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INCOMPATÍVEIS

Copyright© 2022 – Fernanda Santana


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transmitida por qualquer forma e/ou qualquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da
autora.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes,


datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Design de capa: L.A Creative


Diagramação: Autora Jack A. F.
Ilustração: Little Pink Design – Rosa Aguiar
Revisão: Deborah A. A. Ratton
Ele era o garoto-problema.
Ela era a garota dos seus sonhos.
Uma escolha errada fez Ian colocar tudo a perder, quebrando
o coração da pessoa que ele mais amava.
Seis anos depois, a vida os coloca cara a cara mais uma vez.
Em uma versão completamente diferente.
Ele, coberto de tatuagens e piercings.
Ela, recém-formada em medicina.
Ian sabe que ficar com ela não é certo, mesmo que seu corpo
e toda sua alma implorem por isso.
Alana não é mais uma adolescente e sabe muito bem o que
quer.
E não vai descansar até conseguir trazê-lo de volta.
Por trás de toda carranca de bad boy, existe um lado que só
ela viu.
Entre o certo e o errado, o desejo falará mais alto?
Incompatíveis, um romance de Fernanda Santana como você
nunca viu.
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
EXTRA
AGRADECIMENTOS
BIOGRAFIA
ENCONTRE MAIS LIVROS DA AUTORA
REDES SOCIAIS
Seis anos antes

— Alguém viu o Ian? — pergunto, passando por várias


pessoas pela festa, e não tenho respostas.
Onde foi que ele se meteu?
A casa está cheia e não o vejo em parte alguma. Começo a
ficar apreensiva com o que pode ter acontecido com ele. Há pouco
tempo, estava comigo dançando na pista de dança e, com um piscar
de olhos, sumiu de vista.
Hoje meus pais preparam uma festa para a minha despedida,
por isso o casarão está tão cheio. Com muito esforço e dedicação,
consegui passar no vestibular de medicina, em uma universidade
que fica a seis horas de distância daqui. Embora esteja radiante de
felicidade por estar realizando um sonho, meu coração está
apertado por partir.
Não só por largar a cidade em que cresci e a minha família,
mas também por ter que me despedir dele.
Ian Bastos é tudo para mim.
Nos conhecemos quando eu ainda estava no primeiro ano do
ensino médio, e ele, no terceiro. Ian sempre foi o garoto-problema,
aquele que vivia se metendo em confusão no colégio, mas só eu sei
como tem o coração do tamanho do mundo.
Meu pai não aprovou o nosso relacionamento, por pensar
que ele não é bom o bastante para mim, mas eu continuei o
encontrando às escondidas e seguindo meu instinto, porque ele faz
bem demais para mim.
Ian tem um jeito todo torto de ser e eu consigo compreendê-
lo como ninguém. Na verdade consigo enxergar uma parte dele que
nenhuma outra pessoa vê.
Continuo procurando-o pela casa, até ter a informação de
que ele seguiu para os fundos. Meu coração acelera dentro do peito,
temendo pelo que ele pode estar fazendo ali, e, quando chego lá, eu
o vejo saindo da escuridão esfregando o nariz.
Ah, não…
Meu coração dispara ainda mais e eu preciso puxar o ar,
forte, para dentro dos pulmões.
— Alana… — Ele se assusta ao me ver e seus olhos
vermelhos já me dizem tudo.
— O que você estava fazendo ali, Ian? — pergunto, fazendo
um esforço enorme para não chorar.
Não, não…
Ele prometeu.
— Alana…
Seu olhar triste me perfura e eu fecho os olhos, sentindo uma
lágrima me escapar.
— Você prometeu — afirmo, abrindo os olhos novamente.
— Desculpa, eu…
— Você prometeu, Ian!
Desfiro uma sequência de socos em seu braço, enquanto
grito e choro. Ele nem mesmo tenta me impedir, o que me deixa
ainda mais nervosa.
— Por quê? — pergunto quando o solto e ele desvia o olhar
do meu.
Essa é a única parte que eu odeio no meu namorado.
Não sei quando ele começou a usar drogas, mas sei
exatamente o dia em que me prometeu que não ia mais usá-las. Eu
ofereci ajuda diversas vezes, tentei aconselhá-lo, mas Ian nunca me
ouviu. Até o dia em que me prometeu que iria fazer isso sozinho,
que ia conseguir por mim.
E pelo visto eu não fui o motivo para isso…
Meu coração se aperta e dói tanto, mas tanto, que preciso me
segurar na parede para não cair.
— Eu te pedi para fazer uma escolha, Ian… — digo quando
recupero o fôlego e olho em seus olhos azuis, que estão tão fora de
si.
— Alana…
Toca meu braço e eu o afasto em um puxão.
— E pelo visto você já fez a sua.
Viro as costas para ele e saio correndo em direção a casa,
passo pelas pessoas, trombo nelas e escuto meu nome saindo de
algumas, mas não quero saber.
Não quero ver ninguém, não quero ouvir, eu só quero…
Corro pela casa e subo as escadas até o meu quarto.
Quando entro, tranco a porta e me jogo na cama, chorando de
soluçar.
Eu não acredito que perdi a melhor pessoa da minha vida
para as drogas.
Eu não acredito que ele jogou fora toda a nossa história por
uma carreira de pó.
Eu tentei ajudá-lo tantas e tantas vezes… Tentei fazer de
tudo por ele.
Mas ele nunca quis a minha ajuda.
Eu estendi a minha mão e Ian simplesmente recusou.
E eu que cheguei a pensar que um dia fosse importante para
ele.
Cheguei a pensar que eu fosse mesmo todo o seu mundo,
como me disse tantas vezes.
Ah, Alana…
Como você estava enganada.
No fim das contas, eu nunca fui sua prioridade, nunca fui sua
primeira escolha.
Aperto os olhos com força e sinto as lágrimas descerem
ainda mais, junto com meus soluços.
Bem que o meu pai me disse uma vez que nós dois éramos
incompatíveis.
Observo a Ducati Diavel pretinha que seu proprietário deixou
mais cedo diante de mim e sorrio ao pensar que vou me divertir
bastante trabalhando nessa belezinha.
Pelo projeto que montamos, o dono da moto quer fazer
pequenas alterações no design dela que fará toda a diferença. Essa
moto vai sair daqui do meu Studio irreconhecível.
Mal posso esperar por isso.
Aproveito e faço uma checagem rápida do material que
temos e anoto em um post-it para que amanhã Ítalo, meu irmão
mais novo e ajudante, confira comigo o que precisaremos comprar
para começar esse novo trabalho de customização.
Há dois anos montei meu próprio Studio de customização
aqui na cidade, o Basto’s Garage. Depois de passar mais de três
anos aprendendo mecânica e customização com o melhor mentor,
decidi voltar para a minha cidade natal e montar meu próprio Studio.
Aos poucos a clientela foi surgindo e, com o crescente interesse
pelas motos “custom”, meu trabalho foi crescendo e hoje sou
referência na região. Vem gente até de fora do estado trazer
motocicletas para que eu customize.
Olho para o relógio e vejo que passou de oito horas da noite,
acho que já deu por hoje. Ítalo encerra seu expediente às dezoito
horas em ponto, pois faz faculdade de engenharia mecânica no
turno da noite. E, embora ele deixe o Studio, eu sempre continuo
trabalhando até tarde, já que sempre tenho muito trabalho e gosto
demais do que eu faço.
Mas, antes de subir para a minha quitinete, que fica em cima
do Studio, decido fumar um cigarro lá fora. Pego o maço e o isqueiro
na bancada; vou até a calçada e me sento no elevado meio-fio.
Bato a carteira de cigarros na coxa e retiro um lá de dentro,
levando à boca e acendendo com o isqueiro. Inalo a fumaça e solto
segundos depois, fechando os olhos por um momento.
Começo a pensar em todo trabalho que vou ter essa semana
e estou tão entretido em pensamentos, que nem vejo a BMW preta
parando à minha frente. Com um movimento, o motorista salta do
carro e vem em minha direção, encarando-me.
E é só quando ele chega bem perto que eu ergo o olhar e o
reconheço: Roger Cardoso, o neurocirurgião mais renomado da
cidade.
Mas que porra ele está fazendo aqui?
— Posso te ajudar? — pergunto, vendo que ficou em silêncio.
Roger me analisa dos pés à cabeça e eu sinto um
desconforto. Odeio que façam isso.
— Eu vim só te dar um recado, Ian.
Sua voz é firme e ele aponta o dedo para mim.
Continuo sentado, fumando meu cigarro, demonstrando
indiferença, mas já começo a sentir o coração se acelerar dentro do
peito. Já posso imaginar o que está por vir…
Não respondo, apenas o encaro, esperando que continue.
— Alana está de volta na cidade e, dessa vez, veio pra ficar.
Ela vai fazer residência no hospital e tem um futuro brilhante
traçado. E esse futuro não inclui você.
Roger cospe as suas palavras e eu só engulo em seco.
— Não sei que porra a minha filha viu em você. — Mais uma
encarada de cima a baixo, desta vez com desdém. — Mas não vou
deixar que ela estrague o futuro dela por sua causa.
Continuo calado, sentindo-me ficar agitado por dentro. A
vontade de gritar e mandar esse verme para a puta que pariu é
grande, mas me contenho. Esse velho me odeia e, para meter um
processo em mim e me prejudicar no Studio, pouco custa.
— Fica longe dela — range, entredentes. — Ou eu acabo
com você e essa sua oficina de merda.
Mais uma vez, finjo indiferença a sua ameaça e continuo
tragando meu cigarro, como se a notícia do retorno de Alana não
estivesse fazendo uma bagunça dentro de mim.
— Estamos entendidos? — pergunta.
Quando vejo que, se não responder, esse verme não vai sair
da minha frente, eu apenas meneio a cabeça, e ele parece se dar
por satisfeito.
O otário me analisa mais uma vez e balança a cabeça em
desaprovação.
— Ah, se o delegado Bastos estivesse aqui… Ele teria
vergonha de você.
E neste momento eu me levanto, ficando cara a cara com ele.
— Não coloque o nome do meu pai na porra da sua boca —
ranjo, fechando o punho, e ele apenas ri, sarcasticamente.
— Pelo visto você não mudou nada. Você precisaria de muito
para ser alguém digno da minha Alana.
Roger vira as costas e entra em seu carro, arrancando os
pneus e sumindo de vista.
Desgraçado!
Chuto o meio-fio e jogo o cigarro ao chão, esmagando-o com
a minha botina.
Entro na oficina, pego meu capacete e monto na minha
Yamaha YZF 1000 preta, fechando o portão da garagem ao sair.
Logo pego as ruas da cidade e acelero, reduzindo apenas
nos cruzamentos. Piloto até chegar à ponte principal da cidade,
onde paro, na lateral dela, e desço da moto.
Sento-me no gramado de frente para o rio e dobro as pernas,
abraçando os joelhos. Olho para o céu estrelado acima de mim e
suspiro ao me lembrar do meu pai. Ele sempre gostou de me trazer
aqui quando eu era criança para ver as estrelas.
Olho para a paisagem a minha frente e penso no que aquele
verme falou do meu pai. Eu tenho certeza de que se César Bastos,
o delegado da polícia civil da cidade, estivesse vivo, teria orgulho de
mim. Meu pai esteve ao meu lado quando eu estive no fundo do
poço e em momento algum deixou de acreditar em mim. Ele nunca
foi de passar a mão na minha cabeça e acobertar meus erros, mas
me apoiava.
Lembro que quando ele soube que eu estava trabalhando
com motos, que sempre foi minha paixão desde criança, me deu
total apoio e ainda me incentivou a montar a minha própria oficina.
“Você tem talento demais, Ian. Não desperdice isso.”
Mas, antes mesmo que ele pudesse me ver trabalhando de
volta na cidade, a vida o levou, cedo demais. E ainda dói pra caralho
a falta que meu velho faz na minha vida.
Eu consegui realizar um sonho que era nosso e sei que, de
onde estiver, está feliz por mim. Não vou deixar um filho da puta
como o Roger estragar isso.
Mas não foi só isso que mexeu comigo dessa conversa de
hoje.
Alana…
Depois de seis anos, ela está de volta.
Esta cidade não é muito grande, então duvido que não vamos
nos esbarrar por aí. E eu não sei qual será a reação dela quando
me vir de novo.
Nos últimos anos, eu cheguei a ir a sua faculdade algumas
vezes, apenas para vê-la de longe e saber se ela estava bem. Que
estava conseguindo realizar os seus sonhos. E isso me deixava
feliz.
Alana merecia isso.
Seu sonho sempre foi ser médica como os seus pais, mas ao
contrário deles, que sempre foram tão esquisitos, Alana sempre foi
um doce. Ela era a garota mais sonhadora e altruísta que eu já
conheci e agora, olhando para trás, consigo enxergar o quanto
somos mesmo diferentes.
Seguimos rumos diferentes, vidas diferentes e sei que não há
mais espaço para uma segunda chance aqui. A nossa vez já passou
e, mesmo sabendo que nunca mais a terei de novo, guardo comigo
as lembranças do sentimento mais puro que já vivi.
E é exatamente por isso que me dói tanto constatar que
Roger está certo. Estou muito longe de ser alguém merecedor dela
e tenho total consciência disso.
Na verdade, descartei quaisquer chances de ter Alana
comigo de novo, no momento em que ela saiu da cidade sem se
despedir de mim.
Fecho os olhos e respiro fundo ao me lembrar daquela
péssima noite onde estraguei sua festa de despedida. Ela estava
radiante por conseguir realizar seu sonho de estudar medicina e eu
estraguei um momento seu que deveria ser lindo.
Vivi uma fase turbulenta da minha vida, acabei me deixando
levar por um caminho nada legal e Alana sempre foi contrária a isso.
Eu tentava me libertar do vício sozinho, porque realmente acreditava
que conseguiria, mas foi uma grande burrice pensar assim.
Sempre tive recaídas e naquela noite estava tão ansioso, tão
agitado pela sua partida, que precisava distrair a mente. E ela
acabou me pegando no pior momento e se afastando de vez de
mim.
Naquela noite, quebrei o coração da garota mais incrível que
eu conheci e nunca me perdoei por isso.
Tentei procurá-la pela festa, mas estava tão agitado que fui
expulso de lá. Fui parar em outra festa de uns “amigos” e enchi a
cara, não sabendo nem como fui levado para casa. No dia seguinte,
ao acordar, a primeira coisa que eu fiz foi ir até ela, mas já tinha ido
embora.
Ela foi embora sem se despedir de mim e aquilo me
devastou.
Eu usei tanta droga, bebi tanto naquele dia que fui parar no
hospital. Meus pais decidiram colocar um basta e de lá mesmo me
mandaram para uma clínica de reabilitação, que por coincidência
ficava em uma cidade vizinha àquela em que Alana estudava.
Fiquei quase um ano internado na clínica, sem ter contato
algum com o mundo aqui fora, só recebia visita dos meus pais
algumas vezes por ano quando era permitido.
Quando recebi alta, não quis voltar de imediato para casa. Eu
ainda não estava me sentindo seguro e foi aí que um voluntário da
clínica me chamou para trabalhar na oficina de motos dele. E aí sim,
a minha vida mudou.
Eu trabalhei, estudei e me dediquei dia após dia ao meu
sonho, e ocupar a minha mente com algo de que gostava tanto
afastou ainda mais a minha vontade de usar drogas.
Agora já são mais de seis anos liberto do meu pior vício.
O cigarro passou a fazer parte da minha vida lá mesmo na
clínica e eu acabo me rendendo a alguns quando estou agitado ou
ansioso.
Mas, felizmente, não sinto mais nenhuma vontade de fumar
maconha e nem de usar cocaína, que eram os meus maiores vilões.
A bebida eu acabei por eliminar também, já que ela me trazia uma
vontade miserável de usar pó.
Não vou dar brecha para voltar a ser o que eu era. Não agora
que tenho tido controle sobre muita coisa da minha vida.
Pego algumas pedrinhas na grama ao meu lado e atiro na
água, observando os círculos que se formam com o movimento.
Meu peito está acelerado e eu sei bem o motivo.
Alana Cardoso está de volta na cidade e percebo que algo
pelo que sempre sonhei pode ser o meu maior pesadelo.
Atravesso as portas do hospital e, logo que Valentina me vê,
abre os braços para me receber em um abraço gostoso.
— Ai, amiga! Eu nem acredito que você está de volta! E
finalmente para ficar!
Ela dá pulinhos de euforia abraçada a mim e eu solto uma
risada.
Como senti falta desta doidinha.
— Bom, pelo menos durante a residência. Resta saber se
depois eu vou conseguir uma vaga efetiva no hospital…
— Como se a filha do Dr. Roger Cardoso fosse ficar mesmo
desempregada.
Ela revira os olhos e eu faço uma careta.
— Mas não quero conseguir essa vaga pelo nome do meu
pai, Valen. Quero conseguir pelo meu esforço — respondo firme e
ela confirma.
— E eu não tenho dúvidas de que vai conseguir. Agora
vamos?
Minha amiga me puxa pela mão e me leva até o seu carro, no
estacionamento do hospital.
Como voltei para casa há poucos dias e ainda estou me
estabelecendo por aqui, tenho dependido de Uber até conseguir
comprar o meu próprio carro. Como Valentina estava de folga hoje,
decidiu me buscar no trabalho para irmos até a sua casa, como nos
velhos tempos.
Ela é a minha melhor amiga desde o ensino fundamental.
Nem mesmo o meu período fora da cidade cursando faculdade foi
capaz de nos afastar. Na verdade, nos tornamos mais unidas do que
nunca.
— E o que pensou em fazer hoje? — pergunto, logo que me
sento no banco e afivelo o cinto de segurança.
Minha amiga pega as ruas da cidade e liga o som do carro.
— Está animada a sair para um barzinho? — pergunta e eu
ergo a sobrancelha para ela.
— Em plena quarta-feira?
— Eu toparia, mas esqueci que você é a “toda certinha”
dessa amizade. Filmes e pizza estão bons para você? — sugere e
eu sorrio.
— É perfeito! Prometo que depois saio com você, amiga. Mas
precisa ser em um dia de folga. Não estou acostumada com essa
nova rotina do hospital, então estou quebrada.
— Eu vou te dar um desconto só porque estou morrendo de
orgulho de você.
Ela belisca a minha coxa e eu gargalho.
Logo encosto a cabeça na janela e observo as ruas da
cidade, sentindo aquela nostalgia gostosa de estar de volta depois
de tantos anos. Durante todo o tempo que passei fora, eu estive por
aqui algumas vezes, mas sempre de passagem, por isso agora é
tão diferente essa sensação.
Quando Valentina para o carro em um sinal fechado, observo
um rapaz encostado em um poste com um copo de café nas mãos.
De cabeça baixa não o reconheço, mas, quando ergue os olhos,
sinto a barriga gelar.
Poderiam se passar um milhão de anos, eu sempre
reconheceria aquele olhar.
Ele sempre teve os olhos azuis acinzentados mais lindos que
eu já vi.
— Aquele… — Raspo a garganta, buscando a voz. — Aquele
é o Ian? — sussurro ainda em choque e Valentina busca o meu
olhar para confirmar.
— O próprio.
— Ele está tão… diferente.
Meu coração dispara no peito e, mesmo que os vidros
estejam fechados e ele não possa me ver, seu olhar parece me
perfurar.
— E gato, né? — ela comenta e eu engulo em seco.
Realmente, ele está lindo.
Bem diferente de quando nos separamos, Ian está muito
mais forte, pelo que consigo ver em sua camiseta preta bem justa
ao corpo. Os dois braços são fechados por tatuagens e a mão que
segura o copo de café também é tatuada.
Nas orelhas, dois alargadores. Os cabelos estão cortados
baixos, em um corte dégradé, e eu não me lembro de tê-lo visto tão
bonito. Ele também usa calça jeans rasgada e botinas pretas.
O sinal abre e Valentina arranca o carro devagar, permitindo-
me analisá-lo por mais um instante.
— Ele está bem gato, não está? — Cutuca a minha coxa e eu
balanço a cabeça.
Meu coração está extremamente agitado em meu peito.
— Nossa… Nunca imaginei vê-lo assim.
— Se tivesse me deixado te atualizar, eu contaria como ele
ficou gato nos últimos anos. — Dá de ombros.
Eu realmente proibi a minha amiga de falar sobre ele comigo
nos últimos anos. Mas foi simplesmente porque não aguentava mais
sofrer pela sua ausência e pensei que, se parasse de falar dele, o
esqueceria.
Um erro tão banal…
Acontece que Ian sempre esteve em meus pensamentos em
todos esses anos. No período da faculdade, saí com várias
pessoas, mas nunca consegui firmar um relacionamento sério,
porque meu coração tolo sempre foi dele.
Ian Bastos sempre foi todo o meu mundo e, mesmo que ele
tenha quebrado o meu coração, nunca consegui esquecê-lo.
— E como ele está agora? Sabe de alguma coisa? —
pergunto com cuidado.
— Sei que ele voltou para a cidade há dois anos e montou
uma oficina diferente de motos.
— Dois anos? Oi? E o que é oficina diferente? — disparo a
perguntar e Valentina solta uma risada.
— Vamos por partes. Eu sei que a oficina dele não é aquela
que conserta motos, mas a que as transforma. Tem um nome
diferente que eu sempre esqueço…
— Customização — respondo de pronto e ela balança a mão
em sinal afirmativo.
— Isso mesmo! Essa palavra aí.
— Então eu já sei como é. Ele não dá uma simples
manutenção nas motos, mas troca algumas peças, ajusta alguns
detalhes para ficar mais estilosa, digamos.
— É como se pegasse uma moto de fábrica e personalizasse
para ficar do seu gosto, não é? Tipo para ficar mais bonita? — ela
questiona.
— Sim! Pelo que eu me lembro, pelo menos.
— Ah... Então é isso mesmo!
— Ian sempre sonhou com isso… — digo, com um sorriso
discreto nascendo nos lábios.
Ian sempre foi apaixonado por motos. Passava horas e horas
assistindo a vídeos no YouTube sobre motos e sabia exatamente
todos os tipos, todos os detalhes. Lembro que achava loucura
quando ele dizia que não queria fazer faculdade, que queria montar
uma oficina, mas hoje vejo que ele não poderia fazer nada diferente
disso.
— Agora quanto a sua outra pergunta… — Valentina
interrompe meus pensamentos. — Ele voltou para a cidade faz dois
anos. Não sabia? — pergunta curiosa e eu nego de pronto.
— Não… Você sabe que eu nunca tive notícias dele.
— Pensei que seu pai fosse te contar…
— Meu pai? Dr. Roger? Contar que Ian estava de volta?
Bateu a cabeça, foi? Sabe que ele sempre odiou o Ian.
— Mas ele sempre te tirou da cidade nas suas últimas
férias… Pensei que tinha te contado o motivo.
Olho para a minha amiga e sinto um golpe no peito.
Agora tudo faz sentido.
Nos últimos dois anos, em vez de voltar para casa nas férias,
meu pai deu um jeito de me levar para alguma viagem e eu, tola,
pensei que ele quisesse conhecer lugares novos comigo.
O que ele queria mesmo é que eu não esbarrasse com Ian na
rua…
Constatar isso me entristece.
— Eu ainda não sei o que Ian fez para meu pai odiá-lo
tanto…
— Não seria o fato de ele ter usado drogas? — pergunta
como se fosse óbvio.
— Não… Foi bem antes disso. Ian se envolveu com essas
coisas no nosso último ano de namoro. No início meu pai não tinha
motivo nenhum e ainda assim nunca o aceitou.
— Vai ver é um instinto de pai ou coisa assim… — comenta,
dando de ombros.
— Vocês não conheciam o Ian como eu conheci — defendo-o
e ela faz uma careta de lado.
— Ele é esquisito, amiga… Gato, mas esquisito.
— Não é… As pessoas que nunca compreenderam como ele
era de verdade.
— Bom… Aí é com você. E o que pretende fazer agora? —
indaga ao estacionar o carro na garagem de sua casa.
— Como assim? — pergunto, saltando do veículo, e ela faz o
mesmo.
— Agora que você está de volta e sabe que ele está aqui…
Vai procurar por ele?
— Não sei… — respondo sincera. — Eu cansei de procurar
por ele.
Ainda que tenha ido embora da cidade sem ter conversado
com ele, eu o procurei. Nos primeiros três anos de faculdade,
sempre que eu vinha para a cidade, dava um jeito de ir até a casa
dele para ter notícias suas, mas nunca tive sucesso.
Seus pais nunca me disseram para onde ele tinha ido,
apenas que precisou sair da cidade.
O número de telefone dele tinha sido cancelado, e todas as
suas contas em redes sociais, excluídas. Ian não queria ser
encontrado e, depois de passar três anos sem uma notícia sequer,
acabei desistindo.
Foi então que pedi para Valentina não comentar mais nada
dele comigo. Eu pensei que assim seria mais fácil esquecê-lo.
Mas foi só vê-lo hoje de novo, a uma distância significativa,
que meu coração voltou a dar vida em meu peito. Eu o amo, sempre
o amei, ainda que isso tenha me destruído.
— Você não vai mesmo fazer nada? — pergunta incrédula e
eu dou de ombros.
— O que quer que eu faça, Valentina? Eu o procurei por três
anos e Ian não me deixou chegar até ele. Além do mais, ele sabia
onde eu estudava. De nós dois, era o único que sabia o paradeiro
do outro e, ainda assim, nunca foi até mim.
Está aí uma coisa que destruiu meu coração nos últimos
anos.
Saber que ele nunca me procurou…
Ian sabia qual era a faculdade a que eu tinha ido e sabia até
a república em que eu ia morar.
Ele sabia tudo sobre mim e eu não sabia nada sobre ele.
Ainda assim, nunca me procurou. Nunca bateu à minha porta,
nunca me ligou…
Eu nem mesmo troquei meu número de telefone com
esperança de que um dia ele fosse me ligar, mas isso jamais
aconteceu.
Eu queria conversar com ele, ainda que não fôssemos mais
dar certo, queria acertar tudo, pois odeio coisas mal resolvidas.
E, acima de tudo, queria saber como ele estava.
Mas nunca tive respostas.
— Entendo, amiga… Eu só não acho que vocês vão
conseguir conviver como meros desconhecidos agora que você está
de volta.
Abro a boca para responder, mas acabo por desistir.
Não tenho mesmo resposta para isso.
Se ver o Ian de longe, dentro de um carro, já fez um caos
dentro de mim, imagina revê-lo frente a frente, sentir o seu cheiro…
Meu coração se acelera mais uma vez e eu tento dispersar
os pensamentos, tento evitar pensar naqueles olhos azuis que
sempre foram o maior tormento.
Entro na casa de Valentina e encontro sua mãe, que me
recebe com uma mesa farta de café. Tia Lúcia me enche de
perguntas sobre a faculdade, o hospital e, por mais que eu tente me
focar nela e estender um assunto, minha mente não está aqui.
Meus pensamentos estão todos em Ian Bastos e no caos que
ele costuma fazer dentro de mim.
Eu mal cheguei e sinto que, mais uma vez, ele será a minha
ruína.
Se eu não estiver ficando louco, acho que dentro daquele
sedã preto havia uma mulher olhando para mim.
E essa mulher se parecia tanto com ela.
Alana…
Meu coração dói só de pensar em como ela está tão perto de
mim e que agora poderemos nos esbarrar a qualquer momento pela
cidade.
Não sei se estou pronto para isso.
A visita de seu pai não foi nada amigável e não é isso que
tem me deixado apreensivo. Estou pouco me fodendo para o que
aquele filho da puta pensa de mim. O que me incomoda de verdade
é saber que ela está tão perto e não posso tê-la. Eu não preciso de
ninguém para me dizer isso, sou adulto o bastante para saber que
não sou alguém digno dela.
Alana merece um cara incrível ao seu lado e tenho plena
convicção de que esse cara não sou eu.
Termino de beber o meu café e jogo o copo de plástico no lixo
próximo a mim. Hoje saí do Studio um pouco mais cedo e pedi ao
meu irmão para fechar tudo para mim. Eu precisava passar na
oficina do Tadeu, que faz pinturas especializadas para motos, e
combinar o serviço a ser feito na Ducati em que tenho trabalhado
nos últimos dias.
Já confeccionei algumas peças e, logo que tudo estiver
pronto, trarei para ele fazer a pintura e finalizar o trabalho.
Quando saí de lá, decidi parar na cafeteria do bairro para
tomar um café preto e, como lá dentro estava cheio, decidi tomar na
calçada mesmo. E foi nesse momento que um carro parou no
semáforo e eu senti um par de olhos fixos em mim.
Pode ser alguma alucinação, mas senti que era ela.
E se já estou todo mexido assim por algo que acho que era
seu vislumbre, imagine vê-la cara a cara novamente.
Decido dar a volta na praça antes de montar na moto e voltar
para casa. Um vento frio anuncia a proximidade da chegada do
inverno e eu me arrependo de ter esquecido a minha jaqueta no
Studio.
Como está anoitecendo, neste horário costuma bater um
vento frio da porra quando estou pilotando.
Estou quase chegando à minha moto quando uma imagem
me faz parar. Uma senhora, encolhida no chão, parece estar
tremendo de frio. Nem está tão gelado assim, mas, pela roupa fina
que veste, imagino que deve estar entrando um vento sinistro.
Penso em ignorar e seguir em frente, mas não consigo.
Ver alguém passando fome ou frio é algo que sempre mexeu
comigo.
Decido me aproximar dela para saber se precisa de alguma
coisa e ela recua com a minha proximidade.
— Ei… Eu não vou te machucar — sussurro ao ver que ela
parece amedrontada e logo ergue os olhos para mim com receio.
Sinto uma familiaridade em seus olhos que não consigo bem
decifrar. Será que eu já a vi em algum lugar?
Não acho que seja o caso, já que não tenho o costume de
passar por aqui, mas ainda assim ela me parece muito familiar.
— A senhora está sentindo frio? — pergunto me abaixando
para ficar da sua altura e ela desvia o olhar do meu antes de
balançar a cabeça devagar.
Olho para os lados e vejo um supermercado aberto no
quarteirão ao lado. Penso que devo encontrar algum cobertor por lá.
— Está com fome também? — arrisco a perguntar, pois já
aproveito e faço apenas uma viagem.
Mais uma vez a senhora assente envergonhada e eu sinto
um aperto no peito por ver a sua vulnerabilidade.
— O que a senhora gosta de comer? — pergunto com
cuidado e ela me olha assustada, como se eu tivesse perguntado a
coisa mais absurda do mundo.
— Qualquer coisa… — Sua voz é tão baixa e rouca que eu
quase não a escuto.
— Tudo bem, vou ver o que eu consigo. Me espera aqui? —
peço e ela apenas assente, sem se mover.
Atravesso a praça a passos largos e caminho rumo ao
supermercado. Quando entro, vou direto até a seção de cobertores,
escolhendo uma manta bem quentinha para colocar no carrinho.
Procuro também por um gorro e um pacote de meias. Por mais que
hoje não esteja tão frio, sei que fará em breve e, como não sei
quando vou vê-la de novo, prefiro garantir.
Na seção alimentícia, pego alguns pacotes de biscoito e
garrafas de água. Penso em como ela vai guardar tudo isso e,
quando vejo uma mochila, rapidamente a pego. Ficará mais seguro
assim.
Sinto um alívio quando vejo o restaurante do supermercado
aberto. Peço para preparar um sanduíche de frango e embalar uma
sopa quente para viagem.
Pego tudo e levo até o caixa, tirando a carteira do bolso para
pagar pelas compras. Ajeito tudo nas sacolas e volto para a praça,
encontrando aquela senhora no mesmo lugar em que deixei.
Abaixo-me em sua frente, ela continua encolhida no chão, e
abro a manta, cobrindo seu corpo.
— Trouxe uma sopa para a senhora comer agora e, se mais
tarde der fome de novo, tem um sanduíche.
Ela me observa, em silêncio, abrir todas as sacolas
mostrando tudo o que comprei e coloco dentro da mochila,
estendendo a ela.
— Coloquei nesta mochila para ficar mais fácil de carregar
suas coisas.
Ela apenas assente e pega a embalagem de sopa das
minhas mãos, com os dedos trêmulos.
Quando dá a primeira colherada no caldo quente, uma
lágrima solitária lhe escorre e eu sinto o meu peito doer pra caralho.
— Obrigada.
Sua voz é tão baixa que quase não a escuto.
— Não precisa agradecer. Eu fico feliz em te ajudar, ainda
que um pouquinho.
Ela apenas balança a cabeça enquanto come a sua sopa e
eu decido lhe dar privacidade. Aceno para ela e saio de perto,
dividido em sensações.
Sinto-me feliz em ajudá-la a matar a fome e o frio, ainda que
apenas por hoje.
Mas também me sinto um lixo por pensar na minha cama
quente e no conforto da minha quitinete, ainda que pequena,
enquanto essa senhora passa fome e frio na rua.
Que mundo de merda.
Ainda que não a conheça, que não saiba a sua história, eu
me sinto bem mal por encontrá-la assim. Mas, só de saber que esta
noite ela não passará frio, sinto-me mais tranquilo.
Volto para a minha moto e monto nela, dando partida e
pegando as ruas em seguida. O tempo todo fico curioso com essa
sensação de conhecê-la de algum lugar.
Será que foi alguém que conheci nos tempos de escola?
Não sei, não faço ideia…
Piloto até voltar para casa e, quando chego, abro o portão da
oficina; guardo minha moto lá dentro, fechando-o em seguida.
Passo pela porta que dá acesso às escadas e subo até a
minha quitinete, retirando as botinas logo que entro. Ainda de meia,
acendo as luzes e ando pelo espaço em direção à cozinha, onde
bebo um copo cheio de água.
Quando procurei um espaço para montar a minha oficina,
sabia que esse seria o ideal quando vi esta quitinete aqui em cima,
já que não me sentia confortável em voltar para a casa da minha
mãe. Desde que saí da cidade, eu me acostumei a morar sozinho e
buscar a minha privacidade.
A quitinete é pequena e ideal para mim. Aqui tenho um
quarto, banheiro, cozinha e uma pequena área de serviço. A
minúscula sala em que cabe meu sofá e uma TV também compõe o
ambiente, mas acaba por aqui.
Para um homem solteiro de vinte e sete anos, é mais do que
suficiente.
Decido tomar um banho e vou até o banheiro, entrando na
ducha quente. Ao sair, visto uma bermuda e camiseta branca. Vou
até o sofá e me jogo nele, ligando a TV para procurar algo para
assistir.
Logo sintonizo no canal Combate e começo a assistir a um
campeonato de MMA que está rolando.
Pego o celular e abro o aplicativo para pedir uma pizza com
Coca-Cola para o jantar, quando vejo uma mensagem de Tiago,
meu amigo de longa data, surgir para mim.
Tiago: Não está a fim de sair hoje, não? Estou a fim de
beber uma…
Olho para a mensagem e reviro os olhos.
Eu: Em plena quarta? Isso já é alcoolismo.
Brinco com ele, que me manda um emoji do dedo do meio.
Tiago: Cansado do serviço. Uma cerveja cairia bem
agora…
Eu: Vou passar dessa vez, estou quebrado.
Penso em tantas emoções que vivi hoje, como ver Alana de
longe e encontrar a senhora na praça, e vejo que a última coisa que
eu quero é sair para ver o meu amigo beber.
Tiago: Porra, Ian… Você está muito frouxo.
Eu: Acabei de chegar em casa, cara. Estou quebrado
mesmo, fica para a próxima.
Meu amigo resmunga mais um pouco e logo desiste. Ele
sabe que, quando estou determinado, dificilmente volto atrás.
Peço uma pizza pequena de calabresa com refrigerante pelo
aplicativo e volto a assistir às lutas na tela à minha frente. Tento me
focar na TV para distrair um pouco a mente da avalanche de
sensações que foi o dia de hoje, mas não tenho muito sucesso.
O que mais tem me encucado desde que deixei aquela praça
hoje é justamente a familiaridade daquela senhora. Fico revirando a
mente para tentar entender de onde a conheço, para ver se consigo
ajudá-la.
Quem sabe assim eu contate a sua família ou encontre
alguém próximo que possa lhe dar um abrigo.
Mas, quanto mais eu penso, mais longe estou de encontrar
alguma resposta. Nos próximos dias, vou tentar voltar à praça e
procurar me aproximar dela mais uma vez.
Quem sabe me aproximando dela não consiga descobrir
alguma coisa.
O engraçado disso tudo é que não é a primeira vez que ajudo
um mendigo, mas é a primeira vez que fico tão intrigado.
Por que será que estou me sentindo assim?
O meu celular vibra na bancada da oficina e faço uma careta
ao ver o nome da minha mãe na tela.
Merda!
Eu me esqueci de novo.
Olho para o relógio no alto da parede e vejo que já se passou
de uma hora da tarde. Eu estava tão entretido no trabalho que nem
me lembrei do almoço em sua casa.
— Oi, mãe — atendo a ligação, já ouvindo seu suspiro do
outro lado da linha.
— Já está chegando, Ian? A comida está esfriando…
— Chego em cinco minutos — anuncio.
— Não venha correndo. Quero meu filho vivo!
Solto uma risada e me despeço dela, encerrando a ligação e
atirando o aparelho de volta à bancada.
Termino de parafusar uma peça na moto e me afasto alguns
passos, gostando do resultado. Acho que consegui adiantar bem
nesse fim de semana, amanhã continuo esse trabalho.
Não trabalho em todos os domingos, mas, quando estou
entediado e inquieto dentro de casa, preciso fazer alguma coisa, e
nada melhor do que o meu maior hiperfoco da vida: motociclismo.
Vou até o banheiro do Studio e lavo bem as mãos,
aproveitando para jogar uma água no rosto. Pego minha jaqueta, as
chaves, o celular e o capacete. Monto na minha moto e ganho as
ruas da cidade em seguida.
A casa da minha mãe não fica muito longe daqui, é no bairro
vizinho, então eu não demoro a chegar. Pisco o farol alto da moto e
o portão eletrônico se abre, logo estaciono ao lado do carro dela.
— No dia em que você tiver uma namorada, ela vai sofrer
com seus atrasos — minha mãe ralha me esperando na porta de
casa com os braços cruzados.
— É por isso que eu não tenho uma. — Pisco para ela e beijo
seu rosto.
— Estava trabalhando, filho? — pergunta ao me abraçar.
— Um pouco… — Faço uma careta e ela balança a cabeça.
— Você trabalha muito…
— É o que eu faço de melhor na vida.
Passo por ela e entro na cozinha, encontrando Ítalo já com o
prato nas mãos para se servir.
— Finalmente o alecrim dourado chegou. Eu estava
morrendo de fome.
— Vocês não precisam me esperar. Sabem que eu sou uma
negação com horários.
— Diga isso para a dona Luma. — Meu irmão aponta para a
minha mãe e ela cruza os braços em descontentamento.
— Aos domingos nós almoçamos juntos. Eu não vou comer
sem meus dois filhos aqui.
Minha mãe faz um beicinho fofo e eu rio, beliscando sua
costela. O movimento a faz me dar um tapa.
— E você sabe que eu não sirvo para coisas combinadas,
meu cérebro não funciona assim.
Franzo o cenho para ela, que assente.
— É por isso que eu te ligo te xingando todas as vezes.
Ela empina o queixo e eu caio na risada.
— Agora que seu primogênito está em casa, vamos logo
comer? — peço e vou direto para o fogão.
Servimo-nos e nos sentamos à mesa.
Hoje minha mãe fez uma comida que eu amo: arroz, feijão,
carne de panela, batata frita e salada.
— A minha única tristeza de não morar aqui mais é não
almoçar a sua comida todos os dias — digo de boca cheia e ganho
um tapa na mão.
— A sua mãe não te ensinou a não falar de boca cheia? —
repreende-me e eu rio. — E você poderia almoçar aqui todos os
dias, Ian. Você mora tão pertinho…
— E você ia me aguentar chegando cada dia em um horário
diferente? — indago, arqueando a sobrancelha.
Minha mãe faz uma careta impagável.
Ela odeia essa minha inconstância. Nesse ponto, somos
completamente opostos. Enquanto ela gosta de tudo organizado, a
minha vida é uma completa bagunça.
— É… Melhor você ficar lá mesmo e vir apenas aos finais de
semana — responde e eu balanço a cabeça.
Não disse?
— Ah, Ian… — meu irmão mais novo, que está sentado de
frente para mim, puxa o assunto.
Ítalo tem vinte e dois anos e é moreno, de pele bronzeada e
cabelos lisos. Os olhos escuros são iguais aos do meu pai e não
nos parecemos em nada, o que evidencia ainda mais que não
fomos gerados na mesma barriga.
— Está sabendo que Alana está de volta? — pergunta e eu
sinto um golpe no peito.
Paro de mastigar na mesma hora e engulo a comida, vendo
os dois me encarando. Desvio o olhar.
— Eu vi… — respondo e ele não parece se dar por satisfeito.
— Vai conversar com ela?
— Não sei.
Finjo indiferença para disfarçar o quanto meu coração está
acelerado dentro do peito e como, instantaneamente, comecei a
suar de nervosismo.
— Você sabe que ela procurou por você, né?
Sua voz é baixa e eu fecho os olhos, apertando-os com força.
Sei, como eu sei…
Nos primeiros anos de nossa separação, minha mãe e meu
irmão me contaram que ela tentou me procurar aqui em casa,
chegou até a ir atrás de Ítalo na faculdade para ver se descobria
meu paradeiro. Mas eles mantiveram a promessa de não contar
nada a ela e, mesmo que tenha doído pra caralho não a ver, foi
melhor assim.
Eu não queria que ela me visse na pior fase da minha vida.
— Eu sei, Ítalo… Mas não há muito o que ser feito agora.
Dou de ombros e minha mãe balança a cabeça antes de
beber um pouco de seu copo de suco.
— Eu discordo. Vocês sempre se gostaram e agora estão de
volta, solteiros e…
— E quem te falou que ela está solteira? Não lhe ocorreu que
ela poderia estar namorando, dona Luma? — pergunto enfático e
ela dá de ombros.
— Uma mãe sempre tem as suas fontes — responde, como
se não fosse nada.
Então é real…
Alana não só está de volta à cidade, como está solteira…
Mas que bela merda.
— A nossa vez já passou, gente. Não temos mais nada a ver
um com o outro agora — digo, mais para mim mesmo.
— Nem você acredita nisso, cara — meu irmão desdenha e
eu bufo.
— Vamos mudar de assunto? E como estão as coisas com a
Leticinha?
Meu irmão me fuzila com os olhos e eu caio na risada.
— Pimenta no olho dos outros é refresco, né?
— Quem é Leticinha? — minha mãe pergunta curiosa e Ítalo
engasga com o suco.
— A filha do diretor da sua antiga escola — deduro e ele me
chuta por baixo da mesa.
— A Letícia? Letícia Brandão?
— Não é nada do que está pensando, mãe… — Ítalo tenta
disfarçar, mas eu só sei rir do seu desconforto.
— Mas ela não está prestes a ficar noiva? — minha mãe
pergunta, incrédula.
— Ela não quer se casar com aquele bosta — ele range
entredentes e eu só balanço a cabeça.
— Ítalo, Ítalo… Olha no que você está se metendo. Aquela
família é importante demais nesta cidade. Não quero você metido
em confusão.
— Só não é mais importante que a família dos Cardosos —
ele provoca e eu fecho o punho em cima da mesa.
— Nossa, mas me pegaram para Cristo, hein? Puta que
pariu.
— Não use um palavrão e o nome de Deus na mesma frase,
Ian! — minha mãe me repreende e eu assinto.
— Foi mal, mãe. Mas Ítalo me tira do sério.
— Ah… Mas olha só quem está falando.
— Por favor, cresçam! — dona Luma eleva o tom de voz,
mas sei que por trás da bronca há o divertimento. — Parece que eu
tenho duas crianças em casa de novo precisando ensinar a dividir
um brinquedo.
— Ele que começou — Aponto para Ítalo, que mostra o dedo
do meio para mim.
— Aí… Viu só? Duas crianças!
Ela balança a cabeça e se levanta da mesa, recolhendo os
pratos. Ítalo e eu ajudamos a retirar tudo e a lavar a louça, já
conversando e rindo.
Eu adoro esses momentos que passo com esses dois e
nessas horas sempre sinto um aperto no peito por não ter mais o
meu pai no meio de nós.
Há três anos, uma parada cardíaca levou o meu velho e não
há um só dia em que eu não me lembre dele.
— Ainda acho que você devia procurá-la — Ítalo diz baixinho
passando por mim e logo sobe para o andar de cima, provavelmente
para o seu quarto.
Ainda bem que minha mãe não o escutou, caso contrário
seria outra a insistir nesse assunto.
Eu sei que será inevitável esbarrar com ela pela cidade, mas
não quero atropelar as coisas, já que eu não confio no meu coração
quando estou perto dela.
Passo mais um tempo conversando com a minha mãe e logo
me despeço para ir embora. Quero fazer uma coisa antes de voltar
para casa.
Já em cima da moto, percorro as ruas com certa velocidade e
logo estou de volta àquela praça onde vi aquela senhora.
Durante o resto da semana, eu me envolvi tanto no trabalho
que acabei não tendo tempo de sair para procurá-la, mas hoje quero
mudar isso.
Estaciono a moto e penduro o capacete no retrovisor,
descendo e andando pela praça a sua procura. Busco em todos os
lados, revisto cada cantinho e não a vejo em parte alguma.
Onde será que ela foi?
Ando por alguns quarteirões e ruas arredores à praça, mas
não a encontro.
Sinto um pesar dentro de mim e decido voltar outro dia, na
esperança de encontrá-la e saber se está tudo bem, se precisa de
mais alguma coisa.
Volto para a minha moto e monto nela, pegando as ruas da
cidade em seguida. Ainda não estou pronto para voltar para casa,
então decido correr pela cidade, andando sem rumo, sem uma
direção certa, pelo simples prazer de pilotar. De sentir o vento forte
bater contra o meu corpo e ouvir o ronco da minha moto em cada
acelerada.
Essa adrenalina é foda pra caralho.
Estou quase voltando para casa, quando paro em um
semáforo e a vejo.
Alana…
Ela está saindo de um carro e, quando salta, seus cabelos
balançam ao se virar buscando a direção do ruído. Imagino que
tenha sido o som do ronco do motor da minha Yamaha.
Ainda que eu esteja de capacete e óculos escuros, sinto que
ela me reconhece, pois me perfura com o olhar. E agora, mais de
perto, consigo reparar nela melhor e ver o quanto está linda.
Porra! Seis anos e ela volta ainda mais incrível.
Os cabelos castanhos lisos estão cortados na altura dos
ombros. A camisa regata revela a tatuagem, que não existia, no
braço esquerdo. Sorrio ao pensar em como pelo menos temos uma
coisa em comum.
Os olhos verdes enigmáticos que sempre foram a minha
perdição não se desviam dos meus e, por um momento, percebo o
vislumbre de um sorriso.
À minha frente, o semáforo abre, mas sou incapaz de
arrancar esta moto do lugar. Eu não consigo olhar para outra coisa,
para outra direção, que não seja ela.
Os lábios finos se comprimem em um meio sorriso,
evidenciando aquele furinho no queixo que eu sempre amei.
Uma voz chama o seu nome e parece nos tirar do transe.
Alana olha para mim mais uma vez e abaixa o olhar antes de ir ao
encontro de sua amiga.
Eu respiro fundo e arranco a moto. Quando estou a certa
distância, olho pelo retrovisor e a vejo me encarando de longe, até
sumir de vista.
Preciso me manter longe dela, preciso evitá-la a qualquer
custo, pois não confio em mim.
Alana não merece alguém tão fodido quanto eu, e parece que
perco o controle da porra do meu coração todas as vezes que olho
para ela.
Mas que caralho.
Isso vai ser mais difícil do que eu pensava.
Estou mesmo fodido.
Entro na cafeteria, olhando tudo ao meu redor, e me pego
pensando mais uma vez se isso não foi um erro.
Nos últimos três dias, logo que saio do hospital, tenho
passado aqui para ver se esbarro “casualmente” com Ian.
A verdade é que não paro de pensar nele.
Desde que o vi na moto tão perto de mim, me encarando de
forma tão intensa, decidi procurá-lo e tentar acalmar um pouco o
meu coração. Quero ouvir a voz dele, senti-lo mais perto, saber
como está…
E, mesmo que eu já tenha descoberto onde é a sua oficina,
não quero ir até lá por enquanto. Acho intimidador demais procurá-lo
no trabalho e não quero que ele pense que sou uma psicopata
perseguindo-o.
Por isso, tenho visitado essa cafeteria nos últimos dias na
esperança de encontrá-lo por aqui.
Corro mais uma vez os olhos pelo local até avistar um ombro
largo e braços tatuados de costas para mim, na fila do caixa.
Será…?
Ando em sua direção já sentindo as mãos tremerem pelo
primeiro reencontro oficial depois de tantos anos e, como se me
sentisse, ele se vira para olhar em minha direção.
Nossos olhares se fixam por um longo momento e meu
coração parece que vai saltar pela boca quando o reconhece.
— Ian… — sussurro e ele fecha os olhos, apertando-os de
leve antes de reabrir para mim.
Aqueles olhos azuis tão marcantes me encaram de forma tão
intensa que parecem me despir.
Dou mais um passo em sua direção e já consigo sentir o seu
cheiro.
É um misto de perfume amadeirado masculino, com cheiro de
tabaco e do café que ele segura nas mãos.
Ian continua me olhando em silêncio e eu não consigo
decifrar a sua expressão.
Ele está tão diferente…
— Você… — Raspo a garganta antes de continuar. — Vai se
sentar para tomar o seu café? — pergunto, apontando para o copo
em suas mãos.
Ian desvia o olhar para seu copo e logo volta para mim,
parecendo pensar no que fazer.
— Na verdade, eu já estava de saída… — sua voz rouca,
grossa, envia uma onda de arrepios pelo meu corpo e faz meu
pobre coração bater ainda mais acelerado no peito.
— Ah…
Não consigo disfarçar o meu descontentamento e ele parece
perceber, coçando a nuca em um gesto ansioso, tão familiar…
Deus, senti tanta falta dele…
— Eu acho que… vou me sentar ali.
Aponta para uma mesa no canto da cafeteria e eu nem
consigo esconder um sorriso gigante que me escapa.
— Tudo bem, eu vou pegar uma bebida e me sento com
você. Pode ser?
Ian apenas balança a cabeça e se afasta de mim, deixando-
me aqui completamente zonza pela sua presença.
Vou até o balcão e peço um mocha e uma porção de
minicroissants. Faço o pagamento e, quando fica pronto, pego a
bandeja, levando até a mesa onde Ian está sentado.
Coloco a bandeja sobre a madeira e me sento com cuidado
em sua frente, deixando a bolsa ao meu lado na poltrona.
— Peguei alguns croissants, caso queira… — ofereço e ele
nega de pronto.
— Obrigado.
Sua voz grossa está tão diferente que eu quase não a
reconheço.
Na verdade, esse homem diante de mim está irreconhecível.
O garoto de vinte e um anos que eu vi pela última vez se
transformou nesse homem forte, grande, e imponente. Os braços
torneados de Ian estão cruzados sobre a mesa, revelando várias
tatuagens que seguem até as mãos e os dedos.
Hoje ele usa um boné preto escondendo os cabelos raspados
em baixo e agora, mais de perto, noto que, além dos dois
alargadores nas orelhas, ele tem um piercing no septo em formato
de ferradura.
Será que tem mais algum piercing?
Acho que ele percebe que o analiso demais, porque desvia o
olhar do meu e foca na janela ao nosso lado, onde passam algumas
pessoas na calçada.
Eu ajeito minha postura na cadeira e dou um gole na minha
bebida, pensando em como reagir agora que ele finalmente está
diante de mim. São tantas perguntas, tantas coisas não ditas,
tantas…
— Você está gostando de voltar à cidade depois de tantos
anos? — Ian me surpreende puxando assunto.
Um sorriso discreto desponta em meus lábios.
— É diferente, mas estou gostando, sim. Ao mesmo tempo
que parece que tudo está do jeito que eu deixei, sinto que está
completamente diferente. As pessoas, os lugares…
— Com certeza tudo não está como você deixou… — ele fala
tão baixo que eu quase não o escuto.
Seu comentário me faz engolir em seco.
— E você? Está trabalhando com o que sempre gostou? —
pergunto com cuidado e recebo um esboço de um sorriso.
Os lábios de Ian se curvam de leve e meu coração acelera
ainda mais dentro do peito.
Foi o mais perto que vi de um sorriso dele, desde que
cheguei aqui.
Que saudade eu senti disso…
— Eu trabalhei em uma oficina por alguns anos e me
dediquei bastante a isso. Agora montei meu próprio Studio de
customização de motos.
— Fico muito feliz por você — respondo, sincera. — E
trabalha sozinho?
Aproveito que esse assunto o deixou mais confortável e faço
mais perguntas, pisando em território seguro.
— Ítalo trabalha comigo. Ele cuida da agenda, organiza o
estoque e administra as minhas contas. Toda essa burocracia que
não serve para mim.
Ian faz uma careta e eu não resisto, solto uma risada.
— Você nunca foi dos mais organizados mesmo — constato
e ele assente.
— Eu até tentei trabalhar sozinho no começo, mas,
caramba… Era uma bagunça. Eu fazia uma confusão com as datas
das contas e pagava todas em dias errados. O cara da companhia
de energia elétrica chegou a ir lá umas duas vezes para cortar a luz.
Eu sorrio ao sentir uma nostalgia gostosa de me lembrar
como Ian se perdia em compromissos.
— Sem contar as próprias motos em que eu precisava
trabalhar por ordem de pedido; se chegava uma nova, eu me
empolgava nela e me esquecia das anteriores, aí virava uma
bagunça. Enfim, contratei Ítalo para me ajudar porque eu só sou
bom em montar motos mesmo.
Dá de ombros e eu sorrio.
— Você não é bom só nisso, mas concordo que precisava de
ajuda. Principalmente porque um passo em falso pode manchar o
nome da sua empresa.
— Pois é… — Ian para por um momento e dá um gole em
seu café, antes de me olhar. — E você, já está trabalhando no
hospital?
Ele aponta para a minha camiseta branca e eu confirmo.
— Sim… Eu já cheguei aqui um dia antes de começar a
minha residência.
— E está gostando?
— Muito! Oncologia pediátrica foi meu sonho desde que
comecei a faculdade.
— Uau… — Ian parece surpreso e penso que ele vai fazer
algum comentário, mas acaba desistindo.
O silêncio se instala mais uma vez sobre nós e eu fico
pensando no que perguntar para não o afastar de mim. Não quero
colocar tudo a perder logo agora que finalmente nos encontramos.
— Gostei das suas tatuagens — decido começar por esse
caminho, que parece bem seguro. Todo mundo gosta de falar sobre
tatuagens. — Você só tem nos braços? — arrisco a perguntar e ele
abre um meio sorriso.
Opa… Estamos evoluindo.
— É mais fácil você me perguntar onde eu não tenho.
Seu olhar me perfura e eu sinto mais uma onda de arrepios.
Merda, eu sempre tive um fraco por tatuados…
— Em todo o corpo? — pergunto curiosa e ele nega de
pronto.
— Bom, só não tenho no rosto, nos pés, na virilha e na
bunda, porque o resto…
Ele fala com uma naturalidade que me faz engasgar.
Como ele fala nessa tranquilidade que não tem tatuagem na
virilha e na bunda?
Agora fiquei com essa imagem na cabeça.
Ai, Deus…
— E você? Aquele dia vi que tem uma no braço… É só ela?
— pergunta, com o olhar divertido por notar o meu desconforto.
— Eu… — Fico um pimentão ao pensar em revelar onde
mais eu tenho tatuagens. — Tenho mais duas… — sussurro e seus
olhos brilham.
— É mesmo? — Ian se inclina sobre a mesa e fica mais
próximo de mim. — Onde?
Sinto meu rosto pegar fogo e dou um gole na minha bebida,
já me arrependendo, por ser quente. Eu precisava beber algo
gelado, muito gelado.
Porque ter Ian Bastos tão próximo a mim, com esse olhar que
parece despir a minha alma e querendo saber das minhas
tatuagens, é demais para a minha sanidade.
— Entre os seios… — murmuro e percebo sua íris se
escurecer. — E no cóccix…
Digo por fim, engolindo em seco, então Ian fecha os olhos por
um momento e sua mão se fecha sobre a mesa.
Pelo visto eu não sou a única afetada por aqui.
— Porra, Alana… — murmura e ouvir o meu nome de seus
lábios depois de tanto tempo só me faz arrepiar ainda mais.
E por que um assunto de tatuagens, que era para ser
descontraído, se tornou algo tão excitante?
De repente, percebo que gostaria que ele visse minhas
tatuagens, as tocasse e…
— Eu preciso ir — Ian anuncia, terminando de beber o seu
café.
— Tudo… Tudo bem — respondo, vendo que o clima mudou
por aqui.
A tensão sexual que se instalou é quase palpável agora.
Ian se levanta da mesa e eu faço o mesmo, deixando o
restante de croissants na bandeja. Eu perdi até a vontade de comê-
los.
Saímos da cafeteria e eu o acompanho até a sua moto preta,
imponente, vendo como ela combina com o dono.
— Ela combina com você… — elogio para aliviar o clima e
parece funcionar.
Ian balança a cabeça.
— É minha fiel companheira. Você está de carro? —
pergunta, olhando ao nosso redor.
— Não… Estou andando de Uber por enquanto.
— Se eu tivesse um capacete-reserva, te daria uma carona
— diz e eu sorrio.
Seria muita gentileza sua.
Mas ao pensar em andar abraçada a Ian, em cima dessa
moto, sentindo seu cheiro, vejo que não seria bem uma boa ideia.
Então que ótimo que ele não tem um capacete extra.
— Não se preocupe. Eu vou chamar agora.
Tiro o celular da bolsa e ele me observa enquanto abro o
aplicativo e chamo pelo Uber.
— Três minutos — revelo antes de guardar o celular no bolso.
Ian assente e coloca o capacete na cabeça.
— Obrigado pela companhia — diz, dando de ombros, e meu
coração erra uma batida.
— Eu que agradeço por ficar. Nos vemos por aí?
Ele me olha por um momento e assente de leve.
— É… A gente se vê.
Ian monta na moto e some da minha vista em segundos,
deixando-me aqui parada, olhando para o nada com um sorriso
bobo nos lábios e um coração absurdamente acelerado dentro do
peito.
Eu nunca imaginei que reencontrar Ian depois de tantos anos
seria tão intenso assim. Nunca imaginei que o encontraria assim…
Caramba! Se ele já era lindo mais novo, agora está incrível.
Além de terrivelmente gostoso.
Cheiroso, forte, tatuado e…
Deus, estou mesmo perdida.
Fecho a oficina e monto na minha moto, pegando as ruas da
cidade. Mais uma vez, quero ver se dou a sorte de encontrar aquela
senhora na praça ou nos arredores. Algo me puxa a ela como um
ímã e sinto uma necessidade estranha de saber como está.
Enquanto não chego, relembro o encontro inesperado com
Alana ontem na cafeteria.
Ela está tão linda…
Suas feições adquiriram um tom mais maduro e agora ela
possui um charme natural que antes não tinha. O nariz fino, os
lábios mais macios que já conheci agora estão ainda mais
convidativos. Seus traços são lindos e delicados, eu tive que fazer
um esforço descomunal para não demonstrar o quanto ela me
desestruturou só por estar ali, diante de mim.
E ainda surgiu aquele assunto de tatuagens…
Puta que pariu, Alana.
Uma tatuagem no meio dos peitos e a outra acima da bunda?
Essa mulher quer foder o meu juízo, só pode.
Embora a sua presença tenha feito uma bagunça dentro de
mim, eu me surpreendi por ter me saído bem. Foi um encontro
relativamente tranquilo e me senti aliviado por não ter cometido
nenhuma loucura.
Sei que vamos nos esbarrar de novo, por isso estou me
preparando para manter esse nível de conversa. Sem intimidar
demais. Acho que, se for por esse caminho, estaremos seguros.
Não posso correr o risco de deixá-la se envolver na minha
vida e mergulhar no meu mundo, que é tão diferente do dela.
Pensar nisso me faz lembrar o sorriso em seus lábios ao falar
do trabalho e o quanto parece feliz com o que faz.
Oncologia Pediátrica…
Isso é tão a cara dela.
E pensar em sua residência me faz lembrar de Roger e sua
conversa nada amigável comigo. Eu estou pouco me lixando para o
que ele quer, mas não consigo parar de pensar no quanto está certo
ao dizer que não há um espaço para mim no futuro de Alana.
E é por isso que preciso me manter longe dela.
Porque eu definitivamente não confio em mim quando estou
perto.
Piloto até chegar à praça e estaciono a moto, descendo logo
após. Retiro o capacete e o encaixo no retrovisor, ajeitando os
cabelos com as mãos.
Hoje, para minha sorte, não preciso procurar demais, já que
logo que piso na praça avisto aquela senhora sentada debaixo de
uma árvore, envolta no cobertor que lhe dei.
Sorrio por ter sido útil de alguma forma.
Ando em sua direção e quando ela ouve meus passos, ergue
o olhar para mim.
Aqueles olhos azuis que se destacam na pele enrugada e
cansada são incrivelmente familiares para mim.
— Oi… — digo, ao chegar perto dela.
Abaixo-me para ficar em sua altura.
— Oi… — ela me surpreende com sua resposta, já não
parecendo tão arredia com a minha presença.
— Fico feliz que o cobertor tenha te ajudado. Não está mais
sentindo frio? — pergunto e ela nega de pronto.
— É bem quentinho agora, obrigada.
— Não por isso.
Com as pernas cruzadas, consigo ver que usa um par das
meias que eu lhe dei, o que também me faz sorrir. Aproveito a
proximidade para reparar melhor nela.
Os cabelos escuros estão bastante bagunçados e há poucos
fios brancos, então imagino que não deva ser muito velha.
Uns cinquenta anos, talvez?
Vejo que veste uma calça preta e camisa cinza bem puída,
fico curioso para saber se ela tem mais alguns pares, onde se veste,
se toma banho…
Meu cérebro funciona como uma engrenagem e eu sei que
preciso de respostas, mas não posso enchê-la de perguntas agora,
não quando preciso conquistar sua confiança.
— Está com fome? — pergunto e ela assente em silêncio.
Olho para os lados procurando por alguma coisa e, quando
vejo a fachada da Pizza Hut, tenho uma ideia.
— Eu vou buscar uma coisa pra gente comer, me espera
aqui? — indago e ela apenas acena, balançando a cabeça.
Levanto-me de pronto e atravesso a praça, indo até o local e
agradecendo aos céus por estar vazio. Essa rede é conhecida pela
rapidez no atendimento então é perfeito para o que eu quero. Peço
uma pizza de seis pedaços com sabor de calabresa e frango com
requeijão que penso ser mais fácil de agradar. Peço também um
refrigerante de um litro e dois copos descartáveis.
Sento-me à mesa e fico mexendo no celular até o meu
pedido ficar pronto. Cerca de vinte minutos depois, me chamam pelo
nome. Eu pego a caixa de pizza e a sacola com o refrigerante,
saindo do estabelecimento, voltando ao lugar onde estava.
Sento-me no chão ao lado da senhora e vejo seus olhos
brilharem ao ver a caixa de pizza diante de mim.
— Qual é o seu nome? — pergunto, enquanto sirvo os copos
de refrigerante.
Ela demora um pouco a responder, então quase não acredito
quando sai a sua voz.
— Rosa.
— Ok, Rosa. Muito prazer, eu me chamo Ian.
Estendo o copo de refrigerante para ela, que assente antes
de pegar e dar um gole.
— Gosta de pizza? — pergunto e ela acena rapidamente.
Imagino que esteja mesmo faminta.
— Qual a senhora quer primeiro? — questiono e a vejo
apontar o dedo para o lado da pizza com recheio de calabresa.
Retiro uma fatia da pizza e entrego a ela, que pega na
mesma hora, mordendo um pedaço.
— Eu só me esqueci de pegar o guardanapo, mas a minha
mão está limpa, tá? — brinco, piscando para ela, que solta uma
risadinha.
Ao seu lado, pego uma fatia de frango com requeijão e mordo
um pedaço, deliciando-me com o sabor.
— Faz muitos anos que não como uma pizza… — Sua voz é
tão baixa, que preciso me inclinar para conseguir ouvi-la.
E essa afirmação parte o meu coração.
Eu posso comer pizza a hora que eu quiser e essa pessoa
diante de mim não come uma há anos…
— Fico feliz que gostou.
Ela assente e, quando termina o seu pedaço, me olha um
pouco tímida.
— Quer experimentar o de frango com requeijão? — ofereço
e ela acena, empolgada.
Pego a fatia e entrego a ela, que começa a comer
demonstrando bastante satisfação.
Sei que eu não posso mudar a vida dela, mas só de matar
sua fome em alguns momentos, já me dá uma sensação de dever
cumprido.
— A senhora sempre morou aqui? — arrisco a perguntar,
puxando um assunto.
Ela me olha por um momento e balança a cabeça negando.
— Eu sou de outra cidade, vim para cá há muitos anos por
causa de um namorado.
— Jura? — pergunto, curioso.
— É… Mas… aconteceram algumas coisas e… — Ela para e
dá um gole no refrigerante. Vejo que seu copo está vazio e sirvo
mais um pouco. — Eu fui embora… Mas voltei há alguns anos para
procurar alguém…
Eu sinto que não está falando coisa com coisa, mas, como
quero saber mais dela, insisto no assunto.
— Veio procurar pelo antigo namorado? — arrisco um palpite.
— Não… — Seus olhos desviam-se do meu e vão ao longe,
como se tivesse sendo tomada por lembranças. — Meu filho…
A última frase soa quase inaudível e eu sinto meu coração se
apertar por ela.
— Faz muito tempo que a senhora não o vê?
— Vinte e sete anos. — Suspira e morde mais um pedaço da
pizza.
Nossa…
Isso é muito tempo sem ver um filho.
O que será que aconteceu?
— A última vez que eu o vi, ele ainda era um bebê…
Rosa parece sonhadora e eu deixo que sua mente voe na
direção que deseja, talvez matando a saudade do filho ainda que
nas lembranças.
Percebo que ficou calada e seus olhos parecem marejar. Pelo
visto, é um assunto doloroso para ela, então decido mudar o rumo
de nossa conversa.
— A senhora não fica sempre aqui na praça? Te procurei
outros dias e não te vi…
— Ah… Eu ando por aí… Quando me canso, sento e me
deito. Me acolho em algum lugar.
Sua fala mais uma vez me causa um aperto no peito. Não
consigo imaginar como deve ser ruim a sensação de não ter para
onde ir, onde morar… Não saber nem se terá o que comer.
O pedaço de pizza que estou mastigando desce cortando a
minha garganta.
Uma coisa é ver um morador de rua de longe e dar um
trocado, outra coisa é se aproximar e saber mais sobre a sua vida.
Essa proximidade com Rosa tem me feito bem e tem me
dado vários socos no estômago também.
— Entendi… Sempre que a fome apertar, venha para cá.
Estou sempre passando por aqui de moto e, se eu te vir, pego
alguma coisa para a senhora.
Rosa me encara por um tempo, sua expressão parece ser de
gratidão, e então uma lágrima lhe escorre.
— Obrigada. Você é um bom rapaz.
Suas palavras são sinceras e fazem meu peito se aquecer.
Não me lembro nem quando foi a última vez que me
disseram isso, com exceção da minha mãe, já que sempre fui visto
como o garoto-problema.
— Você deveria estar se divertindo agora e não sentado no
chão com uma velha como eu — diz, fazendo uma careta, e eu rio.
— E quem disse que eu não estou me divertindo?
Sorrio para ela, que retribui, e mais uma vez vejo uma
familiaridade em seu semblante que não consigo decifrar.
— Tem alguma coisa que a senhora goste de fazer? Algum
hobby? — pergunto, pensando se posso ajudá-la a se entreter de
alguma forma.
— Humm…
Vejo que ela terminou seu pedaço e ofereço mais um.
— Não, obrigada. Estou satisfeita.
Noto que sobraram mais dois, fecho a caixa e entrego para
ela.
— Então deixe para comer mais tarde se der fome ou
amanhã cedo. Já te disseram que pizza gelada no dia seguinte é
uma delícia?
Rosa dá uma risada e eu sorrio ao ver que é a primeira vez
que a vejo tão relaxada.
— Obrigada pela dica.
Escoro o corpo no banco de cimento a sua frente, e cruzo os
braços, observando-a melhor.
— E quanto ao hobby? Tinha algum?
— Eu gostava de ler romances de banca… Sabe quais?
Julia, Sabrina…
— Sei! Eu nunca li, mas minha mãe adorava.
Falar da minha mãe parece tê-la desapontado, pois seu
semblante se torna triste.
Será que dá alguma espécie de gatilho nela por não ter
notícias de seu filho?
— Vou ver se encontro alguns e trago para a senhora —
tento animá-la e consigo, pois um sorriso pequeno se abre em seu
rosto.
— Por quê? — pergunta e eu coço a nuca, confuso.
— Por que o quê? — indago.
— Por que fazer tanto por mim? Você nem me conhece… Eu
não sou ninguém…
Endireito a postura e sinto um desconforto por ouvi-la falando
assim sobre si mesma.
— Está enganada. A senhora é alguém, sim. E ver alguém
em situação tão vulnerável me fez querer ajudar. Eu não quero nada
em troca, só quero poder fazer alguma coisa pela senhora.
Rosa parece em choque, pois abre e fecha a boca, mas não
sai som algum.
— Sabe… Eu tenho uma casa, cama, geladeira cheia e
chuveiro quente. Me deitar todos os dias sabendo que eu tenho tudo
isso sozinho e que há alguém aqui que não tem nada disso me
deixa mal. Por isso me faz bem ajudar a senhora.
Ela balança a cabeça e abraça o corpo, olhando para o nada
por um instante.
— Sua mãe deve ter muito orgulho de você.
Rosa volta a me encarar e a forma intensa com que me olha
me faz sentir um desconforto.
— Eu espero que sim — digo apenas e vejo que ficou um
clima estranho por aqui.
— Acho melhor eu ir.
Levanto-me de pronto e ela assente, apertando mais a
coberta em volta de seu corpo.
— Precisa de mais alguma coisa por hoje? — pergunto e ela
nega.
— Eu nunca vou me esquecer do que você tem feito por mim.
Sorrio sem graça e apenas balanço a cabeça, colocando as
mãos no bolso da calça jeans.
— Boa noite, Rosa.
— Boa noite, Ian.
Aceno e viro-me caminhando até a minha moto, onde monto-
a para ir para casa.
Em pouco tempo, estou subindo as escadas até meu
apartamento e sinto um estranhamento dentro de mim.
Eu nunca pensei que conversar com uma pessoa estranha
fosse mexer tanto comigo, fosse causar tanta confusão dentro de
mim.
Percebo que fico agitado, vou até a janela do meu quarto e
acendo um cigarro, jogando a fumaça ao longe.
Penso em como até pouco tempo não tinha nada de novo na
minha vida, meus dias eram todos monótonos e então tudo mudou.
Não só a mulher que foi o primeiro amor da minha vida voltou
para a cidade e tem me tirado a sanidade, mas também conheci
uma senhora que tem me intrigado de uma forma inexplicável.
Tenho que me controlar ou fumarei dois maços de cigarro por
dia, levando em conta o quanto tenho ficado inquieto ultimamente.
Mas que confusão virou a minha vida…
Ando pelos corredores da ala pediátrica do hospital ao lado
do Dr. Mauro Lacerda, acompanhando-o em seu turno. Hoje ele é o
médico escalado para o plantão e está me levando com ele para ver
todas as crianças internadas em tratamento oncológico.
A cada visita, Dr. Mauro me mostra a dosagem dos
medicamentos, avaliação clínica e, principalmente, a forma como
devemos tratar cada paciente e seus familiares, sempre respeitando
suas crenças, valores culturais e religião.
O carinho com que esse médico trata cada criança me enche
de orgulho e de uma sensação boa de que estou mesmo no
caminho certo. É isso o que eu quero para a minha vida. Quero
ajudar essas crianças a vencer essa batalha tão difícil que é o
câncer. Quero vê-las crescendo saudáveis e realizar todos os seus
sonhos.
— Olha, mãe, ela tem sereias na roupa dela — Luiza, a
pequena que estamos visitando, aponta para o meu jaleco logo que
eu entro no seu quarto.
Como esta área do hospital é toda decorada com tema de
fundo do mar para as crianças, quando comecei a residência
comprei jalecos com delicados desenhos de sereias para que elas
se sintam mais à vontade com a minha presença.
— Você gosta de sereias, Luiza? — pergunto me
aproximando da cama, com Dr. Mauro ao meu lado.
— Sim! Eu amo a Ariel. É o meu desenho favorito. Quando
eu crescer e tiver o cabelo grandão como o seu — ela aponta para o
meu rabo de cavalo e sorri me mostrando sua janelinha —, eu quero
pintar de vermelho. A mamãe já deixou — comenta orgulhosa e eu
sorrio.
— E como ela está se sentindo hoje? — Vejo Dr. Mauro
conversar com a mãe da paciente e eu aproveito a deixa para
distraí-la um pouquinho.
Com os ouvidos atentos à conversa dos dois, sei que Luiza
está internada para mais uma sessão de quimioterapia e que,
sempre que termina, ela fica extremamente cansada apresentando
alguns efeitos colaterais.
A pequena diante de mim tem a cabeça lisinha, sem nenhum
fio; os olhos escuros são vibrantes e me enchem de esperança.
— Daqui a pouco vão colocar aquela agulha ruim em mim —
comenta comigo, partindo o meu coração.
— Mas você sabe que é para ficar boa logo, não é?
— Eu sei… — Suspira e brinca com o lençol da cama,
apertando-os de leve. — Mas está demorando muito…
Alguns tratamentos são mais lentos que os outros e a noção
de tempo de uma criança é bem diferente da nossa, por isso
imagino como deve ser difícil para ela.
— Mas você vai ficar bem, eu prometo.
Toco seu rostinho e a vejo sorrir.
Eu não deveria prometer uma coisa dessas, ainda mais sem
saber o seu prognóstico, mas como não dar esperança a uma
criança?
— Vamos combinar uma coisa? — pergunto e seus olhos
brilham. — Eu sou nova aqui no hospital, por isso você ainda não
tinha me conhecido. Mas, a partir de agora, vamos nos ver mais
vezes. E se eu passasse por aqui nos meus intervalos para ler a
história da Ariel com você?
— Jura?
O sorriso de Luiza é tão espontâneo, tão puro, que aquece o
meu peito.
— Sim. Eu vou andar com o livro na minha bolsa a partir de
agora e, sempre que te vir por aqui, conto um pedacinho da história.
Mas vamos devagar para não acabar rápido e eu sempre voltar.
Combinado?
Ela balança a cabeça sorrindo e estica a mão para tocar o
desenho no tecido do jaleco.
— Combinado. E como você se chama?
— Meu nome é Alana.
Luiza sorri mais uma vez.
— Eu posso te chamar de tia Alana?
— Claro! Eu vou adorar.
Aperto seu nariz e ganho uma risadinha dela. Logo a mãe de
Luiza e Dr. Mauro nos olham, com um sorriso satisfeito no rosto.
— Vamos? — ele me chama e eu confirmo, despedindo-me
das duas.
— Pelo visto a Luiza gostou de você — o oncologista
comenta logo que saímos do quarto e pegamos o corredor
novamente.
— Ela é um amor. Precisamos ser amigos dessas crianças,
não é?
— Com toda certeza.
— E qual o tipo de câncer dela?
— LLA.
Leucemia linfoide aguda…
— Depois eu quero ver com mais calma o prontuário dela,
para acompanhá-la melhor.
— Claro. Eu vou pegar para você. Ela está se preparando
para o transplante de medula.
— Espero que o resultado seja satisfatório.
— Eu também — ele afirma antes de entrarmos em mais um
quarto de paciente.
Dessa vez, o pequeno Arthur está dormindo e conversamos
apenas com o seu pai. Acompanho toda a conversa do médico com
ele e leio a prancheta que Dr. Mauro me estende, com o prontuário.
Tumor de Wilms…
Esse pequeno que agora descansa está enfrentando um
tumor maligno nos rins e, pelo que estou vendo, sua situação está
um pouco delicada.
Espero conseguir voltar em outro momento em que ele
estiver acordado para conhecê-lo melhor.
Quando saímos do quarto, acompanho Dr. Mauro até o seu
consultório e ele vai me mantendo atualizada sobre o quadro de
cada criança que visitamos hoje.
Não é uma missão fácil, mas eu prefiro me apegar à
esperança de cura do que às dificuldades enfrentadas pelo
tratamento.
Quando meu turno acaba, vou até o vestiário me trocar e
guardar o jaleco na bolsa para levar até a lavanderia especializada.
Como optei por não utilizar o do hospital, tenho todo o cuidado de
transportá-lo corretamente.
Chego à portaria do hospital e espero pelo meu pai, já que
hoje nossos horários coincidiram. Cerca de dez minutos depois, o
imponente Roger Cardoso atravessa as portas e se junta a mim.
Meu pai já chegou na casa dos cinquenta e seus cabelos
estão começando a ficar grisalhos. Os olhos são escuros, diferentes
dos meus, mas tem o mesmo furinho no queixo que eu. Dr. Roger é
um coroa e tanto.
— Como foi o dia hoje, princesa?
Ele beija o meu rosto e retribuo.
Pois é…
Vinte e cinco anos nas costas e meu pai até hoje me chama
assim. Mas não teria como ser diferente, já que sou filha única e
minha mãe o abandonou há alguns anos. Então agora somos só
nós dois.
O casamento dos meus pais nunca foi perfeito, mas eu não
imaginei que eles fossem de fato se separar, até dona Cecília se
cansar e sair de casa. Minha mãe é dermatologista e hoje mora na
cidade vizinha, onde acabou se estabelecendo.
— Foi ótimo… Estou aprendendo muito com o Dr. Mauro.
— Ele é um dos melhores na sua especialidade, sei que está
tendo um ótimo mentor.
Faço um resumo para o meu pai sobre o dia de hoje
enquanto andamos até o estacionamento. Quando entro em sua
BMW, tenho uma ideia.
— Pai, pode parar naquela livraria próxima?
— Claro… É algum livro de medicina? Se for, é melhor
comprar pela Internet…
— Não, não — interrompo-o. — É um livro infantil.
— Para algum paciente? — pergunta, curioso.
— É… Hoje uma paciente viu o meu jaleco de sereias e ficou
encantada, então me disse que adora a história da Ariel… — conto
com detalhes como foi a visita a Luiza e como ficou encantada
comigo.
De lado, meu pai sorri orgulhoso.
— Você tem um futuro brilhante, filha. Continue assim.
Toca a minha perna com carinho e eu sorrio.
Logo ele para em frente a uma livraria e eu peço que me
espere, que não vou demorar.
Entro na loja e vou até a seção infantil, sorrindo ao encontrar
um exemplar ilustrado em capa dura de A pequena sereia. Vejo as
outras opções de livros e faço uma nota mental para perguntar a
Luiza de quais outras histórias ela também gosta.
Vou até o caixa para fazer o pagamento e pouco depois estou
de volta ao carro do meu pai.
— Encontrou o que queria? — pergunta, logo que avança
com o veículo.
— Sim! Encontrei uma edição que está linda.
Retiro o livro da sacola e mostro para o meu pai, que divide o
seu olhar entre o trânsito e o exemplar em meu colo.
— Eu tenho certeza de que ela vai adorar.
— Espero muito que sim.
Quando estamos quase chegando em casa, meu pai raspa a
garganta antes de se virar para mim.
— E você tem encontrado seus antigos amigos? — pergunta
parecendo desconfiado.
— Ah… Eu tenho passado muito tempo com a Valentina. Que
saudade eu estava dela!
Meu pai assente, mas ainda me olha pensativo.
— E é só com ela que você tem passado um tempo?
Ele me olha diferente e eu engulo em seco.
Será que me viu outro dia no café com Ian? Ou está só
jogando verde comigo para ver se conto alguma coisa?
Aperto a sacola com as mãos trêmulas e me pergunto mais
uma vez por que meu pai o odeia tanto.
— Sim… — minto. — Ainda não tive tempo de ver mais
ninguém. Tenho trabalhado bastante, né? E Valentina é a única que
continuou tão próxima na minha ausência.
Meu pai parece receoso e olha dentro dos meus olhos antes
de balançar a cabeça.
— Que bom — diz por fim, ao entrarmos em casa e ele
estacionar o carro na garagem. — Valentina é uma boa pessoa.
Ele enfatiza a última frase, dando a entender que as outras
pessoas não são. E sei bem de quem está falando.
Eu mal tenho tempo de responder quando ele salta do carro,
e agradeço por ficar sozinha. Espero que não insista nesse assunto
por hoje.
Entro em casa e deixo a bolsa no cômodo próprio, onde
deixamos roupas de trabalho separadas para quando a lavanderia
vem buscar.
Subo até o meu quarto e já nem vejo meu pai mais, então
imagino que ele já deve ter ido para o seu. Tomo um banho rápido e,
quando saio do chuveiro, recebo uma mensagem de Valentina.
Valentina: Hoje você vai parar de me enrolar e vai topar
sair comigo? Para um barzinho tranquilo?
Pondero por um momento antes de responder.
É bem verdade que, desde que voltei para a cidade, ainda
não saí com Valentina para nenhum barzinho ou balada à noite e
estou mesmo devendo isso a ela.
Olho para o relógio do celular e vejo que são sete horas da
noite.
Eu: Tudo bem… Você me busca a que horas?
Valentina: Ai, nem acredito! Você não vai se arrepender,
juro! Eu te pego às nove, pode ser?
Eu: Tarde assim?
Valentina: Deixa de ser velha, Alana! Hoje é sexta-feira e
amanhã você estará de folga!
Eu: Não estarei de folga… Só vou pegar no turno da
tarde.
Valentina: O que é praticamente a mesma coisa. Enfim,
às nove estou aí!
Eu: Combinado!
Jogo o celular na cama e solto um suspiro.
Eu não estava mesmo muito a fim de sair hoje, mas acho que
vai ser bom distrair a mente.
Um pouco de diversão não faz mal, certo?
— Não acredito que finalmente te convenci a sair daquela
oficina — Tiago diz logo que nos sentamos na banqueta do bar.
— Eu gosto de trabalhar — afirmo e ele dá de ombros.
Não brinco quando digo que gosto muito do que eu faço. Eu
posso passar horas e mais horas na oficina fabricando peças
específicas de cada projeto que não me canso. Sou mesmo
obcecado por motos.
— Mas também precisa se divertir.
Tiago dá um soco no meu braço e eu faço uma careta.
— O que vai beber? — pergunta, já chamando pelo garçom.
— Uma tônica.
— Um chope e uma tônica para o meu amigo fresco aqui —
ele pede e eu mostro o dedo do meio.
— Você sabe bem que não é frescura… — murmuro e ele
balança a cabeça.
Bebida alcóolica é meu maior gatilho.
Foi por causa dela que eu mergulhei em um mundo a que
não quero voltar, então sou bem decidido a não ingerir uma gota de
álcool sequer.
Fora que a bebida me deixa agitado pra caralho. E eu já sou
uma pessoa inquieta pelo TDAH, portanto o álcool só me deixa
ainda pior.
Então, não, obrigado.
Eu dispenso.
— Eu sei, Ian… Estou só te zoando. Sabe que adoro zoar
com a sua cara.
Mostro de novo o dedo para ele, que solta uma risada.
Tiago é meu amigo desde os tempos de escola. Mesmo
quando eu estive na pior e todo mundo me achava uma péssima
influência, ele nunca se afastou de mim.
E é por isso que procuro me esforçar mais para sair com ele,
que sei que adora essa vida noturna que não costuma combinar
muito comigo.
Hoje ele escolheu um pub que toca música ao vivo às sextas
e que por isso está bem cheio. À medida que o horário avança, vão
chegando cada vez mais pessoas e o espaço vai ficando lotado.
Precisamos quase gritar para nos ouvirmos enquanto
conversamos e, quando ele cutuca o meu ombro apontando em
uma direção, sinto meu coração dar um salto.
Alana…
Essa mulher só pode estar me perseguindo, já que a tenho
visto por toda parte.
— O tempo fez bem a sua garota.
Tiago dá uma piscadinha e eu bufo.
— Ela não é a minha garota.
— Ah, Ian… Vai fingir indiferença à presença dela? Para cima
de mim?
Balanço a cabeça e bebo um gole da lata de água tônica em
minhas mãos.
Vou ficar quieto aqui, sentado, vai que ela não me vê no meio
de tanta gente e…
Não posso ficar tão próximo a ela assim.
— Elas estão vindo em nossa direção.
Elas?
Procuro com o olhar e vejo que Alana está acompanhada de
Valentina, sua melhor amiga, que por sinal costuma sair de vez em
quando com Tiago.
— Valentina veio… Sabe o que isso significa, não é?
O infeliz treme as sobrancelhas para mim e eu bufo.
— Sei…
Significa que o safado vai sair com a Valentina e me deixar
aqui sozinho com a Alana…
Filho da mãe.
— Você sabe que vai me pagar por isso, não sabe? — ranjo
entredentes, e Tiago gargalha.
— Vou nada… Você vai é me agradecer.
Não tenho tempo nem de responder, já que as duas se
juntam a nós.
— Oi, meninas — Tiago as cumprimenta com um beijo no
rosto e quando ele beija Alana eu sinto meu sangue ferver.
Tenho vontade de gritar para que ele tire as patas de cima
dela, mas sei que não tenho direito a isso.
Perdi o direito a qualquer coisa sobre Alana desde que
quebrei seu coração há seis anos.
— Oi…
Eu me levanto da banqueta para cumprimentar Alana e ela
me surpreende ao me abraçar forte. Aproveito para inspirar o seu
cheiro e o gesto me faz fechar os olhos por um momento.
— Oi — Alana responde e aponta para sua amiga. — Você
se lembra da Valentina, não é?
Balanço a cabeça e cumprimento sua amiga em um abraço
rápido.
— Que coincidência encontrar vocês aqui — Valentina diz de
uma forma que não me convence e eu olho para o meu amigo, que
pisca para mim.
Mas que filhos da puta!
Isso foi armação?
Ah, porra…
Então eu tenho quinze anos agora para ir a encontros
armados pelos amigos?
— Você me paga, Tiago — digo apenas com um mover de
lábios e ele solta uma risada, balançando a cabeça.
— Vamos dançar agora, daqui a pouco a gente volta. —
Valentina puxa Tiago pela mão e some pelo pub me deixando
sozinho com Alana.
— Quer se sentar? — ofereço a banqueta ao meu lado onde
Tiago estava sentado e ela assente, um pouco tímida.
Ela também parece estar desconfortável com essa situação.
Mas, já que simplesmente jogaram-na aqui comigo, vou fazer
com que sua noite seja pelo menos um pouco agradável.
— Posso te pagar uma bebida? — pergunto, inclinando-me
em sua direção para que me ouça.
Essa proximidade faz a pele de seu ombro se arrepiar, o que
me faz sorrir internamente.
Porque por fora eu estou com a minha tradicional cara de cu.
— Vou querer uma Caipirinha — pede e eu assinto.
Chamo o garçom e peço sua bebida e mais uma tônica para
mim.
— Você não bebe? — pergunta curiosa e eu nego.
— Não.
— Nunca? — insiste.
— Nunca.
— Posso perguntar por quê? — Sua voz é gentil e sei que ela
deve estar querendo saber mais sobre mim, mas é um assunto que
eu odeio falar.
— Bebida alcóolica me dá gatilho — digo apenas e ela
finalmente parece entender.
Seu semblante se torna compreensivo e ela engole em seco.
— Entendo…
Batuco os dedos no balcão, enquanto olho para a prateleira
de destilados a minha frente e tento fingir que a sua proximidade
não me afeta.
Porque afeta pra caralho.
— Eu não sabia que ia te encontrar aqui hoje… — comenta e
eu me viro para olhá-la, já me arrependendo.
Seu semblante perdido e a sinceridade de seus olhos verdes
fazem meu coração se acelerar.
— Eu também não, mas pelo visto nossos amigos, sim.
Dou de ombros e ela assente, colocando uma mecha de
cabelo atrás da orelha.
Alana não diz mais nada e, quando as bebidas chegam, ela
me agradece, pegando o copo e sugando um pouco do drinque pelo
canudinho.
Um movimento simples, mas sexy pra caralho.
— É boa? — pergunto, apontando para seu copo e vendo
que de repente ficamos sem assunto.
Quando éramos mais novos, costumávamos passar horas e
horas apenas conversando e hoje parecemos pisar em ovos antes
de iniciar algum assunto.
Como as coisas mudam…
— É, sim. Não é muito forte, como eu gosto.
Aceno e dou um gole na lata em minhas mãos, observando-a
me analisar de lado.
— Você gosta de dançar? — pergunta, apontando para a
pista de dança lotada a nossa frente.
— Nem um pouco.
Balanço a cabeça fazendo uma careta e ela ri.
— Imaginei mesmo…
— Se você quiser dançar, pode ir. Eu fico aqui de boa —
sugiro e ela nega de pronto.
— Prefiro ficar com você.
Prefiro ficar com você…
Porra, Alana!
Você também não facilita as coisas para mim.
— Eu vou ali fora só um pouquinho — anuncio e me levanto
da bancada, indo até a área descoberta do pub, separada para
fumantes.
Ficar perto da Alana, do cheiro dela e não poder tocá-la está
fodendo a minha mente. Desde que a vi naquele carro, não paro de
pensar em como seria beijá-la e sentir o seu gosto mais uma vez.
A área não está muito cheia, então eu apenas me encosto no
canto da parede, no final do corredor, e dobro a minha perna,
apoiando o pé nela. Tiro o maço de cigarros do bolso e acendo um
com um isqueiro, dando uma tragada forte.
Fecho os olhos e encosto a cabeça, inspirando a fumaça e
soltando-a, buscando relaxar um pouco.
O meu corpo está agitado e eu preciso acalmar um pouco as
coisas antes de voltar para o encontro de Alana.
— Não sabia que você ainda fumava…
Sua voz me surpreende e eu abro os olhos, vendo-a de frente
para mim, de braços cruzados.
— Só cigarro… — afirmo, jogando a fumaça para uma
direção contrária à dela.
— Tem certeza?
Sua pergunta faz o meu sangue ferver.
— O que está insinuando? — pergunto, estreitando os olhos
para ela, já sentindo meu coração acelerado dentro do peito.
— Eu só estou te fazendo uma pergunta.
Só pode ser brincadeira.
Balanço a cabeça e saio de perto dela, seguindo pelo
corredor até virar à esquerda e encontrar uma área externa, de vista
para a rua.
Para a minha sorte, não há ninguém aqui.
Aperto a grade da sacada com a mão livre e sinto meus
dedos tremerem.
Porra!
Eu vim aqui para me distrair e não para ser acusado por um
fantasma do meu passado.
Porque é isso que a Alana é. A porra de um fantasma do meu
passado que voltou só para me atormentar.
Ouço um som de saltos batendo no chão e logo o cheiro dela
invade o ambiente.
— O que você quer, Alana? — pergunto, áspero, antes de me
virar para ela.
— Eu só queria saber se estava bem… — diz, com o
semblante receoso.
— Porque a minha palavra não é suficiente, não é? Acha que
eu sou um mentiroso do caralho?
— Ian…
— Se você quer saber se ainda estou usando drogas, a
resposta é não. Agora, se não acredita em mim, isso é problema
seu.
Viro o olhar em direção à rua e pego mais um cigarro no
bolso, acendendo em seguida.
Ouço-a suspirar e se aproximar mais um pouco de mim.
— Eu acredito em você… — Sua voz é bem mais baixa
agora. — Desculpa.
Apenas balanço a cabeça e continuo fumando meu cigarro,
ainda sem olhar para ela.
— Eu… — ela começa a falar, percebendo meu silêncio. — É
tudo muito novo para mim. Por todos esses anos, eu não soube
onde você estava nem o que estava fazendo… E então te vi
fumando e fiquei com medo.
Sua voz é tão sincera que me quebra ao meio.
Fecho os olhos e os esfrego com a mão.
Que merda, Alana.
Você me fode desse jeito.
— Desculpa — pede mais uma vez.
Nego balançando a cabeça e olho para ela. Vejo culpa em
seu olhar e sinto um aperto no peito.
— Tudo bem.
Termino de fumar o cigarro e jogo a bituca no chão,
esmagando-a com a botina.
— Onde você estava?
Alana estende a mão e toca meu braço com um carinho tão
grande, que me faz fechar os olhos.
O contato de sua pele na minha faz meu corpo se arrepiar.
— Por que não me deixou saber de você?
Sua voz é mais baixa e eu dou um passo em sua direção,
sentindo meu coração bater ainda mais forte dentro do peito.
— Eu senti a sua falta — confessa e o brilho que vejo em
seus olhos é a minha ruína.
Aperto o braço de Alana e com uma mão puxo-a pela cintura,
colando nosso corpo. Eu apenas rosno baixo antes de tomar a sua
boca na minha, em um beijo que nos tira o chão.
Alana parece demorar um segundo para processar o que
está acontecendo e logo reage ao meu beijo, correspondendo-o e
puxando minha nuca para mais perto, fundindo-nos.
Minha mão aperta firme a sua cintura enquanto eu a beijo de
forma bruta, forte, ávida, correndo minha língua em cada cantinho
dela e me afastando apenas para lamber o seu lábio inferior e
mordê-lo forte.
— Ian…
A voz de Alana é irreconhecível e eu apenas avanço sobre a
sua boca mais uma vez, tomando para mim algo que eu tanto
esperei.
Algo que esperei por seis “fucking” anos.
Viro nosso corpo e a pressiono contra a grade, abandonando
seus lábios apenas para descer até o pescoço, chupar e morder ali.
Sua pele macia e cheirosa só me deixa ainda mais duro e eu
impulsiono o quadril para a frente, apertando-a ainda mais contra a
grade.
A forma como Alana respira pesado e deixa os lábios
entreabertos me deixa louco.
— Eu senti tanta falta disso — murmuro e desço uma mão
pela sua coxa, acariciando a barra do vestido soltinho.
O movimento me faz lembrar todas as vezes que transamos.
Porra!
Impossível não me lembrar disso.
De quantas vezes a beijei, chupei, lambi, fodi e…
— Ian…
A voz de Alana me tira do transe e eu apenas me afasto para
encarar seus olhos verdes.
Todo o desejo que vejo refletido em seus olhos me faz
avançar.
Subo a mão pela sua coxa e a sinto apertar meu braço com
força, arranhando-me.
Olho para os lados e confiro se realmente estamos sozinhos
antes de continuar.
Tomo sua boca mais uma vez enquanto subo a minha mão
pela sua coxa até tocar a sua calcinha, por baixo do vestido.
E porra!
Ela está tão molhadinha…
Ainda que por cima da renda, consigo senti-la.
Um gemido lhe escapa quando a toco ali e eu apenas afasto
o tecido para correr os dedos em seu clitóris.
— Ah…
Abandono a sua boca, descendo para o pescoço, enquanto
deslizo os dedos sobre ela, e eles se lambuzam em sua lubrificação.
— Você quer me deixar louco, só pode…
Enfio um dedo dentro dela, que geme alto.
— Shhhh… Não podemos ser pegos.
Coloco o indicador sobre seus lábios e ela assente, engolindo
em seco. A sensação de adrenalina que corre por estarmos em local
público e podermos ser pegos só faz com que tudo se torne ainda
mais excitante.
Enfio mais um dedo nela e Alana morde o meu ombro,
agarrando-se a mim para não cair.
Continuo fodendo-a com os dedos enquanto o meu polegar
estimula seu clitóris e Alana rebola sobre mim, aumentando nosso
contato, me deixando doido.
— Gostou de me beijar com o piercing? — pergunto me
lembrando do gemido que ela soltou logo que descobriu o brinco na
minha língua.
— Oh…
Alana começa a me apertar mais contra si e os meus dedos
continuam ávidos na missão de enlouquecê-la.
— Já me imaginou no meio das suas pernas, te chupando
com esse piercing? — provoco-a, e ela só geme mais.
Quando sinto que ela está à beira de gozar, decido jogar mais
baixo.
— Sabe onde mais eu tenho um piercing, Alana? —
pergunto, mordendo o seu pescoço antes de me afastar.
Alana abre os olhos e seu semblante me diz que estou quase
conseguindo.
— Onde…? — pergunta, com a voz entrecortada.
Sem soltá-la, colo minha boca na sua orelha e sussurro,
antes de morder sua pele.
— No meu pau.
Um suspiro lhe escapa e eu intensifico os movimentos
quando sinto que seu orgasmo vem forte e Alana goza na minha
mão, abraçando-me ao final para recobrar o fôlego.
— Ian…
Com cuidado, tiro os dedos de dentro dela e chupo-os um por
um, vendo-a me observar com as bochechas rosadas.
— Eu senti tanta falta disso… — suspiro quando termino de
lambê-los.
— Quer sentir o seu gosto? — ofereço e ela assente, ainda
um pouco aérea pelo orgasmo que acabou de receber.
Corro meus lábios pelos dela e aprofundo o nosso beijo,
fazendo-a sentir seu gostinho, que eu tanto amo.
Quando me afasto, toco seu rosto com carinho e vejo que a
raiz de seus cabelos está úmida de suor.
— É verdade? — pergunta e eu arqueio a sobrancelha.
— O quê?
— Que você tem um piercing… — começa a falar e para, o
rosto corando imediatamente. — Lá…
Solto uma risada de sua curiosidade.
— Tenho… Pesquisa no Google depois. É pubic o nome.
Pisco para ela, que fica ainda mais vermelha.
— Quer voltar lá para dentro? — pergunto e ela pensa por
um momento antes de negar.
— Podemos ir para outro lugar? Comer alguma coisa?
— Eu te deixei com fome, Alana? — pergunto me
aproximando dela, que respira fundo.
Eu adoro esse efeito que causo nela.
— A-hã…
— Porque você me deixou com fome também, mas de outra
coisa…
Aproximo-me dela para morder sua orelha, que logo se
arrepia.
— Ian…
— Mas por hoje vamos deixar assim. Não vou te mostrar os
meus dotes todos de uma vez, senão perde a graça. — Pisco para
ela, que sorri.
— Eu senti muita falta disso… — Suspira.
— De gozar comigo? — pergunto, tremendo a sobrancelha, e
ela ri.
— Não! — responde gargalhando. — De nós dois.
Aponta para mim e eu sinto meu coração errar uma batida.
É errado pra caralho isso, mas não consigo evitar, é mais
forte do que eu…
— Vamos sair então? — pergunto e ela assente.
Voltamos para o pub só para pagar a conta e encontrar
nossos amigos, que já estavam de saída. Como eu trouxe Tiago de
moto comigo e ele vai passar a noite com Valentina, combinamos de
eu levar Alana para casa.
— Você tem medo de moto? — pergunto, entregando o
capacete a ela, logo que chegamos à rua.
— Não. Só não corra muito — adverte.
— Pode deixar. Quer comer um cachorro-quente? — ofereço
e ela assente, empolgada.
— Nossa, sim!
Gargalho e monto na moto, indicando-lhe que suba na
garupa.
Corro as ruas da cidade em velocidade bem mais baixa que a
habitual e, quando vejo um trailer de cachorro-quente, decido parar.
Enquanto comemos, conversamos tranquilos e quase me
esqueço do quanto somos diferentes, com vidas tão distintas.
Por um momento me esqueço de que nós nunca daríamos
certo, no fim das contas.
Terminamos de comer e eu a levo até a sua casa, tendo o
cuidado de parar a moto a alguns metros de distância.
— Acho que se seu pai nos vir juntos pode te gerar
problemas — justifico, omitindo a visita nada amigável que recebi
dele.
— Eu sei… — Suspira e me entrega o capacete ao descer da
moto.
Continuo montado com o pé no chão quando ela se inclina e
toca meus cabelos com carinho.
— Obrigada por essa noite.
Alana beija meus lábios com cuidado e meu coração se
acelera dentro do peito.
— Posso pegar seu telefone? — pergunta quando se afasta e
eu penso se é mesmo uma boa ideia.
Mas a forma como ela me olha me tem nas mãos e, quando
menos percebo, estou ditando o número do meu telefone.
— Boa noite, Ian.
Ela se inclina para me beijar mais uma vez.
— Boa noite, Alana.
Aceno para ela quando se afasta e, de longe, acompanho-a
até entrar em casa; só ligo a moto quando sei que está segura.
O vento que corta o meu corpo se une à adrenalina e as
lembranças dessa noite só me fazem ter ainda mais certeza:
Eu estou muito fodido.
Abro a porta da sala de espera da diretoria da escola e
encontro Ian, o garoto do último ano, sentado na cadeira de canto,
batendo impacientemente os dedos na coxa.
Sento-me ao lado dele e me sinto um pouco sem jeito por
essa proximidade, já que quase não nos esbarramos por aqui.
— Oi… — digo educada e ele ergue o olhar para mim.
Seus olhos azuis parecem me perfurar e eu engulo em seco.
Ele é tão bonito…
Ian tem os cabelos escuros cortados baixos e a pele clara.
Mesmo com toda essa carranca de bad boy, consigo ver o quanto é
lindo.
Eu não me lembro de termos conversado alguma vez antes,
mas é impossível não saber quem ele é. A escola inteira conhece
Ian Bastos, o garoto que vive se metendo em encrencas. Sei
também que está repetindo o último ano, então imagino que seja
dois anos mais velho que eu, com meus dezesseis.
— Oi — responde por fim. — Por que está aqui? Se meteu
em alguma confusão? Você não tem cara disso…
Ele estreita os olhos para mim e eu engulo em seco.
Ian cheira a perfume amadeirado masculino e é a primeira
vez que percebo isso.
— Não… Não é isso. Eu só vim conversar com a diretora.
Dou de ombros, tentando disfarçar o nervosismo, mas acho
que não tenho muito sucesso.
— Aconteceu alguma coisa? Ninguém vem parar na diretoria
à toa…
Olho para ele e penso em por que eu me abriria para um cara
que mal conheço, que todo mundo da escola teme.
Mas algo nele me diz que eu posso confiar, o que me parece
bem ridículo…
— Tem um garoto na minha sala… — falo e sinto minha
garganta se fechar.
A mão que repousa na coxa de Ian se fecha em um punho e
as íris de seus olhos azuis se escurecem imediatamente.
— O que tem ele? Fez alguma merda? — Seu tom de voz é
áspero e eu sinto um calafrio.
— Não… Bom… Ainda não… É que… ele não sai do meu pé
— digo baixinho e Ian se aproxima de mim para conseguir me ouvir.
— Ele está te incomodando? — pergunta com cuidado e eu
apenas assinto.
— Eu não quero ficar com ele, eu nem gosto dele. Mas ele
não sai do meu pé. — Solto um suspiro. — Por isso vou conversar
com a diretora, Fabrícia, para ver se eu consigo ir para a turma dois.
— Você vai mudar de turma por causa dele? — pergunta com
ar de julgamento e eu me encolho na cadeira.
— Eu não aguento mais ficar perto dele…
— E por que não pede para que ele mude? Não é justo você
deixar os seus colegas de turma por causa dele.
— Eu não posso pedir pelos outros, mas posso por mim… E
já viu o ditado “os incomodados que se retirem”?
Sorrio fraco e ele aperta os lábios desgostoso.
— Isso não é justo… — repete e eu apenas dou de ombros.
— Eu só quero paz, Ian…
Ian me analisa por um momento; antes que responda, a porta
da diretora se abre e ela chama por ele.
Fico por um momento sozinha, inquieta, observando tudo ao
meu redor enquanto aguardo pela minha vez. A espera parece
demorar uma eternidade e eu solto um suspiro quando ouço a porta
sendo aberta mais uma vez.
Ian passa por mim e dá uma piscadinha antes de sair do
local.
— Alana? — Fabrícia me chama e eu apenas confirmo antes
de me levantar e entrar em sua sala.
A diretora fecha a porta atrás de nós e indica para que eu me
sente.
— Então tem um aluno te incomodando? — pergunta com um
semblante de compreensão.
Mas como…?
Ian…
Ele falou com ela?
— Tem, sim, diretora. Por isso eu queria te pedir a minha
transferência para a turma dois.
— Não será necessário — diz firme e eu sinto um soco no
estômago.
Será que eu não vou conseguir?
— Mas…
— Me dê o nome dele, que vou chamá-lo e comunicar a
transferência dele para a turma dois do segundo ano.
— Como é?
— Não é justo que você saia da sua sala por algo que estão
fazendo com você. Inclusive vou aproveitar e ter uma conversinha
com ele.
— É sério mesmo? A senhora vai fazer isso por mim?
— Claro! E agradeça a intercessão de seu amigo.
— Quem? — pergunto, ainda sem acreditar.
— Ian. Ele celebrou uma missa aqui na minha cabeça
apontando todas as razões pelas quais eu deveria manter você na
turma um, e não o seu “colega”.
Nossa…
Ele fez mesmo isso por mim?
Mas ele não é nada meu e…
— Ian tem um coração bom — conclui. — E é por isso que
ele está sempre se metendo em encrencas. Eu não aprovo seu
comportamento explosivo, mas não posso negar o seu sentimento
de justiça.
Ainda fico atônita quando passo o nome do meu colega de
classe para a diretora e me despeço dela, fazendo o caminho de
volta até a minha sala.
No trajeto, procuro pelos corredores para ver se o encontro e,
quando vejo um vulto prestes a entrar na sala do terceiro ano, eu o
chamo.
— Ian!
Logo que ouve seu nome, ele se vira em minha direção.
Apresso os passos e vou ao encontro dele.
— Você não precisava ter me ajudado, mas obrigada.
— Precisava, sim — responde firme e me encara daquele
jeito, intenso demais. — Fica bem, Alana.
Ele acena e entra em sua sala de aula, deixando-me parada,
com o coração acelerado dentro do peito.
Eu, que sempre achei que ele fosse o garoto-problema, que
se metia em confusões infundadas, conheci um lado dele que
poucos conhecem.
Quem diria, Ian…
Atravesso as portas do hospital e pego o celular para chamar
um Uber, mas, em vez de colocar o endereço da minha casa, coloco
o do Studio de Ian.
Quero conhecer sua oficina, o lugar que ele construiu, e lhe
fazer uma surpresa.
E claro, matar um pouco a saudade…
Desde que nos pegamos daquele jeito na sexta-feira, não
paro de pensar nele. Na verdade, morri de vontade de chamá-lo
para sair novamente no fim de semana, mas consegui resistir.
Não quero parecer desesperada pela sua presença, embora
eu esteja. Esteja, e muito.
Eu não tinha ideia do quanto sentia falta de Ian até tê-lo em
meus braços mais uma vez, me beijando como se eu fosse todo o
seu mundo, se deliciando em mim.
Gozar na mão dele em um corredor do pub, de frente para a
rua, foi a coisa mais louca que já fiz nos últimos anos e, só de
pensar na intensidade da sua pegada e no calor de seus toques,
meu corpo já se arrepia.
Eu não passei os últimos anos no celibato, mas ninguém
chega aos pés dele.
Ninguém causa em mim o que Ian causa, e, agora que
estamos de volta, não quero perder essa chance. Quero fazer a
gente dar certo.
Quando o carro para diante de mim, entro no veículo e fico
olhando a cidade pelo vidro enquanto fazemos o trajeto. O meu
coração fica disparado dentro do peito, enquanto penso em como
ele vai reagir ao me ver.
Sei que eu deveria ter avisado antes, mas não seria surpresa
se fosse assim.
Quando o carro estaciona, vejo o letreiro Basto’s Garage e
sorrio. A fachada é bem rústica e combina bastante com Ian. Desço
do veículo e me despeço do motorista, respirando fundo antes de
entrar no estabelecimento.
De costas para mim está Ian, trabalhando com algumas
ferramentas em suas mãos, parecendo parafusar alguma coisa.
— Oi… — anuncio a minha chegada e Ian dá um pulo
quando me vê.
Seu semblante surpreso não parece muito feliz e isso me
causa um aperto no peito.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta áspero e eu
engulo em seco.
— Eu… estava saindo do trabalho e pensei em passar aqui
para conhecer a sua oficina e te ver… — minha voz é baixa e Ian
bufa.
— Estou trabalhando, Alana.
Ele solta a ferramenta no balcão e o barulho me causa um
sobressalto.
Olho para tudo ao meu redor e sinto tanto orgulho dele, do
que construiu, que quero perguntar, quero saber mais sobre ele,
sobre como conseguiu, mas acho que não foi uma boa escolha ter
vindo até aqui.
Não quando ele me olha como se eu fosse a última pessoa
que quisesse ver hoje.
— Eu pensei que…
— Oi, Alana!
Ítalo surge no meu campo de visão e eu solto um suspiro de
alívio ao ver o sorriso em seu semblante. Ele ajuda a quebrar o
clima pesado que se formou aqui.
— Oi, Ítalo.
— Quanto tempo!
Ele me puxa para um abraço demorado e um som parecido
com o de um rosnado sai de Ian. Quando me afasto de seu irmão,
vejo que meu namorado está quebrando alguma coisa nas mãos.
— Você não tem trabalho para fazer, não, Ítalo?
A voz de Ian é tão dura que eu sinto meu peito doer ainda
mais.
Por que ele está agindo assim?
Será que se arrependeu?
Pensar nisso faz com que um nó se forme em minha
garganta e eu me seguro para não chorar.
Ítalo resmunga alguma coisa para Ian e some pela porta dos
fundos, deixando-nos a sós.
— Você ainda vai demorar a fechar? — pergunto tentando
uma última vez.
Olho para o relógio de parede e vejo que já são quase
dezoito horas. É o horário em que as lojas fecham, mas será que o
dele é muito diferente?
— Eu não tenho hora de parar aqui, Alana… — responde
sem olhar para mim e volta a mexer com as ferramentas.
Constato que realmente não foi uma boa ideia vir aqui sem
avisar antes, mas eu não imaginei que ele reagiria tão mal a minha
presença.
— É uma moto muito bonita. — Aponto para a motocicleta no
centro da oficina, que agora tem a atenção de Ian. — Você vai fazer
muitas modificações nela?
Ian solta uma ferramenta nas mãos e finalmente me encara.
A íris escura me faz recuar um passo.
— O que você veio fazer aqui, Alana? Não vê que estou
trabalhando?
Sua voz é tão dura que eu me seguro para não chorar.
O que eu fiz para que ele esteja me tratando tão mal?
Há poucos dias estávamos nos dando tão bem…
— Eu não quis te atrapalhar, eu só… — Paro e balanço a
cabeça. — Deixa para lá, Ian.
Dou as costas para ele e saio de dentro da oficina,
disfarçando ao máximo o quanto me doeu a forma como ele falou
comigo.
Chamo pelo Uber e enquanto o espero me recuso a olhar
para trás e procurar por ele. Eu me recuso a demonstrar o quanto
suas palavras duras me machucaram.
Pelo visto, fui só eu que pensei nele em todos esses anos, só
eu que o amei em meu íntimo…
Só eu que sonhei com o dia em que o veria de novo…
Nunca me senti tão usada em toda a minha vida, logo pela
pessoa que mais amei.
Se tudo que vivemos na sexta-feira não significou nada para
ele…
Parabéns, Ian Bastos, você quebrou o meu coração pela
segunda vez.
Alana sai pela porta com o semblante devastado e eu me
sinto um bosta.
Mas que caralho, Ian!
Penso se devo ou não ir atrás dela, mas, quando ouço o som
do carro a levando embora, vejo que é tarde demais.
Inferno!
Chuto a bancada da oficina e o impacto faz algumas
ferramentas caírem no chão. O estrondo chama a atenção de Ítalo,
que logo vem ver o que está acontecendo.
— Porra, Ian! Que susto! Achei que você tinha batido na
Alana — constata ao me ver catando algumas ferramentas.
— Ficou louco, porra? — xingo, me levantando e atirando-as
ao balcão.
— Ué… Você trata a menina igual a um lixo e agora eu
escuto um estrondo. O que quer que eu pense?
Esfrego os olhos e bufo.
— Eu não a tratei como um lixo — defendo-me.
— Você só pode estar brincando se não viu a tristeza nos
olhos dela. É burro ou o quê?
— Vai se foder, Ítalo!
Dou as costas para ele, mas meu peito se aperta de um jeito
que dói pra caralho.
Meu irmão está certo.
Porra!
Chuto mais uma vez o balcão e esfrego a mão nos cabelos,
pensando na merda que eu fiz.
Eu me assustei quando a vi aqui e fiquei na defensiva. Não
esperava vê-la em meu refúgio, em meu mundo, como se fizesse
parte disso.
E a verdade é que Alana não faz parte do meu mundo, não
mais.
O pai dela tem razão quando diz que somos incompatíveis
pra caralho, porque eu sinto como se fôssemos mesmo assim.
Alana é médica residente em oncologia pediátrica, com uma
carreira promissora pela frente, longe de toda a sujeira que eu
carrego.
Longe de toda a complicação que é a minha vida.
Ela não merece isso…
— Você vai atrás dela? — a voz de Ítalo me traz de volta à
oficina.
— Não sei — admito e ele balança a cabeça, decepcionado.
— Mas é burro mesmo. A garota dos seus sonhos vem atrás
de você e é assim que reage? Puta que pariu.
— Vai embora, Ítalo — digo, apontando para o relógio que
marca o fim do expediente.
— Eu vou… — Junta as suas coisas e para na minha frente
antes de sair. — Aproveita essa folga e vê se põe juízo nessa sua
cabeça, otário.
Meu irmão deixa a oficina e eu fico aqui sozinho, olhando
para tudo ao meu redor e tentando entender que merda a minha
vida virou.
Fecho o portão da garagem e penso que já deu por hoje.
Nem se eu quisesse, conseguiria me concentrar em algum trabalho
aqui.
Subo até a quitinete e tiro o calçado quando entro no quarto.
Pego o maço de cigarros do bolso da calça e retiro um lá de dentro.
Acendo-o quando chego à janela e puxo a fumaça bem fundo,
soltando-a em seguida.
Enquanto fumo, penso em como eu deveria lidar com essa
confusão que se formou dentro de mim e não chego à conclusão
alguma.
Que merda!
Apago o cigarro no cinzeiro e vou até o banheiro tomar uma
ducha para dar uma volta pela cidade. Eu me visto e pego a sacola
com livros em cima da mesa que comprei para Rosa no último
sábado. Caso a encontre, eu lhe entrego os livros que pediu.
Desço até a oficina e monto na minha moto, saindo do
estabelecimento em seguida.
Piloto pelas ruas da cidade sentindo o vento bater forte contra
o meu peito e a adrenalina da alta velocidade me acalma um pouco
dessa confusão que me carrega.
Quando chego à praça, de longe vejo Rosa sentada debaixo
da mesma árvore em que dividimos a pizza. Estaciono a moto e vou
ao seu encontro. Quando ela escuta os meus passos, ergue os
olhos para mim e sorri ao me ver.
— Oi, Rosa — digo e me sento ao seu lado.
— Oi…
— Está com fome hoje? — pergunto e ela nega para mim.
Olho-a desconfiado.
— Tem certeza?
— Sim… Uma lanchonete me deu um pão com manteiga e
café com leite hoje — responde sorrindo e meu peito se aperta.
Algo tão simples que parece fazer tão bem a ela…
— Se precisar de alguma coisa, sabe que pode me pedir, não
é?
— Eu sei… Você é um bom rapaz.
Abro um sorriso amarelo, sabendo que não é nem um pouco
a verdade.
Se eu fosse mesmo um cara bom, não teria magoado a única
mulher que já amei.
— Encontrei alguns de seus livros.
Estendo a ela a sacola com quatro exemplares sortidos entre
Julia e Sabrina.
Os olhos de Rosa brilham e ela se inclina para me abraçar. O
movimento me pega desprevenido e eu fico sem jeito.
— Obrigada, Ian! — agradece eufórica e eu acabo sorrindo.
— Fico feliz que tenha gostado.
Nessa proximidade, percebo que está cheirando a sabonete
e não resisto a perguntar.
— Onde a senhora toma banho?
Rosa me olha tímida e coloca um cabelo, que agora está um
pouco mais arrumado, atrás da orelha.
— Eu descobri um posto de gasolina aqui perto com
banheiro. O gerente é legal e me deixa usar quando está vazio.
Uma frentista novata me comprou toalha, sabonete e escova de
dente — comenta feliz e, mais uma vez, sinto meu peito ser
esmagado.
— Isso é ótimo — respondo, engolindo em seco.
— Ainda há gente boa no mundo.
Ela pisca para mim.
— Ah… Esses livros. — Cheira os exemplares em suas
mãos. — São meus mesmo?
— Claro! Comprei para a senhora.
— Não preciso devolver?
— Claro que não. É um presente meu.
— Obrigada.
Seu semblante é agradecido e eu só me sinto ainda mais um
merda por ser essa farsa.
— Está tudo bem, Ian? Você me parece nervoso.
Olho para ela por um momento e bufo.
Vou me abrir com uma pessoa que eu mal conheço?
— Eu só… fiz merda — murmuro, sentindo meu coração
doer.
— O que houve? É alguma garota? — pergunta e eu arregalo
os olhos para ela, que ri. — Homens sempre fazem merda com
alguma garota.
— Ela é especial… — digo, por fim. — E eu acabei ferrando
com tudo dizendo o que não deveria.
— Pois trate de corrigir!
— Não é tão simples assim…
— Claro que é. Vá até ela e se desculpe. O que tem de difícil
nisso?
— Rosa…
— Aposto que não é tão complicado quanto está me dizendo.
Homens são exagerados demais.
Ela gesticula com as mãos e eu sorrio.
— E você é bem entendida de homens assim? — brinco e ela
balança a cabeça.
— Quem me dera…
Rosa suspira e olha para o longe, imagino se ela está
pensando em seu filho.
Decido perguntar.
— Você não tem nenhuma pista de onde seu filho possa
estar? — pergunto e ela balança a cabeça.
— Não é tão simples…
— Por quê?
— É tudo diferente agora. — Suspira. — Ele tem uma vida
diferente, um nome diferente. Não há mais espaço para mim…
— Bobagem. Aposto que ele gostaria de conhecê-la.
— Será mesmo? — Rosa se vira para me olhar dentro dos
olhos e eu sinto um calafrio com toda sua intensidade.
— Se quiser ajuda para encontrá-lo… — ofereço e ela nega.
— Você já faz muito por mim.
Assinto e vejo que ela volta o olhar para o longe, perdida em
pensamentos.
— Me fale sobre ele — peço.
— Eu não me lembro de muita coisa… — Rosa faz uma
careta e eu a incentivo.
— Então me conte o que lembra.
Ela parece pensar por um momento antes de suspirar.
— Ele era um bebê lindo. De pele branquinha, olhos da cor
dos meus e um nariz fininho, como o seu — comenta e eu sorrio.
— Como se chamava?
— Eu coloquei o nome de Mateus, mas sei que deve ter outro
agora.
— A senhora não sabe. Quem sabe preservaram o nome…
— Acho que não.
— Onde a senhora o deixou? — pergunto com cuidado.
— Com um homem bom — responde em um suspiro.
Vejo que seu semblante se torna triste e decido contar algo
para ela que quase não falo para as pessoas.
— Eu também sou adotado, sabia? — revelo e ela me
encara, sem dizer nada. — Eu surgi na vida dos meus pais ainda
bebê e fui acolhido por eles.
Uma lágrima lhe escorre e eu sorrio.
— E, por mais que eu saiba que fui deixado tão novo, não
sinto raiva de quem me abandonou. Ela deve ter tido seus motivos e
eu acredito que nem todo mundo tem condições de criar um filho.
Rosa ainda me olha emocionada.
— Então eu imagino que seu filho também não tenha raiva de
você, se é isso que te impede de procurar por ele.
Ela estende a mão para mim e eu a toco, sendo abraçado
pelo seu calor.
— Obrigada, Ian. Ainda que ele nunca saiba que eu sou a
mãe dele, suas palavras me valeram tudo.
Sorrio e aperto sua mão antes de soltá-la.
— E você, vai procurá-la?
— Quem? — pergunto, confuso.
— A garota que você ama. Não vai deixá-la escapar, vai?
— É complicado…
— Porque você quer. Olhe para mim, sou uma mulher que
mora nas ruas e acho que nunca vou ter a chance de ver de novo
quem eu mais amei. E você a tem em suas mãos, vai perdê-la por
um capricho?
Suas palavras soam como uma bofetada na minha cara e eu
suspiro, olhando para o céu.
Será que ela está certa? Assim como Ítalo?
Penso em Alana e a imagem de seu olhar triste vem como
ferroada em meu peito.
A dor é tanta que só faz com que eu pense em uma coisa:
Eu preciso consertar isso.
— Longe, bem longe, nas profundezas do mar, a água é de
um azul intenso, mas muito clara e transparente. No local mais
profundo ficava o palácio do Rei do Mar… — começo a ler para
Luiza a história de A pequena sereia e ela me olha animada, com os
olhos brilhando.
Ao nosso lado, sua mãe Patrícia está sentada e também
escuta a história, direcionando-me um sorriso agradecido. Hoje,
mais uma vez, fiz uma ronda acompanhando Dr. Mauro e, quando vi
que Luiza estava aqui, não resisti.
Logo que deu meu intervalo, vim até o seu quarto ler um
trecho do livro, conforme prometido. A garotinha ficou entusiasmada
quando me viu, pois achou que eu havia me esquecido dela.
Leio cerca de um terço da história, que não é muito longa, e
fecho o livro, ouvindo Luiza suspirar.
— Queria saber o que acontece com a Pequena Sereia…
— Até parece que você não sabe — brinco, apertando seu
nariz, e ela ri.
— Mas é sempre bom ouvir de novo. E você está me
contando a história de um jeito diferente também.
Deixo o livro de lado e aproveito o restante do meu intervalo
para perguntar a ela sobre as cores de que mais gosta, as
brincadeiras e até sua comida favorita. Luiza me conta tudo de
forma empolgada e vez ou outra sua mãe intervém, completando
sua fala.
Eu mal vejo o tempo passar quando dá a minha hora de
voltar ao trabalho. Despeço-me delas e me levanto para sair,
quando sou abordada por Patrícia já na porta.
— Obrigada, doutora. Luiza está muito contente desde que te
conheceu — comenta sincera e eu sorrio.
— Sua filha é uma mocinha adorável. É um prazer passar um
tempo com ela.
Ela sorri e acena antes de voltar ao encontro da pequena.
Volto para o trabalho e tento focar cem por cento nos meus
afazeres, mas vez ou outra meus pensamentos voam até Ian e tudo
que aconteceu nos últimos dias.
Solto um suspiro.
Eu sabia que ele estava diferente agora e que nada seria
como antes, mas não esperava que fosse assim. Algo dentro de
mim tinha esperanças de que ainda me amasse, mas, pelo visto,
estava enganada.
Toda a intensidade que sentimos na sexta passada, todo
aquele desejo, aquele desespero pelo outro, pelo visto para ele foi
algo apenas carnal. E o que mais me dói é saber que, para mim,
está longe de ser assim. Para mim, teve sentimento, teve entrega,
teve tudo…
Acho que agora vou me focar no meu trabalho, na minha
carreira e deixar isso tudo de lado. Preciso enterrar em meu coração
aquela parte que sempre amou Ian e que sempre esperou por ele.
Ainda que me doa tanto saber que ele está tão perto de mim,
é o melhor a ser feito.
O restante do dia passa de forma arrastada e, quando
percebo, já estou finalizando o meu turno, já é bem tarde. Junto as
minhas coisas e atravesso as portas do hospital para pedir um Uber,
quando a visão que eu tenho me faz estacar.
Ian…
Ele está encostado em uma pilastra, com um joelho dobrado
nela e mexendo no celular. Quando ouve meus passos, ergue os
olhos em minha direção.
Eu fico parada, sem saber como reagir…
Ele veio até aqui? Para fazer o quê?
— Alana… — sussurra e eu fecho os olhos por um segundo.
Ouvir o meu nome saindo de sua boca é sempre uma
ferroada em meu peito.
— O que está fazendo aqui, Ian? — pergunto, cruzando os
braços, tentando controlar o quanto meu coração está disparado
dentro do peito.
— Você já está indo para casa? — pergunta com cuidado.
— Estou… Acabei de encerrar o meu turno e estou exausta.
Passo por ele, mas me detém, segurando-me pelo braço. O
contato de sua pele na minha me faz arrepiar.
— Espera… Quer tomar um café comigo? Eu te levo para
casa depois.
Paro por um momento e respiro fundo.
— Para que, Ian? — indago, cansada. — Para você foder
comigo e me descartar no momento seguinte?
Minha voz sai mais áspera do que eu previa e ele engole em
seco, coçando os pelos da nuca.
— Eu quero me desculpar… — Ele me olha parecendo
inquieto e começa a chacoalhar o corpo daquele jeito que conheço
bem. — Fui um bosta com você. Me deixa pelo menos consertar
isso.
Pondero se devo ou não aceitar, já que a minha parte
emoção quer pular em seus braços e a razão me diz que tenho que
tomar cuidado. Um passo em falso e Ian pode quebrar meu coração
mais uma vez.
— Por favor… — insiste quando vê que eu demoro a
responder.
E a sinceridade que encontro em seus olhos me faz ceder.
Aceno suspirando e ele me guia até a sua moto, onde me
entrega o capacete e me ajuda a montar. Ian pilota devagar até
aquela mesma cafeteria onde nos encontramos pela primeira vez e
logo vai fazer os nossos pedidos.
Ele volta minutos depois trazendo uma bandeja com bebidas
quentes e os minicroissants de que eu tanto gosto.
Agradeço e começo a comer em silêncio, sem olhar para ele.
Se alguém tem que começar a falar nesta mesa, este alguém é ele,
e não eu.
— Desculpa, Alana… — começa e eu ergo o olhar para
encontrar o dele. — Eu não esperava que você fosse aparecer na
oficina assim tão de repente e agi sem pensar.
— É tão ruim assim que eu queira ver você?
— Não — responde enfático. — Não é isso. É só que… —
Para e bebe um gole de seu café. — Ter você no meu Studio,
entrando no meu mundo, fez com que tudo se tornasse real e eu me
apavorei.
Arqueio a sobrancelha para ele, demonstrando
desentendimento.
— A minha vida não é bonita como a sua, Alana — afirma e
sinto um aperto no peito. — Eu já enfrentei muita sujeira, já passei
por muita coisa e… — Ele solta um suspiro. — Não quero te
manchar com isso.
— Eu não me importo — afirmo e ele balança a cabeça.
— Eu sei que não. — Ele sorri fraco. — E é por isso que
tenho que ser o racional aqui.
Endireito a postura na cadeira a sua frente, não gostando
nem um pouco do teor desta conversa.
— Olhe para você.
Ian aponta para mim como se me colocasse em um pedestal
e eu estreito os olhos para ele.
— Agora olhe para mim… Onde isso poderia dar certo,
Alana?
Largo o copo de cappuccino na mesa e respiro fundo.
— Mas você quer desistir sem nem mesmo tentar? —
confronto-o e o vejo me olhar desolado.
— Alana…
— Nós costumávamos dar certo — relembro e ele desvia os
olhos de mim.
— E isso terminou como? — devolve e eu sinto meu sangue
ferver.
— É… Pelo visto você não me conhece mesmo. Arrisco a
perguntar se algum dia me conheceu.
Levanto-me da mesa e ele faz o mesmo, segurando-me pelo
braço.
— Se você acha que eu vou ficar aqui parada ouvindo você
se lamentar e falar que não vai dar certo uma coisa que nem sequer
tentou, Ian, espere dormindo.
Puxo meu braço de seu contato e pego minha bolsa, saindo
apressada da cafeteria, mas ele me alcança.
— É o melhor para você…
— Quem deveria saber disso sou eu, Ian! E não você.
Empino o queixo e o vejo suspirar.
— Você parece o meu pai falando — completo, vendo um
misto de dor e confusão passar pelo seu olhar.
E então minha ficha cai…
Isso só pode ser obra de Dr. Roger Cardoso.
— Ele falou com você? É isso? — pergunto, incrédula.
Ian solta um suspiro e não me responde por um momento.
Pelo seu semblante, parece estar travando uma batalha interna.
— Francamente, Ian. Esperava mais de você.
Começo a andar em direção à esquina da cafeteria,
procurando por um lugar para chamar pelo Uber, quando ele me
intercepta mais uma vez.
— Eu quero ir embora, Ian.
— Me deixa te levar então.
— Eu quero ficar sozinha.
Pego o celular na bolsa e, quando destravo a tela, Ian pega o
aparelho das minhas mãos.
— Me devolve meu celular — peço e ele nega.
— Não se você não me deixar te levar para casa.
— Eu não preciso da porra da sua carona, Ian. Você me tirou
da porta do trabalho e me trouxe para um café para me falar que
não quer ficar comigo, que tem medo do meu pai. Então eu não
preciso de você.
— Eu não tenho medo do seu pai — afirma, começando a
ficar impaciente.
— Então por que deu ouvidos ao que quer que ele tenha te
dito? Desde quando se importa com a opinião dele?
— Eu não me importo com a opinião dele! — brada.
— Importa, sim! — Aponto o dedo na cara dele e puxo o
celular de suas mãos. — Por qual outro motivo você estaria agindo
assim comigo?
Ele bufa frustrado e corre as mãos pelos cabelos, em um
gesto ansioso.
— Porque eu me importo com você — anuncia, erguendo os
braços em rendição. — Porque eu não quero atrapalhar a sua
carreira e nem te condenar a um futuro com alguém como eu.
— Alguém como você?
— É. Um cara fodido na vida. Um ex-drogado que por onde
passa recebe olhares maldosos das pessoas que ficam sempre
esperando pelo pior. Um cara que deixa a própria mãe em alerta,
porque ela tem medo de que ele tenha a porra de uma recaída —
Ian despeja tudo e eu nem percebo que estou prendendo a
respiração.
— Ian…
— Um cara que deixou de aproveitar os últimos anos da vida
do pai dele porque estava se tratando para ficar longe das drogas.
Vejo que Ian começa a ficar agitado, suas mãos tremem
quando toca o bolso da calça e tira um cigarro do maço para
acender.
Toco seu braço com carinho e ele suspira.
— Seu pai está certo, Alana… — sussurra depois de soltar a
fumaça de sua boca. — Você não merece alguém como eu.
Meu coração se despedaça com suas palavras, não por ele
estar certo, mas por não acreditar em si mesmo.
— Eu não acredito nisso — afirmo e ele balança a cabeça.
— É o melhor para você…
— Vocês não têm que decidir por mim. Caramba! Pleno
século vinte e um e tem dois homens querendo me dizer o que
fazer.
— Não é isso…
— Ah, é? Então é o que, Ian? Eu sou uma mulher adulta, eu
posso tomar minhas próprias decisões.
— Alana…
— Se eu errar e quebrar a cara, isso é problema meu. Se
sofrer com os meus erros, também é problema meu. Só não vou
fugir do que sinto, por medo de tentar.
Ele me olha desolado e eu respiro fundo.
— Sei o que quero, Ian. Mas não posso te obrigar a querer o
mesmo que eu.
Suspiro e me afasto dele, pegando o celular para chamar um
Uber.
Desta vez ele não me impede, desta vez não vai embora.
Ian apenas me olha de longe enquanto espero o carro. E,
quando chega, entro no veículo, sem olhar para trás.
Sentada no banco traseiro, olho para o meu reflexo no vidro e
penso no quanto as coisas costumavam ser diferentes entre nós
dois.
No quanto a vida costumava ser menos complicada para nós
dois…

— Alana!
Ouço uma voz familiar me chamando atrás do arbusto do
pátio da escola e sinto meu coração dar um salto no peito.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto logo que
alcanço Ian, que está sentado na grama.
— Quero te mostrar uma coisa…
— Não é errado estarmos aqui? — pergunto receosa,
sentando-me ao seu lado de pernas cruzadas.
— E por que seria? Não estamos matando aula, é intervalo…
— Porque estamos sozinhos no meio de um mato? — Aponto
e ele ri.
A gargalhada de Ian é tão gostosa…
— Meio do mato, Alana? Isso é só um jardim. Você está
vendo muito Largados e Pelados — comenta e eu sinto as
bochechas pegarem fogo.
Isso é coisa de se falar?
Desvio o olhar para o chão e brinco com algumas folhinhas
secas sobre a grama.
— O que você queria me mostrar? — indago, tentando
disfarçar o quanto ele mexe comigo.
Desde que conversamos pela primeira vez na sala da
diretoria, nós nos tornamos mais próximos, o que virou assunto em
toda a escola. Ian sempre foi visto como o garoto-problema, então
estão todos surpresos por ele fazer amizade logo com alguém “toda
certinha” como eu. E nem preciso mencionar os boatos de que
estamos ficando…
Como se alguém como ele fosse notar alguém como eu…
— Já experimentou menta com chocolate? — pergunta e eu
acho um tanto estranho.
— Acho que não… Por quê?
— Fecha os olhos — pede e eu obedeço, sentindo meu
coração disparar dentro do peito.
Ouço um barulho de embalagem sendo aberta, logo um
tablete de chocolate ao leite é posto em meus lábios e eu reconheço
o gosto quando o mastigo.
— Não abre ainda — pede me mantendo de olhos fechados e
me deixando ainda mais curiosa com o que está por vir.
Será que ele vai me dar uma bala de menta agora?
Termino de engolir o chocolate e fico parada esperando
quando sinto sua respiração quente se aproximar de mim.
Para a minha surpresa, Ian roça os lábios nos meus e eu
quase abro os olhos de espanto.
— Olhos fechados… — murmura e eu aperto os olhos,
enquanto sinto-o tocar a minha nuca e me puxar para mais perto
dele.
Ian roça mais uma vez os lábios dele na minha boca e,
quando eu a entreabro, ele me beija com sua língua, deixando um
sabor de menta me invadir.
Ah…
Então era dele que viria a menta…
Borboletas dão pirueta em meu estômago enquanto Ian me
beija de um jeito tão delicado, tão gostoso, que me faz flutuar.
Eu nunca pensei que um cara tão bruto como ele tivesse
esse lado tão cuidadoso, tão…
Seus beijos se intensificam de uma forma que eu me
esqueço de onde estamos, corremos o risco de sermos pegos e
pararmos na diretoria.
Eu só consigo pensar no aqui e agora.
Em Ian Bastos, seus lábios macios e todo seu sabor…
O gosto de menta com chocolate.
Algo que passou a ter um novo significado para mim agora.
E um muito mais saboroso.
Quando eu acho que já estourei a cota de merdas na minha
vida, vou lá e ferro com tudo de novo.
Mas que caralho.
Respiro fundo e me levanto da cama em um pulo, já que não
consegui pregar os olhos. Tomo um banho rápido e me arrumo para
sair de casa e ir ver a minha mãe. Vou aproveitar que ainda está
bem cedo e tomar um café da manhã com ela. Sei que estou
atolado de trabalho, mas nem desmontar todas as motos do mundo
vai me relaxar hoje.
E o problema é que sei o que eu quero, mesmo que ache
absolutamente errado tudo isso.
Respiro fundo e desço até a oficina, montando na minha
moto e pegando as ruas da cidade, em alta velocidade. A esta hora,
o vento está mais frio e por isso a jaqueta de couro está sendo
muito bem-vinda.
Não demora e estou entrando na garagem da casa de dona
Luma e descendo da moto, encontrando-a na cozinha ao lado de
Ítalo.
— Ian… Bom dia, filho.
Ela vem ao meu encontro e me abraça, daquele jeito só seu.
Minha mãe tem quase cinquenta anos, usa os cabelos escuros
curtos, e a pele clara evidencia algumas linhas de expressão. Mas,
aos meus olhos, ela sempre será linda.
— Que milagre o senhor por aqui — meu irmão zomba.
— Vim lhe trazer este humilde presente.
Estendo a ele o dedo do meio e Ítalo cai na risada.
— Quando é que vocês vão crescer mesmo? — minha mãe
ralha me empurrando até a mesa de café.
Logo está toda posta e estamos os três sentados para a
refeição matinal.
Retiro uma cartela de comprimidos do bolso da calça e
engulo com uma caneca de leite com café. Meus fiéis companheiros
de todos os dias que me possibilitam trabalhar de forma mais
tranquila.
— O que está pegando? — Ítalo pergunta antes de comer
uma fatia de queijo.
— Não consegui dormir direito.
Dou de ombros e minha mãe estreita os olhos para mim.
— Aconteceu alguma coisa?
Olho para ela por um momento e suspiro. Odeio me abrir,
odeio demonstrar fragilidade, mas talvez a minha mãe e meu irmão
sejam as pessoas em que mais posso confiar nessas horas.
— Alana aconteceu.
— Fez cagada de novo? — meu irmão pergunta e eu dou de
ombros mais uma vez. — Puta que pariu, Ian! Burrice tem limite.
— Olha a boca, Ítalo… — dona Luma o repreende, e ele só
balança a cabeça. — O que aconteceu, filho? — Ela volta o olhar
para mim e eu bufo antes de beliscar um pedaço de pão.
— Acho que ela ainda gosta de mim…
— Nossa, mas só agora percebeu isso? — Ítalo ironiza e eu
fecho a cara para ele.
Não estou com tempo para suas gracinhas.
— E o que tem de mais nisso, Ian? — minha mãe pergunta
ignorando o filho caçula. — Você também gosta dela, não é?
Se eu gosto dela?
Porra, pra caralho!
Mas é tão errado…
— A gente nunca ia dar certo, mãe. Vivemos em mundos
completamente opostos.
— E acho que ela não pensa assim, estou certa?
Apenas assinto e ela me analisa antes de partir uma fatia de
queijo.
— Ela merece alguém melhor do que eu — digo, por fim, e
dou um gole em minha bebida quente.
Desce de forma amarga, mas é a verdade.
Dói pra caralho pensar nisso, porque tudo que eu mais queria
era ser alguém bom para ela.
Mas infelizmente não dá para mudar quem eu sou.
Ou quem eu fui…
— Isso é bobagem, Ian. Na adolescência, poderia até ser. Ela
era menor de idade e você não era dos mais bentos. — Minha mãe
faz uma careta e eu dou um sorriso fraco.
Não era dos mais bentos chega a ser um elogio…
— Mas agora vocês dois são adultos resolvidos. Se Alana te
quer e você ainda gosta dela, qual o problema?
— Ele tem medo do pai dela, mãe — Ítalo interrompe e eu
fecho a mão na mesa em punho, assustando os dois.
— Eu não tenho medo dele. Mas que porra! — brado e minha
mãe dá um sobressalto na mesa.
Olho para ela e peço desculpas em silêncio.
— Não tem outra justificativa para você não ficar com ela,
Ian. O seu único empecilho nesse relacionamento se chama Dr.
Roger Cardoso e, se você não tem medo dele, por que não enfrenta
o velho?
Percebo que minha mãe muda o semblante ao ouvir o nome
do neurocirurgião e eu solto um suspiro. Ninguém nesta casa gosta
desse cara.
— O problema não é ele, sou eu — respondo firme e Ítalo
revira os olhos.
— Nossa, sério? Essa frase clichê não combina com você.
— Por que não cuida da sua vida, porra? Por que não vai
atrás de Letícia?
— Mas isso de novo?
Ítalo se levanta e leva seu prato até a pia.
— Ítalo, Ítalo… Já falei para você tomar cuidado com essa
família — minha mãe alerta e ele fecha a cara para nós dois.
— Me deixa em paz — pede, virando-se para mim.
— Então não se meta na minha vida, que eu não me meto na
sua.
— Que seja. O burro desta casa sempre foi você.
Ítalo vira as costas e vai até a garagem, saindo de moto e nos
deixando a sós. Em breve vamos nos ver na oficina e, mesmo
brigando o tempo todo, meu irmão é uma das melhores pessoas da
minha vida.
— Quer conversar sobre isso, Ian? — minha mãe pergunta e
eu nego.
— Eu preciso colocar a cabeça no lugar, só não sei como
ainda.
— Siga o seu coração. — Ela toca meu ombro com carinho.
— Sei que você não costuma dar o braço a torcer, mas abaixa a
guarda, filho. Às vezes a emoção vale mais do que a razão.
Ela pisca para mim e se levanta da mesa. Eu a ajudo a lavar
a louça e, nesse meio-tempo, minha mãe conversa sobre outros
assuntos, tentando me distrair, mas a minha cabeça não está aqui.
Eu só consigo pensar no que ela me disse sobre baixar a
guarda e deixar rolar…
Será?

Entro na oficina e encontro Ítalo atrás do computador,


trabalhando em suas planilhas.
— Você precisa finalizar aquela V-Strom essa semana, o
nosso prazo está acabando…
— Tudo bem. Acho que amanhã consigo terminar o trabalho
nela. As peças pintadas chegam do Tadeu hoje? — pergunto,
puxando a banqueta para me sentar à frente dele, que assente.
— Chegam. Já liguei confirmando.
— Beleza.
Mexo nas minhas mãos de forma inquieta enquanto ele vai
digitando no computador e eu solto um suspiro.
— Desculpa por hoje — peço. — De novo.
Meu irmão apenas dá de ombros.
— Eu já me acostumei com você.
— Você sabe que eu não costumo lidar bem com as emoções
e… — Paro, esfregando de leve a barba. — Porra, a Alana está me
deixando louco.
— E você não vai fazer nada a respeito? — Ergue a
sobrancelha para mim.
— Eu não sei o que fazer — admito e me levanto da
banqueta para acender um cigarro.
— Vai atrás dela. Tenta consertar essa cagada, de novo.
— E por que isso daria certo? Não é melhor deixar como
está? — sugiro e Ítalo solta uma risada.
— Sério, irmão? Você consegue mesmo deixar isso para lá?
Vai conseguir ver a Alana na rua e fingir que nada aconteceu?
Cruza os braços e me olha desafiador.
Balanço a cabeça e dou um trago no cigarro.
O filho da puta está certo. De novo.
— Não é certo…
— E desde quando você se preocupa com isso? Não é você
que sempre quebrou todas as regras buscando o que quisesse?
Olho para ele e simplesmente balanço a cabeça, jogando a
fumaça para o alto.
— Quebra a porra das regras de novo então, Ian.
— Não é só sobre mim…
— Mas ela quer você e deixou isso bem claro, não foi?
Balanço a cabeça assentindo. Depois do ultimato de Alana,
eu entendi que ela me quer da mesma forma como eu a quero,
mesmo achando errado pra caralho.
— Então o que está esperando? Que o príncipe montado no
cavalo branco a resgate de você?
Meu irmão fala de uma forma tão engraçada que eu caio na
risada, quase engasgando com a fumaça do cigarro.
— De onde você tirou isso, Ítalo?
— A Alana não precisa da porra de um príncipe encantado,
Ian. Ela precisa de você. Dane-se que você não seja o cara modelo.
Dane-se que seu passado já foi de merda. Você é outro cara agora.
Um que batalha todos os dias e é referência no que faz em toda a
região. É o cara que vira madrugada ralando para entregar uma
moto impecável para o cliente. É o cara que não bebe nem cheira
há mais de seis anos. Vira homem, porra! Vai atrás dela.
Ítalo fala de uma forma tão firme, que me faz engolir em seco.
— Desde quando se tornou tão sábio, pirralho? — brinco e
ele balança a cabeça, rindo.
— Eu só não aguento mais te ver nesse humor de merda
porque está aqui parado de braços cruzados, deixando de ir atrás
da mulher da sua vida.
— Ela não…
— Ah, ela é. Pode apostar que é.
Meu irmão diz tão convicto que me faz estremecer.
Termino meu cigarro e aperto a bituca no cinzeiro.
Suas palavras e as da minha mãe me deram o chacoalhão de
que eu precisava.
Não sou perfeito, nunca vou ser.
Ainda acho que a Alana merece alguém que possa oferecer
mais do que eu…
Mas se sou eu quem ela quer…
O que posso fazer contra isso?
Solto um suspiro.
Eu vou atrás dela.
— Vou pegar uma bebida, Alana. Me espera aqui? — Bianca,
minha colega de quarto, pergunta.
Sinalizo em positivo e a vejo se perder no meio das pessoas,
dentro do casarão.
Hoje está rolando mais uma daquelas festas de faculdade e,
embora eu sempre corra delas, esta noite não consegui escapar.
Bianca me arrastou até aqui com aquele mesmo assunto de que eu
tenho perdido meus melhores momentos da faculdade e nem só de
estudos se vive uma aluna de medicina.
Como hoje estava exausta e não aguentando mais ver
neuroanatomia na minha frente, aceitei vir.
Mas ela acaba demorando e um cara até bonitinho se
aproxima de mim.
— Uma garota linda assim sozinha na festa? Chega a ser
uma afronta… — diz, com um jeito gentil e eu sorrio.
— Estou esperando uma amiga.
— E eu posso te fazer companhia enquanto isso?
— Por que não?
Dou de ombros e ele sorri.
Aproveito para observá-lo melhor e vejo que ele tem os
cabelos loiros ondulados, olhos castanhos e um sorriso irresistível.
Pelo visto, sabe disso e gosta de usar a seu favor.
— Posso te pegar alguma bebida? — oferece.
— Melhor não…
Eu bem sei o que me acontece quando bebo demais, já que
sou bem fraca. Passo mal a noite toda e no dia seguinte uma
ressaca do caralho me assombra. E, como já bebi um pouco hoje,
melhor evitar.
— Que pena… Quer sair daqui para conversarmos melhor?
Seu olhar é convidativo e quando olho para os lados, vendo
que Bianca realmente sumiu, penso que pode ser uma boa ideia.
Ele parece um cara legal e um pouco de diversão na minha
vida não faz mal…
Não é?
Assinto e logo ele nos guia até a lateral da casa, que tem
uma varanda e dá vista para um arbusto. Daqui conseguimos ver a
movimentação da rua, mas a iluminação baixa não permite muita
coisa.
— Eu não perguntei o seu nome… — comenta logo que se
encosta na pilastra a minha frente.
— Alana.
— Que nome bonito, Alana… Eu me chamo Caio.
Olho para ele e sorrio, já sentindo meu coração se agitar um
pouco dentro do peito pelo que está por vir.
Caio se aproxima de mim e toca meu rosto com tanto
carinho, que me faz fechar os olhos. Quando menos espero, estou
sentindo seus lábios tocarem os meus e o gosto de vodca me
invadir. É um beijo urgente, sedento, que me assusta a princípio,
mas logo eu relaxo e o retribuo.
Com uma mão ele me aperta pela cintura e com a outra
passeia pelo meu corpo de um jeito íntimo demais.
Não gosto disso.
Tento me afastar dele, mas seu contato é tão forte, que me
imobiliza.
Acho que ele entende meu recado, pois afasta as mãos do
meu corpo e interrompe nosso beijo, fazendo-me respirar tranquila.
Mas eu nem tenho tempo de reagir quando ele nos vira e me
pressiona na pilastra, esmagando o meu corpo e roubando um beijo
que eu não queria dar.
Tento me afastar dele, mas sua língua está me engolindo e
sua mão está atrevida demais.
— Me solta.
Consigo falar, mas ele tampa a minha boca com uma mão e,
com a outra, sobe pela minha coxa, abaixo do vestido. Tranco as
pernas e olho para os lados, tentando buscar por ajuda.
Ninguém está nos vendo aqui?
Tento me debater contra ele, mas Caio é muito mais forte do
que eu e me aperta ainda mais, forçando-me um contato que eu não
quero, colando sua boca na minha outra vez. Suas mãos tocam a
barra da minha calcinha e em um impulso eu mordo o lábio dele,
fazendo-o gritar de dor.
— Filha da puta! — grita sem me soltar e, quando eu vejo
ódio em seu olhar, engulo em seco.
Estou pensando em como escapar, quando vejo um vulto
puxando-o de mim e arremessando-o ao chão, enchendo-o de
socos.
De costas, eu só consigo ver o moletom preto de capuz
enquanto surra a cara do infeliz que estava mexendo comigo. Eu
demoro um pouco a reagir quando grito por ajuda, e logo começam
a chegar alguns alunos para separar a briga.
— Alana, você está bem? — Bianca aparece na minha frente
e me segura pelos braços, me abraçando.
Afasto-me dela e olho para o lado, procurando pelo meu
salvador, só consigo ver o vulto preto sumindo pelos arbustos,
deixando-me para trás.
— Você viu quem ele era? — pergunto a ela.
— Quem?
— O cara que me salvou.
— Não. Não vi. Quando o pessoal chegou, ele saiu
correndo…
Logo ouço sirene de polícia e a festa é dada como encerrada.
Relato tudo aos policiais e vejo que Caio vai preso, mas sei que não
ficará por muito tempo lá.
E, ainda que seja algo que me preocupe, não é nisso que
estou pensando agora…
E sim naquele cara que surgiu só para me defender.
De onde ele veio?
Quem era ele?

Esfrego o rosto e olho para o teto, vendo que já amanheceu o


dia e mais uma vez fui tomada por esse pesadelo.
Desde que vivi esse episódio desagradável na faculdade,
costumo sonhar com esse período e, ainda que me doa o assédio
que eu sofri, o que mais me encuca é não saber até hoje quem foi a
pessoa que me ajudou naquele dia.
O cara misterioso nunca mais apareceu e eu nunca pude
nem dizer obrigada.
Se não fosse por ele, algo muito pior poderia ter me
acontecido.
E eu não consigo nem pensar nisso…
Levanto-me da cama e desço para tomar um café. Pelo
recado na geladeira, vejo que meu pai saiu para uma emergência no
hospital e não sabe quando voltará para casa.
Bom, pelo visto serei só eu hoje…
Abro a geladeira, pego alguns frios e pão de forma para
montar um sanduíche. Encho um copo de suco e me sento à mesa
para comer.
Com o celular na mão, mando mensagem para Valentina, que
me liga no mesmo momento.
— Bom dia, amiga! — saúda, animada.
— Bom dia, Valen. Está de folga hoje?
— Quem me dera…
Minha amiga é esteticista e em alguns finais de semana
costuma trabalhar em eventos, como hoje. Ela me conta que este é
um dia especial na clínica e que eu deveria ir lá, mas, quando
descubro que ficará cheio, logo desanimo.
— Deixa para outro dia, amiga. Você já está indo para lá?
— Daqui a pouco, estou terminando de me arrumar.
Assinto e dou mais uma mordida no meu sanduíche.
— Quer conversar, Alana? Estou te sentindo mais distante
esses dias…
Brinco com o copo de suco nas mãos e penso se devo contar
a ela que Ian Bastos me magoou, mais uma vez.
— É o Ian? — pergunta, quando demoro a responder.
— É… — Suspiro.
— Quer que eu vá até a oficina dele, encher o portão dele de
porradas? — oferece e eu caio na risada.
— A oficina não tem culpa… — Faço uma careta.
— Então o que foi que ele fez?
— Deu ouvidos ao meu pai.
Dou de ombros, sentindo meu estômago se revirar. Odeio
que meu pai consiga mexer nesse meu ponto fraco.
— Ai, amiga… Seu pai de novo? Tio Roger está precisando
de uma namorada para sair do seu pé — ela brinca e eu caio na
risada.
— Não acho que uma namorada vá resolver o problema dele.
— E você vai deixar que ele interfira na sua vida assim?
Alana, você não é adolescente mais…
— Eu sei. Mas o problema não sou eu agora. Se o Ian não
está a fim, não posso fazer nada.
— Duvido que ele não esteja a fim… Só deve estar confuso,
sei lá.
— É… — Suspiro. — Eu só não posso ficar parada
esperando que ele se resolva, né?
Ouço Valentina suspirar do outro lado da linha.
— Amiga, preciso desligar agora. Depois continuamos essa
conversa, tudo bem?
— Claro. Bom trabalho!
Eu me despeço dela e encerro a ligação, voltando a atenção
para o meu sanduíche. Termino de comer e lavo a louça; quando
pego no celular de novo, sinto meu coração dar um salto dentro do
peito.
Mensagem de voz de Ian Bastos…
Abro o aplicativo com os dedos trêmulos e dou play em sua
gravação.
— Oi, Alana. Sou eu… — a voz que eu reconheceria a
quilômetros de distância. — Me desculpe pela forma como agi com
você, mais uma vez… Podemos recomeçar? Quero te ver.
O meu coração parece que vai saltar pela boca ao ouvir sua
voz tão sincera, tão familiar…
Penso por um momento no que responder, quando mais uma
mensagem chega.
— Posso te convidar para um almoço? Conheço um
restaurante mexicano incrível com um burrito de carne que você vai
amar…
Uma lágrima escorre pelo meu rosto, só de pensar em como
ele se lembra de mim. Em como se lembra de detalhes…
Percebo que encaro a tela por tempo demais e decido seguir
o meu coração.
Ele sempre clamou por Ian Bastos e tudo que ele carrega
consigo.
Eu: A que horas nos encontramos?
Pergunto por mensagem de texto e ele visualiza no mesmo
instante, como se esperasse por isso.
Ian: Pode ser ao meio-dia?
Eu: Pode, sim.
Ian: Precisa de carona?
Olho para o relógio e vejo que são quase dez da manhã. Se
meu pai não tem hora de voltar, ele não deve chegar antes do
almoço…
Eu: Pode me buscar?
Ian: Com certeza. Eu te pego aí.
Mando um emoji afirmativo e bloqueio a tela do celular,
sentindo meu coração se acelerar ainda mais dentro do peito.
Algo me diz que vou pegar o Ian em baixa guarda hoje, acho
que vou voltar a ver um vislumbre daquele cara incrível que conheci.
Aquele por quem me apaixonei perdidamente…
E que nunca esqueci.
— O que você vai querer? — pergunto, analisando o cardápio
com as mãos trêmulas.
Nunca pensei que fosse ficar tão nervoso na frente de uma
mulher, como estou agora.
Mas não é qualquer mulher, é ela.
Alana Cardoso.
— Acho que vou querer o burrito de carne, você falou tão
bem dele — diz, sorrindo, e eu sinto meu coração acelerar dentro do
peito.
— Ótimo. Vou pedir também.
Chamo pela garçonete e faço nossos pedidos, juntamente
com refrigerantes. Quando ela sai e nos deixa sozinhos, olho para
Alana e sinto meu coração se apertar mais uma vez.
Hoje, quando finalmente decidi procurá-la, convidei-a para vir
comigo a um restaurante mexicano, que eu sei que ela adora. Fui
surpreendido quando ela aceitou meu convite, afinal nossa última
conversa não terminou de forma amigável.
— Alana… — chamo-a, coçando a nuca de um jeito ansioso.
— Me desculpe por aquele dia — digo, sincero. — Me desculpe por
todas as vezes que te magoei. E principalmente… — Paro,
respirando fundo. — Por ter feito as escolhas erradas aquela vez e
te deixado ir…
Uma lágrima solitária escorre pelo seu rosto e ela seca
rapidamente, sorrindo para mim.
Meu coração, que sempre foi dela, erra uma batida.
— Eu… — Suspiro, olhando para as minhas mãos,
apertando-as. — Não sei lidar muito bem com as minhas emoções.
E acabo sempre fazendo tudo errado…
— Ah, Ian…
— Eu nunca quis magoar você. — Ergo os olhos e encontro
os dela, ainda marejados. — Sei que só palavras não vão consertar
tudo, mas quero fazer diferente dessa vez. Posso tentar?
Ela sorri mais um pouco e assente para mim.
— Por onde posso começar? — pergunto, mais para mim do
que para ela.
Mas, antes que responda, a garçonete chega com as nossas
bebidas. Sirvo-nos de Coca-Cola com limão e gelo e bato de leve
meu copo no dela, tirando-lhe um sorriso.
— Você está tão diferente… — ela comenta antes de beber
um pouco do refrigerante.
— Muito feio? — brinco, fazendo uma careta, e ela ri.
— Impossível. Você só fica mais bonito — diz com tanta
intensidade que me faz engolir em seco.
— Esperava me encontrar de outra forma? — pergunto,
brincando com uma folha de guardanapo.
— Não esperava tantas tatuagens e piercings — brinca e é a
minha vez de rir. — Mas fiquei feliz de te ver bem — completa,
sincera, e eu sinto um arrepio.
— Esperava me ver na pior? — arrisco um palpite, sorrindo
fraco.
— Você sumiu… — confessa. — Eu não sabia o que esperar.
Seu semblante se torna triste e isso me deixa mal. Penso
que, mais do que nunca, preciso me abrir com ela.
— Eu não queria que você me encontrasse… — digo baixo e
ela me encara com carinho. — Eu não estava tão bem quanto
agora.
Alana me olha, esperando continuar, mas mais uma vez
somos interrompidos com a chegada de nossos burritos.
— Nossa, está com uma cara boa… — ela comenta, antes de
dar uma mordida.
A chegada da refeição atenua um pouco o clima tenso que se
instalou aqui, mas sei que não posso adiar essa conversa. Eu
preciso me abrir com ela se quiser ter a chance de fazer certo dessa
vez.
Comemos de forma tranquila e, quando terminamos, ofereço
uma sobremesa, que ela recusa. Então convido-a a tomar um
sorvete na sorveteria próximo daqui.
Caminhamos conversando amenidades até lá e, quando nos
servimos, levo-a até um parque próximo, onde nos sentamos na
grama, abaixo de uma árvore alta.
— De qual sabor você pegou? — ela pergunta e eu sorrio de
lado.
Certeza que vou deixá-la desconcertada.
— Menta com chocolate — respondo, lambendo a colher, e
percebo-a corar no mesmo instante.
Não disse?
— Ian…
Ela engole em seco e eu balanço a cabeça.
Esse sabor sempre foi o nosso favorito.
O jeito como ela me olha e como respira pesado me faz
querer beijá-la agora, mas ainda não posso. Quero esclarecer
algumas coisas antes.
— Alana… — chamo e ela olha para mim. — No dia seguinte
à sua festa eu fui atrás de você, mas era tarde demais…
Meu peito se acelera em ansiedade por me lembrar de um
dos piores dias da minha vida.
Alana se remexe na grama, endireitando a postura, sem tirar
os olhos de mim.
— Eu surtei — murmuro antes de tomar mais uma colher do
sorvete. — Usei tanta droga naquele dia e bebi tanto que fui parar
no hospital…
Os olhos dela marejam e eu sinto um frio na barriga.
— Além de ter ferrado com tudo o que a gente tinha, eu não
consegui me despedir de você, nem mesmo te pedir desculpas…
Aperto os olhos com força, sendo tomado por lembranças
ruins.
Acabo de tomar meu sorvete e me levanto para descartar a
embalagem, mas acabo não me sentando de novo. Estou agitado
demais para ficar sentado.
Alana percebe minha inquietação e se levanta também,
ficando de frente para mim, ainda na sombra da árvore.
— Meus pais me enviaram para uma clínica de recuperação
bem longe daqui. Mas, por uma peça do destino, era próximo a sua
faculdade…
Alana me olha surpresa e eu coço a nuca em um gesto
ansioso.
— Durante o primeiro ano, eu fiquei preso lá dentro, sem
contato algum com o mundo externo, apenas recebia visitas
esporádicas dos meus pais. E foi por isso que pedi a eles que não
contassem a você onde eu estava. Não queria que soubesse a
merda em que me meti.
Alana se aproxima e toca meu braço com carinho, fazendo-
me fechar os olhos por um instante.
— Eu não tenho orgulho de quem havia me tornado — digo
baixo. — Mas pelo menos consegui vencer.
— E é isso o que importa… — aponta, com a voz
compreensiva.
— Lá na clínica, conheci um voluntário que tinha uma oficina
de motos e estava disposto a me ensinar. Quando eu estava melhor,
comecei a trabalhar com ele e aprendi bastante. Fiz alguns cursos
para aprender a customizar motos com oficinas de referência até
conseguir chegar aonde estou. Trabalhei bastante, juntei dinheiro
para conseguir voltar e montar meu próprio Studio de customização,
porque eu não queria só consertar motos, queria transformá-las.
— E aposto que é excelente nisso…
— Eu tento ser.
Dou de ombros.
Tiro um maço de cigarros do bolso e acendo um com um
isqueiro, começando a fumar.
Alana me olha por um tempo pensativa, antes de se
aproximar um pouco de mim, na direção contrária da fumaça.
— E se você estava mais perto de mim… por que não me
procurou? — Sua voz é baixa e aperta o meu peito.
— Eu te procurei… — digo baixo, antes de dar mais uma
tragada.
Alana arregala os olhos para mim e se aproxima ainda mais.
— Como? Eu vi você? — pergunta e eu nego.
— Eu fui ao seu campus algumas vezes, mas só te via de
longe…
— Por que não foi falar comigo?
— Você parecia tão bem, tão feliz, conversando com seus
amigos e eu pensei que talvez não quisesse me ver. — Dou de
ombros e solto a fumaça do cigarro para cima. — Não sabia como
você reagiria quando me visse — confesso e ela aperta os lábios
devagar.
— Eu ia gostar de te ver…
Alana toca meu rosto com carinho e eu fecho os olhos por um
instante, absorvendo seu contato.
Jogo o cigarro no chão e aperto-o com a botina para apagá-
lo, ainda envolto em seu contato.
— Eu senti a sua falta… — confessa e eu abro os olhos para
encontrar seu olhar sincero sobre mim.
— Eu também — assumo e ela sorri, aproximando-se mais
um pouco.
— Me perdoa — digo, sentindo suas mãos tatearem meu
rosto com carinho. — Eu nunca quis magoar você.
Alana assente e se inclina para beijar o meu maxilar.
— Tem mais uma coisa sobre mim que eu não te contei —
digo, antes que ela se aproxime demais.
Preciso ser sincero com ela.
Alana se afasta um pouco para me olhar e eu pego a sua
mão, entrelaçando nossos dedos.
— Enquanto estive na clínica, eu fui acompanhado por uma
psicóloga — começo a falar e ela não desvia os olhos de mim. —
Depois de várias sessões, ela levantou uma hipótese e me
encaminhou para um psiquiatra.
Alana aperta a minha mão e me incentiva a continuar.
— E eu fui diagnosticado com Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade, o famoso TDAH.
— Ah…
— É por isso que eu dava trabalho na escola. — Sorrio fraco.
— É por isso que eu não conseguia ficar sentado na cadeira
prestando atenção na aula. Por isso eu sempre fui tão agitado,
inquieto e com dificuldade de concentração.
— Ian…
— Faz todo sentido, não é? — Balanço a cabeça. — As
pessoas não compreendiam o meu jeito de ser e só me rotulavam
como o mau exemplo da escola. E eu nem preciso dizer que isso
contribuiu para que eu experimentasse aquelas drogas.
— Nossa…
Alana me olha como se um filme passasse em sua cabeça e
eu só aceno.
— Existe um motivo para eu ser tão desorganizado, inquieto,
impulsivo e explosivo…
— E você faz algum tratamento? — pergunta com cuidado.
— Eu sou acompanhado ainda pelo psiquiatra, tomo
medicação todos os dias para conseguir me concentrar nas minhas
tarefas diárias e concluí-las sem me dispersar.
— E terapia?
— Eu parei por um tempo… Quando voltei para cá, não
procurei de novo.
— Entendi…
Alana fica pensativa e sua mente parece ir para bem longe.
— Te decepcionei? — pergunto ao notar o seu silêncio.
— Não! De forma alguma. Só estou pensando em como eu
nunca percebi isso antes…
— Nós éramos muito novos, Alana. E quase não tínhamos
acesso a esse tipo de informação. Eu mesmo nem sabia que existia
isso direito.
Dou de ombros e ela assente, mas seu semblante continua
preocupado.
— Eu queria ter te ajudado… Se eu soubesse…
— Ei… — Toco seu rosto com carinho e faço-a olhar para
mim. — Não tinha como você saber disso. Além do mais… você foi
a única que me enxergou de verdade, Alana.
Ela suspira e eu toco seu queixo, puxando-a para mim.
— Você não sabe o quanto fez por mim…
Colo nossa testa, sinto-a engolir em seco, e ela fecha os
olhos.
— Menta com chocolate? — pergunto e ela sorri, ainda de
olhos fechados.
Coloco uma mão no bolso, pego um tablete de chocolate ao
leite e deposito em sua boca. Enquanto ela mastiga, pego uma bala
de menta e levo à minha boca para chupar.
Quando Alana termina de engolir, eu roço meus lábios nos
dela. A explosão de sabores atinge-nos forte.
Fecho os olhos e toco sua nuca, tomando sua boca e
aprofundando nosso beijo, matando a saudade louca que eu tenho
dela. Alana reage puxando-me pela camisa enquanto enrosca sua
língua na minha, misturando nossos dois sabores favoritos.
Em um movimento, giro nosso corpo e pressiono-a na árvore,
beijando-a com tanta sede, com tanta devoção, que faz meu corpo
inteiro pegar fogo.
— Esse seu piercing… — sussurra enquanto afasta nossos
lábios.
— Isso porque você não viu o outro — digo, mordiscando sua
boca de leve.
Seu corpo se estremece.
— E quando eu vou conhecer?
Seus olhos faíscam e eu avanço sobre ela, beijando-a de
forma bruta, forte, urgente, tentando matar a minha fome dela.
Minha fome de Alana.
— Em breve… — murmuro e mordo sua orelha devagar,
sentindo sua pele se arrepiar.
— Não se afaste de mim de novo — pede acariciando minha
nuca e eu nego.
— Não vou.
— Promete?
— Prometo — respondo, avançando sobre ela mais uma vez.
Mostrando não só em palavras que ela é tudo.
Ela é toda a porra do meu mundo.
E eu não vou ficar mais longe dela.
A chuva torrencial cai lá fora e pela minha janela consigo ver
alguns relâmpagos e trovões. Parado, de pé, com a janela fechada,
vejo a água fazer correnteza na rua e penso em como faz muito
tempo que não vejo uma chuva tão forte assim.
Penso nos animais de rua sendo molhados, nos pássaros e…
Caramba!
Rosa!
Afasto-me da janela em um rompante e ando de um lado
para o outro no quarto, pensando em como aquela praça não tem
nenhuma proteção e que ela pode estar ensopada, sentindo frio.
Merda…
Merda…
Continuo andando em círculos quando saco o celular do
bolso e disco para o meu amigo.
— Fala comigo, Ian!
— Cara, preciso de um favor. Você está em casa? —
pergunto de pronto.
— Nessa chuva? Com toda certeza eu estou! Por quê?
— Pode me emprestar o carro? Preciso buscar umas coisas
no supermercado — minto. — E é impossível ir de moto.
— Claro! Pode pegar aqui.
— Beleza. Vou para aí agora. Valeu.
Abro meu guarda-roupa e pego uma toalha para, no caso de
Rosa estar molhada, não comprometer o carro do meu amigo.
Visto minha jaqueta de couro, pego minha carteira e desço as
escadas, pegando o guarda-chuva na oficina. Por sorte, meu amigo
mora no mesmo bairro que eu, então não demoro a chegar lá.
Toco o interfone, logo ele vem me entregar as chaves do
carro e abrir o portão.
— Posso te devolver amanhã cedo? — pergunto e ele
assente.
— De boa! Não vou precisar dele hoje.
— Valeu, cara. Fico te devendo essa.
Dou um tapinha em seu ombro e entro dentro do carro preto,
pegando as ruas da cidade. Ainda que eu esteja agitado e querendo
chegar rápido até a praça, sei que não posso dirigir em alta
velocidade, porque a chuva está forte demais.
O tempo parece demorar uma vida quando chego à praça e
rodo de carro, procurando por ela. Até ver uma toca de papelão e
alguém encolhido debaixo dela.
Meu coração se parte.
Paro o carro e desço, abrindo o guarda-chuva que eu trouxe.
Caminho até o local e quando chego perto reconheço mesmo Rosa,
que treme de frio.
— Rosa? — chamo-a, e ela ergue os olhos para mim.
Estão marejados e essa imagem faz meu peito se apertar.
Puta que pariu.
O que eu faço agora?
Não posso deixá-la aqui nem fodendo.
— Vem comigo, eu vou te tirar dessa chuva.
Estendo minha mão a ela, que me olha receosa antes de se
levantar. A coberta que eu dei e a mochila estão igualmente
ensopadas, já que a toca de papelão não serviu de muita coisa.
— Não precisa. Você já me ajudou muito e…
— Por favor, Rosa. A senhora está ensopada e tremendo de
frio.
Ela me olha resistente e eu insisto, oferecendo a minha mão
e apressando-a a sair dessa chuva. Logo Rosa assente e pega as
suas coisas, acompanhando-me até o carro de Tiago.
— Vou molhar o seu carro — diz, logo que eu abro a porta.
— Forrei o banco com toalha, pode sentar.
Ela se acomoda com timidez no assento e eu dou a volta,
fechando o guarda-chuva e me sentando ao seu lado.
— Para onde vamos? — pergunta quando me vê dirigindo
com cuidado.
— Para a minha casa.
Loucura?
Pra caralho!
Mas para onde mais eu a levaria?
— Mas a sua família não vai se importar? — pergunta,
encolhendo os ombros e abraçando o corpo.
— Eu moro sozinho — respondo e de canto de olho vejo que
ela se encolhe mais. — Mas não se preocupe, não vou fazer mal a
senhora.
Rosa fica em silêncio por um instante e suspira.
— Eu confio em você…
Não sei por que, mas essa simples afirmação me traz uma
sensação muito boa.
O restante do trajeto é feito em silêncio. Quando chego à
oficina, abro o portão, desço para empurrar as motos para o canto e
encaixar o carro de Tiago lá dentro. Ao estacionar, abro a porta para
Rosa, que olha tudo ao redor ainda tímida.
— É aqui que eu trabalho.
Dou de ombros e ela continua analisando o ambiente.
— Vem.
Chamo-a, e Rosa me acompanha até a quitinete no andar de
cima. Logo que abro a porta, praguejo baixinho por nem ter pensado
em ajeitar nada antes de sair.
Meu apartamento é uma bagunça.
Meu quarto então, nem se fale…
Eu, que nunca fui de ligar para a opinião dos outros, fico
apreensivo temendo que Rosa se incomode com a pequena zona
onde vivo.
— Me desculpe pela bagunça — peço, coçando a nuca.
— Como se eu fosse mesmo me importar com algo assim.
Faz tempos que não sei o que é um teto, Ian.
E mais uma vez sinto meu coração se partir.
— Só um instante.
Saio da sala e vou até o meu guarda-roupa, pegando mais
uma toalha e procurando alguma roupa minha que possa servir
nela. Amanhã, antes de devolver o carro de Tiago, vou ver se
compro algumas roupas novas para ela. Pego uma regata mais
justa que eu tenho e uma calça de moletom.
Vou até a sala e a encontro parada exatamente no mesmo
lugar em que a deixei.
— As minhas roupas devem ficar grandes, mas são tudo o
que eu tenho aqui. Amanhã eu compro algumas peças de roupas
para a senhora.
— Não precisa, está ótimo.
Guio-a até o banheiro e, quando abro a porta, sinto vergonha
de mais uma bagunça. O cômodo está limpo, porém com tudo
revirado. Embalagens de xampu no chão, creme dental destampado
sobre a pia e tudo mais…
Abro o armário, pego uma escova de dentes nova e estendo
a ela.
— Pode usar esta. Fique à vontade, ok? Vou levar as suas
coisas para o varal e ver se amanhã bate um sol para secar.
Pego as coisas da sua mão e fecho a porta, deixando-a
sozinha lá dentro. Fico parado no corredor apenas me assegurando
de que ela está bem, quando ouço o barulho do chuveiro sendo
ligado.
Respiro aliviado e levo suas coisas para a área de serviço
pequena. Abro a mochila com cuidado e vejo que na verdade tudo
precisa ser lavado. Jogo tudo dentro da máquina de lavar e faço a
programação, deixando para estender no varal amanhã cedo.
Agora na cozinha, abro a geladeira e os armários pensando
no que fazer para comer. Imagino que Rosa esteja faminta e eu
também não fico para trás.
Vejo que ainda tenho alguns bifes de hambúrguer congelados
e itens para fazer um sanduíche. Acendo a frigideira e deixo
esquentar um pouco enquanto corto o pão e fatio um tomate. Grelho
os bifes na panela e abro a geladeira mais uma vez para cortar
umas fatias de queijo. Coloco sobre os bifes e deixo derreter.
Lembro-me de um refrigerante que comprei ontem e penso
que deve estar um pouco sem gás, mas é o que temos para hoje.
Estou terminando de montar o lanche e colocando na mesa,
quando ouço os passos arrastados da minha nova convidada.
Rosa me entrega a toalha molhada e eu levo até a área de
serviço, estendendo no varal.
— Está com fome? — pergunto ao voltar para perto dela.
Ela apenas balança a cabeça.
Convido-a a se sentar à mesa e, quando faz, se encolhe mais
uma vez em timidez.
— Eu improvisei um sanduíche, espero que goste.
Estendo-lhe o prato e encho um copo de refrigerante para
ela, que agradece antes de dar a primeira mordida.
— Você não precisava me acolher aqui, Ian.
— Não me custava nada e sabe que me importo com a
senhora.
Rosa me olha por um tempo e eu vejo tanta gratidão em seus
olhos que mais uma vez meu peito se aperta.
Não sei bem o motivo de me preocupar tanto com ela, mas
não consigo ser indiferente.
Terminamos de comer e abro o sofá-cama para ela, forrando
com lençol e trazendo travesseiro e coberta.
— Se der sede de madrugada, pode abrir a geladeira e
pegar, tá? Pode ficar à vontade.
— Obrigada.
— Boa noite, Rosa.
— Boa noite.
Vejo-a se acomodar no sofá e, quando está coberta, uma
lágrima solitária lhe escorre.
Essas coisas fodem o meu psicológico e quebram o meu
coração.
Essa mulher está emocionada simplesmente por ter um lugar
quente para dormir hoje.
Que merda.
Apago a luz e vou até o meu quarto, onde me sento na cama
e olho para o teto, tentando pensar no que eu acabei de fazer.
Não tenho a mínima intenção de tirá-la da minha casa e
devolvê-la às ruas, ainda mais depois de vê-la chorar por ter um teto
para dormir.
Mas como vou manter uma pessoa estranha em minha casa?
E por quanto tempo seria?
Jogo-me no colchão e solto um suspiro.
Em que confusão você foi se meter, Ian!
Chego do trabalho e vejo que mais uma vez estou sozinha
em casa. Então me lembro de que meu pai está de plantão esta
noite e só retorna para casa amanhã bem cedo.
Olho para o relógio e vejo que já são quase oito horas da
noite.
Será que o Ian ainda está na oficina? Será que está em
casa?
Agora que nos acertamos, temos nos falado constantemente
por mensagem e telefone, mas não é sempre que nos encontramos
e já estou morrendo de saudades dele.
Lembro-me do dia em que resolvi aparecer de surpresa e que
sua reação não foi das melhores, por isso decido avisá-lo desta vez.
Eu: Está em casa?
A sua resposta demora cerca de dez minutos e eu começo a
ficar ansiosa.
Ian: Ainda estou na oficina… Por quê?
Eu: Posso ir aí te ver?
Quando sua afirmativa chega, eu disparo até o meu guarda-
roupa, separando uma peça para vestir, e vou até o banheiro, tomar
uma ducha rápida. Arrumo-me depressa e visto um agasalho, pois a
noite está esfriando bastante na cidade.
Já na calçada, chamo um carro pelo aplicativo e em poucos
minutos ele chega. Sentada no banco traseiro, sinto meu coração
acelerado em expectativa por ver Ian de novo e desta vez por
finalmente estarmos bem.
Era humanamente impossível que estivéssemos de volta na
mesma cidade e não nos reaproximássemos. Ian sempre me puxou
como um ímã e só eu sei o quanto me doeu não ter notícias dele por
seis anos.
Mas agora, depois de ele ter se aberto comigo, consigo
entender os seus motivos. Todo o seu comportamento inquieto,
agitado e impulsivo na adolescência fez sentido e me doeu muito
saber que não pude ajudá-lo mais.
Olhando para trás, penso que esteve na cara todo o tempo o
TDAH e ninguém nunca percebeu. O que a falta de conhecimento
não faz?
Mas só de saber que agora ele está bem, estável e fazendo
aquilo de que gosta me deixa feliz e orgulhosa.
Eu sempre torci pelo melhor por ele.
O carro para em frente à fachada do Studio. Eu desço,
encontrando a luz acesa e um Ian abaixado de frente para uma
moto, com várias ferramentas espalhadas no chão.
A sua falta de organização é notória e eu só consigo sorrir.
Isso é tão Ian… Aposto que amanhã Ítalo terá trabalho organizando
tudo.
— Oi… — digo me aproximando dele.
Ian ergue os olhos para mim e sorri.
— Eu não vou te atrapalhar? — pergunto, colocando minha
bolsa na bancada da oficina.
— Já estou quase acabando aqui…
Aproveito a deixa e observo tudo ao meu redor admirada. A
moto de Ian está no canto, ao lado de uma moto vermelha,
somando três com a que ele está trabalhando agora.
Várias ferramentas e peças dispostas em prateleiras e
ganchos, por toda a oficina. E ao fundo, a mesa onde Ítalo trabalha.
É bem rústico e masculino, eu consigo ver Ian em cada
detalhe deste lugar.
— Você costuma trabalhar até tarde? — indago, voltando a
atenção para ele.
— Na maioria das vezes, sim.
Ele se levanta e se aproxima de mim, dando-me um selinho
gostoso antes de pegar uma ferramenta na prateleira.
Esse gesto simples me traz uma sensação tão boa…
— Eu costumo ficar muito entediado em casa, sem nada para
fazer. — Dá de ombros, se abaixando novamente. — Ficar parado
nunca foi a minha praia.
Ele faz uma careta e eu rio.
— Não mesmo.
— Por isso, acabo vindo para cá adiantar algum trabalho.
Ocupa melhor o meu tempo…
— Isso é bom.
Passo a mão pela moto em que ele está trabalhando agora e
procuro encontrar os pequenos detalhes que Ian deve ter
desenvolvido.
— Qual é essa moto?
— É uma Honda Shadow 750.
— Hummm…
Corro as mãos pela motocicleta mais uma vez e Ian começa
a me contar o que ele está trabalhando nela. Conta sobre as peças
que fabricou de forma exclusiva e as mudanças que podem ser
feitas sem infringir a lei. Durante o tempo todo fala sem parar,
interrompendo quando eu pergunto e, pela sua empolgação,
consigo ver o quanto ama o que faz.
— E ela deve ficar pronta quando?
— Acho que mais uns dois dias e eu termino. Algumas peças
estão em processo de pintura e eu preciso esperá-las chegar para
instalar.
— Entendi… É incrível, Ian — elogio e ele sorri.
— Eu gosto do que faço.
Dá de ombros e se levanta, eu aproveito a brecha para
envolvê-lo pela cintura.
— E você faz tudo muito bem.
Deixo uma dupla interpretação em minha frase e Ian percebe,
sorrindo malicioso.
— Acho que acabei por aqui — anuncia.
Ele se afasta de mim para pegar um controle remoto na
bancada e fechar o portão da garagem, deixando-nos
completamente a sós.
— Senti saudade — sussurra, enlaçando-me pela cintura e
enterrando os lábios em meu pescoço.
— Eu também…
Puxo-o pela nuca e colo minha boca na sua, beijando-o e me
perdendo em seus lábios gostosos. A sua boca tem um gosto longe
de tabaco e de bala de menta, deixando tudo ainda mais gostoso.
À medida e que intensificamos nossos beijos, Ian me aperta
mais contra si, fazendo-me arrepiar. Nada é leve com ele, nada é
sutil, é tudo sempre bruto, forte e intenso demais. Eu amo isso nele.
— Ian… — gemo quando o vejo descer a boca pelo meu
pescoço e ir em direção ao meu decote.
Eu nem mesmo percebi quando ele retirou o meu casaco.
— Não paro de pensar naquela sua tatuagem, desde que
você me contou sobre ela — sua voz rouca faz o meu corpo se
arrepiar. — Eu posso ver? — pergunta e eu assinto, com a
respiração irregular.
Em um movimento, Ian me pega pelo colo e me leva até a
bancada da oficina, empurrando algumas ferramentas para liberar o
espaço.
Sento-me com as pernas bem abertas e ele se acomoda ali
dentro, tocando a barra da minha camiseta e atirando-a longe. Fico
apenas de sutiã enquanto me olha com tanto desejo que eu sinto
meu corpo se incendiar.
Em um impulso, desabotoo o meu sutiã e jogo-o de lado,
revelando meus seios e o desenho de flor de lótus tatuado entre
eles.
— Porra, Alana…
Ian avança sobre mim e abocanha os meus seios, lambendo
e chupando cada mamilo de um jeito tão gostoso que me faz gemer
alto.
Ainda bem que estamos sozinhos.
— Eu senti tanta saudade… — murmura antes de mordiscar
o bico de um seio, enquanto aperta o outro com a mão.
— Esse seu piercing… — gemo enquanto ele brinca com a
peça de metal em meus seios.
Nunca pensei que fosse tão gostoso ser beijada por alguém
que tem um piercing na língua…
— Ele faz maravilhas lá embaixo…
Ergue o olhar para mim e me abre um sorriso safado.
— Quer ver?
Gemo em resposta, assentindo depressa; Ian ri enquanto
desabotoa a minha calça jeans e retira a peça do meu corpo.
Ele para por um momento apenas para me ver aqui, sentada,
somente de calcinha, de pernas bem abertas para ele.
— Você quer me foder, só pode…
Ele avança sobre mim, beijando a minha boca e descendo a
língua pelo meu pescoço, seios, barriga e quadril…
Quando chega a minha virilha, Ian apenas afasta a calcinha
de renda e corre os dedos pelo meu sexo inchado.
— Eu amo o quanto você fica molhada para mim.
Ian apenas lambe os lábios antes de se abaixar e correr a
língua em minha boceta, segurando-me pelas coxas. O metal
gelado em contato com meu clitóris me faz gemer alto. Eu reajo
apertando os cabelos de Ian e o puxo para mais perto de mim,
esfregando-me em sua boca, gemendo ainda mais alto, alucinada.
Ele sabe como matar alguém de prazer.
— Ian… — gemo quando ele me mordisca de leve e me dá
um tapa ali.
A sensação do ardor sendo substituída pelo metal gelado do
piercing dele quase me faz gozar.
— Você não vai gozar ainda — diz, como se lesse meus
pensamentos.
Ian se afasta de mim e me desce da bancada, colocando-me
de costas para ele.
— Agora eu quero ver a sua outra tatuagem…
Ian inclina o meu corpo pela bancada e eu fico de costas,
com a bunda empinada para ele. Suas mãos correm a minha pele
até alcançar a delicada tribal tatuada no cóccix.
— É ainda mais sexy do que eu imaginava…
Sua língua corre a minha pele e Ian desce a minha calcinha
até a metade da coxa.
Aqui, parada, sinto-o abrir a minha bunda com as mãos e se
abaixar para me chupar ali detrás, fazendo-me agarrar a bancada
forte.
Caralho…
Eu tinha me esquecido do quanto Ian é bom nisso.
— Você é tão gostosa, Alana. Porra… Eu poderia passar a
vida inteira te chupando assim, que eu nunca me cansaria.
Agora, sugando e mordendo o meu clitóris, ele me penetra
com dois dedos, bombeando forte.
— Ian… — choramingo e sinto-o sorrir em minha pele.
— Você gosta que eu faça assim, não é, Alana? — gemo e
ele continua. — Que eu continue te fodendo com minha língua e
meus dedos?
Ele intensifica as estocadas e a língua trabalha avidamente,
fazendo a minha visão nublar.
— Ian…
— Goza, Alana. Quero sugar cada gotinha sua.
E é questão de segundos até eu sentir os espasmos tomarem
conta de mim quando o orgasmo me atinge forte.
Enquanto me recupero, Ian me solta e levanta o meu corpo,
abraçando-me pela cintura e mordendo minha orelha.
— Eu sempre amei o seu gosto, mas quando você goza…
Porra, Alana, é uma delícia.
Sua voz é rouca e baixa, faz o meu corpo inteiro se arrepiar.
Viro-me de frente para ele, que toca meu rosto com carinho.
Aproveito para beijá-lo mais uma vez e sentir o gosto do meu gozo
envolvido em seus lábios.
É tão excitante…
Desço a mão pelo seu corpo e toco sua virilha por cima da
calça, mas uma imagem atrás dele me faz estacar.
— Ian…
Eu me afasto dele e visto minha calcinha de volta para o
lugar, caminhando até o outro lado da oficina, pegando um moletom
jogado no canto.
Meu coração se acelera e minha garganta seca ao
reconhecer aquela peça.
Poderia ser qualquer moletom, mas eu sei que é este. O
detalhe em verde-limão no capuz era a única coisa de que eu me
recordo daquele dia.
Viro-me para Ian, que me olha desconcertado.
— Era… — minha voz quase some. — Era você?
Ian engole em seco e assente de leve.
E então a lembrança daquela noite fatídica na faculdade me
abraça, eu me escoro na parede para não cair. Minhas pernas ficam
bambas e eu não consigo acreditar…
Aquele que eu procurei por tantos anos para agradecer por
ter me salvado de algo pior era ele…
Sempre foi ele…
Ian…
— Por que você foi embora? — pergunto, com um fio de voz.
— Eu não podia me meter em encrencas — diz, colocando as
mãos nos bolsos. — E não queria que você pensasse algo errado
de mim.
— Como eu pensaria?
— Quando vi que você estava bem, preferi sair…
Encosto-me na parede e respiro fundo, sentindo meu corpo
inteiro tremer.
Como eu não o reconheci?
— Foi em um dos dias que você foi me ver de longe?
Ian assente sem jeito e eu dou alguns passos em sua
direção, sendo envolvida por seus braços quentes.
— Obrigada — digo, sentindo uma lágrima me escorrer. —
Eu procurei por todos esses anos o cara do moletom preto para
agradecer, mas nunca consegui encontrar.
— Não precisa agradecer, Alana. Sabe que eu faria tudo por
você.
E sei mesmo.
E é por isso que o amei por todos esses anos, em meu
coração eu sempre esperei por ele.
— Eu amo você — digo, em um sussurro, ainda envolvida em
seus braços.
Ian aperta-me mais em seu corpo e beija meus cabelos com
carinho.
— Ah, Alana… Eu nunca deixei de amar você.
Meu coração erra uma batida e eu fecho os olhos em seus
braços, absorvendo todo o seu calor e pensando que finalmente,
depois de tantos anos, meu coração reencontrou seu lugar.
Ian Bastos sempre será o meu lar.
Espero Alana sair da escola, observando do outro lado da
rua, procurando-a no meio da multidão de alunos.
Com uma mão escondida atrás de mim, carrego uma rosa
vermelha, que sei que é a sua favorita. Eu não sou o namorado
mais romântico e nem aqueles que se lembra de todas as datas
comemorativas. Na verdade, sou péssimo nisso. Mas sei que é
importante para ela, por isso coloquei a data de hoje em vários
lembretes no celular e circulei no enorme calendário do meu quarto.
Eu não poderia me esquecer deste dia.
Hoje completa um mês que Alana aceitou namorar comigo. E,
desde então, tenho vivido os melhores momentos ao lado dela.
Muito antes de eu me apaixonar por ela, nos tornamos
amigos. Já são mais de seis meses de amizade, desde que
conversamos pela primeira vez na fila de espera da diretoria.
Ficamos cada vez mais próximos, e logo a atração veio com
tudo. Quando tomei a iniciativa de beijá-la pela primeira vez, não
estava preparado para o turbilhão de emoções que fosse sentir.
Mas Alana desperta tudo o que há de mais intenso em mim.
E quando eu percebi que não poderia mais ficar sem ela, pedi
para ser minha namorada. Agora, mais do que nunca, não nos
desgrudamos mais. Ainda que eu já tenha concluído o ensino
médio, venho todos os dias buscá-la na escola e levá-la até a sua
casa, no bairro vizinho daqui.
Quando Alana surge em meu campo de visão e me vê, seu
sorriso se amplia.
Ela é linda…
Minha garota tem os cabelos castanhos lisos pouco abaixo
do ombro e a pele clara destaca os olhos verdes vibrantes. Mas o
que eu mais amo nela é o furinho no queixo. Esse detalhe me deixa
louco…
— Ian… — sussurra ao se aproximar de mim e eu puxo-a
pela cintura, beijando seus lábios daquele jeito que eu adoro.
Daquele jeito que sempre me enlouquece.
— Oi, minha paixão — sussurro entre lábios e ela sorri para
mim.
Com a mão livre, revelo a rosa vermelha que lhe trouxe e seu
sorriso se torna gigante.
— Feliz um mês de namoro — anuncio e seus olhos brilham.
— Você se lembrou — murmura ao inspirar o aroma da rosa.
— Com a ajuda de vários lembretes e calendários. — Faço
uma careta e ela ri. — Mas eu não me perdoaria se esquecesse
deste dia.
Alana cheira mais uma vez a flor em suas mãos e me envolve
pelo pescoço, puxando-me para um beijo gostoso demais.
— Desculpe não ter dinheiro para te dar um presente caro…
— digo, tímido, lembrando-me da realidade de um adolescente
quebrado.
— Eu não me importo com presente caro. Isso aqui valeu
tudo para mim, amor.
Seu sorriso é tão sincero que meu coração dispara no peito.
— Vamos?
Pego a mochila de suas mãos e penduro em minhas costas,
dando a mão a ela para fazermos o caminho de sua casa. Durante
todo o trajeto, Alana tagarela sobre a aula e eu sorrio ao ouvir cada
relato. É fácil conseguir prestar atenção, porque tudo que vem dela
me fascina.
Não demora, estamos na porta de sua casa e, como eu sei
que seu pai não aprova o nosso relacionamento, acabo não me
demorando por aqui.
Ainda não sei por que ele não gosta de mim, mas imagino
que deve ter ouvido coisas ruins ao meu respeito na escola.
— Acho melhor você entrar. — Aponto para o portão de sua
casa, enquanto nos acomodamos debaixo da árvore na calçada.
— Queria ficar mais um pouquinho com você… — Alana faz
um biquinho fofo e eu rio.
— Se a barra estiver limpa mais tarde, me avisa que venho te
ver — digo, enquanto toco seu rosto com carinho, antes de lhe dar
um selinho.
— Tá bom.
Alana me envolve pela cintura e repousa a cabeça em meu
peito, naquele encaixe perfeito que eu tanto amo. Abraço-a forte e
beijo seus cabelos.
Eu me afasto apenas para tocar o seu queixo e erguer o seu
olhar para mim.
— Sei que seu pai não gosta de mim, mas um dia vou ser
alguém que ele considere digno de você.
— Ian…
— Eu nunca vou desistir de você, Alana. Combinado?
Beijo seus lábios e ela sorri.
— Combinado.
Olho em seus olhos e sinto meu coração se acelerar dentro
do peito pelo que está por vir. Ensaiei por tantas vezes dizer isso a
ela, mas nunca pensei em uma melhor forma, até me dar conta de
que não importa o jeito como eu diga, desde que seja sincero.
E eu nunca fui tão sincero em minha vida.
— Eu amo você.
O semblante de Alana se torna surpreso e eu apenas sorrio
de lado, pensando no quanto ela me disse que sempre sonhou com
isso. Com um dia em que alguém dissesse que a amava
verdadeiramente.
— Ah, Ian… Eu também amo você.
Meu sorriso se torna gigante e eu tomo sua boca em mais um
beijo gostoso demais.
Não importa o que aconteça, eu nunca vou me esquecer
dela.

Subo as escadas da minha quitinete e encontro Rosa


sentada no sofá, encolhida, vendo televisão. Já faz uma semana
que ela está aqui comigo e eu tenho conseguido mantê-la escondida
de todos, inclusive do meu irmão.
Principalmente porque eu não sei o que fazer com ela.
Não posso mantê-la comigo por muito tempo e nem posso
simplesmente jogá-la nas ruas de novo. Não agora que sei que ela
tem um lugar quente para dormir, roupas confortáveis e que não
sente mais fome.
Rosa é tão tímida que não mexe em nada nesta casa. Só
come quando eu estou aqui e passa o dia todo no sofá, vendo TV
ou lendo alguns de seus livros. Eu sempre lhe digo que pode ficar à
vontade, mas de nada vale. Ela é muito reservada.
— Oi, Rosa — cumprimento-a, sento-me ao seu lado no sofá
e ela sorri para mim.
— Foi tudo bem no trabalho? — pergunta, vendo que mais
uma vez cheguei tarde em casa.
Eu já avisei que não tenho hora de chegar, mas ela nunca
janta antes de mim.
— Foi, sim… Está com fome? — pergunto e ela assente,
tímida.
— Vou tomar um banho rápido e ver alguma coisa para a
gente comer. Ok?
— Tudo bem.
Levanto-me do sofá e tenho um estalo.
— Ou melhor… Quer comer pizza de novo? — sugiro e sinto
seus olhos brilharem.
Rosa confirma de pronto e eu saco o celular do bolso,
fazendo um pedido pelo aplicativo. Logo vou para o banho e,
sozinho em meu quarto, mando uma mensagem para Alana. Sei
que hoje seu turno de trabalho acabará mais tarde, mas quero que
saiba que estou pensando nela.
Eu: Estou com saudades.
Sua resposta demora a vir, eu já estou trocado e quase
saindo do cômodo quando a recebo.
Alana: Ah, Ian… Não vejo a hora de te ver de novo.
Um sorriso bobo desponta em meus lábios. E, quando
percebo, Rosa está me observando. Fico meio sem graça por ter
sido pego.
Eu: Quando é sua próxima folga à noite?
Alana: Amanhã… Eu te ligo para a gente combinar
alguma coisa, tudo bem?
Eu: Claro. Boa noite, Alana. Tenha bons sonhos.
Alana: Boa noite, Ian.
Eu me despeço com alguns emojis e Rosa continua olhando
para mim, pensativa.
— Aquela garota? — pergunta e eu coço a nuca.
— É…
— Se acertaram?
— Acho que sim.
Ela olha para mim e sorri.
— Rosa, agora que está aqui… Sabe que eu posso te
ajudar? — mudo de assunto e ela me olha pensativa. — A procurar
o seu filho se a senhora ainda quiser…
Ela se remexe no sofá e baixa o olhar, apertando a barra da
camiseta.
— Não sei se será fácil…
— Tem alguma pista? Com quem você o deixou?
Rosa olha para a parede por um longo momento antes de
suspirar.
— Na delegacia… — comenta e eu sinto minha barriga gelar.
— Era um dia chuvoso e eu estava perdida, sem saber para onde ir.
Eu só queria salvar o meu bebê.
A familiaridade desse relato me golpeia e eu aperto os
joelhos, tentando respirar fundo.
— Eu cheguei na delegacia e só tinha um policial de
plantão… Ele era um homem bom.
— Foi com ele que a senhora o deixou?
— Foi…
O coração parece que vai saltar pela boca e eu sinto o meu
corpo inteiro tremer.
Levanto-me de pronto e olho para o teto, inquieto.
Só pode ser uma coincidência, só pode ser…
— A senhora se lembra do nome dele?
— Não lembro muito bem… Faz tanto tempo… Mas era algo
com B… Detetive Borges… Barros…
— Bastos? — pergunto com um fio de voz e ela dá de
ombros.
— Não me lembro exatamente. Mas era parecido com isso.
Assinto e puxo o ar para os pulmões. Antes que eu possa
reagir, o interfone toca e saio da quitinete depressa para buscar a
pizza.
Mas nem sei se conseguirei comer algo hoje.
Caramba…
Será…
Ela disse que deixou o bebê há vinte e sete anos, em uma
delegacia, com um policial que tem o sobrenome parecido com o do
meu pai.
Não tem como ser apenas uma coincidência.
Puta que pariu.
Será que a Rosa é a minha mãe?

Deitado na minha cama, encaro o teto escuro do quarto,


vendo um filme passar na minha mente.
Flashes da minha infância, de algumas coisas que meus pais
contaram sobre como me adotaram e como eu surgi na vida deles
me atingem e eu perco o ar.
Duvido que eu vá conseguir pregar os olhos esta noite.
Hoje, quando a pizza chegou, começamos a comer em
silêncio. Eu queria tirar mais coisas dela, queria confrontá-la, mas
simplesmente não consegui. O medo me travou e eu apenas a
olhava nos olhos enquanto comia.
E caramba… Consigo ver vários traços dela em mim.
Os olhos que eu sempre achei tão familiares, na verdade são
iguais aos meus. Do mesmo tom de azul cristalino.
Puta que pariu.
Quais seriam as chances?
Algo dentro de mim me diz que é verdade, que eu não estou
enganado, que no cômodo ao lado dorme a mulher que me deu à
luz. Mas eu preciso ter certeza absoluta antes de fazer qualquer
coisa. Principalmente porque ela espera há tantos anos por esse
reencontro.
Meu Deus.
Eu vou ficar louco!
Viro meu corpo e deito-me de lado, abraçando o travesseiro.
Minha mente parece que vai explodir de tanto que trabalha, de tanto
que pensa, de tanto que quer desvendar esse caso.
Sei que, se eu for até a minha mãe e perguntar a fundo, ela
pode me ajudar a descobrir se Rosa é mesmo quem me gerou. Mas
não sei se ela reagiria bem a essa notícia, não sei se isso a faria se
sentir insegura em relação a mim.
Eu simplesmente não sei o que fazer.
Nunca procurei por essas respostas.
César e Luma sempre foram os meus pais e, mesmo que eu
saiba como surgi na vida deles, nunca quis ir a fundo nisso.
Mas e quando a vida simplesmente joga essa bomba no seu
colo?
Caralho.
O que eu faço agora?
Respiro fundo e aperto o travesseiro abaixo de mim.
Pelo visto, a noite será longa…
Mordo a pontinha do indicador enquanto penso se devo ou
não ligar para Ian e arriscar a chamá-lo para vir até aqui. Meu pai
ficará fora esse fim de semana para um congresso e retorna apenas
na segunda-feira. Pensei em chamar Ian para sair, mas queria tanto
ficar sozinha com ele, queria tanto matar a saudade…
Olho para o relógio no celular e penso que ele deve estar na
oficina. Sorrio por isso. Ian gosta mesmo do que faz e passa horas a
fio trabalhando, sem se cansar. Ainda me pego questionando por
que muita gente prefere julgá-lo a conhecê-lo melhor.
Antes que eu desista, disco o seu número e a ligação está
quase caindo quando ele atende.
— Oi, Alana. — Sua voz rouca sempre me causa arrepios,
ainda que por telefone.
— Ah… Oi… Você está trabalhando? — pergunto, com a voz
trêmula.
Ainda não consigo descrever o quanto ele mexe com todos
os meus sentidos.
— Estou, sim. Não costumo folgar nos sábados.
— Hum…
Mexo nos meus cabelos de forma impaciente até respirar
fundo.
— Ian, eu… Meu pai está fora nesse fim de semana em um
congresso e eu estou de folga…
Do outro lado da linha, consigo ouvir sua respiração pesar.
— Você quer vir aqui para casa mais tarde? Posso fazer um
jantar para nós dois… — convido-o, sentindo meu coração se
acelerar dentro do peito.
— Claro… — Ele para por um momento para raspar a
garganta. — Eu vou adorar. Quer que eu leve alguma coisa?
— Não precisa.
— Ok… A que horas posso ir?
— Às sete está bom? — sugiro.
— Está… Mas tem problema se eu me atrasar? — pergunta,
rindo baixinho.
Tão Ian…
— Não faz mal. Amanhã não precisamos acordar cedo
mesmo.
— Combinado! Até mais tarde, Alana.
— Até.
Despeço-me dele e atiro o celular no sofá, respirando fundo.
Preciso organizar o jantar em algumas horas e quero que
tudo seja perfeito. E o principal, não posso deixar vestígio nenhum
de que recebi mais alguma pessoa nesta casa.
Solto uma risada baixa.
Parece que virei mesmo adolescente de novo, tendo que
namorar às escondidas.
Ando até a cozinha, abro os armários e a geladeira,
pensando no que fazer. Nada me agrada muito, até que me lembro
de que Ian adora carne vermelha. Acho que vou fazer um medalhão
de filé-mignon grelhado acompanhado de batata recheada.
Subo até o andar de cima e, em meu quarto, troco de roupa,
pegando minha bolsa para sair para fazer compras.
Entro na BMW do meu pai e pego as ruas da cidade até o
supermercado. Coloco tudo de que preciso para o jantar,
refrigerantes e ingredientes para uma torta de limão. Quando estou
satisfeita, levo as compras ao caixa e faço o pagamento, chegando
em casa pouco depois.
Guardo todas as compras e decido fazer a torta de limão de
uma vez, para que fique gelando até o jantar. Enquanto inicio o
preparo, sinto meu celular vibrar no bolso.
— Oi, Valen! — cumprimento minha amiga ao atender sua
ligação em viva-voz.
— Alana! Como você está, amiga?
— Eu estou ótima, e você? Trabalhando hoje?
— Acabei de chegar em casa. Vou tirar um cochilo agora e
ficar pronta para a noite.
— Eu tenho certeza de que sim! — Rio de sua empolgação.
— E você não quer sair comigo? Podemos ir a algum
barzinho e…
— Amiga, não vai dar. Tenho outros planos para hoje — digo,
sentindo um sorrisinho bobo se formar em meus lábios.
— Hummmm… E esses planos têm a ver com seu antigo
amor? — brinca e eu solto uma risada.
— Eu chamei o Ian para jantar comigo hoje. Vou aproveitar
que meu pai está fora esse final de semana…
— Ah, sua danadinha! Vai logo levar o boy para a sua casa,
né? — Valentina fala de um jeito tão engraçado que é impossível
não rir.
— Ah, Valen… Eu quero aproveitar o tempo perdido.
— Só toma cuidado, viu?
— Por quê?
— Para você não se machucar de novo. Vira e mexe, Ian
magoa você. — Sua voz é firme e eu sinto um aperto no peito.
— Não foi de propósito… A gente está se entendendo agora.
— Uhumm… Então tá — responde, mas não parece
convencida.
— Mas e o Tiago? Por que não o chama para sair de novo?
— pergunto mudando de assunto e a ouço suspirar.
— Não é desse jeito, Alana. Nós nos esbarramos por aí e
ficamos às vezes. Não é como se tivéssemos um compromisso.
— Mas podiam ter.
— Nem todo mundo é apaixonado como você — desdenha.
— Ei!
Valentina solta uma risada e eu balanço a cabeça.
— Eu vou voltar para a minha torta de limão, que é o melhor
que eu faço.
— Vai fazer torta de limão para o Ian? Sua vadia, para mim
você não faz!
Solto uma gargalhada.
— E você também não faz as coisas que o Ian me faz —
provoco e ela me xinga.
— Eu não estou nem acreditando no que estou ouvindo!
Conversamos mais um pouco antes de desligarmos e,
quando jogo o telefone na bancada, ainda estou rindo sozinha.
Focada na sobremesa, decido terminá-la depressa e começar
a adiantar o que posso para o jantar.
Quero que seja inesquecível…
O interfone toca e, pela câmera, vejo Ian com sua habitual
jaqueta de couro e o capacete nas mãos.
Ele está incrível.
Faço uma rápida conferência para ver se está tudo no lugar e
abro o portão da garagem para ele.
— Deixa a sua moto aqui dentro — sugiro e ele tomba a
cabeça, pensativo.
— Tem certeza?
— É mais seguro aqui… Sua moto chama muita atenção.
Você tem seguro dela? — pergunto e ele nega de pronto. — Então é
melhor entrar.
Ian se afasta para pegar a motocicleta e em pouco tempo
está entrando na garagem, o ronco do motor ganhando o ambiente.
Fecho o portão e, quando estamos finalmente sozinhos, vou até ele
para beijá-lo, ainda encostado na moto.
Ian me circula pela cintura e o sabor de menta e tabaco
atinge os meus lábios, fazendo-me puxá-lo forte pela nuca. Eu
sempre odiei o cheiro de cigarro, mas Ian consegue a proeza de
disfarçá-lo muito bem, já que eu sempre o sinto bem de longe.
— Senti saudade… — diz, correndo os lábios pelo meu
pescoço e mordendo-o de leve.
O movimento me faz trocar as pernas.
Qualquer mínimo toque de Ian em minha pele causa um
rebuliço em mim.
— Eu também… — sussurro antes de morder o seu lábio
devagar.
— Estou muito atrasado? — pergunta, franzindo o cenho de
leve.
Tiro o celular do bolso e vejo que já são sete e trinta e cinco.
— Só um pouquinho — digo e ele sorri, dando-me um
selinho.
— Desculpe.
— Não faz mal.
Afasto-me dele e puxo-o pela mão até a entrada da casa. E
quando o faz, Ian observa tudo ao seu redor.
— Nossa… Está bem diferente do que eu me lembro.
— Meu pai mudou muita coisa desde que minha mãe foi
embora — constato, dando de ombros.
— E como ficou sua relação com ela? — pergunta com
cuidado.
— Nos falamos pelo telefone e às vezes ela vem até a
cidade. Mas nós nunca fomos muito amigas, então acabamos nos
distanciando com tudo.
— Eu sinto muito.
— Está tudo bem… A casa ficou mais leve desde que ela se
foi. O casamento deles nunca foi bom.
— Eu me lembro disso.
— Pois é…
Olho para ele por um momento, antes de ir para a cozinha.
— Já está com fome? — pergunto e ele nega. — Quer beber
alguma coisa? — Nega de novo. — Está tudo bem?
Aproximo-me dele e toco seu rosto com carinho.
Os olhos azuis estão indecifráveis e eu só consigo pensar no
quanto ele é lindo. Com tantos piercings e cara de “malvadão”, é o
homem mais sexy que já conheci na vida. Mas não parece muito
tranquilo…
Ian está inquieto desde que chegou aqui. Não sei se é o fato
de estar nesta casa de novo depois de tantos anos ou se há algo
diferente o incomodando.
— Está… — Ele pega a minha mão e beija. — É só que…
tem tanta coisa acontecendo… — Suspira e eu sinto um aperto no
peito. — Pode me distrair um pouco? Não quero pensar em outra
coisa agora que estou com você…
Sua voz é tão sincera que meu coração erra uma batida.
Levo-o até o sofá, onde nos sentamos ao lado um do outro.
Ian tira a botina dos pés e fica descalço. Essa proximidade dele faz
meu coração bater mais rápido.
— Quer assistir a algum filme? Fazer alguma coisa? —
ofereço me sentindo um pouco desconcertada.
Não imaginei que esse encontro deixasse Ian tão inquieto,
por isso não estou sabendo bem como agir.
Ian espera por um momento antes de se aproximar mais um
pouco de mim.
— Eu quero fazer muita coisa com você hoje… — sussurra
em meu ouvido, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar. — Mas,
antes, quero te mostrar uma música.
Ele se afasta um pouco e tira o celular do bolso.
— Outro dia passou essa música no rádio lá na oficina e eu
tive que parar para prestar atenção nela. É antiga pra caramba, mas
sabe quando você nunca escuta a letra direito?
Assinto e ele zapeia pelo aplicativo até começar a tocar.
— Eu já ouvi em algum lugar… — sussurro e ele aponta o
aparelho em minha direção, mostrando o nome da música.
I Remember you, de Skid Row…
Quando começa a cantar, fecho os olhos para absorver a
letra da música.

Woke up to soothing sound of pouring rain


(Acordei com o som da chuva torrencial)
The wind would whisper and I'd think of you
(O vento sussurrava e eu pensei em você)
And all the tears you cried, they called my name
(E todas as lágrimas que você chorou, elas chamaram meu
nome)
And when you needed me, I came through
(E quando você precisou de mim, eu estava lá)

I paint a picture of the days gone by


(Eu pinto a imagem dos dias passados)
When love went blind and you would make me see
(Quando o amor ficou cego e você me fazia ver)
I'd stare a lifetime into your eyes
(Eu olharia uma vida inteira em seus olhos)
So that I knew that you were there for me
(Porque assim eu saberia que você estava lá por mim)
Time after time, you were there for me
(Dia após dia, você estava lá por mim)

— Ian… — sussurro e ele apenas pega nossas mãos,


entrelaçando nossos dedos.

Remember yesterday, walking hand in hand


(Lembro-me de ontem, caminhando de mãos dadas)
Love letters in the sand, I remember you
(Cartas de amor na areia, eu me lembro de você)
Through the sleepless nights, through every endless day
(Através das noites sem dormir e a cada dia interminável)
I'd wanna hear you say: I remember you
(Eu gostaria de ouvir você dizer: Eu me lembro de você)

Ian acaricia meus dedos enquanto a música toca e eu


continuo de olhos fechados, absorvendo a letra e sentindo o calor
de seu contato.

We've had our share of hard times


(Nós tivemos nossos momentos difíceis)
But that's the price we paid
(Mas esse é o preço que pagamos)
And through it all, we kept the promise that we made
(E depois de tudo isso, nós mantivemos a promessa que
fizemos)
I swear you'll never be lonely
(Eu juro que você nunca estará sozinha)

Abro os olhos e sinto seu olhar fixo em mim.


— I remember you… — canto baixinho e ele sorri,
aproximando-se mais de mim.
Ian dedilha meus lábios antes de me beijar de forma lenta e
tão gostosa que faz meu corpo amolecer.
— Você sabe que eu nunca esqueci você, não é? —
pergunta, correndo os lábios pelo meu pescoço e descendo ao
ombro.
— Nem eu… — respondo com a voz entrecortada e ele sorri
em minha pele.
— Eu te amei cada dia, cada minuto, cada segundo… —
murmura, descendo os lábios até o meu colo, enterrando o rosto em
meu decote. — Dos últimos seis anos… — completa e minha
respiração pesa.
Ian abaixa as alças da minha camiseta com cuidado, desce a
peça pelo meu corpo, deixando-a na altura da cintura. Seu braço me
envolve e desabotoa o sutiã, libertando os meus seios.
Ele lambe os lábios e olha para mim mais uma vez.
— Nunca parei de pensar em você… — Agora ele lambe os
meus seios e eu solto um gemido. — Em todos esses anos, sempre
imaginei como seria ter você de novo comigo… Como seria sentir o
seu gosto mais uma vez…
Ian mordisca e chupa meus peitos como um animal sedento;
eu só sei gemer e inclinar o corpo em sua direção, intensificando
nosso contato.
A sensação do metal gelado de sua língua em minha pele só
faz com que eu gema ainda mais.
Puta que pariu.
— Ian… — gemo e ele sorri em minha pele, antes de se
afastar. — Vamos subir — digo, recobrando o fôlego, e ele assente,
pegando-me pelo colo.
Ian me carrega como se eu fosse de pelúcia e, logo que
entramos em meu quarto, ele me joga na cama, puxando-me pela
cintura até a beirada.
— Hoje a noite é só nossa? — pergunta enquanto beija a
minha barriga e desce até o quadril.
— A-hã… — respondo com um fio de voz.
— Perfeito.
Ele termina de tirar a minha camiseta, logo desabotoa a
minha calça jeans e a puxa rapidamente do meu corpo, deixando-
me apenas de calcinha.
Seus dedos me estimulam por cima da renda e eu arfo,
gemendo alto.
Logo ele se inclina e inspira o meu cheiro, antes de afastar o
tecido e dar uma lambida.
— Seu cheiro… Seu gosto… Porra, Alana.
Ian morde de leve meu clitóris e eu solto um grito. O safado ri
e volta a me lamber, chupando de um jeito tão gostoso, eu só
consigo me esfregar em seu rosto.
Ele está ajoelhado no meio das minhas pernas me chupando
de um jeito que eu nunca vi igual. De um jeito que vai me fazer
gozar rapidinho.
— Ian…
— Você gosta que eu te chupe assim, não é?
— Ian…
Ele pode fazer isso todos os dias, todos os minutos que eu
nunca vou me cansar. Gozar na boca de Ian é gostoso demais.
Uma mordida certeira me faz soltar mais um grito e Ian
apenas sorri safado para mim, sem interromper seus movimentos.
Esfrego-me mais em sua boca, buscando por mais, gemendo
feito louca, intensificando seu contato, que é tão delicioso.
— Ah, Alana… Você é tão gostosa… Eu amo te ver assim,
toda safada rebolando em mim.
Ian segura as minhas coxas com suas mãos firmes e
continua me devorando, me desfrutando, e eu sei que não vou
conseguir mais me segurar.
— Ian… — choramingo e ele raspa os dentes de leve pela
minha boceta.
— Agora você pode gozar.
E eu nem preciso de muito para me desmanchar em sua
boca, sentindo-o chupar até a última gota de mim.
— Ian… — gemo, recobrando a respiração e ele se levanta,
ficando de pé diante de mim.
— Você queria ver meu piercing, não é?
Assinto enquanto ergo meu corpo e me apoio nos cotovelos,
vendo-o se despir em minha frente.
Ian tira primeiro a jaqueta e depois a camiseta branca,
revelando o peitoral e braços totalmente tatuados.
Minha boca saliva, porque essa visão é dos deuses.
Ian Bastos ficou gostoso pra caralho.
O sorriso sacana desponta em seus lábios diante do meu
escrutínio e eu só me sinto ainda mais excitada, ainda mais ansiosa
por ele.
Ian toca o cós da calça e desabotoa, atirando-a e ficando
apenas de boxer preta. Quando se aproxima de mim, sento-me na
cama, toco-o por cima do tecido, e ele solta um rosnado.
— Ah, porra…
Eu nem espero por ele e logo desço a sua cueca, revelando
seu membro rijo e o metal prateado brilhando em sua base.
— Sabe qual a função dele? — Sua voz é rouca enquanto me
vê analisar toda a sua potência.
Balanço a cabeça negando e ele se masturba lentamente
para mim.
Ian se inclina e seus lábios tocam o meu ouvido.
— Quando eu foder você, o piercing vai tocar o seu clitóris e
o metal gelado vai fazer o trabalho sozinho de te enlouquecer…
Engulo em seco e ele apenas sorri de lado antes de deitar o
meu corpo e subir em mim, beijando-me com tanta fome, com tanta
sede que tenho a sensação de que vou gozar mais uma vez só pela
forma como me beija.
Ian se afasta apenas para tocar o meu rosto com carinho e a
intensidade de seus olhos azuis me faz estremecer.
— Eu esperei tanto por isso, mas tanto… Que posso não
conseguir me controlar — revela.
— Não se controle — sussurro e ele sorri.
— Ah, Alana…
Ian se levanta e pega a sua calça no chão, para catar a
carteira e tirar de lá uma camisinha. Quando ele coloca o
preservativo, volta para mim e direciona seu membro em minha
entrada.
— Você não tem ideia… — sussurra e começa a me penetrar
devagar. — Do quanto eu amo você.
Ian me preenche de uma vez e eu gemo alto quando ele
chega ao fundo, envolvendo-me com seu calor.
— Porra…
O metal gelado batendo em meu clitóris é a coisa mais
gostosa que já vivi na vida. Bem que ele tinha me avisado…
Nossos corpos se fundem em um ritmo tão harmônico, tão
gostoso, que é como se seis anos não tivessem passado, como se
nós nunca tivéssemos nos separado.
Porque nosso lugar é aqui…
Nos braços um do outro.
Nos amando sem limites, sem amarras, sem pudor.
Ian não é delicado, disso eu sempre soube. Mas a forma
bruta como me abraça e mete cada vez mais forte, mais fundo, me
leva à loucura.
Em meu quarto, só conseguimos ouvir o som dos quadris se
chocando cada vez mais forte, mais rápido e nossos gemidos cada
vez mais intensos.
O som de Ian gemendo forte enquanto me come é algo que
eu nunca vi igual.
Puta que pariu.
— Ian… — gemo quando ele se afasta bruscamente.
— Eu preciso te comer olhando para aquela sua tatuagem —
murmura e eu sinto meu corpo se arrepiar mais uma vez. — Fica de
quatro para mim?
Ele nem precisa pedir duas vezes.
Com Ian de pé fora da cama, eu me posiciono de costas para
ele e empino bem a bunda, ganhando um tapa estalado.
— Mas é gostosa…
Ian me segura pelo quadril e me puxa para mais perto dele,
se enterrando em mim de uma vez, fazendo-me agarrar a colcha da
cama.
— Porra, Ian… — gemo enquanto ele me estoca forte,
rápido, duro.
Com uma mão ele aperta meu quadril e com a outra puxa
meus cabelos, aumentando ainda mais o nível de tesão por esse
contato.
— Ian…
Ganho um tapa tão forte na bunda que meu corpo se projeta
para a frente. A ardência na pele, a forma como ele me segura firme
pelos cabelos e me fode loucamente me deixa doida.
Eu não sei se vou aguentar me segurar por muito tempo…
— Ian… — chamo-o e ele apenas me derruba na cama, de
bruços, deitando-se por cima de mim.
— Eu ainda vou precisar de muito para matar minha fome de
você — diz, mordendo minha orelha, e eu gemo mais uma vez. —
Mas por ora…
Ele me estoca tão forte que sinto os espasmos começarem a
chegar até mim.
— Eu me contento em gozar dentro de você.
Ian enterra tão fundo que não sei como a camisinha não
estourou. Ele grita alto quando goza forte, no mesmo instante que
eu.
Ele desaba seu corpo sobre o meu e logo se recupera,
pegando-me com cuidado e nos deitando na cama, de frente um
para o outro.
— Nossa… — é tudo que eu consigo dizer e ele sorri.
— Ainda não sei como consegui viver todo esse tempo sem
você… — diz com tanta sinceridade que eu engulo em seco.
Ian toca meu rosto com tanto carinho que me faz sorrir.
— A verdade é que eu não vivi, eu sobrevivi.
— Ah, Ian…
Nem tenho tempo de responder, quando ele me abraça e me
envolve com seus braços quentes e fortes, transmitindo todo seu
amor.
E agora, que finalmente nos reencontramos de alma, corpo e
coração, não quero nunca mais sair daqui.
Assim que os primeiros raios solares atingem o quarto de
Alana, eu desperto. Desço o olhar e a vejo acomodada em meus
braços, aninhada em meu calor, dormindo de uma forma bastante
tranquila. Aproveito este momento e corro os dedos por sua pele
macia, sentindo-a se arrepiar levemente pelo meu toque.
Sorrio ao pensar na noite incrível que tivemos ontem. Depois
de um sexo cheio de saudades, descemos para preparar o jantar e
Alana fez um medalhão de filé-mignon simplesmente perfeito,
acompanhado de batata recheada. Depois de comermos a
sobremesa, subimos para o seu quarto e começamos a assistir a
um filme, mas a nossa vontade um do outro era tanta, que não
demoramos a transar mais uma vez.
Acho que, mesmo que eu passe o dia todo com ela, nunca
vou matar a fome e o desejo que tenho de Alana.
E, quando finalmente adormecemos, envolvi-a com meu
calor; tive uma noite de sono tranquila, como há muito não tinha.
Aqui, em seus braços, eu quase me esqueço do cara cheio
de problemas que eu sou, que vive se metendo em confusão.
E pensar nisso me faz lembrar de que Rosa está sozinha lá
em casa. Eu sei que não posso demorar muito aqui com Alana, pois,
se bem conheço minha hóspede, aposto que não comeu nada me
esperando voltar. Ainda que eu tenha avisado que provavelmente
não voltaria ontem, ela não deve ter mexido em nada na cozinha.
Viro-me com cuidado na cama e o movimento faz Alana
despertar.
— Bom dia… — sussurro, beijando sua testa e afastando os
cabelos com carinho.
— Bom dia, Ian.
Seu sorriso preguiçoso aquece meu peito.
— Dormiu bem? — pergunto, carinhoso.
— Muito… Quer tomar café? — oferece, piscando de leve, e
é impossível resistir.
— Quer que eu saia para comprar alguma coisa? — ofereço
e ela nega.
— Não precisa. Eu pensei em tudo.
Alana dá uma piscadinha para mim e ri, antes de se levantar.
O movimento brusco faz a coberta escorregar pelo seu corpo
e revelar o seio nu.
— É, Alana…
Aproximo-me, mordo seu pescoço, e geme baixinho.
Queria eu me enterrar nela mais uma vez, mas infelizmente
não posso me demorar por aqui. Tenho alguém com quem lidar em
casa.
Levanto-me junto com ela e começo a catar as minhas
roupas no chão.
— Pensei que fosse tomar banho comigo.
Alana faz um biquinho fofo e eu rio.
— Deixe para outro dia, ok?
Beijo sua testa quando termino de me vestir.
— Fica comigo hoje — pede e meu peito se aperta. — Meu
pai só vai voltar amanhã, podemos passar o dia juntos e…
— Não posso, Alana. — Comprimo os lábios ao notar seu
semblante triste. — Eu tenho algumas coisas para resolver lá em
casa.
Ela apenas assente, desviando o olhar do meu, enquanto
brinca com o cobertor nas mãos.
Ah, que merda.
Não queria entristecê-la, mas ainda não posso contar sobre
Rosa. Não enquanto eu não tiver certeza de quem ela é e, mais
ainda, tiver pelo menos conseguido resolver essa confusão em que
me meti.
— Prometo te recompensar, ok?
Eu me sento na cama ao seu lado e beijo seu ombro
desnudo.
— Que tal uma xícara de chocolate quente? — ofereço,
tremendo as sobrancelhas, e ela ri.
— Isso é golpe baixo.
— Você não vai querer? — finjo incredulidade e ela ri mais.
— Óbvio. Se vira, Ian!
Com um pulo, Alana se levanta da cama e veste uma
camisola.
Saber que não há nada debaixo do tecido já me deixa duro
pra caralho, mas preciso manter o foco, senão não saio daqui hoje.
Desço as escadas ao lado dela e, quando chegamos à
cozinha, pego os ingredientes para preparar a receita de chocolate
quente da minha mãe, que sei que Alana adora. Enquanto isso, ela
separa alguns pãezinhos, torradas e queijos para a mesa.
Com tudo pronto, nós nos sentamos e desfrutamos de um
café agradável, eu quase me esqueço de como somos de mundos
tão diferentes. De como eu e Alana temos tão pouco em comum e
ainda assim nos completamos de uma forma que nunca vi igual.
— Amanhã você trabalha? — pergunto e ela assente.
— Entro no turno da manhã.
— E como está no hospital? — indago e vejo seus olhos
brilharem.
— Nossa… Um sonho!
Alana me conta com empolgação sobre sua rotina no
hospital, os pacientes que tem acompanhado e no quanto ela tem a
cada dia mais certeza de que é isso o que quer para a sua vida.
A alegria com que conta cada detalhe de seu trabalho só me
faz admirar ainda mais a mulher que se tornou. Eu morro de orgulho
dela.
Quando terminamos o café, ajudo-a a lavar louça e me
preparo para me despedir.
— Tem certeza de que não pode ficar mais um pouquinho? —
sua voz entristecida rasga o meu peito.
— Prometo te compensar, tudo bem?
Toco seu queixo e beijo seus lábios com carinho.
Deus, como senti falta disso!
— É bom mesmo, já que não é sempre que consigo ficar um
fim de semana inteiro sozinha.
Alana faz um beicinho fofo e eu tomo-a pela cintura, beijando-
a com mais força desta vez.
— Eu preciso te deixar com saudade de mim — brinco,
sussurrando sobre seus lábios, e ela sorri.
— Mais?
Solto uma risada.
— Nunca é demais.
Dou um selinho nela e me afasto, indo até a porta da sala.
— Eu te ligo mais tarde, pode ser?
Alana concorda e pega o controle do portão, abrindo-o para
mim. Dou mais um selinho e saio para montar na minha moto para
pegar as ruas da cidade em seguida.
Não demora, estou entrando na minha oficina e subindo até a
quitinete.
— Rosa? — chamo-a logo que entro e não a vejo no sofá,
como de costume.
Logo escuto seus passos arrastados e ela surge da cozinha,
com um copo de água nas mãos.
— Eu estava com sede — justifica, como se tivesse sido
pega fazendo algo errado.
— Sabe que pode ficar à vontade, não sabe?
Ela assente e aperta o corpo com a mão livre.
Olho para a mulher diante de mim e penso em como, em
poucos dias, ela se tornou tão diferente. Rosa agora veste roupas
novas e limpas que eu lhe dei e seus cabelos não estão mais sujos
nem embolados. O rosto ainda é marcado pelo sofrimento, mas
seus olhos azuis estão um pouco mais calmos agora.
Esses olhos azuis iguais aos meus…
Constatar isso faz meu peito se apertar mais uma vez.
Eu ainda não sei como estou vivendo com essa dúvida, mas
sei que não posso agir sem ter certeza. Preciso buscar mais provas,
preciso ir além, preciso me certificar de que não é um engano.
— Já tomou café? — pergunto e ela nega. — Está com
fome?
Rosa assente de leve.
Passo por ela na cozinha e abro os armários, pegando tudo
de que preciso para fazer o café. Ainda que eu já tenha comido na
casa de Alana, consigo tomar mais uma xícara na companhia de
Rosa.
Enquanto a água ferve, abro a geladeira e pego queijo lá
dentro. Levo até a mesa, juntamente com leite, torradas e biscoitos.
Nunca fui de ter muita coisa em casa, mas, desde que Rosa
chegou, tenho deixado a geladeira e armários mais abastecidos.
Com o café pronto, levo até a pequena mesa e Rosa se
acomoda na minha frente, comendo com timidez.
— Ian, eu preciso ir embora… — começa a falar e eu sinto
meu corpo gelar.
— Por quê?
— Eu não posso ficar aqui por muito tempo. Você tem a sua
vida, as suas coisas e eu estou atrapalhando…
— A senhora não me atrapalha.
— Atrapalho sim, Ian — diz, sorrindo fraco. — Você deveria
passar o domingo com sua família, sua namorada, e não comigo. Eu
não sou nada sua…
Ah, Rosa…
Se você soubesse…
— Eu gosto de passar um tempo contigo.
Ela balança a cabeça a contragosto.
— Eu já te incomodei por tempo demais.
— Mas para onde a senhora iria? — pergunto, sentindo um
gosto amargo na garganta.
— Eu não sei… Posso tentar procurar um abrigo e…
— A senhora não vai para qualquer lugar — afirmo e ela me
encara firme.
— Ian…
— Não, sem chance.
Levanto-me da mesa e começo a coçar a nuca, ansioso.
— Não agora que tem uma cama quente e o que comer. A
senhora só vai sair daqui quando encontrar algo melhor do que a
minha casa.
— Como eu encontraria? — Uma lágrima escorre pelo seu
rosto e eu sinto meu coração se partir ao meio. — Você faz por mim
o que ninguém nunca fez, Ian… Eu nunca vou conhecer alguém
melhor do que você.
Suas palavras mexem tanto comigo que eu preciso apertar os
olhos para não me emocionar.
Porra!
Eu não fiz nada.
Apenas não consegui ignorar uma pessoa que passava fome
e frio, só isso…
— Vamos ver isso com calma, ok? — peço, metendo a mão
no bolso do jeans e tirando de lá o maço de cigarros.
Pego um e acendo com o isqueiro, dando uma tragada forte.
Não sou muito fã de fumar dentro de casa, mas às vezes
simplesmente não consigo esperar ir até a janela do quarto.
— Eu vou te ajudar a procurar um lugar para ir, mas, até lá, a
senhora fica por aqui, ok? — afirmo e ela assente de leve. — E não
me incomoda, Rosa. Por Deus do céu, não estou abrindo mão de
nada para te ter aqui.
E não é mentira.
Eu continuo trabalhando normalmente e encontrando Alana
quando quero. Rosa não tem atrapalhado em nada nessa equação.
Sei que não posso mantê-la comigo para sempre, mas ela só
vai sair daqui quando eu tiver a certeza de que está bem e segura.
Até lá, vou me virando como dá.
— E os livros? Já leu todos? — pergunto mudando de
assunto e seu rosto se ilumina.
Desde o episódio da chuva, Rosa acabou perdendo os livros
que lhe comprei e, por isso, providenciei novos. Ela lê bem rápido e
acaba repetindo a leitura quando não está vendo TV.
— Todos… Mas não precisa se preocupar em comprar mais,
se é isso que está pensando — repreende-me e eu balanço a
cabeça, enquanto fumo.
— Não se assuste se eu chegar em casa com mais alguns.
Dou de ombros e ela balança a cabeça para mim.
— Você não existe.
Rosa se levanta da mesa e começa a lavar a louça do café.
Notei também que, desde que ela chegou por aqui, a casa anda
mais organizada. Ainda que Rosa não goste de tocar em minhas
coisas, acaba deixando tudo no lugar. Com exceção do meu quarto,
já que ela nunca entra lá e, esse sim, vive um verdadeiro caos.
Deixo Rosa na sala vendo TV e vou até o meu quarto pegar
um par de roupas para tomar um banho. Quando me dispo, no
banheiro, o cheiro de Alana me invade e eu me pego sorrindo
sozinho.
Ah, Alana…
Agora que eu provei você mais uma vez, que possuí você,
como vou viver sem isso?
Eu me meti em uma enrascada, das grandes ainda.
Porém nunca fui tão feliz quanto agora.
— Depois você vai voltar mais? — Luiza me pergunta logo
que eu fecho o livro e encerro nossa leitura do dia.
— Sempre!
Aperto seu nariz e ganho um sorriso banguela.
A pequena tem enfrentado altos e baixos em seu tratamento
e, ainda que me doa vê-la em momentos tão delicados, a esperança
de cura é o que não nos permite desistir. Por isso, sempre que
posso venho vê-la para contar algumas histórias.
Na verdade, desde que Luiza espalhou a minha fama pelo
hospital, várias crianças ficam querendo conhecer a “tia legal” e
acabei fazendo muitas amizades por aqui. Eu adoro o período de
ronda e estou aprendendo tanto com essas crianças e meu mentor,
que só consigo ter ainda mais certeza do quanto quero seguir essa
carreira.
Despeço-me dela e volto para a ala de consultórios, onde
encontro Dr. Mauro mais uma vez. Acompanho-o em uma leva de
consultas e analiso cada caso com cuidado, muitos deles já
conhecidos, e observo a evolução de cada quadro.
Embora cansativo, o tempo que eu passo no hospital é tão
gratificante, que nem vejo a hora passar. Quando percebo, já está
na hora de sair. Chamo um Uber e enquanto espero mando uma
mensagem de texto para Ian.
Eu: Quero te ver de novo.
Não demora e a sua resposta vem.
Ian: Amo o quanto você é direta.
Rio baixo.
Eu: Estou com saudades. Foram seis anos sem te ver…
Ian: E eu não sei? Hoje estou apertado aqui no trabalho.
Não sei a que horas termino… Pode ser amanhã?
Enquanto penso na resposta, o carro chega e eu entro no
veículo, acomodando-me no banco traseiro.
Eu: Hummm… Amanhã meu turno acaba mais tarde. =(
Ian: Vamos dar um jeito, ok? Depois a gente combina
melhor.
Eu: Tudo bem!
Envio um emoji de beijo e suspiro, antes de guardar o celular
na bolsa.
Queria tanto ver Ian de novo, beijá-lo, tocá-lo e…
Só de lembrar de tudo que fizemos no último final de semana,
meu corpo se arrepia. Uma pena que ele precisou ir embora mais
cedo no domingo, porque eu iria adorar passar mais um dia
enroscada nele.
Ian é… incrível.
Sem mais palavras.
Ele desperta os meus melhores sentimentos, tudo de uma
intensidade absurda.
Estou sorrindo feito boba, quando desço do carro e entro em
casa, encontrando meu pai na cozinha.
— Pai — chamo-o e ele se vira para mim.
— Oi, filha… Já chegou?
Seu Roger se aproxima para beijar a minha testa antes de
abrir a geladeira e pegar uma fruta.
Embora moremos sob o mesmo teto, não nos encontramos
com tanta frequência como imaginei, já que os nossos horários
dificilmente se cruzam. Fora que meu pai nunca foi de parar em
casa, já que atende no hospital, clínica particular e aos plantões. Ele
é daqueles médicos com que os pacientes precisam marcar com
muita antecedência para conseguir uma consulta.
— O senhor já está indo? — pergunto ao notar que está
perfeitamente arrumado.
— Quase. Tenho alguns minutos antes de ir.
Assinto e pego um copo no armário para enchê-lo de água.
— Inclusive, precisamos ver um horário de folga para
olharmos o seu carro. Não estou gostando de te ver andando
apenas de Uber. — Ele estreita os olhos e eu assinto.
Meu pai sempre me disse que me daria um carro de presente
de formatura, a questão é que eu voltei tão embalada em começar a
residência que ainda não tivemos tempo para isso. Mas confesso
que realmente estou sentindo falta de ter essa independência com
um carro próprio.
— Tudo bem. Vamos tentar encontrar uma folga na agenda
do Dr. Roger Cardoso — brinco e ele ri.
— E o que você tem feito no período de folga, aqui sozinha?
— pergunta me analisando e eu sinto um frio na espinha.
Não consigo decifrar sua expressão, mas sei que a sensação
que eu tenho não é boa.
— Ah… Às vezes saio com Valentina, às vezes fico em casa.
Vejo seriado, estudo algum caso do hospital. Nada de mais.
Dou de ombros e brinco com meu anel solitário, tentando
disfarçar o quanto essa conversa está me deixando nervosa.
— Só isso mesmo, Alana? — pergunta, com a voz mais firme
agora, sem tirar os olhos de mim.
— Por que, pai? O que acha que estou escondendo?
Cruzo os braços de forma impaciente.
— Não sei, me diga você. Por acaso não está indo se
encontrar com aquele sujeitinho, né?
A forma como meu pai se refere a Ian faz o meu sangue
ferver.
— Pai…
— Você acha que me engana, Alana. Acha que eu nasci
ontem…
Meu pai começa a ficar nervoso e esfrega a mão no rosto,
trincando o maxilar.
— Eu ainda não sei qual é o seu problema com o Ian.
Empino o queixo desafiando-o, e ele fica ainda mais nervoso
diante de mim.
— Porque ele não serve para você, Alana! Porra! Quantas
vezes eu já te falei isso?
— Ele está diferente agora — afirmo e ele balança a cabeça
transtornado.
— Eu sabia! Mas que merda, Alana! Não quero você saindo
com esse cara.
— E eu não tenho mais dezessete anos! Por Deus, pai. Eu
sou adulta agora. Tenho consciência do que estou fazendo.
— Ah, mas não tem! Não tem mesmo!
Meu pai soca a bancada da cozinha com tanta força que eu
me assusto.
— Fica longe desse cara, Alana.
— Eu gosto dele, pai.
— Gosta? De um viciado de merda?
— Não fale assim dele! — rebato e ele ergue a mão para
mim.
— E não levante a voz para mim! Eu sou o seu pai!
— E eu sou a sua filha! Vou falar no mesmo tom de voz que o
senhor — desafio-o, cruzando os braços.
Se Dr. Roger quer ganhar as coisas na gritaria, que seja! Vou
gritar com ele também.
Eu não sou a porra de uma criança mais.
Ele aperta a bancada e abaixa a cabeça, balançando-a sem
parar.
— Que merda, Alana! Que merda! Tanto cara bom no mundo
e você vai se envolver logo com ele!
— Porque é dele que eu gosto! — retruco e ele só balança a
cabeça ainda mais.
— O cara que estragou a sua festa de formatura porque não
conseguiu ficar longe de uma carreira de pó. Parabéns, Alana! É
com esse tipo que você está se metendo?
— Ele está diferente agora, eu já te disse!
— E você acredita nisso? — Ele solta uma risada sem humor.
— Acredito. Porque eu conheço-o de um jeito que ninguém
mais conhece. Desde novo, Ian sempre teve um bom coração, só
era incompreendido…
— Ah, tenha a santa paciência, Alana! Acha que eu vou cair
mesmo nessa lorota?
— Não é lorota…
— Chega!
Meu pai ergue a mão para mim mais uma vez e a sensação
que eu tenho é de que vai me estapear, mas ele não encosta um
dedo em mim.
— Enquanto você estiver morando debaixo do meu teto —
diz se aproximando de mim. As narinas agora dilatadas de fúria. —
Eu não aceito que você fique se encontrando com ele. Estamos
entendidos?
— O senhor não pode fazer isso — desafio-o, sem desviar o
olhar dele.
— Ah, eu posso…
Meu pai se afasta de mim e pega sua maleta na bancada.
— Eu vou transformar a vida daquele infeliz num verdadeiro
inferno se ele ousar encostar um dedo na minha filha — esbraveja e
sai de casa, batendo a porta.
O estrondo me faz pular de susto.
Em questão de segundos, ele está saindo de casa em sua
BMW, cantando os pneus.
Percebo que minhas mãos estão trêmulas e então encho
mais uma vez o copo de água, respirando fundo antes de beber.
Eu não vou aceitar essas imposições malucas do meu pai.
Não mesmo!
Não agora que estou me dando tão bem com Ian e que
consigo ver a perspectiva de um relacionamento com ele.
Agora, estamos com a vida mais estruturada, com mais pé no
chão, com mais maturidade.
Todos esses anos separados nos fizeram bem afinal. Talvez,
se tivéssemos insistido em um relacionamento, não estaríamos tão
bem quanto agora.
Eu amo Ian e quero ficar com ele, disso não tenho dúvidas.
O que me assusta na verdade é o que o meu pai possa vir a
fazer com ele, quando descobrir que eu não lhe obedeci.
Não quero que ele prejudique o Ian, não agora que ele
conseguiu montar seu Studio com todo seu esforço e tem se dado
tão bem.
Inferno!
Por que as coisas têm que ser desse jeito?
Por que meu pai não pode ver o Ian do mesmo jeito que eu
vejo?
Pego a minha bolsa e subo até o meu quarto, onde tomo um
banho rápido e me jogo na cama. Quando pego o celular, uma
mensagem de Ian quase me faz chorar.
Ian: Se quiser vir me fazer companhia hoje na oficina,
não vou recusar…
Ah, Ian…
Como eu queria entrar dentro de um carro e largar tudo só
para te ver de novo. Mas hoje serei uma péssima companhia.
Preciso colocar a cabeça no lugar antes de vê-lo mais uma vez.
Se Ian perceber que meu pai está se intrometendo mais uma
vez, é capaz de se afastar de mim para me proteger. E eu morreria
se ele fizesse isso de novo.
Eu: Vou recusar por hoje, gatinho. Minha cabeça está
latejando um pouco e acho que vou deitar agora.
Ian: Gatinho?
Ele manda vários emojis de riso e devolve um sorriso em
meu rosto.
Eu: Desculpa aí se eu tento ser a fofa da relação.
Brinco, já recebendo vários emojis mais uma vez.
Ian: É, realmente… O posto de fofa tem que ficar com
você. Já tomou algum remédio? Se precisar de alguma coisa,
me chame, ok? Fica bem, minha linda.
Eu me sinto mal por mentir para ele, mas não quero que veja
o quanto estou triste.
Eu: Obrigada, Ian. Bom trabalho.
Despeço-me dele e coloco o celular na mesinha de
cabeceira, desligando-o.
Quero ficar um pouco sozinha hoje, quem sabe assim eu
organize meus pensamentos e decida o que fazer.
Solto um suspiro.
Por que a vida tem que ser tão difícil?
Fecho a oficina, subo rapidamente para saber como a Rosa
está e ofereço algo para ela comer. Enquanto isso, tomo um banho
e me visto porque tenho que sair de casa para uma missão:
descobrir alguma pista sobre a minha origem.
Todo o lance do meu trabalho e o envolvimento com a Alana
tem tomado uma boa parte do meu tempo, mas sei que não dá mais
para adiar. Eu preciso de respostas.
Quando vejo que Rosa comeu alguma coisa e voltou para o
sofá, eu me despeço e aviso que não devo demorar a voltar.
Monto na moto e, quando pego as ruas da cidade, percebo o
quanto está fazendo frio durante a noite. Mesmo que eu esteja
usando jaqueta de couro fechada, ainda assim consigo sentir um
vento gelado entrando pelas frestas. E pensar nisso só me faz ter
ainda mais certeza de que não posso permitir jamais que Rosa saia
da minha casa. Ainda mais por saber que lá, além de segura, ela
não passa mais frio.
Seu semblante até melhorou, está um pouco mais corada,
embora a vida não tenha sido nada generosa com ela. Rosa é uma
mulher já marcada pela vida e eu não sei se algum dia usou álcool
ou drogas, já que nunca cheguei a perguntar algo do tipo. Percebi
que ela não gosta de falar muito sobre o seu passado, o que tem
dificultado um pouco a minha busca por respostas.
Em questão de minutos, estou entrando na casa da minha
mãe e, logo que passo pela cozinha, seu sorriso surpreso me
ganha.
— Ah, Ian… Que saudade de você, filho!
Dona Luma para o que está fazendo e vem me abraçar forte,
beijando o meu rosto. Precisa ficar na ponta do pé para me
alcançar, já que eu sou muito mais alto do que ela.
— Desculpe por ter sumido. — Faço uma careta e ela
balança a cabeça.
Com tudo que vem acontecendo na minha vida e
principalmente pela minha hóspede escondida, acabo vindo visitar a
minha mãe bem menos do que de costume.
— Não faz mal. Está trabalhando muito?
— Estou. — Suspiro me jogando na cadeira a sua frente.
— E namorando também? — Ela me lança um sorriso
cúmplice e eu solto uma risada.
Ela não existe.
— Eu não diria namorando. — Pressiono os lábios e ela ri.
— Mas está se acertando com a Alana, não é?
— Acho que sim…
— Isso é ótimo. Ela é uma boa garota, só o pai dela que é
insuportável mesmo.
Minha mãe faz uma careta tão engraçada que eu caio na
risada.
— Existe alguém que gosta daquele traste? — pergunto,
esfregando a mão no rosto.
— Os pacientes dele? — ela sugere e eu rio.
— É, só se for…
— Sabe que… — ela começa a falar e logo balança a cabeça
desistindo.
— O quê?
— Não é nada — minha mãe tenta disfarçar, mas eu insisto.
— Ah, não, mãe. Começou, agora fala — incentivo e ela bufa
baixinho.
— Eu já tive um crush no Roger — confessa e eu sinto meus
olhos quase saltarem.
— Como é que é?
— Nós éramos adolescentes, estudávamos juntos e…
— Calma aí, dona Luma — interrompo-a. — A senhora
estudou com o Roger?
— Eu e o seu pai.
— Quê? — falo em um tom mais alto e ela dá de ombros.
Sigo chocado que eu nunca soube dessa informação.
— E por que eu estou sabendo disso só agora?
— Porque o seu pai sempre odiou o Roger e não gostava
nem que citasse o nome dele nesta casa.
— E isso choca um total de zero pessoas — ironizo e ela ri.
— Ele não gostava da sua proximidade com Alana, mas eu
nunca o deixei interferir, porque sabia que ela era uma boa moça.
Ela não tem culpa do pai que tem…
— Não mesmo.
— Mas então Roger não foi legal comigo e o ranço vem
desde a nossa adolescência.
— Puta que pariu. O que aquele otário fez com a senhora?
Minha mãe suspira e começa a descascar uma tangerina que
pega da fruteira.
— Nós éramos amigos. Todos nós. Ou pelo menos eu
pensava assim. Eu era amiga da Cecília, mãe de Alana, e César e
Roger eram inseparáveis.
— Caralho, nunca imaginaria isso!
— Pois é… Eu tinha uma quedinha pelo Roger, ele era lindo
quando novo. — Minha mãe me olha sonhadora e eu me pergunto
se essa quedinha foi mesmo embora. — Eu achava que ele também
gostava de mim, tanto que me chamou para ir à festa da escola com
ele.
Minha mãe parece mergulhar nas lembranças e eu ouço tudo
atentamente, porque não sabia disso nem a pau. Deixo até de lado
o verdadeiro motivo que me trouxe aqui.
— Era um baile de máscaras e cada um levaria um par. Eu
estava muito empolgada de ir com o Roger, principalmente porque
ele era muito popular na escola.
— Eu imagino.
— Mas ele era tão legal comigo, por isso eu nunca entendi
nada do que aconteceu.
— E o que aconteceu?
— No dia da festa, Cecília veio me contar, na hora do
intervalo, que tinha ouvido Roger comentar com uns amigos que
estava planejando me humilhar diante de todo mundo.
— Como é que é?
Essa história só fica mais bizarra.
— Já assistiu Carrie, a Estranha?
— Não me diga que ele queria jogar sangue de porco na
senhora!
Levanto da mesa nervoso.
Não estou acreditando que esse verme ia fazer uma coisa
dessas com uma pessoa tão doce como a minha mãe.
— Não… Sangue de porco, não. Mas tinta, eu acho. Não me
lembro mais, Ian. Faz tantos anos…
— E o que a senhora fez?
— Fui até ele e disse que não podia mais ir ao baile com ele.
Acredita que o crápula parecia chateado?
— Mas é muito filho da puta! — esbravejo e soco a mesa,
enquanto minha mãe mastiga alguns gomos de tangerina.
— Resumo da ópera: fui ao baile sozinha. Eu tinha pensado
em desistir, mas Cecília me incentivou na época falando para eu
não dar a ele esse gostinho e eu caí feito um patinho.
— Como assim?
Sento-me novamente à mesa, de frente para ela.
— Eu acho que a Cecília armou isso para ficar com Roger na
festa — revela e eu sinto meu queixo cair.
— É o quê?
Bem que a Alana não se dá muito bem com a mãe dela.
— Não tem outra explicação, Ian. Já que ela fez questão de
desfilar com ele de braços dados na minha frente.
— Caramba, um casal de filhos da puta!
— Mas não acaba por aí… Seu pai me notou sozinha no
canto e veio até mim. Ele me chamou para dançar. Ele foi tão
incrível… — Seu rosto se ilumina e é impossível não sorrir. — Eu
nunca tinha visto o César com outros olhos, mas tudo mudou com o
carinho que ele teve comigo naquela noite.
— Caramba, mãe… Foi aí que vocês começaram a namorar?
— Naquela noite demos o nosso primeiro beijo.
Sua mente voa longe e eu vejo um brilho nos seus olhos. Sei
o quanto sente falta do meu pai até hoje, tanto que nunca nem
cogitou sair com mais alguém desde que ele partiu.
— Mas Roger nos viu beijando e acusou seu pai de ter furado
o olho dele.
— Mas não foi a Cecília que fez isso?
— Eu nem sei se ele sabe, Ian. O que eu sei é que eles
brigaram feio naquele dia. Eu tomei as dores de César, claro, e
Cecília, as dores de Roger. Resultado? Nunca mais fomos amigos.
— Caralho, mãe. Eu nunca ia adivinhar uma maluquice
dessas. Parece coisa de novela.
— E não é? Seu pai nunca deixou contar, porque isso sempre
foi um assunto proibido aqui em casa.
— Mas me conta uma coisa… — peço, aproximando-me dela
na mesa. — O pai socou a cara do Roger?
Minha mãe balança a cabeça, caindo na risada.
— Deixou um belo de um olho roxo nele!
Urro, comemorando, e ela ri mais.
— Meu pai é foda! Eu sempre vou amar esse cara!
Ela ri mais um pouco e me oferece um gomo da tangerina,
que aceito de bom grado.
— Mas sabe que, no fim de tudo, foi bom isso ter acontecido.
Imagina se eu tivesse casado com o Roger? — Ela faz uma careta e
eu faço um sinal da cruz. — Se eu não tivesse me casado com seu
pai, eu não seria a sua mãe…
Ela me abre um sorriso terno e eu aproveito a brecha de que
precisava.
— Sonhei com o pai hoje — minto e ganho sua atenção. —
Ele estava bem novo em uma delegacia, quando uma moça chegou
lá desesperada com um bebê no colo…
Conto a versão do meu pai com cuidado para não entregar
mais do que sei e colocar tudo a perder.
— Ah, Ian… Você era lindo. — Suspira. — Sempre teve
esses olhos azuis tão marcantes e o nariz fininho.
E então eu sinto um golpe no peito.
Foi exatamente essa a descrição que Rosa me deu do bebê
dela…
— E a moça que me deixou na delegacia… Ela também
estava desesperada como no meu sonho?
Minha mãe se remexe na cadeira e morde a pontinha do
lábio.
— Seu pai contava que ela estava muito perdida. Pedia para
salvar a sua vida e que ela não tinha mais para onde ir.
Ouço em silêncio e assinto, engolindo em seco.
Não tem como ser só uma coincidência…
Quais seriam as chances?
— Não fique com raiva dela, filho. Se ela fez isso, é porque
pensava ser o melhor para você.
— Não, mãe — trato de interrompê-la. — Não tenho raiva
dela. Sou é muito grato por isso, afinal fui acolhido pelos melhores
pais que eu podia ter.
Ela sorri e aperta a minha mão com carinho por cima da
mesa.
— Assim que seu pai pôs os olhos em você, soube que seria
nosso. Ele nunca nem cogitou te mandar para um abrigo…
— Que saudade dele — confesso e ela confirma.
— Eu também…
— E a senhora? Também teve certeza de que me queria só
de me olhar? — pergunto curioso e ela sorri.
— Nós ainda não planejávamos ter filhos, afinal ainda éramos
recém-casados. Mas você já viu o quanto era lindo? Quem resiste a
um bebê daqueles?
O jeito apaixonado como minha mãe fala só me faz sorrir.
Mas ainda estou morto de curiosidade para saber mais.
— Eu posso não ter te gerado, Ian. Mas você nasceu para
ser nosso filho.
— Eu nunca tive dúvidas disso — respondo firme e ela sorri.
Minha mãe volta a sua atenção para a tangerina e eu resolvo
jogar minha última cartada para que não restem mais dúvidas.
— E, mãe… — chamo-a, e ela ergue os olhos para mim. —
Meu nome sempre foi Ian? Ou vocês que o escolheram?
Ela se remexe na cadeira e desvia o seu olhar do meu.
— Foi seu pai que escolheu, ele sempre achou lindo…
— Então eu tinha algum outro? — pergunto, sentindo meu
coração acelerado dentro do peito.
Dona Luma suspira e assente.
— Era Mateus.
Puta que pariu.
Minhas mãos tremem e minha garganta fecha ao me lembrar
do mesmo nome saindo dos lábios de Rosa.
Puta que pariu, Ian.
Você realmente está abrigando a sua mãe biológica em sua
casa.
Meu Deus do céu.
Como…
Como isso foi possível?
— Isso te deixou desconfortável, filho? Desculpa. Eu só
respondi o que me perguntou e…
Olho para o semblante preocupado de minha mãe e penso
que a minha expressão deve ser a pior possível.
— Não, de forma alguma. — Tento sorrir para aliviar a
tensão. — É só muita informação para um dia só — brinco e ela
franze o cenho para mim.
— Tem certeza?
Eu me levanto da mesa e me abaixo em sua frente.
— A senhora é a melhor mãe que eu poderia ter, dona Luma.
Não importa o que tenha acontecido antes disso, eu sempre serei o
seu filho.
Minha mãe sorri e eu beijo sua testa com carinho.
— Agora eu preciso ir.
— Mas já? Não quer ficar para o jantar?
— Eu vou me encontrar com Alana daqui a pouco — minto
mais uma vez. — Passei aqui só para te ver um pouquinho.
— Ah… Tudo bem. Não demore a voltar, viu?
Ela me abraça e eu beijo seu rosto com carinho antes de me
levantar.
— Pode deixar, dona Luma.
Despeço-me dela e saio de casa, montando na moto e
pegando as ruas da cidade em alta velocidade.
Piloto por minutos, horas, nem sei.
Só sei que estou perdido, sem rumo, sem saber para onde ir.
Agora que finalmente sei da verdade, não faço ideia do que
fazer.
Que Deus me ajude.
Atravesso as portas do hospital e, quando desço as escadas
até a saída, noto um vulto familiar, que me tira um sorriso.
Essa é a segunda vez que Ian me surpreende na saída do
trabalho e, ao contrário da última, hoje estou extremamente feliz de
vê-lo por aqui.
— Ian? — chamo-o, e ele ergue os olhos, sorrindo para mim.
E, nossa… Como ele é lindo.
O peitoral forte está marcado pela jaqueta de couro justa em
seu corpo e a calça jeans desbotada e rasgada nos joelhos dá o
toque final. Eu nunca canso de admirá-lo e pensar no quanto o
tempo fez bem a ele.
— Oi, Alana.
Ele sorri e se aproxima de mim, beijando minha testa com
carinho.
— Tem algum compromisso agora? — pergunta e eu nego.
— Posso te levar para um passeio? — convida e eu aceito de
pronto.
Pego o capacete em suas mãos; logo que eu o coloco, ele
tira uma jaqueta de couro de dentro da mochila e me estende.
— Está ficando frio de moto e achei que você fosse precisar
de uma…
— É para mim?
Pego da sua mão e sorrio ao recebê-la. A jaqueta é bem
parecida com a dele, porém com corte feminino.
— Achei que fosse gostar.
Ian dá de ombros e eu me jogo em seus braços, apertando-o
forte.
— É linda, Ian! Eu amei! Obrigada!
Visto a jaqueta e ele me ajuda com o zíper. Quando estamos
prontos, subimos na moto e logo Ian pilota até a ponte da cidade.
Ao estacionar, ele me estende a mão para me ajudar a
descer e me guia até a lateral dela, onde nos sentamos na grama,
de frente para o rio.
— Meu pai costumava me trazer aqui… — comenta e seu
olhar vai longe.
Eu sei que ele sempre admirou o seu pai e eu nem imagino
como deve ter sido difícil perdê-lo tão novo. Apesar das minhas
desavenças com o meu, eu o amo muito e pensar na possibilidade
de não o ter mais comigo já me dá um sentimento muito ruim.
— Você sente saudade dele, não é? — pergunto, pegando
sua mão e entrelaçando nossos dedos.
— Muita… — confessa baixo.
— Tenho certeza de que ele está muito orgulhoso de você —
comento e ele sorri.
— Obrigado.
Ian fica em silêncio por um momento e logo volta a atenção
para mim.
— Alana… — Sua voz parece nervosa, o que me causa um
calafrio.
— O que foi?
— Aconteceu tanta coisa na minha vida nos últimos dias e…
— começa a falar e para, coçando a nuca daquele jeito ansioso. —
Caralho, não estou mesmo sabendo lidar com tudo isso.
— Quer conversar? — ofereço e ele balança a cabeça antes
de tirar um maço de cigarros do bolso e começar a fumar um.
Ian está fumando bem mais do que socialmente e é algo que
tem me preocupado. Isso não faz nada bem aos seus pulmões.
Mas, como sei que ele pode ficar na defensiva se eu falar agora e
até mesmo se afastar de mim, prefiro esperar pelo momento
oportuno para tocar no assunto.
— Eu não consegui pregar os olhos ontem à noite —
confessa. — Na verdade, já faz muito tempo que não durmo bem.
— O que está acontecendo? — indago, já começando a ficar
preocupada.
— Tem certeza de que você quer se meter na confusão que é
a minha vida? — pergunta, arqueando a sobrancelha.
— Vai me perguntar isso justo agora?
Cruzo os braços e ele balança a cabeça.
— Eu estou ficando doido…
Ian fica visivelmente agitado e, quando acaba de fumar um
cigarro, já acende outro.
— Me diz o que é para eu saber se posso ajudar você.
Ian suspira e joga a fumaça do cigarro para o alto.
— Eu encontrei a minha mãe — conta e eu me sinto confusa.
— Mas a sua mãe não mora no mesmo lugar de sempre?
— Não a Luma. A minha mãe biológica — revela e eu sinto
meu queixo cair.
— Como assim? Mas você estava procurando por ela?
— Eu não! Nunca nem cogitei isso.
— E então, como foi?
Ian esfrega os olhos e dá mais um trago no cigarro antes de
se virar para mim.
— Um dia em que eu estava andando pela cidade, encontrei
uma senhora na praça, encolhida, sentindo frio. Aquela cena cortou
meu coração, então fui ao supermercado e comprei um cobertor e
comida para ela.
E é por um gesto desses que eu sempre vou defender o Ian.
Quase ninguém conhece esse seu lado, esse coração tão
grande que ele tem. Por trás de toda a postura de bad boy, existe
um cara incrível que se importa para caramba com as outras
pessoas.
— Eu senti algo diferente quando eu a vi, sabe? Como se a
conhecesse de algum lugar…
— Ela se parece com você? — pergunto e ele dá de ombros.
— Não sei. Os olhos são iguais aos meus, mas não consegui
perceber outra semelhança. Sou péssimo para essas coisas.
— E ela está na rua, Ian? Como soube que era ela? —
pergunto e ele gesticula com as mãos para que eu o espere
continuar.
Agora ele apaga o segundo cigarro e não acende outro de
imediato.
— Depois disso, eu passei pela praça por outros dias para
ver se a encontrava. E sempre que a via lá, parava para comprar
alguma coisa para ela comer. E com isso, fomos nos aproximando.
Em uma de nossas conversas, ela me contou que não era da cidade
e que veio para cá atrás de seu filho.
— Nossa…
— Ela conta que deixou o filho ainda bebê na delegacia há
vinte e sete anos…
Quando ele conta e eu calculo sua idade, sinto meu peito se
apertar. Sempre soube da história de que César adotou Ian porque
o levaram ainda bebê para a delegacia.
— Ian…
— Poderia ser coincidência, não é? Mas eu fui mais a fundo.
Descobri que ela tinha colocado o nome do bebê de Mateus, é
assim que ela o conhece. E ontem fui atrás da minha mãe Luma e
despistei com ela. Adivinha? Quando meu pai me adotou, eu
também me chamava Mateus.
— Ian do céu!
— É uma loucura, não é?
— Demais! E sua mãe sabe? Você contou para ela?
— Não! — Balança a cabeça e dobra os joelhos, esfregando
os dedos pela perna. — Eu não sei nem como eu conto isso para
ela, principalmente porque…
Ele para e respira fundo.
— Porque… — incentivo e ele faz uma careta.
— Ela está morando lá em casa.
— É o quê? — pergunto incrédula e ele coça a cabeça.
— Foi antes de eu ter certeza de que ela era mesmo minha
mãe! Lembra aquele dia que caiu uma tempestade aqui na cidade?
— Lembro…
— Então. Eu estava seguro em casa e me lembrei dela, na
praça, sozinha, molhada, com frio e não consegui não fazer nada,
Alana. Sou conhecido pela impulsividade, né? — Ri sem graça. —
Pedi ao Tiago o carro dele e fui atrás dela; quando a vi toda
encolhida, tremendo de frio, não pensei duas vezes. Eu a coloquei
no carro e a levei para a minha casa.
Meu peito se aperta e olho para o cara que eu amo, vejo o
quanto ele está atordoado ao mesmo tempo que parece aliviado por
compartilhar isso com alguém.
— Ela chorou porque eu lhe dei um lugar quente para dormir,
Alana — diz com a voz rasgada e eu sinto meu coração se partir
ainda mais.
— Ah, Ian…
— Eu não podia não fazer nada, entende?
Independentemente de ser quem me gerou ou não, Rosa é uma boa
pessoa e ser humano nenhum merece passar fome e frio.
Nesta hora não resisto e puxo-o em um abraço, ele me
aperta tão forte contra si que consigo sentir seu coração batendo em
minha pele.
— Esse é o meu Ian — sussurro e ele se afasta para sorrir
para mim.
— Alguém sabe que ela está lá com você? — pergunto e ele
nega.
— Não, ninguém. Eu estava ficando louco! Por isso precisava
contar para você.
Toco seu rosto e lhe dou um selinho, mostrando que estarei
ao lado dele sempre.
— É por isso que você foi embora cedo no domingo? —
questiono me lembrando do episódio.
— É… — responde, desviando o olhar do meu. — Rosa não
come enquanto está sozinha lá em casa. Ela não toca nas minhas
coisas se eu não estiver por perto.
— Nossa, Ian…
— Então se eu passasse o dia com você…
— Ela ficaria com fome — constato e ele assente.
— Exatamente. E eu não podia permitir isso. Ela não me dá
trabalho nenhum, Alana. Não faz um mísero barulho, tanto que Ítalo
nunca notou nenhum movimento lá em cima.
— Que loucura, Ian…
— Não é? E agora eu não sei o que fazer. Não posso ficar
escondendo-a lá em casa a vida toda. Mas para onde eu a mandaria
se ela não tem para onde ir?
— Podemos procurar um abrigo…
— Pois é. Ela mesma sugeriu isso, porém tenho receio. Não
quero tirá-la de casa para um lugar pior, sabe? Não quando ela tem
conforto comigo. Sei que a quitinete é pequena, mas ela dorme bem
no sofá, tem coberta quente, passa o dia vendo TV e lendo os livros
de que gosta.
— Você é o cara mais incrível que eu já conheci — afirmo e
beijo seus lábios com carinho.
— Sabe que isso não é verdade. — Ele estreita os olhos para
mim.
— É porque você não se enxerga tão bem.
Ele suspira e toca meu rosto com carinho.
— Pode manter segredo? — pede e eu confirmo.
— Claro! Sabe que pode confiar em mim.
— Eu sei… E não imagina o quanto me faz bem dividir isso
com alguém. Eu estava me sentindo sufocado já.
— Estou aqui por você sempre.
Pego sua mão e trago aos meus lábios para beijar.
— Eu ainda não sei o que fazer, mas quando eu começar a
pensar nisso te falo, ok?
— Combinado. E, se precisar de ajuda para qualquer coisa,
saiba que pode contar comigo.
— Obrigado, Alana.
Beijo seus lábios de leve e seu calor faz meu corpo se
arrepiar.
— Agora me conta uma coisa… — interrompo nosso beijo e
toco seus cabelos macios. — Como você está com tudo isso? Digo,
até pouco tempo você nem cogitava procurar sua mãe biológica e
agora ela está dividindo o mesmo teto que você.
— É uma confusão absurda — confessa. — Eu sei que a
minha mãe é a Luma, porque foi ela que me acolheu e cuidou de
mim. Ela me ajudou a me tornar quem eu sou hoje. Mas não posso
simplesmente ignorar a Rosa e fingir que ela não é nada na minha
vida.
— Você já sente um carinho especial por ela… — constato e
ele confirma.
— Muito antes de sequer cogitar essa possibilidade, eu já
gostava dela. Então não vou simplesmente tirá-la da minha vida,
entende?
— Ela sabe que você é o filho dela?
— Se desconfia, nunca me contou nada. Mas eu mesmo não
disse a ela.
— E pretende contar?
Ian suspira e corre a mão pelos cabelos.
— Não sei. Da mesma forma que não sei quando contar para
a minha mãe e nem para onde levar a Rosa. Eu estou
completamente perdido.
— Ei… — Puxo-o para mim, e ele se aconchega em meu
abraço. — Um dia de cada vez, ok? Você vai saber quando chegar a
hora de dar cada um desses passos. Mas vá com calma, respire
fundo, não atropele as coisas…
— Um dia de cada vez… — sussurra e eu acaricio seus
cabelos, mantendo-o bem pertinho de mim.
Agora consigo compreender toda agitação que tem
acompanhado Ian nos últimos dias, muito além do TDAH. Ele está
enfrentando coisas demais, coisas com as quais não sabe muito
bem lidar.
E ainda há quem não acredite que ele é incrível…
Quem mais faria tanto por outra pessoa sem esperar nada
em troca?
Ah, Ian…
Eu só consigo amar ainda mais você…
Se é que isso é mesmo possível.
Estou deitado debaixo da Harley-Davidson em que estou
trabalhando, quando vejo um vulto se aproximar de mim, em passos
lentos.
— Ítalo, pega o alicate que deixei em cima da bancada para
mim — peço ao meu irmão, mas a resposta de imediato não vem.
Eu me afasto um pouco da moto para vê-lo e a imagem que
me surge faz o meu estômago se revirar.
— Se eu fosse você, não me deixaria com um alicate nas
mãos — Roger debocha me olhando de cima, com os braços
cruzados.
Levanto-me de pronto, já sentindo o coração disparado
dentro do peito. O que esse infeliz está fazendo aqui?
— Pelo visto, além de drogado, você é burro — cospe e eu
sinto meu sangue talhar.
— Eu não sou a porra de um drogado! — grito e logo vejo o
meu irmão aparecer ao meu lado.
— Ian?
O semblante de Ítalo está assustado.
— Ítalo, vai dar uma volta — peço e ele me olha resistente. —
Vai, porra!
Meu irmão mais novo balança a cabeça passando por mim e
logo me deixa sozinho na oficina com o cara que eu mais odeio no
mundo: Roger Cardoso.
Ainda não sou capaz de compreender por que um ser tão
desprezível como ele conseguiu gerar uma mulher tão incrível
quanto a Alana. Esse fato isolado deveria ser estudado pela Nasa.
— Pelo visto você não foi capaz de me ouvir, não é?
Ele pega uma chave de roda na minha bancada e soca a
porta do armário, afundando-a.
— Alana é muito grandinha, não acha? — desafio-o. — Ela
sabe muito bem o que quer.
— Você só pode ter feito lavagem cerebral nela, para querer
alguém como você — desdenha e eu solto uma risada amarga.
— Eu não fiz nada. Não tenho culpa se ela tem muito mais
cérebro do que você.
Roger dá mais uma porrada no meu armário com a chave e
eu avanço sobre ele, para tirar de suas mãos. Esse cara nem é
louco de destruir a minha oficina.
— Não ouse encostar em mim!
— Então tira as patas da porra da minha oficina! Isso aqui é
meu, tá legal? Posso não ter um hospital aos meus pés, mas meu
trabalho é tão honesto quanto o seu.
A risada sarcástica de Roger me dá um arrepio na espinha.
Eu odeio esse cara.
— Aposto que ainda vende droga por aqui, para juntar tanto
dinheiro…
Bufo, rindo.
— Pode revirar tudo, doutor. Confere cada armário, abre cada
porra de gaveta e vê se tem alguma droga aí. Não dou a mínima
que não acredite em mim, mas eu tenho a consciência limpa de que
não tem nada disso na minha vida.
Roger me analisa por um momento e continua brincando com
a chave de roda em suas mãos. Vou até o canto da oficina e pego a
barra de aço que eu vou usar em uma motocicleta. Não ligo de
amassar nele se precisar. Se esse bosta avançar em mim, é
legítima defesa.
— Eu vou te dar só mais uma chance, sujeitinho…
— Eu não ligo para porra nenhuma que venha de você! —
brado e ele arqueia a sobrancelha para mim.
— Se continuar se encontrando com minha filha pelas minhas
costas…
— Pelas suas costas? — Rio, debochado. — Eu a busquei na
porta do “seu” hospital. Não foi nas suas costas, doutor, foi debaixo
da porra do seu nariz mesmo!
Nunca me senti tão encorajado a desafiar esse cara quanto
agora.
Por muitos anos eu tive medo dele, do que pudesse fazer
comigo ou com Alana. Mas agora não sou mais a porra de um
adolescente, tenho como me proteger e como proteger Alana. Se
ele fizer qualquer maldade com ela, eu acabo com a vida desse
sujeito sem nem me preocupar com as consequências.
Maldito filho da puta!
— Desde quando ficou tão atrevido? Sabe que eu posso
acabar com você e…
— E vai fazer o quê? Destruir a minha oficina? Tem câmeras
de segurança aqui, eu consigo provar que esteve aqui me
ameaçando.
Roger estreita os olhos quando vê que eu não me intimido
com suas ameaças.
— E acha que acreditariam em quem? Em um médico
renomado ou em um ex-drogadinho?
— Isso mesmo, “ex” drogado! Que tem mais de seis anos que
vive limpo e anda na linha. Pode buscar minha ficha na polícia, que
está mais limpa que a lataria da sua BMW.
Ele balança a cabeça e coça o queixo.
— Claro que está. Aposto que o delegado deu um jeito de
limpá-la antes de bater as botas.
E então eu avanço.
Quem ele pensa que é para falar assim do meu pai?
Puxo-o pelo colarinho branco e olho dentro dos seus olhos. A
fúria que eu estou faz com que meu corpo inteiro trema e não é
difícil intimidá-lo, já que sou o mais alto aqui.
— Eu já falei uma vez e vou falar de novo, doutor — ranjo
entredentes. — Tira o nome do meu pai da porra da sua boca!
Com um impulso, empurro-o forte, e ele cambaleia um pouco,
segurando na bancada do armário.
— Eu não tenho medo de você. Eu não ligo pra porra da sua
influência e do seu dinheiro. Some daqui! — berro e ele não parece
satisfeito.
Roger avança sobre mim e me dá um soco no olho; a fúria
toma conta de todo o meu ser e eu soco-o de volta, tirando sangue
do seu nariz.
— Agora vai lá, faz queixa na polícia — ameaço-o. — Aquela
câmera ali — aponto para o alto da parede — registrou que foi você
quem começou e vamos ver quem é que vai sofrer um processo
aqui.
Roger esbraveja e chuta a porta do meu armário enquanto
limpa o sangue do nariz.
— Isso não acabou aqui.
Ele vira as costas e sai, cantando pneus. Eu fico
completamente nervoso, desconcertado e dou um chute na parede,
até tirando um pedaço da tinta.
— INFERNO!
Meu olho lateja e eu vejo que vou precisar de um gelo aqui,
caso contrário amanhã ficará roxo pra caralho.
Em pouco tempo, Ítalo volta, ele arregala os olhos ao ver a
bagunça que a oficina virou e minha cara de poucos amigos.
— Está tudo bem? — questiona e eu balanço a cabeça.
— Acho que só preciso de um gelo aqui.
Aponto para o meu olho, que sinto começar a inchar.
— Ele bateu em você? — pergunta preocupado e eu rio
fraco.
— Mas eu quebrei o nariz dele, então tudo certo.
Dou uma piscadinha e meu irmão ri.
— Finalmente enfrentou aquele demônio?
— Para todos os efeitos, aquelas câmeras estão
funcionando, ok? — digo apontando para o alto e ele ri.
Já faz uns meses que elas deram defeito e Ítalo vive me
cobrando para chamar a manutenção, mas eu sempre deixo para
depois. Como nunca entraram aqui, fico sempre postergando isso.
Mas o fato de elas ainda estarem ali me ajudou bastante
hoje.
— Pode deixar. Você acha que ele vai voltar aqui?
— Não sei — respondo, soltando um suspiro. — Não estou
preocupado com isso, na verdade. Eu me viro aqui. Meu medo é a
Alana…
— Acha que ele pode fazer alguma coisa com ela?
— Você confia naquele verme? — pergunto de pronto e Ítalo
nega.
— Nem a pau.
— Pois é… Vou esperar meu olho melhorar para me
encontrar com ela. Tenho medo de que me veja assim e enfrente o
pai onde eu não possa protegê-la.
Ítalo olha para mim e sorri.
— O que foi?
— Para quem não queria nem vê-la, já está até pensando na
sua proteção…
Bufo de seu sorriso bobo.
— É de Alana Cardoso que estamos falando, ok?
— E…?
— Ela é só a dona da porra do meu coração.
O sorriso de Ítalo se torna gigante e eu dou um soquinho
fraco em seu ombro.
— Doeu para admitir, irmão?
Mostro o dedo do meio e rio junto com ele.
Só Ítalo mesmo para aliviar a tensão do dia de hoje.
— Eu vou buscar gelo para você — comenta, quando me vê
fazer uma careta de dor.
Esse olho não vai ficar mesmo nada bonito amanhã.
Sento-me na cadeira em frente a sua mesa e logo ele chega
com uma bolsa de gelo, me entregando. Cubro o olho com cuidado
e gemo baixo quando o gelo encontra minha pele.
— E você? — pergunto, desviando o assunto de mim. — Se
resolveu com Letícia? Faz tempos que você não me fala nada e me
parece inquieto.
— Ela vai terminar o noivado — revela e eu assobio.
— Porra. Sério?
Ítalo balança a cabeça, mas parece preocupado.
— E você não está feliz?
— Estou, Ian. — Suspira. — Mas tenho medo do que possam
fazer com ela. Não quero que Letícia seja deserdada na família,
nunca quis isso.
— Ela não vai. Vai dar certo, você vai ver.
— Mas eu não sou rico igual ao noivo dela.
— Mas também não é tão ferrado quanto eu. E olha o seu
irmão. Saindo no tapa com o neurocirurgião mais famoso da cidade
para ficar com a filha dele.
Ítalo solta uma risada.
— Você trabalha, tem uma poupança de herança do nosso
pai guardada e está quase se formando na faculdade. Você é um
cara foda, Ítalo. Eles vão gostar de você.
Meu irmão me analisa por um momento e assente.
— Obrigado, Ian. Às vezes você sabe ser sábio também —
brinca e eu rio.
— Pois é… De vez em quando solto umas pérolas assim.
Aproveita, que não é sempre, e me escuta.
Ele ri mais uma vez, balançando a cabeça.
— Pode deixar.
Solto a bolsa de gelo e coloco-a de novo, soltando um
gemido baixo.
— Esse olho vai ficar feio, hein? — diz e eu dou de ombros.
— Só não vai ficar pior que o nariz do Roger — respondo,
triunfante, e ele ri.
— E qual foi a sensação de finalmente socar esse cara?
— Nunca me senti tão leve em minha vida — revelo.
— Faço ideia… O pai ficaria orgulhoso de você.
— E eu não sei disso?
Aproveito a deixa e conto a ele a história que nossa mãe me
contou sobre a briga de adolescência e a reação de Ítalo é a mesma
que a minha quando ficou sabendo. Ele nunca tinha ouvido essa
história.
Mergulhar nisso me faz distrair um pouco a mente de algo
que vai me assombrar pelos próximos dias: Alana.
Eu não sei o que esse maldito será capaz de fazer com ela e
a única coisa que eu temo é pela sua segurança.
Sei que agora comecei uma guerra, mas espero muito que a
minha garota não saia na lista dos feridos.
No banco de trás do Uber, minha mente voa longe
preocupada com Ian. Desde o dia em que ele me buscou no
trabalho e me contou sobre sua mãe biológica, tenho o notado
distante. Nos dias que seguiram, suas mensagens foram ficando
cada vez mais econômicas e ele nunca podia me ver quando eu
sugeria.
Tem alguma coisa errada.
Uma sensação ruim tem tomado conta de mim e hoje,
sozinha em casa, não aguentei mais adiar. Chamei um Uber para
sua oficina e espero conseguir encontrá-lo lá. Sei que, pelo horário,
já encerrou o expediente, mas se eu der sorte vou encontrá-lo
trabalhando até mais tarde como na maioria dos dias.
Preciso saber como ele está. Se está precisando de ajuda, ou
se já tomou alguma decisão a respeito de Rosa.
É muito louco o que a vida aprontou para ele, mas ao mesmo
tempo penso em como isso foi algo do destino. Ian precisava
encontrar Rosa para salvá-la das ruas e, independente do que
aconteça a seguir, ele já mudou a vida dela.
Quando o Uber para na porta da oficina, desço do carro
encontrando as portas fechadas, mas o reflexo da luz acesa revela
que ele ainda está lá. Toco o interfone e, quando me identifico, ouço
o som dos passos até o portão, que abre para que eu possa entrar.
— Ian… — começo a falar e paro.
A imagem de um olho arroxeado faz o meu peito se apertar.
— O que aconteceu? — pergunto e ele não diz nada, antes
de fechar o portão atrás de mim e caminhar até o balcão da oficina,
onde se encosta e suspira.
Eu me aproximo dele e toco seu rosto com carinho.
Um nó se forma em minha garganta.
— Quem machucou você? — questiono e ele apenas nega,
desviando-se de meu contato.
— Não foi nada, Alana — responde seco e eu estreito os
olhos para ele.
— Como não foi nada? Você se distancia de mim,
conversando o necessário nos últimos dias, e, quando eu chego,
encontro seu olho roxo? É claro que aconteceu alguma coisa!
Ian bufa e anda alguns passos até a motocicleta em que
parece estar trabalhando.
— Ei! Eu estou falando com você! Não me dê as costas —
reclamo e Ian ergue as mãos para cima.
Mas, antes que eu vá em sua direção, vejo uma imagem que
chama a minha atenção. Algumas portas de seus armários estão
amassadas. Será que ele se meteu em alguma briga?
— O que aconteceu aqui? — Aponto para os armários e Ian
não diz nada. — Você se meteu em alguma briga, Ian?
— Eu não me meti em nada, tá legal? — responde nervoso e
eu sinto um frio na barriga.
— Então o que foi que aconteceu? Me deixa te ajudar…
Aproximo-me dele e toco seu braço com carinho, quando o
vejo suspirar e fechar os olhos, balançando a cabeça.
Ian parece travar uma batalha interna e, quando reabre os
olhos para mim, as íris azuis estão daquele jeito intenso que me é
tão familiar.
— Você tem que me prometer que não vai fazer nada a
respeito — diz e eu balanço a cabeça.
Eu não vou prometer nada.
— Alana…
— Não vou prometer uma coisa que eu nem sei o que é, Ian.
Sem chance!
Ele bufa e coça a nuca daquele jeito ansioso.
— Seu pai esteve aqui…
— Como é que é? Foi ele que bateu em você?
Ian confirma com um aceno e eu sinto meu sangue ferver.
Quem ele pensa que é para fazer isso?
— Foi ele que amassou seus armários também? — pergunto,
mesmo já sabendo a resposta.
Ian confirma e eu balanço a cabeça.
Inacreditável.
— Mas não se preocupe, não acho que ele vá voltar aqui —
diz, mas eu não tenho tanta certeza. — Eu mostrei a ele as câmeras
de segurança e disse que tenho como provar que foi ele que
começou a briga.
— Não sei se só isso será suficiente…
— Eu também não, mas falei firme com ele dessa vez. Não
tenho medo do seu pai, Alana. Mas tenho medo do que ele possa
fazer com você.
Ian se aproxima de mim e toca meu rosto com carinho. O
movimento me faz fechar os olhos por um instante.
— Ele não vai me machucar… — asseguro-lhe, e Ian me olha
desconfiado. — É sério, Ian… Em seus momentos de maior fúria,
meu pai nunca encostou um dedo em mim.
— E quanto ao trabalho? Ele pode te prejudicar lá? —
pergunta, preocupado.
— Não acho que ele vai sujar a reputação dos Cardosos por
isso — digo em uma careta e ele ri. — E, se me tirar de lá, não faz
mal. Eu vou para outro hospital, recomeço em outro lugar, não me
importo.
O sorriso que eu tiro de Ian é tão lindo, que faz meu coração
errar uma batida.
— Eu tenho tanto orgulho de você… — diz, abraçando minha
cintura e beijando meus lábios com carinho. — Mas tome cuidado,
ok? Eu não confio nele…
— Eu sei.
Puxo-o pela nuca e me aproximo ainda mais dele, para beijá-
lo de um jeito tão intenso, capaz de esquecer toda a confusão em
que temos nos metido nos últimos tempos.
— Já terminou seu trabalho? — pergunto, entre beijos,
quando sinto meu corpo se arrepiar com seu contato.
— Ainda não, mas posso terminar amanhã.
Em um movimento, Ian me pega pelo colo e me leva até a
bancada da oficina. Empurra todas as ferramentas para o canto e
me senta ali, de pernas bem abertas para ele.
— A câmera… — sussurro quando sinto-o subir a mão por
debaixo da minha blusa.
Eu não me lembro de tê-la visto na última vez que ficamos
aqui, mas, agora que sei da sua existência, não quero que fique
gravado este momento.
— Ela não funciona… — murmura beijando o meu pescoço e
mordiscando de leve.
— Não?
— Não… Só não conta para o seu pai.
O sorriso safado de Ian me faz rir baixo e logo sou engolida
pela sua boca, abafando o meu riso.
Ah, Ian…
Como eu senti a sua falta…
Enquanto uma mão brinca com meu seio por cima do sutiã,
sua boca desce de meu pescoço até o colo, enterrando-se em meu
decote.
Eu me afasto dele apenas para tocar a barra da camiseta e
atirá-la longe, ficando somente de sutiã para ele. Ian lambe os lábios
de forma a me revelar aquela peça de metal em sua língua e aperto
as pernas em antecipação. Eu amo as maravilhas que o seu
piercing faz.
Desabotoo o sutiã e o atiro longe, vendo Ian me abraçar mais
uma vez para lamber os meus seios, chupar e morder. A sequência
de movimentos só faz meu sexo inchar e eu gemo seu nome, que
só intensifica ainda mais o seu contato.
— Você é a porra da mulher mais gostosa que já conheci.
Suas mãos descem até o zíper da minha calça jeans e eu o
ajudo a tirá-la, ficando apenas de calcinha e botas pretas.
— Caralho, Alana… Essa visão…
Ian avança sobre mim e desce a boca pela minha barriga, até
a minha calcinha, mordendo-me por cima do tecido.
— Ian…
— Você gosta, não é? — pergunta e eu apenas assinto
freneticamente antes de vê-lo afastar a minha calcinha para correr a
língua pelo meu sexo.
— Ah… Esse gosto…
Ian me chupa com vontade e eu preciso agarrar a bancada
ao meu lado para não cair. É tudo tão gostoso que eu sinto minha
visão nublar a cada movimento que ele faz.
Quando me penetra com os dedos enquanto me chupa forte,
eu sinto meu corpo começar a tremer.
— Ian…
— Eu amo como você geme gostoso assim…
— Oh…
Eu só consigo gemer mais enquanto Ian me fode com seus
dedos e me chupa daquele jeito que só dele.
Ter a boca de Ian no meio das minhas pernas se tornou uma
das minhas coisas favoritas agora.
— Goza, Alana.
Ele nem precisa pedir duas vezes.
Meu corpo inteiro se contrai em espasmos e Ian só me solta
quando vê que a onda de orgasmo passou.
— Eu quero tanto você… — sussurra, no pé do meu ouvido.
— Posso te comer aqui?
Minha resposta é um gemido e eu o vejo tirar a carteira do
bolso para pegar uma embalagem de preservativo. Enquanto ele o
abre, puxo sua camisa para cima e ele me ajuda a retirá-la de seu
corpo, revelando o peitoral completamente tatuado.
— Você é uma delícia — confesso e seus olhos faíscam em
minha direção.
— Você vai ver o que é uma delícia…
Ian abaixa sua calça e leva a cueca junto, revelando o
membro duro, ereto, de veias pulsantes. A minha boca
imediatamente saliva.
Será que…
Em um impulso, pulo da bancada, para a surpresa de Ian. Eu
me abaixo em sua frente e tomo seu pau em minha mão, e ele
rosna com o contato.
— Porra, Alana…
— Eu também tenho o direito de sentir o seu gosto — digo,
antes de chupá-lo fundo, indo até o talo.
O movimento quase me faz engasgar e eu não me intimido,
continuando a engoli-lo de uma forma sedenta, desesperada,
deixando Ian louquinho.
Ele me puxa pelos cabelos e intensifica meu movimento,
fodendo a minha boca, fazendo com que eu o tome cada vez mais
fundo, cada vez mais forte.
— Alana… — geme e eu aperto suas bolas com a mão,
fazendo-o se contorcer em minha boca.
— Hummm… Tão gostoso… — digo, manhosa, enquanto
chupo seu pau com vontade e só consigo ver Ian me apertar ainda
mais contra ele, aumentando meu contato.
Em um ato de desespero, Ian me afasta e eu o olho
desconfiada.
— Não quero gozar ainda, puta que pariu.
Sorrindo vitoriosa, eu me levanto e ele me pega no colo,
levando até a sua moto, que está estacionada no canto oposto da
oficina.
Ele me senta no banco e me puxa pela nuca.
— Você já foi comida em cima de uma moto? — pergunta e
eu nego em um gemido.
Com um sorriso safado, ele me solta e pega a camisinha,
começando a deslizar em seu membro bem lentamente, sem tirar os
olhos de mim.
Sentada na moto, com as pernas bem abertas, Ian se
aproxima de mim e apenas afasta a minha calcinha, penetrando-me
de uma vez só.
O movimento tira um gemido alto de nós dois e eu preciso me
agarrar nele para não cair. Ian me abraça pela cintura enquanto me
estoca forte e logo sai de dentro de mim, esfregando o membro
lambuzado em meu clitóris.
— Ian… — gemo alto e ele volta a me estocar mais uma vez.
Ele me puxa pela nuca enquanto mete tão forte, tão duro que
eu tenho a sensação de que vamos derrubar a motocicleta, mas ela
se mantém firme.
— Esse piercing… — gemo e ele sorri beijando e mordendo
meus lábios.
— Gostou, é?
— A-hã…
— O choque dele em sua boceta te deixa louca, Alana? —
sugere e eu só sei gemer.
Ian rebola o quadril fazendo movimentos circulares em meu
clitóris com a peça de metal e meus gemidos se tornam ainda mais
altos.
Puta que pariu.
— Ian…
— E se eu der mais uma mãozinha?
Com uma mão, Ian me segura em cima da moto e com a
outra, desce até o meu clitóris, tocando ali com o polegar, enquanto
me estoca cada vez mais forte.
O seu pau dentro de mim, o seu piercing gelado batendo na
minha boceta enquanto ele me estimula com os dedos é a coisa
mais deliciosa que já vivi.
— Porra, Ian… — choramingo e ele me abre um sorriso
safado antes de beijar meus lábios de forma desesperada.
Enquanto Ian me fode de um jeito bruto demais, toco seu
rosto com carinho e o movimento o faz olhar dentro dos meus olhos.
— Eu amo você — declaro e ele sorri, antes de acelerar os
movimentos ainda mais.
As suas estocadas fortes nos fazem gozar juntos e, quando
ele se afunda em mim, morde a curva do meu pescoço.
— Porra, Alana… Eu amo tanto, mas tanto você… — diz,
ofegante, e logo se afasta para tocar meu rosto úmido pelo sexo
intenso que acabamos de fazer.
— Vai ser sempre assim? — pergunto e ele ri, daquele jeito
safado.
— Eu acho que a cada vez fica melhor.
Ian beija meus lábios bem devagar agora, provando-me com
tanto amor que eu sinto meu coração bater ainda mais forte dentro
do peito.
— Eu nunca vou olhar para essa sua oficina com os mesmos
olhos — brinco e ele ri.
— E eu vou ter que trabalhar de pau duro todos os dias agora
— fala e eu caio na risada.
Ian me tira com cuidado de cima da moto e pegamos nossas
roupas, vestindo-nos novamente. Imagino que meus cabelos
estejam uma bagunça, por isso corro os dedos por eles, para ajeitá-
los.
— Você está linda — diz, ao perceber a minha intenção.
— E você ficou tão gostoso — elogio e ele sorri. — Pode me
oferecer um copo de água? Estou com sede.
— Por que será? — Seu sorriso é malicioso e eu dou um
tapinha em seu braço.
— Vem, vou pegar para você.
Ian me guia até a geladeira da oficina, mas se detém.
— Acho que tenho uma ideia melhor.
Ele me direciona até as escadas que levam a sua quitinete e
eu sinto meu coração bater mais forte em expectativa.
Não só por ser a primeira vez que ele me leva até a sua casa,
mas também por conhecer a sua nova hóspede.
Quando Ian abre a porta de casa, encontramos a TV ligada e
um vulto deitado, por baixo das cobertas. Ian anda devagar até o
sofá e logo sinaliza que eu vá até ele com cuidado.
Rosa está dormindo no sofá, com o travesseiro preso debaixo
do pescoço. A imagem da mulher dormindo tranquila faz o meu
coração se apertar e eu consigo compreender por que Ian não
conseguiu negar-lhe ajuda.
Ela parece tão frágil, tão indefesa…
Observo-a por mais um instante e, mesmo que não consiga
ver seus olhos, posso identificar alguma familiaridade em seus
traços.
Ian sinaliza para que eu o acompanhe até a cozinha e lá ele
pega água para nós dois.
— Conseguiu entender por que eu não consigo tirá-la daqui?
— diz, puxando a cadeira da mesa, e eu faço o mesmo.
— Sim… Ela parece tão segura ali no sofá, não é? — aponto
e ele confirma.
— Estou muito ferrado, não estou? — Ian faz uma careta e
eu sorrio, pegando sua mão.
— Vamos conseguir resolver isso juntos — afirmo,
entrelaçando nossos dedos. — Eu estou aqui com você, lembra?
Ian sorri e assente, dando um tapinha em sua coxa para eu
me sentar. Aceito seu convite e me acomodo em seu colo, sendo
envolvido por seus braços quentes.
— Eu não sei o que seria de mim se você não estivesse
aqui… — sussurra. — Obrigado por ter voltado para mim.
Beijo seu rosto e acaricio seus cabelos em um gesto tão
íntimo, tão gostoso, que diz muito sobre isso.
Agora que eu voltei e reconquistei o amor da minha vida, não
vou sair do seu lado. Não agora que sei mais sobre ele e que o amo
ainda mais por isso.
Não importa o que meu pai ache, ou o que toda a sociedade
pense sobre nós dois.
Se nós somos compatíveis ou não.
O meu lugar é com Ian Bastos e eu nunca vou sair daqui.
Entro na quitinete com as sacolas da padaria e levo tudo até
a cozinha, não encontrando Rosa pelo caminho. Imagino que deva
estar no banheiro. Enquanto espero, abro a geladeira e tiro uma
caixa de leite. Monto a mesa e pego o celular no bolso para mandar
uma mensagem de bom-dia para Alana. Pelo que me disse ontem,
hoje seu turno começaria bem cedinho no hospital.
É engraçado como estamos conseguindo fazer isso dar certo,
mesmo tendo vidas tão diferentes. Alana me completa de um jeito
que nem sei explicar e eu acabo pensando em como aquele clichê
de “os opostos se atraem” nos cai tão bem.
Trocamos algumas mensagens e logo penso que Rosa está
demorando um pouco no banheiro, por isso decido verificar se está
tudo bem.
Bato à porta do banheiro e ouço um som de vômito, o que me
deixa preocupado.
— Rosa? Está tudo bem? — chamo-a, mas tudo que recebo
é mais um som de vômito engasgado.
Bato à porta de novo e ela não reage, então no impulso giro a
maçaneta e sinto alívio ao encontrá-la destrancada.
— Rosa…
Encontro-a abaixada de frente para o vaso sanitário e com o
rosto extremamente pálido.
— Você está bem? — pergunto, mas nem preciso de
confirmação.
Olho pela borda para o vaso sanitário e sinto um frio na
barriga.
Ela…
Ela está vomitando sangue?
Eu preciso tirá-la daqui.
— Você consegue se levantar? — pergunto, mas mais uma
vez não recebo resposta.
Com cuidado, circulo sua cintura com meu braço e a levanto,
vendo seu semblante praticamente sem vida.
Puta que pariu.
O que será que ela tem?
— Você comeu alguma coisa diferente? — pergunto, mesmo
já sabendo a resposta; Rosa não come nada longe da minha
presença.
A mulher simplesmente nega com a cabeça e eu a levo até a
pia para lavar o rosto e secar com a toalha.
— Eu vou te levar ao hospital, ok? — afirmo e ela quase não
tem reação. — Vou chamar um Uber.
Vejo que ela está de pijamas e nem me preocupo em trocá-la,
eu só preciso tirá-la daqui, urgente. Sinto que o que quer que ela
tenha é bem grave e ficar parado perdendo tempo com o
dispensável só vai piorar ainda mais.
Desço as escadas da quitinete abraçado a ela, tomando
cuidado para que não caia e, quando chegamos ao térreo, chamo o
carro pelo aplicativo. Para nossa sorte, tem um bem próximo, então
não demoramos a entrar no veículo.
Durante o percurso, mando uma mensagem para Alana
contando sobre o ocorrido, mas, como ela não responde de pronto,
imagino que esteja ocupada no trabalho. Caso eu chegue ao
hospital e dificultem o atendimento a Rosa, vou acabar ligando para
ela para pedir ajuda.
Cerca de vinte minutos depois, estamos na porta do hospital
e, por um milagre, Rosa não vomitou durante o caminho, porém
continua mais branca do que nunca. Seu corpo também aparenta
estar com uma febre forte.
Será que isso foi repentino? Se ela estava se sentindo mal há
mais tempo, por que não me contou?
Deixo essas perguntas para depois, já que tudo que eu
preciso agora é buscar por ajuda.
Quando entro na recepção do hospital, coloco Rosa sentada
na cadeira e vou até o balcão. Rapidamente me pedem os
documentos dela e eu praguejo.
Ah, mas não é possível que vão barrar logo isso.
— Olha, ela não tem documentos, ok? Eu não sei nem o
nome completo dela. Ela só precisa de atendimento urgente, está
bem mal agora.
— Me desculpe, senhor, mas precisamos de documentos
para dar entrada no hospital e…
— Não podem deixar isso para depois? Ou colocar no meu
nome? Eu posso ser responsável por ela.
— Infelizmente não é possível. Como disse, precisamos dos
documentos para…
— Moça, você não está entendendo. Aquela senhora está
muito mal e ela precisa ser atendida urgentemente — elevo meu
tom de voz, porque começo a ficar nervoso.
Não é possível que vou ter que armar um barraco aqui no
hospital! Não tem uma lei que assegura moradores de rua?
— Ela era moradora de rua — afirmo e a expressão da
atendente não melhora muita coisa. — Eu tenho dinheiro para pagar
o tratamento dela. Só preciso que vocês a atendam! — grito e
esfrego as mãos pela nuca.
Logo vejo um segurança vindo em minha direção e praguejo.
Não podem me prender, não podem me tirar daqui, não sem cuidar
da Rosa.
— Que confusão é essa aqui? — uma voz familiar surge e
eu, que não deveria sentir alívio, sinto. Sinto pra caralho. — Ah, mas
tinha que ser…
Roger faz uma cara péssima ao me reconhecer e eu vou até
ele, que está na parede oposta da recepção.
— Doutor, eu preciso da sua ajuda… — imploro,
desesperado.
Foda-se se ele me odeia.
Foda-se se eu tenho pavor da cara dele.
Foda-se a porra do meu orgulho.
A Rosa é mais importante do que isso.
— Eu preciso de atendimento para ela. — Aponto para Rosa,
que ainda está sentada onde a deixei. — Ela não tem documentos,
ela era moradora de rua, ela…
— Calma aí, garoto… — Roger me interrompe e, pela sua
cara, vejo que será irredutível.
— Ela estava vomitando sangue, doutor. Por favor, esqueça
que você me odeia, só olha para ela… Ela precisa de ajuda.
Roger me analisa por um momento e caminha até o balcão
da recepção. Eu sigo-o até lá e insisto mais uma vez.
— Pode fazer tudo no meu nome, eu arco com cada agulha
que este hospital gastar.
Roger conversa alguma coisa com a recepcionista que não
entendo bem, porque ou está baixo demais ou eu estou nervoso
demais para compreender.
— Por favor, doutor. Ela… Ela é a minha mãe — falo baixo de
modo que Rosa não me ouça e então tenho a atenção dele.
— Como é? — Roger arqueia a sobrancelha e eu suspiro.
— Ela é minha mãe biológica, por isso eu estou cuidando
dela… Eu estou desesperado, por favor — imploro mais uma vez e
ele só balança a cabeça para a recepcionista.
O alívio que me toma quando ela diz que Rosa será atendida
é tanto que eu nem sei dizer. Passo todos os meus documentos
para ela, assino papéis que devem me fazer vender a alma para o
Diabo, mas não ligo.
Façam qualquer coisa, mas salvem a Rosa.
Em pouco tempo, ela é atendida e passa pela triagem, onde
a acompanho pela espera do médico que vai avaliá-la. Eu não vejo
mais o pai de Alana, mas sei que, depois que isso tudo passar,
precisarei lhe agradecer por isso.
Nunca imaginei que fosse um dia pedir ajuda para o cara que
mais odeio, mas só o fato de ter deixado nossas desavenças de
lado para ajudar uma pessoa inocente já me diz muito sobre ele.
Mando uma mensagem para Ítalo avisando que estou no
hospital com uma pessoa; peço a ele que pegue uma foto minha de
bebê com minha mãe e traga para mim.
Eu não sei como Rosa ficará hoje e se é o melhor momento
para isso, mas quero contar a ela quem eu sou para quem sabe lhe
dar mais força para vencer isso.
Vejo que Alana finalmente me responde e digo a ela onde
estamos; conto que recebi ajuda de seu pai, o que também a
surpreende. Ela diz que em breve se encontrará conosco por aqui.
Para o meu alívio, não demoramos a ser atendidos, mas o
médico pede uma série de exames para Rosa e indica a internação
a ela, inclusive que tome soro na veia. Concordo com tudo e peço
para que faça o que tiver que ser feito para ajudá-la. Com os
resultados em mãos, ele conseguirá dar um diagnóstico mais
preciso.
— Ian — Alana me chama quando estamos na espera pela
liberação de um quarto.
Logo ela se senta ao meu lado e aperta a minha mão.
— Como ela está? — pergunta-me ao ver que Rosa já está
sendo medicada.
— Está muito fraca, por isso a colocaram no soro. — Aponto
e ela assente. — Também está com febre e sentindo algumas dores
no corpo, por isso iniciaram a medicação.
— Ela vai ser internada? — pergunta e eu confirmo.
— Estamos só esperando por um quarto. Ela vai fazer uma
bateria de exames também.
— Vai dar tudo certo. — Aperta a minha mão e eu sorrio
fraco.
— Ela precisa ficar bem.
— Ela vai, não se preocupe.
— Não estou atrapalhando seu trabalho? — pergunto
preocupado.
— Estou no meu intervalo agora — responde e eu assinto.
Neste momento, meu celular vibra e recebo uma mensagem
de Ítalo avisando que estão na recepção.
— Posso te pedir um favor? — peço.
— Claro!
— Você pode ir até a recepção e pegar uma foto com Ítalo?
Ele está lá fora e eu não quero sair daqui para encontrá-lo.
— Deixa comigo.
Alana beija o meu rosto e se levanta, saindo daqui. De canto
de olho a vejo de calça branca e jaleco de bichinhos, vejo como ela
fica linda assim, toda profissional. Alana passa uma serenidade que
me diz que ama exatamente o que faz.
Enquanto ela não volta, uma enfermeira anuncia a liberação
do quarto de Rosa, que é levada por cadeira de rodas até o local.
Eu acompanho tudo de perto e me sinto bem mais aliviado ao vê-la
acomodada.
— Daqui a pouco vamos buscá-la para alguns exames — diz
e eu assinto.
Sento-me ao lado da cama de Rosa e aperto sua mão.
— Ei, vai ficar tudo bem, ok? — asseguro e ela balança a
cabeça para mim.
Não sei se está se sentindo muito fraca para falar, mas,
desde que a encontrei no banheiro, Rosa não disse uma palavra
sequer.
O meu celular vibra na minha calça e vejo uma mensagem de
Alana perguntando pelo número do quarto. Quando respondo, cerca
de cinco minutos depois, vejo minha garota passando pela porta.
— Conseguiu? — pergunto e ela assente.
Alana se senta ao meu lado e me entrega a fotografia, que na
mesma hora enfio em meu bolso, aguardando pelo momento
oportuno.
— Obrigado.
— Sua mãe parecia bem curiosa — comenta e eu faço uma
careta.
Agora que não vou poder mais esconder Rosa, vou precisar
pensar na melhor forma de contar a ela sobre tudo isso.
— Quando Rosa estiver melhor, eu conto a ela — afirmo..
Alana se levanta e examina Rosa, fazendo algumas
perguntas e pontuações. Confere a medicação e se põe ao meu
lado mais uma vez.
— Ela vai ficar bem, não vai?
— Vai dar tudo certo, Ian.
Ela pega a minha mão e entrelaça nossos dedos, beijando-a.
Olho para Rosa na cama diante de nós, sinto um nó na
garganta por vê-la tão frágil e faço uma prece para que tudo dê
certo.
Ela precisa ficar bem.
Eu preciso que ela fique mesmo bem.

A situação de Rosa não está nada boa.


Pelos seus sintomas e os exames que foram feitos, é um
caso bem grave de dengue e, se eu não a tivesse trazido tão rápido
para o hospital, talvez ela não tivesse resistido.
Sinto um calafrio só de pensar nisso.
Ainda bem que consegui trazê-la a tempo.
Agora já é noite e eu não arredei o pé daqui. Acompanhei
tudo de perto e, em vários momentos, Alana esteve comigo. Agora,
ela precisou ir para casa e me deixou um pouco sozinho com Rosa,
que dorme na cama de hospital.
Seu rosto está um pouco mais corado, o que em parte me
tranquiliza. Eu preciso ter fé de que ela vai ficar bem.
O som de uma tosse seca me chama a atenção e logo me
levanto do sofá, indo em direção a ela.
— Oi… — digo e ela pisca os olhos para mim.
Sento-me com cuidado na cama ao seu lado e Rosa suspira.
— Está sentindo dor? — pergunto e ela nega. — Se precisar
de alguma coisa, é só me dizer, ok?
Rosa assente e fecha os olhos por um momento antes de
reabri-los.
A imagem dessa mulher tão fraca em uma cama de hospital,
parte meu coração em níveis absurdos.
Rosa me encara por um momento e o seu olhar fixo no meu é
que me encoraja a fazer o que estou ensaiando o dia todo.
Aproveito que estamos sozinhos para começar esse assunto tão
delicado.
Meu coração dispara dentro do peito e minha mão está
trêmula quando tiro a foto do meu bolso e estendo a ela.
A fotografia registra um Ian bebê com pouco tempo de
adoção que brinca mordendo um patinho de borracha. É tão fofo
que eu nem acredito que sou mesmo ele ali.
Rosa ergue a mão devagar e pega a fotografia em minhas
mãos. Os seus olhos rapidamente se enchem de lágrimas e eu sinto
o mesmo acontecer comigo.
Então ela reconheceu.
Não há mais dúvidas, não há…
— Como… — Sua voz está tão fraca que aperta o meu peito.
— Esse é o seu bebê? — pergunto, com a voz baixa,
sentindo a emoção tomar conta de mim.
Rosa corre os dedos pela fotografia e então uma lágrima lhe
escorre, fazendo-me ter um controle absurdo para não desmoronar
na frente dela.
Ca-ra-lho.
Ela fica um tempo namorando a fotografia enquanto mais
lágrimas solitárias escorrem sobre a sua face.
— Como você conseguiu? — Sua voz é tão baixa que preciso
me aproximar ainda mais dela para escutá-la.
Meu coração bate ainda mais forte dentro do peito e começo
a sentir meus lábios tremerem. A resposta está na ponta da língua,
mas preciso de muito esforço para que ela saia.
— Eu… Eu pedi a minha mãe.
Rosa estreita os olhos para mim e, pela sua expressão, não
está conseguindo assimilar tudo ainda.
— Esse… — começo a falar e paro, respirando fundo. —
Esse bebê sou eu.
Solto e a vejo me encarar com um brilho tão diferente, que
logo um sorriso fraco lhe abre, fazendo que mais uma lágrima caia.
— Ian…
— Meu pai era o detetive Bastos, que estava na delegacia há
vinte e sete anos quando a senhora o encontrou…
Nessa hora eu não consigo mais controlar o meu pranto, por
isso choro diante da mulher que me deu a vida e me sinto tão leve
por poder dizer isso a ela.
— Ele não teve coragem de me levar para nenhum orfanato,
por isso me adotou…
Sua mão se ergue e ela toca a minha, onde entrelaço os
nossos dedos e sinto sua pele macia.
— Foi por isso que me ajudou? — pergunta e eu nego.
— Não… Eu só descobri quando a senhora já estava lá em
casa. Mas confesso que, desde a primeira vez que te vi, senti uma
familiaridade estranha…
Rosa pisca os olhos para mim, abrindo mais um sorriso.
— Eu senti que poderia ser você, mas não queria acreditar
nisso — revela e eu arqueio a sobrancelha.
— Por quê?
— Porque eu não queria te perder — confessa. — Não sabia
qual seria a sua reação se fosse mesmo verdade e eu não te queria
longe de mim.
Ergo a mão e toco o rosto dela com carinho.
— Por que eu te afastaria de mim? — pergunto, fungando
baixinho.
— Eu abandonei você — diz e mais uma lágrima lhe escorre.
— Isso não é verdade — rebato. — A senhora procurou por
ajuda e foi até um lugar que lhe passasse confiança. Foi a sua
forma de cuidar de mim.
Rosa balança a cabeça e eu seguro a sua mão com força,
mostrando para ela que está tudo bem entre nós dois.
— Me perdoa, meu filho — diz e eu sinto meu coração se
rasgar dentro do peito.
— Eu não tenho o que te perdoar, mãe — digo chamando-a
assim pela primeira vez e ela chora ainda mais.
— Eu pensei que morreria sem te ver mais uma vez…
Nesse momento, ela toca meu rosto com carinho e eu a deixo
explorar esse contato, permito-lhe me sentir.
— Mas eu te encontrei…
— É… Você me encontrou.
Nos encaramos por um momento e acabamos rindo de tudo
isso. De como a vida é uma caixinha de surpresas e nos colocou
cara a cara, mãe e filho, tantos anos depois.
Sentado ao lado de Rosa, vemos vinte e sete anos passarem
aos nossos olhos, quando conto a ela cada detalhe da minha vida
de que pergunta, curiosa, querendo saber tudo sobre mim.
Em alguns momentos, ela ri, em outros, se emociona.
— Agradeça a sua mãe por mim — diz, ao final. — Ela fez
um ótimo trabalho.
Assinto sorrindo e Rosa fica me encarando, parecendo ainda
não acreditar no que estamos vivendo aqui.
— Estou muito orgulhosa de você, Ian. É ainda melhor do
que eu sonhei…
Sua revelação faz com que uma lágrima me escorra.
— Só precisa parar de fumar — repreende-me e eu faço uma
careta, rindo em seguida. — Não te faz bem, viu? — afirma.
— Eu vou tentar — digo e ela parece satisfeita.
— Obrigada, Ian. — Suspira e eu a encaro firme. — Obrigada
por ter me dado de comer quando eu sentia fome. Obrigada por ter
me dado cobertor quando meus ossos doíam de frio.
Como não chorar diante disso?
— Obrigada por me dar um abrigo quando eu estava
ensopada de chuva. Obrigada por cuidar tanto de mim e ter me
dado as últimas melhores semanas da minha vida…
— Rosa…
— E obrigada por ter me dado as respostas que eu tanto
procurei. Meu coração agora está em paz.
A voz serena de Rosa me dá um aperto no peito, ao mesmo
tempo que me dá uma tranquilidade absurda de que fiz a coisa
certa.
Fui impulsivo, fui louco até de ter feito tanto por uma
“desconhecida”, mas não me arrependo.
Faria quantas vezes mais fosse e hoje consigo entender um
pouco o propósito de tudo isso.
Rosa precisava de mim, não só para lhe dar abrigo, mas
também para acalmar seu coração e por permiti-la me conhecer.
A vida é engraçada às vezes, mas não faz nada sem um
propósito.
E o meu foi encontrar a mulher que me deu a vida.
Vinte e sete anos depois.
Desço as escadas e encontro meu pai na cozinha, o seu
semblante sério é dirigido para mim. Desde que tivemos aquela
discussão sobre Ian, não temos nos falado muito e, quando eu
soube da briga, as coisas só ficaram piores entre nós.
Eu amo o meu pai, mas odeio essa sua mania de querer se
meter nos meus assuntos. Principalmente quando é sobre Ian.
— Já está indo ao funeral? — pergunta e eu assinto de leve,
apertando a bolsinha em minhas mãos.
— Já… Eu vou me encontrar com Ian lá mesmo — digo e ele
apenas assente, sem dizer mais nada.
Desde que Ian levou Rosa ao hospital e implorou pela ajuda
do meu pai, percebi que meu pai deu uma balançada. Ele ainda não
me disse nada, mas eu posso sentir. Tenho certeza de que o lado
sensível de Ian mexeu com esse meu velho rabugento.
— A que horas é o sepultamento? — pergunta e eu olho no
relógio.
— Às dezessete — respondo e ele assente.
Como meu pai não diz mais nada, aceno de leve e vou até a
entrada de casa chamar por um Uber. Envio uma mensagem para
Ian avisando que estou a caminho do cemitério e sinto meu coração
doer mais uma vez.
A verdade é que Rosa não resistiu.
Ontem à noite, quando Ian finalmente teve a sua conversa
franca com ela, as coisas mudaram de nível entre os dois. Rosa
pediu para ver Luma e, quando esta ficou ciente de toda a situação,
chorou junto com eles. Ela nunca imaginou que a mulher que gerou
o seu filho estivera em situação tão precária.
Eu cheguei pouco depois de Luma ao hospital e acompanhei
de perto aquele momento tão importante daquela família.
Rosa teve um namorado violento, o pai biológico de Ian, que
odiava o filho e ficava sempre muito agressivo quando o bebê
chorava. Quando ele ameaçou matá-lo, ela saiu de madrugada em
busca de um lugar seguro para deixar a criança e foi então que
encontrou a delegacia.
E, por uma obra do destino, César Bastos, na época ainda
detetive, estava de plantão e a recebeu. Rosa se lembra de estar
desesperada e que César a tratou com carinho, garantindo que
cuidaria de seu bebê. Naquela noite, ele levou o pequeno para casa
e decidiu que Ian seria deles.
Rosa então convenceu o namorado a sair da cidade, para
proteger Ian caso ele o reconhecesse em algum lugar e o
machucasse. Quando ela sentiu que o filho estava seguro,
abandonou o namorado e, como não tinha mais nada nem ninguém,
vagou de cidade em cidade, nas ruas, sem lar, até decidir voltar
para cá e, quem sabe, reencontrar seu filho.
Foi um momento emocionante entre os três e eu senti meu
coração se apertar por César não estar mais presente em um
momento tão importante deles.
E, depois que Luma foi embora, eu fiquei com Ian para
passar a noite ao seu lado, ajudar no que fosse preciso, já que ele
não quis deixar o hospital nem por um minuto.
Porém, naquela madrugada, Rosa sofreu uma sequência de
paradas cardíacas e não resistiu. O desespero de Ian quando
recebeu a notícia foi dilacerador.
Os seus gritos foram ouvidos por todo hospital e não houve
um funcionário de plantão que não se compadecesse de sua dor.
Eu estava lá com ele, firme ao seu lado, mas por dentro senti
meu coração sangrar ao ver o homem que eu amo sofrer tanto ao
perder alguém tão importante em sua vida.
Ian se debatia pelos corredores, chutava paredes, gritava a
plenos pulmões e teve que ser contido pela equipe médica. Meu
coração sangrou por vê-lo assim, tão vulnerável.
Na manhã de hoje, conseguimos levá-lo para a casa de Luma
e permaneci lá com ele até o momento do funeral. Só vim mesmo
para casa para me aprontar e logo me encontrarei com eles.
Agora, o carro para na entrada do cemitério e eu desço,
caminhando até encontrar a pequena capela onde está sendo
velado o corpo de Rosa.
Ian está parado, de camisa preta e calças jeans, de frente
para o caixão, com as mãos dentro dos bolsos. Os óculos escuros
escondem os olhos que imagino que estejam inchados.
Aproximo-me e abraço-o pela cintura, ele apenas acena ao
notar a minha presença. Diante de nós, Rosa descansa de forma
tranquila e, mesmo sabendo que fizemos de tudo por ela, ainda dói.
Mesmo que eu não a tenha conhecido tão bem quanto Ian,
sei o quanto ela era importante para ele.
— Como eu vou voltar para casa sabendo que ela não estará
lá? — Ian pergunta, com a voz rouca, esganiçada.
Eu apenas aperto-o mais contra mim, incapaz de formular
uma boa resposta.
O que eu posso dizer?
Olho ao nosso redor e vejo Luma, Ítalo, Tiago, Valentina e
alguns funcionários do hospital. Rosa não tinha ninguém, Ian era
sua única família e isso só faz com que meu coração doa ainda
mais.
Se Ian não a tivesse encontrado, talvez ela tivesse morrido à
míngua…
— O que eu vou fazer agora, Alana?
A sua voz triste corta o meu coração e eu apenas balanço a
cabeça, beijando o braço dele com carinho.
Eu não sei, Ian…
Eu não sei…
O que dizer a alguém que acabou de descobrir a sua mãe
biológica para perdê-la em seguida?
Ouço sons de passos atrás de nós dois e, quando me viro,
surpreendo-me ao ver meu pai chegando, perfeitamente arrumado
em traje social e também de óculos escuros.
Eu me solto de Ian e Dr. Roger se põe ao nosso lado,
apertando de leve o ombro do meu namorado, prestando suas
condolências de modo silencioso.
Ian suspira ao ver a imagem do meu pai ao seu lado e
apenas acena em silêncio em forma de agradecimento.
Ao mesmo tempo que estou surpresa por ver o meu pai aqui,
penso em como isso é de seu feitio. Embora não goste de Ian, ele
sempre soube separar as coisas e jamais desejaria a ele o que está
enfrentando agora.
Velamos Rosa até o momento do sepultamento e, quando os
funcionários do cemitério começam a jogar terra sobre o caixão, Ian
me puxa pela mão, nos afastando dali.
— Me tira daqui, por favor… Eu não consigo ver isso…
De braços dados, levo-o até a saída do cemitério, onde peço
um carro pelo aplicativo.
— Quer ir para a minha casa? — pergunto e ele nega. —
Para a sua então?
Ian apenas balança a cabeça e eu confirmo o endereço para
pedir o Uber. Em pouco tempo o veículo chega e entramos nele,
com um Ian terrivelmente silencioso ao meu lado.
Durante todo o caminho, acaricio seu braço e tento transmitir
o meu carinho e conforto neste contato, mostrando que estarei aqui
por ele sempre.
Quando chegamos à oficina, descemos do carro e Ian suspira
antes de abrir o portão. Ainda em silêncio, ele me guia até sua
quitinete, desmoronando logo que entra.
Ian cai sentado no chão e abraça os joelhos, chorando tão
alto que eu não consigo me segurar, acabo me juntando a ele.
— Ela se foi, Alana… Ela me deixou aqui sozinho…
Sua voz engasgada é tão dolorosa que eu apenas abraço-o,
apertando seu corpo contra o meu.
— Eu deveria tê-la encontrado antes… Cheguei tarde, eu
cheguei…
— Não, Ian — corrijo-o vendo-o me encarar com aqueles
olhos azuis tão tristes. — Você não chegou tarde demais, meu amor.
Você a encontrou a tempo de ajudá-la. Rosa partiu sendo assistida
pelos melhores médicos porque você permitiu. Ela viveu seus
últimos dias sem fome e sem frio…
Ian concorda, mas não parece convencido. Toda essa
vulnerabilidade dele acaba por me destruir.
— Eu poderia ter vivido mais tempo com ela…
— Ou poderia nunca a ter conhecido — rebato. — Já parou
para imaginar? Se você não tivesse olhado para ela naquela praça,
Rosa morreria sem ter visto o filho mais uma vez…
Ian chora mais baixo agora, mas ainda assim dilacera meu
coração.
— Eu fiz tudo por ela, não fiz? — pergunta e eu confirmo.
— Ian, você fez por ela o que ninguém mais fez. E ela te
disse isso, não foi? — pergunto e ele assente. — Ela pôde até te
agradecer por isso… Pensa em como Rosa está em paz agora.
Ian me olha por um momento e assente, mas seu semblante
devastado acaba comigo.
— Ela foi muito feliz com você aqui. Procure se lembrar
somente das coisas boas, ok? — peço a ele. — Guarde as boas
lembranças para contar aos nossos filhos — brinco e ele sorri fraco.
Ian me encara com aquela intensidade e pega a minha mão
para beijar.
— Então vamos ter filhos? — indaga e eu sei que é o seu
jeito de aliviar um pouco o inferno que está enfrentando por dentro.
— E por que eu perderia a chance de reproduzir alguns mini-
Ians por aí?
Minha pergunta o faz rir baixo.
— Acho que vão dar muito trabalho… — Ele faz uma careta e
eu rio.
— Não me importo. Se tiverem o coração como o seu, as
dores de cabeça valerão a pena.
Pisco para ele, que apenas me olha em silêncio.
— Obrigado, Alana. — Ele beija mais uma vez minha mão
entrelaçada à sua. — Eu não sei como ia conseguir lidar com tudo
isso se você não estivesse aqui comigo.
— Não precisa agradecer, sabe que nunca sairei do seu lado
— respondo firme e ele sorri.
— Amanhã você trabalha? — pergunta e eu nego. — Pode
ficar comigo hoje? Não quero ficar sozinho…
Sua voz é tão frágil que meu coração se parte mais um
pouquinho.
— Eu não estava mesmo com intenção de sair daqui.
Beijo seu rosto com carinho e ganho mais um sorriso fraco.
— Só preciso avisar ao meu pai que passarei a noite fora —
alerto, pegando o celular na minha bolsa para mandar uma
mensagem.
— Seu pai foi muito legal com a gente. Quase me arrependo
de ter socado a cara dele — revela e eu rio.
— Quase se arrepende?
— Ele mereceu, mas…
— Ele mereceu mesmo — retruco. — Mas meu pai é um cara
legal, Ian. Eu não sei por que te odeia, mas ele não costuma ser tão
ruim assim.
— Eu sei.
— Sabe o quê?
— Porque o seu pai me odeia.
Viro-me para ele incrédula, Ian apenas dá de ombros para
mim.
— Mas é assunto para outra hora, tudo bem?
Termino de enviar a mensagem ao meu pai e guardo o celular
de volta na bolsa.
— Claro. Quer tomar um banho? — ofereço e ele aceita.
Nos levantamos do chão e vamos até o banheiro, onde
tomamos um banho quente, gostoso e que parece relaxá-lo um
pouco.
Porém, por onde ele ande nesta casa, vê algo de Rosa e
seus olhos marejam outra vez.
Eu não sei como ele vai lidar com essa quitinete sozinho,
mas, enquanto eu estiver aqui, vou tratar de distraí-lo o máximo que
eu puder.
Quando saímos do banheiro, Ian se veste e me empresta
uma camiseta dele, que obviamente bate na altura dos meus
joelhos.
— Quer comer alguma coisa? — pergunto e ele nega.
— Não estou com fome agora.
— Hummm… E um café quentinho? — sugiro e Ian está
prestes a recusar, quando concorda por fim.
— Acho que pode ser uma boa ideia.
Deixo Ian no sofá e vou até a cozinha, abrindo seus armários
para pegar o que preciso para preparar um café bem forte, do jeito
que ele adora. Quando termino, encho duas canecas e o encontro
sentado na mesma posição, a TV ligada passando um canal de luta
livre.
— Gosta de luta? — pergunto, sentando-me ao seu lado e
estendendo a caneca a ele.
— Gosto de assistir quando estou entediado. — Dá de
ombros.
— Já pensou em praticar alguma?
Desde que Ian me contou de sua condição, passei a
pesquisar mais sobre o TDAH para compreender melhor o
transtorno e assim ajudá-lo de alguma maneira. Uma das
recomendações que eu vi foi justamente praticar esportes para
gastar tanta energia. E, pelo que eu sei, já faz um bom tempo que
Ian não faz nenhuma atividade regular nem vai à terapia.
— Eu acho que sim… Mas acabo não tendo muito tempo
para isso com o trabalho.
— Podíamos procurar alguma academia por perto, acho que
vai te fazer bem. Só precisamos organizar sua agenda maluca —
brinco com ele, que ri baixo.
— Boa sorte com isso.
O sorriso que Ian me abre faz com que meu coração bata
mais tranquilo no peito.
Saber que estou conseguindo distraí-lo um pouco, me vale
tudo.
Sei que haverá altos e baixos de agora em diante,
principalmente por Ian viver tudo de forma tão intensa.
Mas eu não estava brincando quando disse que não sairia do
seu lado.
Enquanto Ian me quiser por perto, estarei aqui e não vou
soltar a sua mão.
Não quando sei que o que mais precisa é de apoio e carinho.
A vida prega umas peças às vezes e em muitas delas não
conseguimos entender o real propósito. Mas o importante é
enfrentar tudo de frente, de cabeça erguida.
Ainda que estejamos dentro de uma terrível tempestade, logo
vem a calmaria.
E, enquanto ela não chega, continuarei firme ao lado de Ian,
como se a minha vida dependesse disso.
Entro pela porta da sala e encontro meu pai deitado no sofá
vendo TV. Eu nem me lembro da última vez que vi Dr. Roger tão
relaxado dentro da própria casa.
— Olha só… Resolveu se lembrar de que tem uma casa? —
pergunta ao notar minha presença.
Solto um suspiro e me sento na beirada do sofá, do lado
contrário ao dele.
Desde o falecimento de Rosa, há uma semana, tenho ido do
hospital para a casa de Ian para ficar com ele e lhe dar apoio
nesses dias tão difíceis. Hoje mesmo só vim para buscar mais
roupas para ficar mais tempo com ele.
— Ian precisa de mim — respondo e ele não diz nada,
apenas volta o olhar para a televisão.
Há alguns dias, quando Ian me contou o verdadeiro motivo
por trás de todo o ódio de meu pai contra a sua família, eu quase
não acreditei. Queria muito confrontá-lo, e até mesmo a minha mãe,
mas sabia que precisaria esperar pelo melhor momento.
Eu não vou atrás de minha mãe enquanto não souber a
versão de meu pai sobre tamanho absurdo.
— Pai… — chamo-o, e ele ergue os olhos para mim. Seu
semblante cansado me diz que tem trabalhado muito nos últimos
dias, como sempre. — Por que odeia tanto o Ian?
Meu pai aperta os lábios, mas não diz nada e eu decido
insistir, tomando cuidado.
— Ele me contou… — solto e o vejo estreitar os olhos para
mim.
— Contou o quê?
— Sobre o que aconteceu com vocês e os pais dele na
adolescência.
Meu pai suspira e ri, sem humor.
— Quem contou a ele? César antes de morrer? — pergunta
com desdém.
— Não… Luma contou há pouco tempo e ele ficou tão
chocado quanto eu.
Quando cito o nome de Luma, o semblante do meu pai muda,
ficando mais apreensivo. No funeral, percebi que ele se manteve
distante dela, mas só fui entender o real motivo quando Ian me
contou.
— Eu fui feito de palhaço — meu pai resmunga e eu
escorrego o meu corpo para me sentar melhor no sofá, mais
próximo dele. — Pelo meu melhor amigo e pela garota por quem eu
era apaixonado.
Estreito os olhos para ele, esperando ouvir sua versão.
— Não foi bem assim…
— Não? — pergunta em tom mais elevado. — Luma me deu
um fora no dia da festa para cair nos braços do César! Como não foi
bem assim?
— Foi a mamãe — revelo e meu pai me olha curioso.
— Como?
— Foi a mamãe que contou a Luma que o senhor estava
planejando humilhá-la na festa.
— Eu o quê?
Meu pai se coloca de pé e põe as mãos na cintura, me
olhando incrédulo.
— Ficou louca, Alana? Eu nunca faria isso a ela!
— Foi o que eu pensei.
E realmente, quando Ian me contou a versão de Luma da
história, eu fiquei ainda mais surpreendida por essa suposta atitude
do meu pai, já que não é algo de seu feitio.
— O senhor não a convidou para a festa apenas para
humilhá-la na frente de todos?
Meu pai ergue os braços para o alto em um tom de
descrença.
— Você só pode estar de brincadeira comigo! Eu era
apaixonado por ela, Alana! Louco por aquela mulher, por que eu
faria uma coisa dessas?
A forma como meu pai fala sobre Luma me faz estreitar os
olhos para ele. Será que era mesmo? Por que ele me parece tão
afetado por essa conversa?
— Foi o que a mamãe disse a ela — conto e seus olhos se
arregalam para mim.
— Puta que pariu.
— No dia da festa, mamãe foi até Luma e contou que te
escutou conversando com seus amigos sobre os planos de humilhá-
la na frente de todos, bem estilo Carrie.
— A Cecília fez isso? Mas que porra de mulher maluca! Eu
nunca faria uma coisa dessas. Meu plano era exatamente o
contrário.
Observo meu pai baixar o olhar e brincar com a barra da
camiseta.
— Eu ia pedi-la em namoro na festa… — sussurra e eu sinto
meu coração errar uma batida.
Como eu vivi vinte e cinco anos sem saber nada disso?
— E aí ela rejeitou o seu convite e mamãe pulou em seu colo.
Meu pai faz uma careta.
— Eu era adolescente. — Dá de ombros. — Tinha acabado
de ser rejeitado pela garota de que eu gostava e sua mãe veio me
consolar…
— Nossa, que víbora. — Meu pai me repreende com os olhos
e eu balanço a cabeça. — Desculpa.
— Eu nunca imaginei que Cecília tinha armado tudo isso…
Pensei que ela estivesse do meu lado.
— Pois é… E ela ainda convenceu Luma a ir à festa mesmo
assim, já que ela não queria ir sozinha. Só para se exibir com o
senhor na frente dela.
— Mas que ordinária!
Repreendo-o com o olhar e ele ri.
— César viu Luma sozinha pelos cantos e se aproximou dela
— completo. — Foi aí que ela o notou…
— Porque, na cabeça dela, eu a desprezei…
— Sim… E ela também era apaixonada pelo senhor.
Meu pai dá um soco na parede tão forte, que me assusta.
— César e Luma não tiveram culpa, pai. Eles foram tão
vítimas da mamãe nessa história quanto o senhor.
Dr. Roger anda em círculos pela sala sem parar, parecendo
consternado, e eu começo a ficar preocupada com o que está se
passando pela cabeça dele.
Em um rompante, pega as chaves do carro na mesinha e eu
o sigo.
— Aonde o senhor vai?
— Vou atrás de Cecília. Preciso tirar essa história a limpo.
Meu queixo cai e eu toco seu braço, detendo-o.
— Pai… Tem certeza de que quer mesmo fazer isso?
— Eu preciso resolver essa história, Alana. Não é possível
que vivi os últimos trinta e cinco anos da minha vida em uma
mentira.
Engulo em seco ao pensar que isso não vai cheirar nada
bem.
— Quer que eu vá com o senhor? — ofereço e ele nega.
— Não precisa. É um papo entre mim e a sua mãe, apenas.
— Então toma cuidado — peço e ele confirma.
Meu pai beija a minha testa antes de se afastar.
— Eu te dou notícias.
Em pouco tempo, deixa a garagem com sua BMW, me
deixando parada, perplexa com tudo que acabei de viver aqui.
Olhando para tudo de uma forma grosseira, consigo perceber
o real motivo de o casamento dos meus pais nunca ter sido feliz.
Papai não a amava verdadeiramente quando a conheceu e minha
mãe só o conseguiu na base de uma mentira.
Como construir um relacionamento sólido em cima disso?
Subo as escadas e tomo um banho rápido antes de ir para o
meu quarto. Aproveito que Ian está trabalhando agora e me permito
esticar um pouco na minha cama antes de ir para a casa dele.
Mas, mesmo que eu esteja morta de cansaço, não consigo
pregar os olhos imaginando como será o encontro dos meus pais.
Pego o celular e envio uma mensagem de texto para Ian.
Eu: Conversei com o meu pai e ele foi atrás da minha
mãe.
Não demora e sua resposta vem.
Ian: Como é que é?
Eu: Ele disse que ia tirar essa história a limpo. Foi tão
enganado quanto seus pais, Ian. Você não tem ideia de como
ele reagiu a tudo isso.
Ian: Nossa… Nem consigo imaginar.
Eu: Acho que as coisas vão ficar bem agora.
Ian: Espero que sim. :)
Eu: Mais tarde chego aí com novidades.
Decido deixar Ian trabalhar e então ligo para minha amiga,
com que tenho falado pouco nos últimos dias.
— Ah… Agora se lembrou de mim? — Valentina reclama e eu
rio.
— Eu sempre me lembro de você. Me desculpe, amiga. Mas
Ian está passando por uma barra.
Ela solta um suspiro.
— Eu vou te dar um desconto por isso… E como ele está?
Ainda que não tenhamos nos visto com tanta frequência,
deixei Valentina a par de tudo que Ian enfrentou com Rosa e ela
deixou todo seu apoio, o que fez uma enorme diferença para mim.
Sempre que eu precisava desabafar, minha amiga esteve lá por
mim.
— São altos e baixos. Tem dia que ele está bem e do nada
começa a chorar. E em outros, fica mal o dia todo… Ele fez muito
por ela, Valen. Não vai ser fácil curar essa dor.
— Eu nem consigo imaginar como ele está se sentindo
agora… Que bom que ele tem você, amiga.
Suas palavras me fazem sorrir.
— Agora você gosta dele? — pergunto, deitando-me na cama
e fitando o teto do quarto.
— Ele continua sendo intimidador para mim, mas… —
comenta e é impossível não rir. — Não posso negar que tem bom
coração e, o principal, que te faz feliz.
— E muito… — completo, suspirando.
Desde que Ian voltou para a minha vida, não tenho feito outra
coisa a não ser sorrir.
Hoje compreendo que precisávamos desse tempo separados
para amadurecermos enquanto pessoas, para finalmente darmos
certo juntos. E a prova disso é o nosso relacionamento, que está
mais sólido do que nunca.
— Mas eu não te liguei para isso.
— E para o que então? — pergunta, curiosa.
— É porque eu tenho uma fofoca que vai te deixar de queixo
caído.
— E por que não começou me contando logo isso? Por Deus,
Alana! Desembucha logo.
Solto uma risada e começo a contar a ela sobre a minha
recente descoberta envolvendo os meus pais e os de Ian. Conto a
ela as duas versões e minha amiga fica tão chocada quanto eu.
— Não sabia que Dr. Roger tinha uma paixão secreta pela
sua sogra — conclui e eu acho graça disso.
— Não sabemos se ele ainda gosta dela…
— Ah, Alana! Me poupe e me economize! Seu pai iria pegar
estrada na mesma hora para confrontar a sua mãe para nada? Se
ele não gostasse dela, no máximo deixaria para lá.
— Pois é. Eu cheguei a cogitar isso também. Então é real,
né?
— Ai, meu Deus! Já estou shippando tio Roger com a dona
Luma — diz empolgada e eu caio na risada.
— Valentina…
— Já imaginou, amiga? Sua sogra pegando o seu pai? Vai
ser tipo o quê? A mãe do seu namorado e também sua madrasta?
Que loucura!
O som da gargalhada da minha amiga é contagiante e eu
acabo rindo junto com ela imaginando esse cenário que ela criou.
— Amiga, menos! Vamos esperar para ver no que vai dar,
ok?
— Uma mulher sempre pode sonhar… — Suspira e eu rio
mais.
Ela é uma graça.
Conversamos mais um pouco e, quando desligamos, sinto
meus olhos pesarem; permito-me relaxar, não demorando a pegar
no sono…

Já é bem tarde quando ouço a porta do meu quarto sendo


aberta e o som me faz despertar. Olho para o celular e vejo que
dormi bem mais do que imaginei, pelo visto estava mesmo exausta.
Acho que vou ficar por aqui hoje e explicarei a Ian, tenho
certeza de que ele irá entender.
— Pai? — chamo-o ao vê-lo se sentar ao meu lado na cama.
Sento-me e acendo a luz do abajur.
— É verdade, filha. — Suspira e eu sinto meu peito se
apertar. — Puta que pariu. Eu vivi todos esses anos em uma
mentira.
Seu semblante triste faz com que eu o puxe para um abraço.
— Eu sinto muito…
— Sua mãe nunca pensou em me contar em todos esses
anos. Eu ia morrer sem saber a verdade se Luma não tivesse
contado a Ian.
Eu não me lembro da última vez que vi meu pai tão desolado,
tão perdido…
— O que pretende fazer? — pergunto, pegando sua mão e
aninhando na minha.
— Não sei… Estou morrendo de vergonha da Luma, agora
que sei da verdade.
— O senhor quer conversar com ela? — sugiro e ele aperta
os lábios.
— Não sei…
— Olha… — chamo-o, respirando fundo para me encorajar.
— O senhor sabe que o que eu tenho com o Ian não é passageiro,
não é?
Meu pai me analisa por um instante antes de assentir.
— Pois então. Eu gostaria que meu pai se desse bem com o
meu namorado. Gostaria de ter a sua benção, pai… — peço e ele
continua me olhando.
— Ah, Alana…
— Me deixe marcar um jantar aqui em casa, o que acha?
Convidamos Ian e Luma. Assim, além de oficializarmos o nosso
namoro, esclarecemos esse mal-entendido e vocês dois se acertam.
Meu pai fica parado por um momento ponderando, antes de
concordar.
— Tudo bem.
Sorrio empolgada e bato palmas, o que tira um sorriso dele.
— Vou ver uma folga de nós dois para marcar, combinado?
Meu pai assente e eu beijo o seu rosto.
— Vamos virar essa página, pai. Todos nós merecemos isso.
Seu Roger concorda mais uma vez e eu sinto o meu coração
se aquecer dentro do peito.
Eu, que por tanto tempo temi esse confronto, vejo que as
coisas não poderiam dar mais certo como agora.
Acho que tudo acontece no tempo certo, meu pai precisava
de um voto de confiança em Ian para aceitá-lo de vez, e Rosa
permitiu isso.
A força com que Ian enfrentou tudo para cuidar de Rosa
balançou o meu velho e agora finalmente, sabendo a verdade sobre
os nossos pais, tudo ficará mais leve.
Algumas coisas na vida demoram a acontecer, mas é quando
o momento chega que tudo faz sentido.
Finalmente chegou o nosso momento de viver em paz.
— Como está se sentindo? — pergunto a minha mãe, logo
que descemos de seu carro e paramos na porta da casa de Alana.
Eu, que já tomei tanta porrada nesta vida nos últimos tempos,
sinto que nada mais me surpreende. Ainda que seja Dr. Roger
finalmente aceitando meu relacionamento com a sua filha.
A vida não é uma caixinha de surpresas, é uma montanha-
russa desgovernada em que, quando você pensa que chegou à
linha reta, dá de cara com um loop te esperando.
— Um pouco nervosa — confessa e eu assinto.
É natural que ela esteja se sentindo assim. Afinal, vai ficar
cara a cara com Roger depois de tantos anos, e finalmente
esclarecendo um mal-entendido.
Quem diria, hein?
Quando Alana me contou que seu pai não sabia da armação
de Cecília e foi até a ex-esposa para tirar satisfação, eu entendi que
Roger também foi enganado.
Mesmo que tenha demorado mais de trinta anos para isso, é
bom que tudo esteja esclarecido. Principalmente porque o doutor vai
ter que me engolir, querendo ou não.
Eu não vou sair de perto de Alana.
Não mesmo.
Toco o interfone e logo o portão é aberto para nossa entrada
no casarão dos Cardosos. Dona Luma respira um pouco pesado ao
meu lado, enquanto segura um refratário de pudim em suas mãos,
que fez questão de fazer para Alana.
— Oi — Alana nos cumprimenta quando chegamos à porta
de sua casa.
É inevitável que eu sorria.
Ela está linda pra caralho, e eu nunca vou me cansar de
pensar isso dela.
Alana tem os cabelos escuros soltos, usa um vestido preto na
altura dos joelhos e bota de cano baixo da mesma cor. Quando
sorri, aquele furinho no queixo toma evidência, o que só a deixa
ainda mais linda para mim.
— Oi…
Aproximo-me dela e toco seu rosto antes de dar um beijo
delicado em seus lábios. O Ian contido na frente dos pais é bem
diferente do Ian entre quatro paredes, e, pela forma com que Alana
me olha, sei que está pensando exatamente isso.
— Mãe… — chamo-a, está parada ao nosso lado, com um
sorriso orgulhoso no rosto. — Essa é a minha namorada Alana,
lembra dela? — brinco e tiro uma risada das duas.
Como no hospital foi tudo tão intenso e louco, não pude
apresentá-las de novo formalmente e prometi às duas que
consertaria isso esta noite.
O brilho nos olhos de Alana ao me ver chamando-a de
namorada pela primeira vez em voz alta é impagável. Não houve um
pedido formal, nem nada disso, mas quem precisa?
Alana é minha desde que coloquei os olhos nela nesta cidade
de novo.
— É um prazer revê-la, Alana. — Minha mãe me entrega o
pudim para que possa abraçar a nora. — Está ainda mais linda do
que na adolescência — elogia.
— Obrigada, dona Luma. A senhora também está incrível. Eu
não via a hora de te encontrar mais uma vez.
— Chega de namorar às escondidas, não é? — minha mãe
brinca e nós todos rimos.
— Ô… Nem me fale! — Alana suspira. — Vamos entrar?
— Trouxe esse pudim que sei que adora.
Minha mãe estende a sobremesa para Alana, que na mesma
hora solta um gritinho de empolgação.
— Ah, nem precisava, dona Luma! Mas, já que a senhora
teve o trabalho, terei que comer tudo.
— Tudo? — exclamo. — E eu? — finjo-me de ofendido.
— Ela é a sua mãe, Ian. Aposto que você já come o pudim
dela o ano inteiro!
Alana vira as costas com o pudim nas mãos e marcha até a
cozinha, tirando-nos uma risada.
Entramos atrás dela e minha mãe suspira ao meu lado.
— Sabe que ela é perfeita para você, não é?
Olho para Alana de longe, enquanto ela acomoda a
sobremesa na geladeira, e coço a barba, sorrindo.
Se me fizessem essa pergunta uns meses atrás, eu diria que
esse era o maior absurdo do século. Mas hoje, olhando para nós
dois juntos e o que enfrentamos nos últimos dias, entendo que
somos mesmo perfeitos um para o outro.
Alana esteve ao meu lado quando eu senti o meu mundo cair.
Ela esteve lá para segurar a minha mão e não me deixou sozinho
quando eu mais precisei.
A ausência de Rosa na minha vida ainda dói pra caralho.
Cada porra de minuto do meu dia.
Não há um dia em que eu não me lembre dela, do seu sorriso
tímido, do seu jeito de andar pela casa sem fazer barulho. Das
nossas conversas, de quando assistíamos à TV juntos ou
simplesmente conversávamos sobre os seus livros.
Rosa passou pouco tempo pela minha vida, mas fez um
estrago absurdo.
Eu nunca vou me esquecer dela.
Nunca mesmo.
E, ainda que eu não seja dos mais crentes, sinto que hoje ela
está ao lado do meu pai, olhando por mim.
Outro dia eu estava conversando com Alana sobre isso. De
como deve ter sido o reencontro dos dois lá em cima. Pensar nisso
me faz sorrir. Aposto que meu pai ficou feliz em vê-la, ainda mais
sabendo que finalmente nos conhecemos.
A vida é muito louca e às vezes nos leva para uns
pensamentos sem sentido algum. Mas nos apegar a essas loucuras
é o que nos mantêm firmes para continuar vivendo, dia após dia.
— Meu pai está lá fora na área gourmet — Alana anuncia,
voltando-se para nós. — Vamos?
Acompanhamos Alana até os fundos da casa, onde vemos
Roger de costas, mexendo em uma espécie de forno a lenha.
— Pai — Alana chama Roger, que se vira em nossa direção,
limpando as mãos em um pano.
Quando ele encara a minha mãe, eu consigo entender o
motivo de tanto mal-entendido. Os olhos dele brilham, fazendo crer
que nunca a esqueceu.
Caralho, que loucura!
Trinta e tantos anos depois e o cara olha para a minha mãe
como se ainda fosse um adolescente.
Olho para a minha mãe e, pela sua expressão, parece que ela
o está vendo pela primeira vez.
Um silêncio se instala pelo ambiente e dona Luma finalmente
toma iniciativa, dando alguns passos em direção a ele, que a abraça
forte logo que ela o alcança.
O abraço deles é tão forte, tão emocionante que Alana se põe
ao meu lado, observando-os tão curiosa quanto eu.
— Este momento deveria ser registrado… — Alana sussurra e
eu confirmo.
Deveria mesmo.
— Me perdoa, Luma. — A voz de Roger é tão baixa, que
quase não o ouvimos daqui.
— Ah… — Alana suspira e eu apenas balanço a cabeça.
Que reviravolta da porra desses dois!
— Está tudo bem agora — minha mãe diz, ao se afastar do
peito dele e toca seu rosto com carinho.
O olhar fixo dos dois me diz que as coisas entre eles jamais
serão as mesmas a partir de agora.
— Será que eles vão se pegar? — murmuro e Alana segura
uma risada, mas acaba não funcionando, então logo engasga.
O som de Alana os separa e ela fica tão sem graça que desta
vez sou eu quem cai na risada.
— Empatando seu próprio pai, Alana? — brinco para aliviar a
tensão e ganho um tapa no braço.
— Ian… — minha mãe me repreende e eu só rio mais.
Até mesmo Roger está sorrindo de tudo isso.
Mas, espera…
Dr. Roger Cardoso sorrindo para mim?
Puta que pariu.
Acho que vai cair um meteoro nesta casa hoje.
Alana percebe o olhar de seu pai sobre mim e trata de me
puxar pela mão, na direção dele.
— Pai… — Pela forma com que aperta minha mão, sei que
está nervosa. — Gostaria que conhecesse o meu namorado.
A forma com que Alana fala faz Roger apertar os lábios e, em
questão de segundos, ele está rindo, balançando a cabeça.
— Tanto cara mais bonito no mundo, e você foi gostar logo
dele? — Roger debocha e, pelo seu olhar, sei que está se
divertindo.
Pelo visto ele nunca vai deixar de pegar no meu pé, mas, só
de aceitar esse relacionamento, já vale tudo. Não por mim, porque
eu sempre vou pouco me foder para a opinião dele, mas por Alana.
Sei o quanto significa para ela que o seu pai me aceite.
— Mas nenhum cara do mundo é ele — Alana afirma e eu
sinto meu coração errar uma batida. — Ian cuidou de mim na época
da escola, continuou cuidando na faculdade e não faz diferente
agora.
A sua afirmação faz seu pai arquear a sobrancelha em
curiosidade.
— No meu segundo ano, ele convenceu a diretora a tirar um
aluno da minha sala que estava me incomodando.
— Como é? — Roger questiona.
— Tinha um garoto que não saía do meu pé, querendo ficar
comigo. Ele estava me incomodando e eu fui até a diretoria para
pedir a minha mudança de sala.
— E por que nunca me contou isso? Eu poderia ter resolvido.
— Eu não queria te trazer problemas. — Alana dá de ombros.
— Oh, filha… Te ajudar nunca foi um problema para mim.
— Mas Ian estava lá… — ela completa. — Ele estava
esperando pela diretora. Por algum motivo, ele vivia lá…
— Nem me lembre disso. — Minha mãe faz uma careta e
todos rimos.
— E, quando me perguntou o que eu estava fazendo lá, não
consegui mentir para ele. — Alana olha para mim, eu pisco para ela.
— Como ele entrou na minha frente, conversou com a diretora e
pediu para que ela tirasse o rapaz da minha sala, e assim ela fez.
— Esse é meu filho. — Minha mãe suspira e eu jogo um beijo
para ela.
— E na época da faculdade… — começa e eu sinto meu peito
se apertar. — Teve uma festa e um cara tentou… — Alana para,
respirando fundo, e vejo o semblante de Roger se endurecer. —
Vocês sabem — diz, mordendo o indicador, nervosa.
— Porra, Alana! Encostaram em você?
— Ele não chegou a ir além porque alguém misteriosamente
surgiu do escuro e o tirou de cima de mim, dando-lhe uma surra.
Três pares de olhos me encaram e eu enfio as mãos nos
bolsos da calça, dando de ombros.
— A clínica de recuperação ficava em uma cidade próxima da
faculdade de Alana — revelo. — Quando me senti bem, comecei a ir
lá para ver como ela estava. Eu nunca me aproximei dela, só ficava
de longe mesmo a olhando.
— E naquela festa, você estava lá? — minha mãe pergunta e
eu assinto.
— Festas de faculdade não costumam terminar bem e eu só
queria ver se Alana ia voltar para casa em segurança. Quando ouvi
o grito dela do lado de fora da casa, não pensei duas vezes em ir
até lá e tirar o infeliz de cima dela.
— Foi um alvoroço na festa — Alana completa. — Quando
todo mundo apareceu, o cara do moletom preto sumiu e eu nunca
mais o vi.
— Até que Alana encontrou o meu moletom na minha oficina
— concluo e ela sorri para mim.
— Por que nunca me contou nada disso, filho? — minha mãe
pergunta e eu dou de ombros.
— Era algo muito pessoal de Alana — afirmo. — Só a ela
cabia dizer se queria dividir essa história com alguém.
O silêncio se instala mais uma vez e Alana se aproxima de
mim, abraçando-me pela cintura.
— Então, pai. Enquanto Ian era o garoto-problema na escola,
ele sempre cuidou de mim. Depois do que ele fez, ninguém mais se
aproximou de mim.
— É…
— As pessoas tinham medo dele — conclui e eu caio na
risada.
— Não me orgulho disso. — Faço uma careta e é Alana quem
ri.
— E enquanto ninguém na faculdade se importava comigo de
verdade, Ian estava ali, cuidando de mim em silêncio.
Roger suspira alto.
— E como eu costumo dizer, eu sempre enxerguei um Ian que
ninguém mais viu. Porque para mim ele não era o bad boy da escola
que vivia se metendo em problemas, mas alguém que enfrentaria o
mundo se precisasse para me proteger.
— Caramba… — Roger balança a cabeça e olha para mim. —
Fica difícil continuar te odiando depois de tudo isso — ele brinca e
eu solto uma gargalhada.
— O senhor vai ter que me engolir, doutor.
Dou de ombros e ele faz uma careta.
— Não tenho outra escolha, não é? — Roger brinca, mas seus
olhos me dizem algo completamente diferente.
Quando ele passa pelas duas e vem em minha direção, sinto
um arrepio na espinha.
— Obrigado por cuidar da minha menina — diz, sincero, e
aperta meu ombro forte.
E neste momento, olhando em meus olhos, eu vejo que
finalmente Dr. Roger Cardoso aprendeu a confiar em mim.

— Pelo visto eles se acertaram mesmo, né? — Alana comenta,


aninhada em meus braços, no banco de seu jardim, debaixo da
árvore, enquanto vemos nossos pais conversando animados à mesa
a uma distância de nós dois.
Depois daquela conversa franca que tivemos, tudo foi
esclarecido.
Para aliviar o clima, Roger abriu uma garrafa de vinho para
dividir com minha mãe, Alana e eu ficamos no refrigerante. Ela me
disse que nunca foi de beber muito e, quando descobriu que eu não
ingiro mais bebida alcoólica, parou de vez.
O fato de eu tomar medicação controlada para o TDAH só
contribuiu para que eu ficasse longe do álcool e no fim tudo deu
certo. Quanto mais longe eu estiver desse tipo de bebida, melhor.
Agora, quanto ao cigarro…
Desde que Rosa partiu, não consigo mais colocar um sequer
na boca. Já tentei por mais de uma vez em meus picos de
ansiedade, mas a lembrança de sua voz me falando que eu deveria
parar me atinge forte juntamente com a vontade de chorar por
saudade dela.
Não sei se algum dia vá conseguir voltar a fumar, mas está
tudo bem. Eu vou encontrar algo para aliviar a tensão.
Ouço a risada da minha mãe e vê-la tão bem faz meu
coração bater tranquilo.
Desde a morte do meu pai, ela se fechou para
relacionamentos e até para novas amizades; vê-la tão à vontade
com o pai de Alana me diz que isso está prestes a mudar.
A noite foi bem agradável, o que surpreendeu a todos nós.
Roger é um pizzaiolo de mão cheia e preparou uma noite de
pizzas para nós. Eu não sabia desse seu dom e ele ficou todo
orgulhoso quando minha mãe elogiou suas pizzas. E não era para
menos, o cara é foda.
Quando não aguentávamos mais comer, Alana trouxe o
pudim de minha mãe e foi a sua vez de ficar feliz com o elogio de
Roger. Durante toda a noite, notei a troca de olhares entre os dois e
eu penso que é questão de tempo até que eles comecem a se
envolver mais.
— Nunca pensei que ia dizer isso um dia — começo. — Mas
eu ia gostar que minha mãe namorasse o seu pai.
Alana se afasta do meu contato para me olhar e soltar uma
risada.
— É… Essa noite só fica melhor.
Eu caio na risada junto com ela.
— Ou você acha que ali não é questão de tempo até os dois
se pegarem?
Tremo as sobrancelhas e Alana só ri mais.
— Quanto tempo será?
Alana aponta para os dois e eu coço o queixo.
— Hummmm… Para transarem ou assumirem o namoro?
— Ian! — Alana me dá um tapa, o que só me faz rir mais alto.
— Deixa a sua mãe te ouvir falando isso!
— Mas o que eu falei de mais? Eles transam como a gente,
ué! Deixe que sejam felizes.
Alana balança a cabeça e logo volta o seu olhar para os dois.
— Hummm… Acho que um mês para transar e uns… dois
para assumirem o namoro? — sugere.
— Quer fazer uma aposta?
Estendo a mão a ela, que me olha avaliativa.
— E qual é o seu palpite?
— Duas semanas para transar e três meses para assumirem
o namoro.
— Por que você acha isso? — pergunta divertida.
— Ah, Alana… Seu pai tem seu charme. — Pisco para ela,
que ri. — Minha mãe está há mais de três anos na seca, um
sussurro no ouvido dela vai fazer com que fique molinha.
A gargalhada de Alana é tão alta que faz os dois olharem em
nossa direção e eu só balanço a cabeça para eles.
— Ai, Ian… E por que três para o namoro?
— Eu acho que eles vão se divertir muito nas nossas costas
primeiro.
Dou de ombros e ela sorri.
Alana estende a mão e empina o queixo.
— E o que vamos apostar?
Meus olhos brilham para ela e eu abro meu maior sorriso
sacana.
— Quem ganhar… — Aproximo-me dela e mordo sua orelha
de levinho. — Escolhe o que o perdedor vai ter que fazer com ele…
Desde que seja com a língua.
Vejo Alana engolir em seco e seus olhos faiscarem para mim.
Ah, se não tivéssemos plateia…
— Apostado!
Ela aperta a minha mão e selamos o nosso acordo.
Agora é só aguardar pelo resultado.
Independente de ser o vencedor ou não dessa aposta, com
certeza sairei ganhando, e muito.
Mal posso esperar por isso.
Seis meses depois

Estaciono a moto em frente à portaria do hospital e desligo o


motor, saltando dela para esperar por Alana. Tiro o capacete e ajeito
os cabelos com as mãos, olhando pelo retrovisor.
Alguns funcionários do hospital passam por mim e me
cumprimentam. Desde que fiz um escândalo ali dentro para
conseguir atendimento para Rosa, acabei ficando bastante
conhecido por aqui.
E, pela primeira vez na minha vida, não é por uma fama ruim.
O som de saltos batendo no chão ganha a minha atenção e
eu ergo os olhos para ver o motivo do meu sorriso vir até mim.
Eu nunca vou me cansar de admirar o quanto essa mulher é
linda.
— Oi, amor — Alana me cumprimenta logo que me alcança,
e eu a abraço pela cintura para beijá-la daquele jeito que eu tanto
amo.
Mesmo que eu não seja o exemplo de romantismo, ouvi-la
me chamando assim sempre me deixa todo bobinho.
— Oi, minha linda.
Corro as mãos pelo seu rosto antes de lhe dar mais um
selinho.
— Como foi o trabalho? Tudo bem?
— Foi ótimo. Luiza recebeu alta do tratamento hoje — diz e
seu semblante se ilumina.
— Jura?
— Sim! Agora é só fazer o acompanhamento mesmo.
— Que coisa boa, Alana!
Minha namorada sorri assentindo. Ela tem o maior carinho
com cada um dos pacientes que acompanha aqui no hospital e essa
garotinha em especial cativou a minha Alana.
Durante os últimos meses, ela sempre me deu notícias da
pequena paciente, por isso consigo imaginar o quanto está feliz.
— E então, preparada para uma aventura? — pergunto,
estendendo seu capacete a ela, juntamente com a jaqueta de couro.
— Não vai mesmo me contar para onde estamos indo?
— Não sei como a minha ansiedade não me deixou te contar
antes, mas não. Sobe aí, lindinha.
Alana ri balançando a cabeça, enquanto se acomoda na
garupa da motocicleta.
No bagageiro, consegui amarrar nossas mochilas e deixar
bem firme para que resista a nossa viagem.
Sim… Pela primeira vez vamos fazer uma viagem de moto e
eu nem consigo dizer o quanto estava ansioso pra caralho para
fazer isso com ela.
Alana conseguiu mexer na sua escala e trocar algumas
folgas com uma colega de trabalho, logo teremos quatro dias
inteiros juntos. Eu também trabalhei até bem mais tarde na última
semana para conseguir deixar tudo pronto para viajar.
E agora… seremos só nós dois.
Com a ajuda de Ítalo, consegui encontrar uma casa de praia
em uma cidade litorânea a cerca de quatro horas daqui. Como eu
queria levá-la para o mar e nossa cidade é bem no interior do
estado, a praia mais perto que eu consegui ainda vai nos render um
tempinho bom de viagem.
Mas eu tenho certeza de que será uma experiência única
para Alana. Ao contrário de mim, ela nunca viajou de moto antes e
sei que vai adorar.
Quando pegamos a estrada, o vento corta forte e Alana
segue me abraçando pela cintura, um gesto que se tornou um de
meus favoritos.
Pilotar a minha moto com essa mulher na garupa me
abraçando é só uma das coisas mais gostosas da minha vida.
Porque a mais gostosa… Bem…
Lembrar disso me faz sorrir sozinho, sem tirar os olhos da
estrada.
A nossa última aposta me rendeu o melhor boquete da minha
vida, porque, como eu esperava, ganhei.
Coloquei Ítalo para vigiar a minha mãe voltar dos encontros
com Roger e não deu outra. Com duas semanas ele a viu chegando
toda feliz, cantando sozinha e com a pele até mais brilhante.
Dr. Roger não perdeu tempo mesmo.
E, quanto ao namoro, eu estava achando que eles iam relutar
mais, até nos chamarem para finalmente conversar, três meses
depois daquela noite de pizzas na casa de Alana.
É claro que teve bastante provocação minha com Roger
naquele dia, e, por mais que a gente sempre pegue no pé um do
outro, surgiu uma amizade legal entre a gente.
E essa é só mais uma das coisas que me surpreenderam
nesta vida.
— Está tudo bem aí? — pergunto a Alana, virando-me para
olhá-la pelo retrovisor.
— Está, sim… Só a minha bunda que está começando a
doer.
— No próximo posto de gasolina, a gente para, ok?
Alana assente e eu sigo estrada até encontrar um posto,
onde descemos para beber água e esticar um pouco as pernas.
Com metade da viagem concluída, voltamos para a estrada e
agora Alana começa a conversar comigo, mostrando pontos da
paisagem a nossa volta.
Isso faz com que a viagem seja mais prazerosa e, quando
menos percebo, estamos entrando na cidade que escolhi. Quando
Alana vê o mar a nossa volta, solta um gritinho de euforia e começa
a falar o quanto ela estava sonhando em voltar à praia.
Quando eu lhe disse para separar roupa de verão e biquínis,
ela imaginou que eu a levaria para uma cachoeira. Mas a surpresa
ao saber que eu fiz algo ainda melhor só a deixou ainda mais
empolgada.
Tenho certeza de que esse fim de semana será inesquecível.
Piloto até chegar à casa que aluguei, de frente para o mar, e
Alana dá um gritinho quando desce da moto.
— Vamos ficar nesta casa todos esses dias? — pergunta,
maravilhada.
— Ela é toda nossa… E o mar também — respondo, mal-
intencionado, abraçando-a pela cintura.
— Ah, Ian…
— Preparada?
Ela assente e logo me ajuda a tirar as mochilas do bagageiro
da moto e carregar até a casa. Pego a chave dentro de um vaso de
plantas e abro a porta da casa, revelando o interior.
Uma sala de estar com enorme sofá e TV nos recebe, Alana
sorri olhando tudo ao redor.
— Uau…
Caminhamos pelo corredor até encontrar nossa suíte, com
uma cama perfeitamente arrumada para nós dois.
— Ah, isso parece uma lua de mel — exclama, eufórica, e eu
rio.
Coloco as mochilas no canto do quarto e vou a seu encontro,
abraçando-a por trás.
— Veja isso como um aquecimento. — Mordo sua orelha e
Alana arfa. — Porque, quando eu me casar com você, será uma
viagem ainda mais foda.
Seu corpo inteiro se arrepia e a minha vontade é de jogá-la
na cama e fodê-la até não aguentar mais, mas me contenho.
Quero mostrar o restante da casa para ela primeiro.
Passamos pelo espaçoso banheiro com banheira e Alana já
me faz prometer um banho relaxante, com que eu concordo no
mesmo instante. Já de volta à sala, vamos até a cozinha e encontro
os armários e geladeira abastecidos com tudo que eu pedi.
Paguei um extra para o proprietário fazer algumas compras
para mim, fazendo com que fique tudo perfeito.
Atravessando a cozinha, vamos até uma varanda nos fundos
da casa e então, a visão do mar.
— Ah…
O som das ondas se quebrando é do caralho e, olhando ao
redor, vejo que essa parte da praia é pouco movimentada,
exatamente como eu queria.
Esse fim de semana tem tudo para ser perfeito.
— Ian… Aqui é tão lindo…
Alana suspira e eu sorrio, abraçando-a de frente para o mar.
— Achei que precisávamos de um lugar assim, depois de
tudo que passamos.
— Precisávamos mesmo.
— Gostou mesmo? — pergunto, beijando seu ombro com
carinho.
— É perfeito… Você é perfeito.
Mordo sua pele e ela solta uma risadinha.
— Vou te morder toda vez que falar isso. Não sou perfeito,
Alana.
Ela bufa, mas logo ri.
— Então, sempre que eu quiser ganhar uma mordida, é só te
chamar assim? — pergunta, maliciosa.
— Depende de onde minha boca estiver perto… — sussurro
e vejo sua pele se arrepiar.
— Gostei de saber disso.
Minhas mãos descem pelo seu corpo e Alana começa a se
apertar mais contra mim.
— Vamos voltar? — pergunto e ela assente ofegante. —
Depois voltamos para cá, mais descansados…
Mordo o lóbulo de sua orelha e geme baixinho.
Puxo Alana pela mão e volto para dentro de casa, entrando
na cozinha.
— Quer alguma coisa? — ofereço.
— Na verdade, quero tomar um banho… Você vem comigo?
Seus olhos brilham, mas eu nego.
Tenho algo melhor em mente.
— Pode ir, vou preparar uma coisa para a gente…
Alana faz um biquinho fofo e eu rio.
— Mas me espera na cama — peço. — Completamente nua.
Os lábios de Alana se entreabrem e eu já começo a ficar
ainda mais duro pelo que está por vir.
— Não vou demorar — afirma e sai do cômodo me deixando
sozinho.
Logo escuto o som da porta do banheiro se fechando e então
eu abro o freezer, sorrindo ao ver um pote de sorvete lá dentro.
Pego-o e sirvo uma generosa taça.
Chocolate com menta ganhará um novo sentido para nós
esta noite…
Deitada na cama, do jeito que Ian me pediu, encaro a porta
de entrada do quarto em expectativa. Eu não sei o que meu
namorado está tramando, mas sei que será inesquecível.
Ian me surpreende todos os dias me levando a novas
experiências a cada vez que estamos sozinhos.
Nos últimos meses, já fizemos cada loucura.
Me fazer gozar em locais públicos se tornou a nova diversão
de Ian e, sempre que ele vê uma oportunidade, não deixa de
aproveitar.
E eu estou mesmo muito longe de reclamar disso.
Ainda não fomos pegos e isso só fez com que ficássemos
ainda mais ousados. Essa adrenalina só deixa tudo mais excitante.
A última vez foi em uma sessão de cinema mais vazia.
Enquanto as pessoas assistiam ao filme de ação, Ian me fazia ver
estrelas com seus dedos e não me deixava fazer barulho.
Todas as vezes que Ian me impede de gemer, eu fico ainda
mais louca e gozar em sua mão nunca é uma missão difícil.
Na verdade, eu sempre espero por mais.
Essas lembranças vindo à tona só fazem com que eu fique
mais excitada e ansiosa por Ian.
— Ian — chamo-o, vendo que está demorando demais, e
logo ouço seus passos em minha direção.
A personificação de um bad boy dos filmes aparece na minha
frente segurando uma taça de sorvete e eu aperto as pernas.
Ian só fica mais gostoso a cada dia.
A jaqueta de couro sobrepõe uma camisa preta, os jeans
surrados e botinas compõem seu visual. Mas aquele sorriso safado
e o olhar malicioso que ele me lança sempre serão a minha
perdição.
Nessas horas, Ian sempre faz uma cara de homem “ruim”
que só me deixa ainda mais desejosa por ele.
— Gostei de ver, Alana. — Sua voz grossa é rouca agora e
só me faz ansiar ainda mais. — Gosto quando você faz exatamente
o que eu peço.
Ian caminha em direção à cama e pousa a taça de sorvete na
mesinha de cabeceira ao lado, lançando-me um olhar duro.
Com toda a calma do mundo, ele retira a jaqueta de couro e a
pendura atrás da porta, sabendo que toda essa demora é a uma
verdadeira tortura.
Ele retira o cinto preto da calça e vem até mim com a peça de
couro nas mãos.
A minha respiração pesa em expectativa.
Será que ele vai fazer o que eu estou pensando?
Ian se ajoelha na cama e leva as minhas mãos ao alto, acima
de mim. Com firmeza, amarra-as com o cinto, travando meu
movimento.
— Ian… — gemo, chamando por ele.
Não consigo nem imaginar o que vai fazer comigo hoje, já
que nunca me amarrou assim. Mas eu quero tudo, quero tudo que
venha dele.
Ian contorna a cama e pega a taça de sorvete, mergulhando
uma colher e levando a sua boca, lambendo de forma bem lenta,
chupando o talher ao final.
Ele corre a língua pela colher de inox e ficar aqui, amarrada,
vendo essa cena sexy pra caramba diante dos meus olhos, só faz
com que eu fique ainda mais molhada.
Desse jeito eu vou gozar antes mesmo que ele encoste um
dedo em mim.
— Sabe, Alana… — começa a falar, a voz rouca me deixa
afetada demais. — Chocolate com menta ganhará um novo
significado para nós dois hoje…
Minha respiração sobe e desce em expectativa quando ele
me segura forte pelo pescoço e me beija de um jeito tão bruto que
me faz gemer. Os lábios gelados, o piercing na língua e o sabor do
sorvete tornam esse beijo um dos mais gostosos que já recebi.
Ainda me segurando pelo pescoço, Ian desce os lábios
gelados pela minha pele e logo alcança os meus seios, fazendo-me
gemer alto.
Aqui eu não preciso me conter, não preciso me segurar.
Estamos somente nós dois em nosso paraíso particular.
Ian se afasta apenas para levar mais uma colher da
sobremesa gelada à boca e, antes mesmo de engolir, lambe os
meus seios, derramando o sorvete por eles, se deliciando em minha
pele.
— Porra, Ian…
Tento me mexer, mas a amarra não permite e eu só contorço
meu corpo debaixo dele.
Ian lambe, chupa e morde meus mamilos de um jeito tão
intenso, tão gostoso que parece nublar a minha visão.
Ele espalha mais sorvete com a língua pelo meu corpo e a
sensação gelada em minha pele é a experiência mais excitante que
eu já vivi.
Quando Ian chega a minha virilha, eu gemo alto.
Se já foi uma loucura nos meus peitos, imagina lá…
E ele me mostra que eu não estava enganada.
Sua língua desliza devagar espalhando sorvete em mim e eu
sinto uma onda de arrepios tomar conta do meu corpo.
— Tão gostosa… — ele rosna antes de me chupar com
gosto, mordendo-me de leve.
— Ah, Ian… Eu…
Não consigo nem concluir quando o sinto pegando mais
sorvete para lambuzar em mim, chupando-me de um jeito tão
gostoso, tão…
— Ian… — gemo quando o sinto me penetrar com seu dedo
gelado de uma só vez.
— Você não tem ideia de como é bom o seu gosto misturado
com o sorvete… — sussurra. — Goza, Alana. Quero que fique ainda
mais gostoso.
E como me segurar diante disso?
O orgasmo me atinge forte e Ian continua me chupando até a
última gota, enquanto meu corpo se recupera.
Puta que pariu.
De todos os (muitos) orgasmos que Ian me proporcionou até
hoje… Nenhum chega aos pés do que eu senti agora.
Quando minha respiração se ameniza, ele sobe pelo meu
corpo me lambendo, até encontrar a minha boca mais uma vez.
Ele me circula pela cintura e me beija de um jeito tão quente,
tão gostoso, que me faz ansiar por mais.
— Eu ainda estou pensando se devo te soltar — murmura ao
se afastar para morder meu lábio inferior. — Você gozou tão gostoso
assim.
Suspiro alto quando o vejo se levantar da cama para se
despir para mim.
Em câmera lenta, vejo Ian tirar peça por peça até ficar
completamente nu. Ele volta para perto de mim, acariciando seu
pau, que pulsa forte em suas mãos.
O brilho do piercing dele me faz pensar no quanto deve ser
bom senti-lo ainda amarrada assim…
— Não me solta — peço e seus olhos faíscam sobre mim.
— Porra, Alana…
Ian se deita sobre mim e retoma seu trabalho de me torturar,
correndo a língua por cada pedacinho do meu corpo. Eu nunca vou
me cansar disso.
Mas logo ele se afasta de mim e se ajoelha, pegando a minha
perna e erguendo-a, até a altura do seu ombro. Ian morde o meu pé,
enquanto se posiciona em minha entrada para me preencher de
uma vez.
Gememos alto.
A sensação de ter Ian dentro de mim sem nada nos
protegendo é algo com que eu ainda não vou me acostumar.
Desde que as coisas ficaram mais sérias entre nós, fizemos
os exames e, como eu já fazia o uso de pílula, decidimos não usar
mais preservativo. E isso só deixou tudo muito mais gostoso.
Ian segura a minha perna e me estoca forte, gemendo tanto
quanto eu.
Toda vez é assim.
Insano, bruto, intenso.
Gostoso demais.
Com a mão livre, ele toca meu clitóris e me estimula ali,
enquanto mete forte e gostoso, fazendo-me arquear o corpo cada
vez mais.
— Ian… — gemo e ele só aumenta ainda mais o ritmo das
estocadas, me enlouquecendo.
Logo ele se afasta de mim e solta a minha perna, virando-me
de costas.
Eu fico de bruços na cama quando sinto seu braço envolver a
minha cintura e erguer o meu quadril, deixando-me de quatro para
ele.
Tento me equilibrar com as mãos atadas e Ian me dá um tapa
tão forte na bunda que quase me derruba.
— Ian…
— Eu amo deixar essa bunda vermelhinha.
E então ele me penetra de uma vez, fazendo-me gemer
novamente.
Enquanto me segura firme com uma mão, com a outra me
desfere mais um tapa. A ardência da pele só deixa tudo ainda mais
excitante.
Se algum dia eu falar que Ian não tem mais como me
surpreender sexualmente, com toda certeza estarei mentindo.
Ian continua me fodendo com força, quando sinto seu polegar
molhado tocar o meu ânus.
Minha primeira reação é contrair o corpo.
— Calma, amor… Eu não vou te comer aqui… Ainda.
A forma como ele diz o ainda me faz arfar.
Já tive várias experiências diferentes com Ian, mas esse lado
ainda nunca tinha sido explorado por ele.
— Mas até lá… — sua voz rouca preenche o ambiente. —
Posso brincar um pouquinho aqui?
Ian pergunta e seu dedo entra um pouco mais, fazendo-me
gemer em resposta.
Meu namorado me comendo de quatro, com as minhas mãos
amarradas e preenchendo meu cu com o dedo é a coisa mais foda
que eu já senti até hoje.
Puta que pariu.
— Ian… — choramingo, porque já não estou aguentando
mais.
— Já quer gozar, Alana? — pergunta antes de enterrar o seu
dedo ainda mais fundo em mim.
— Ian… — suplico e ele solta uma risada safada, misturada
em um gemido.
Ian não interrompe os movimentos em nenhum momento e a
sensação que me toma é surreal. É algo que eu nunca tinha
experimentado antes.
— Ian…
— Pode gozar, amor — a sua voz rouca é o empurrãozinho
que faltava.
Ele mete ainda mais forte e fundo, até gozar junto comigo,
derramando-se dentro de mim.
Quando se afasta, eu desabo na cama e logo ele se põe ao
meu lado, desamarrando as minhas mãos.
Ian esfrega meus pulsos ao vê-los vermelhos e marcados
pelo cinto.
— Te machucou? — pergunta preocupado.
— A dor excita mais — respondo e ele sorri para mim.
— Porra, Alana… Quando você vai deixar de me
surpreender?
— Pois eu estava pensando exatamente o mesmo de você.
Ian sorri e me puxa para o peito dele, correndo os dedos
pelos meus braços com carinho.
— Eu amo você, Alana. Amo a mulher que se tornou e que
nunca desistiu de mim, mesmo que eu tenha pedido por isso.
— Ah, Ian… — Suas palavras fazem meus olhos marejarem.
— De todas as escolhas que eu já fiz na vida, com certeza
você foi a melhor delas.
Ian ajeita seu corpo para ficar de frente para mim e tocar o
meu rosto, beijando minha testa com carinho.
— Eu te amo pra caralho, viu? — declara e eu sorrio. — Do
meu jeito torto, louco e impulsivo.
Suas palavras são tão sinceras que uma lágrima me escorre.
Ele rapidamente a seca com o dedo.
— Eu vou cuidar de você para sempre, Alana. Pode ter
certeza disso.
— Eu sei… — respondo sorrindo.
Se há uma certeza que eu tenho na vida, é de que Ian
sempre vai cuidar de mim, ainda que eu não queira. Ele sempre
esteve ali me protegendo, dia após dia, e sei que isso nunca vai
mudar.
Porque é algo dele.
Está na natureza de Ian cuidar e enfrentar o mundo pelas
pessoas que ama, mesmo que, para isso, tenha que agir por
impulso.
Todas as loucuras que Ian já fez na vida, até hoje, foram por
amar demais.
E eu me sinto tão sortuda por ser amada por ele.
Meu coração se aquece no peito e eu me inclino para lhe dar
um selinho.
— Eu amo tanto você, Ian… Mas tanto. Eu te amei desde
aquele dia na diretoria da escola e te amei cada segundo dos seis
anos que não estivemos juntos.
O sorriso que Ian me abre é tão lindo agora.
— E te amei ainda mais quando reencontrei você —
completo.
Eu me perco em seu olhar, encarando aquela imensidão azul,
linda como o mar.
— Meu pai nunca esteve certo em relação a você, mas tem
algo que ele me disse uma vez que hoje consigo ver o quanto
estava absurdamente errado.
— O quê? — pergunta, acariciando minha bochecha.
— Que éramos incompatíveis… — sussurro e ele sorri para
mim.
— Não importa o que pensem de nós dois, Ian — digo, firme,
sem tirar os olhos dele. — Nós somos compatíveis até demais.
Seus olhos marejam e ele sorri, puxando-me para mais um
beijo, daqueles de tirar o fôlego.
Mas, diferente dos anteriores, esse beijo é mais calmo,
sereno, como um mover suave de lábios.
Aqui, neste contato, consigo sentir todo o amor de Ian, toda
sua devoção por mim.
É como se ele entregasse toda a sua alma em um único
beijo.
— Eu amo você, Alana… — sussurra, afastando-se de leve.
— E eu sinto como se você tivesse sido feita para mim.
— E fui… — afirmo, vendo seus olhos brilharem.
— Eu nasci para ser sua, Ian Bastos.
— Ah, Alana…
Ian me envolve em mais um beijo, que deixa bem claro que
palavras não se fazem necessárias.
O que sentimos um pelo outro é puro, forte e verdadeiro.
Somos completamente diferentes, mas, ao mesmo tempo,
extremamente compatíveis.
Um ano depois

— Por que eu tenho a sensação de que você está me


escondendo alguma coisa? — Alana me pergunta com um ar
acusatório e eu rio.
Esta mulher me conhece como ninguém.
Estamos sentados em um restaurante mexicano finalizando o
nosso jantar e, a cada minuto que se passa, eu fico mais agitado. Já
levantei da mesa várias vezes e cocei a nuca muito mais do que de
costume.
Preparei uma surpresa para a minha namorada e, se tudo der
certo, essa noite ela será a minha noiva, é por isso que eu estou
ansioso pra caralho.
Foi difícil conseguir organizar tudo sem contar nada para ela,
e para isso contei com a ajuda de Ítalo, minha mãe e até mesmo de
Roger. Mas o coitado do meu irmão foi quem sofreu com meus picos
de ansiedade, já que é mais presente na minha vida.
E, por falar nele, já não trabalha mais comigo. Ítalo se formou
na faculdade e conseguiu um trabalho de engenheiro em uma
grande indústria na cidade vizinha. O cara enfrentou a família da
namorada e conquistou a confiança de todos, tanto que não
demorou a noivar para mostrar que não estava de brincadeira.
Meu irmão não perdeu mesmo tempo e já saiu colocando o
anel no dedo de Letícia. Quem diria, hein?
A família da garota é bastante influente na cidade e tinham
lhe encontrado o noivo “ideal”, um que Letícia não amava. Mas ela
não conseguia se impor naquela casa, foi então que Ítalo entrou em
cena, no momento certo, e enfrentou todo mundo. Fácil não foi, mas
o importante é que deu tudo certo e eles finalmente cederam. Meu
irmão é um cara muito foda, não tem como não gostar dele.
E as coisas não só deram certo no quesito relacionamentos
para mim e para o meu irmão, como também para minha mãe. Para
a nossa surpresa, ela deu mesmo certo com Roger e os dois estão
mais felizes do que nunca.
Como minha mãe já é aposentada, ela fica por conta dos
horários malucos de Roger e, pasmem, ele até diminuiu alguns
atendimentos para ficar mais tempo com a minha mãe. Até viagem
romântica os dois já fizeram, o que nos rendeu bastante zoação. Eu
nunca vou deixar de implicar com meu sogro por isso.
Mas ver a minha mãe feliz é o que importa, no fim de tudo. E
aquele filho da puta sabe muito bem como fazê-la sorrir.
E, quanto ao meu trabalho na oficina, há alguns meses
encontrei um novo funcionário, um primo do meu amigo Tiago. O
cara é novo e não só me ajuda na parte burocrática como é
alucinado por motos como eu. Tenho lhe ensinado tudo que eu sei e
ele tem se saído muito bem. Se seguir esse caminho, vai longe. O
moleque tem muito talento.
E, por falar em Tiago, meu amigo não teve seu destino com
Valentina, como eu e Alana apostamos uma vez. O lance deles de
fato foi casual e hoje cada um se envolveu em um novo
relacionamento. O melhor de tudo é que continuaram amigos, assim
as festas de família não ficam constrangedoras com a presença dos
dois.
Encaro a mulher a minha frente e penso no quanto ela só fica
mais linda a cada dia. Já são quase dois anos juntos e só consigo
pensar na sorte que eu tenho por ter cruzado o seu caminho.
Falta pouco para Alana terminar sua residência médica e
finalmente se tornar uma especialista. Eu não vejo a hora de isso
acontecer, devo estar mais ansioso do que ela, já que tenho tanto
orgulho disso.
Eu, um cara que sempre foi ferrado, prestes a se casar com
uma médica foda?
Isso, bom, se ela aceitar…
— E então? — sua voz interrompe meus pensamentos e eu
sorrio.
— Podemos pelo menos terminar o jantar, apressadinha?
Alana sorri para mim e logo a nossa sobremesa chega.
Acabamos comendo bem mais rápido do que de costume,
devido a essa ansiedade que nos ronda. Eu para lhe mostrar o que
planejei e ela para finalmente descobrir o que venho escondendo
dela há meses.
Sim, estou planejando isso há meses e não sei como não
surtei, contando tudo para ela.
Terminamos de comer e eu pago a conta antes de sairmos e
entrarmos no carro de Alana para voltarmos para casa. Agora ela
tem o seu carro e, mesmo que adore andar de moto comigo, em
ocasiões como essa, deixamos a motocicleta na garagem.
— Preparada? — pergunto, antes de girar a chave de seu
carro.
— Para você, sempre — responde e eu sorrio, pegando as
ruas da cidade.
— Olha que essa frase tem dupla interpretação — brinco e
ela gargalha.
— Mas serve para todos os sentidos mesmo — afirma e eu
balanço a cabeça.
— Alana, Alana… Segura a onda aí, porque eu preciso te
mostrar uma coisa antes.
— Eu estou tão curiosa para saber o que você está
aprontando! — Ela cruza os braços e eu rio.
Ligo o som do carro, coloco Skid Row para tocar baixinho e
Alana sorri se lembrando de quando eu mostrei a música para ela,
na noite em que finalmente nos entregamos de novo, depois de
tanto tempo longe dos braços um do outro.
Quando chego ao destino, desligo o carro. Diante de nós está
uma casa de tamanho razoável em um bairro que fica em um ponto
médio de distância entre a minha oficina, a casa de Alana e o
hospital.
Alana me olha curiosa e eu apenas indico com a cabeça para
que ela desça do carro. Quando fazemos, tiro as chaves do bolso e
abro o portão, indicando para que ela entre.
— Que casa é essa? — pergunta e eu não respondo nada,
apenas guiando-a pelo gramado até chegar à porta de entrada.
Abro a porta da sala e acendo as luzes, revelando uma casa
vazia, porém totalmente mobiliada.
A sala tem um sofá-cama extremamente confortável, TV
grande e tapete. Ao lado, uma mesa de jantar espaçosa e um
acesso para a cozinha.
Alana acompanha todo o percurso pela casa admirada, mas
incapaz de perguntar alguma coisa.
Mostro a cozinha perfeitamente equipada, área de serviço e,
quando saímos, um corredor que dá acesso aos quartos. Banheiro
social, quarto de visitas, escritório e, por fim, uma suíte.
Quando entramos, pego sua mão e a guio até a extensa
cama, que está perfeitamente arrumada. Alana se senta e corre as
mãos pela colcha macia.
— Vai me responder agora que casa é esta?
— É minha — respondo e ela arregala os olhos para mim.
— Jura?
— É — respondo, dando de ombros, tentando controlar o
alvoroço que meu coração começou a fazer dentro do meu peito. —
Eu acho que a quitinete estava ficando muito pequena para mim,
principalmente quando você está lá…
Toco seu rosto com carinho e coloco uma mecha de seus
cabelos para trás da orelha.
— Ian…
— E aqui fica mais perto da sua casa e do hospital —
completo.
Alana abre um sorriso tão lindo para mim que meu coração
erra uma batida.
— Nossa, Ian… É linda! Você fez tudo isso sozinho? —
pergunta e eu percebo uma nota de decepção em seu rosto.
Acho que ela ficou triste por não ter participado disso, mas
estragaria toda a surpresa se eu tivesse lhe contado antes.
— Meu irmão me ajudou.
— Eu poderia ter ajudado também…
Alana baixa o olhar e a minha suspeita se confirma.
— Não gostou? — pergunto e ela ergue o olhar, balançando
a cabeça.
— Claro que sim! Ficou incrível! Eu só queria ter te ajudado.
Toco seu queixo e o gesto a faz olhar dentro de meus olhos.
— Mas, se eu fizesse isso, estragaria a surpresa.
Pisco para ela, que estreita os olhos para mim.
— Qual?
Ignoro-a e me levanto da cama, indo até o closet.
— Amor, vem cá — chamo-a e logo ouço seus passos em
minha direção.
Acendo a luz do closet e, quando ela entra, aponto para um
lado dos armários em que estão todas as suas coisas.
— Este lado do armário é bom para você? — pergunto,
fingindo indiferença, segurando-me para não rir da expressão de
choque dela.
— Como…
— Eu fiquei com esse lado menor, sabe? Porque tenho bem
menos coisas que você — continuo falando. — E a sapateira…
Nossa, mas você tem sapatos demais, hein? Ocupou a prateleira
toda sozinha.
Olho para trás e vejo Alana parada, sem reação, com os
olhos marejados.
— O que foi? Não gostou desse lado? Quer trocar comigo?
— Ian… — Ela pisca os olhos antes de olhar para mim. —
Por que as minhas coisas estão aqui?
— Porque… Bom…
Faço uma pausa dramática e coço a barba.
— Eu acho que menti para você agora há pouco.
— Mentiu? — pergunta, com a voz trêmula.
— Na verdade, omiti uma informação importante.
— E qual é? — Alana cruza os braços e me olha com o
semblante completamente perdido.
— Esta casa não é só minha… — falo e consigo ver sua
respiração pesar. — Ela é nossa.
— Ian… — Seus olhos brilham e eu ergo a mão para que ela
espere.
— Mas claro, antes que pense que eu estou tomando
decisões por você.
Abro uma gaveta do armário e tiro de lá uma caixinha de
veludo.
Quando Alana percebe o que está nas minhas mãos, ela
solta um gritinho, que me faz rir.
Paro na frente dela e brinco com a caixinha na mão, ainda
fechada.
— Sabe… Eu sempre pensei que você merecia um príncipe
encantado.
— Ian…
— Mas Ítalo uma vez me disse que você não queria a porra
de um príncipe montado no cavalo branco. — Faço aspas na fala
dele e ela ri. — Ele disse que você me queria…
— E eu quero…
Seu sorriso se abre e o meu se torna gigante.
Abro a caixinha e revelo o anel solitário com uma delicada
pedra de diamante.
— Eu não sou o príncipe encantado, Alana. E nunca vou ser.
— Eu não preciso de um… — diz e uma lágrima lhe escorre.
— Mas prometo que vou sempre te amar, ainda mais do que
eu amo hoje. Que vou cuidar sempre de você e te proteger de tudo.
Porque sou capaz de destruir o mundo inteiro só para ver você feliz.
— Eu sei… — Sorri por entre lágrimas.
— E por vezes vou errar, vou ser ignorante, impulsivo e
louco… Como agora, que montei uma casa inteira e trouxe todas as
suas coisas para cá sem nem saber se você vai aceitar se casar
comigo…
— Mas eu aceito — responde rápido e eu rio.
— Posso tentar ser fofo pelo menos uma vez e fazer as
coisas direitinho? — peço e ela ri, assentindo.
— Desculpa.
Faço cara de ofendido, pego a mão esquerda de Alana e levo
aos meus lábios.
— Alana Cardoso… — começo e seu peito sobe e desce de
forma acelerada. — Eu me apaixonei por aquela garota toda
deslocada na sala da diretoria e me apaixonei mais um pouquinho
por você em todos esses anos, em que nem sempre estivemos
juntos.
Tiro o anel de dentro da caixa e ergo para ela, que me abre
um sorriso tão lindo, fazendo meu coração se aquecer ainda mais
dentro do peito.
— Eu já vivi uma vez sem você e acredite, não quero isso de
novo, nunca.
— Nem eu…
— Então… Aceita ser minha para sempre?
Alana assente rápido e eu sorrio, deslizando o anel pelo seu
dedo, beijando ao final.
— Eu sou sua, Ian — diz, tocando meu rosto com carinho. —
Nunca deixei de te amar, mesmo quando não estivemos juntos. Meu
coração sempre foi seu e só estava esperando pelo momento de
voltar para você.
— Que bom que você voltou. — Sorrio para ela.
— Eu prometo que nem sempre vou concordar com o que
você quer — diz e eu rio.
— Você não tem ideia do quanto eu te agradeço por isso.
Se Alana tivesse dado ouvidos a mim, hoje não estaríamos
juntos.
— Mas prometo fazer de tudo para que você seja feliz.
Porque a sua felicidade é a minha também.
Seguro seu rosto com as mãos e beijo de um jeito calmo,
lento e cheio de sentimentos.
— Como você conseguiu trazer as minhas coisas? —
pergunta curiosa ao se afastar do meu contato.
— Eu te segurei hoje fora de casa o dia todo, não foi?
Antes do jantar, fiz Alana se arrumar na minha casa,
segurando-a ao máximo longe da residência dos Cardosos.
— Seu pai foi meu cúmplice nessa… Enquanto você estava
fora, empacotamos tudo e trouxemos até aqui.
— E se eu recusasse? — pergunta, desafiadora.
— Bom, além de você partir o meu coração, amanhã eu teria
o trabalho de devolver todas as suas coisas. Mas valia o risco.
Alana sorri e me envolve pelo pescoço, lançando-me aquele
olhar apaixonado que tanto amo.
— Eu amo esse seu jeito impulsivo, te coloca em algumas
furadas às vezes, mas também te leva a fazer coisas únicas. Você é
único, Ian. E eu te amo tanto por isso.
Meu sorriso se torna gigante e eu beijo seus lábios mais uma
vez.
— Eu te amo mais, Alana. Muito mais… — murmuro e a beijo
novamente, colocando todo meu sentimento neste beijo.
— Eu sempre farei tudo por você — completo.
Alana me aperta pela nuca e só aprofunda nosso beijo, que
se torna muito mais intenso agora.
— Você é toda a porra do meu mundo.
E eu nunca estive tão certo como agora.
Alguns anos depois

— O papai chegou! O papai chegou! — Mateus sai correndo


até a garagem como um furacão, logo que vê os faróis da moto de
Ian entrando.
Logo César vai caminhando também ao encontro de Ian,
porém de forma muito mais calma.
Meus meninos são alucinados pelo pai.
E nem posso culpá-los, afinal, como não amar Ian Bastos?
Assim como os pais, nossos meninos são completamente
opostos um do outro.
César, o primogênito de oito anos, é incrivelmente parecido
com Ian. Os olhos azuis e o nariz fininho são todos do pai. Mas a
semelhança dos dois acaba por aí. César é calmo, centrado e
extremamente organizado. Ele é de opinião formada, mas é muito
sensato e concentrado nas coisas, bem parecido comigo.
Já Mateus, o caçula, é o inverso do irmão. Os olhos são
verdes como os meus e tem o mesmo furinho no queixo. Mas a
personalidade é indiscutivelmente de Ian. Meu menino é bastante
agitado, inquieto, ansioso impulsivo. Ele só tem seis anos de idade,
mas já me fez ir parar na escola por mais vezes do que posso
contar. Estamos até fazendo acompanhamento médico para ver se
ele tem o mesmo TDAH de Ian e podermos ajudá-lo melhor. Mas,
apesar de ser um pequeno furacão, Mateus tem um coração do
tamanho do mundo.
Todos os dois são capazes de tirar a roupa do corpo para
cobrir alguém, como o pai, e isso só me mata de orgulho. Nossos
filhos são incríveis.
Aqui da cozinha, preparando uma massa para o jantar,
escuto os gritos e gargalhadas das crianças fazendo festa com Ian.
Meu marido tem quase quarenta anos, mas o espírito ainda é de
moleque e os meninos fazem a festa com ele, todos os dias.
— Mas que bagunça é essa aqui na sala? — Ian os
repreende e eu solto uma risadinha.
Chega a ser cômico o rei da desorganização cobrar isso dos
filhos.
— Foi o Mateus! — César se defende e eu acredito.
Mateus é mesmo igualzinho a Ian.
— Mas eu já conversei com vocês sobre isso. A
responsabilidade é dos dois de guardar os brinquedos, ok?
Daqui consigo ver Ian abaixado conversando sério com os
meninos. Mesmo que ele seja extremamente brincalhão com eles,
também sabe ser bem rígido quando precisa.
— Desculpa, papai — Mateus fala baixo.
— Tudo bem, filho. Mas quero tudo no lugar antes do jantar,
combinado?
As crianças assentem e ele paparica os meninos mais um
pouco antes de vir em minha direção.
— Oi, amor — sua voz rouca faz meu corpo se arrepiar.
Não importa quanto tempo passe, Ian sempre fará um
estrago em mim.
— Como foi o dia hoje? — pergunta, circulando-me pela
cintura para me dar um beijo casto nos lábios.
— Foi gostoso passar um dia de folga com os meninos em
casa — respondo e ele sorri.
— E você, princesa? Como está?
Ian toca a minha barriga e sorri.
— Não sabemos se é uma menina… — corrijo-o e ele
balança a cabeça.
— Instinto de pai não serve?
Ele se faz de ofendido e eu rio.
— Ainda bem que vamos acabar com isso hoje — completo.
Hoje foi o ultrassom para descobrir o sexo do nosso bebê,
que está há cinco meses morando em meu ventre. Como surgiu
uma emergência no trabalho de Ian, ele não conseguiu sair mais
cedo para ir comigo, então lhe prometi que abriria o envelope
apenas quando ele estivesse em casa, para descobrirmos o sexo
juntos.
— Já está com o papel em mãos? — pergunta e eu confirmo.
— Está lá no quarto.
— Então vamos logo abrir e ver se estou mesmo certo!
A empolgação de Ian me faz rir.
— Vou só colocar a massa no forno.
Ian me ajuda a finalizar o prato e, quando colocamos no
forno, puxo-o pela mão até a nossa suíte.
Pelo caminho, encontramos alguns carrinhos no corredor e
eu só balanço a cabeça rindo.
— Esses meninos não têm jeito. — Ian suspira, ao entrarmos
em nosso quarto.
— Puxaram quem, será? — brinco e ele ri.
— Acho que estou pagando por todo o trabalho que dei a
minha mãe na infância.
A careta de Ian é impagável e eu caio na gargalhada.
Pego o envelope da clínica em cima da mesinha de cabeceira
e trago até ele, onde nos sentamos, na cama.
— Quer abrir? — sugiro e ele só puxa o papel das minhas
mãos, ansioso.
Solto uma risada.
Isso é tão Ian.
Ainda que esteja mais velho e muito mais sábio, a
personalidade agitada de Ian não mudou muito. Mas hoje, além de
frequentar a terapia, ele pratica jiu-jitsu para gastar um pouco de
toda a sua energia.
O cigarro não faz mais parte da vida de Ian desde que Rosa
foi embora. Ele me confidenciou que, todas as vezes que pegava
em um, sentia vontade de chorar ao se lembrar das palavras dela e
então parou de vez, o que me trouxe bastante alívio.
Ian corre os olhos pelo papel e o sorriso que me abre é tão
grande que eu nem preciso esperar pela resposta.
— É MENINA! — o grito que Ian dá me assusta e logo os
meninos chegam correndo ao nosso quarto.
— É uma menina! Vocês vão ter uma irmãzinha! — Ian
exclama, levantando-se da cama, e faz a maior farra com os
meninos.
— Eba! — eles comemoram com o pai e eu só consigo ficar
aqui, sentada, admirando-os com um sorriso bobo no rosto.
Eu tenho muita sorte de ter essa família.
Depois de bastante comemorar, jantamos juntos e
organizamos a bagunça da cozinha.
Agora que colocamos os dois para dormir, deitamos em
nossa cama, onde Ian não para de acariciar minha barriga.
— Cadê a princesa do papai?
Ver esse homem gigante, todo tatuado, conversando em voz
fina com a nossa filha é, de longe, a cena mais fofa que já vi na
vida.
— Alana… — ele me chama e eu apenas o encaro nos olhos.
— Eu sei que eu já escolhi os nomes dos meninos e…
Ele para e eu sorrio.
Já posso imaginar o que está pensando.
— Se você não se importar — Ian escolhe as palavras com
cuidado. — Gostaria de dar a ela o nome de Rosa.
O brilho do olhar do meu marido em minha direção enquanto
acaricia a minha barriga me emociona. Sei que os hormônios da
gravidez me deixam mais sensível, mas não tem como ser
indiferente a uma cena dessas.
— É perfeito, amor.
— Jura?
Assinto e toco sua mão repousada em minha barriga.
— Na verdade, eu também já tinha pensado nisso.
Seu sorriso se torna ainda maior e ele me dá um selinho
antes de deslizar o corpo pela cama até ficar da altura da minha
barriga.
— Oi, princesa. Aqui é o papai, mas você já sabe disso, não
é? — Ele sorri e eu faço o mesmo. — Acabamos de escolher o seu
nome e ele homenageia uma pessoa que foi muito importante na
minha vida. Foi ela quem me trouxe ao mundo.
Ian beija a minha barriga e eu sinto uma lágrima minha
escorrer.
— Eu te amo, filha. Não vejo a hora de te ter nos meus
braços. Estamos todos ansiosos para você chegar. Eu, a mamãe,
seus irmãos, a vovó e o vovô. Pode vir ao mundo, Rosa. Nós já te
amamos demais.
Quando Ian beija a minha barriga de novo e uma lágrima
quente cai sobre a minha pele, eu constato, mais uma vez, o quanto
eu fiz a melhor escolha da minha vida.
Ter Ian ao meu lado em todos esses anos e construir uma
família com ele foi muito além do que eu sonhei.
E esse é só o começo da eternidade que nos aguarda juntos.
(NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS)
UMA CENA HOT DE FERNANDA SANTANA COMO VOCÊ
NUNCA VIU

Alana se remexe no banco do carona e eu olho rapidamente


para ela, voltando a atenção para a estrada.
— Está cansada? — pergunto e ela nega.
Hoje foi dia de uma confraternização no hospital e, depois de
passarmos a noite com seus colegas de trabalho, Alana me chamou
para ir para casa.
Agora, já são mais de duas horas da manhã quando dirijo
tranquilo pelas ruas da cidade.
— Estou com calor — murmura e eu sinto meu pau reagir.
Eu conheço essa voz.
— Alana…
Viro-me de lado e a vejo tirar o cinto de segurança, o que só
me faz reduzir ainda mais a velocidade.
— O que você está fazendo? — pergunto, mas ela não me
responde.
Minha esposa ergue o quadril e puxa a calcinha, descendo
pelo vestido e deslizando-a pelas pernas bem lentamente.
— Porra, Alana — rosno, sentindo meu pau pulsar dentro da
calça.
Essa mulher ainda vai me deixar louco um dia.
Puta que pariu.
— Eu acho que você deveria prestar atenção no trânsito —
diz, maliciosa, e se vira no banco para ficar de frente para mim, com
as pernas bem abertas.
Acendo a luz do carro e vejo a sua boceta lisinha
escancarada para mim.
Inferno de mulher gostosa.
A ordinária chupa o dedo indicador e corre o dedo pelo
clitóris, fazendo-me começar a suar.
— Eu vou parar este carro, Alana.
— Ah, você não vai… — adverte-me. — Você vai ficar dando
voltas pela cidade enquanto me assiste eu me fodendo com os
dedos.
Caralho.
Engulo em seco e divido o meu olhar entre o trânsito e a
minha mulher de pernas abertas correndo o dedo pela boceta
inchada, se masturbando para mim.
— Porra, Alana!
Solto um suspiro enquanto a vejo subir e descer os dedos
lentamente, parando apenas para chupar cada um deles. O som
que ela faz ao lambuzar os dedos faz meu pau reagir ainda mais.
Com uma mão, Alana desce as alças do vestido e me revela
seus peitos deliciosos. Minha boca saliva quando a vejo apertar um
dos seios enquanto os dedos bombeiam forte em sua boceta.
Caralho…
De tudo que Alana já fez para mim até hoje, essa com
certeza é uma das minhas cenas favoritas.
— Hummm… Tão gostoso… — ela geme e eu começo a
suar frio.
Não consigo nem pensar em como estou conseguindo
manter o autocontrole evitando parar este carro agora mesmo e me
enterrando tão fundo nela até ouvi-la gritar.
— Quer me matar, porra?
Alana só geme mais. Agora de olhos fechados e com os
lábios entreabertos, ela intensifica o contato. O barulho dos seus
dedos batendo na boceta molhada é um tesão do caralho.
E ela não para.
Alana continua se fodendo com os dedos e, quando o
orgasmo começa a vir, ela grita, dentro do carro até suspirar,
relaxada.
— Agora eu posso parar o carro para te foder como se deve?
— pergunto e ela nega.
— Ainda não… Olhos na estrada, bonitão.
Alana engatinha em minha direção e abre o zíper da minha
calça, buscando lá dentro meu pau, que pula duro, firme, por ela.
— Porra!
Alana desce as mãos da base até a glande e lambe os lábios
antes de cair de boca no meu pau, chupando e me fodendo de um
jeito que me deixa louco.
Aperto as mãos no volante e encosto a cabeça no banco,
deixando-a se deliciar no meu cacete.
Uma mão minha desce e se enrola em seu cabelo,
empurrando-a, ajudando-a a engolir ainda mais o meu pau. Alana se
engasga e só se afasta para cuspir; a saliva escorre por ele, e ela
chupa em seguida, de um jeito foda pra caralho.
— Se você continuar assim, eu vou gozar — alerto-a e ela
continua me fodendo cada vez mais forte com a boca, fazendo uns
sons tão safados e gostosos que me deixa à beira de gozar.
Puta que pariu.
Mas não é isso que eu quero agora.
Entro por uma estrada deserta que leva até um campo
abandonado e desligo o carro, deixando os faróis acesos.
Alana solta meu pau e sorri maliciosa se afastando de mim.
Em um impulso, empurro o meu banco para trás liberando
espaço e bato na minha perna.
— Senta aqui, Alana — peço, mas ela não se move. — Senta
no meu pau agora — ordeno e ela sorri antes de subir em cima de
mim.
Segurando meus ombros com as mãos, Alana senta em mim
de uma vez só, me preenchendo até o talo.
Porra.
Puxo seu vestido para baixo e o embolo em sua cintura. Com
as mãos eu guio o ritmo de Alana enquanto ela cavalga no meu pau
e eu chupo seus peitos com vontade, mordendo e me deliciando
neles.
— Ian…
— Isso, Alana — incentivo-a quando a vejo acelerar os
movimentos, me preenchendo de um jeito louco. — A saudade que
eu estava de me enterrar em você.
— Mas você já me comeu hoje… — murmura em um gemido
quando eu abocanho seu seio.
— Mas meu pau não aguenta ficar longe de você, esqueceu?
Uma mão solta a sua cintura e a puxa pelos cabelos,
prendendo seu pescoço.
— Essa sua boceta é gostosa demais para eu não ficar
dentro dela.
O corpo de Alana bate contra o meu e eu preciso de um
esforço enorme para não gozar dentro dela. Porque não quero isso
ainda.
— Oh…
Alana geme quando eu mordo o seu pescoço enquanto
continuo puxando forte seu cabelo, guiando a forma como ela monta
em mim.
— Você não aguentou esperar chegar em casa, não é?
— Oh…
— Você é uma puta safada, Alana, que não aguenta ficar
longe do meu pau.
— Ian…
— Mas só vai gozar quando eu mandar.
Alana geme tão alto que eu sei que ela não vai conseguir
segurar por muito tempo mais. Mas eu ainda não acabei com ela.
Tiro-a do meu colo e a empurro para ficar no banco do
carona, de quatro para mim.
— Abre bem essas pernas — peço e ela obedece, se
segurando na maçaneta do carro.
Corro a língua por sua boceta inchada e gemo ao sentir seu
sabor.
Gostosa como sempre.
Fodo-a por um momento com a língua e Alana esfrega a
bunda na minha cara, pedindo por mais.
Mas eu tenho uma ideia muito melhor para hoje.
Dou um tapa em sua bunda e abro o porta-luvas do carro,
buscando uma embalagem de gel lubrificador lá dentro. Nós nunca
ficamos sem nosso kit de sobrevivência.
— Vai me dar esse cuzinho hoje, Alana? — pergunto,
rodeando-o com o dedo.
— Oh… — ela geme quando me vê entrando um pouco mais.
— Vai ou não vai? — insisto e ela geme em resposta.
Despejo um pouco de lubrificador na cabeça do meu pau e
espalho por toda a extensão, enquanto brinco com Alana.
Posiciono-me na entrada e roço-o ali, esperando pela
resposta de Alana.
— E então, amor…
— Vo-vou… — responde gaguejando e eu sorrio.
Com as duas mãos, seguro o quadril de Alana e começo a
entrar em seu cu apertado bem devagarzinho, pouco a pouco, até
preenchê-lo por completo.
Quando eu chego ao talo, preciso respirar fundo para
conseguir me controlar. É tão apertado e tão gostoso que sei que
não vou demorar a gozar.
Uma mão lhe desfere mais um tapa na bunda e a outra desce
até a sua boceta, encontrando-a completamente molhada para mim.
O tanto que eu amo essa mulher.
Começo a me mover lentamente, entrando e saindo de seu
cu, enquanto os meus dedos não saem de sua boceta inchada.
Alana geme tão alto, tão descontrolado que eu sei que ela não vai
conseguir se segurar muito mais.
— Ian… — choraminga enquanto eu continuo fodendo-a por
trás.
Eu sei que ela adora.
Alana foi resistente em fazer sexo anal no início, mas, depois
que finalmente cedeu, não consegue mais ficar sem. A safada ama
isso tanto quanto eu.
— Já quer gozar, amor? — pergunto, entrando e saindo dela
mais rápido agora.
Gemo ao vê-la gritando alto e os nossos sons são abafados
pelo vidro do carro. Isso só faz com que eu meta cada vez mais
forte, mais fundo nela.
— Ian… Eu… — pede e eu já sei exatamente o que ela quer.
— Pode gozar, Alana — autorizo e é questão de segundos
até que eu ouça seus gritos e sinta seu corpo inteiro tremer sob o
meu.
Mas eu não paro e continuo comendo-a até sentir o orgasmo
chegar para mim.
Em um movimento rápido, tiro o meu pau de dentro dela e
gozo em sua bunda, espalhando minha porra sobre ela.
Um gemido alto me escapa enquanto lambuzo-a todinha e
sinto minha respiração começar a relaxar.
— Porra, Alana — é tudo que eu consigo dizer.
Abro o porta-luvas de novo, tiro um pacote de lenço
umedecido lá de dentro e limpo toda a bagunça que eu fiz em Alana.
Eu disse que temos um kit de sobrevivência no carro, já que
quase sempre estamos transando fora de casa.
— Ai, Ian… — Alana choraminga sentando-se no banco de
frente para mim.
Faço o mesmo e a observo por um instante.
Esta mulher linda, suada e descabelada depois de ter sido
comida de todas as formas, sempre vai foder a porra do meu juízo.
— Eu amo você, Alana.
Completamente zonza, Alana sorri para mim.
— Eu também te amo, Ian.
Sua respiração ainda está pesada e eu só sei sorrir.
Amar e foder Alana é o que eu faço de melhor nesta vida e
nunca vou me cansar disso aqui.
Escrever uma história nunca é fácil e, se for a história de Ian
Bastos então, pior ainda.
Ian é um mocinho diferente de tudo que já fiz e foi um enorme
desafio construí-lo, mas eu amei cada segundo, porque foi
inesquecível.
Eu jamais vou me esquecer de como Ian mexeu comigo na
escrita deste livro. Tenho certeza de que me tornei uma pessoa
melhor por causa dele.
Quero agradecer a cada um dos meus leitores, que me
acompanham nessa carreira e mergulham de cabeça em cada
história que eu escrevo. É por vocês que eu continuo firme!
Aos meus amigos autores e parceiros de caminhada, que me
incentivaram cada um a sua maneira. Vocês sabem o quanto
significam para mim e eu nem preciso dizer isso.
Às minhas betas: Sophia e Jordana, que acompanharam
cada linha a ser escrita nesse processo. Escrever Incompatíveis foi
perfeito porque eu tive vocês comigo!
À turma dos bastidores: Vah (assessoria), Deh (revisão),
Rosinha (ilustração), Jack (diagramação) e Lari (capa e material de
lançamento). Eu amo trabalhar com vocês e, se este livro ficou
perfeito, é porque vocês contribuíram para isso.
Ao meu marido, que sempre me apoia em cada livro meu e
vibra pelas minhas conquistas: se não fosse você, eu jamais estaria
aqui.
E a Deus, que sempre me concede inspiração para continuar
nesse caminho.
Gratidão me define!
Amo vocês!
Fernanda Santana nasceu em Ipatinga, Minas Gerais, e vive
atualmente em Timóteo, com seu esposo e três filhos felinos.
Formada em Ciências Contábeis, atualmente é sócia de um
escritório de contabilidade e, por mais que ame o que faz, sua
paixão sempre foi a literatura.
Leitora compulsiva desde a adolescência, sempre teve
facilidade na escrita e capacidade de tirar lágrimas das pessoas
com suas palavras.
É fã de carteirinha de Nicholas Sparks e o tem como principal
inspirador na sua escrita.
Mesmo sendo amante de um romance fofo e clichê, também
adora livros de terror e suspense. A adrenalina do medo é algo que
a fascina.
É autora de outras obras de romance, sempre cercada de
drama e histórias que levam os leitores a muitas reflexões.
Conheça meu trabalho
https://www.amazon.com.br/Fernanda-
Santana/e/B08F2Z9NR4
Instagram: @autora.fernandasantana
Facebook: @autorafernandasantana
E-mail: autora.fernandasantana@gmail.com
Wattpad: @FernandaSantana__

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