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— Alana!
Ouço uma voz familiar me chamando atrás do arbusto do
pátio da escola e sinto meu coração dar um salto no peito.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto logo que
alcanço Ian, que está sentado na grama.
— Quero te mostrar uma coisa…
— Não é errado estarmos aqui? — pergunto receosa,
sentando-me ao seu lado de pernas cruzadas.
— E por que seria? Não estamos matando aula, é intervalo…
— Porque estamos sozinhos no meio de um mato? — Aponto
e ele ri.
A gargalhada de Ian é tão gostosa…
— Meio do mato, Alana? Isso é só um jardim. Você está
vendo muito Largados e Pelados — comenta e eu sinto as
bochechas pegarem fogo.
Isso é coisa de se falar?
Desvio o olhar para o chão e brinco com algumas folhinhas
secas sobre a grama.
— O que você queria me mostrar? — indago, tentando
disfarçar o quanto ele mexe comigo.
Desde que conversamos pela primeira vez na sala da
diretoria, nós nos tornamos mais próximos, o que virou assunto em
toda a escola. Ian sempre foi visto como o garoto-problema, então
estão todos surpresos por ele fazer amizade logo com alguém “toda
certinha” como eu. E nem preciso mencionar os boatos de que
estamos ficando…
Como se alguém como ele fosse notar alguém como eu…
— Já experimentou menta com chocolate? — pergunta e eu
acho um tanto estranho.
— Acho que não… Por quê?
— Fecha os olhos — pede e eu obedeço, sentindo meu
coração disparar dentro do peito.
Ouço um barulho de embalagem sendo aberta, logo um
tablete de chocolate ao leite é posto em meus lábios e eu reconheço
o gosto quando o mastigo.
— Não abre ainda — pede me mantendo de olhos fechados e
me deixando ainda mais curiosa com o que está por vir.
Será que ele vai me dar uma bala de menta agora?
Termino de engolir o chocolate e fico parada esperando
quando sinto sua respiração quente se aproximar de mim.
Para a minha surpresa, Ian roça os lábios nos meus e eu
quase abro os olhos de espanto.
— Olhos fechados… — murmura e eu aperto os olhos,
enquanto sinto-o tocar a minha nuca e me puxar para mais perto
dele.
Ian roça mais uma vez os lábios dele na minha boca e,
quando eu a entreabro, ele me beija com sua língua, deixando um
sabor de menta me invadir.
Ah…
Então era dele que viria a menta…
Borboletas dão pirueta em meu estômago enquanto Ian me
beija de um jeito tão delicado, tão gostoso, que me faz flutuar.
Eu nunca pensei que um cara tão bruto como ele tivesse
esse lado tão cuidadoso, tão…
Seus beijos se intensificam de uma forma que eu me
esqueço de onde estamos, corremos o risco de sermos pegos e
pararmos na diretoria.
Eu só consigo pensar no aqui e agora.
Em Ian Bastos, seus lábios macios e todo seu sabor…
O gosto de menta com chocolate.
Algo que passou a ter um novo significado para mim agora.
E um muito mais saboroso.
Quando eu acho que já estourei a cota de merdas na minha
vida, vou lá e ferro com tudo de novo.
Mas que caralho.
Respiro fundo e me levanto da cama em um pulo, já que não
consegui pregar os olhos. Tomo um banho rápido e me arrumo para
sair de casa e ir ver a minha mãe. Vou aproveitar que ainda está
bem cedo e tomar um café da manhã com ela. Sei que estou
atolado de trabalho, mas nem desmontar todas as motos do mundo
vai me relaxar hoje.
E o problema é que sei o que eu quero, mesmo que ache
absolutamente errado tudo isso.
Respiro fundo e desço até a oficina, montando na minha
moto e pegando as ruas da cidade, em alta velocidade. A esta hora,
o vento está mais frio e por isso a jaqueta de couro está sendo
muito bem-vinda.
Não demora e estou entrando na garagem da casa de dona
Luma e descendo da moto, encontrando-a na cozinha ao lado de
Ítalo.
— Ian… Bom dia, filho.
Ela vem ao meu encontro e me abraça, daquele jeito só seu.
Minha mãe tem quase cinquenta anos, usa os cabelos escuros
curtos, e a pele clara evidencia algumas linhas de expressão. Mas,
aos meus olhos, ela sempre será linda.
— Que milagre o senhor por aqui — meu irmão zomba.
— Vim lhe trazer este humilde presente.
Estendo a ele o dedo do meio e Ítalo cai na risada.
— Quando é que vocês vão crescer mesmo? — minha mãe
ralha me empurrando até a mesa de café.
Logo está toda posta e estamos os três sentados para a
refeição matinal.
Retiro uma cartela de comprimidos do bolso da calça e
engulo com uma caneca de leite com café. Meus fiéis companheiros
de todos os dias que me possibilitam trabalhar de forma mais
tranquila.
— O que está pegando? — Ítalo pergunta antes de comer
uma fatia de queijo.
— Não consegui dormir direito.
Dou de ombros e minha mãe estreita os olhos para mim.
— Aconteceu alguma coisa?
Olho para ela por um momento e suspiro. Odeio me abrir,
odeio demonstrar fragilidade, mas talvez a minha mãe e meu irmão
sejam as pessoas em que mais posso confiar nessas horas.
— Alana aconteceu.
— Fez cagada de novo? — meu irmão pergunta e eu dou de
ombros mais uma vez. — Puta que pariu, Ian! Burrice tem limite.
— Olha a boca, Ítalo… — dona Luma o repreende, e ele só
balança a cabeça. — O que aconteceu, filho? — Ela volta o olhar
para mim e eu bufo antes de beliscar um pedaço de pão.
— Acho que ela ainda gosta de mim…
— Nossa, mas só agora percebeu isso? — Ítalo ironiza e eu
fecho a cara para ele.
Não estou com tempo para suas gracinhas.
— E o que tem de mais nisso, Ian? — minha mãe pergunta
ignorando o filho caçula. — Você também gosta dela, não é?
Se eu gosto dela?
Porra, pra caralho!
Mas é tão errado…
— A gente nunca ia dar certo, mãe. Vivemos em mundos
completamente opostos.
— E acho que ela não pensa assim, estou certa?
Apenas assinto e ela me analisa antes de partir uma fatia de
queijo.
— Ela merece alguém melhor do que eu — digo, por fim, e
dou um gole em minha bebida quente.
Desce de forma amarga, mas é a verdade.
Dói pra caralho pensar nisso, porque tudo que eu mais queria
era ser alguém bom para ela.
Mas infelizmente não dá para mudar quem eu sou.
Ou quem eu fui…
— Isso é bobagem, Ian. Na adolescência, poderia até ser. Ela
era menor de idade e você não era dos mais bentos. — Minha mãe
faz uma careta e eu dou um sorriso fraco.
Não era dos mais bentos chega a ser um elogio…
— Mas agora vocês dois são adultos resolvidos. Se Alana te
quer e você ainda gosta dela, qual o problema?
— Ele tem medo do pai dela, mãe — Ítalo interrompe e eu
fecho a mão na mesa em punho, assustando os dois.
— Eu não tenho medo dele. Mas que porra! — brado e minha
mãe dá um sobressalto na mesa.
Olho para ela e peço desculpas em silêncio.
— Não tem outra justificativa para você não ficar com ela,
Ian. O seu único empecilho nesse relacionamento se chama Dr.
Roger Cardoso e, se você não tem medo dele, por que não enfrenta
o velho?
Percebo que minha mãe muda o semblante ao ouvir o nome
do neurocirurgião e eu solto um suspiro. Ninguém nesta casa gosta
desse cara.
— O problema não é ele, sou eu — respondo firme e Ítalo
revira os olhos.
— Nossa, sério? Essa frase clichê não combina com você.
— Por que não cuida da sua vida, porra? Por que não vai
atrás de Letícia?
— Mas isso de novo?
Ítalo se levanta e leva seu prato até a pia.
— Ítalo, Ítalo… Já falei para você tomar cuidado com essa
família — minha mãe alerta e ele fecha a cara para nós dois.
— Me deixa em paz — pede, virando-se para mim.
— Então não se meta na minha vida, que eu não me meto na
sua.
— Que seja. O burro desta casa sempre foi você.
Ítalo vira as costas e vai até a garagem, saindo de moto e nos
deixando a sós. Em breve vamos nos ver na oficina e, mesmo
brigando o tempo todo, meu irmão é uma das melhores pessoas da
minha vida.
— Quer conversar sobre isso, Ian? — minha mãe pergunta e
eu nego.
— Eu preciso colocar a cabeça no lugar, só não sei como
ainda.
— Siga o seu coração. — Ela toca meu ombro com carinho.
— Sei que você não costuma dar o braço a torcer, mas abaixa a
guarda, filho. Às vezes a emoção vale mais do que a razão.
Ela pisca para mim e se levanta da mesa. Eu a ajudo a lavar
a louça e, nesse meio-tempo, minha mãe conversa sobre outros
assuntos, tentando me distrair, mas a minha cabeça não está aqui.
Eu só consigo pensar no que ela me disse sobre baixar a
guarda e deixar rolar…
Será?