pouco e devo
comer alguma coisa pela rua mesmo. — Respondo. — Quer combinar
alguma coisa?
— Já tenho planos para hoje. Vou naquele bar temático que te falei.
Temos que marcar de ir lá qualquer dia. Acho que vocês vão gostar.
— Vamos combinar sim. Peço para a minha mãe ficar com a Duda e a
Mel um dia e combinamos.
Conversamos por mais dez minutos e ele se despede. Guardo os
documentos, fecho tudo e saio da academia. Vou pensando no que o Felipe
falou durante o caminho até em casa. Não sei se acredito nele. Preciso dar
mais atenção ao meu amigo, pois sinto que está com algum problema e não
quer me falar.
Chego em casa e vou direto na Amanda.
— Tio Gui. — A Duda corre em minha direção assim que me vê. —
A gente já vai? — Pergunta quando a pego no colo.
— O tio só vai tomar banho e se arrumar rapidinho, ok? Prometo não
demorar. — Dou um beijo nela e a coloco no chão. Ela corre para o quarto
chamando a mãe.
— Mamãe, o tio Gui já chegou. Posso colocar a minha roupinha? —
Pergunta animada e a Amanda vem para perto de mim.
— Oi, pequena. Só vou tomar banho. — Aviso e dou um beijo nela.
— Esta menininha passou o dia todo perguntando se você não vinha.
Da próxima vez, será surpresa. Assim, não fica tão ansiosa.
— Por que não me ligou? Eu dava um jeito de vir mais cedo.
— Nada disso, Guilherme. Você estava trabalhando. Não pode largar
tudo só para fazer as vontades dela. — Diz séria me recriminando. Não falo
nada ou sei que vai brigar comigo. Ela sempre reclama que estou mimando a
Duda.
— Daqui a dez minutos eu volto para irmos, ok? — Mudo de assunto.
Ela acena com a cabeça em acordo.
Cerca de vinte minutos depois estamos indo para o shopping. Assim
que chegamos, vamos direto para o cinema. Escolhemos um filme infantil
que está passando e, depois de assistir, resolvemos comer alguma coisa por
aqui mesmo.
A Amanda recebe uma mensagem da Clara perguntando se estamos
em casa e se pode pegar a Duda para dormir lá hoje. Ela diz que estamos no
shopping e a Clara combina de nos encontrar aqui e pede para esperarmos
para comermos juntos. Enquanto esperamos por eles, aproveitamos para olhar
algumas lojas.
— Amanda? — Escuto uma voz chamando atrás de nós. Viramos ao
mesmo tempo na direção da pessoa e encontramos um homem e uma mulher
grávida nos olhando. — É você mesmo? — Sinto o olha da mulher em mim.
— Oi, Rebeca. — Diz e sinto que está tensa. Aperto a mão dela que
força um sorriso. — Não mudei tanto assim. Como você está?
— Agora, bem. Não vai nos apresentar?
— Claro. Guilherme, essa é a Rebeca e o Artur. — Aperto a mão do
homem que me encara com uma fisionomia não muito amigável. — Eles são
os donos do escritório que eu trabalhava antes de ter a Duda. — Aceno com a
cabeça em acordo e a Duda agarra-se na minha perna. — O Guilherme é meu
namorado. — Eles arregalam os olhos para ela.
— Como assim, Amanda? O César não falou nada que vocês estavam
separados. — Sinto o julgamento na voz dele. A Duda aperta mais ainda a
minha perna e eu a pego no colo.
— Está tudo bem, princesinha. — Digo no ouvido dela e viro-me para
eles. — Pelo jeito vocês estão bem desinformados. Eles estão separados há
três meses. — Respondo seco.
— Estou afastada do escritório há quatro meses. Tive problemas na
gestação e fiquei internada por três semanas. Agora que melhorei um pouco e
só saímos hoje para comprar algumas coisas que estavam faltando para o
bebê. — Diz passando a mão na barriga. — O Artur tem ficado comigo e não
tem ido muito ao escritório também. — Explica. — Estranhei você não me
ligar, mas, como estamos afastadas, pensei que fosse por isso.
— Eu não sabia de nada. Nunca deixaria de te procurar sabendo que
você estava com problemas.
— Será que você não pode ir ao escritório na segunda-feira para a
gente conversar? — O Artur questiona para a Amanda, mas não para de me
encarar. — Assim podemos colocar o papo em dia e você conta para a gente
o que aconteceu.
— Não acho uma boa ideia você no mesmo lugar que o César,
pequena. — Falo baixo para ela, mas eles escutam.
— É sério isso, Amanda? Esse cara vai mesmo te proibir de chegar
perto do pai da sua filha? — Questiona irado. — Eles podem até estarem
separados, mas sempre foram amigos e ele não vai deixar de ser o pai da
Eduarda.
— Como eu disse antes, vocês estão muito desinformados. Não acho
seguro que ela fique no mesmo lugar que ele e a minha opinião não vai
mudar porque você acha que estou errado. — A Amanda aperta minha mão.
— Calma, Gui. — Pede. — A Duda está ficando assustada.
— Tio Gui, vocês vão brigar? — Olho para ela e vejo o rostinho
preocupado e os olhos cheios de lágrimas.
— Não, princesinha. A gente está só conversando. — Passo a mão nas
costas dela tentando acalmá-la.
— Por favor, Amanda. Precisamos colocar a conversa em dia. — A
mulher tenta amenizar o clima e dá um sorriso forçado.
— O Gui tem razão. Não quero ficar no mesmo lugar que ele. —
Afasto-me um pouco para tirar a Duda de perto e deixar que conversem.
— O que está acontecendo aqui? — Escuto o homem perguntando.
— Além disso, ele não pode ficar no mesmo lugar que eu. — Sinto a
Amanda cada vez mais tensa. Minha vontade é de sair daqui com as duas e
não olhar para trás.
— Como assim? Que história é essa?
— Eu tenho uma medida protetiva contra o César, Artur. Ele não
pode se aproximar de mim e nem da Duda.
— Medida protetiva? É do César que estamos falando, Amanda. Ele
nunca machucaria vocês duas. Esse cara está fazendo a sua cabeça. Só pode.
— Não consigo mais ficar calado e me aproximo para responder a ele.
— O homem que você tanto defende a ameaçou na frente da própria
filha. — Falo completamente alterado. — Esse cara que você acha que nunca
machucaria as duas, tentou violentar a Amanda. Está satisfeito agora? Quem
aqui está fazendo a cabeça de quem? — Ele dá um passo para trás como se
tivesse tomado um soco. A Duda começa a chorar no meu colo e eu aperto
mais o corpo dela a mim. — Está tudo bem, princesinha. Fica calma, ok?
— Isso não pode ser verdade. Amanda, diz que ele não está falando
sério. — Pede e vejo a decepção estampada no rosto dele.
— Achei vocês. — A Clara fala chegando perto de nós com a Mel e o
Rodrigo. — O que está acontecendo aqui? — Pergunta quando nota o clima
tenso. Nego com um aceno de cabeça.
— Princesinha, olha quem chegou. Vai com a tia Clara, vai. — Ela se
agarra ao meu pescoço. — A Mel quer brincar com você, Duda.
— Você vai brigar? — Olha-me enquanto pergunta com o rostinho
assustado.
— Não, princesinha. O tio só vai conversar, ok? Vai com a tia Clara.
Você não quer dormir com a Mel? — Concorda com um aceno de cabeça. —
Amanhã o tio busca você, tudo bem? — Viro-me para a minha irmã e digo:
— Depois a gente conversa, Clara. Só leva ela, por favor.
— Tem certeza, Guilherme? — O Rodrigo questiona olhando para o
Artur.
— Tenho, sim, cara. Eles são os donos do escritório onde a Amanda
trabalhava. — Sei que com esta explicação irão entender um pouco o que está
acontecendo.
— Tudo bem. Qualquer coisa me liga, Gui. Não precisa buscar a
Duda amanhã. Vamos almoçar lá na mamãe.
Concordo e a Amanda se despede da Duda e deles. Dou um beijo na
minha sobrinha, outro na minha irmã e aperto a mão do meu cunhado.
Quando eles saem de perto, volto a falar:
— Eu nunca brincaria com um assunto como esse. Você está muito
enganado se pensa que conhece o seu amigo. Tenta se colocar no meu lugar e
vê qual seria a sua reação se alguém cogitasse a ideia de colocar a sua mulher
no mesmo lugar que o homem que tentou violentá-la. Duvido que aceitasse
uma coisa dessas.
— Então, isso é verdade? — Olha para a Amanda que confirma e ele
parece pensar em tudo o que falei. — Desculpa. Você está certo. — Respira
fundo. — Eu nunca esperei que o César fosse capaz de fazer nada parecido
com isso.
— Nem eu. Ele sempre foi muito carinhoso com você. — A Rebeca
fala para a Amanda.
— Vamos conversar. Nós precisamos entender o que aconteceu, mas
não acho que aqui seja o lugar para isso e a Rebeca precisa descansar. Será
que vocês podem ir lá em casa? Assim teremos mais privacidade. — Diz
olhando em volta onde várias pessoas passam nos olhando.
Olho para a Amanda querendo saber o que ela quer fazer.
— Tudo bem. Também preciso entender algumas coisas e acredito
que vocês precisam saber sobre o que nós descobrimos.
— Você ainda sabe o endereço? Estão de carro ou querem ir com a
gente?
— Não precisa, Artur. Ainda sei o endereço e estamos de carro. Daqui
a pouco nos encontramos lá. — Eles se despedem e caminham para uma das
saídas do shopping e nós fazemos o mesmo.
Quando chegamos ao carro questiono:
— Você vai contar tudo o que o amigo dele falou?
— Sim. Não acho justo esconder deles. Fora que talvez o Artur
consiga ajudar o César de alguma maneira. Eles sempre foram muito amigos.
— Se em algum momento você mudar de ideia sobre essa conversa é
só me pedir que eu te tiro de lá na mesma hora, ok?
— Obrigada por estar sempre do meu lado. — Força um sorriso.
— Sempre, pequena. Não há mais nem um lugar sequer que eu queira
estar. — Pego a mão dela e beijo quando paro em um sinal de trânsito.
Capítulo quarenta e dois
Amanda
— Vocês querem beber alguma coisa, uma água, um suco? — A
Rebeca pergunta assim que nos sentamos no sofá da sala dela.
— Não. Obrigada. — Agradeço e o Artur solta um suspiro.
— Não vai adiantar nada ficar protelando, então, conta para a gente o
que aconteceu. Vim o caminho todo tentando entender, mas não consigo.
— Até pouco tempo atrás nem eu mesma entendia. — Admito. — Há
pouco mais de um ano o César começou a mudar.
Conto tudo para eles desde o início. Falo sobre o comportamento dele,
sobre os dias que chegava tarde, sobre estar cada vez mais distante, sobre ele
sempre falar que ia mudar, tudo. Eles não me interrompem em momento
algum. Falo também sobre querer voltar a trabalhar no escritório e o César ter
sido contra, dizendo que eles não queriam.
— Ele nunca falou com a gente sobre você voltar a trabalhar lá. E
claro que a sua vaga ainda está a sua disposição. — O Artur fala me
interrompendo pela primeira vez desde que comecei a falar.
— Agora eu entendo isso. Provavelmente ele não me queria lá para
não descobrir sobre a amante dele. — A Rebeca olha para mim surpresa.
— Nunca esperava isso do César.
— Eu também não. — Confesso. Digo a eles sobre as mensagens e
como foram os últimos dias em que estávamos juntos. Conto também sobre
aquela maldita sexta-feira em que ele tentou me violentar.
— Amanda, preciso te pedir desculpa. Fui completamente grosso com
você no shopping e a única vítima nessa história é você. Defendi o César o
tempo todo, mas ele não merece defesa.
— Isso porque vocês ainda não sabem de tudo. — O Gui diz ao meu
lado e aperta a minha mão. — Quando nós voltamos na casa no dia seguinte,
encontramos um bilhete dele dizendo que a casa estava alugada para outra
pessoa e que ela tinha quatro dias para entregar as chaves.
— Não é possível. Esse homem que vocês estão descrevendo não se
parece em nada com o César que eu conheci. — Sinto a decepção na voz do
Artur mais uma vez. Imagino o quanto deve estar sendo difícil para ele ouvir
isso tudo, mas tenho que continuar.
— Logo depois que me mudei, um homem me procurou. — Não dou
o nome do Maurício. — Ele me contou muitas coisas sobre o César. Falou
sobre a amante, sobre ele estar bebendo cada vez mais e usando drogas.
Acredito que essa mudança tão grande de comportamento seja a mistura de
tudo isso.
— Drogas? Você está me dizendo que o César está usando drogas? —
O Artur anda pela sala e passa a mão nos cabelos diversas vezes. — O que
está acontecendo com o meu amigo?
— Pelo o que esse homem me contou, a amante dele é usuária e
começou a incentivar. Ele está usando cada vez mais. — O Artur levanta a
mão para mim pedindo para que eu pare de falar.
— Preciso de algum tempo para assimilar isso tudo. Nunca esperei
ouvir tais coisas e, se não fosse você a me contar, não acreditaria.
— Antes de qualquer coisa, Amanda, quero reafirmar o que o Artur já
falou. A sua vaga ainda está a sua disposição. Se você quiser voltar a
trabalhar conosco, pode aparecer no escritório na segunda-feira mesmo.
— Obrigada, Rebeca, mas, além de já ter os meus clientes, não tenho
condições de trabalhar no mesmo ambiente do que o César.
— Você não precisa se preocupar com isso. Quem não irá mais
trabalhar lá é ele.
— Artur, não precisa fazer isso. Vocês sempre foram amigos.
— O que você não entende, Amanda, é que eu não posso ter um
funcionário no meu escritório trabalhando com a contabilidade de empresas
que confiaram em mim em quem eu não posso mais confiar. Ele mentiu para
mim e, além de tudo, está usando drogas. Não tenho como mantê-lo.
— Entendo o que quer dizer, Artur, e não discordo de você, mas
contei isso com a intenção que vocês pudessem ajudá-lo de alguma forma.
— Depois de tudo o que ele te fez, ainda se preocupa com ele?
— O César é o pai da Duda e sempre será, Rebeca. Por mais que eu
não esqueça nada do que ele fez, e sei que não vou esquecer, por mais que eu
sinta raiva por tudo o que me fez passar, isso não vai mudar. É pela minha
filha que faço isso. A minha preocupação é com ela.
— Você está certa. Eu vou tentar ajudá-lo. Resta saber se ele vai
querer ajuda.
— Você precisa tentar, Artur. Em nome da amizade de tantos anos de
vocês. Eu não tenho como fazer isso. Ele não aceitaria. Essa mulher
conseguiu colocá-lo contra mim.
— Ela está certa, amor. Mesmo que não consiga, você tem que, pelo
menos, tentar. — Ele abaixa a cabeça e apoia nas mãos. — Vamos mudar de
assunto. Quero saber sobre a Eduarda. Ela está linda. — A Rebeca fala
depois de dois minutos em que todos ficam em silêncio.
— Vem, Guilherme. Vamos deixá-las conversar. Elas têm muito
assunto para colocar em dia. — O Artur levanta e chama o Gui para ir com
ele. Os dois saem da sala e nós voltamos a conversar.
— Agora que somos só nós duas você pode me contar onde conseguiu
esse homem. — Sorri para mim. — Cheguei a pensar que ele fosse avançar
no Artur lá no shopping para te defender. Os dois ficaram exaltados.
— Essa história toda do César ainda mexe muito com ele. —
Justifico. — Quem me amparou na última vez que o César aprontou foram
ele e a família dele. Eu senti que ele queria ir atrás do César, só não foi
porque a Duda e eu estávamos muito nervosas e ele ficou com a gente. A
Duda só conseguiu dormir direito agarrada a ele.
— Ela parece muito apegada a ele. Tem muito tempo que vocês se
conhecem?
— Pouco mais de quatro meses. Entrei para conhecer uma academia e
ele me mostrou. Depois, descobri que era o dono. Acabou me indicando a
escola onde a Duda estuda que é da Clara, irmã dele que encontramos no
shopping, e me aproximei da família.
— Vocês dois... — Não deixo que termine.
— Não, Rebeca. Mesmo que o César não mereça a minha
consideração, nunca me relacionaria com alguém estando casada. Acabei me
aproximando do Gui, mas estamos juntos há três meses, que é o tempo que
saí de casa.
— Desculpa, Amanda. É tanta informação e fui pega de surpresa. Sei
que não faria isso. — Solta um suspiro. — Vamos esquecer, ok? Você parece
feliz. Não me lembro de você assim nem mesmo na época em que casou com
o César e estava tudo bem. — Muda de assunto, o que agradeço.
— O Gui veio para alegrar a minha vida. — Sou sincera. — Nunca
me senti tão bem como me sinto com ele. O César não me tratava como o Gui
nem mesmo no início do casamento. Não tem nem como comparar os dois.
— Que bom. Fico muito feliz por você. — Sinto sinceridade nela. —
A gente não precisa se distanciar mais, Amanda. O Artur e eu não temos
culpa do que aconteceu e eu sinto a sua falta. Nós nos dávamos tão bem. Isso
não precisa mudar. Mesmo que você não volte a trabalhar conosco.
— Eu também senti a sua falta. Não queria que você percebesse que
tinha alguma coisa errada e acabei me afastando. Achei que não teria como
conversar com você sobre os problemas no meu casamento sendo que era
amiga do César.
— Era sua amiga também, Amanda. — Aperta a minha mão. —
Deixa para lá. Não vai adiantar nada ficar aqui falando o que poderia ter sido.
Vamos pensar no agora. Quero saber da Eduarda. Começamos a falar do seu
namorado e você não me respondeu sobre ela.
Começamos a falar sobre a Duda e sobre a gravidez dela e nem vejo o
tempo passar.

Guilherme
Entramos na cozinha e o Artur caminha para a geladeira.
— Quer uma cerveja? — Pergunta pegando uma lata.
— Não. Obrigado. Não costumo beber e ainda vou dirigir. —
Concorda e abre a dele.
— Também não bebo sempre, mas preciso de uma para me ajudar a
engolir tudo isso que vocês me contaram. — Respira fundo e volta a falar: —
Conheço o César desde a nossa adolescência. Quer dizer, achei que conhecia.
Depois de hoje, não sei de mais nada.
— Não tenho a mínima vontade de defendê-lo. Seria mais seguro que
ele não aparecesse na minha frente, pois não sei qual seria a minha reação,
mas acredito que o fato de estar usando drogas e ainda misturando com
bebidas tenha ajudando nessa mudança.
— É a única explicação que eu consigo encontrar. Ainda tem essa
mulher. Será que também é lá do escritório?
— Não sei dizer, mas ela não é culpada sozinha. Se ele não tivesse se
envolvido nada disso teria acontecido. Quem devia respeito à Amanda era ele
e não a mulher. Assim como era ele quem tinha que pensar na Duda em
primeiro lugar.
— Você parece gostar bastante das duas. — Olha-me enquanto bebe
mais um gole de cerveja.
— Gostar não chega nem perto do que eu sinto por elas. Aquelas duas
são minha vida. — Sou sincero. Não tenho motivo para esconder o que sinto.
— Há quanto tempo vocês estão juntos? — Sei muito bem aonde ele
quer chegar com essa pergunta.
— Respondendo ao que você realmente quer saber, nós não tivemos
nada enquanto ela estava casada. Não pelo seu amigo, e sim pela Amanda e
por mim. Não queríamos começar um relacionamento com nada entre a
gente. Se fosse só por vontade, no primeiro dia que ela entrou na academia
não teria saído mais da minha vida. Tive que esperar, mas não me arrependo.
Faria tudo outra vez para tê-las comigo.
— Fico feliz de ouvir o jeito que você fala delas. Posso ser amigo do
César, mas também gosto muito da Amanda. A Rebeca sentiu muito essa
distância, mas achamos que ela quis se afastar e preferimos não forçar nada.
Hoje vejo que isso foi um erro. Se tivéssemos procurado por ela, saberíamos
antes o que estava acontecendo.
— Nada impede que vocês se aproximem outra vez. — A Amanda já
me falou algumas vezes deles e parece gostar bastante da Rebeca. Não vejo
motivo para implicar com essa aproximação agora que eles entenderam o que
aconteceu.
— Pelo jeito aquelas duas já estão fazendo isso. — Sorri pela primeira
vez desde que nos encontramos no shopping. — Devem estar colocando o
papo em dia.
— Queria aproveitar que a Amanda não está aqui para te pedir um
favor. Não acho uma boa ideia falar para o César que a Amanda contou tudo
isso para vocês. Sei que ele é seu amigo, mas tenho motivos suficientes para
não confiar. Se ele ficar sabendo, pode tentar fazer alguma coisa contra ela e
eu prefiro evitar esse risco.
— Você está certo. É melhor evitar. Ele não precisa saber como eu
descobri. — Concorda.
— Vou deixar o número do meu celular com você. Se puder me
manter informado sobre ele, te agradeço. Quero estar preparado se ele tentar
alguma coisa. — Pego um cartão com os meus contatos na minha carteira e
entrego para ele.
— Conheço essa academia. — Diz olhando para o nome impresso no
cartão. — Você é o dono?
— Sou sócio da minha irmã e administrador.
— Já escutei falar muito bem. Vou aparecer lá qualquer dia.
— Pode pedir para me chamar. — Olho para o relógio no meu pulso e
falo: — Acho melhor chamar a Amanda para irmos embora ou não saio daqui
hoje.
— Com certeza. Aquelas duas devem estar conversando sobre tudo o
que não falaram durante todo o tempo que ficaram sem se ver. — Sorrio e
volto para a sala com ele logo atrás de mim.
— Pequena, vamos? Já está tarde. Outro dia vocês conversam mais.
Acredito que o dia já foi bastante agitado para uma gestante que estava de
repouso.
— O Gui tem razão. Vamos marcar um almoço para terminar a nossa
conversa. — A Amanda fala e se levanta para se despedir deles.
— Aqui, Guilherme. — O Artur me entrega um cartão com o nome
dele. — Leva o meu também. — Aperta a minha mão. Despeço-me da
Rebeca enquanto a Amanda se despede dele e seguimos para o meu carro.
— Como você está? — Questiono assim que saio com o carro.
— Bem. Estou me sentindo leve. Tanto por saber que eles não
queriam essa distância como por que sei que o Artur pode ajudar ao César de
alguma maneira.
— Sim. Aos poucos as coisas vão se ajeitando. — Sorrio para ela que
retribui. — Quer passar em algum lugar para comer alguma coisa?
— Não. Prefiro ir direto para casa e fazer alguns sanduíches para a
gente comer. Quero aproveitar que estamos sozinhos hoje.
— Melhor esquecer os sanduíches. Tenho coisas muito mais gostosas
para saborear. — Pisco para ela que coloca a mão na minha coxa e começa a
acariciar. — Pequena, se você quer chegar em casa em segurança é melhor
parar. Não vou conseguir me concentrar assim.
— Mas eu não estou fazendo nada. — Fala se fingindo de inocente.
— Imagina se estivesse. Se você não parar, eu vou encostar o carro
aqui mesmo e não vou me importar nem um pouco que estamos em uma rua
movimentada.
— Você é um estraga-prazeres, grandão.
— Quando chegarmos em casa vou te mostrar que sei muito bem dar
prazer e não estragar. Tenho a noite toda para te provar. Nos dois sentidos. —
Ela balança a cabeça sorrindo e eu acelero mais um pouco. Não vejo à hora
de cumprir o que acabei de prometer.
Capítulo quarenta e três
Guilherme
Estou fazendo a vistoria do dia na academia. Sempre gosto de dar
uma volta pelas instalações para ver se está tudo correndo como deve. Vejo
algumas alunas em um canto me olhando e cochichando, mas não me
importo.
Depois do dia em que a Amanda discutiu com uma e me beijou na
frente de todos, elas quase não chegam mais perto de mim. Ela é sempre
tranquila, trata a todos super bem, mas, se vê alguma aluna se jogando para
cima de mim, se transforma. Diz que sou ciumento, porém, não fica atrás.
Sinto o meu celular vibrar no bolso da minha calça e pego para
atender. Olho no visor e vejo o nome do Artur que salvei depois que ele me
deu o cartão no sábado. Atendo a ligação e começo a caminhar para a minha
sala.
— Boa tarde, Guilherme. Você está podendo falar?
— Boa tarde, Artur. Estou sim. Espera só um minuto que vou entrar
na minha sala para escutar melhor. Pronto, cara. Pode falar. — Digo assim
que fecho a porta.
— Só para te contar que eu falei com o César hoje pela manhã. Não
disse nada sobre a Amanda, mas achei melhor te avisar.
— Claro. Obrigado por isso. Por mais que você não tenha falado, ele
pode desconfiar. Quem mais contaria sobre isso para vocês?
— Pois é. Foi o que pensei. Ele surtou. Disse que não era verdade e
que ela é que quis se separar porque tinha um amante.
— Ele falou a mesma coisa para o homem que nos contou tudo. Não é
homem nem para assumir o que faz e quer jogar a culpa para cima da
Amanda.
— Hoje percebi como o César está diferente. Nós discutimos feio
aqui. Ele tentou me agredir, quis quebrar a sala, não tem mais nada do cara
que eu conheci. Saiu daqui dizendo que eu ia me arrepender e discutiu com o
único funcionário aqui que ainda era amigo dele. — Fico preocupado que ele
desconfie do Maurício e faça alguma coisa já que ele era o único que sabia de
tudo. — Depois que saiu, os outros funcionários vieram falar comigo e me
contaram como ele andava agindo. Fico me perguntando como não percebi o
que estava acontecendo dentro do meu próprio escritório.
— Não tinha como, Artur. Você estava afastado por causa dos
problemas com a gravidez da Rebeca. A culpa não é sua. — Tento convencê-
lo.
— Sei que você tem razão, mas não consigo deixar de me culpar. Se
eu tivesse percebido isso antes, poderia evitar que chegasse a esse ponto. —
Respiro fundo para não responder. Sei que está falando sobre o casamento da
Amanda e do César. — Desculpa, Guilherme. Não foi isso que eu quis dizer.
Só queria poder tirá-lo desse vício, que, pelo o que percebi, está cada vez
pior. Ele chegou aqui com os olhos vermelhos logo cedo.
— Ainda não é tarde para isso, Artur. Basta ele aceitar ajuda.
— O problema é esse. Não acho que vá aceitar. Do jeito que ele saiu
daqui, não acredito que ainda tenhamos algum tipo de contato por mais que
eu tente.
— A coisa foi tão feia assim? — Questiono.
— Bem pior do que eu esperava. Ainda bem que consegui convencer
a Rebeca de não vir comigo. Ela ficaria muito nervosa com tudo isso e
acabaria passando mal. Não preciso de mais problemas do que já tenho no
momento. Bom, liguei só para te avisar mesmo. Vou deixar você trabalhar e
fazer o mesmo. Preciso dar um jeito na bagunça que ficou a minha sala.
— Tudo bem. Qualquer novidade me avisa, por favor. Agora você
entende o motivo da minha preocupação.
— Pode deixar. Só mais uma coisa, você vai contar para a Amanda?
— Você vai contar para a Rebeca? — Respondo com outra pergunta.
— Está certo. Só que talvez não seja a melhor solução fazer isso.
Deixá-las sem saber de nada pode ser pior.
— Já pensei nisso. Elas não seriam pegas de surpresa se soubessem.
— Pois é. Fora que preciso falar alguma coisa para ela mesmo que
diminua um pouco. A Rebeca não é boba e vai desconfiar caso eu não faça
isso.
— A Amanda também. — Concordo com ele. — Não temos muita
escolha.
— Não mesmo. — Escuto alguém chamando por ele. — Tenho que
desligar que estão me chamando aqui. Depois nos falamos. — Despeço-me
dele e desligo.
Fico pensando no que ele falou. Sei que preciso contar para a
Amanda, mas queria poder deixá-la fora disso tudo. Queria que ela não
precisasse mais se preocupar com nada que dissesse respeito ao César e que
tivesse paz finalmente, mas, infelizmente, não tenho esse poder.
Tenho medo do que ele pode fazer já que a culpou pelo que
aconteceu, só que não posso prendê-la em casa. Passo a mão pelos cabelos e
solto um suspiro alto.
— O que aconteceu, Gui? Que cara é essa? — Parece que ela sabe
que eu estava pensando nela e aparece na minha frente sem que eu a tenha
escutado entrar.
— Oi, pequena. Pensei que não viesse hoje. — Desconverso.
— Você não me enrola, grandão. — Diz sentando no meu colo. —
Por que você está preocupado?
— O Artur acabou de me ligar. — Sei que não vai adiantar esconder
dela. — Ele demitiu o César hoje.
— E você está preocupado com isso? — Pergunta sem entender aonde
quero chegar.
— Ele pode te culpar por isso, pequena. Por mais que o Artur não
tenha dito que foi você quem falou para ele, as opções não são muitas.
— Eu já tinha pensado nisso, mas não me importo, Gui. O Artur tinha
que saber.
— Você não entendeu, pequena. E se ele te procurar e fizer alguma
coisa contra você? — Fecho os olhos e respiro fundo.
— Ei. Ele não vai fazer nada. O César não sabe onde estou morando.
Não tem como me encontrar. — Aperto o corpo dela contra o meu.
— Não acredito muito nisso, pequena. Ele sabe onde a Duda estuda e
pode te seguir. Toma cuidado, por favor. — Peço.
— Gui, calma. Não vai acontecer nada. Eu vou tomar cuidado, ok? —
Segura o meu rosto com as mãos e me beija.
Tento me acalmar. Não queria deixá-la assustada e acabei fazendo
justamente isso, mas só em pensar naquele homem perto dela eu já fico
louco. Ela encerra o beijo aos poucos e fica fazendo carinho na minha nuca.
— Você não me falou o que veio fazer aqui. Não disse que ia ficar em
casa? — Mudo de assunto.
— Saí de casa mais cedo para buscar a Duda e resolvi passar para te
dar um beijo. Não gostou da surpresa? — Pergunta prendendo um sorriso.
— Tanto que decidi ir buscar a nossa princesinha junto com você e
passar o resto do dia com as duas. — Faço um carinho no rosto dela.
— Nada disso, senhor Guilherme. Você tem que trabalhar e eu
também.
— É só um dia, pequena. Amanhã volta tudo ao normal. Prometo. —
Tento convencê-la. Ela semicerra os olhos para mim.
— Por que será que eu acho que você está me enrolando?
— Não sei o que você quer dizer. — Beijo o pescoço dela. — Vamos
que está na hora da princesinha sair. — Levanta-se. Faço o mesmo e vamos
para a escola.
Caminhamos de mãos dadas e tento esquecer esse assunto por
enquanto. Disse que queria passar o dia com as duas e é isso que vou fazer.
Não vou deixar que esse cara atrapalhe os meus planos mesmo de longe.
— Tio Guiiiiiii. — A Duda vem correndo para mim quando me vê.
— Quem vê pensa que ela não te viu hoje de manhã. — A Amanda
fala ao meu lado e vejo algumas mães nos olhando e cochichando.
— Oi, princesinha. Acho que a mamãe está com ciúmes. — Implico.
Ela me dá um beliscão de brincadeira.
— Vamos, mocinha. Está na hora do seu almoço.
— Tio Gui, você vai com a gente? — Pergunta agarrada ao meu
pescoço.
— Você quer que eu vá? — Ela acena com a cabeça em acordo. —
Então o tio vai passar o dia com vocês.
— Obaaaaaa. — Grita e vejo a Amanda sorrindo para nós.
— Já vi que estou perdida com vocês dois.
Vamos para casa e eu passo o caminho todo olhando em volta
procurando pelo César. Almoçamos, brinco com a Duda enquanto a Amanda
trabalha, mas não consigo relaxar completamente. A sensação que alguma
coisa vai acontecer não me deixa.
Na hora de dormir a Duda pede para dormir conosco e eu adoro a
ideia. Assim posso ficar de olho nela durante a noite toda. Convenço a
Amanda e nos deitamos com a Duda entre nós dois.
Coloco meu braço por cima das duas abraçando-as dormindo e peço
que essa sensação não passe de coisa da minha cabeça.
— Não vou deixar que nada aconteça com vocês. Eu prometo. — Dou
um beijo na cabeça de cada uma e tento dormir também.
Capítulo quarenta e quatro
Amanda
Hoje faz uma semana que o Artur demitiu o César e pensei que o Gui
fosse enlouquecer. Ele inventava desculpas o tempo todo para não me deixar
andar sozinha na rua. Se dependesse dele, eu não sairia de casa para nada e a
Duda não iria nem para a escola.
No dia em que soube, ele passou o tempo todo com a gente. Senti
durante o caminho para casa que estava tenso e olhava para o lado o tempo
todo. Fiz de tudo para tentar distraí-lo, mas tenho minhas dúvidas se consegui
realmente.
Durante a semana, ele inventou que vinha almoçar em casa e que eu
não precisava sair para buscar a Duda que a traria para mim, foi comigo na
loja que eu presto assessoria e não foi trabalhar no sábado só porque eu
queria levar a Duda na praça.
— Pode deixar que eu levo a Duda para a escola. Estou indo para
academia, você não precisa sair de casa. — Diz enquanto eu arrumo o lanche
dela.
— Gui, chega! — Largo tudo em cima da mesa e viro-me para ele
parado na porta da cozinha. — Não vou viver presa dentro de casa por causa
do César. Já tem uma semana que você está tenso desse jeito e não relaxa
nem um minuto sequer. Você está exagerando. — Caminha para perto de
mim e me abraça apertado.
— Desculpa, pequena. Sei que estou sendo chato, mas me preocupo
com vocês.
— Eu sei, Gui, mas não precisa. Se ele fosse fazer alguma coisa já
teria feito.
— Você está certa. Prometo que vou tentar relaxar um pouco, ok? —
Seguro o rosto dele e dou um beijo leve em seus lábios. — Mas quero levar a
Duda na escola. — Vou falar, mas ele me cala com um beijo. — Não é por
isso, eu gosto de levá-la.
— Tudo bem. Vou terminar aqui para a gente sair, então. Olha o que
ela está fazendo, por favor. — Peço.
— Está sentadinha na sala vendo desenho. Eu mesmo liguei a
televisão para ela antes de vir para cá. — Puxa o meu corpo para mais perto
dele. — Vamos aproveitar para namorar um pouco. Sei que você vai me
deixar o dia todo de castigo sem te ver.
— Deixa de ser dramático, grandão. Até parece que não vamos nos
ver hoje.
— O que eu posso fazer se você me viciou nos seus beijos? — Suga o
meu lábio inferior.
— Se você continuar fazendo isso a Duda vai chegar atrasada na
escola.
— Podemos voltar depois de levá-la. — Pisca para mim.
— Nada disso. Você vai trabalhar e eu também. — Afasto-me dele.
— Anda. Vai ficar com a Duda para que eu possa terminar aqui.
— Sim, senhora. — Beija meus lábios mais uma vez e sai.
Termino de preparar o sanduíche, coloco o suco na garrafa e arrumo
tudo na lancheira dela. Seguimos juntos para a escola e, depois de deixarmos
a Duda na escola, volto para casa e o Gui vai para a academia.

****

— Acorda, filha. Você vai se atrasar para a escola. — Chamo a Duda


pela segunda vez.
— Não quero, mamãe. Quero ficar com você. — Diz manhosa me
causando estranheza. Ela nunca pede para faltar a escola.
— O que foi, meu amor? Você sempre vai tão animada para a escola.
Por que não quer ir hoje?
— Quero ficar com você. — Diz outra vez.
— A mamãe tem que trabalhar, filha. Não posso te levar comigo.
Vem se arrumar. A Mel vai sentir a sua falta se você não for. — Tento
convencê-la.
— Eu não quero, mamãe. — Fala com voz manhosa mais uma vez.
— Você está sentindo alguma coisa? Está dodói? — Pergunto
preocupada.
— Não. — Deita a cabeça no meu ombro e se agarra ao meu pescoço.
— Eu fico com ela, pequena. — O Gui diz parado na porta do quarto
dela.
— Não, Gui. Você também precisa trabalhar. Ela gosta da escola. Só
deve estar cansada. Quando chegar lá e ver as amiguinhas vai se animar.
— Mas ela não quer ir, pequena. Ela pode ficar comigo na minha sala
brincando enquanto você faz o que precisa fazer.
— Por que você não quer ir, filha? — Tento entender o que está
acontecendo.
— Quero ficar com você. — Responde a mesma coisa outra vez ainda
agarrada ao meu pescoço.
— Vamos combinar o seguinte, a mamãe vai te levar para a escola e,
de tarde, a gente vai brincar na pracinha, tudo bem? — Dá um aceno de
cabeça fraco.
— Pequena... — O Gui me chama, mas não deixo que fale.
— Não, Gui. Se você fizer isso ela vai acabar acostumando. Ela não
está sentindo nada. Só está dengosa.
— Tudo bem. — Cede. — Mas vou avisar a Clara para me ligar se ela
não ficar bem e vou buscá-la.
Não discordo. Acredito que vou ficar mais segura assim também. Não
sei o que aconteceu para a Duda pedir para não ir à escola, já que ela adora,
mas preciso resolver algumas coisas na rua hoje e não quero atrapalhar o Gui
por mais que ele diga que não tem problema.
Preparo o prato dela de cereal com leite e arrumo o lanche para
colocar na lancheira. Depois que ela come tudo, dou banho e a arrumo para
podermos sair. Chegamos à escola com ela agarrada ao pescoço do Gui.
— Que carinha é essa, Duda? — A Clara pergunta assim que nos vê.
— Ela não queria vir. Se você perceber qualquer coisa me liga que
venho buscá-la, ok? A Amanda tem algumas coisas para resolver na rua hoje,
mas eu venho.
— Aconteceu alguma coisa? — Pergunta preocupada.
— Não. Ela acordou pedindo para ficar em casa. Ainda pensei que
estivesse sentindo alguma coisa, mas negou. — Respondo.
— Vem com a tia Clara, Dudinha. A Mel está lá na sala te esperando
para brincar. — Estica os braços para ela que demora a aceitar. — Qualquer
coisa eu te ligo, Gui. — Diz e entra com ela. Escuto quando o Gui solta um
suspiro do meu lado.
— Ainda acho que ela poderia ficar comigo. A Duda não me
atrapalha, pequena.
— Você mima muito a Duda, Gui. Se eu achasse que ela estava
sentindo alguma coisa, seria a primeira a ficar em casa para poder ficar com
ela. É só manha. Daqui a pouco começa a brincar e esquece.
— Tudo bem. Mas, se ela continuar assim tristinha, eu venho buscar.
— Avisa. — Quer que eu te leve? — Muda de assunto.
— Não precisa, Gui. Vai trabalhar. Mais tarde a gente se fala. — Dou
um beijo nele e me despeço. Ele caminha para a academia e sigo para a loja.
Hoje minha vontade era de ficar em casa com a Duda, porém, já tinha
marcado de ir à loja e a empresa e não teria como. Não entendi o que
aconteceu para ela agir assim, mas acredito que seja só manha mesmo já que
ela não está sentindo nada.
Sei que o Gui não gostou de não poder ficar com a Duda, mas não
posso fazer todas as vontades dela e ele tem que entender isso. Não quero que
ela acostume a faltar à escola para ficar na academia. Por mais que ele diga
que não atrapalha, sei que está sempre resolvendo alguma coisa, isso quando
não tem que ajudar nas aulas porque algum professor faltou.
Chego à loja, resolvo logo tudo o que preciso e sigo para a empresa
que fica mais distante da escola. Espero que dê tempo de pegar a Duda, mas
sei que, se precisar, o Gui pega para mim. Chego à empresa e sigo direto para
o escritório onde sempre fico. Começo a preparar os relatórios e nem vejo a
hora passar até que recebo uma mensagem do Gui perguntando como estou.
Respondo e volto a trabalhar.
Depois de segunda-feira, quando eu dei um basta no cuidado
excessivo do Gui, ele conseguiu se controlar mais durante esta semana. Não é
que eu não goste da preocupação dele com a Duda e comigo, mas também
não precisa tanto. Ele estava exagerando e deixando tudo de lado para ficar
com a gente.
Ainda me manda mensagens durante o dia, como a que acabou de
mandar, para saber se estamos bem e se precisamos de alguma coisa, pede
para a gente almoçar com ele na academia, mas, isso, acho que nunca vai
parar. É o jeito dele mesmo.
Meu telefone toca e logo penso que é ele outra vez. Pego para atender
achando que pode ser alguma coisa com a Duda e vejo o número do César no
visor. Foram tantos anos ligando para esse número que ainda não consegui
esquecer.
Sinto vontade de ignorar, mas resolvo atender para ver o que ele quer
de uma vez.
— Você acabou com a minha vida, sua vadia. Perdi meu emprego por
sua causa. Perdi tudo o que tinha.
— A culpa é exclusivamente sua, César. Você procurou por isso com
as suas atitudes. Eu não tenho culpa de nada. — Tento não me exaltar, pois
sei que só irá piorar as coisas se isso acontecer.
— Foi você, sim. Você que acabou com o nosso casamento e me fez
perder o emprego. — Grita ao telefone. — Por sua causa eu perdi o meu
amigo e não tenho mais nada. Até a Nicole me largou por sua culpa.
— César, você precisa se tratar. Esse vício não vai te levar a lugar
nenhum. — Tento fazer com que ele entenda.
— Eu não preciso de tratamento. — Fala completamente alterado. —
Você vai me pagar, Amanda. Eu vou tirar tudo de você como fez comigo. E
vou começar pelo o que você mais ama. Pode esperar. — Diz e desliga sem
me dar tempo de responder.
Começo a tremer de nervoso. O que será que ele quis dizer com isso?
Será que o Gui tinha razão de se preocupar tanto que ele fizesse alguma coisa
com a Duda ou comigo?
Gui. Eu preciso do Gui. Só ele vai conseguir me acalmar. Ligo para
ele na mesma hora. Ele atende no primeiro toque como se esperasse que eu
fosse ligar.
— Oi, pequena. Já está com saudade? — Brinca.
— Gui, por favor. Eu preciso de você. — Peço nervosa.
— Calma, pequena. Onde você está? Estou indo te buscar agora. O
que aconteceu? — Escuto um barulho alto, provavelmente a cadeira dele
caindo quando se levantou.
— Não, Gui. A Duda. Pega a Duda para mim.
— Amanda, você precisa se acalmar. Eu não estou entendendo o que
está acontecendo. O que tem a Duda, pequena?
— O César acabou de me ligar, Gui. Ele me ameaçou. Disse que
perdeu tudo e a culpa é minha. Que vai me atingir onde eu mais amo. Ele vai
fazer alguma coisa com a Duda, Gui. Eu sinto isso. Vai à escola para mim.
Você está mais perto. — Começo a chorar.
— Pequena, eu preciso que você me escute. — Fala tentando me
acalmar. — Ele não vai conseguir pegar a Duda. A Clara nunca deixaria que
isso acontecesse. Agora, quero que me diga onde você está para que eu possa
te buscar. Não sai daí, entendeu?
— Não, Gui. Pega a Duda para mim. Você está mais perto. Eu
encontro com vocês na academia. Vou ligar para a Clara e falo com ela.
— Não, Amanda. Eu estou perto da escola, não precisa. Vou buscar a
Duda e te pego aí em seguida. Não sai daí de jeito nenhum, ouviu? Faz o que
estou te pedindo, por favor e me manda uma mensagem com o endereço certo
da empresa. Isso pode ser uma armação dele para te pegar. Quem está aí com
você?
— A secretária da empresa e mais alguns funcionários. O Bruno ainda
não chegou.
— Avisa a secretária para tomar cuidado antes de liberar a entrada de
qualquer pessoa, pequena, e me espera.
— Tudo bem. — Concordo. — Só me avisa quando você estiver com
ela. Não vou sossegar enquanto não tiver certeza que a minha filha está bem.
— Pode deixar. Só me espera, pequena. Promete que não vai fazer
nada. Eu já estou saindo daqui.
— Não vou sair, Gui. Só não demora, por favor.
Capítulo quarenta e cinco
Guilherme
Desligo e corro pelo corredor para a saída da academia. Sei que a
Clara não entregaria a Duda para o César, mas tenho medo que isso seja uma
armação dele para pegar a Amanda.
Estou na saída da academia quando o meu celular toca outra vez.
Atendo pensando ser a Amanda, mas é a Clara.
— Gui, vem aqui para a escola. O César está aqui no portão gritando
que quer levar a Duda e ela está muito assustada. — Desgraçado.
— Já estou saindo da academia, Clara. Não deixa que ele entre, mana.
Faz qualquer coisa, mas não deixa que ele pegue a Duda. — Esbarro em
alguém e, quando me viro para pedir desculpa, vejo o Felipe. — Liga para a
polícia. Já estou chegando. — Digo olhando para ele que para na mesma
hora.
— Quem vai ligar para a polícia? O que está acontecendo? —
Pergunta preocupado.
— Estou indo para a escola. No caminho eu te explico. Você está de
carro? Não quero ter que ir em casa pegar o meu e preciso buscar a Amanda
também.
— Vamos no meu, mas começa a falar. — Pede andando apressado
ao meu lado na direção onde estacionou o carro.
— O César ligou para a Amanda ainda agora. Ele a ameaçou, disse
que ela tirou tudo dele e que vai fazer o mesmo começando pelo o que mais
ama. — Entramos no carro e ele arranca na direção da escola.
— Desgraçado. Vocês acham que ele vai fazer alguma coisa com a
Duda? — Questiona e sinto a preocupação na voz dele.
— Ele está na porta da escola, Felipe. Era com a Clara que eu estava
falando.
— A Clara não tem que entregar a Duda. A medida protetiva se
estende para ela também. — Vira a esquina da rua da escola e vejo o carro do
César parado do outro lado da rua.
— Ele está no carro. — Mostro para o Felipe. Olho para ele quando
passo e vejo que parece estar completamente fora de si. — Mandei a Clara
ligar para a polícia. Espero que eles não demorem. — Ele estaciona o carro
na porta da escola e nós descemos.
Chego ao portão e o Luiz está me esperando.
— Ele só saiu daqui quando eu disse que estavam ligando para a
polícia. O cara não está normal, Guilherme. Está visivelmente alterado.
— Onde a Duda está? A Clara já ligou para a polícia? — Pergunto
enquanto olho para onde o carro do César está estacionado.
— A Clara está com a Duda na sala dela. Ela estava aqui na frente no
parquinho. Acabou escutando o pai gritando e ficou muito assustada.
Na hora em que vou entrar para buscá-la o carro da polícia encosta
perto do meu. Vejo dois policiais descendo do carro e os reconheço. Eles são
alunos da academia.
— Fala, Guilherme. O que aconteceu aqui? Estávamos fazendo a
ronda quando recebemos o aviso no rádio. — Aperto a mão deles e o Felipe
faz o mesmo.
— Deixa que eu explico para eles, Guilherme. Vai lá dentro tentar
acalmar a Duda. Eu te espero para a gente buscar a Amanda.
— Valeu, Felipe. — Passo pelo Luiz e vou direto para a sala da Clara.
— Tio Gui. — A Duda corre para o meu colo chorando e eu tenho
que me controlar para não sair e acabar de uma vez por todas com aquele
filho da mãe.
— Está tudo bem, princesinha. O tio Gui está aqui. — Abraço o corpo
dela apertado ao meu. A Clara vai falar alguma coisa, mas nego com um
aceno de cabeça. Não quero falar nada na frente da Duda. — Depois eu te
ligo, Clara. Vou buscar a Amanda agora. O Felipe está lá fora conversando
com os policiais.
— Não se esquece de me manter informada, Gui. — Pede. — Vou
ficar esperando você me ligar.
— Pode deixar. Eu só quero sair logo daqui com ela. — Digo
caminhando para a porta com ela logo atrás de mim.
— Vamos, Guilherme. Eu já expliquei o que aconteceu. Eles vão ficar
aqui de olho mais um pouco. Quando a gente pegar a Amanda vemos o que
fazemos. — O Felipe fala assim que eu chego ao portão.
— Vocês dois, tomem cuidado, por favor. — A Clara pede
preocupada.
— Pode deixar, Clarinha. Vamos no carro do tio Lipe, princesinha?
— O Felipe tenta animar a Duda, mas é em vão.
Despeço-me de todos e entro no carro com ela. Sento-me no banco de
trás e coloco o cinto de segurança nela já que aqui não temos cadeirinha.
Mando uma mensagem para a Amanda avisando que estou saindo daqui para
buscá-la e que está tudo bem. Não quero contar por telefone o que aconteceu
e preocupá-la ainda mais.
Passo o endereço para o Felipe e ele sai com o carro. Lembro-me que
a Duda não queria vir à escola hoje de jeito nenhum. Parece até que ela estava
sentindo que isso ia acontecer assim como a sensação que me perseguiu
desde o dia em que o Artur me contou que tinha demitido o César.
Sinto o Felipe tenso, olhando pelo retrovisor a todo o momento e sei
que tem alguma coisa errada. Olho para trás e vejo um carro cada vez mais
próximo de nós.
Eu conheço esse carro e só o fato de estar nos seguindo já me deixa
nervoso. O que será que esse cara pretende fazer? Ele parecia fora de si e
tenho medo do que está passando na cabeça dele neste momento.
— É ele, não é? — Pergunto só para confirmar. Ele acena com a
cabeça em acordo sem desviar os olhos do trânsito. — O que será que ele
quer? Esse desgraçado não vai desistir?
— Parece que não. Fica com ela e deixa que eu cuido disso,
Guilherme. Ela está de cinto, não está? Coloca o seu também e tenta distraí-
la.
— Tudo bem. — Respondo a ele e me viro para a Duda. — O que
você fez na escola hoje, princesinha? — Tento fazer com que ela preste
atenção em mim.
— Por que o papai estava gritando na minha escolhinha, tio Gui? Ele
está triste comigo? Eu não fiz nada. — Diz com os olhos brilhando de
lágrimas.
Respiro fundo e tento pensar em uma desculpa para não complicar a
situação. Essa menina já passou por coisa demais para eu piorar por estar
com vontade de socar a cara do pai dela para ver se ele para de fazer as
mulheres da minha vida sofrerem. Porque é isso que ela e a mãe dela são para
mim. Sou capaz de tudo pelas duas.
Olho para trás mais uma vez e vejo que ele está cada vez mais perto.
Percebo também que, logo atrás, tem um carro da polícia.
— É claro que ele não está triste com você, princesinha. Ele só estava
nervoso. Adulto é assim mesmo. Vive fazendo besteira e depois se arrepende.
Escuto uma pancada e o carro quase perde a direção. Olho para o lado
e vejo que é ele tentando nos jogar para fora da rua.
— Segura ela, Guilherme. Esse homem está louco. Vou tentar sair
daqui, mas o trânsito não está ajudando.
— O que foi isso, tio Gui? — A Duda pergunta assustada.
— Nada, minha princesinha. O tio Lipe já vai tirar a gente daqui. Fica
calma, tudo bem? É só você ficar quietinha.
O Felipe consegue sair em uma rua com menos movimento e ele vem
logo atrás. Escuto a sirene da polícia e espero que consigam nos alcançar
antes que ele faça mais alguma loucura.
Assim que fazemos outra curva ficamos de frente com vários carros
parados em um sinal. Não tem para onde o Felipe fugir. Viro-me para ver
onde ele está e percebo que deu um pouco de distância.
Quando acho que desistiu, ele acelera e vem a toda velocidade em
nossa direção. Só tenho tempo de soltar o meu sinto e tentar proteger a Duda
com o meu próprio corpo. Somos jogados com a batida e o carro roda na rua,
batendo em seguida em um muro. Sinto meu corpo doer, mas só consigo
pensar se a Duda está bem.
Começo a olhar para ela a procura de algum machucado.
— Você está bem, Dudinha? Fala com o tio Gui, minha princesinha.
— Eu quero a minha mãe. — Diz completamente assustada e
chorando muito.
— Tenta sair daqui com ela. Ele está vindo para cá. Rápido, cara.
Viro-me para ver o que ele está falando e vejo o César vindo em
nossa direção com uma arma na mão. Tento abrir a porta e não consigo. O
carro está amassado de um lado e o outro está encostado no muro me
impossibilitando de sair.
Percebo que o Felipe também tenta abrir a porta dele e não consegue.
Jogo o meu corpo por cima do da Duda e fecho os olhos fazendo uma prece
para que a polícia chegue aqui a tempo de impedir esse louco e que ele não
tenha coragem de machucar a própria filha. Escuto um disparo e tudo para ao
meu redor.
Capítulo quarenta e seis
Amanda
Ando de um lado para o outro no escritório nervosa enquanto espero o
Gui me ligar. Já se passaram vinte minutos e nada. Fiz o que ele me pediu
assim que desliguei.
Falei com a secretária o que estava acontecendo, ela deu o nome do
César na portaria, avisou para não deixá-lo subir e me tranquilizou dizendo
que a segurança daqui é muito rigorosa e que ninguém entra sem se
identificar.
Tento ficar calma, pois tenho certeza que o Gui não vai deixar que
nada aconteça a Duda, mas não paro de tremer. Não consigo ficar parada,
minha vontade é sair daqui e ir encontrá-los na escola, porém sei que o Gui
pode ter razão e prefiro acreditar que isso não passou de uma armação do
César para tentar me pegar e que ele não teria coragem de fazer nada contra a
própria filha.
Meu telefone apita sinalizando que uma mensagem chegou. Pego para
ver e quase o deixo cair de tanto que a minha mão treme. Vejo o nome do
Gui no visor e leio a mensagem.
Graças a Deus está tudo bem e eles já estão vindo para cá, mas eu só
conseguirei ficar calma quando estiver com os dois na minha frente. Preciso
vê-los para ter certeza que nada aconteceu.
Desligo o meu notebook e guardo as minhas coisas para quando eles
chegarem já estar pronta para sair. Não tenho a mínima condição de trabalhar
hoje. Depois eu explico para o Bruno o que aconteceu e marco outro dia para
nos reunirmos.
Vou ao banheiro, jogo uma água no rosto e ando de um lado para o
outro. Não aguento mais esperar. Já se passaram trinta minutos que ele me
disse que estava vindo e já deveriam ter chegado. Tento ligar para o celular
do Gui, mas ele não atende.
Tem alguma coisa errada. Preciso fazer alguma coisa, mas não sei o
que. Pego minha bolsa para sair. Não aguento ficar mais nem um minuto
sequer aqui esperando sem fazer nada.
— Só assim para a gente se encontrar. — O Carlos fala animado
entrando no escritório onde estou e para de sorrir assim que vê minha
fisionomia. — O que aconteceu, Amanda? — Pergunta preocupado. Cubro
meu rosto com as mãos e respiro fundo antes de responder.
— A Duda, Carlos. O César fez alguma coisa. — Falo sem conseguir
me explicar direito.
— Calma, Amanda. Respira e se acalma ou não vou conseguir te
entender. — Pede se aproximando de mim e me fazendo sentar no sofá. Puxa
uma cadeira e senta-se à minha frente.
Respiro fundo e volto a falar. Conto a ele sobre a ligação do César e o
que ele disse. Falo também sobre o Gui ter ido buscar a Duda na escola e que
viria me pegar depois.
— Ele já era para ter chegado, Carlos. Já tem mais de trinta minutos
que me avisou que estava vindo. O caminho da escola para cá não demora
tanto assim.
— O Guilherme disse se estava tudo bem? — Aceno com a cabeça
em acordo. — Então, Amanda. Espera um pouco. Ele já deve estar chegando.
Você tentou ligar para ele?
— Mais de uma vez e ele não atende. Aconteceu alguma coisa,
Carlos. Eu sinto isso e não vou ficar aqui esperando sem saber de nada.
— E vai para aonde, Amanda? Se você sair daqui vão se
desencontrar. Tenta ligar mais uma vez. — Faço o que ele diz.
— Não adianta, Carlos. Ele não atende. Vem comigo, por favor.
Assim vou chegar mais rápido do que se tiver que pegar um táxi.
— Amanda, olha para mim. — Segura as minhas mãos quando pede.
— O seu namorado já não gosta de mim e não faz questão de disfarçar. Se
você sair daqui comigo depois de ele te pedir para não fazer isso, ele não vai
gostar e eu não quero que vocês briguem por minha causa. Espera mais um
pouco.
— Não, Carlos. Se você não for comigo, eu vou sozinha. — Digo
firme e me levanto.
— Merda. — Levanta-se também e entra na minha frente me
impedindo de passar para a porta. — Liga só mais uma vez. Se ele não
atender, eu te levo, ok? Não vou deixar você sair daqui sozinha se o César te
ameaçou.
Dou um abraço nele para agradecer e tento mais uma vez ligar.
— Nada. Já perdi as contas de quantas vezes tentei ligar. Ele já era
para ter chegado a mais de vinte minutos, Carlos.
— Vamos. — Diz. Caminhamos juntos para a saída do escritório e eu
pego a minha bolsa em cima da mesa. — Avisa ao Bruno que a Amanda saiu
comigo e depois eu ligo para explicar o que aconteceu. — Fala para a
secretária quando passamos na mesa dela que mal tem tempo de acenar com a
cabeça em acordo.
Saímos apressados do prédio e seguimos para o estacionamento onde
ele deixou o carro. Digo para ele o endereço da escola e seguimos para lá.
Continuo tentando ligar para o celular do Gui, mas ele não atende.
Cada minuto que passa tenho mais certeza que aconteceu alguma
coisa. O Gui sempre me atende quando ligo, mesmo quando está ocupado.
Não faria isso justamente agora, sabendo que estou preocupada e esperando
por eles.
Tudo parece estar contra mim. O trânsito, que costuma ser livre neste
trajeto, está completamente engarrafado. Olho em volta e respiro fundo
tentando me acalmar.
— Atende, Gui. Atende. — Peço enquanto tento ligar mais uma vez.
Fecho os olhos e faço uma prece para que isso não passe de coisa da
minha cabeça e que não tenha acontecido nada com eles.
Depois de mais dez minutos em que pouco andamos, o Carlos fala:
— Deve ter acontecido algum acidente mais para frente. Esse trânsito
está péssimo. Será que ele não pegou engarrafamento também?
— Se fosse isso ele teria me avisado ou pelo menos atenderia o
celular. O Gui sabe que eu não sossegaria enquanto não chegasse.
— Como estão as coisas entre vocês? — Questiona depois de ficar em
silêncio por um minuto.
— Carlos, obrigada de coração. Sei o que você está tentando fazer,
mas não vai adiantar. Não vou conseguir me distrair agora. Eu preciso vê-los
para saber que estão bem e só isso será capaz de me acalmar.
— Não gosto de te ver assim. Queria poder fazer alguma coisa para te
tirar desse nervoso. — Sinto a sinceridade na voz dele.
— Você já está fazendo. Se eu estivesse sozinha aqui, já teria
enlouquecido. — Forço um sorriso.
— Vai ficar tudo bem. Você vai ver. — Aperta a minha mão.
— Será que aquele guarda sabe o que aconteceu para estar
engarrafado? — Pergunto quando vejo um guarda tentando controlar o
trânsito.
— Vamos perguntar. — Diz. — Bom dia, o senhor sabe me dizer o
que aconteceu para estar tudo parado assim? — Pergunta quando nos
aproximamos.
— Bom dia. Teve um acidente mais a frente e ainda não retiraram os
carros. — Responde.
— Obrigado. — Agradece e vira-se para mim. — Acredito que a
gente já esteja quase passando dele. Daqui a pouco vamos conseguir andar
mais rápido.
Não respondo. Sei que estou sendo uma péssima companhia, mas não
consigo evitar. Quando viramos uma esquina vejo os carros da polícia e
ambulância parados. Olho na direção do acidente e o que vejo me deixa mais
nervosa ainda.
— Para, Carlos. Aquele carro é o do Felipe. — Grito desesperada.
Não faltava mais nada para acontecer hoje. — Preciso ver como ele está.
— Tem certeza que é o dele? — Questiona já encostando o carro. Não
espero que pare completamente e desço correndo.
— Por favor, onde está o dono daquele carro? — Pergunto ao policial
que está parado controlando os curiosos.
— A senhora precisa se afastar. — Pede e sinto uma mão me
segurando. Olho para trás e vejo o Carlos parado atrás de mim.
— Eu conheço esse carro. O dono dele é um amigo meu. Só quero
saber como ele está. — Tento mais uma vez. Ele dá um passo para o lado
saindo da minha frente e eu avisto o outro veículo. — Não pode ser. O senhor
precisa me dizer quem estava nesse carro. — Imploro.
— Eu preciso que a senhora se afaste. — Pede outra vez.
— Amanda, vem. A gente tenta ligar para ele. Você deve ter se
confundido.
— Você não está entendendo, Carlos. Aquele carro é o do Felipe e o
outro é o do César. — Grito desesperada. — O Gui não foi de carro para a
academia. Ele deve ter pego o do Felipe. — Viro-me para o policial outra
vez. — Por favor, eu só quero saber se a minha filha e o meu namorado
estavam nesse carro.
— A senhora conhece o Guilherme? — Aceno com a cabeça em
acordo e as lágrimas começam a descer livres pelo meu rosto.
— Só me diz que eles estão bem, por favor. — Sinto o Carlos me
amparando.
— Eles foram levados para o hospital, mas não sei informar o estado
de saúde.
Não escuto mais nada. Sinto que o Carlos está me segurando e que
fala alguma coisa com o policial, mas não consigo entender uma palavra do
que dizem.
— Vem, Amanda. Eu vou te levar para o hospital em que eles estão.
— O Carlos fala e caminha praticamente me carregando para o carro.
— Eu sabia que tinha acontecido alguma coisa. Eu senti isso. —
Choro sem me controlar.
O medo de que tenha acontecido alguma coisa séria com eles me
deixa completamente sem chão. Não vou suportar se isso acontecer. Sei que
preciso pensar positivo, mas, por mais que eu tente, não consigo. Só consigo
me lembrar do carro todo amassado.
O Carlos percebe que não adianta falar nada agora e dirige em
silêncio do meu lado. Depois de mais cinco minutos ele volta a falar:
— O hospital é perto. Nós já estamos chegando. — Avisa e, logo
depois, estaciona o carro.
Desço sem esperar por ele que logo me alcança. Entro na recepção do
hospital olhando em volta procurando por alguém conhecido e caminho para
o balcão. Na hora em que vou pedir informação, escuto a voz do Felipe me
chamando.
— Amanda. — Anda apressado em minha direção. — Eu ia te ligar
agora. Vem comigo. — Fala já me puxando na direção de um corredor. Olho
para o Carlos e ele diz:
— Entra com ele. Vou te esperar aqui para saber como eles estão. —
Aceno com a cabeça em acordo e sigo o Felipe.
— Como eles estão? — Pergunto sem aguentar esperar mais nem um
minuto sequer sem notícias.
Antes mesmo de ele me responder escuto o choro da minha filha
gritando pelo Gui e corro na direção da voz dela.
Capítulo quarenta e sete
Guilherme
— Vocês estão bem? — Ouço alguém perguntar do lado de fora do
carro. Tento me endireitar, mas sinto muita dor.
— Está tudo bem, Guilherme? — O Felipe pergunta. — Fala com o
tio Lipe, princesinha. — Afasto-me dela e procuro por algum machucado,
mas não vejo.
— Acho que sim, cara. — Respondo e viro-me para ela. —
Princesinha, fala com o tio Gui. Você está bem?
— Mamãe. Quero a mamãe. — Chora.
— O tio vai te levar para a mamãe, tudo bem? — Tento acalmá-la.
— A ambulância já está a caminho. — Falam do lado de fora e,
quando me viro para ver quem é, vejo os mesmos policiais que foram na
escola.
— Onde ele está? — Não preciso dizer de quem estou perguntando.
— Não se preocupe. — Diz sério e caminha para perto do outro
policial que está mais afastado.
— Você se machucou, Felipe? — Questiono tentando abrir a porta do
carro, mas sinto muita dor com o movimento.
— Não, cara. Estou bem. Só preocupado com a Duda. — Sinto a
preocupação na voz dele. A minha princesinha conquista a todos ao seu redor
e com ele não foi diferente.
— Ela parece bem, só está assustada. — Solto o cinto dela e a pego
no colo. — Vem com o tio Gui, princesinha. — Sinto muita dor nas costelas
outra vez, mas não paro. Preciso ter certeza que ela está bem e quero fazer
com que se acalme.
Olho em volta tentando entender o que aconteceu. Vejo o César
deitado no chão com uma poça de sangue do lado e os policiais parados perto
dele. Escuto o Felipe tentando abrir a porta e vejo quando ele finalmente
consegue.
— Vou tentar abrir a sua porta também, cara. Tem certeza que você
está bem? Não está sentindo nada? — Percebe na minha fisionomia que estou
com dor.
— Vou ficar bem. Só quero saber da Duda agora. — Falo em um tom
que deixa claro que não vou mudar de ideia. Ele não responde.
— Não sai com ela agora. — Diz quando consegue abrir. — Acho
melhor esperar um pouco. — Faz sinal com a cabeça indicando a direção em
que eu vi o César.
— Você viu o que aconteceu? — Pergunto ainda com a Duda
agarrada ao meu pescoço e chorando muito.
— Ele estava vindo para cá com a arma apontada para o carro quando
um dos policiais atirou nele. — Responde baixo.
Não consigo sentir pena desse desgraçado depois de tudo o que fez a
Amanda e a Duda passarem. Principalmente depois de hoje. Minha única
preocupação é que a Duda não veja o pai caído no chão. Essa menina já
passou por coisas demais nos últimos tempos.
— Fica calma, princesinha. O tio Gui está aqui com você, ok? —
Digo baixinho no ouvido dela que não para de chorar.
Lembro-me que prometi que não deixaria que ele fizesse nada com as
duas e quase não consigo cumprir a minha promessa. Se os policiais não
chegassem a tempo, não sei o que ele seria capaz de fazer. Escuto a sirene da
ambulância e logo depois vejo os paramédicos vindo para perto da gente.
Eles quase não conseguem examinar a Duda e a mim porque ela não
aceita sair do meu colo. Toda vez que tiram, começa a chorar mais ainda.
Somos levados para o hospital e, quando chegamos lá, é a mesma coisa. Ela
não aceita me soltar.
Tentam nos separar para que possam me examinar direito já que estou
com muitas dores, mas não permito. Não vou deixá-la sozinha para ficar mais
assustada do que já está.
— Guilherme, eu fico com ela, cara. Você precisa ser examinado. —
O Felipe tenta me convencer depois de constatarem que ele está bem, mas
não consegue.
— Eu vou esperar ela se acalmar. Não saio de perto dela. Liga para a
Amanda, Felipe. Explica que estamos bem e pede para vir para cá. Quando
ela chegar para ficar com a Duda, eu faço o que vocês quiserem.
Ele concorda com um aceno de cabeça e caminha por um corredor.
Vejo uma enfermeira se aproximar e, na hora que pega a Duda do meu colo,
ela começa a gritar por mim e chorar mais ainda.
— Duda. — Escuto a Amanda chamando e vejo quando ela entra
correndo na sala onde estamos seguida de perto pelo Felipe e pega a filha no
colo. As duas choram e eu me aproximo para abraçá-las sem me importar
com a dor que sinto no processo. — Graças a Deus vocês estão bem. — Fala
emocionada.
— Como você chegou aqui? — Questiono sem entender o que ela
está fazendo ali assim tão rápido já que pedi para me esperar na empresa.
— Depois, Guilherme. O médico precisa te examinar. A Amanda fica
com a Duda agora. — O Felipe não a deixa responder.
— Como você está, amorzinho? — Pergunta olhando a filha toda. —
E você, Gui? Eu quase morri quando vi o acidente.
— Está com dor e não quer ser examinado. — Sinto vontade de socar
a cara do Felipe. — Disse que não ia deixar a Duda sozinha que ela estava
muito assustada, mas, agora que você chegou, já era para estar na maca.
O médico me examina e faço alguns exames que comprovam que eu
fraturei duas costelas. A Duda está sem nem um arranhão, só muito assustada
e o Felipe não sofreu nada além de algumas escoriações nos braços.
— Felipe, faz um favor para mim? — A Amanda pede enquanto estou
esperando o médico me dar alta. — Avisa ao Carlos lá fora que está tudo
bem, que não precisa me esperar, pois não sei se vamos demorar e que depois
eu ligo para ele. — Ele acena com a cabeça em acordo e se afasta.
— Como você chegou aqui, pequena? Eu não pedi para você me
esperar na empresa? — Questiono, mas tenho quase certeza que não vou
gostar da resposta.
— Você não chegava e eu sabia que tinha acontecido alguma coisa. O
Carlos apareceu lá e pedi para me levar na escola. Antes que você comece a
reclamar, saiba que ele não queria que eu saísse de lá. — Fala me olhando
séria. — Só veio comigo porque ameacei vir sozinha e ele achou arriscado já
que não sabíamos o que o César estava tramando. — Respiro fundo e falo:
— Quando você ligar para ele, diz que eu agradeci por te trazer. —
Ela me olha sem acreditar no que falei. — Não me olha assim. O meu ciúme
não ultrapassa a minha preocupação com você. Seria pior se ele tivesse te
deixado sair sozinha, mas isso não significa que mudei minha opinião sobre
ele.
— Você avisou a suas irmãs e a sua mãe? — Muda de assunto.
— Não e nem vou. Estou bem, pequena. Ligar para elas só vai servir
para assustá-las.
— A Clara deve estar preocupada depois de tudo o que você me
contou, Gui. Isso se não tiver ligado para a Júlia e sua mãe te procurando.
Contei para ela o que aconteceu depois que fiz os exames já que não
adiantaria esconder.
— Daqui a pouco vamos para casa. Prefiro que elas saibam quando
puderem ver que estou bem. — A Duda se mexe no colo dela. — Pode
colocar a Duda aqui comigo, pequena.
— Nada disso, senhor Guilherme. Você já abusou demais. O médico
falou repouso. Pelo visto, vou precisar te amarrar na cama.
— Ela está certa, Guilherme. Você tem que sossegar. — O Felipe fala
entrando no quarto.
O médico entra e paramos de conversar.
— Como você está se sentindo? A dor aliviou? — Pergunta parando
ao meu lado na cama.
— Um pouco, mas ainda dói quando respiro mais forte.
Ele faz todas as recomendações sobre repouso, anota os nomes de
remédios que tenho que tomar e recomenda que procure um fisioterapeuta
para fazer exercícios de respiração. Lembro de um colega meu que é
fisioterapeuta e penso em ligar para ele quando chegar em casa.
— Doutor, o senhor sabe me dizer alguma coisa sobre o outro homem
que chegou junto com a gente? — Ele olha de mim para o Felipe e a
Amanda. — Ele é o pai da Duda. — Digo, pois sei que talvez ele não informe
por não sermos parente.
— Ele passou por uma cirurgia assim que chegou para a retirada da
bala, mas teve duas paradas cardíacas e não resistiu. — Fala olhando para a
Amanda.
Vejo quando ela fecha os olhos e duas lágrimas descem pelo rosto
dela. Começo a me levantar para abraçá-la, mas a dor me para.
— Pequena. — Chamo por ela. — Não fica assim. Eu não suporto te
ver chorar. — O médico sai e o Felipe faz o mesmo nos deixando sozinhos.
— Não é por ele, Gui. Como eu vou explicar isso para a minha filha?
Como contar para uma criança que o pai morreu porque levou um tiro quando
tentava atirar no carro que ela estava?
— A gente vai dar um jeito. Você não está sozinha, pequena. E a
Duda é muito novinha. Ela não precisa saber de tudo agora. Quando ela
crescer, a gente explica que ele estava com problemas. — Tento acalmá-la.
Capítulo quarenta e oito
Amanda
Hoje faz uma semana que o Gui, a Duda e o Felipe sofreram o
acidente. Durante esse tempo, eu tenho dormido na casa da Ana com o Gui.
Ela me convenceu que seria melhor, pois, como eu tenho que sair, ficaria
mais fácil para ela ficar com ele.
O Gui queria que a Duda dormisse com a gente também, mas fiquei
com medo que ela acabasse o machucando durante a noite já que ele ainda
sente muitas dores. Acabou que ela está dormindo com a Ju e adorando.
O Artur e a Rebeca providenciaram o enterro do César. Os únicos que
apareceram foram eles, o Maurício e eu. A Nicole, que era amante dele, o
trocou por um homem mais velho quando ele perdeu o emprego e foi isso que
fez com que ele enlouquecesse de vez se drogando e bebendo cada vez mais.
O Gui queria ir comigo, mas não deixei. Ele tem que fazer repouso e
eu precisava colocar um ponto final nessa parte da minha vida sozinha. Não
fui pelo César. Fui por tudo o que ele um dia representou para mim e por ser
o pai da minha filha.
No dia do acidente, quando chegamos em casa, encontramos com a
Clara, a Ju e a Ana desesperadas. Como não conseguiam falar com o Gui e
nem comigo, elas não tinham ideia do que tinha acontecido. O Gui levou uma
bela bronca por não me deixar avisar.
Olho para ele e para a Ju implicando um com o outro. O amor que
sentem está visível até mesmo nessa implicância deles. A Ju aproveita cada
intervalo que tem na academia para vir em casa ver como ele está, assim
como a Clara passa aqui todos os dias depois da escola.
Estou sentada no canto do quarto trabalhando no meu notebook
enquanto eles relembram momentos da infância dos dois e o quanto
aprontaram juntos. Escuto a campainha tocar e me levanto para atender já que
a Ana não está em casa.
— Quer que eu vá, cunhadinha? — A Ju pergunta deitada ao lado do
irmão.
— Pode deixar, Ju. Assim aproveito para esticar um pouco as pernas.
— Brinco e caminho para fora do quarto. Quando abro a porta encontro uma
mulher por volta de vinte e cinco anos. — Bom dia. — Cumprimento sem
muita vontade. Não gostei do jeito que ela me olhou.
— Não sabia que a Ana tinha empregada agora. — Fala com ar de
superior. — Onde o Guilherme está? Deixa. Não precisa me dizer. Acredito
que ele esteja no quarto e sei o caminho. — Passa por mim sem me dar tempo
de responder.
Fico olhando sem acreditar no que acabou de acontecer. Sacudo a
cabeça de um lado para o outro e sigo atrás dela. Quando chego à porta do
quarto escuto a voz do Gui.
— Rafaela, o que você está fazendo aqui? — Sinto pelo tom de voz
que ele está alterado.
— Eu vim te ver, Gui. Soube do acidente e fiquei preocupada com
você. — Diz com uma voz que me deixa irritada, mas não falo nada. Quero
entender o que está acontecendo.
— Mas você é muito cara de pau de aparecer aqui. Pode voltar para o
inferno de onde não deveria ter saído. — A Ju fala completamente agitada e
levanta da cama em um pulo.
— Vem aqui, pequena. — O Gui me chama e sinto que está tenso
com esse encontro. Caminho para perto dele e sento-me na beirada da cama.
— Como você pode ver, estou muito bem. Agora sai daqui e não precisa mais
voltar. — Segura a minha mão e aperta.
— Pequena? — Pergunta e ri com deboche. — Vejo que você
conseguiu o que tanto queria. — Fala com sarcasmo. — Quando me
contaram eu não acreditei, mas você pensou em tudo desta vez, não é,
Guilherme?
— Do que você está falando? — Pergunto e me levanto outra vez.
— Não escuta nada que saia dessa cobra, cunhadinha. Ela só tem
veneno.
— Arrumou uma que já é mãe, assim não precisa se preocupar com
isso, não é mesmo? — Diz me olhando de cima a baixo. — Golpe de mestre,
Guilherme.
— O que você quer aqui? — Cruzo os braços e paro na frente dela. —
Pelo que estou percebendo ninguém está feliz com a sua presença. — Falo
firme mesmo que por dentro esteja nervosa e querendo entender o que ela
quis dizer com isso.
— Eu vim para cuidar do Gui. Nós sempre nos demos muito bem, não
é meu amor? — Diz olhando para ele e sorrindo. — Já se passaram tanto
anos, está na hora de esquecer tudo o que aconteceu. Já te dei tempo demais
para isso.
— Você só pode estar louca. Eu não quero mais nada com você,
ouviu bem? Nada. Some da minha frente e esquece que eu existo. — Perde o
controle e grita como nunca vi o Gui fazendo com uma mulher.
— Você ouviu o que ele disse? Vai sair sozinha ou quer que eu te
leve? — Dou um passo para mais perto dela e a encaro.
Sempre fui uma pessoa calma, mas essa mulher conseguiu me tirar do
sério. Não sei o que ela e o Gui tiveram, mas sinto que não vou gostar de
saber e o jeito que ele ficou tenso com esse encontro só reforça isso. O que
ela quis dizer com o fato dele não precisar se preocupar por que já sou mãe?
— Pode deixar comigo, cunhadinha. Estava mesmo querendo
encontrar com ela há muito tempo. — A Ju diz parada ao meu lado.
— Não precisa se incomodar, Ju. Eu faço questão. — Agarro o braço
da Rafaela que não esperava por minha atitude e arregala os olhos para mim.
— Vamos, querida. — Digo com deboche. — Não tenho o dia todo para
perder com você.
Saio do quarto praticamente a arrastando e ela tenta se soltar de todo
jeito, mas aperto mais ainda o braço dela.
— Quem você pensa que é para me tratar assim, sua gorda? — Grita
descontrolada e a Ju vem atrás da gente.
— Essa gorda aqui está com o homem que você quer e não terá.
Presta bem atenção no que eu vou te avisar. — Digo quando a coloco do lado
de fora da casa. — Se você se aproximar do Gui mais uma vez, não será um
simples aperto no braço que irá ganhar, está me ouvindo? — Ela vai
responder, mas não dou tempo e bato a porta com raiva.
Respiro fundo e tento me acalmar. Nunca perdi o controle desse jeito.
Não sei o que aconteceu comigo para agir assim. Na verdade, acho que sei.
Eu vi o jeito que o Gui ficou. Sei que ele teve alguém no passado e que
aconteceu alguma coisa que o fez sofrer. A Clara deixou isso claro na nossa
primeira conversa e a Ju já deixou escapar alguma coisa também, mas não sei
o que é. A única certeza que tenho agora é que essa mulher é a Rafaela.
— Cunhadinha. — A Ju me chama, mas não me viro. Levanto a mão
e faço sinal para que não fale nada. Ela fica calada por dois minutos e volta a
falar: — Amanda, essa mulher não presta. Você não pode ligar para o que ela
falou.
— O que aconteceu entre eles, Ju? — Questiono me virando para ela
que fecha os olhos e respira fundo.
— Não sou eu que tenho que te contar. Essa história não é minha.
Conversa com ele. O Gui está uma pilha lá dentro. Ele queria levantar da
cama, eu que não deixei.
— Agora não, Ju. Depois eu falo com ele. Está na hora de buscar a
Duda. — Minto. Preciso esfriar a minha cabeça antes de ter essa conversa
com ele.
— Eu busco a Duda para você, cunhadinha. Meu irmão vai enfartar se
você sair sem conversar com ele primeiro.
— Preciso de um tempo, Ju. Diz a ele que fui buscar a Duda e já
volto. — Viro e saio de casa sem dar tempo para que ela fale mais nada.
Demoro mais do que costumo para chegar à escola e vou o caminho
todo pensando no que aconteceu. “Arrumou uma que já é mãe, assim não
precisa se preocupar com isso, não é mesmo?” Lembro-me dela falando e
não sei o que pensar sobre isso.
Passo em frente à academia e me lembro do dia em que conheci o
Gui. A Rafaela é o tipo de mulher que pensei que ele se relacionasse e vejo
que não estava enganada. Bonita, corpo definido e mais nova que eu.
Não duvido do que ele sente por mim, só que fiquei muito mexida
com tudo isso e não consigo entender o motivo. Talvez seja o fato de ele
nunca ter me contado nada sobre ela. Ele sabe tudo de mim e eu não faço
ideia do que aconteceu com eles no passado. Entrei nessa com uma venda nos
olhos e odeio essa sensação.
Chego à escola para buscar a Duda e a Clara vem em minha direção.
Penso em perguntar a ela quem é Rafaela, mas prefiro saber pelo Gui.
— Aconteceu alguma coisa, Amanda? O Gui está bem? — Pergunta
percebendo que não estou bem.
— Está sim. Pode ficar tranquila. Só estou com um pouco de dor de
cabeça. — Minto. — Vamos, filha. — Chamo a Duda e me despeço.
Resolvo almoçar em um restaurante no caminho. Ainda não estou
pronta para ter essa conversa e quero ficar um pouco sozinha com a minha
filha.
— Mamãe, a gente não vai papar com o tio Gui? — A Duda pergunta
quando entramos no restaurante.
— Por que, filha? Você não gosta de almoçar só com a mamãe? —
Tento inverter a situação para não precisar responder a pergunta que ela me
fez.
— Sim, mamãe, mas também gosto muito com o tio Gui. —
Responde.
Almoçamos e, assim que terminamos, sigo direto para a minha casa e
entro pelo portão individual que quase não uso. Troco a roupa da Duda, ligo a
televisão e sento na sala com ela para vermos algum desenho juntas.
Depois de dez minutos olho para a porta e vejo o Gui e a Ju.
— Eu tentei convencê-lo de não vir, mas não consegui, cunhadinha.
Capítulo quarenta e nove
Guilherme
Ver a Rafaela fez com que uma dor que eu faço de tudo para esquecer
voltasse com força total. Sei que nunca conseguirei apagar completamente o
que aconteceu, mas, depois que a Amanda e a Duda apareceram na minha
vida, voltei a fazer planos para o futuro, coisa que há anos não fazia.
Olho para a porta do meu quarto esperando que a Amanda entre para
a gente poder conversar, mas só a Ju passa pela porta.
— Cadê a Amanda, Ju? — Pergunto temendo a resposta dela.
— Foi buscar a Duda na escola. — Responde sem me olhar.
— Ju, olha para mim. — Peço e volto a falar quando ela olha. —
Ainda está cedo para a Duda sair. O que aconteceu?
— Ela só precisa de um tempo para digerir o que viu aqui, Gui. Daqui
a pouco ela volta e vocês conversam.
— Como assim precisa de um tempo? O que ela falou, Ju?
— Justamente isso, Gui. Que precisava de um tempo. — Solta um
suspiro e volta a falar: — Você podia ter evitado isso, Gui.
— Como eu ia saber que aquela maluca ia aparecer aqui depois de
quatro anos, Ju? Você acha que eu queria que isso acontecesse?
— Você alguma vez conversou com a Amanda sobre a Rafaela? Ela
sabia da existência dela?
— Não. Claro que não. Você sabe muito bem que eu não falo sobre o
que aconteceu. — Respondo sério.
— Mas deveria. Se ela soubesse da história completa não seria pega
de surpresa e nem ficaria fazendo suposições sobre o que aconteceu. Além
disso, aposto com você que a Amanda também queria esquecer tudo o que
passou com o César e nem por isso deixou de te contar.
Fecho os olhos, respiro fundo e a dor vem. Não me importo. Ela não
chega perto da que estou sentido há anos e que se junta com a do medo de
perder a Amanda.
— Ela precisa me escutar, Ju. Precisa entender que a Rafaela não
significa nada para mim e que eu sou louco por ela.
— Só que para isso você precisa falar. Precisa confiar na Amanda e
contar tudo o que aconteceu. Ela vai te entender, Gui. A Amanda é muito
diferente da Rafaela. Elas são o oposto uma da outra.
— Eu sei. — Sorrio. — Soube desde o primeiro momento que olhei
para ela. — Lembro-me do dia que a conheci. — Eu preciso falar com ela, Ju.
— Levanto-me da cama.
— Aonde você pensa que vai, Gui? Ficou maluco? O médico falou
para você ficar deitado. Você não vai a lugar nenhum. — Para na minha
frente e faz com que eu me deite outra vez. — Ela não vai sumir no mundo.
Só foi buscar a Duda e já volta.
— Você não entende, Ju. Eu preciso daquela mulher e saber que ela
está por aí pensando sei lá o que sobre o que viu me deixa doido.
— Quem não entende é você, Guilherme. — Fala séria e coloca as
mãos na cintura. — Acorda, mano. Ela colocou a Rafaela para fora daqui e
ainda a ameaçou se voltar a aparecer. Você já imaginou a Amanda fazendo
alguma coisa do tipo? Ela é a pessoa mais calma que eu conheço.
— Ela ameaçou a Rafaela? — Pergunto sem acreditar.
— Disse que se ela voltar a se aproximar de você não será só um
apertão no braço que irá ganhar e ainda bateu a porta na cara dela. — Sorrio
para ela. — Aquela mulher te ama, mano.
— Não mais do que eu a ela. — Respondo. Olho para o relógio e
estranho que ainda não tenha voltado. — Ela já era para ter chegado, Ju.
— Vai ver passou em algum lugar, Gui. Quer almoçar de uma vez ou
vai esperar as duas? — Muda de assunto.
— Não quero almoçar. Quero conversar com a Amanda.
— Está parecendo criança birrenta. — Implica e deita comigo outra
vez. — Vamos ver um pouco de televisão para ver se você se distrai e desfaz
esse bico. — Liga a televisão e coloca em um filme para ver.
Não consigo prestar atenção em nada. Fico olhando para a porta do
quarto o tempo todo esperando que a Amanda entre. Depois de mais quarenta
minutos escuto um barulho no portão da casa dela. Espero mais dez minutos
e nada de ela aparecer.
— Ela não vai vir aqui, Ju. Foi direto para casa. — Digo desanimado
e desisto de esperar.
— Ei! Pode parar aí mesmo. Você não vai fazer isso, Gui. —
Levanto-me mesmo com os protestos dela. — Deixa de ser teimoso,
Guilherme. Eu vou lá atrás e falo com ela. — Tenta me impedir de passar.
— Não adianta nada ficar na minha frente, Júlia. Você só vai fazer
com que eu me esforce mais ainda. Eu não sou nenhum inválido e não vou
ficar aqui de braços cruzados esperando enquanto ela está lá pensando
besteira.
Sigo para a casa dela com a Ju atrás de mim. Paro na porta e a vejo
sentada no sofá vendo televisão com a Duda.
— Eu tentei convencê-lo de não vir, mas não consegui, cunhadinha.
— A Ju diz parada ao meu lado e entra na casa. — Vamos ver desenho com a
tia Ju, princesinha? — Pega a Duda no colo e sai com ela.
— O que você está fazendo aqui, Gui? Por que não está deitado? —
Levanta-se e me puxa para o sofá.
— Eu preciso falar com você, pequena. — Sento-me de frente para
ela. — Tenho que te contar o que realmente aconteceu para você não ficar
imaginando coisas depois do que a Rafaela falou.
— Por que você nunca me falou sobre ela? — Sinto que está
chateada.
— Porque eu não gosto de falar sobre o que aconteceu. Queria ter o
poder de apagar tudo isso, mas não tenho.
— O que ela quis dizer sobre você ter escolhido alguém que já é mãe?
— Vou te contar tudo do começo. — Respiro fundo e faço uma careta
com a dor que sinto.
— Você está com dor. Já tomou o remédio? — Questiona
preocupada.
— Depois eu tomo, pequena. — Respondo e começo a contar para
ela. — A Rafaela e eu nos conhecemos na faculdade e namoramos durante
um ano e meio. Logo depois de me formar, eu aluguei um apartamento para
morarmos juntos. A gente se dava bem e eu achei que estava tudo perfeito até
que um dia cheguei mais cedo em casa para fazer uma surpresa para ela, só
que quem se surpreendeu fui eu. — Faço uma pausa e tento me endireitar no
sofá para ficar em uma posição melhor.
— Toma o remédio, Gui. Você está com dor e eu não gosto de te ver
assim. — Pede, levanta-se para pegar um comprimido e um copo de água
para mim me entregando em seguida para que eu tome.
— Obrigado. — Agradeço e volto a contar. — Quando entrei no
apartamento escutei vozes vindas do quarto. Segui para lá para ver com quem
ela estava conversando, mas, quando me aproximei da porta, ouvi a amiga
perguntando a ela o que aconteceria se eu descobrisse. Parei no canto onde
elas não me viam para escutar do que se tratava. — Tento segurar, porém,
como sempre acontece quando falo sobre isso, uma lágrima escapa e desce
pelo meu rosto.
— Meu Deus, Gui! — Diz e seca o meu rosto. — O que ela fez para
te deixar assim só de lembrar? — Sinto a preocupação na voz dela.
— Ela engravidou duas vezes, mas não me falou. Disse para a amiga
que não queria ter filhos e que não estragaria o corpo dela para satisfazer um
capricho meu. — Sorrio sem humor. — Eu não tive a chance de tentar
convencê-la de seguir com a gravidez mesmo que fosse para deixar o meu
filho comigo. Eu criaria sozinho, não me importava, só que não tive essa
escolha.
— Ela abortou? — Concordo com um aceno de cabeça. — As duas
vezes? Mas se ela não queria engravidar por que vocês não se preveniam? —
Tenta entender.
— Como ela tomava anticoncepcional, nós não usávamos camisinha.
Só que ela esquecia sempre de tomar e não me avisava nada. Se eu soubesse
que ela não queria, se soubesse que ela não usava direito o remédio eu teria
tomado mais cuidado. Mas ela não me falou nada sobre isso. Ela sabia que eu
queria ter filhos, sabia que eu era louco por criança e me escondeu que não
tinha nem uma vontade de ser mãe. Sei que ela tem o direito de decidir se
quer ou não ter um filho, mas eles eram meus também. Eu também tinha esse
direito. Eu assumiria sozinho e tenho certeza que a minha mãe e minhas
irmãs me ajudariam. Não a obrigaria a ficar com eles, só queria que ela
seguisse com a gravidez para eu ter a chance de criá-los.
— Sei que existem casos em que o aborto é permitido, mas não foi
isso que aconteceu. Se ela tinha tanta certeza assim que não queria ser mãe,
por que não usou um meio mais seguro? Já que se esquecia de tomar a pílula,
que tomasse a injeção, colocasse um DIU ou até mesmo fosse mais radical e
fizesse uma laqueadura. Aposto que acharia um médico que fizesse, apesar de
ser nova e não ter filhos, do mesmo jeito que conseguiu quem fizesse o
aborto. Ninguém é obrigada a ser mãe, mas existem várias maneiras de se
evitar uma gravidez. Ela usou do último recurso como se fosse a coisa mais
banal do mundo. — Percebo o quanto isso mexeu com ela e sinto um alívio
em saber que, assim como pensei, ela não concorda com o que a Rafaela fez.
— Depois desse dia, entreguei o apartamento e voltei para casa. Não
queria saber de nada, nem mesmo da academia que eu tinha acabado de
comprar com a Ju. Minha sorte foi que o antigo dono era amigo do meu pai e
continuou a gerenciar por um tempo. Por mais que tivesse as minhas irmãs e
minha mãe me apoiando acabei me entregando ao luto. Era assim que eu me
sentia, em luto. Na minha cabeça eu perdi dois filhos e não me interessava
que eles ainda não tinham nascidos. Só de saber que eles existiram, mesmo
que tão minúsculos, eu já os amava. Sempre sonhei em ser pai e ela roubou
isso de mim.
— Não, Gui. Ela não roubou. Esse sonho ainda está aí dentro de você.
— Coloca o dedo de leve em cima do meu peito. — E eu tenho certeza que
você será um pai maravilhoso. É só olhar o jeito que você trata a Mel e a
Duda.
— As mulheres que se aproximavam de mim me lembravam a
Rafaela. Eu acabei desistindo de relacionamentos. Não acreditava mais que
fosse aparecer alguém para levar a sério. Segui a minha vida só com
encontros de uma noite e pronto. Até você entrar na academia e jogar todas as
minhas certezas por terra. Daquele dia em diante, não consegui mais te tirar
da minha cabeça. — Sorrio para ela. — E eu tentei, juro que tentei.
— Eu também não, Gui. Pensava em você direto e me sentia culpada
por ser casada ainda. — Admite.
— Eu te vi na praça no final de semana seguinte ao dia em que te
conheci. Você estava com a Duda e o César. — Conto para ela pela primeira
vez. — Saí dali revoltado comigo mesmo por estar tão interessado em alguém
que não estava nem aí para mim. — Ela tenta falar, mas não deixo. — Agora
eu sei, pequena, mas, naquele momento, vendo vocês três juntos como uma
família na praça, foi o que eu pensei. Acabei indo para um bar com o Felipe.
Como ele mesmo falou, eu estava precisando transar.
— Ei! Não quero detalhes. — Faz bico.
— Não adiantou, pequena. Porque, até mesmo enquanto estava com
outra mulher, era em você que eu pensava. Por mais que eu tentasse te
esquecer, não conseguia. Você dominava os meus pensamentos o dia inteiro e
ainda faz isso. Eu te amo, pequena. Hoje eu posso dizer que já tenho a minha
família. Você e a Duda são isso para mim. — Os olhos dela estão cheios de
lágrimas e ela sorri para mim. — Não posso dizer que vou esquecer o que
aconteceu, pois sei que não consigo. Como um pai esquece um filho? Não
acredito ser possível.
— Não é. — Fala emocionada. — E eu te amo ainda mais por tudo o
que você me falou hoje. Por ser esse homem que você é. Por ser um
companheiro maravilhoso para mim e uma figura paterna para a minha filha.
Porque não tenha dúvidas que é assim que ela te vê. A Duda é apaixonada
por você, Gui. Assim como eu.
— Senti tanto medo de te perder quando você saiu sem falar comigo.
— Admito. — Não consigo mais me imaginar sem vocês duas, pequena.
— Nem precisa, grandão. Nós não vamos a lugar nenhum. Eu te amo.
— Não mais do que eu, pequena. — Digo e a puxo para um beijo sem
me importar com a dor nas minhas costelas com o movimento.
Preciso tê-la nos meus braços nem que seja por alguns momentos
apenas.
Capítulo cinquenta
Amanda
Olho em volta e penso em tudo o que passei para chegar até aqui. Seis
meses atrás eu saí de casa; passei pelo divórcio; pelo acidente do Gui, da
Duda e do Felipe; pela aparição da Rafaela; a recuperação do Gui e hoje
estou aqui, comemorando o meu aniversário de trinta e um anos, cercada
pelas pessoas mais importantes para mim.
Não queria fazer nada, mas o Gui conseguiu me convencer e nem
mesmo reclamou sobre chamar o Carlos para vir também. Nós nos falamos
quase sempre por meios de mensagens e ligações, porém quase não nos
encontramos. Ele sabe que o Gui tem ciúmes e evita dizendo não querer me
causar problemas.
Vejo em um canto a Clara e o Rodrigo conversando com a Rebeca e o
Artur, provavelmente falando sobre o assunto preferido deles agora que a
Carolzinha nasceu. Acabamos nos reaproximando e, sempre que possível,
fazemos alguma coisa juntos.
Em uma mesa próxima de mim estão a Ana e o João, que parecem
que se conhecem há anos apesar de terem sido apresentados hoje, rindo de
alguma coisa, acompanhados pelo Carlos.
Do outro lado estão o Felipe e a Ju fazendo mais bagunça do que a
Duda e a Mel que brincam ao lado deles sob o olhar atento do Gui. É sempre
assim. Ele não tira o olho da Duda um minuto sequer.
O amor que esses dois sentem um pelo outro é perceptível para
qualquer pessoa que ficar perto deles por apenas um minuto. Eles estão cada
vez mais grudados. A Duda já acorda perguntando pelo tio Gui e só dorme
depois de ele contar uma história para ela. Se o Gui não trabalha, ela fica
atrás dele o dia todo.
A Duda ainda pergunta pelo pai e acredito que vá fazer durante algum
tempo. Apesar de tudo o que passamos, eles também tiveram bons momentos
juntos. Depois do enterro eu conversei com ela e contei que o pai ficou muito
dodói e o Papai do Céu o levou para cuidar dele.
Foi a maneira que achei de contar para minha filha. Não podia
simplesmente falar que ele levou um tiro e morreu. Um dia, quando ela for
mais velha, talvez eu conte outra versão e explique o que aconteceu. Diga que
ele se envolveu com drogas e acabou se perdendo.
O Gui praticamente se mudou aqui para casa. As roupas dele estão no
meu armário e duvido que tenha alguma peça ainda no que ele tem no quarto
dele na casa da Ana. Fora que dorme comigo todos os dias.
— Tem alguém pensativa hoje. É o peso da idade? — A Ju brinca
quando para ao meu lado.
— Pensando em como a minha vida mudou de um ano para cá. —
Sorrio para ela. — No meu último aniversário eu nem comemorei. Estava
brigada com o César e ele nem lembrou. Agora olha em volta. — Digo e faço
um movimento com a mão indicando o que falei. — Tenho amigos e minha
família comigo.
— Sim, cunhadinha. É isso que nós somos, sua família. — Faz uma
pausa. — Quando você e meu irmão irão oficializar isso?
— Não ligo para isso, Ju. Casei uma vez e olha no que deu. Já
estamos morando juntos. Não acho que precisamos de um papel. Se estamos
felizes desse jeito, casar para quê?
— Quem vai casar? — O Gui pergunta me abraçando por trás.
— Ninguém. Só estava perguntando para a Amanda se vocês
pretendiam.
— E o que você quer, pequena? — Vira-me para ele.
— Não vejo necessidade se estamos bem assim. Colocar no papel não
muda nada. O que importa é o que nós sentimos um pelo outro.
— Certo. O que você decidir está ótimo para mim. Desde que
continuemos juntos, está tudo bem. — Diz e me beija de leve.
— Tio Gui, olha. — A Duda grita por ele.
— Já volto, pequena. Minha princesinha está me chamando.
— Quero uma novidade. Ela te chama o dia inteiro.
— Tem alguém com ciúmes? — Pergunta e faz cócegas na minha
cintura. — Não tenho culpa se sou irresistível. — Beija meus lábios mais
uma vez e se afasta.
— Você sabe que ele sempre quis casar? — A Ju pergunta assim que
ele se afasta. — Tinha planos de festa. — Faz uma pausa. — Até aquela vaca
acabar com todos os sonhos dele. Depois que você apareceu, ele voltou a
sorrir de verdade. Talvez você tenha razão e isso não tenha tanta importância
assim.
Fico pensando no que ela falou. Nunca parei para conversar com o
Gui sobre isso. Será que é tão importante assim para ele e vai abrir mão por
minha causa?
— E você, Ju? Quando vai sossegar? Não pensa em casar? — Inverto
o jogo.
— Não penso nisso. Ainda tenho muito para curtir antes de me
prender a alguém. Tem muitos gatinhos soltos por aí para ficar com um só.
Aquele ali, por exemplo. — Aponta para o Carlos e eu arregalo os olhos. Se o
Gui sonhar com isso terá um treco. — Bem gatinho esse seu amigo.
Desimpedido?
— Você não tem jeito, Ju, mas sim. Que eu saiba o Carlos não está
com ninguém. — Ela não responde. Fica olhando para ele mais um tempo e
volta para a mesa onde estava sem falar mais nada.
O Gui faz sinal com a mão me chamando para perto dele e sigo para
lá.
— Vai ficar sozinha? Fica aqui com a gente. — Puxa-me para um
abraço de lado.
— Deixa a mulher respirar um pouco, Guilherme. Vai ver ela enjoou
de você e já se deu conta que um advogado é bem mais interessante que um
dono de academia.
— Nem em sonho, babaca. Vai procurar uma para você e tira o olho
da minha.
— Esses dois não crescem. Só vivem implicando um com o outro. —
A Ju fala enquanto dá um tapa na cabeça do Felipe de brincadeira.
Vejo o Carlos olhando para onde estamos sempre que acha que
ninguém está vendo, mas acredito que o Gui não tenha reparado ou já teria
falado alguma coisa.
Passamos o resto da tarde juntos e, no começo da noite, eles resolvem
cantar parabéns para mim com a desculpa de que as meninas pediram. A
bagunça continua por mais um tempo até que começam a se despedir.
— Tchau, Amanda. Eu te ligo essa semana para combinarmos alguma
coisa.
— Já vai, Rebeca? Ainda está cedo.
— Essa mocinha aqui está ficando irritada. Passou o dia na rua e deve
estar com saudade do bercinho dela. — Sorri para mim. Despeço-me dela, do
Artur e dou um beijinho na cabecinha da Carol.
— Também já vamos. A Mel está quase dormindo. — É a vez da
Clara e do Rodrigo se despedirem.
— Vou aproveitar que todo mundo já está indo embora para ir
também. Marquei de ir naquele bar temático com umas amigas. — A Ju diz
assim que eles se afastam e pisca para mim. — Hoje eu vou me acabar de
dançar.
— Espera, Ju. Gosto daquele bar. Acho que vou com você também.
— Nada disso, Lipe. Hoje eu vou sozinha. Você só me atrapalha. Os
gatinhos não chegam em mim com você do meu lado e eu não quero sair de
lá desacompanhada hoje.
— Ju, já disse que um irmão não precisa dessas informações. — O
Gui fala contrariado do meu lado e me controlo para não rir.
— O que você acha, Gui, que eu vou deixar para a terra comer? Nada
disso.
— Ju, você está piorando a situação desse jeito. — Digo para ela que
pisca e se afasta.
Deixo o Gui e o Felipe conversando e sento junto com a Ana, o João e
o Carlos. Cinco minutos depois ele chama o pai para irem também e se
despedem. O Felipe faz o mesmo em seguida.
A Ana se oferece para organizar a bagunça que ficou, mas o Gui fala
que não precisa e ela segue para casa. Dou banho na Duda enquanto ele
começa a guardar as coisas, escovo os dentes dela e a coloco para dormir.
Minha filha está tão cansada que nem espera pelo Gui para contar uma
história para ela.
— Você está com uma carinha cansada. Vai tomar o seu banho para
deitar que eu acabo aqui, pequena.
— Vou aceitar, Gui. Minha cabeça está começando a doer e não estou
me sentindo muito bem.
— Vai lá e qualquer coisa me chama, ok? Daqui a pouco eu vou olhar
como você está. — Dá um beijo leve nos meus lábios e vou para o banheiro.
Tomo banho e, quando saio do banheiro, vejo que ele ainda está na
cozinha lavando a louça.
— Deixa isso aí, Gui. Amanhã eu arrumo. — Falo encostada ao
batente da porta.
— Não gosto de deixar a bagunça para o dia seguinte e já estou
terminando, pequena.
— Não demora. — Peço manhosa. — Não quero dormir sem você. —
Não espero que responda e vou para o quarto me deitar. Estou cansada e a
dor de cabeça está piorando.
Cerca de dez minutos depois ele entra no quarto enrolado na toalha já
de banho tomado. Pega uma boxer na gaveta, coloca a toalha pendurada no
cabideiro, deita atrás de mim e me puxa para perto.
— Você está quente, pequena. Está sentindo mais alguma coisa?
— Dor de cabeça e meu nariz está começando a ficar entupido. —
Respondo quase dormindo.
— Quer ir ao médico? — Nego com um aceno de cabeça. — Vou
pegar um remédio para você, mas se não melhorar, amanhã eu vou te levar.
— Não precisa, Gui. Deve ser um resfriado. Daqui a pouco estou
melhor.
— Não gosto de te ver assim, pequena. Se continuar com febre nós
vamos e não se fala mais nisso. — Levanta-se, sai do quarto para pegar um
comprimido para mim e um copo de água voltando em seguida.
— Obrigada, grandão. Deita aqui comigo. — Peço manhosa.
— Vem aqui. — Puxa-me para perto dele quando deita e me abraça.
— Vou cuidar de você, pequena. — Beija minha testa. — Devia ter te
escutado e não ter feito nada. A gente podia ter saído só nós três. Agora você
não estaria tão cansada. — Solta um suspiro.
— Não foi isso, Gui. E eu gostei da festa. Gostei de passar o dia
cercada pela minha família e amigos. Obrigada por me convencer. — Beijo
os lábios dele de leve.
— Eu te amo, pequena, e faria qualquer coisa para te ver feliz. Até
mesmo ficar perto daquele seu amigo. — Diz mal-humorado.
— Eu também te amo, grandão. Obrigada pelo dia de hoje. — Falo
com os olhos ficando pesados e pego no sono logo depois.
Capítulo cinquenta e um
Guilherme
— Nossa! Estou me sentindo tão cansada. Se eu pudesse voltava para
casa e dormia a manhã inteira.
Acabamos de deixar a Duda na escola e estamos caminhando para a
academia de mãos dadas conversando.
— Você anda muito cansada. Está se alimentando direito, pequena?
— Até demais, Gui. Se continuar assim vou acabar engordando outra
vez. — Fala desanimada.
— Ei. Já disse que você é linda de qualquer jeito. Eu me encantei com
você do jeitinho que era. A senhora que colocou na cabeça que precisava
emagrecer. — Faço cócegas nela.
— Eu sei, Gui. Mas estou me sentindo melhor assim.
— Amanda. — Escuto uma voz chamando atrás da gente.
Fecho os olhos e respiro fundo para me controlar antes de nos
virarmos para ele. Por mais que a Amanda tente me convencer que não
preciso sentir ciúmes, não consigo gostar dessa proximidade dos dois.
— Oi, Carlos. Tudo bem? — Vejo os dois se cumprimentarem, mas
não solto a mão dela.
— Carlos. — Falo seco e aperto a mão dele com mais força que o
necessário e ele retribui.
— Guilherme. — Solta a minha mão e olha para a Amanda outra vez.
— Será que a gente pode conversar, Amanda?
— Claro que sim, Carlos. Pode falar. — Responde solícita e ele passa
a mão nos cabelos.
— Não me leve a mal, Guilherme, mas é que eu quero conversar com
ela a sós. Não precisa se preocupar. É coisa minha. Só preciso da opinião dela
em uma coisa. — Ergo a sobrancelha para ele.
— É sério, isso? Se não é nada demais, por que não fala na minha
frente? — Cruzo os braços e fico o encarando.
— Gui, para com isso. Vai para a academia que eu já te encontro lá.
— Pede ficando de frente para mim. — A gente já conversou sobre isso. —
Fala baixo.
— Pequena, não. Uma coisa é chamá-lo para ir lá em casa no seu
aniversário onde eu estava junto o tempo todo, outra bem diferente é aceitar
isso. O que ele pode ter para falar com você que eu não posso ouvir? Vai se
declarar outra vez? — Digo completamente irritado.
— Já falei que você tem que confiar em mim. — Usa o mesmo tom
comigo.
— E eu já disse que o problema não é esse. — Ficamos nos encarando
até que ele fala:
— Deixa, Amanda. Não queria te causar problemas.
— Não, Carlos. Eu vou com você. Só um minuto. — Fala sem se
virar para ele.
— Amanda. — Digo o nome dela como um aviso.
— Não adianta, Guilherme. Ele é meu amigo e se está precisando de
mim para conversar, eu vou. Daqui a vinte minutos eu te encontro na
academia e a gente conversa.
— Você vai mesmo fazer isso? — Pergunto sem acreditar. Ela sabe
muito bem como eu me sinto a respeito dele.
— Eu te pergunto a mesma coisa. Você vai mesmo fazer isso? Vai
querer brigar por uma coisa que já conversamos? Já falei que não vou me
afastar dele outra vez, Guilherme. Não me peça isso.
— Você sabe muito bem que não é isso o que eu quero, mas, se faz
tanta questão assim de conversar com o seu amigo, vai lá. — Abro os braços
frustrado. — Nada do que eu falar aqui vai fazer você mudar de ideia, não é
mesmo? — Olho para trás dela e encaro o babaca sem falar nada.
Viro-me e caminho para a academia sem olhar para trás. Ela me
chama, mas não respondo. Sei que se eu ficar aqui mais um minuto que seja
vou acabar falando o que não devo.
Entro na academia completamente revoltado. Pode parecer exagero,
mas o cara se declarou para ela, disse que não a tinha esquecido e que pensou
que teria uma chance. Que homem aceitaria que os dois conversassem
sozinhos sem falar nada?
— Oi, Gui. Estava esperando você chegar para... — Deixo a Sara
falando sozinha e continuo andando. Não estou no clima para conversar com
ninguém agora.
Sigo direto para a minha sala, largo as chaves, celular e carteira na
mesa e sigo para as salas de luta. É disso que eu preciso agora. Descontar a
minha raiva em alguma coisa. Entro e o professor vem logo me
cumprimentar.
— Fala, Guilherme. Vai participar da aula hoje?
— Não acho uma boa ideia. — Respondo e sigo para o saco de areia
no canto da sala.
Imagino a cara daquele babaca e desconto toda a minha raiva nele.
Sinto o suor escorrer pelo meu corpo, mas não me importo. Preciso colocar
essa raiva para fora, pois sei que a Amanda vai aparecer aqui para
conversarmos e, do jeito que estou, não vai dar certo.
Percebo que sou alvo dos olhares dos alunos, mas não dou a mínima.
Sei que estão falando alguma coisa de mim, porém não me viro. Escuto
quando eles se despedem e começam a sair da sala. Logo depois sinto alguém
perto de mim e vejo o professor segurando o saco para que eu continue
socando.
— Pelo jeito você está com raiva de alguém. Quer conversar?
— Não. — É a única coisa que sai da minha boca. Não explico nada e
ele não insiste, o que eu agradeço mentalmente.
Continuo dando socos e chutes no saco até que ele se afasta sem falar
nada. Sinto a presença dela antes mesmo que apareça na minha frente. Não
falo nada e nem olho para ela. Ainda estou muito irritado para conversar.
— O coitado do saco te fez alguma coisa? — Pergunta tentando
brincar quando para perto de mim. Não respondo. — Eu te procurei pela
academia inteira até que ouvi alguns alunos falando que você estava aqui. —
Viro-me e saio da sala com ela logo atrás de mim. — Vai ficar me
ignorando? — Pergunta revoltada quando entramos na minha sala. Sigo para
o banheiro e começo a tirar a minha roupa. Preciso de uma ducha para tirar
esse suor. — Gui, para. — Vira-me para ela. — Você está sendo infantil.
— Infantil? — Questiono irado. — A minha mulher vai conversar
sozinha com o cara que se declarou para ela e eu não tenho o direito de ficar
puto porque estou sendo infantil? — Perco o restante de controle que me
restava. — Porra, Amanda, você queria que eu fizesse o quê? — Ela me
empurra na parede e encosta-se a mim. Golpe baixo. Faço um esforço enorme
para me controlar e não agarrá-la.
— Repete. — Pede enquanto me olha com um sorriso lindo no rosto.
Olho para ela sem entender. — Repete o que eu sou. — Não acredito. Estou
revoltado, xingando na frente dela e a única coisa que ouviu do que falei foi o
jeito que me referi a ela.
Fecho os olhos e respiro fundo. Péssima escolha. O cheiro dela invade
os meus sentidos na mesma hora. Ela sabe o que faz comigo e ainda piora
tudo quando beija o meu pescoço e se esfrega em mim.
— Para, Amanda. Não adianta querer me enrolar. — Digo sem um
pingo de convicção.
— Repete para mim, grandão. O que eu sou? — Morde o lóbulo da
minha orelha e puxa o meu cabelo da nuca, mas sem me machucar e sim me
dar tesão. — Eu sei que você quer, Gui. — Coloca a mão por dentro da
minha boxer que é a única peça de roupa minha que ainda não tirei e eu jogo
o controle para o ralo.
— Minha mulher. — Não resisto mais e a beijo com fome. Ela
corresponde com a mesma intensidade. Levanto-a pela cintura e a coloco
sentada na pia. — E não quero nem um gavião rondando. — Digo quando
interrompo o beijo.
Levanto o vestido dela e deixo embolado em sua cintura. Chego a
calcinha para o lado e passo o dedo percebendo que já está encharcada para
mim. Ela fecha os olhos e suspira enquanto distribuo beijos pelo pescoço
dela.
— Para de me torturar, grandão. — Pede entre gemidos enquanto
continuo a estimulá-la. — Eu quero você.
— Isso é por você não me escutar. — Mordo o pescoço dela de leve e
sigo dando beijos até o ouvido dela onde falo: — É por você ter feito o que
fez mesmo sabendo o que penso sobre ele.
Ela me puxa para mais perto com as pernas em minha cintura e volta
a me tocar, abaixando a minha boxer e me liberando. Guia-me para dentro
dela e não consigo mais raciocinar. Perco-me nas sensações.
Não sou delicado, mas sei que não é isso que ela quer agora. Não
demora muito, sinto que ela está atingindo o clímax e não me seguro mais.
Apoio minha cabeça no ombro dela e respiro fundo tentando recuperar o
fôlego. Ela também tem a respiração entrecortada.
— Estou toda suada. — Diz depois de alguns minutos em que ficamos
sem falar nada, abraçados um ao outro.
— Vem. — Chamo me afastando dela e sentindo falta do contato na
mesmo hora. — Vamos tomar banho. — Coloco-a no chão e a ajudo a tirar a
roupa.
Tomamos banho em silêncio e, depois de nos secarmos e nos
vestirmos, deitamos juntos no sofá que tem no canto da sala.
— Eu te amo, Gui. Você precisa entender isso e parar com esse ciúme
bobo. — Fala deitada no meu peito me olhando.
— Você que precisa entender o meu lado, pequena. Tenta se colocar
no meu lugar. Você ia gostar se eu tivesse uma amiga que gostasse de mim,
pedisse para conversar comigo a sós e eu aceitasse? — Ela me olha calada
por alguns segundos antes de voltar a falar.
— Desculpa, Gui. Você está certo. — Suspira. — É que eu não
consigo ver o Carlos de outro jeito que não seja como amigo. Não consigo
ver maldade em conversar com ele mesmo que seja sozinha. Nós fomos
criados juntos, Gui.
— Eu sei disso tudo, pequena. Ele fez questão de frisar em cada
oportunidade que teve, só que não gosto de vocês sozinhos. Você pode até
vê-lo somente como amigo, mas ele não. Ele te quer e eu não estou disposto a
te perder para ninguém.
— Você não vai me perder, Gui. — Faz uma pausa. — Não posso te
contar a nossa conversa, pois é assunto dele, mas posso te garantir que ele
não sente mais nada por mim além de amizade.
— Do que você está falando? — Pergunto sem entender aonde ela
quer chegar.
— Ele está gostando de uma pessoa, Gui. Era sobre isso que estava
querendo conversar comigo. O Carlos só queria alguns conselhos de uma
amiga.
— Não sei, pequena. Ainda não gosto disso. — Digo desconfiado.
— Pode confiar em mim, Gui. Se eu sentisse que ele ainda tinha
alguma esperança de termos alguma coisa, eu mesma me afastaria dele. —
Beija meus lábios de leve e deita a cabeça no meu peito.
Aperto o corpo dela no meu e penso no que ela falou. Não sei se
acredito, mas, pelo menos, agora, ela entendeu o meu lado. Odeio quando
brigamos, só que não consigo me controlar quando o assunto é o Carlos.
Ficamos assim mais uma hora só curtindo um ao outro, até ela sair
para buscar a Duda na escola. Passo o resto dia trabalhando e, no final do dia,
quando chego em casa, encontro-a deitada no sofá dormindo. Olho pela casa
procurando a Duda e não a acho em lugar nenhum.
— Pequena. — Chamo abaixado na frente dela. Abre os olhos e sorri
para mim. — Cadê a Duda?
— Está na sua mãe. — Senta-se no sofá e se espreguiça. — Ela estava
com a corda toda e eu sem pique nenhum para acompanhar. A Ana veio aqui
e pediu para ficar com ela um pouco. Acabei cochilando no sofá. — Diz
ainda sonolenta.
— Você está sentindo alguma coisa além desse cansaço? — Pergunto
preocupado. Ela nunca dormiu tanto como tem dormido. Nega com um aceno
de cabeça. — Vem. Vou preparar alguma coisa para você comer para poder
deitar. Ficar nesse sofá vai te dar dor nas costas. Você está toda torta. —
Pego a mão dela e a puxo para que levante.
— Ai. — Diz e se segura em mim. — Espera, Gui. — Fecha os olhos.
— O que foi, pequena? Está sentindo alguma coisa? — Seguro na
cintura dela para apoiá-la.
— Só fiquei um pouco tonta. Devo ter levantado rápido demais. Já
está passando.
— Se continuar assim, vou te levar ao médico e não adianta reclamar.
Da última vez que teimou comigo estava com uma sinusite forte e disse que
não era nada. Você tem que se cuidar, pequena.
— É só cansaço, Gui. Não estou doente. — Teima comigo.
— Você pode estar com anemia, pequena. Tem que ver isso. —
Insisto e vamos para a cozinha.
Preparo sanduíches para a gente comer, pois não quero que coma
nada muito pesado agora e acabe passando mal de madrugada. Pego o suco
de laranja na geladeira e coloco um copo na frente dela.
— Tenho que buscar a Duda para tomar banho e jantar também. —
Diz depois de tomar um gole do suco.
— Pode deixar que eu já vou buscá-la. Aposto que ela já fez tudo
isso. Não precisa se preocupar. Come para deitar que eu cuido da nossa
princesinha. — Sorri para mim.
— Você existe mesmo ou é fruto da minha imaginação?
— Acho que te provei essa manhã que sou bem real. — Pisco para
ela.
Terminamos de comer, ela escova os dentes para deitar e eu vou
buscar a Duda. Assim como pensei, ela já jantou, tomou banho e está
dormindo. Pego-a no colo e levo para casa.
— Cadê a Duda? — A Amanda pergunta quando me deito junto com
ela depois de colocar a Duda na cama e tomar banho.
— Está na cama dela dormindo. Ela já tinha jantado e tomado banho.
Estava dormindo na minha antiga cama quando fui buscá-la. Descansa,
pequena. — Beijo o pescoço dela que se aconchega no meu abraço e solta um
suspiro. Pega no sono outra vez e eu durmo logo depois.
Acordo antes de o despertador tocar e travo para não acordar a
Amanda. Quero que ela descanse para ver se melhora hoje ou vou obrigá-la a
ir ao médico.
Arrumo o lanche e o uniforme da Duda e a acordo para se arrumar.
— Cadê a mamãe, tio Gui? — Pergunta ainda sonolenta estranhando
não ser a mãe a acordá-la.
— A mamãe estava muito cansada e o tio resolveu deixá-la dormir
um pouco. Não gostou de ser o tio a cuidar de você? — Pergunto brincando.
— Gostei. Eu vou para a escolinha?
— Vai sim. Vou pedir para a tia Ju te levar, tudo bem?
Mando uma mensagem para a Ju perguntando se pode levar a Duda
para a escola e ela responde na mesma hora que já vem buscá-la. Termino de
aprontá-la e, quando as duas saem, volto para o quarto e fico olhando a
Amanda dormir.
Sei que era para estar indo para a academia agora, mas não quero sair
sem antes ter a certeza que ela está bem. Dez minutos depois ela acorda e
olha para o relógio. Dá um pulo da cama e diz:
— Meu Deus! Perdi a hora. Por que você não me chamou, Gui? —
Pergunta agitada. Levanto-me e caminho para perto dela fazendo com que me
olhe.
— Calma, pequena. A Duda já foi para a escola. Eu pedi para a Ju
levá-la. — Puxo-a para um abraço.
— Eu não ouvi o despertador tocar. Por que você não me acordou?
— Eu travei o despertador para não te acordar. Queria que você
descansasse. — Dou um beijo na testa dela. — Vamos tomar café da manhã.
— Preciso ir ao banheiro primeiro.
Termino de preparar a mesa enquanto ela não vem. Coloco várias
coisas que sei que ela gosta para tentar fazer com que coma direito. Não
gosto de vê-la assim. Ela senta comigo a mesa e começamos a comer.
Quando coloco um pedaço de bolo de fubá, que ela adora, na frente dela,
levanta e corre para o banheiro outra vez. Corro atrás dela e bato na porta.
— Pequena, o que aconteceu? Você está bem? — Não responde e eu
abro a porta não aguentando esperar. Ela está abaixada em frente ao vaso
vomitando. Corro para perto dela e seguro em seus cabelos amparando-a. —
Nós vamos ao médico agora e não adianta tentar me convencer do contrário.
— Não precisa, Gui. Acho que sei o que eu tenho. — Fala enquanto a
ajudo a levantar do chão. Olho para ela preocupado esperando que diga o que
é. Ela escova os dentes antes de me responder me deixando mais agoniado
ainda. — Acho que estou grávida. — Olho para ela sem acreditar.
— Você está falando sério? Como você sabe? Já fez algum exame?
— Faço várias perguntas seguidas sem dar tempo a ela de responder.
— Eu conheço o meu corpo, Gui. Já tinha notado algumas mudanças,
mas, como tomo anticoncepcional, achei que fosse coisa da minha cabeça. Só
que estou com os mesmos sintomas de quando engravidei da Duda e minha
menstruação está atrasada há uma semana.
— Grávida? — Questiono ainda tentado assimilar o que ela falou. —
Você está grávida?
— Eu sei que não programamos, Gui, mas eu tomava o remédio
direito. Acredito que... — Não deixo que fale mais nada. Puxo-a para os
meus braços e a beijo.
— Grávida. — Sorrio e encosto minha testa na dela. — Eu vou ser
pai. Nós vamos ter outro filho, pequena. Será que vai ser um garotão ou outra
princesinha para fazer companhia para a Duda? — Abaixo-me na frente dela
e acaricio a sua barriga ainda plana. — O papai já te ama, sementinha. —
Escuto quando ela ri.
— Sementinha, Gui? — Levanto-me e beijo os lábios dela outra vez.
— Sim, pequena. Ele é só uma sementinha, mas já é nosso e tenho
certeza que será muito amado.
— Eu preciso confirmar, Gui. Ainda não fiz nem um exame, nem
mesmo um teste de farmácia.
— Não seja por isso. Vou comprar agora mesmo. — Saio do banheiro
e corro para a porta. Paro e me lembro que não estou com a minha carteira.
Ela me olha sorrindo e pega em cima do aparador.
— Esqueceu alguma coisa? — Ergue a sobrancelha para mim. Dou
mais um beijo nela, outro na barriga dela e saio com um sorriso enorme no
rosto.
Eu vou ser pai outra vez. Por que é assim que me sinto sobre a Duda.
Ela pode não ter meu sangue e nem o meu nome ainda, mas eu amo aquela
menina como se fosse minha. E agora a minha família vai crescer. Sinto
vontade de gritar para todo mundo ouvir. Eu vou ser pai.
Capítulo cinquenta e dois
Amanda
Grávida. Não acredito que estou grávida outra vez. Não consigo parar
de sorrir e o Gui está em êxtase. Tenho que controlá-lo para não sair gritando
para todo mundo ouvir que vai ser pai.
Pedi a ele que esperasse a minha consulta e exame para ver se está
tudo bem com a sementinha, como ele chama o nosso filho, antes de contar
para a nossa família. O difícil é disfarçar o cuidado excessivo que o Gui tem
comigo. Ele não me deixa fazer nada e, se antes já me ligava para saber se
estou bem, agora, é o dia inteiro.
Diz que fica preocupado comigo, com medo que eu sinta alguma
coisa e não esteja por perto para me ajudar, além de estar controlando se me
alimento direito.
Assim que fiz os dez testes de farmácia que o exagerado comprou e vi
o resultado positivo em todos, liguei para marcar uma consulta. Uma semana
depois estou saindo do consultório com um sorriso enorme no rosto e um pai
completamente deslumbrado olhando para a foto do filho que a médica
imprimiu para ele.
— Esta vai ficar na minha carteira junto com a sua foto e a da Duda.
A primeira foto da sementinha. Vou mostrar para todo mundo. — Diz
transbordando de felicidade.
— Olha o que nós combinamos, Gui. Nada de sair espalhando por
enquanto. Só a nossa família vai saber agora. — Aviso mais uma vez.
— Eu sei, pequena. Pode deixar. Não vejo a hora de contar para a
minha mãe e irmãs. O Felipe está nesse meio, não é? — Aceno com a cabeça
em acordo e ele sorri mais ainda. — Aquele cara é como um irmão para mim.
— Eu sei disso. E tenho certeza que ele pensa o mesmo de você.
Vamos mandar mensagens para as suas irmãs, sua mãe e ele para irem lá em
casa hoje a noite? Eu faço alguma coisa para a gente comer e depois
colocamos o DVD com a filmagem da ultrassonografia.
— Nada disso. Eu peço alguma coisa. Não quero você se cansando
sem necessidade. — Reviro os olhos para ele.
— Deixa de ser bobo, Gui. Não vou me cansar só de fazer comida.
Não precisa ser nada demais. Faço uma coisa simples.
— Não, pequena. Eu peço em algum restaurante e não se fala mais
nisso. — Fica calado durante alguns segundos e volta a falar: — Estava
pensando em um jeito para contarmos para eles. Vamos ao shopping comigo.
Preciso comprar uma coisa. — Diz e abre a porta do carro para mim.
— O que você está aprontando, grandão? — Pergunto enquanto
coloco o cinto.
— Nada demais. Você já vai saber. — Pisca para mim e liga o carro.
Mando mensagem para todos enquanto estamos a caminho e, trinta minutos
depois, paramos no estacionamento. — Vem, pequena. Não podemos
demorar ou não dará tempo de preparar tudo antes de eles chegarem.
— Gui, até parece que tem tanta coisa assim para fazer. Você não me
deixou cozinhar. Acho que não gosta da minha comida. — Faço bico e ele
para de andar e fica na minha frente.
— A sua comida é uma delícia, pequena, mas não quero que você
fique cansada, já disse. — Beija meus lábios de leve.
Não respondo. O cuidado e o carinho com que ele me trata me
encantam cada vez mais. Voltamos a andar e ele me puxa para dentro de uma
loja de roupinhas de bebês.
— Gui, o que você vai fazer? Sabe que ainda faltam pelo menos sete
meses para a sementinha nascer, não é? — Questiono com medo do que ele
pode estar querendo fazer.
— Fica calma, pequena. Não vou comprar nada demais. Só as coisas
para a surpresa. — Caminha para perto de uma vendedora e começa a
conversar com ela.
Vinte minutos depois saímos da loja com duas blusas sou da titia,
duas sou do titio, uma sou da vovó, uma sou da prima e outra sou da
maninha. Todas brancas com os dizeres em verde.
— Isso é para contar para eles? — Questiono quando estamos no
carro.
— A gente coloca o vídeo e entrega para eles. Ia comprar a sou do
papai e a sou da mamãe também, mas achei melhor esperar saber o sexo.
Você marcou com eles que horas?
— Marquei às sete horas por causa do Felipe. Ele não vai conseguir
chegar antes.
— Então, vamos que só temos duas horas para chegar em casa e
preparar tudo. — Faz uma pausa. — Você prefere contar para a Duda antes
de eles chegarem? Assim nós podemos conversar com ela melhor. Não quero
que ela pense que vai mudar alguma coisa. Ela continua sendo a nossa
princesinha.
— Eu te amo, sabia? — Digo com um sorriso enorme no rosto. —
Amo o jeito que você cuida e se preocupa com a minha filha.
— Aí é que está, pequena. O que você não entendeu ainda é que, para
mim, ela não é a sua filha. É a nossa filha. Eu amo aquela menina como se
fosse minha. Não me importo que ela não tenha o meu sangue. O meu
coração ela já tem há tempos. — Olho para ele emocionada. Ele seca uma
lágrima que escapou e desceu pelo meu rosto quando para em um sinal de
trânsito.
— Obrigada, Gui. Por aparecer na minha vida e me dar mais uma
chance para de ser feliz. Mais uma chance para o amor. — Ele me dá um
beijo leve nos lábios e sai com o carro quando o sinal abre.
Chegamos em casa, preparamos tudo e ligamos para o restaurante
para fazer o pedido. Assim que está tudo pronto o Gui busca a Duda na casa
da Ana. Sento-me no sofá e fico esperando pelos dois com o embrulho com a
blusinha na mão. Ela entra em casa e corre para me abraçar.
— O que é isso, mamãe? É presente para mim? — Pergunta curiosa.
— Senta aqui no colo do tio Gui, princesinha. — Diz sentado ao meu
lado e a pega no colo. — A gente tem uma novidade para contar para você,
mas ainda é segredo. Você sabe guardar segredo? — Questiona baixinho para
ela que acena com a cabeça em acordo. — Não pode contar para ninguém,
tudo bem?
— Pode deixar, tio Gui. — Faz sinal com a mãozinha como se tivesse
fechando a boca. Sorrio para ela. Tenho certeza que isso é coisa da Ju.
— Você sabe que o tio Gui e a mamãe amam muito você, não sabe?
— Concorda mais uma vez. — Só que a gente ainda tem muito amor aqui
dentro. — Pega as mãozinhas dela e coloca em cima dos nossos corações. —
Então, o Papai do Céu mandou mais alguém para a gente amar. — As
lágrimas começam a descer pelo meu rosto enquanto ele fala com ela. —
Tem uma sementinha aqui na barriga da mamãe. — Coloca a mão sobre a
minha barriga. — Ela vai crescer e vai ser seu irmãozinho ou irmãzinha. A
nossa família vai crescer.
— Eu vou ganhar uma irmãzinha? — Pergunta com os olhos
arregalados.
— Ou irmãozinho, princesinha. Mas você sempre será a princesinha
do tio e da mamãe, ok?
— Eu vou poder brincar com ela?
— Claro que vai, meu amorzinho. Vocês serão muito amigas. — Ela
passa para o meu colo, coloca a mão na minha barriga fazendo carinho e se
abaixa para falar.
— Eu te amo, maninha. — E beija a minha barriga.
Olho para o Gui e vejo que não sou a única emocionada aqui. Ele está
com os olhos brilhando de lágrimas. Sorrio para ele que retribui e fala sem
emitir som para mim que me ama. Faço o mesmo com ele. Entregamos a
blusa para ela, dizemos o que tem escrito e ela fica toda feliz.
Quando já estamos com tudo pronto a Clara, o Rodrigo, a Mel e o
Felipe chegam e logo depois a Ana e a Ju também. O Gui vai receber o
pedido do restaurante e eu fico na sala com eles.
— É alguma data especial e eu não sei? — O Felipe pergunta quando
o Gui volta para a sala com as sacolas.
— Precisa ser data especial para receber a nossa família aqui em casa?
— Responde com outra pergunta enquanto coloca as embalagens de comida
em cima da mesa. Levanto-me e vou à cozinha pegar os pratos. — Por que
não me pediu para pegar, pequena? Isso é pesado. — Reclama.
— Gui, sem exageros. Está todo mundo olhando e são só pratos. Para
com isso.
Jantamos em clima de descontração como sempre acontece quando
nos juntamos. Assim que terminamos, enquanto o Gui tira a louça da mesa,
ligo a televisão para colocar a gravação para que eles possam ver.
— Deixa que eu arrumo a louça hoje, cunhadinha. O Lipe vai me
ajudar. — A Ju diz sentada no sofá ao lado do Felipe com os pés no colo dele
que faz massagem neles.
— Depois, Ju. Agora eu tenho um vídeo para mostrar para vocês e a
Duda tem um presente para cada um. — Digo e a Duda corre para perto de
mim para pegar os embrulhos e entregar para quem eu falo. — Não pode
abrir agora. Só quando a Duda falar, ok?
— O que vocês estão aprontando? Estão muitos misteriosos. — A
Clara fala e me olha desconfiada.
— Você já vai saber, mana. — O Gui fala entrando na sala. — Ei!
Pode tirar essas suas mãos da perna da minha irmã se não quiser ficar sem
elas. — Diz quando vê a Ju e o Felipe juntos.
— Deixa de ser chato, Gui. A massagem do Lipe é ótima e eu estou
cansada.
— Ju, você não está ajudando. Seu irmão vai me matar. — Fala só
para implicar.
— Será que vocês podem parar de implicância um com o outro?
Temos um vídeo para ver. — Digo séria e todos me olham. — Estão todos
com os presentes? — Eles concordam e eu coloco a gravação para passar.
Não demora muito para a Ana, a Clara e a Ju perceberem do que se
trata. Elas começam a rir e chorar ao mesmo tempo e o Gui pede que abram
os presentes quando começa o som do coraçãozinho batendo.
— Isso aqui é o que eu estou pensando? — O Felipe pergunta com
um sorriso enorme no rosto. O Gui e eu concordamos com um aceno de
cabeça e ele vem na nossa direção. — Você vai ser pai, irmão. — Os dois se
abraçam e as minhas cunhadas e sogras caminham na minha direção
enquanto o Rodrigo se junta aos dois.
Depois de todos nos parabenizarem começam as brincadeiras. O
Rodrigo se junta com o Felipe para encarnar no Gui dizendo para ele se
preparar que será outra menina e a noite segue nesse clima de alegria.
— Obrigada, minha filha. — A Ana fala parada na minha frente
segurando as minhas mãos. — Você fez o meu filho voltar a sorrir de
verdade. Antes de vocês duas aparecerem na vida dele, ele só fingia que
estava bem. Agora, olha para ele. — Vira-se na direção em que o Gui está
conversando com o Felipe. — Você realizou o sonho dele. O meu menino
sempre quis ser pai e você está dando isso a ele pela segunda vez. — Seca as
lágrimas que descem livres pelo meu rosto.
— Eu que tenho que agradecer a ele, Ana. Seu filho chegou do nada
na minha vida e se tornou o meu tudo, a minha família.
— Não tenha dúvida disso, minha filha. Você e a Duda são da
família. Essa princesinha já é minha neta do coração e nunca deixará de ser.
O amor que eu sinto por ela é igual ao que sinto pela Mel e pela sementinha.
— Fala sorrindo o apelido que o Gui deu e coloca a mão na minha barriga.
— Será que posso abraçar a mamãe do ano ou o papai vai ficar com
ciúmes? — O Felipe não perde a oportunidade de implicar com o Gui.
— Só desta vez, cara. Estou de olho em você. — O Gui responde do
outro lado da sala.
— Parabéns, Amanda. Você não poderia ter escolhido um pai melhor
para os seus filhos. — Sinto o orgulho com que ele fala do Gui.
— Tenho certeza disso, Felipe. Certeza absoluta. — Concordo com
ele.
— Aquele cara é especial demais. Ele merece ser feliz. Vocês
merecem ser felizes.
— Você também merece. — Puxa-me para um abraço.
— Já pode largar. Não precisa apertar a minha mulher. Quer amassar
a sementinha? — Sorrio para os dois. Eles não têm jeito.

****

— Que casa é essa, Gui? — Pergunto quando ele para o carro duas
casas depois da nossa.
Acabamos de sair da consulta da minha médica e ela disse que estou
com três meses completos de gestação. O Gui falou que tinha uma surpresa
para mim e veio direto para cá.
— Vem comigo, pequena. — Abre a porta e espera que eu desça.
Caminha comigo para a entrada da casa e pega uma chave no bolso da
bermuda abrindo a porta em seguida.
Olho em volta encantada. A casa é linda. No andar de baixo tem uma
sala ampla, banheiro, cozinha, área de serviço e uma varanda que circula a
casa. Os quatro quartos ficam no segundo andar e são todos suítes, sendo um
maior do que os outros. O quintal fica na parte de trás e tem bastante espaço
além de uma área com churrasqueira. Na lateral da casa fica a garagem.
— A casa é linda, Gui. — Digo olhando para o quintal e ele me
abraça pela cintura. — Bem espaçosa e arejada, só que você ainda não me
explicou por que me trouxe aqui.
— Pode ser nossa. — Olho para ele sem acreditar. — Eu só queria
saber o que você achava para fechar o negócio.
— Você está falando sério? Por que não me disse que estava
procurando uma casa?
— Porque era uma surpresa. A gente precisa de uma casa maior
agora, pequena. E esta aqui é perto da minha mãe e da Ju. Elas podem
continuar te ajudando sem problemas. Além de ser a mesma distância para a
academia e para a escola do que de onde moramos. Se você me disser que
gostou, fecho o negócio hoje mesmo e já podemos começar a preparar a
mudança e a procurar os móveis novos. Assim não precisamos correr e você
não se cansa. Dá tempo de preparar tudo para a chegada da sementinha.
— Se eu gostei? Eu amei, Gui. Mas precisa ser deste tamanho? Nós
não precisamos de quatro quartos. — Digo olhando em volta mais uma vez.
— Um você pode usar como escritório. Ainda tem o da Duda, o da
sementinha e o nosso. Só vai sobrar um. Isso por enquanto. — Pisca para
mim.
— Eu ainda não estou nem na metade da gravidez e você já está
pensando em me engravidar outra vez? — Coloco as mãos na cintura.
— Não tenho culpa se você fica ainda mais gostosa assim. — Puxa-
me para perto dele e me beija.
— Eu te amo, sabia? Obrigada por pensar em tudo.
— Tudo para vocês, pequena. Tudo pela nossa família. Agora vamos.
Está na hora de alimentar a sementinha. — Diz e caminha comigo para a
saída da casa.
— Essa sementinha quer que eu vire uma melancia, isso sim.
— Pode deixar que eu te ajudo a queimar esses quilos que tanto te
incomodam depois que ela nascer, mas, por mim, você ficava assim. Gosto
de ter onde pegar. — Sorri para mim e eu sacudo a cabeça para os lados. Ele
não tem jeito. Estou me sentindo gorda e ele não cansa de me elogiar e dizer
que estou gostosa. Fala com tanta sinceridade que não tem como não
acreditar.
Parece que minha vida realmente mudou. E mudou para melhor.
Tenho um homem que me ama e me respeita acima de qualquer coisa, trata a
minha filha como se fosse dele, faz de tudo para nos ver felizes e ainda vem
mais uma criança para completar essa felicidade. Realmente não tenho do que
reclamar.
Epílogo
Amanda
— Eu não tenho nada para fazer na academia hoje, pequena. — Fala
enquanto me abraça por trás e beija o meu pescoço.
— Não adianta tentar me enrolar, Gui. Já disse que combinei com as
suas irmãs e vamos fazer o dia das meninas.
— Eu fico aqui para tomar conta da Duda, da Belinha e da Mel para
vocês. Prometo que nem irão perceber a minha presença.
Se durante a gravidez já era difícil tirar esse homem de casa, depois
que a Isabela nasceu, há dois meses, ficou impossível. Ele não desgruda das
meninas por nada desse mundo.
A Duda e ele eram muito grudados um ao outro e parece que ficaram
mais com a chegada da Belinha, já que ele procura incluí-la em tudo o que
faz para que não sinta ciúmes.
Ele não passa mais o dia inteiro na academia como fazia. Sempre dá
um jeito de escapar e vir olhar como estamos. Os dias mais movimentados
ele pega a Duda na escola para mim e vem nem que seja só para almoçar com
a gente.
— Nada feito, Guilherme. Você vai trabalhar e não ouse aparecer aqui
antes do fim do dia. Para de inventar desculpas para ficar em casa.
— Para alguma coisa tem que servir o fato de ser o patrão. — Viro-
me de frente para ele e passo os braços pelo pescoço dele.
— Um patrão que estava sempre de olho em tudo o que acontecia e
agora vive faltando. Eu não quero que você largue tudo para ficar aqui, Gui.
Não tem necessidade. Eu consigo me virar com as meninas e nós estamos
bem. Se eu precisar de alguma coisa, vou te ligar.
— Eu levo a Duda comigo, então. — Pede com cara de carente.
— Sua mãe vai vir também para ficar com as meninas e eu combinei
com a Duda que ela ia participar. Eu preciso desse momento com ela,
grandão.
— Eu não gosto de ficar longe de vocês o dia todo, pequena. — Puxa-
me para mais perto e me abraça apertado.
— Gui, para de drama. É um dia só. Aproveita e chama o Felipe ou o
Rodrigo para fazer alguma coisa também.
— Promete que vai me ligar se precisar de alguma coisa?
— Prometo, grandão. Agora, vai trabalhar antes que as suas irmãs
cheguem e briguem com você por não ter saído ainda. Sabe como a Ju é. —
Dou um beijo nele e o levo a até a porta.
Não acredito. Pensei que não fosse conseguir tirá-lo daqui. Sempre é
difícil convencê-lo de ir trabalhar, mas, hoje, foi ainda pior. Parece que ele
sentiu que estava sendo enganado.
Desde o meu aniversário, depois da conversa que eu tive com a Ju,
que eu comecei a pensar em uma maneira de retribuir tudo que o Gui faz pela
Duda e por mim.
Quando eu estava com cinco meses de gravidez nós fomos ao
casamento do Miguel, amigo do Gui, e todos os amigos dele perguntavam
quando seria a nossa vez. Ele sempre fazia uma brincadeira e respondia que
já somos casados, mas reparei que a Ju tinha razão e que essa era mesmo a
vontade dele.
Resolvi então que daria isso a ele. Não me importo se já fui casada.
Sei que o Gui é completamente diferente do César e merece que eu faça isso
por ele.
A minha gravidez foi bem tranquila e me mudei um mês depois de o
Gui comprar a nossa casa, mas preferi esperar a Belinha nascer. Agora que
ela já está com dois meses, vamos realizar a cerimônia. Será uma coisa bem
íntima, somente a nossa família e amigos mais próximos com a benção de um
padre e a festa depois.
Contei com a ajuda das minhas cunhadas, da minha sogra, da Rebeca
e da Sara para organizar tudo, desde o bufê responsável pelas comidas até a
decoração com flores que será feita no meu quintal, já que tive que me dividir
entre trabalho, cuidar das meninas e ainda tinha que fazer somente nos
momentos em que o Gui não estava em casa.
Estou perdida em pensamentos quando elas chegam para me ajudar e
começamos com os preparativos. Pedi ao Felipe que fique de olho no Gui
para mim e para não deixar que ele venha para casa.
O dia passa com o entra e sai de pessoas organizando e decorando
cada canto do quintal, cabeleireiro, manicure e maquiadora para nos arrumar
e, cada hora que passa, eu fico mais nervosa.
Será que ele vai gostar? Será que não vai ficar chateado por eu ter
escondido dele? E se o desejo dele era participar de toda a preparação? Ai,
meu Deus. Será que eu tomei a decisão certa? Começo a me perguntar
enquanto estou sozinha no meu quarto.
— Agora não dá mais para desistir, cunhadinha. Acabei de saber que
o seu recado já foi entregue a ele. — A Ju fala parada atrás de mim enquanto
me olho no espelho. Respiro fundo e viro-me para ela sorrindo.
— Eu não vou desistir. Amo demais o seu irmão para voltar atrás.
— Assim é que se fala. — Pega minha mão e caminha comigo para a
cama para pegar o meu vestido e me ajudar a me vestir.

Guilherme
Escuto baterem na minha porta e, quando olho para ver quem é, vejo
o Rodrigo entrando com uma caixa nas mãos.
— Pediram para te entregar. — Caminha para perto de mim e coloca
em cima da minha mesa.
— O que é isso? — Questiono pegando o cartão que está preso na
caixa e abro para ler.
“Oi, grandão. Há mais ou menos um ano e meio eu conheci um
homem quando fui a uma academia e me encantei com ele no primeiro olhar.
No começo foi porque era lindo, mas, com o passar do tempo, conforme eu
fui conhecendo melhor, vi que a maior qualidade dele era a beleza interior.
Esse homem me cativou mais a cada dia e me trouxe de volta a esperança de
ser feliz. Com ele eu tive outra chance para o amor e construí uma família.
Sei que você queria passar esse dia conosco, mas eu precisava me preparar
para essa noite. Coloca a roupa que está nessa caixa e venha me encontrar.
Estarei te esperando na nossa casa para comemorarmos o nosso amor. Essa
noite é nossa. Não se preocupe com nada. A sua mãe e suas irmãs irão olhar
as meninas para a gente. Eu te amo, Gui. Não demora. Estou te esperando.
Beijos da sua pequena.”
Olho para o cartão com um sorriso enorme no rosto. Não consigo
deixar de pensar em como sou sortudo por tê-la em minha vida. A Amanda
me trouxe de volta a felicidade. Ela e as meninas são a minha vida e não há
nada que eu não faça por elas e para elas.
— Está esperando o que, moleque? Anda que eu vou te esperar. Sua
mulher me pediu para ser o seu motorista até a casa de vocês.
— O que a pequena está aprontando, Rodrigo? — Tento tirar alguma
coisa dele.
— Você não conhece aquelas mulheres? Se eu abrir a minha boca sou
um homem morto. Vai se arrumar que já está na hora.
Abro a caixa. Encontro uma calça social, um blusão, sapatos, meias e
uma gravata. Estranho a escolha da roupa, mas não falo nada. Já percebi que
não vou conseguir arrancar nada dele.
Vou para o banheiro, tomo banho e me visto. Quando saio, seguimos
para a minha casa, o que não demora, já que moro perto da academia.
Chegamos e ele diz que vai entrar na frente. Não entendo o motivo, mas não
questiono. Sei que tudo faz parte do que a Amanda programou e não quero
decepcioná-la. Desço do carro e fico no portão esperando por ela. Vejo a
minha mãe caminhando em minha direção.
— Vamos, meu filho. Sua mulher e suas filhas estão te esperando. —
Fala e a voz dela transborda de felicidade me deixando cada vez mais
curioso.
— Mãe, o que está acontecendo aqui? — Pergunto não aguentando
mais me segurar.
— Você já vai saber. — Diz e caminha comigo para o quintal na parte
de trás da casa.
Quando viramos na lateral, paro sem acreditar no que está a minha
frente. A nossa família e nossos amigos estão todos ali me esperando e, no
final do corredor feito por cadeiras, está um padre em um altar improvisado.
— Não acredito. — Paro onde estou. — Ela sempre falou que não
precisávamos casar e que um papel não mudaria nada do que sentimos um
pelo outro, então, por que isso agora?
— Por você, meu amor. — Faz um carinho no meu rosto. — Essa
mulher te ama, filho. Assim como você a ela. Esta benção só irá reforçar o
que todos que estão aqui já sabem.
Caminhamos para o altar onde ela me deixa sozinho esperando pela
Amanda. Começa a tocar uma música instrumental e vejo a Duda entrar
empurrando um carrinho de bebê com a Belinha.
Minhas filhas, minhas princesas. Elas estão lindas de vestidos brancos
iguais com flores azuis bordadas nas saias e uma tiara na cabeça. Abaixo-me
e dou um beijo na testa de cada uma.
— Vocês estão lindas, minhas princesinhas. — Digo. A Duda sorri
para mim e caminha levando a irmã para perto da Ju que está sentada na
primeira fila.
Levanto-me e vejo o João parado ao lado da Amanda para trazê-la ao
altar. Ela está com um vestido igual ao das meninas, tem um sorriso enorme
no rosto e os olhos brilhando que me fazem perder o ar. Esta mulher é minha
vida. Ela e nossas filhas são a razão para eu me levantar todos os dias.
Começa a tocar Te voy a amar de Axel, eles caminham para perto de mim e o
João diz assim que me entrega a mão dela:
— Cuida das minhas meninas, rapaz. Elas valem ouro.
— Daria a minha vida por elas, João. — Falo com sinceridade.
— Eu sei disso. — Aperta a minha mão e vira-se para a Amanda. —
Tenho certeza que os meus amigos estão muito felizes onde estiverem. —
Beija a testa dela e se afasta.
— Você está linda. — Beijo a testa dela. — Eu te amo, pequena.
— Não mais do que eu. — Aperta a minha mão.
— Obrigado por esta surpresa. — Faço um carinho no rosto dela que
se inclina na direção da minha mão.
— Sei que era o que você queria e sou capaz de tudo por você. —
Sorrio para ela, mas não respondo. Não sei se conseguiria falar agora. Dou
outro beijo na testa dela e nos viramos para o padre.
A cerimônia é simples, mas linda. Perco-me nas lembranças de tudo o
que passamos até aqui. Lembro do tanto que lutei para não me envolver; de
quando percebi que não adiantava lutar contra, pois não tinha mais jeito; do
nosso primeiro beijo; da primeira vez que a amei; da nossa primeira briga; de
quando descobri que ela estava grávida e do nascimento da Belinha.
Valeu cada minuto gasto, cada noite sem dormir pensando nela e cada
dia que passei perdido em pensamentos no meio do trabalho. Faria tudo outra
vez se tivesse a certeza que ela estaria aqui ao meu lado como agora.
Volto ao presente com ela dando um aperto suave em minha mão e
percebo que está na hora dos nossos votos. Escuto quando uma música suave
começa a tocar e a Duda entra com as nossas alianças em uma almofada.
Pego a da Amanda na almofada e ela faz o mesmo com a minha. Dou
um beijo na Duda, a Amanda outro e ela volta para perto da Ju que sorri para
mim. O padre faz sinal para que eu comece.
— Pequena, não acredito que palavras sejam suficientes para
expressar tudo o que eu sinto por você. Desde o dia em que te vi pela
primeira vez que não consigo te tirar da minha cabeça. Você e as meninas são
a minha vida, a família que eu sempre quis ter. Eu te amo e a cada dia esse
sentimento cresce mais ainda. A cada manhã que eu acordo e tenho você ao
meu lado o sinto crescendo. Em cada vez que olho para as nossas filhas, ele
se multiplica dentro do meu peito. Eu pensei que sabia o que era esse
sentimento, mas foram vocês que me apresentaram a ele. Eu te prometo dar
tudo de mim para fazer vocês felizes. Prometo sempre te respeitar e te amar
cada dia mais. — Seco as lágrimas que descem livres pelo rosto dela e coloco
a aliança em seu dedo.
— Gui, meu grandão, você acha que eu te ensinei o que é o amor, mas
foi o contrário. Foi com você que eu aprendi o sentimento verdadeiro. Aquele
que não pede nada em troca e que se doa pelo simples prazer de ver o outro
feliz. Foi quando te conheci que percebi que podia ser feliz de verdade, sem
medos e sem receios. Foi vendo o seu amor pela minha filha, nossa filha, que
tive a prova que ter o mesmo sangue muitas vezes não significa nada. Foi
percebendo a sinceridade dos seus sentimentos que percebi ter encontrado a
pessoa certa para mim. Não me importa a nossa idade, o que os outros falam,
não me importa nada. Se tiver você ao meu lado, sou capaz de enfrentar o
mundo. Porque você e as nossas filhas são o meu mundo. Eu te amo, Gui, e
prometo dar tudo de mim para te fazer feliz também. Prometo te respeitar e te
amar cada dia mais. — Sorri para mim e coloca a minha aliança no meu
dedo.
Não espero que o padre autorize e a beijo com todo o meu amor.
Saber que fez isso tudo por mim mesmo quando não queria nada disso, só me
faz amá-la ainda mais. Caminhamos para o começo do corredor com a nossa
família e amigos nos aplaudindo e jogando pétalas de flores quando
passamos.
Olho em volta e me pergunto como ela conseguiu organizar essa festa
sem que eu percebesse nada. Tenho certeza que tem dedo das minhas irmãs e
da minha mãe em cada detalhe que está presente neste quintal. Agradeço em
pensamento a sorte que eu tenho de ter essas pessoas na minha vida.
— Eu te amo, sabia? Obrigado por tudo. Pelas nossas filhas, por estar
todos os dias ao meu lado, por me permitir te amar, por me fazer o homem
mais feliz nesse mundo e por essa surpresa.
— Eu também te amo, grandão. E isso aqui não é nada perto do que
sou capaz de fazer por você e para ver esse sorriso lindo no seu rosto. Sei que
faria o mesmo por mim. — Puxo-a para um beijo não me importando com as
pessoas nos olhando.
— Será que eu posso abraçar os noivos? — Escuto a voz da Ju atrás
de mim quando encerro o beijo e viro-me para ela sorrindo.
— Claro que pode. Não sou louco de negar nada a uma grávida.
Como está o meu pontinho? — Pergunto fazendo carinho na barriga dela.
— Você e essa mania de colocar apelidos ridículos nos bebês. —
Implica, mas sei que também fala assim.
A festa segue e, quando toca Ouvi dizer do Melim, eu puxo a Amanda
para dançar.
— “Ouvi dizer; que existe paraíso na terra. E coisas que eu nunca
entendi; coisas que eu nunca entendi. Só ouvi dizer; que quando arrepia já
era; coisas que eu só entendi; quando eu te conheci.” — Canto no ouvido
dela e a beijo mais uma vez.
Bônus
Guilherme
Olho para a foto da Amanda com as nossas filhas no colo que tenho
em cima da minha mesa na academia e sorrio. Minhas meninas estão cada dia
mais lindas. A Belinha, agora com quatro meses, está cada vez mais esperta.
Já emite alguns gritinhos e adora quando a irmã brinca com ela.
As duas são muito apegadas, coisa que espero que continue. A Duda
vai para a escola contando os minutos para voltar e ficar com a irmã e, depois
que volta, fica sempre onde a Belinha está.
A Amanda aproveita os intervalos entre as mamadas para trabalhar.
Até pensei em falar para parar, mas sei que ela gosta e não aceitaria depender
de mim para tudo, coisa que ela mesma diz.
Tento me concentrar nos documentos que estão espalhados na minha
frente pela mesa. Precisei vir à academia para resolver algumas coisas, mas
não quero demorar.
Hoje é o aniversário de seis anos da Duda e a Amanda está
preparando tudo em casa para a festinha que vamos fazer para ela. Sei que a
Clara, minha mãe, a Ju e a Rebeca estão lá, mas quero ajudar também.
Ainda quero passar no shopping para comprar a boneca que ela me
pediu. Não contei para a Amanda já que ela disse que era muito cara e quis
comprar outra, mas não consigo negar nada para a minha princesinha.
Sei que vou escutar a Amanda reclamar que mimo muito a Duda,
porém nada que eu não consiga reverter com muitos carinhos. Aquelas três
me têm nas mãos e nem sabem.
— Guilherme, o juiz decidiu. — O Felipe entra na minha sala
gritando e me pegando de surpresa.
— Decidiu o que, Felipe? Quer me matar do coração, cara?
— Tudo bem. Não te conto a novidade, então. Talvez eu deixe para te
contar só no mês que vem. — Senta-se na cadeira na frente da minha mesa e
fala tirando um papel da pasta.
— Que papel é esse, Felipe? — Levanto-me e tento tirar da mão dele,
mas ele puxa para longe e não deixa.
— Agora você quer saber? Deixa para lá. Acho que vou falar com a
Amanda primeiro. — Levanta-se e ameaça sair da sala. Fico na frente dele e
não deixo que passe por mim.
— É o que eu estou pensando? Você não está de brincadeira, está? —
Sorrio sem me controlar. — Hoje? — Acena com a cabeça em acordo. —
Justo hoje? Não acredito. — Passo a mão pelos cabelos.
— Claro que eu estou falando sério, Guilherme. Você acha que eu iria
brincar com esse assunto? Está aqui, cara. Saiu a decisão do juiz deferindo a
adoção unilateral. Com esse papel, você já pode registrar a Duda. Ela é sua
filha legalmente.
Olho para o papel sem acreditar. Há mais ou menos um ano eu
conversei com a Amanda sobre adotar a Duda e ela aceitou. Pedi ao Felipe
que agisse tudo para mim, mas não sabia que demoraria tanto assim. Hoje,
justo hoje, no aniversário dela, esse documento chega e quem ganha o
presente sou eu.
— Minha filha, cara. A Duda é minha filha. — Digo completamente
emocionado e ele me puxa para um abraço.
— Ela já era, cara. Só falta ter o seu nome na certidão e você já está
autorizado a isso. — Afasta-se de mim e tem um sorriso enorme igual ao
meu. — Vai ligar para a Amanda para contar ou só vai falar quando chegar
em casa?
— Só em casa. Quero fazer uma surpresa para as duas. — Olho para a
minha mesa e desisto de fazer qualquer coisa. Depois eu resolvo isso. Agora,
eu quero ir para casa e contar para a Duda. Preciso ver a reação dela e saber
se vai gostar.
— Você não vai esperar, não é? — Pergunta sabendo a resposta. — Já
vai embora.
— Só tenho que passar no shopping para comprar a boneca que ela
me pediu, mas não fico mais um minuto sequer aqui. — Pego as minhas
chaves, carteira, celular e o envelope que ele me entrega para sair. — Você
vai comigo ou vai passar em casa antes de ir para lá?
— Tenho que passar em casa para tomar banho antes. — Diz
caminhando comigo para a porta.
Despeço-me dele e sigo para o shopping. Vou direto à loja de
brinquedos e peço a uma vendedora a boneca. Não demoro trinta minutos e
saio do shopping para ir para casa.
Mando uma mensagem para a Amanda perguntando se ela quer
alguma coisa da rua, ela diz que não e eu agradeço mentalmente por não
precisar demorar mais para chegar.
Dou sorte e não pego trânsito. Cerca de vinte minutos depois estou
estacionando no portão de casa. Entro e sigo direto para a parte de trás do
quintal onde sei que vou achá-las carregando a bolsa com a boneca e o
envelope com o documento que o Felipe me entregou.
Viro na lateral da casa e vejo as minhas irmãs sentadas com as
meninas brincando perto delas e a Belinha no carrinho ao lado. A Amanda sai
de casa e me vê. Quando a Duda percebe a minha presença levanta e vem
correndo em minha direção.
— Papai! Papai, olha o que a tia Ju me deu. — Estaco no lugar onde
estou sem acreditar no que escutei.
Vejo quando a Amanda coloca a mão na boca e as lágrimas descem
livres pelo rosto dela. Sei que não estou muito diferente, pois não consigo me
segurar e deixo a emoção me dominar.
— Oi, minha filha. — Pego-a no colo e aperto o corpinho dela ao
meu. — Repete para o papai, repete? — Peço. — Do que você me chamou?
— De papai. Você não quer ser meu papai? — Pergunta com um
rostinho triste.
— É o que eu mais quero, princesinha. — Distribuo diversos beijos
pelo rostinho dela que sorri para mim. — O papai tem uma coisa para contar
para você e a mamãe. — Faço sinal com a mão para a Amanda se aproximar
de onde estamos e dou um beijo leve nos lábios dela quando para ao meu
lado.
— O que é esse pacote, papai? — Não me canso de escutá-la me
chamando assim.
— É um dos seus presentes, filha, mas primeiro o papai quer te
mostrar uma coisa. — Coloco-a no chão e pego o envelope dentro da bolsa.
Vejo a Amanda me olhando curiosa. — Esse papel aqui diz que agora você é
minha filha igual à Belinha. — Mostro para ela que, apesar de não entender
muito bem ainda a importância disso para mim, sorri.
— Saiu? — A Amanda pergunta ainda emocionada. Aceno com a
cabeça em acordo. — Meu Deus! Tem como esse dia ficar melhor? — Escuto
o gritinho da Belinha e caminho para onde está o carrinho dela para pegá-la.
Volto para perto da Duda e da Amanda e pego a Duda no colo
também. Beijo as três e sorrio para as minhas irmãs que estão me olhando
enquanto secam as lágrimas que descem pelo rosto delas.

Fim
Uma chance para a felicidade
Spin-off de
Outra chance para o amor
Júlia
— Vamos que o Gui já me mandou mensagens umas três vezes
perguntando se estávamos chegando. — Digo enquanto entramos de mãos
dadas no bar. Ele para do nada e eu quase caio quando sou puxada para trás.
— Júlia, espera. — Pede. — Seu irmão está aqui?
— Está, garotão. O que foi? Está com medo dele? — Pergunto
sorrindo para implicar com ele.
— Não. Claro que não. Só que você não me falou nada. — Passa a
mão pelos cabelos nervoso.
— Foi você mesmo que me pediu para assumir para todos que
estamos juntos. Mudou de ideia? Quer voltar atrás agora?
— Não é isso. — Solta um suspiro.
— É o que, então? — Viro-me de frente para ele.
— Nós precisamos conversar, Júlia. Vem comigo. — Tenta me puxar
para fora do bar.
— A gente não vai demorar. É só para o Gui parar de me perturbar.
Ficamos uns trinta minutos e vamos embora. Teremos a noite toda para
conversar depois.
Caminho para a mesa onde sei que estão me esperando com ele atrás
de mim.
— Que merda é essa, Júlia? — O Gui grita levantando da cadeira
quando me aproximo deles.
— Você não queria conhecer o meu namorado? — Cruzo os braços.
Sabia que ele não ia gostar, mas não esperava que fizesse esta cena.
— Diz que isso não é sério, Júlia. — Pede passando a mão pelos
cabelos.
Playlist
Ciúmes – Ultraje a Rigor
Medo bobo – Maiara e Maraisa
Quem de nós dois – Ana Carolina
Te voy a amar – Axel
Ouvi dizer – Melim
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Outras obras da autora
Duas metades
Sinopse
Ana Luíza tem sua vida transformada na noite de sua formatura,
graças a um motorista embriagado. Agora ela se dedica a cuidar de sua mãe,
não tendo mais uma vida social. Até que surge uma nova oportunidade de
emprego em suas mãos.
Na noite em que sai com sua amiga para comemorar a nova fase,
conhece Edu em um bar.
Por mais que tente, não consegue tira-lo da cabeça, mesmo sabendo
que as chances de se reencontrarem são quase nulas, já que ele não era de sua
cidade.
Carlos Eduardo perdeu sua família quando tinha dezoito anos, vítimas
de um assalto em sua residência. Depois de oito anos ele ainda não conseguiu
voltar a ser a pessoa alegre que fora um dia.
Não consegue se envolver com mais ninguém, depois que sua ex-
namorada tentou armar contra ele, de olho em sua herança.
Teve casos de uma noite, mas nenhuma mulher conseguiu quebrar as
barreiras que ele criou em volta de seu coração. Até conhecer Ana.
Ebook no site: https://goo.gl/hhaxs7

Feliz dia dos namorados?


Sinopse
Marcela nunca foi a mais popular na escola. Apesar de muito bonita,
com seus óculos de grau e seu jeito tímido, era alvo de brincadeiras e zoações
entre as meninas tidas como populares.
Sempre tirou boas notas e se formou na faculdade de arquitetura entre
os primeiros alunos de seu curso, mas faltava alguma coisa.
Nunca teve sorte em relacionamentos. Todos os que se aproximavam
dela, era por interesse para que ajudasse em um trabalho ou alguma aposta
idiota entre os garotos.
Mesmo depois de formada, sua sina continuou. Foi abandonada, pela
segunda vez, no dia dos namorados. Motivo pelo qual odeia essa data.
O que será que o destino reserva para esse doze de junho? Será que
Marcela irá mudar de ideia sobre o dia dos namorados? Ou será que a sua má
sorte vai se reafirmar?
Ebook no site: https://goo.gl/3KsLfJ

Já era amor
Sinopse
O amor surge no primeiro olhar? Uma amizade pode se transformar
em amor? Ou será que ele sempre esteve ali e você nunca notou?
Isabela e Ricardo cresceram na mesma rua, com amigos em comum,
mas nunca foram próximos. Certo momento, Ricardo precisa de apoio e todos
os seus amigos estão viajando. A única pessoa que ele tem ao seu lado é
Isabela.
Eles se aproximam, desenvolvem uma amizade sólida, porém, com o
passar dos anos, um novo sentimento surge fazendo com que os dois
enxerguem algo a mais do que uma simples amizade.
Relacionamentos fracassados, momentos difíceis, tudo faz com que os
dois se aproximem cada vez mais.
Será que eles irão se entregar a esse amor? Ou deixarão o medo de
perder essa amizade esconder esse sentimento?
Ebook no site: https://goo.gl/Bww4Qu

Voltei, e agora?
Sinopse
Um amor é capaz de ultrapassar as barreiras da saudade?
Lucas e Fernanda cresceram na mesma rua e tornaram-se
inseparáveis. Na adolescência, logo após assumirem o namoro, o pai de
Lucas foi transferido para o Distrito Federal e eles acabaram se afastando.
Sete anos se passaram e, mesmo sem o apoio dos pais dele, eles se
comunicavam e até mesmo se encontravam durante as férias, continuando
assim com um relacionamento à distância.
Alguns acontecimentos fizeram com que eles acabassem se afastando
e perdendo o contato nos últimos meses, fazendo Fernanda acreditar que
Lucas desistiu de tudo que combinaram durante todos esses anos.
Agora Lucas está de volta. Será que eles irão recomeçar de onde
pararam? Ou o sentimento não é mais o mesmo?
Uma coisa é certa: Lucas não vai desistir de Fernanda e está disposto
a lutar para reconquistá-la.
Ebook no site: https://goo.gl/H5CBy5
Table of Contents
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capitulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Capítulo quarenta e cinco
Capítulo quarenta e seis
Capítulo quarenta e sete
Capítulo quarenta e oito
Capítulo quarenta e nove
Capítulo cinquenta
Capítulo cinquenta e um
Capítulo cinquenta e dois
Epílogo
Bônus
Uma chance para a felicidade
Playlist
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