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Copyright © 2020 Deby Incour

Copyright © 2020 Editora Angel



Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou
transmitida por qualquer forma, meios eletrônico ou mecânico sem a permissão por
escrito do Autor e/ou Editor.
(Lei 9.610 de 19/02/1998.)
1ª Edição

Produção Editorial: Editora Angel
Capa e projeto Gráfico: Débora Santos
Diagramação digital: Débora Santos
Revisão: Carla Santos

TEXTO REVISADO SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA
LÍNGUA PORTUGUESA.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

FICHA CATALOGRÁFICA FEITA PELA EDITORA.

Sumário:
Nota da autora
Dedicatória:
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Epílogo 1
Epílogo 2
Agradecimentos
Biografia
Editora Angel
Nota da autora

Estes livros alguns são contos, outros novelas e


alguns noveletas, sim, eu não tenho equilíbrio.
Pois bem, todos os assuntos policiais, leis, etc.,
tratados em toda a série, são pesquisados e muitas
vezes colocados de uma forma prática, leve ou
misturada a ficção.
E mais uma coisinha importante: mesmo que
seja uma série onde cada livro conta a história de
um personagem, todos se ligam de alguma forma e
ler fora de ordem vai acarretar spoilers
indesejados e confusões em algum momento. Por
isso, aconselho que leiam na ordem correta.

Dedicatória:

Para todos que fizeram dessa série especial.


Bia a Lizi, vocês me deixaram louca com suas ideias, mas seguraram as
pontas comigo e fizeram essa série chegar até aqui.


Um

Joseph Escobar

Anos antes...

O trânsito está um inferno. Tudo parado. Não tem a mínima


escapatória. Alguns carros buzinam. Provavelmente deve ter tido algum
acidente à frente.

Meu celular toca. O nome dela aparece na tela.

— Oi, meu amor — digo ao atender.

— Joseph, onde está? Estamos te aguardando. — Sua voz está aflita.

— No trânsito, amor. Saindo desse caos, em dez minutos chego à


fazenda. Podem começar a comer sem mim. Pelo visto vai demorar aqui.

Abro o vidro para entrar ar. O ar-condicionado deu problema, e não


tive tempo de levar o carro para arrumar isso.

— Se cuida, amor. — Está preocupada.

— Paula, aconteceu algo? Está estranha.

— Não. Apenas estou preocupada com você que não chega logo. Mas
agora sei que está bem. Estava demorando demais...
Sorrio.

— Não precisa se preocupar, amor.

— Você está sem segurança, isso me preocupa. Sua teimosia me


preocupa.

— Não se preocupe tanto que dá rugas.

— Joseph, falo sério!

— Daqui a pouco chego. Te amo.

— Também te amo. Beijos.

Desligo.

Coloco o celular no bolso da calça, e pego meus óculos de sol no


banco ao lado e coloco no rosto. O calor e o sol estão demais!

Fico tamborilando os dedos no volante, para passar o tempo.

Os carros começam a buzinar mais, e olho para ver o que é. Motos


começam a vir de vários lados. Porra, era só o que me faltava agora!

Uma moto surge na lateral que estou. Não tenho tempo de fechar o
vidro do carro, que é blindado, porque outra moto encosta e o delinquente
encosta a arma na minha cabeça.

As outras motos assaltam os carros à frente.

Tento manter o máximo de calma. Não posso pegar a arma embaixo


do banco, ou ele pode fazer merda, e tem pessoas demais ao redor para
causar um tiroteio. Todos os motoqueiros estão armados. Retiro meus
óculos e jogo no banco ao lado.
— Passa tudo, filho da puta! — ele grita.

Retiro o relógio e anel, entrego a ele.

— Não pense em olhar, vai passando tudo sem olhar! — ele pede. —
Carteira! Vai, vai! — Está nervoso. — Esse caralho tem que parecer um
assalto! Vai, porra!

Que merda ele está querendo dizer?

A outra moto está encostada no vidro do passageiro, o qual está


fechado.

Pego a carteira e entrego a ele.

— A aliança, passa a aliança, porra!

Retiro minha aliança, e entrego a ele também.

O outro motoqueiro bate a arma com muita força no vidro do


passageiro, mas não quebra, é blindado.

— Abre essa porra! — o que está ao meu lado grita.

Abro o vidro do passageiro. Respiro fundo. Isso não vai acabar bem.
Para que esse cara quer o outro vidro aberto, porra?

— Sabia que era você. Carro blindado, Juiz Escobar? Achou mesmo
que isso te ajudaria? — O outro motoqueiro ri. — Valeu a pena seguir cada
passo seu, desgraçado!

— Eu não achei nada. Já dei tudo o que queriam!

Mantenho a calma. Qualquer passo em falso posso causar algo grave.

— Quem diria que um dia estaria cara a cara com filho da puta que
fodeu a vida do meu pai e da minha família.

Tento virar o rosto para ele, mas o que mantém a arma na minha
cabeça impede.

— Não sabe o que está dizendo! — digo.

— Eu prometi ao meu pai que um dia encontraria você, na terra ou


no inferno. Só não contava que o diabo me ofereceria um dia maravilhoso
como este. Todos vão pensar que foi apenas um assalto no trânsito — ele
gargalha. — Tudo tão bem planejado. Estamos vigiando seus passos há
semanas.

Meu celular começar a tocar. Porra, justo agora?!

— Vocês já têm tudo o que queriam.

— Sai daqui. Vai, porra! — ele exige e o que mantinha a arma em


mim sai rapidamente com a moto.

O outro vira a moto e sai.

Encosto a cabeça no banco e respiro fundo. Fecho os olhos e deixo o


ar sair.

Coloco a mão no bolso para pegar o celular.

— No inferno, a gente se vê novamente! — É tudo o que escuto, antes


dele atirar.

Minha mão automaticamente vai para o local atingido. A dor é forte.


Queima muito. Meus lábios estão entreabertos. Olho para os meus dedos,
repletos de sangue, assim como minha camisa branca. O celular em meu
bolso toca sem parar. Não tenho força para pegá-lo.
Preciso de ajuda...

Não consigo me mover. Tento pressionar o ferimento, mas não tenho


forças. A dor está forte demais. As lágrimas escorrem por meu rosto. Não
consigo nem gritar. Um formigamento atinge minhas mãos. Meus lábios
estão tremendo, assim como minhas mãos.

Eu preciso ser forte. Minha família precisa de mim.

Meu Deus, me ajuda!

Viro lentamente o rosto para o lado, o trânsito continua. As pessoas


estão fora dos carros, conversando, parecem nervosas. Algumas olham
para mim, assustadas. Sinto o suor escorrer. O celular não para de tocar...
ele não para.

As motos foram embora.

Preciso de ajuda...

O silêncio se faz em meu celular.

— Levaram nossos celulares! Como vamos pedir ajuda?! — alguém


grita.

Eu quero dizer que tem no meu bolso, mas não consigo. Merda!

— O meu não levaram. Eu escondi assim que vi. Vou chamar a


ambulância, polícia, o que for necessário! — outra voz grita.

Alguém se aproxima do meu vidro e diz:

— Vai ficar tudo bem... Ah, droga, é o juiz Escobar. Meu Deus! Vai
ficar tudo bem. Estão pedindo socorro — é uma mulher que diz
desesperada. Mas eu não consigo dizer nada, e nem me mover.
Aquele filho da puta, eu devia esperar que ele não iria sair daqui sem
fazer nada. Veio vingar o pai que condenei a anos de prisão, um chefe da
máfia, que acabou morrendo dentro da prisão.

Ser juiz criminal, não faz de você apenas um herói para alguns, ele
faz de você um alvo, e você nunca sabe quando será atingido.

Eu preciso dizer a minha família que amo eles, que vão ficar bem... Eu
preciso dizer ao menos um adeus. Eu preciso! Não posso partir, como meus
pais e meu velho amigo Joel, que não puderam me dizer adeus.

Eu não vou viver. Não vou!

Paula precisa saber que ela vai ficar bem e que ela precisa continuar
lutando por nossa família. Ela precisa continuar lutando por si mesma...
Precisa continuar sorrindo... Eu tenho que dizer isso.

Eles precisam saber que vai ficar tudo bem, mesmo que aqui eu não
esteja. Meus filhos precisam saber que eu tenho orgulho demais deles...
Minha menina Daiane, não irei vê-la se formar, e não verei meu David ser
um delegado... Marcos, meu irmão, vai perder mais uma pessoa que é
sangue do seu sangue, ele não merece. Henrique terá de ser forte por todos,
ele vai conseguir, vai trazer alegria, mesmo que chorem.

Eu não vou viver. Não vou!

A dor começa a ficar longe, assim como as vozes ao redor.

Um flashback começa a passar na minha memória, e sorrio


fracamente, revivendo cada momento importante para mim... Até minhas
vistas começarem a escurecer e tudo ficar calmo... Tranquilo.
Dois

Paula Escobar

Dias atuais...

Escobar, se você não sentiu um tremor ao ser citado este


sobrenome, então você não o conhece.

Minha família é composta por homens e mulheres que dão sua


vida para salvar a vida de outras pessoas. Temos o poder em nossas
mãos, mas também temos o perigo na mesma medida. E é desta
forma que venho vivendo nestes longos anos sendo a matriarca
deste clã.

Observo o retrato do Joseph diante da mesa amadeirada de


seu escritório em casa. Sorrio.

— É, conseguimos. Casamos todos os nossos filhos, e até o


abestalhado do Marcos, que achávamos que daria tanto trabalho
por seu jeito arrogante, mas acabou que virou um pai babão e um
marido ciumento. Sei que de alguma forma, de onde quer que
esteja, está olhando por nós, e nos dando a força necessária que
precisamos. — Acaricio sua imagem sorridente. — Agora é somente
paz neste coração aqui.
Faz bons meses desde que minha última companheira de casa,
casou-se. Daiane, minha filha mais nova, se entregou ao amor, assim
como seus irmãos e tio. Cada um em sua casa, vivendo sua vida.
Claro que ainda cobro que tenhamos ao menos um dia da semana
juntos, e mesmo contra a vontade deles, às vezes, comparecem.
Tudo está se encaixando nos eixos, a não ser a dor que nunca vai se
apagar pela morte do Joseph. Sempre soubemos que nunca foi
apenas um “arrastão” – assalto – no trânsito, sempre pensamos que
foi muita coincidência, ele condenar a anos de prisão um grande
mafioso, e todas as perseguições triplicarem naquela época, e com o
passar do tempo, o pior vir a acontecer. Mas vivemos em um círculo
sem escapatórias; quando um problema desta proporção surge, a
melhor coisa é se calar, se fazer de cego, mesmo que seja
imensamente dolorido, pois mexer em algo assim, com grandes
investigações, pode acarretar em mais perdas, e não estamos
preparados para isso, e foi assim que toda a família usou seu poder
e abafamos o caso, mas dentro de nós... dentro de mim, sempre irei
acreditar que foi tudo planejado e que nada foi por acaso, mas tento
sempre deixar esse pensamento de lado, como eu sei que ele faria,
para proteger a família de pessoas que queiram se vingar por
estarmos mexendo em um passado que não deve retornar. É melhor
buscarmos a paz mediante a tudo.

— Mããããããeeee, o príncipe chegou.

E lá se foi a paz que tanto disse.

— No escritório! — grito de volta.

Sou surpreendida por dois dos meus filhos, Henrique, o que


gritou, e David.
— Aconteceu — Henrique diz.

— Aconteceu o quê? Por que essas caras? Meninos, sabem que


sou cardíaca.

— Primeiramente a senhora não é! — David rebate. — E


segundo, como pode esquecer o que aconteceria hoje?

Começo a buscar em minha memória, e então me levanto


rapidamente da cadeira.

— O julgamento mais importante. Como pude esquecer-me? —


Levo a mão ao peito.

Bom, está quase tudo calmo. Por ironia do destino, após anos
do julgamento na qual Joseph como juiz condenou o maldito
mafioso, e o infeliz foi morto na prisão, já era de se esperar que ele
tivesse herdeiros e foi o que aconteceu. O herdeiro dele, que
ocupava o lugar do pai, foi encontrado após tempos de trabalho
árduo da polícia, e hoje foi seu julgamento, e é aí que entra a ironia.
Anos atrás, o pai foi sentenciado a anos de prisão por meu falecido
esposo Joseph Escobar, e hoje o filho dele é sentenciado pelo irmão
do Joseph, o Marcos Escobar.

— E agora? Céus, que não comece tudo de novo. Não agora.

— Código vermelho — Henrique diz e se senta na cadeira


estofada.

— Que diabos é isso, garoto? — questiono.

— Sempre quis falar isso — responde sorrindo.

— O que o imbecil quer dizer é que a segurança a partir de


hoje será triplicada em nossas casas, e nossos homens vão ter
treinamento pesado, assim como nós, e a estratégia de equipe será
refeita duas vezes por semana, para não ter brechas — David
informa em seu tom sério. Meu filho é sempre muito responsável
quanto a segurança de todos. Não apenas por ser um delegado, mas
por entender que não podemos perder mais ninguém. Porém, sinto
que nada é perfeito e tudo pode acontecer.

— Faremos uma reunião hoje com todos da família —


Henrique comenta.

— Certo. Que Deus nos proteja... — digo e olho para a imagem


de Joseph no porta-retratos.

Estamos reunidos na sala de casa. Todos da família, menos as


crianças que estão com a dona Jurema e Marcela, no jardim.

— Foram anos desde a época do papai que vivemos em


constante alerta. Já deixamos brechas para nossos inimigos, e já
estivemos em risco em algum momento a ponto de pensarmos que o
pior aconteceria. Mas hoje não somos apenas a matriarca do clã
Escobar, e seus filhos, junto de seu cunhado. Temos membros
novos, e dentre eles, crianças que não podem se defender sozinhas.
Não é tempo para brincadeiras, ou teimosias. É tempo de sermos
unidos e confiarmos apenas em nós mesmos. O atual chefe da máfia
brasileira com interligação russa e italiana, foi condenado a muitos
anos de prisão por um de nós, e sabemos o resultado de mexer com
um deles — Henrique fala parado ao centro da sala. Seu tom é muito
sério, e meu filho sem brincadeiras é porque a situação é
complicada.

Marcos leva as mãos ao bolso e para ao lado do Henrique e do


David.

— Não confiem em ninguém além da família. Não saiam sem


seguranças. Não sejam heróis — Marcos avisa em seu tom
autoritário. — Talvez sejam tempos sombrios, então está na hora de
voltarmos ao que um dia fomos. Está na hora de sermos apenas os
Escobar, e não mais os membros da Lei que são apenas destacados
por suas famílias e belezas. É hora de usufruirmos novamente dos
poderes que adquirimos ao longo dos anos.

Nós mulheres estamos fazendo treinos de luta corporal e aulas


de tiro. Bom, irei começar essa semana. Já sei atirar, mas nada como
reaprender algumas coisas. Nunca gostei de ter que usar uma arma,
mas pela minha família sou capaz de tudo.

— David, eu não posso ficar com seguranças dentro da


faculdade. Assim como a Beatriz também não pode ter homens de
preto na sua cola dentro do banco ou a Paula, Ana e Daiane terem
gente seguindo-as a cada audiência, julgamento... Isso é loucura. Eu
compreendo tudo isso, mas é absurdo. Além do mais, tem a tia da
Bia, a avó do Jacob, e não podemos esquecer da Sophie que estuda, a
Yasmim que começou a ir à escolinha, as babás das crianças... É
loucura. O que será da gente se tudo dependermos de segurança ou
vocês? — Liziara diz ao esposo, e entendo seu ponto, mas também
sei que, pela cara do meu filho, não existem discussões.

— Liziara, se eu tiver que colocar segurança dentro do


banheiro que usarem, será feito. Não estamos abertos para
discussões quanto a isso. A partir de hoje teremos milhares de olhos
em nós, queiram vocês ou não. Aprendam a lidar com isso, se
adaptem. Todos aqui sabem o preço que é ser um Escobar, ou um
Casagrande como o Jacob, que tem ficado com casos complicados e
graves como promotor. Não temos escolhas.

— Gente, é loucura tudo isso... Dentro de casa é tanto


segurança, membros novos na equipe, isso não é vida — Ana Louise
fala e sinto o peso da tristeza em sua voz.

Eu sei exatamente o que elas sentem. Passei por tudo isso, e o


pior que no final, por uma teimosia do Joseph que deixou brechas, o
perdemos. O pior de tudo é saber que, às vezes, o esforço não vale a
pena.

— Eu estou com medo — Beatriz declara o que todos nós


estamos sentindo, mas não queríamos falar.

— Todos nós estamos, mas vamos passar por isso. Porra,


somos os Escobar! — Daiane diz e Jacob, seu esposo, a olha. —
Somos Escobar e Casagrande, ninguém vai cair, e se isso acontecer
vamos todos juntos, porque seremos um só.

— Daiane tem razão. Precisamos ter a esperança de que tudo


vai dar certo, ou não sei o que pode nos acontecer — falo e eles
concordam.

Meu celular toca e é uma mensagem que me deixa bem


surpresa. Peço licença a todos e vou até a biblioteca.

“Paula, estou de volta à cidade. Pensei em sairmos para jantar


esta noite. Me ligue.

Alessandro.”

Alessandro Santos é um professor e amigo do Jacob que


conheci no meu aniversário em uma boate e desde então estivemos
próximos em alguns eventos. Mas desde o casamento da Daiane não
nos vimos mais. Achei que poderíamos nos conhecer melhor, mas
tudo indicava que ele estava a fim da tia da Beatriz, porém ele
sumiu e descobri através do Jacob que ele havia ido para os Estados
Unidos, estranhei sua partida repentina, mas estou achando ainda
mais estranho seu retorno e convite.

Respondo sua mensagem recusando ao convite. Hoje só


preciso curtir minha família, ainda mais depois desta notícia. Já
basta um drama para hoje, não preciso de outro tipo, com um
homem que some do nada. Cada segundo de agora em diante conta
ao lado daqueles que amo.

— É ele, não é? — sobressalto com a voz da Daiane, que entra


na biblioteca.

Concordo com apenas um sinal de cabeça.

— Jacob falou que ele voltou há uma semana e já está dando


aula na universidade novamente. Mãe, eu sei que sempre digo que
está na hora da senhora recomeçar e procurar ter o seu final feliz,
mas cuide do seu coração, não se deixe levar precipitadamente.

— Não se preocupe, meu bem, está tudo bem. — Eu acho.


Ela sorri e, quando se vira para sair, eu a chamo e ela volta a
me olhar.

— Como está?

— Bem.

— Certeza? — Conheço muito bem meus filhos. Sei quando algo


está os incomodando.

— Mãe, é pecado meu esposo e eu não querermos filhos? Poxa,


não aguento mais essa cobrança da mídia, das pessoas. Que inferno!
Já é um trabalho tremendo conseguirmos dar atenção a Sophie da
forma que ela merece, e olha toda essa merda que vamos viver
agora, e as pessoas olham para mim como se eu fosse minhas
cunhadas ou a Beatriz. Eu não sou elas. Eu não quero ser elas. Mas...

— Se acalme, querida. Não tem que ser igual a ninguém. Seja


você, apenas e exclusivamente você. Não é pecado você e o Jacob
não desejarem ter filhos, afinal, Sophie, por mais que seja filha dele,
tem você como mãe, até mesmo lhe chama de “mamãe” às vezes.
Vocês três já são uma linda e pequenininha família, e não tem nada
de errado nisso. Quando olho para você, vejo uma mulher forte,
determinada, mas com um coração caridoso, humilde e cheio de
amor para dar, e é isso o que importa. Não dê ouvidos ao que as
pessoas dizem. Afinal, ser uma promotora com o seu talento já é um
intenso trabalho, não tem obrigação alguma de colocar outra linda
criança no meio dessa vida intensa, até porque Jacob também é um
maravilhoso promotor, que tem se destacado cada dia mais com
casos grandes. É uma barra pesada demais para dois jovens
carregarem, e estão dando conta, como talvez eu no seu lugar não
daria. Então façam apenas o que tiverem vontade, é um direito de
vocês.

Ela pisca rapidamente. Sei que está se controlando para não


chorar. Minha menina não suporta desmoronar assim.

— Obrigada, mãe. Era tudo o que eu precisava ouvir.

Saímos da biblioteca e nos juntamos com todos na sala e agora


com as crianças também.


Três

Alessandro Santos

Retornei ao Brasil e voltei a dar aula de filosofia na


universidade. Nunca fui de ficar parado em um só local, mas estava
gostando de ficar aqui, porém, desta vez, se fez necessário a minha
ida para os Estados Unidos. As coisas meio que fugiram do controle
e não pude deixar de interferir o quanto antes e dar apoio a quem
precisava.

Quando cheguei tive esperança de falar com a famosa Paula


Escobar, que conheci em uma boate uma vez, e ficamos próximos
depois em alguns eventos, afinal, ela era a sogra de um conhecido,
que se tornou amigo. Eu queria tentar arrumar um modo de
explicar que não queria brincar com ela, como todos devem estar
pensando. Apenas nunca tive um relacionamento sério, e não
pretendia ter, até pagar com a porra da própria língua, e começar a
me interessar muito mais por ela, mas, ao que parece, virou uma
grande confusão; uma outra mulher entrou na jogada, e pelo que
fiquei sabendo, estão achando que joguei com ambas. Caralho, por
isso não me relaciono, é um rolo dos infernos! E agora que estou
tentando explicar um pouco da situação, ela me evita, negando o
convite para jantar e as ligações que fiz ontem, horas depois. Odeio
assuntos mal resolvidos.
— Professor, só mais dois pontos. Eu não posso pegar DP! —
Celma implora e me contenho para não rir.

— Não sou Deus para fazer milagres. Teve muito tempo para
estudar. Sabe que não sou do tipo que dá segunda chance.

Ela bufa irritada.

— Como pode ser tão ruim às vezes? Sempre brinca, xinga na


sala de aula, mas na hora de ajudar um aluno com as notas se
recusa.

Ergo o olhar dos papéis em minha mesa e sorrio.

— Quem tem que fazer notas altas são vocês e não eu. Eu já
passei desta fase, e hoje sou reconhecido como um dos melhores
professores de filosofia, e estou aqui ensinando a vocês. Agora, se
não se esforçam, o problema é de vocês. Não posso pegar a matéria
e socar no cérebro de cada um. Já viu o tamanho desta universidade
e do tanto de alunos que tenho? Se eu for ajudar cada um que não se
preocupa com estudos, estou ferrado. Aqui não é mais o ensino
fundamental, que precisam de babás e não professores.

— Que ódio! Eu vou morrer odiando filosofia.

— Ainda bem que é a matéria e não eu.

Ela me olha irritada e sai da sala.

Porra, amo dar aulas, sou apaixonado pela filosofia, mas tem
horas que meus alunos testam a minha humilde paciência. Sou tão
bom, e tentam abusar disso. É foda!

Pego minhas coisas e saio da sala. Celma me prendeu por


muito tempo implorando por mais dois pontos em seu teste. Até
parece que eu daria! Se dou moleza, montam em cima. Quantas
vezes em aula, ela ficava fazendo gracinhas. Não são mais crianças
que têm que ficar pegando na mão e ensinando o bê-á-bá.

No corredor rumo à sala dos professores e coordenação, dou


de cara com outro aluno meu.

— Professor...

— Se for pedir pontos, eu soco minha cara; e se me achar louco,


soco a sua. — Ele ri.

— Não! Estou com uma dúvida.

— O dia que vocês não tiverem, eu não precisarei trabalhar.


Então, diga.

— O trabalho é para enviar no e-mail e trazer impresso


também? — Coça a cabeça.

— Não. Já tenho preguiça de ler o trabalho de vocês por e-mail,


que é tudo copiado e colado da internet, imagine impresso. Aí é pra
foder comigo!

Ele ri.

— Por isso gosto de você, é sincero e fala sem formalidades.

— Não me agrade, não terá nota a mais no trabalho.

— Nem pensei nisso.

— Bom, garoto. Agora tenho que ir. Um minuto a mais aqui, e


eu me mato.
— Eu já vou. Vim pegar um livro que esqueci. Fui.

Ele sai em disparada para a biblioteca. Tenho certeza de que


este livro é para o trabalho que pedi para ser entregue amanhã.
Essas pestes gostam de fazer tudo de última hora.

Passo na sala dos professores, converso com alguns e depois


vou na coordenação para registrar minha saída.

Desde que me mudei para a capital, estou mais relaxado. Não


aguentava mais ficar na antiga cidade, aqueles alunos iriam causar
minha morte. Não tenho filhos, mulher, ou familiares por perto,
então não tinha mais o que me prender naquele lugar. Tenho um
irmão mais novo e ele mora fora do país, e nosso contato é limitado,
devido ao nosso tempo corrido e outras coisas. Nunca parei por
muito tempo em um lugar por escolha própria... Até agora. Sou
muito disputado quanto a professor, e porra preciso me gabar,
como homem também sou, não é à toa que estou enfiado em um
rolo com duas mulheres, sendo que com uma era apenas
tratamento recheado de educação e simpatia, afinal, sempre fui
assim, confesso que tem vezes que sou menos paciente do que
deveria.

Chego em meu apartamento e vou direto para o banho. Desde


que retornei para a cidade, estou chegando tarde. Estou ficando
muito cansado mentalmente. É muita pessoa testando minha
paciência diariamente.

Saio do banho e visto uma cueca e vou para a cozinha.

— Senhor?
— Puta que pariu! Mulher, quer me matar? Parece um
fantasma, cacete! — Irene me olha assustada.

Esta mulher me acompanha há muito tempo. Para onde vou


carrego-a. Ela é sozinha, e isso facilita minha vida.

— Quer que eu prepare algo?

— Não. Eu me viro aqui. Vai dormir, antes que fique parecendo


uma vovó de cem anos e eu seja denunciado por maus-tratos.

Ela sorri envergonhada.

— Adoro trabalhar para o senhor. Não me importo. Agora que


fica o dia todo fora, quase não tenho o que fazer.

— Arrume um namorado. Se quiser te ajudo — provoco.

— Não. Por Deus, senhor. Não tenho mais idade para isso.

— Tem desejos sexuais, Irene? Se tiver, a idade que se dane! —


Fica completamente corada e tenho vontade de rir, mas me
controlo.

— Ai, senhor, não tem jeito mesmo.

— Irritam a minha pessoa de segunda a sexta-feira e, às vezes,


ao sábado, então preciso irritar alguém para relaxar. — Ela sorri. —
Vai dormir. Sei que estou muito atraente apenas de cueca, e que
tenho um volume desejável na frente, mas estou cansado demais
para te satisfazer.

— Senhor Alessandro! — me repreende envergonhada e rio.

— Sabe que estou brincando. Vai dormir.


— Está bem. Com licença. — Ela se retira e vai para seu quarto.

Abro a geladeira e pego um pouco de salada de frutas que ela


deixou pronta. Estou tão velho ou com a saúde ferrada por
completo, que ela fica preparando coisas saudáveis o tempo todo?
Pelo amor de Deus! Essa mulher precisa rever o cardápio.

Termino de comer, apago as luzes e vou para o quarto, e deixo


apenas um abajur aceso. Deito-me e começo a relaxar. Eu preciso
sair para me distrair, ou vou ficar louco. Pego o celular e talvez eu
tente ligar mais uma vez.

Paula Escobar

Hoje tive duas audiências. Não gosto de audiências que


envolvem crianças. Terminou por volta das seis da tarde a última.

Visto uma legging preta, e uma regata da mesma cor, junto de


uma blusa de moletom cinza. Está frio, para meu azar. Quem tem
ânimo para treinar no frio, merece um prêmio. E para minha
“sorte”, meus treinos começam hoje. Prendo os cabelos em um rabo
de cavalo. Calço o tênis e desço para o primeiro andar. Pascoal, meu
segurança pessoal, já me espera.

— Vamos, antes que eu me arrependa — informo e ele sorri.

Seguimos para o lugar que fica meia-hora de casa sem o


trânsito, pois com ele vira uma eternidade. As meninas me ligaram
dizendo que estão à minha espera. Apenas Daiane e Ana que vão
faltar hoje, devido ao trabalho.
Meu celular começa a tocar e é o Alessandro, mas ignoro as
chamadas. Não sei se estou preparada para começar tudo isso de
novo, vê-lo depois do tempo que ele sumiu, e não sei se estou pronta
para recomeçar, sem pensar sempre no meu Joseph.

Ele envia uma mensagem agora. Abro e ele questiona se


podemos jantar hoje. Que precisamos conversar.

Respiro fundo.

Ele não vai desistir enquanto eu não falar com ele. Concordo, e
ele pergunta que horas pode me buscar, e falo que eu irei até ele,
para me enviar o endereço do local, que assim que eu sair do meu
compromisso informo que horas poderei ir ao jantar.

Chegamos no lugar e vejo o Simon, segurança do Marcos e


Beatriz, no estacionamento; ele faz um cumprimento rápido e
Pascoal vai até ele. Entro mostrando minha carteirinha na catraca,
pois já reativei meu acesso ao local.

Sou informada de onde as meninas estão e vou até elas.

Entro e tem dois instrutores muito fortes, praticando luta


corporal com elas. Liziara é jogada no chão com colchonetes, e
Beatriz é rendida por trás pelo outro instrutor.

— De novo! — um deles grita.

Eu não vou fazer isso. Elas sabem que na minha idade, uma
travada na coluna já era.

— Paula! — Bia diz ofegante e se afastando do homem que a


mantinha presa em seus braços, estou desconfiada de que Marcos
não viu nenhum treino, ou teríamos um problema, já que ele
colocaria o mundo abaixo.

— Oi!

— Olhe só, família completa. Uma honra poder ensinar vocês.


Sou Laerte e este é Frederico — o homem que derrubou Liziara diz.

— Sou a Paula, e não sei se quero participar. — Olho as


meninas suadas, vermelhas. Havia me esquecido do quanto eram
pesados esses negócios.

— Relaxa. Elas estão mais à frente, mas com você


começaremos do início — Frederico se manifesta.

Deixo minha bolsa ao lado da delas.

— Ok.

— Pode usar o Laerte, porque não acredito que conseguirei me


levantar tão cedo daqui — Liziara diz respirando forte.

— Que conforto, minha nora. — Ela ri.

— Preciso de pausa também. Estou dolorida, e sem fôlego —


Bia diz se deitando no colchonete também.

— Parem de ser moles, meninas! Mas daremos uma pausa.


Paula, que tal vermos o que sabe? Fomos informados de que já fez
treinos.

— Sim. Mas faz um tempo.

— Não tem problema. Queremos apenas ver o que sabe, mas


vamos começar totalmente do início. No mais, tente não se matar —
informa Frederico, o mais forte e de olhos azuis; mas o outro
também tem. Estou com tanto medo que até na cor dos olhos estou
reparando para não pensar tanto no que vou fazer.

— Chega! — falo e Frederico se afasta.

Liziara e Beatriz riem.

— Paula, quem diria! Você é uma mulher perigosa. Derrubou


Laerte, e se manteve em pé com Frederico — Liziara comenta rindo
do Laerte no chão.

— Tenho que concordar — Beatriz comenta levantando-se do


chão.

— Bom, leva jeito para algumas coisas como derrubar o


frangote ali, mas para outras tem falhas, porém vamos começar do
zero.

— E por hoje é só, não é? — Eles riem. Laerte, o loiro, se


levanta.

— Sim. Precisamos saber como seria com você. As meninas já


torturamos muito.

— Tenho uma dúvida. Vocês são instrutores de tiros também?

— Sim! — Liziara responde e gargalha.

— No que eu fui me meter? Meu Deus, sou cardíaca! — Todos


riem. Eu mereço!

Pascoal, Alex e Simon estão na porta à nossa espera.


— Certo, Simon, você segue no meu carro. Alex e Pascoal
seguem no da Paula. E nós iremos no da Liziara. Precisamos de um
tempo juntas, sem vocês ouvindo cada assunto — Beatriz declara.

— Olha só, aprendendo a ser autoritária como o Marcos. Isso


merece uma comemoração — Lizi brinca, deixando Beatriz
vermelha.

Sorrio.

— Vamos, meninas. Ainda não acredito que fiz isso. Vocês vão
acabar comigo.

— Vamos nada, Paula — Beatriz diz sorrindo.

Estou sentada na frente ao lado da Liziara, que dirige. Beatriz


está no banco de trás. Olho pelo retrovisor, e vejo os dois carros dos
seguranças seguindo o nosso.

— Eu quero banho, cama e nunca mais vir para isso — Beatriz


fala.

— Nem me fale. Quando penso que estou avançando, eles me


fazem retornar dois passos — Liziara comenta atenta a avenida.

— Eu fiz uma vez e já quero me trancar no quarto e chorar —


brinco.

— Nossa, nem me fale. Pensei que iria ficar mais tranquilo com
o tempo, mas que nada! Faculdade de manhã, treinos à tarde,
trabalhos, David e as meninas à noite. Vou endoidar. Mudei os
horários de tudo, mas não adiantou. A babá ajuda, mas não alivia
tanto, porque as meninas querem sempre minha atenção e quero
dar a elas.

— Não endoida não. Se consegue aguentar um Escobar em


casa, então consegue tudo — comento e acabamos rindo.

Da minha casa para o local do treino é meia hora, mas para


retornar demora mais, devido ao fato de muitas ruas serem
contramão, então temos que pegar a avenida, uma parte da rodovia,
e cortar por dentro para sair no centro e voltar para casa. Quando
penso que vão melhorar a cidade, quem a comanda só complica.

Ficamos conversando para matar o tempo, já que para


complicar uma chuva forte iniciou assim que pegamos a rodovia, o
que resultou em lentidão no trânsito.

Meu celular toca e é o Pascoal. Olho pelo retrovisor,


preocupada, e vejo o meu carro que ele está junto do Alex.

Atendo.

— Senhora, não achamos certo ficar aqui nesse trânsito para pegar a
saída lá na frente. Vamos mudar a rota. Saiam pela primeira à direita, e
sigam em frente. Estamos logo atrás. Assim que saírem, eu irei seguir na
frente de vocês, e o Simon vai ficar atrás. Não tem como continuarmos
seguindo assim.

— Certo. Vou avisar aqui.

Desligo.

— Lizi, pegue a primeira saída à direita. Simon vai seguir atrás,


e Pascoal vai a nossa frente. Estão achando perigoso ficar aqui e
realmente está. Pouca iluminação, chuva forte. Melhor prevenir.
— Tudo bem — Liziara diz.

— Nossa, vamos dar uma volta. Indo por aqui, vamos seguir
sentido ao escritório do Marcos, que é bem no centro, e de lá vamos
ter de cortar sentido à delegacia, para ir para casa. Hoje não é o
nosso dia — Beatriz declara.

— Não. Literalmente não é. Alguém mais com fome? — Lizi diz


e acabamos rindo.

— Eu não gosto de andar por onde não conheço — declaro.

— Nem me fale. Nunca vim por aqui. Vou literalmente segui-los


— Liziara comenta.

— Eu já vim por aqui. Marcos corta por aqui, quando não quer
pegar trânsito, mas ele não é fã de passar aqui à noite.

— Que conforto, Beatriz! — Liziara reclama e sorrio.

Liziara pega a saída à direita, e é cheio de curvas e matos.


Agora entendo por que o Marcos não gosta.

Pascoal corta nossa carro, ficando a nossa frente e piscando o


farol, enquanto Simon permanece atrás.

O celular da Bia toca e ela diz ser o Simon.

— Está no viva-voz — ela fala.

— Bom, não queremos preocupá-las, mas pedimos para sair, porque


tem quatro motos estranhas que estavam na nossa cola e olhavam muito
para o carro do Pascoal, que seria o da senhora Paula. Por favor, fiquem
atentas a qualquer sinal nosso.
— Essa noite pode melhorar? — Liziara declara irônica.

Olho pelo retrovisor e vejo faróis atrás do Simon, e um aperto


se instala no meu coração. Meu Deus!

— Senhoras, estão nos seguindo. É oficial. Eu vou mantê-las na linha,


e irei chamar o Pascoal pelo ponto. Não desliguem, o contato agora é
fundamental.

— Certo — Beatriz declara e me olha assustada.

Escutamos ele falar com o Pascoal e dar as instruções, para ele


acelerar e cortar na primeira saída à esquerda. Beatriz diz que este
caminho retorna à rodovia e nos leva sentido à fazenda. E ele diz
que sabe e é isso mesmo. Não podemos entrar na cidade porque
pode ser pior.

Uma das motos acelera fazendo um barulho forte. Liziara


acelera o carro e segue o Pascoal.

— O que vamos fazer? — pergunto.

— Vamos manter a calma. Alex vai fazer o procedimento de alerta


máximo, Pascoal pediu a ele. Os senhores Marcos, David, Jacob e Henrique
vão ser avisados. Outros seguranças vão vir ao nosso encontro. Por
enquanto, só podemos agir se eles tentarem algo, ou colocaremos tudo a
perder.

— Caralho! — Liziara grita e olho assustada para ela e depois


para a frente e entendo seu desespero.

— Isso, por acaso, significa que estão tentando algo, Simon? —


indago nervosa.
Mais duas motos saem da saída à esquerda, e fecham o carro
do Pascoal.

— Sim. Senhora Liziara, preciso que confie em mim.

— Nessa hora vem pedir confiança? Fala logo! — ela grita.

Uma moto vem de trás e passa muito rente ao nosso carro.


Beatriz fecha os olhos.

— Não para. A senhora não para! Acelera. Vou chamar a atenção


deles, e quando eu piscar o farol duas vezes seguidas, vai entrar na faixa da
direita e cortar o carro do Pascoal. Não olhe para trás.

— Nos filmes que assisti, quando mandam não olhar para trás,
é porque vai dar merda! — Beatriz fala com a voz tomada pelo
pânico.

Liziara faz o que ele pede, assim que ele da ré em cima das três
motos, e elas jogam para a lateral. Então pisca o farol e ela corta o
carro do Pascoal, e agradeço a Deus por não ter outros carros aqui.
Seriam mais vidas em risco. A chuva intensifica. As duas motos
próximas do Pascoal, agora seguem a nós, e vejo apontarem algo,
mas não preciso ver direito para saber o que é.

— Liziara, joga para a direita agora! — grito e ela o faz.

— Senhora, estão armados. Vão atirar. Acelera. Só acelera. Está


chegando reforço.

— Mais seguranças? Ou a polícia? Eu ficaria com um


helicóptero! — Liziara declara desesperada.

— Não — ele é seco na resposta.


Vejo pelo retrovisor uma moto jogar em cima do carro do
Pascoal e atirar, e o Alex se colocar para fora pela janela e revidar
com tiros também. Simon está cercado e o pior acontece. Tiroteios
disparam para todos os lados. Meu celular e o da Liziara tocam ao
mesmo tempo. Marcos e David estão ligando. Atendemos e
colocamos no viva-voz.

— Não podemos pegar a esquerda, porque vamos para a


rodovia novamente, e vamos colocar todos ali em risco no trânsito.
E o plano de seguir para a fazenda é pior ainda, não temos saída.
Eles não estão para brincadeiras. — Liziara começa a tremer ao
volante.

Merda! Eu já passei por isso com o Joseph e sei bem como é.


Seguro o celular da Liziara e o meu.

— Estão no viva-voz — declaro.

— Certo. Já estamos a par de tudo — David tem a voz firme, está


em seu modo delegado.

Olho para toda confusão e, pelo visto, pode piorar.

— Caralho! Vai, vai! — Simon grita e talvez seja com o Pascoal


ou o Alex no ponto deles.

— Cadê o reforço? Eles vão acabar com a gente. Estão atirando.


Merda! — falo.

— Quem está dirigindo? — David questiona.

— Liziara.

— Merda! Não tem experiência... Porra! — Ele faz um curto


silêncio. — Certo. Não parem. Só não parem. Aconteça o que
acontecer, não olhem para trás.

— Ela pode fazer — declaro. Sei o porquê ele citou a


experiência.

— Mãe...

— Liziara pode e vai fazer essa porra! — Marcos grita.

— O que eu vou fazer? Meu Deus!

— Acelera tudo o que puder, e comece a fazer ziguezague na pista.


Precisa confundi-los. Beatriz e Paula precisam ser os olhos laterais da
Liziara! — David ordena.

— Chegou o reforço! — Simon grita. E a comunicação cai.

— Meu Deus, o que aconteceu? — Beatriz pergunta apavorada.


Ela faz menção de olhar para trás, mas recua.

— Não olhe para trás. Eles disseram para não fazermos isso.
Vai ficar tudo bem — digo e ela concorda.

Liziara começa a “costurar” a pista e em alta velocidade. A


chuva não melhorou. O pneu “canta” a cada deslize.

Esse inferno de novo não.

Meus olhos seguem para o retrovisor à direita, e meu peito


gela. Agora sei quem é o reforço. Olho para a Beatriz e meu olhar
deve ter entregado o meu desespero. Os olhos dela se enchem de
lágrimas.

— Marcos, você mandou ninguém tentar ser o herói — ela diz


com a voz trêmula.

— Eu estava aqui perto — é a única coisa que ele diz.

Uma moto entra na nossa frente e para, mas Liziara não, e


segue em alta velocidade, atingindo-o, fazendo a moto com o piloto
voar, o impacto foi forte e faz o carro ir para a direita e começar a
rodopiar, devido a pista molhada.

— EU PERDI O CONTROLE DO VOLANTE. EU PERDI A PORRA


DO CONTROLE! — ela grita.

— Liziara, larga o volante. Deixa o carro seguir, ele para, confia em


mim, amor! — David grita e sei que é o que ele deseja que aconteça,
porque nem sempre para na melhor circunstância um carro assim,
mas eu desligo sua chamada e a do Marcos, e simplesmente fecho os
olhos.

Elas gritam. Escuto disparos, chuva, motos, o vidro traseiro é


atingido algumas vezes, é blindado, mas é como se não fosse, é como
se cada tiro estivesse nos atingindo. Então escuto um estouro e
sinto um aperto forte no coração.

O nosso carro para próximo a um barranco. Não sei por quanto


tempo ficamos assim. Beatriz começa a chorar de soluçar. Liziara
não chora, ela tem outra fisionomia. Ela simplesmente segura o
volante, testa o carro e começa a dirigir, não se importando com os
disparos que continuam, com as motos que ela joga o carro e atinge,
levando-as ao chão. Beatriz está em pânico. Liziara pega uma saída,
e tenho medo de olhar para trás.

Um carro corta o nosso, nos assustando, mas é o Pascoal, que


pisca o farol. Beatriz solta o cinto e se vira para trás.

— Cadê eles? As motos sumiram. Cadê eles?! — ela grita. —


Liziara, para o carro, eu quero o Marcos.

Resolvo olhar e vejo o carro do Simon vindo atrás... Mas nada


do carro do Marcos.

Liziara começa a chorar. Mas não para de dirigir.

— Eu vi. Bia... Não podemos parar.

— O QUE VOCÊ VIU, LIZIARA?! — Beatriz grita.

— Explodiu. Merda. Eu vi o clarão. Eu vi.

Ligo para o Simon, e ele atende.

— Senhora, apenas siga o Pascoal. Vamos para casa. Essas são as


ordens.

— Simon, cadê o carro do Marcos? Cadê as motos?

— Apenas sigam. Por favor. — Sua voz é fria e ele desliga.

— Liziara, meu anjo, o que você viu? — pergunto tentando ser


calma.

— Eu abri os olhos e escutei o estouro e vi a explosão ao longe


enquanto rodopiávamos. Eu não quis pensar o pior, e por isso
continuei a dirigir. Eu não quis olhar para trás... eu não quis.

— Não. Não... Nããão! — Beatriz berra aos prantos.

Não tenho reação. Apenas sinto as lágrimas caírem.


Estamos sentados na sala. Simon, Pascoal e Alex assim que nos
deixaram em segurança, saíram em disparada.

Liziara chora nos braços do David, e Beatriz é consolada pela


Daiane e a Ana.

Não sabemos o que aconteceu. Simon declarou que quando ele


viu nosso carro naquele estado, ele não viu mais o carro do Marcos,
pois estava atirando contra as motos, e tentando tirar eles do
caminho. Outras motos surgiram e ele começou a distraí-las. O
Pascoal e o Alex cortaram a visão dele, enquanto tentavam derrubar
algumas motos, ou imaginavam que teria acontecido o pior com
nosso carro. Até que viu a explosão no barranco a distância, mas
quando viu nosso carro seguindo novamente, percebeu que
estávamos bem e priorizou o comando do Marcos que era: “Se algo
acontecer, não volte por mim. Salve elas e vão para casa”, e esta foi a
maldita frase que o Marcos disse, após desligar o contato com o
Simon.

Henrique entra com o Jacob. E olhamos com esperança, eles


tinham ido tentar alguma informação, neste longo tempo que
estamos aqui à espera.

— Nada. Tem muita ambulância, bombeiro indo para onde


tudo aconteceu. Não conseguimos falar no celular dele... Por que ele
foi bancar a porra do herói? Ele vai voltar com vida, para eu matá-
lo! — Henrique diz nervoso.

— Eu quero o meu marido. Eu preciso dele! — Beatriz chora


sem parar.

— Não vamos perder a esperança. Está cheio de repórteres no


local. Vou cuidar de abafar isso, porque pode piorar tudo. Os
bombeiros vão nos informar se algum carro foi visto em meio a
explosão. Simon e Luciano estão tentando rastrear o carro do
Marcos, e o Alex e Pascoal estão tentando coletar informações do
que foi tudo isso e quem mandou esses caras. Estefan está rondando
aos redores com mais equipes para ver se tem rastros de algo —
Jacob declara.

— Eu preciso ir. Posso conseguir essas informações mais


rápido — David diz e Liziara concorda. Ele deixa um beijo nela. —
Henrique fique com elas, está muito nervoso. Não precisamos de
dois estourados agora. Jacob, vem comigo.

Eles saem. Liziara olha para o Henrique e ele diz:

— A culpa não foi sua, Liziara.

— E se ele tentou ir nos ajudar quando perdi o controle, e


acabou...

— Não termine isso. Não foi sua culpa! — Ana fala e se


aproxima da Liziara abraçando-a pela lateral.

— Ninguém teve culpa, além dos que estavam na moto. Estão


me entendendo? Ninguém vai se culpar por essa tragédia. Ninguém!
— digo firme.

A porta da sala se abre e todos olhamos. Meus olhos


arregalam.

— Alessandro?!

— Jacob falou que eu podia entrar. Eu vi todo o noticiário, eu


sinto muito... No que posso ajudar?

Essa frase me faz desmoronar, porque agora a ficha


literalmente caiu. A história se repetiu.

Alessandro se aproxima e me abraça, e eu permito. Nessa hora,


não consigo mais pensar em nada.

— Porra, por que ele tinha que ser o herói?! — Henrique chuta
a mesa de centro que voa em direção à parede próxima marcando a
parede e quebrando o vaso em cima dela. Então vai para o chão, e
deita cobrindo o rosto. Ana vai até ele.

— Ele quis ser o herói, porque eu perdi o controle do carro. Ele


quis nos ajudar. Eu tenho certeza. Eu fiz isso a ele. Eu fiz — Liziara
diz e sai em direção à porta da sala, então abre e sai correndo.
Daiane corre atrás dela. Beatriz se senta no chão e leva a cabeça
entre os joelhos e treme enquanto chora. Olho para o Alessandro
que me mantém em seus braços.

— O que eles declararam no noticiário?

— Que foi... — Ele me olha preocupado. — Que foi uma


perseguição aos Escobar, segundo o que foram informados, e que...
— Fica em silêncio.

— Fale! — imploro.

— Marcos estava dentre os Escobar, e o carro dele estava na


explosão junto de algumas motos. Não sabem mais nada além
disso...

Não vejo mais nada. Sinto meu corpo ficar leve, e paro de
escutar qualquer coisa.


Quatro

Paula Escobar

Sabe quando parece que você está revivendo um dia ruim?


Estou exatamente assim. É como se o passado tivesse retornado,
mudando apenas sua vítima no meio da tragédia. Olho o noticiário,
e meu coração está despedaçado ao ouvir que era o carro do Marcos
e que meu eterno menino, não foi encontrado e isso me agonia
ainda mais.

Assim que acordei do meu desmaio, só queria notícias boas e


acreditar que tudo foi um sonho, mas não foi. Já é madrugada, e
nada do Jacob, David e Simon retornarem, ou qualquer outro que foi
em busca de notícias. Liziara se acalmou um pouco e trouxe as
meninas para cá, e elas dormem junto das meninas da Ana que
também resolveu que o melhor é todos ficarem juntos. Jaqueline e a
avó do Jacob estão vindo para cá. Sophie está na casa de uma
amiguinha, e a Daiane conversou com os pais da menina, e
concordaram em cuidar dela sem problema algum. A compaixão de
todos não me gera paz, conforto. Isso traz pavor, porque é como se
todos estivessem pensando o mesmo que eu: a história se repetiu.

Beatriz está agarrada ao Arthur, que não queria ficar com


ninguém. O pequeno deve ter sentido tudo. Ela está isolada em um
canto da sala, e a cada instante enxuga as lágrimas. Pobre jovem, eu
sei o que é isso. Eu passei por esse mesmo inferno.

— Chega! Eu não irei ficar de braços cruzados! Que se foda o


que estiver acontecendo! Cansei dessa merda! — Henrique brada
nervoso. Pega a arma que ficou no sofá e coloca na sua cintura.

— Henrique, não. Por favor. Não vou suportar mais um nessa


loucura! — imploro a ele.

— Mãe, ninguém vem com notícias, então eu irei atrás.

— Amor, por favor, escuta sua mãe. Henrique, olha todo esse
clima. Suas filhas precisam de você e eu também. Por favor... — Ana
pede chorando.

— Desculpa, minha linda... Eu preciso fazer algo. Eu amo você...


Amo todos vocês. — Deixa um beijo na testa da esposa e começa a
caminhar em direção a saída.

Alessandro está no celular digitando algo muito rápido.


Quando nota que estou olhando, guarda o celular.

— Henrique Escobar, eu disse não! — peço nervosa.

Ele não me escuta e abre a porta, mas a figura do David e Jacob


aparecem. Todos nós olhamos para eles. Henrique dá passagem e
encosta na parede.

A aparência dos meus meninos não é nada boa. Não... Não...

— Não encontramos nada. A mídia está caindo matando em


cima. Jacob já acionou os contatos dele, para abafarem o caso, ou
pode piorar. Quem fez isso não foi idiota, mexeu com o ponto fraco:
vocês. O carro era do tio, mas nada dele. Não sabemos o que
aconteceu. Meus homens estão investigando. Eu vim... Eu vim
porque não consegui ficar lá. Não dava — David diz.

Jacob se aproxima da Daiane, que apareceu na sala, então a


puxa para seus braços. Beatriz se levanta chorando, e entrega o
Arthur a Ana.

— Eu não posso ficar aqui. Ele tem que estar vivo. Ele está em
algum lugar. Ele tem que estar. — Ela começa a caminhar para sair,
mas Henrique impede sua saída.

— Beatriz, não tem o que ser feito agora. Temos que esperar!
— David fala autoritário.

— NÃO VOU ESPERAR. VOCÊ TEM IDEIA DO QUE ESTOU


SENTINDO, PORRA? — ela grita.

— Eu tenho. Eu perdi o meu esposo, e ainda tenho que fingir


para todos os conhecidos que acreditei na porcaria do tal do assalto
no trânsito. Então, sim. Eu sei exatamente o que está sentindo. Mas
mesmo na pior, eu fiz de tudo para ser forte pelos meus filhos. O
Arthur precisa de você, então não irei deixar que saia como uma
louca por aí. Nem que para isso, eu tenha que amarrá-la na merda
de uma cadeira! — falo em um tom que achei que jamais usaria com
ela.

— Ninguém vai me impedir, Paula! — Ela me dá as costas.

Henrique segura seu braço, e ela o puxa com força. Empurra


ele, abre a porta. Luciano, segurança do Henrique, barra a sua saída.

— Senhora, não pode sair. São ordens do Simon, para que


nenhuma de vocês saia mais. Até que ele retorne. Ele acabou de
informar.

— Foda-se o Simon! Não me interessa, eu vou sair, e vou atrás


do meu marido, porque ninguém vem com uma notícia, são sempre
as mesmas coisas, então saia da minha frente, porque eu esgano
você...

— Acho melhor se acalmar, Delícia...

Caio sentada no sofá e choro sem parar. Liziara se ajoelha e


começa a chorar de soluçar. David se aproxima dela e a abraça.
Alessandro se aproxima e passa o braço ao meu redor. Daiane
esconde o rosto no peito do marido. Ana se aproxima de mim
carregando o Arthur, e segura a minha mão. Henrique não tem
qualquer reação, além de olhar para a porta.

Ele entra acompanhado do Simon, e Beatriz se joga em seus


braços.

— Marcos... — Ela chora em seus braços e ele a aperta com


força.

Obrigada, meu Deus!

Ele é abraçado por todos nós. Então se senta no sofá. Está


machucado e sujo. Daiane correu para pegar as coisas de primeiros
socorros.

— O que diabos aconteceu? — Henrique finalmente indaga.

— Eu vou contar tudo... Mas antes, preciso agradecer muito ao


Simon. Ele cumpriu o que me prometeu, mas depois foi ao meu
encontro. Obrigado.

Simon apenas assente.

— Senhor, preciso ir. Vamos reajustar a segurança da casa.


Tem muitos repórteres ao lado de fora. Depois precisamos
conversar. — Ele se retira.

Beatriz, agora com o filho no colo e ao lado do esposo, espera,


assim como nós, sua explicação. Marcos olha para o Alessandro e
ele se levanta.

— Bom, fico feliz em saber que está bem. Qualquer coisa


contem comigo. Este é um momento familiar... É melhor ficarem
apenas vocês — Alessandro diz e sorri.

— Obrigada, por tudo... De verdade — falo e ele assente, então


se retira.

Daiane cuidou dos ferimentos no tio, enquanto apenas


observávamos em silêncio. Assim que ela terminou, Marcos
respirou fundo e começou a falar:

— Quando vi que o carro de vocês começou a rodopiar, eu


fiquei louco, e pedi a Deus que não rolasse o barranco. Eles
começaram a atirar na direção de vocês, e eu sabia que isso daria
merda maior, mesmo o carro sendo blindado. Então chamei a
atenção deles, comecei a atirar e deixei que me vissem. Meu carro
tem proteção de Insulfilm, então quando abri o vidro para atacá-los e
viram quem eu era, começaram a vir para cima de mim, porém
tinham que passar pelos seguranças. Nessa hora, outras motos
surgiram, e dali nada de bom sairia. Foi quando eu acionei o Simon,
e disse a ele que salvasse vocês e não a mim.

— Foi minha culpa. Eu disse. Eu perdi o controle e você quis


ajudar... Marcos, me perdoa... — Liziara diz com a voz trêmula.
Seguro sua mão e acaricio.

— Querida, não foi sua culpa! — digo a ela.

— Paula, tem razão. Você foi bem. Não se culpe — Marcos diz a
ela.

— Continue! — Henrique pede com a voz séria, sentado agora


em uma poltrona.

— Dei ré em alta velocidade, e quando acertei algumas motos,


outras tentaram passar por mim, nessa hora eu tive que pensar
rápido. Se eu deixasse eles virem na minha direção, morreria,
porque daria espaço para me matarem, mas se fizesse com que eles
passassem, matariam vocês, pois o carro estava perdendo a força e
vi que pararia. Eu poderia retornar para a rodovia, mas colocaria
muita gente em risco. Foi então, que joguei o carro em direção ao
barranco, porque sabia que seguiriam a mim, já que não
imaginariam que eu faria tal loucura e na velocidade que estavam e
descontrolados, eles não teriam raciocínio para o que viesse.
Quando joguei, pulei, mas o impacto foi forte, e acabei rolando pelo
barranco, só lembro de motos voando, um estouro muito forte, e ver
meu carro indo em direção ao matagal abaixo. Eu acho que bati a
cabeça em uma pedra, não sei, e apaguei. Simon me encontrou,
porque eu fiquei entre umas árvores, enquanto procuravam na
direção que o carro foi parar, por isso não me encontravam.
— Meu Deus! Você está bem mesmo? Precisa de um médico.
Você é louco. Por que fez isso? — indago com a voz trêmula.

— Sim. Estou bem. E fiz porque faria qualquer coisa por vocês.
E deu certo. Simon contou que, quando a explosão aconteceu, as
motos começaram a sair, vocês voltaram a dirigir, alguns tentaram
atacá-las, mas seguiram sem olhar para trás. Eu faria qualquer
caralho que fosse para vocês ficarem bem. Eles não queriam alguém
específico, eles queriam qualquer Escobar.

— Está realmente bem? — Henrique pergunta e se levanta.

— Sim. Já disse que estou.

— Ótimo... Agora me fale que caralho tinha na cabeça de ser a


merda do herói? Você foi o primeiro a dizer para ninguém ser, mas
na primeira oportunidade tenta ser. Sabe o que é pensar que
poderia ter perdido o homem que tenho como segundo pai? Não.
Claro que não sabe, ou não teria feito essa merda. Mais equipes
estavam a caminho, e você cancelou tudo. David estava se
aproximando e você pediu para ele vir para cá. — Henrique aperta
as mãos em punhos.

— Eu sei o que fiz. Eu fiz por elas. Aquilo não ia acabar bem.
Quanto mais estivessem lá, mais merda aconteceria. Era isso ou
foder tudo!

— Mais merda? Olhe ao seu redor. Agora todos que estiveram


ali vão ter de ir à delegacia prestar depoimento. O caso vai entrar
para a polícia e eu não poderei cuidar, porque a porra do meu chefe
vai estar na minha cola. Você bancou o herói, mas se esqueceu de
que não precisamos de um herói, precisamos de você vivo, porra! —
David grita.

— David, por favor... — Liziara tenta falar, mas ele a olha feio.

— Marcos, eu não tiro a razão do nervoso deles. O que você fez


foi loucura. Estávamos pensando o pior. Eu não poderia vivenciar
tudo isso novamente. Nunca mais faça isso, ou eu mesma te mato. E
precisa ir ao médico! — Olho seriamente para ele.

— Você sabia que poderia sobreviver? — Henrique questiona.


— Você sabia que sairia vivo dessa loucura?

— NÃO. EU SABIA QUE PODERIA MORRER, CARALHO. ESTÁ


FELIZ, HENRIQUE? — Marcos grita alterado.

— Tio... Meu Deus! — Daiane exclama chocada.

— Claro que sabia. Você fez isso sabendo que iria morrer e
nem sequer pensou na família. No seu filho, e sua esposa... Você foi
um idiota! — Henrique esbraveja e sai da sala subindo para o
segundo andar. Ana o segue.

— Marcos, você foi louco, por que fez isso? — Bia questiona
com a voz trêmula e ele a olha, mas não responde.

— Quero falar sozinha com o Marcos — peço e todos saem da


sala sem questionar.

Sento-me ao seu lado, e seguro suas mãos. Analiso seu rosto


machucado, assim como seus braços.

— Henrique está nervoso. Todos estão. Mas eu também estou e


não tiro a razão deles estarem assim. O que fez nunca mais deve se
repetir. Eu pensei que você seria o mais sensato, mas me
decepcionou. Tentar ser o nosso salvador não foi certo. Se continuar
agindo por impulso, como fez para salvar a todos, vai acabar morto,
e sem saber se alguém sobreviveu. Marcos Escobar, você dentro do
tribunal pode ser o juiz mais temido, mas para mim será sempre
como o meu filho, o que criei com amor, dedicação e não irei
admitir de forma alguma que seja um suicida. Não me faça jogar
flores em mais um caixão, porque as que joguei no do seu irmão,
ainda posso sentir o cheiro delas e ver nitidamente seu rosto pálido
e sem vida. Nada está em preto em branco, é tudo nítido. Tudo ainda
dói. Eu deixei que abafassem o caso do Joseph, mesmo que todos
nós soubéssemos que tinha algo por trás, porque eu não queria ter
que ver mais ninguém morto em busca de justiça.

— Paula...

— Não terminei. — Respiro fundo. — Ou vocês todos agem com


prudência, ou eu sumo sem deixar rastros, porque não serei capaz
de enterrar mais ninguém. Não é uma ameaça, é um aviso. Querem
se matar? Então façam isso agora, peguem uma arma e se matem,
mas já deixem um aviso antes, porque não irei pegar nada, saio
desta casa com a roupa do corpo e sumo pelo mundo. Vai doer
menos do que vestir o luto. Vocês têm apenas duas opções: saiam
vivos dessa merda, ou eu desapareço antes que o pior aconteça. —
Seu olhar é firme no meu

— Me perdoa.

É nítido a sinceridade em seu tom. Sei que ter que fazer isso
doeu muito para ele também, eu vi quando olhou para a esposa e o
filho, e quando olhou para nós. Sei o que é ficar sem escolhas, mas
sei que agir sem pensar um pouquinho que seja é bem pior.
— Não é para mim que tem que pedir perdão. Peça aos seus
sobrinhos, que têm você como um pai também, e peça a sua esposa
e filho. Pois a Beatriz quase faz uma loucura saindo que nem louca
para te encontrar. E agora sou eu quem diz: “Não seja o herói”. —
Deixo meu tom mais leve. — Precisa de médico, Marcos.

— Não preciso de médico, é sério quando digo isso.

Me levanto e acaricio seu rosto.

— Tome um banho e vai curtir com sua família. Vou falar com
o David para ver como serão os depoimentos e toda a burocracia.
Jacob está tentando abafar tudo isso. Por ora, precisamos
descansar. A tia da Beatriz e avó do Jacob chegam a qualquer
momento. Então, acho melhor todos ficarem hoje aqui, já que elas
vão vir para cá... Tem mais uma coisa, viram quando Simon o
encontrou?

— Não. Por enquanto melhor assim, depois vamos resolver


isso e mandar parar as buscas. Sabemos o que estamos fazendo.

— Certo. Então vá para o banho.

Ele concorda e se levanta.

— Antes vou falar com eles.

— Faça isso. Preciso ficar sozinha um pouco... Marcos, eu amo


você, não me faça te dizer adeus.

— Também amo você, Paula. Não farei, isso é uma promessa.


— Deixa um beijo na minha testa.

— Acho bom, porque sou cardíaca e sabe disso.


Ele sorri.

— Paula, antes que eu me esqueça. Não quero esse Alessandro


aqui. A partir de agora, todos são suspeitos.

— Ele não é suspeito. Sabe que não.

Saio da sala e vou para o escritório. Assim que fecho a porta


começo a chorar sem parar. Olho para o quadro com a foto do
Joseph e então choro ainda mais. Tudo de novo. O inferno de novo.
Não sei o que estes homens queriam, mas já estão causando
desavenças. Os Escobar não podem ficar um contra o outro. Não
podem. Isso nos enfraquece...

Não sei se conseguirei ser forte o tempo todo ao lado deles.

Para piorar, o Alessandro retornou e está estranho, parece


misterioso. E se o Marcos tiver razão? E se todos forem suspeitos?
Como recomeçar, quando a vida te faz focar nos temores do passado
e te impede de seguir em frente?


Cinco

Paula Escobar

Faz alguns dias desde o susto que levamos por conta da


perseguição e pensamos que o pior poderia ter acontecido. Já fomos
à delegacia dar nossos depoimentos, e o David conversou com o seu
chefe para que possam abafar o caso, e assim não piorar as coisas, e
ele compreendeu. Jacob conseguiu com que a mídia parasse de ficar
comentando sobre tudo. Estamos seguindo quase que normalmente
nossas vidas, com segurança triplicada e desconfiando até mesmo
de nossas sombras.

Estou saindo do meu escritório de advocacia no centro da


cidade, e sou acompanhada por Pascoal, meu segurança pessoal.
Assim que colocamos os pés na rua, vejo duas motos e mais dois
carros, próximos ao meu. Seguranças e mais seguranças. Às vezes
me pego pensando se o Joseph estivesse vivo, se tudo isso estaria
sempre saindo do controle. Muitas vezes penso que sou a culpada
por algo sempre desandar em nossa família, mesmo que em
pequenos detalhes. E se eu fosse mais firme? E se eu tomasse mais
decisões? São tantos “e se”... Olhar para todos e ver que a paz não
reina mais, me dói. Me sinto tão inútil muitas das vezes. Joseph
Escobar saberia como agir, e quais decisões tomar nessas situações.
— Senhora, por favor... — Pascoal diz com a porta do carro
aberta.

Coloco meus óculos de sol e faço um aceno em agradecimento.

Entro no carro e a porta é fechada. Assim que ele entra,


começam a fazer o esquema de segurança, todos em suas posições
seguindo ao nosso carro, que fica no meio dos demais seguranças
que o cercam. Mas, olhando pela janela, além de toda essa proteção,
me perco em pensamentos.

Foram anos ao lado do homem que mais amei na vida. Joseph


era diferente de todos que já conheci. Parece clichê dizer tal coisa,
mas é apenas uma verdade absoluta. Com ele aprendi tanto, e
ensinei muito a ele também. Perdê-lo em um terrível ato de
crueldade é o que mais me dói. Ele foi um grande juiz, e muito
famoso. Mas não foi sua fama ou dinheiro que me atraíram, jamais
seria. Foi o seu caráter e seu jeito brincalhão de ser nos momentos
mais difíceis. Sempre digo que ele me deixou muito mais do que
dinheiro e fama. Joseph deixou filhos maravilhosos, e as melhores
lembranças que um dia poderia ter. É difícil entrar em nosso quarto
todos os dias, como também é difícil olhar cada canto que juntos
tivemos momentos incríveis. Mas muitas lágrimas e dores, eu
guardei para mim, porque meus filhos precisavam seguir adiante
sem ter que a todo instante olhar para trás para ter a certeza de que
eu não desabaria. E seguiram. Hoje eles têm suas famílias, e sei que
o pai deles, de onde estiver, sente um grande orgulho. Eu sinto um
enorme orgulho.

Queria poder dizer que segui em frente depois de tanto tempo,


mas seria ousadia demais dizer isto. Eu estou tentando, e não tem
sido tão fácil. Depois de um bom tempo resolvi dar uma chance para
um recomeço, mas a confusão me deixa desnorteada. E talvez seja
por isso que sempre fujo dos homens... Fujo do Alessandro.

Quando ele sumiu após o casamento da Daiane, pareceu tão


fácil não precisar vê-lo e encarar que algo estava acontecendo, só
que agora ele retornou, e existe tanta coisa em volta disso, muita
confusão, pessoas demais... Uma mulher a mais, a qual admiro
muito e jamais faria algo com que criasse um tipo de inimizade.
Jaqueline é um amor de mulher, e notei o interesse dela ao
Alessandro e, talvez, isso seja um dos maiores motivos por eu ter
ficado mais tranquila quando ele se foi. Só que nem tudo é como
queremos. Mas quem um dia disse que seria?

E no meio de tantas confusões e sentimentos inexplicáveis, só


consigo pensar se posso realmente recomeçar. Não é tão fácil
esquecer um passado que sempre tem algo para recordar, mas já
dizia a música “é preciso saber viver”, eu preciso saber viver, sem
aquele que um dia jurou a eternidade ao meu lado, mas partiu sem
um único adeus. Só não sei se estou preparada para isso, e entender
que posso ser feliz novamente seja sozinha ou com outro alguém.

Meu celular toca me fazendo sobressaltar. Retiro-o de dentro


da bolsa e vejo o nome do Alessandro na tela. É isso o que eu chamo
de “não morre mais”. Resolvo atender e parar de agir
imaturamente. Ele tem me procurado todos os dias desde o terrível
ocorrido e eu tenho fugido sem parar. Ele não merece isso, e eu não
sou assim.

— Oi.
— Fico feliz que tenha resolvido não rejeitar a ligação.

— Alessandro, me desculpe. Tem muita coisa acontecendo. —


Retiro os óculos de sol e respiro fundo.

— Eu sei. Mas fiquei preocupado. Tive informações através do Jacob...


Enfim, como está se sentindo?

Paro para pensar. E não sei. São tantas coisas envolvidas que
simplesmente não sei.

— Não sei... Estou levando como posso.

— Podemos sair para conversar? Isso pode ser bom. Cacete, eu nunca
corro atrás de ninguém. Não me faça te odiar, inferno! — diz rindo e
acabo sorrindo.

— Hoje tenho treinamento... Posso ir depois das sete horas.


Estou saindo mais cedo do trabalho.

— Treinamento? O que é isso? Algum tipo de código para mulheres?

— Não. Eu treino com as mulheres Escobar. Bom, com tudo o


que está acontecendo... Entende?

— Claro. Posso te pegar depois do treino?

— Não! Estarei péssima. Deus me livre! Na verdade, que Deus


te livre disso! E é contramão de alguns locais, pois fica depois da
delegacia do centro.

— Já sei onde é. Não tem problema. Posso te buscar, pois é bem fácil
do meu apartamento até o local. Vai sozinha, ou com todas elas?

— Irei sozinha, bom, com a equipe de segurança... Mas


esquece. Eu volto para casa, tomo um banho, e então te aviso para ir
me buscar.

— Ok. Se prefere assim. Aproveito para resolver algumas coisas


então.

— Universidade?

— Não... Também. Outras coisas. Então me avise assim que sair do


treino, para eu me arrumar e já ficar à espera do seu aviso.

— Tudo bem. Até mais tarde.

— Até. E se cuida.

— Tentarei. Tchau.

Desligo e coloco o celular na bolsa. Olho para o espelho


retrovisor e Pascoal me olha de relance e depois volta a fitar a
avenida.

— O que foi?

— Senhora, com todo respeito, mas não tinha como não ouvir a
ligação, afinal estamos no mesmo carro. Enfim, não acho bom que
fique passando tantas informações ao indivíduo com quem falava.
Até descobrirmos quem está por trás ao ataque, todos são
suspeitos.

— Pascoal, ele é amigo da família!

— O pior inimigo é aquele que já foi seu amigo, pois saberá


todos os seus pontos fracos.

— Bobagem. Confio no Alessandro.


— A senhora confia em todo mundo.

— Isso é uma mentira — respondo nervosa.

— Confia em mim?

— Claro.

— Confia nos demais seguranças?

— Sim. Foram muito bem selecionados.

— Viu? Confia em todo mundo. Eu não confiaria em mim.

— Pois eu confio... — Levo a mão à porta, qualquer coisa viro o


Marcos e pulo desse carro. Merda, eu trouxe a arma?

Ele ri baixinho. Era só o que me faltava, ser piada dentro do


meu carro.

Alessandro Santos

Estou em casa hoje. E porra, graças a Deus, ou seria um


professor assassino.

— Senhor, o que devo preparar para o jantar?

Olho para Irene e sorrio.

— Não jantarei em casa, Irene.

— Mas nem um lanchinho? Não comeu nada o dia todo, ficou


enfurnado nesta biblioteca.
— Os livros são uma boa distração.

— Tem razão. Bom, irei me retirar. Com licença. — Faço um


aceno com a cabeça e ela se retira.

Fecho o livro em minhas mãos e saio da biblioteca em direção


ao meu quarto. Preciso de um banho e, quem sabe, um pouco de ar
fresco, pois realmente fiquei naquela biblioteca o dia todo. Porra, e
só à noite ela foi ver se eu queria algo, eu poderia estar morto
naquele lugar... Irene já cuidou muito mais de mim.

A campainha toca, e para isso acontecer ou é alguém do prédio


ou pessoas autorizadas. Faço uma lista mentalmente de quem
poderia ser e nenhuma me anima, a não ser... não poderia. Estou
querendo contato há dias, não teria a porra da cara de pau de
aparecer aqui do nada.

— Eu abro, Irene... Pelo visto nem está escutando, não é


mesmo? — digo alto e nem resposta tenho. Reviro os olhos e vou até
a porta.

Por que cacete ainda não coloquei olho mágico nessa porta?
Inferno!

Abro e mesmo já suspeitando sou surpreendido.

— O que faz aqui?

— Porra, isso lá é jeito de recepcionar seu irmãozinho mais


novo que veio de outro país?

— Só estou surpreso. Entre!

Ele sorri e entra. Nos abraçamos.


— Felipe, que merda fez? Estava te ligando e não tive resposta.

— Por que pensa isso? E sabe que não sou muito de manter
contato, apenas quando quero.

Ele olha tudo ao redor e caminha em direção ao sofá onde se


deita esparramado.

— Porque eu estive com você há pouco tempo. E você estava


passando por um divórcio, se é que aquela loucura poderia levar
este nome. Estava mais para jogos mortais.

Felipe Santos é meu irmão mais novo e adotivo. Tem 40 anos,


mora há muitos anos na Califórnia, onde era casado com uma louca.
Desde que perdemos nossa mãe, ele foi embora e tem se tornado
complicado.

— Sou um homem livre. A louca da Meg assinou o divórcio.


Então resolvi tirar férias e espairecer.

— Você nunca faz nada por acaso. O que está tramando?

— Porra, custa confiar em mim?

— Bom, quando você é um louco que não parece ter 40 anos,


sim, custa.

— Cansei da Califórnia. Vou investir no Brasil.

— Sei... Quem é o rabo de saia que arrumou aqui ou a merda


grave que está se metendo?

— Sempre pensando o pior.

— Felipe, puta que pariu! Eu saí do Brasil para ir te ajudar


porque a louca da sua ex acusou você de milhares de coisas, e foi um
caralho provar o contrário, porque sua fama de safado não ajuda.
Agora você vem para o Brasil na maior cara de imbecil e quer que
eu acredite que não têm merdas por detrás? Difícil! Depois do que
presenciei nessa porra de divórcio, eu espero só merdas.

— Não posso querer ficar mais próximo de você? — A ironia


em seu tom me irrita.

— Fale de uma vez que merda faz aqui! — peço mais alterado.

— Me mandaram para cá. Tenho umas coisas para resolver.

— Quando vai desistir dessa merda? Você tem a porra de uma


profissão de sucesso, para que continuar nessas merdas?

— Eles são minha família — declara com firmeza e é nítido a


irritação em seu tom.

— Você chama aquela merda de família? Você é um cirurgião


plástico de sucesso. Não precisava disso, Felipe.

— Aconteceu. Eu também me encontrei nisso. Eu nunca julguei


suas escolhas, não faça isso com as minhas, porra!

— Porque eu não faço escolhas que possam me matar! — grito.

— Não? E andar com os Escobar e o Casagrande não é uma


escolha de risco? — Ele fica de pé.

Dou um passo em sua direção. Que merda ele está querendo


dizer?

— Você não vai fazer nada. Se tentar algo contra algum deles,
eu...

— Você o quê? Vai me matar? Sabe que não faria isso, porque
no fundo me ama e quer meu bem. E eu também amo você e quero
seu bem. Sei de tudo o que está acontecendo com eles. Caia fora,
irmão! Saia dessa loucura, porque você vai ficar na mira!

— Foi por isso que veio? Você tem algo com essa história toda?
— Sinto meu sangue gelar e a raiva me dominar.

— Eu? Sou apenas uma pessoa que não dita as ordens! —


debocha.

— Você é um filho da puta! — Meu tom é elevado novamente.

Ele retira a arma do cós da calça e joga no sofá.

— Estou aqui para te proteger.

— Não preciso de sua proteção, Felipe. Tire essa merda do meu


sofá e suma daqui.

— Qual o preconceito? Você também tem.

— Eu sei o que faço. E sei quando usar e se uso é por culpa do


maldito inferno que você entrou! — rebato.

— E porque consegui que te liberassem de forma mais rápida.


No fim, você precisa de mim, Alessandro, e é tão perigoso quanto eu,
basta apenas pisar em falso com você, que já se estoura.

— Não preciso de você. O que tenho para fazer não dependo de


você — declaro.

Ele ri.
— Sabe, tudo isso acontecendo com eles... Fiquei pensando até
que poderia ser você. Afinal, da última vez que nos vimos, você
enfrentou muita adrenalina para me ajudar e pareceu gostar.

Olho com raiva para ele, mas no fundo o desgraçado sabe que
quero o bem e a proteção dele.

— Não! Não tenho motivos para fazer essa merda toda.

— Será? Eles já sabem quem é você? Ou melhor, quem era


nosso pai?

— Cale a boca! Não toque nesse assunto! — Fico mais próximo


ainda.

— Bom, eu no seu lugar, teria motivo de sobra para querer me


vingar. Certo de que nosso pai não valia nada. Depois nossa mãe
morreu... muita coisa aconteceu. E agora você se aproximou deles e
tudo isso acontecendo. Será mesmo que você é inocente? Preciso
saber para ajudá-lo — ele está provocando, quer informações, está
jogando sujo. Conheço bem meu irmão.

— Vai se foder! — xingo, mas minha vontade é de socá-lo.

— E por que queria saber onde a Paula Escobar treinaria?

— Como você... Caralho, grampeou meu telefone?

— Sou competente, fazer o quê. — Dá de ombros.

— O que faço ou deixo de fazer não diz respeito a você. Agora


some daqui e não faça nada que eu não faria.

— Ah, deixa de ser rabugento! Quero comida. Estou com fome.


Afinal, cheguei de madrugada, e a comida do hotel que estou é
péssima. Cadê a Irene? — está mudando de assunto. Modo bipolar
ou distração está ativado.

— Que bom que lembra daquela que foi uma mãe para você
antes de sumir pelo mundo e ser duas caras! — acuso sem nenhuma
dó.

— Quanta revolta. Vê se transa hoje no seu encontro com a


Paula. Mande um “oi” da minha parte... Melhor não. E se eu fosse
você, não diria de que família veio. Ao que parece, são muitos
vingativos e cismados. Ah, vi a tal Ana Louise, esposa do Henrique
Escobar, andava pela cidade antes de vir para cá. Bela moça e bem
simpática, quando esbarrei nela, propositalmente, claro.

Eu vou matar esse cara. É sério! Porra!

— Você está cavando sua cova — alerto.

— Não! Quem está é você. Entra na porra da linha, e fique


atento. Porque...

— Porque se tiver que escolher entre salvar a mim ou a eles,


será eles, não é?

Ele se levanta e sai da sala sem falar nada, então entra na


cozinha.

Porra, Felipe vai me foder e estragar tudo! Eu passei a vida


escondendo toda a merda por detrás da minha família, e quando
pensei que estaria tudo certo, essa porra desanda.

Estamos em um restaurante italiano, mais tranquilo, e discreto


para evitar a mídia. Paula está linda como sempre, mas posso
perceber sua desconfiança ou talvez medo no olhar. Já comemos, e
estamos apenas bebendo tranquilamente agora. Nem tão
tranquilamente, já que tem quatro seguranças particulares
espalhados, e não duvido que tenha mais ao lado de fora. Porra!

— Sabe, serei direta. Por que esse encontro? Você sumiu, e


então aparece, fica correndo atrás. Nunca correu antes, e agora tudo
isso. O que está acontecendo, Alessandro? — questiona nervosa.

— Eu tive que sair do país por um tempo, resolver algumas


coisas. Foi corrido, não pude avisá-la.

— Avisar a mim? Não me deve satisfações, só não entendo por


que esta marcação agora.

Como lidar com algo que nunca teve que lidar antes? Merda!

— Não. Tem razão, eu não devo. Mas eu me aproximei e


desapareci como você citou. Não fugi, só queria que soubesse disso
— sou direto.

— Fugiu de quê? Nunca tivemos nada. Ao que parece era tudo


coisa da minha cabeça. — Seu tom é baixo.

— Como assim? Eu sei que dei indícios de que queria algo


além, e cacete, não vou mentir, queria... Quero. Mas não sei bem o
que eu desejo. Nunca tive que fazer isso, inferno!

— E por que está fazendo? Acredito que seja a outra pessoa


que deveria estar falando tudo isso.

Só pode ser brincadeira. Isso é algum julgamento e ela está no


modo advogada? Porque está parecendo e eu estou no banco do réu.

— Está se referindo à Jaqueline? Paula, não aconteceu nada


entre nós. Eu nunca dei esperanças a ela; e se ela acreditou, viu
errado.

Seu rosto cora e ela bebe um gole de seu vinho.

— Estive com ela ontem, e parece que mantiveram contato.


Não quero problemas. Minha vida está uma loucura, é muita coisa
acontecendo, e amo a Jaqueline, jamais faria algo para magoá-la.

Esfrego o rosto. Olha, quero que um filósofo do caralho surja


na minha frente e me ensine como lidar com este momento, porque
não sei e todas as malditas frases que penso agora, não serviriam.

— Sim. Ela mandou mensagens, eu respondi porque sou


educado. Se tem uma coisa que sou com mulheres, é educado e você
sabe. Porque todas merecem ser tratadas com educação. Todos
sabem que sou assim. Mas sou direto quando quero algo, e que se
dane se você correr. — Ela engole em seco e é notável. — A única
pessoa que eu desejaria beijar, ou transar, seria com você e não com
ela. Nada contra, mas a Jaqueline eu vejo como uma boa pessoa para
ser amiga, conversar e nada mais.

— E a mim, uma qualquer que serve apenas para você... O que


você disse aí. Sou cardíaca demais para lidar com isso.

Estou ficando nervoso e não gosto do meu jeito quando estou


assim. Por isso tento me controlar antes de dizer:

— Não coloque palavras na minha boca. Não é dela que estou


correndo atrás, e não foi a ela que convidei para jantar.
— Olha, é melhor eu ir.

Ela faz menção de levantar-se, mas a impeço segurando sua


mão.

— Eu não fugi. Mas você vive fugindo. Desde que nos


conhecemos, você sempre arruma um jeito de fugir. Só falta me
pegar pela mão e me levar para a Jaqueline, porque sempre me
deixa a sós com ela, ou nunca abre a boca e fica parecendo que eu
dou total atenção apenas a ela. Por quê? Eu fiz algo a você ou falei
algo que te magoou? Sou direto demais? Ou por que quer alguém
que te prometa amor eterno? — sou direto.

Tento, mas não consigo mais ser o homem tranquilo que fui
desde o início e ficar vendo as pessoas julgarem a mim como um
cretino, quando é ela que foge desde que nos conhecemos, como se
eu sempre forçasse a situação. Eu sempre disse que mulher era
encrenca, e agora entendo por que dizia isso. Mas nunca disse que
não poderia acontecer essa armadilha comigo. E olha a loucura que
foi e está sendo.

— Alessandro, você não entende...

Olho o relógio em meu pulso e torno a olhá-la e sorrio.

— Temos tempo.

Ela puxa a mão da minha e suspira.

— Eu não posso me envolver com ninguém. Essa é a verdade.

— Prometeu fidelidade ao Joseph Escobar mesmo após a


morte? E, por favor, não pense que estou zombando. Só preciso
saber.

— Não! Ele iria querer me ver seguindo minha vida e feliz. Mas
eu não consigo. Não posso colocar mais ninguém nessa confusão da
minha família.

— Sério? Não pode ser verdade. Tem algo a mais. Me diga.

— Porque... Porque você me lembra a ele! Porque todo homem


que olho o vejo... Porque eu tenho medo de não conseguir superar e
machucar outra pessoa! — Ela se levanta e sai às pressas. Os
seguranças a seguem imediatamente.

Peço a conta e pago deixando o garçom ficar com o troco que é


uma boa gorjeta. Saio às pressas, com algumas pessoas olhando, e
vejo ela falando com um segurança. Mas quando vai entrar no carro,
impeço. Um segurança me empurra e faz proteção a ela, outro
segurança saca a arma enquanto os demais fecham um círculo.
Fodeu!

— Deixe, Pascoal. Está tudo bem.

— Caralho, que isso? Esses caras deveriam trabalhar para a


Rainha.

O tal Pascoal se afasta.

— Senhora, podemos tirá-lo à base da porrada, ou atirando


nele... Gosto das duas opções.

Esse cara quer morrer com a própria arma dele? Que porra é
essa de duas opções?

— Está tudo bem, Pascoal, eu...


Uma moto passa atirando e, imediatamente, jogo a Paula no
chão. Os seguranças se espalham e Pascoal faz proteção a nós. Um
carro é atingido. Pessoas gritam e se protegem. Escuto os
seguranças mandarem comandos uns aos outros. Os seguranças do
restaurante saem e se unem a eles para apoio. Mais tiros são
disparados. Meus olhos estão vidrados no rosto da Paula que tem os
olhos fechados. Ela treme.

Sirenes começam a surgir. Pascoal se levanta e fala ao celular.


Não presto atenção.

— Paula, abre os olhos e fala comigo... Está tudo bem? Me


responde, por favor.

Ela lentamente faz o que digo e seu olhar é de medo.

— Está.

Ajudo ela a se levantar e Pascoal abre a porta do carro e faz


sinal para ela entrar às pressas. Entendo o porquê. Querem evitar
mais interrogatórios agora para a polícia e a mídia que logo vai
surgir. Paula fica olhando, ainda em choque.

Jogo a chave do meu carro ao segurança dela e o cartão para o


manobrista pegar o carro. Ele me olha sem entender.

— Eu vou com ela. Cuidem de tudo aqui.

— Não. Você não dá as ordens! — ele é firme no que diz.

— Eu posso cuidar dela. Já vocês precisam evitar o inferno que


isso vai se formar. Não é um ordem, é o aviso do que vou fazer!

Não espero ele falar mais nada. Entro no carro e a chave está
nele. Paula entra e saio a mil dali.

— Esse inferno não vai ter fim. Ataques seguidos... — começa a


dizer, porém é interrompida.

Seu celular toca e ela diz o nome do David. Conversam e ela, ao


que parece, está tentando acalmar o filho.

Passo em sinais vermelhos, entro em ruas na contramão, tudo


para cortar caminho. Parece que, de alguma forma, a vida sempre
vai me colocar em adrenalina.

Estaciono o carro na sua casa e tem diversos carros,


seguranças andando de um lado para o outro, e alguns correndo.

Saímos do carro. Encosto nele e ela me olha.

— Segunda vez que presencia a confusão nesta família. É sua


chance de sair, antes que vire alvo.

— Engraçado, é a segunda pessoa a me falar isso. — Ela franze


o cenho e sorrio para distraí-la.

— Obrigada por ajudar... Mas vamos entrar, preciso sentar e


me acalmar ou fingir estar calma para tranquilizar a todos dentro
desta casa, ultimamente ando sendo o projeto de um alicerce mais
do que eu poderia imaginar, só não sei até quando isso vai durar...

Não deixo que ela termine. Puxo-a para meus braços e beijo-a.
Não é calmo e não desejo que seja. Levo as mãos a cada lado de seu
rosto. Ela está entregue ao beijo. Eu nem sabia que precisava disso.
Caralho, o que esta mulher fez comigo? Maldita foi a hora que a vi
naquela boate e o Jacob não me impediu de ir até ela. Maldito seja
nossos encontros em seguida. Maldito seja o mundo por me obrigar
a fazer o que não queria, mas se faz necessário agora.

Afasto nossos lábios e ela abre os olhos e me encara. Sua boca


está borrada pelo batom e seus olhos confusos, preocupados.

— Entre. Eu vou em seguida — sou calmo ao dizer.

— Por quê? O que houve? Olha, não beijo tão mal assim, não é?
Faz tempo que não beijo... Que vergonha! Eu deveria calar a boca.

Sorrio ao acariciar seu rosto.

— Homem, não faça isso. Primeiro diz que fujo, e agora você
me beija, e fica estranho em seguida!

— Paula, eu só preciso fazer uma ligação. E você não beija nada


mal, pois saiba que eu não prolonguei ou seus seguranças
assistiriam algo não apropriado. Além do mais, sua família deve
estar preocupada. Entre primeiro e acalme a todos, irei em seguida.
E, por favor, que não tenha armas apontadas a mim. Só hoje tive
várias.

— Pode deixar. Eu... Eu vou entrar.

Ela sai toda atrapalhada. Alguns seguranças viram, mas estão


fingindo cegueira.

Viro em direção ao carro e ligo para o Felipe, que atende


rapidamente.

— Caralho, ainda diz que se vira sozinho! Porra, já está no noticiário!


— atende nervoso.
— Preciso da sua ajuda.

— Sabia.

— Não fale mais nada. Agora preciso desligar.

— Ok. E comi a torta de morango que a Irene fez para você. Ela disse
que estou magrinho.

Reviro os olhos e desligo.

Sou surpreendido por Jacob bem ao meu lado. Cacete, o que ele
ouviu? Merda!

— Sabe, Alessandro, você sempre diz para ninguém fazer você


odiar, mas hoje eu te falo isso. Cara, não me faça te odiar! Meus
cunhados estão desconfiados, e o Marcos também. Pascoal alertou
que você queria saber onde a Paula treinava. Então o ataque na
porta do restaurante, um ato heroico e agora ligação misteriosa
dizendo que precisa de ajuda. Cara, eu te coloquei nesta família,
aproximei você de todos. Me fale que caralho está acontecendo e
agora. Ou eu deixarei os homens ali dentro acabarem com você,
antes mesmo de se explicar, e não vão precisar da ajuda da imensa
equipe de segurança, vão fazer sozinhos e a sangue frio — Jacob diz
me olhando firme.

— “Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de


pensar, mergulho em profundo silêncio e eis que a verdade se me
revela”. Albert Einstein disse isso. Sempre gostei dessa fala do físico.

— Não venha com suas frases enigmáticas a esta hora. Fale a


verdade!
— Só saiba que, o que vi hoje, não queriam matá-la, era um
aviso.

— Que aviso?

— Que sabem cada passo dela, e pelo visto de todos vocês. —


Olho seriamente para ele. — Eu não sou inimigo. Mas ele pode estar
entre vocês.

— Alessandro, que merda você fez?

— Não fiz nada. Mas, pelo visto, eles estão fazendo.

Ele balança a cabeça negativamente.

— Se você for...

— Vão me matar. Ótimo. Já sei. Frase forte. Podemos entrar?

— Eu confio em você. Não me decepcione.

— Jacob, não me faça te odiar!

— Está preparado?

— Por quê? Estão armados?

— Sim. Mas a Jaqueline está lá dentro também.

— E o que tenho com isso?

— Está dando em cima dela e da Paula? É o que a Daiane e eu


pensamos.

— Nunca fiz isso. Porra, não posso ser educado com nenhuma
mulher? Jaqueline e eu nunca tivemos e nunca iremos ter nada.
Puta que pariu, está difícil compreender isso?!
— Ótimo. Espero que ela saiba, porque viu os dois se beijando,
e deixou escapar para a Beatriz, que por pouco não deixa o Marcos
ouvir o motivo dela mandar a tia calar a boca.

— Olha, não sei se tenho medo dessas armas, dos Escobar, ou


das mulheres.

— Eu teria das mulheres.

— Sábio. Muito sábio.

Se já desconfiam de mim sem saber a verdade, serei morto


quando souberem.


Seis

Paula Escobar

Estou bebericando meu café sentada diante da mesa próxima à


piscina.

Perseguições inexplicáveis, Alessandro correndo atrás de mim


e me beijando inesperadamente. Tanta coisa para deixar minha
mente uma loucura. Me ausentei do trabalho por hoje, pois minha
mente não teria foco para mais problemas. Minha família está uma
loucura, meu coração uma bagunça. Parece que o furacão se
hospedou bem aqui e está deixando tudo fora de ordem e com
estragos.

Dona Jurema e Marcela me chamam para comer, mas nego. Só


quero meu cafezinho e um pouco desse ar gélido.

— Paulinha! — Olho surpresa para a Liziara, que se aproxima


e se senta ao meu lado.

— Querida, por que não disse que viria? Teria preparado uma
mesa de café do jeitinho que gosta.

Ela sorri.

— Eu estou livre na universidade hoje, e vou ajudar o Daniel,


meu ex-chefe, na boate. O David com muito custo e muita segurança,
acabou cedendo, afinal, Dani foi a pessoa que me deu emprego
quando mais precisei. Não posso deixá-lo na mão por causa dessa
loucura toda, e ali é bom para relaxar.

— Jamais devemos esquecer de onde viemos e de quem esteve


lá para nos ajudar. Está certa, meu bem. Não podemos parar nossas
vidas devido aos últimos acontecimentos.

— Concordo. Só que fiquei sabendo que o Joaquim, um carinha


que o David odeia, vai ajudar, ele saiu da boate, mas hoje também
vai ajudar. Se o meu marido sonhar com isso, tem um AVC.

Sorrimos.

— David é ciumento, mas vai compreender.

— Paula, estamos falando do David!

— Verdade. Ele vai surtar e, no fim, vamos rir como sempre


fazemos.

— Isso mesmo!

— Mas por que passou aqui? Adoro sua companhia, mas veio
sozinha... Por que não trouxe as meninas? Minhas netas animariam
meu dia.

— Estão com a babá. E eu quis ver como você estava.

— Vou bem, meu anjo. Só tentando compreender tudo.

— Sabe, Paulinha, direi o que penso e serei sincera.

— Sinceridade é o que mais desejo. — Sorrio.


— Joseph morreu. Não o conheci, mas tenho certeza de que foi
um bom homem. Vocês se amaram e fizeram uma linda família e eu
tenho a honra de pertencer a ela. Só que agora está na hora de você
seguir em frente. Investe no Alessandro. O cara está na sua cola, e
interessadíssimo. Não faça a burrada que eu fiz; por causa dos
ciúmes e medo, eu me coloquei em risco e quase perdi o David.
Tente com o Alessandro e veja no que vai dar. E não fique pensando
nas merdas que falaram ontem. Eu confio nesse cara; para mim, ele
não tem nada com isso. Os meninos implicam, mas estão com a
família montada, já você empacou. É isso mesmo. Se joga, sogrinha!

Se eu estivesse com o café na boca teria cuspido. Às vezes


esqueço o quanto Liziara pode ser sincera demais, ou maluquinha,
como o próprio David a chama.

— Querida, obrigada, mas eu...

— Chega de “mas”, e comece a ser “eu vou”. Olhe toda essa


loucura, não sabemos se alguém chegará até ao anoitecer vivo.
Estamos tentando sobreviver a tudo isso. Seus filhos estão que nem
loucos atrás de pistas, junto da polícia. Jacob e Ana correndo atrás
de tirar a mídia do caminho, pois a maldita Belos e Famosos já fez
nota sobre isso tudo. Joana e Jaqueline tentando acalmar a todos. As
crianças quase que sendo colocadas em cabines blindadas... Acha
mesmo que temos tempo de ficar pensando? É hora de agir. Fazer e
não temer. Vai por mim. Eu mesma me acabei em sexo essa noite,
porque pode ser o último.

— Liziara!

Ela ri.
— Sou sincera. Enquanto fica aqui bebendo café, sua vida está
passando, e talvez tudo termine e nada tenha feito. Levante o
bumbum daí, mulher, e seja a Paula Escobar, a mulher mais
poderosa que conheço.

— Essa tal Paula é uma farsa.

— Mentira! Você é essa mulher poderosa, e está com medo de


deixar seu poder vir com tudo neste momento. Essa aqui na minha
frente não é você. Você é a matriarca desta família. Use seu poder e
comece a ser mais “eu vou, eu sou e eu farei”. Seja uma Escobar.

Coloco a caneca na mesinha e abraço minha menininha


guerreira e atrapalhada.

— Obrigada. Às vezes precisamos de pessoas que acreditem


em nós, mais do que nós mesmos.

— Eu estou com medo. Mas tenho duas filhas que precisam de


mim e do pai, e não posso deixar tudo desmoronar. Então, não
desmorone. Essa família precisa de você.

— Eu não sei ser o Joseph.

— Não precisamos dele, porque a parte dele já foi feita.


Precisamos de você, o arco-íris desta tempestade... Nossa, estou
filósofa demais, David tinha que escutar, para aprender o que é
falar bonito, aquele traste me faz passar cada nervoso. — Revira os
olhos.

Nos afastamos e sorrio emocionada.

— Agora tenho que ir. Se cuida.


— Você também. Te amo, minha linda.

— Eu também amo você. Agora fui. Tenho uma tropa à minha


espera para me seguir. — Ela se levanta e sai rapidamente.

Uma lembrança me vem à memória...

— Amor, se um dia eu não estiver aqui...

— Joseph, pare com isso. Sabe que não gosto desses papos.

Ele sorri e me abraça por trás.

— Se um dia eu não estiver aqui... prometa que vai continuar sua


vida, e não vai parar no tempo?

— Joseph, eu não posso prometer. E não fale dessas coisas.

— Preciso falar. Eu preciso ter a certeza de que se um dia eu não


estiver, você será feliz ainda; talvez com alguém que te faça mais feliz do
que eu tento.

— Você me faz a mulher mais feliz. Eu não poderia querer mais que
isso.

— Promete, Paula...

Viro em sua direção e ele contorna minha cintura. Vejo a


preocupação em seu olhar e a veia pulsar em sua garganta que revela
parte de suas tatuagens. Está nervoso também.

— Sim. Eu prometo.

— Obrigado. Eu fico mais tranquilo, pois sei que não quebra


promessas. E preciso que me prometa mais uma coisa?
— O que quiser, amor.

— Que sempre vai lutar por nossa família.

— Joseph, eu não sou você. Não sei como lidar com os problemas
graves.

— Você é melhor do que eu. Você é a principal voz desta família. Suas
palavras são leis inquebráveis. Só precisa acreditar nisso.

— Eu... Eu prometo. Vou cuidar de tudo. Mas agora é você que tem
que prometer uma coisa.

— O quê?

— Se algo acontecer... — minha voz fica embargada pelo choro que


se forma. — Se algo acontecer a você, vai lutar até o último momento.

— Eu prometo. Mas talvez não tenha jeito, meu amor. Essa é a vida
que levo.

— Se não tiver, prometa que não vai... sem dizer adeus. Eu preciso
ouvir você diante de qualquer circunstância. Não me deixe sem ao menos
me dar a chance de me despedir de verdade. — O choro não é mais
controlado, e ele enxuga cada uma das minhas lágrimas, com seus dedos.

— Eu prometo...

Soluço pelo choro.

Não demorou muito e o perdi. Bem que dizem que às vezes


sentimos quando algo vai acontecer. Joseph não cumpriu sua
promessa de me dizer adeus, mas eu irei cumprir a minha, porque
ele tinha razão: eu cumpro tudo o que prometo. Essa família precisa
de mim, e eu preciso ser feliz de verdade. Eu preciso ser mais que
mãe, avó e advogada. Eu tenho que ser a matriarca do clã Escobar.
Tenho que ser a Paula Assis, e não viver mediante a um sobrenome.
Não mais!

Enxugo minhas lágrimas e entro. Hora de correr atrás do


tempo perdido, e seguir minha intuição e coração.

Preciso de um banho e me arrumar.

Chego ao escritório do Marcos e vejo a Débora empurrando o


carrinho do filho Eric em direção ao elevador que acabo de sair.

— Paula!

Me aproximo e abraço-a. Adoro essa menina, pois é tão


divertida, e sempre com palavras sábias, além de sempre nos ajudar
quando precisamos.

— Como está? — Olho para o pequeno gordinho no carrinho


que é a cara dela, puxando apenas os cabelos loiros e os olhos bem
azuis do pai, além do jeitinho levado.

— Estou bem cansada. Trabalhando, cuidando do Eric... Tenho


babá para ajudar e minha mãe, mas está uma loucura.

— Essa fase traz canseira mesmo.

— Nem me fale! Estou a ponto de surtar e sair como uma louca


pelas ruas, ainda mais com o marido que tenho, que agora triplicou
minha proteção. Só para vir aqui, tem seis seguranças me
acompanhando.
Sorrio.

— Não sorria. Juro que pensei que estava carregando a coroa


do Papa, para tantos seguranças. Deus me livre! Eu vou surtar,
acredite... — rimos. — Mas me fale, como estão as coisas? Esses
atentados... Eu sinto tanto. Queria poder estar mais próxima dando
mais apoio, mas estou na correria. Hoje mesmo vim aqui pegar uns
documentos com o insuportável que leva o nome de Marcos. Já vou
dizendo, que está com um humor digno de limão.

— Ah, querida. Não se preocupe. Quanto menos pessoas


estiverem envolvidas, melhor. Além do mais, já temos crianças
demais em risco. — Sorrimos. — Estou bem. Preocupada, porém
temos que seguir com nossas vidas. O tempo não para.

— Verdade. Bom, eu tenho que ir.

Nos abraçamos. Assim que nos separamos, faço um carinho na


bochecha do pequeno.

— Se cuide, Débora.

Ela segue para o elevador e fica a sua espera, enquanto eu vou


à sala do Marcos, onde entro sem bater.

— Porra, Débora! Eu vou te matar, e não pense...

— Melhore seu humor, meu querido.

— Paula? O que faz aqui? — indaga ajeitando alguns papéis.

— Pare tudo o que estiver fazendo. Temos uma reunião.

— Estou ocupado. E não temos uma reunião. — Ergue o olhar


desafiador e volta a olhar para o que estava fazendo.

— Olha aqui, mocinho, depois de ter feito um ato suicida, é


melhor não testar a minha paciência.

Ele respira fundo e larga os papéis.

— Vão ficar falando disso eternamente? Caralho!

— Olha a boca! E sim, irei falar. Até porque sou cardíaca, e você
quase me mata.

— Você não é cardíaca!

— Não discuta. O assunto que vim tratar é sério.

— Claro que é... Fale. Tenho tribunal hoje. Agilize.

Que homem mais ranzinza. Não lembro de ter dado limão para
ele no lugar do leite. Se bem que, como o criei como meu filho, posso
dar uns tapas... Bom, guardarei essa possibilidade.

— Quero que me diga tudo o que estão investigando sobre os


atentados e agora. Quero estar a par de tudo. E não adianta dizer
que não sabem nada, porque conheço vocês. Chega, é hora de
agirmos como os Escobar.

— CARALHO! É HORA DE QUEBRAR AS LEIS!

Assusto-me com o grito e levo a mão ao peito.

— Que porra está acontecendo aqui? Que entre e sai do


inferno. Henrique, eu não te chamei, e não irei te ajudar em caso
algum.

— Que isso, titio! Quase me matou do coração, pois pensei que


não teria mais com quem implicar. Então vai me aturar muito. Não
mandei fazer a quase morte.

— Henrique, não teste minha paciência, quem assina a


sentença sou eu, e a sua será longa e peculiar — Marcos diz
autoritário.

Henrique revira os olhos e me abraça por trás.

— Eu ouvi tudo. Concordo com a rainha aqui. Hora de


burlarmos as leis.

— Eu nunca disse isso, menino!

— Claro que disse, mãe. Só não percebeu, mas disse.

Afasto-me e acerto seu braço com um tapa.

— Eu venho fazer uma humilde visita e sou agredido. Que


absurdo! Vou sair para beber algo forte, afogar as mágoas —
dramatiza como sempre.

— Henrique, se concentra, já que está aqui. E você não bebia


álcool, o que houve? — questiono.

Ele ergue os braços em rendição e se senta na poltrona.

— Tenho três mulheres para cuidar, preciso consumir algo


muito forte, ou viro um assassino.

— O que sabem? — questiono, me sentando ao lado do


Henrique e ignorando seus papos loucos.

— Eles querem você, mas ao que parece o Escobar que


pegarem será lucro — Marcos é direto.
— Quem pode ser? — pergunto, afinal, suspeitas devem existir.

— Temos suspeitas. A primeira é a máfia na qual o Marcos


sentenciou o chefão à prisão, e que é a mesma que o papai também
levou o primeiro chefe à prisão e o cara morreu. Podem estar
querendo vingança e começando por você, que nos deixaria
vulneráveis ao extremo — Henrique revela, totalmente sério.

Sim. É uma possibilidade. Na época do Joseph, coisas assim


aconteceram e terminou com ele morto.

— Quais as outras suspeitas?

— O que não encaixa no quebra-cabeça é que, para fazerem


isso, precisam estar a par de cada passo seu. Saber todas as suas
decisões, já que não tem uma agenda pessoal, somente de trabalho.
Então é alguém que conhece cada lugar que você frequenta e que
tem suas decisões em mãos — Marcos responde.

— Mas na época do Joseph, acontecia e não foi ninguém de


dentro! — rebato.

— Não. Mas os locais dos ataques eram sempre após eventos,


julgamentos, ou seguiam o carro. Neste caso, ninguém está seguindo
para ser notado, e os ataques são feitos em lugares inimagináveis.
Saída de treino e restaurante — meu filho fala e seu olhar é de quem
está pensando em algo.

— Alguém da segurança? Uma pessoa assim saberia cada


passo que dou.

— Estamos estudando esta possibilidade, mas acho provável


demais. Não seriam idiotas, sabem que são os primeiros suspeitos.
Deixariam escapar algo nos treinos e reuniões, todo suspeito acaba
deixando uma brecha. Nenhum crime é perfeito! — Marcos declara.

Henrique se levanta rapidamente.

— Me dá seu celular, agora! — ele exige.

— O que houve, Henrique? — pergunto sem entender.

— Me dá! — pede nervoso.

Retiro da bolsa e entrego a ele.

— Porra! Como deixamos isso passar?! — Marcos fala alterado.

Henrique retira meu chip com um pouco de dificuldade e


quebra. Em seguida quebra meu celular.

— Seja o que for, irei querer um novo! — digo completamente


chocada com a cena.

— Não é ninguém de dentro da equipe. Quem está fazendo isso


grampeou seu telefone. Estava tendo acesso as suas ligações, GPS,
mensagens...

Arregalo os olhos.

— Você mantém contato por mensagens e ligações com os


seguranças. Por isso os ataques foram em horários muito
correspondentes a sua saída dos locais — Marcos fala como se isso
fosse óbvio o tempo todo e fomos burros ao não notar, o que é uma
verdade, mas, pela expressão dele, é melhor eu ficar quietinha
quanto a isso.

Fico olhando para eles, e vendo o ponto que chegou tudo isso.
— E agora, como vamos saber quem é? Gente, isso é loucura
demais! Que inferno é este?

— Simples, Paula. Quem estava grampeando vai ter que


arrumar outra forma de saber cada passo seu. E então vamos pegá-
lo — Marcos fala e dá seu olhar que conheço bem: estarão dispostos
a tudo.

Sinto uma sensação ruim. Da última vez que senti algo assim
perdi o Joseph. Esfrego o peito e respiro fundo.

— Tem mais uma coisa — Henrique avisa se sentando


novamente. — Mãe, o Alessandro é um suspeito...

Sinto um calafrio e uma sensação esquisita. Mas não sei dizer


se é de medo, raiva, ou o que é.

— Não comecem. Ele não faria essas coisas.

— Mãe, escute, por favor. O cara apareceu em casa depois do


primeiro atentado. Esteve com você no segundo. Pascoal informou
que a senhora deu informações a ele... Mãe, todos são suspeitos. O
cara some e aparece do nada...

— Pascoal é um linguarudo. E Alessandro é inocente. Eu sei


disso — afirmo com toda a minha certeza.

— Ninguém é inocente agora. Todos são suspeitos! — Marcos


tem o tom rígido.

Levanto nervosa e olho de um para o outro.

— Querem que eu acredite que ele tem alguma coisa com isso?
Então me tragam provas. Do contrário, ele é inocente.
— Paula, o Jacob o escutou pedindo ajuda para alguém...

— Não. Isso não é certo...

— Mãe, o que sente por este cara? Por que tanta proteção?

— Porque não admito que julguem alguém sem provas. Isso eu


não aceito. Trabalhem com provas, então conversaremos. Do
contrário, sem julgamentos.

— Mãe...

— Isso é minha palavra final, Henrique Escobar! — Ele bufa e


abaixa o olhar. — Irei até a delegacia falar com o David e ver se
sabem de mais coisas. Levantem os traseiros daí e comecem a agir
para que ninguém saia ferido. E repito: só acusem com provas.

Entro no carro e Pascoal começa a dirigir.

— Pare de ser linguarudo, homem!

— Só fiz minha função, senhora.

Solto o ar com força. Não estou bem. Odeio julgamentos sem


provas. Eles são da lei assim como eu, sabem que nada e ninguém
deve ser julgado sem que tenhamos certezas. Todos são suspeitos?
São! Mas persistir apenas de um lado? Desse jeito não. Se todos são,
então que olhem para tudo e todos, e não apenas para um lado, e
foquem todas acusações para lá.

— Eu sei... Vamos até a delegacia do David, e depois preciso de


um celular novo... Melhor, eles vão me dar um novo e o que eu
escolher.
— Sabe, senhora, trabalho um bom tempo para esta família, e
nunca vi todos sem saber o que fazer. Talvez esse excesso de
preocupação com o rapaz da barba bem-feitinha é porque é a única
certeza que eles têm; e para os Escobar ficarem de mãos atadas, não
é fácil.

— Certeza de quê? Isso que não entendo. Se tem provas, me


falem.

— A certeza de que ninguém é confiável neste momento,


senhora.

Resolvo ficar calada e refletindo. Também não sei por que


estou defendendo tanto o Alessandro, mas essa desconfiança sem
provas me deixa... Não sei. Só me sinto péssima. Ele entrou para a
família, e agora está correndo atrás de mim, quando pensei que ele
queria outra... Não sei por que esta proteção a ele da minha parte.
Na verdade, talvez eu saiba. Já fomos enganados por pessoas que
confiávamos, como a Poliana Xavier e o Joel, um grande amigo do
Joseph que, mesmo depois de tanta ajuda, e ter se formado e sido
um bom juiz, começou a mexer com o que não devia e foi morto. É
difícil acreditar que, pela terceira vez, alguém trairia nossa
confiança, depois de abrirmos nossas portas e acolhermos. Já
perdemos muita coisa, é difícil perder ainda mais...

Alessandro Santos

Saio da universidade e vou direto para casa. Tentei contato


com a Paula, mas não consegui. Caralho, no que me transformei?
Vivo atrás de uma única mulher agora!

O caminho até em casa é rápido, o que me deixa muito feliz, já


que estou cansado e queria ficar longe daqueles alunos que têm o
poder de me enlouquecerem.

Entro em casa e jogo as coisas no sofá.

— Estava a sua espera — Felipe diz saindo do corredor.

— Que ótimo! Quero saber qual foi o pecado que fiz, para estar
pagando tudo?

— Não seja mal-humorado. Tenho novidades sobre a ajuda que


me pediu.

Ele me entrega alguns papéis que estão em suas mãos e sorri.

— O que é isso?

— Leia. Tudo o que precisa saber... Bom, quase tudo. Seus


queridos Escobar investigaram sobre você hoje, e bem a fundo. Se
prepare, pois já devem estar sabendo sobre nosso pai; e se não
sabem, vão acabar descobrindo.

Olho para ele e respiro fundo.

— Como sabe disso?

— Porque tenho alguns contatos. Além do mais, não precisa


me agradecer.

— Fale a verdade, Felipe. Por que realmente está aqui?


— Não interessa. Apenas olhe logo o que consegui, é tudo o que
precisa saber agora. — Está sério. Bipolaridade reinando.

Começo a ler e me sento no sofá.

Merda!

— Como conseguiu isso? Que garantias isso traz? Como


confiar?

— Confiando, cacete! Parece que os Escobar esqueceram deste


detalhe. Estão pagando para cada um desses caras agirem. E quem
está fazendo isso é...

O meu celular toca e é o número da Jaqueline.

— Bom, agora já sabe. A pessoa pode ter muitos contatos, mas


eu tenho mais, e tenho pessoas fiéis ao meu lado, ao contrário desta
pessoa. Só que você não pode falar a eles...

Meu celular continua tocando.

— Não, sem me ferrar. Sem ferrar a nós dois. Agora pense bem
no que vai fazer, Alessandro. Vou indo, tenho que ver o espaço da
minha nova clínica. — Ele me encara sério. — Deixe para abrir a
porra da boca no momento certo, não seja um fofoqueiro, porque
vai foder a todos.

Ele sai e atendo ao celular. Merda!

— Oi, Jaqueline.

— Olá, Alessandro. Temos que conversar, é urgente.

— Jaqueline, eu...
— É urgente. Me encontre no endereço que vou te mandar.

— Ok. — Ela desliga.

Era só o que me faltava, para desandar tudo de vez. A Paula já


pensa que tive algo com a Jaqueline, e agora se sonhar com isso...
estou fodido. E esses papéis... Caralho, se for verdade, não vai
acabar bem. Felipe sabe muito mais, e quero saber o que ele está
escondendo. Esse papo de comprar clínica não me convenceu. Está
camuflando algo e acho que é sério. Ele não ajudaria homens da lei
com facilidade, tudo tem um preço, e resta saber qual é desta vez e o
quanto está envolvido nisso tudo.


Sete

Alessandro Santos

— Que bom que você veio! — Jaqueline exclama sorridente


como sempre.

Estamos em uma cafeteria no centro da cidade. Ao que parece


ela veio acompanhar a sobrinha ao banco e decidiu que
precisávamos conversar.

Mexo impaciente o café. Realmente não estou com a cabeça no


lugar nos últimos dias. É muita coisa acontecendo, e meu irmão no
país não me alegra. Eu o amo, mas amaria mais se parasse com
essas coisas. Felipe já fez muita merda, e já tive que me calar por
muitas vezes, assim como foi com nosso pai. E agora mais segredos
aparecem, mais confusões. Tudo estava tranquilo demais. Hoje me
arrependo amargamente do dia que reencontrei Jacob Casagrande e
me aproximei dos Escobar. Porque tudo voltou. Os problemas com
meu irmão, que antes pareciam ter dado uma trégua; e agora de
brinde o problema com uma família, que parece querer me
condenar de todas as formas. Mas em partes, eu sou péssimo para
eles, porque nunca fui sincero sobre tudo, nem com eles e nem com
ninguém. Passei a vida escondendo muitas coisas, e quando achei
que poderia me acostumar com tudo, descobri que não é possível,
pois a vida sempre vai esfregar na nossa cara quem somos e de
onde viemos.

— Por que não viria? — Sorrio para amenizar meu tom


escroto, pois ela não tem culpa de nada.

— Você desapareceu... Não consegui contato até agora.

Sério que o assunto urgente é este? Porra, minha cabeça não


está nada boa para isso!

— Jaqueline, não sei se agora é a melhor hora para tratar


sobre isso.

— Sei que não. E não vim te cobrar nada. Eu pedi que viesse
por dois motivos.

Bebo um gole do café e faço um gesto para que ela continue:

— Primeiro, quero que saiba que não me deve explicações.


Nunca tivemos nada, Alessandro, então não precisa fugir. Eu
realmente pensei que estava interessado em mim e, meu Deus, seria
um milagre, porque só me aparece tranqueiras, mas já me
conformei que a vida não me quer comprometida. Porém, isso tem
deixado um clima estranho entre a Paula e eu. Não sei se algo está
acontecendo entre vocês, mas seria bom que deixasse claro a ela
que nunca tivemos nada. Seria estranho demais eu ter que tocar
neste assunto, ela poderia ficar chateada achando que estou
insinuando algo, não sei. Desde o início, eu deveria ter percebido
que seu interesse sempre foi por ela, mesmo nós dois ficando mais
próximos no início, entretanto não sei o que acontece, mas ela
parece fugir sempre quando você se aproxima... Só não deixe essa
mulher sofrer, e é isso o que vai me fazer entrar no segundo
assunto.

— Antes de continuar, quero que me desculpe se deixei


segundas intenções com você. Porque uma coisa você está muito
certa. Meu interesse sempre foi nela. O que é estranho. Sempre fugi
de relacionamentos, porque sempre gostei de me sentir livre. Mas
se a vida não me esmurrar e fazer eu mudar de opinião, ela não se
chamaria vida. — Dou de ombros.

Ela sorri e bebe o café.

— O segundo assunto é que tem muita gente desconfiando de


você. E puta merda, espero que não seja o culpado. Eu, Jacob, Ana e
Joana estamos colocando a mão no fogo por você. Porque até
mesmo Daiane está começando a ficar com a pulga atrás da orelha.
Juro que, se você for o culpado, eu mesma te mato. Porque a família
que hoje também considero minha, está correndo muito risco; e
uma mulher que, pelo visto, já sofreu demais é o alvo da vez. Então
se for você, pare. Vai embora. Suma de uma vez. E eu juro que irei
fingir que esse encontro nunca aconteceu. Agora se não for você, eu
sinto em lhe dizer, mas precisa começar a provar isso, porque tem
um bando de gente investigando você e deve saber o quanto são
poderosos. Seja o que for, abra o jogo.

Respiro fundo e retiro o papel do meu bolso e entrego a ela.


Foda-se, eu preciso compartilhar isso com alguém! Não dá para
segurar isso de todo mundo, não quando é a vida de muita gente em
jogo, inclusive da Paula.

Jaqueline abre o papel desconfiada e começa a ler. Sua


expressão muda e sua cara de espanto vêm fortemente. Dobra o
papel e me entrega.

— Que merda é essa? Como conseguiu tudo isso? Alessandro,


se isso for verdade, eles precisam saber.

— Aí está o problema. Não posso falar, porque vão exigir


respostas.

— O que está escondendo? Seja sincero. A minha sobrinha e o


filho estão correndo risco também. Ela é a única pessoa que me
sobrou da família, não posso perdê-la. Então abre a merda do jogo.
Olha, não me faça esfolar sua cara todinha em um asfalto bem
quente, porque, por aqueles que eu amo, eu faço sem dó e nem
piedade.

Psicopata, não? Por que todos vivem para me ameaçar? Devo


começar a andar com seguranças.

— Quem me trouxe essas informações não quer que eu revele,


pois vão querer saber quem forneceu.

— É próximo a você? Alessandro, se estão te ameaçando me


fale, eu posso tentar ajudar.

— Não pode, Jaqueline. Não tão facilmente. Esse papel é a


prova de que não tenho nada a ver com isso. Bom, em partes,
porque desconfio de algumas coisas...

— Mas te condena se revelar quem te deu as informações. Já


entendi. Você tem e não tem as provas.

Concordo.
— Preciso encontrar um jeito dessa informação chegar até
eles, sem que leve até a mim.

— Só me pergunto como deixaram isso passar, porque... É isso!


Temos que arrumar um jeito deste assunto surgir.

— Eles nunca vão imaginar isso. Para eles isso seria


impossível. Até porque não desconfiaram até agora.

— É, nisso você tem razão. Pelo visto é um beco sem saída.

Seu celular toca e ela declara ser mensagem da Beatriz. Não


demora e ergue o olhar espantada.

— Você me deu um papel dizendo que não tem nada a ver com
isso. Mas por que os Escobar estão atrás de você neste momento? —
Ela se levanta.

Caralho! Se eu sobreviver a isso, irei me considerar um


vitorioso de primeira categoria!

— Porque eles acabaram de fazer o que a pessoa queria.


Mudaram o foco das investigações. A Paula precisa tomar cuidado.
Eu vou para o meu apartamento, vai ser o primeiro lugar que vão
chegar. Por favor, confie em mim, e não diga nada deste papel.

— Por que devo fazer isso?

— Porque disse que estava colocando a mão no fogo por mim.

— Foi passado.

— Não foi, ou não estaria aqui me ouvindo. Não diga a ninguém


sobre o que viu. A ninguém, Jaqueline!
— Abra o jogo, busque um jeito, porque isso pode acabar mal,
Alessandro. Muito mal!

Pega a bolsa e se retira.


Paula Escobar

Ando de um lado para o outro. Eles só podem estar loucos.

— Mãe, ele pode sim ser o culpado. Temos informações sobre


ele. Você queria provas e temos. Vamos atrás do Alessandro! —
David diz nervoso.

— Me mostrem então!

— Porra, mãe! Abre os olhos. Olha ao seu redor. O que está te


prendendo a ele? Ele te pagou como advogada? É difícil saber que
mais uma pessoa próxima a esta família nos traiu, mas é uma
realidade. Estamos nos controlando com esse cara por sua causa. As
minhas filhas e esposa estão correndo risco, e estou abrindo mão de
tudo para proteger a todos. A senhora vai trocar a sua família por
esse cara? Tem certeza disso? Era isso que nosso pai faria?

Viro nervosa e olho seriamente para ele.

— NÃO OUSE FALAR DO SEU PAI NESTA SITUAÇÃO! — grito e


ele respira fundo. — Eu respeitei cada decisão que todos vocês
tomaram. Enfrentei o céu e o inferno por esta família. Sempre
coloquei todos vocês à frente de qualquer coisa. Quando seu pai se
foi, eu me tirei do lixo e coloquei uma máscara para não deixar essa
família desmoronar. Quando todos seguiam a vida, era eu que
chorava todas as noites pela dor de ter perdido o meu marido e ter
que me fazer de forte.

— Eu também sofri. Todos sofremos. Mas ele deixou um


legado, e estamos deixando ir por água abaixo pela senhora, que
prefere acreditar no Alessandro à família. — Ele está exaltado
também. Estamos nervosos demais.

— Mas você fugiu, David, como sempre faz. Você foge quando a
vida te aperta. Você foge quando os sentimentos te deixam confuso.
Sempre foi assim. Você tem isso do seu pai. Prefere morrer do que
ter que assumir seus sentimentos. Então não venha dizer que é por
minha causa que o legado da merda de um sobrenome está indo por
água abaixo. Eu não sou uma delegada, nem juíza e tampouco uma
promotora ou advogada criminalista. Se o legado que tanto quer
estufar o peito ao dizer está indo pelo ralo, é por culpa de vocês, que
estão ficando vulneráveis e atirando culpa para todos os lados, ao
invés de honrar a profissão que escolheram. E nisso seu pai não
teria orgulho. Porque ele jamais iria admitir que acusações sem
sentido acontecessem, e o foco das investigações desviassem. Você é
meu filho, David, e vai me respeitar, quer queira ou não. Fora desta
casa, você pode ser um delegado. Aqui dentro, embaixo do meu teto,
é meu filho, e não me faça perder a cabeça porque sou capaz disso.

Ele balança a cabeça e coloca a arma que estava na mesa, na


cintura.

— Onde vai? — pergunto com a voz trêmula. Estou muito


nervosa e odeio ter que agir assim, porque não é uma Paula que eu
gosto.
— Não vou fugir, se é isso o que a senhora vai declarar. Vou
cumprir com meu papel de delegado, como falou. Começando por
acompanhar os outros na busca pelo Alessandro Santos, um
possível culpado. Porque, na minha profissão, quando alguém é
suspeito, deve ser investigado, queiram as demais pessoas, ou não.
Com licença. — Ele se vira e começa a andar; quando para na porta
me olha mais uma vez. — Se for sair, não deixe os seguranças. Seja
prudente. E não deixe os treinos de lado. Nos próximos dias iremos
ter treino fechado na casa do Henrique, compareça. E isso não é
uma ordem é apenas um pedido, afinal, aqui dentro a senhora já
deixou claro que são suas ordens, e faremos isso. Mas daqui para
fora, não espere por isso, mãe. Eu a amo, mas desta vez a senhora
está errada. Se tem algo que te ligue a esse homem é melhor
descobrir logo, porque isso está afetando a todos. E sobre te
mostrar as provas... Mais uma vez serei o delegado e honrar minha
profissão, então, saiba que elas são confidenciais a senhora, pois
está muito afetada nessa história toda.

Ele sai e caio sentada no sofá, levando a cabeça às mãos. Não


choro. Não consigo. Mas dói. Minha família está desmoronando, e
não sei por onde começar a consertar. Tudo aconteceu de repente,
em uma queda livre.

Recebo uma mensagem da Daiane dizendo para ir ao treino


que ela está me esperando junto da Ana Louise. E irei, pois irei
liberar todos os sentimentos que estou tendo e não consigo deixar
vir em lágrimas ou palavras.

— De novo! — Laerte grita para Daiane, que levanta irritada.


— Não adianta me olhar assim, vocês estão sem foco. Deixando
falhas. Se concentra e respira. Antes que acabe se matando por
segurar o ar por tanto tempo. Vocês são Escobar, mostrem o que
sabem! — Frederico diz e leva a Ana ao chão em seguida.

— Vamos fazer melhor. Serão as três contra nós dois.


Queremos o chão, e espero que queiram ficar em pé. Agora é melhor
não ficarem desatentas — Laerte orienta ficando em posição junto
do Frederico.

Eles nos cercam. E começam a golpear. Desviamos. Está cada


uma por si. Abaixo quando Laerte vem me atingir e golpeio sua
perna, mas ele é esperto e segura meu braço direito levando-o para
trás, em seguida me dá uma rasteira e o colchonete amortece minha
queda. Ana tenta pegar Frederico, mas ele a usa de escudo, e
derruba a Daiane com ela. Nós três estamos no chão. Suadas,
vermelhas e cansadas.

— Se falar “de novo”, eu juro que reúno o resto da força que


tenho e vou arrancar sua língua. — Ana está ofegante e retira os fios
de cabelo do rosto.

— Apenas direi para se sentarem, Sra. Nervosinha. — Fazemos


o que Laerte diz.

Hoje foi puxado, mas foi bom. Estou me sentindo mais leve.
Uma pena Liziara e Bia não terem vindo.

— Vocês estão desatentas. Assim como Beatriz e Liziara,


também. Todas estão péssimas. Não sei o que está tirando o foco,
mas não é bom. Quando falei para deixarem nós dois no chão, vocês
lutaram cada uma por si. Sendo que são uma equipe. E deveriam ter
agido como tal. Esses treinos não são brincadeiras. Podem manter
vocês vivas pelo máximo de tempo possível, até conseguirem ajuda
ou se livrarem do perigo, quem sabe.

— Ele está certo. Se continuarem assim, vão acabar se


matando. E desse jeito, é melhor nem irem para aulas de tiro,
porque se no corpo e mente estão fracas, desatentas, seria perigoso
demais armadas. Se matariam com toda a certeza. — Laerte cruza
os braços erguendo uma sobrancelha.

Daiane se deita novamente concordando:

— Eles têm razão.

— Tem mesmo. Precisamos focar mais — Ana assente.

— Não apenas aqui. Mas na família toda. Ouviram, Liziara e


Beatriz também estão ruins. Todos nós perdemos o foco de tudo e
estamos vulneráveis. E seja quem for querendo nosso fim, está
gostando disso e talvez fosse exatamente o que queria. Hoje, minha
discussão com o David só provou que precisamos nos unir mais.
Armas, treinos, seguranças, nada disso será suficiente, se não
focarmos — falo e respiro fundo.

— Porra, até que enfim entenderam! Amanhã quero vocês


todas aqui e sem desculpas. E espero que seja um treino e não um
palco de derrotas para vocês. Podem ir agora — Frederico nos
libera e nos ajuda a levantar.

— Vamos sair daqui e ir resolver uma coisa.

— Que coisa, mãe? — Daiane questiona. — Eu prometi que


ajudaria a Sophie com os deveres hoje.
— Pois ajude em outro dia, e ela vai entender. Uma coisa que o
David disse é certa: um suspeito tem que ser investigado. Chega de
agir com o coração. Está na hora de agir com a razão. Vamos atrás
dos meninos e do Alessandro. Não posso mais deixar meu coração
falar, até porque não sei o que ele quer dizer. Quero saber o que
descobriram sobre ele.

— As Panteras? — Laerte questiona rindo.

— Não. As Escobar. E sei o primeiro lugar que vão procurar


pelo Alessandro, pois talvez eu tenha aprendido alguns truques de
rastreio e investigações com meu marido, e juro que não quero
saber como ele aprendeu, porque é cheio dos contatos e devedores.
De verdade, acho que o Henrique é de alguma máfia e não conta —
Ana fala e acabamos rindo.

— Máfia dos folgados, só se for. Vamos! — Daiane rebate.

— Obrigada, rapazes. Vocês ajudaram muito hoje. Agora temos


que ir, e nos vemos amanhã — despeço-me deles.

— Se minhas costelas deixarem. Andarei de quatro e não sei,


mas para o Henrique isso vai ser bom... — Ana faz cara de dor ao
tentar se alongar.

— Ana, eu não precisava desta informação — resmungo e


rimos.

É hora de buscar algumas informações e levar


questionamentos, que com toda certeza vão existir.


Oito

Paula Escobar

Ana localizou o endereço de onde o Alessandro mora, afinal, eu
nunca estive aqui. Sou liberada para subir, e como ainda não tem
nenhum segurança na rua, ou carros conhecidos, sei que os homens
da família ainda não chegaram.
Subo com as meninas. E minha ansiedade é grande, mas tento
manter o controle. Jamais imaginei que um dia eu estaria assim,
indo basicamente contra meus filhos e aquele que criei como um.
Mas há coisas nesta vida que temos que nos posicionar, mesmo que
vá contra a decisão de todos. Se tem uma coisa que jamais admito é
injustiça. E preciso ter certeza se estão ou não cometendo uma.
Saímos do elevador e elas me olham. Nem banho tomamos.
Apenas viemos do jeito que estávamos.
— Tem certeza, Paula? — Ana questiona preocupada.
— Tenho. Mas não precisa ir contra seu marido. Assim como a
Daiane, não precisa ir contra seus irmãos e tio.
— Mãe, eu realmente estou começando a desconfiar do
Alessandro, mas não daria para trás agora. A senhora precisa de
mim, e eu vou estar ao seu lado.
Ana segura minha mão.
— Eu irei ficar. Não importa no que o Henrique acredita. A
minha opinião também tem valor. E não irei me obrigar a sempre ir
a favor dele. Mas também não irei nos deixar vulneráveis. — Ela
mostra a arma presa nas costas.
— Eu até traria uma, mas eu seria vítima dela. Ainda não sou a
melhor pessoa na pontaria — Daiane fala e acabamos rindo.
Sempre soube que ela mentiu sobre ter concluído os cursos no
passado. Conheço meus filhos, sei cada mentira que acham que me
convence.
Respiro fundo e aperto a campainha. Não demora e a porta é
aberta por uma senhora.
— Podem entrar. Ele já vem.
Entramos e a mulher sorri.
— Querem algo para beber, comer?
Negamos e ela pede licença e se retira.
Observo o local e é muito bonito, e bem claro. Ótimo gosto para
decoração, devo dizer.
— Você sabe o que descobriram, filha?
— Não. Se negaram a me dizer. Acho que desconfiaram que eu
abriria a boca para a senhora.
Sentamo-nos e não demora para o Alessandro aparecer com
uma pasta nas mãos.
— Olha, se me dissessem que eu teria três mulheres na minha
sala, e com a aparência de que lutaram com um dragão, eu não
acreditaria. — Sua voz me faz sobressaltar, e sinto um arrepio
percorrer todo o meu corpo, mas busco disfarçar com um sorriso.
Ele nos cumprimenta, e seu cheiro é atraente, nunca neguei
que Alessandro fosse muito bonito e que tivesse um charme
diferente, peculiar. Ele se senta à mesa de centro a nossa frente.
— Chegaram primeiro que os outros. Muito rápidas. E acredito
que com muitas perguntas. Podem fazê-las. — Seu tom é calmo.
Fico olhando para ele, e em nenhum momento desvia o olhar.
Me observa atentamente. Seu semblante é tranquilo. Deixa a pasta
que segura, ao seu lado. Um sorriso surge em seus lábios e seu olhar
transmite mistério e luxúria... Deus, eu não posso reparar nisso a
esta altura do campeonato!
— Vamos. Não sejam tímidas. Sou um livro aberto. Bom, em
alguns momentos sou.
— O que eles sabem? — questiono e pisco rápido para ver se
isso ajuda eu parar de analisar seu olhar.
— Uma ótima pergunta. Bom, é uma longa história, mas
tentarei resumir.
— Sem brincadeiras, Alessandro. Eu estou indo contra todos
por você. Então fale, por favor. Seja sincero — peço e meu coração
acelera. É como se eu estivesse colocando em provas uma pessoa
que passei a vida inteira ao lado, porque é estranho este sentimento
que tenho por ele, é como se já nos conhecêssemos há anos, difícil
de explicar.
— Valmir Sanchez. Conhece esse nome?
Sinto um aperto no peito. Recordações invadem minha
memória. Meu estômago contrai. Um arrepio percorre meu corpo.
— Paula, está tudo bem? Ficou pálida — Ana questiona e vejo o
semblante de preocupação que surge em todos na sala.
— Mãe, conhece esse nome?
— Sim... O q-que esse nome tem a ver com isso? — me
atrapalho um pouco ao questionar.
— Meu pai. Sim, meu pai era o delegado que tentou matar o
juiz Joseph Escobar. É isso o que os Escobar descobriram. Que eu
sou filho do delegado Sanchez.
Levanto e levo uma mão ao peito indo para a lateral do sofá.
— E por que nunca disse isso? Você tem noção do quanto
passamos um inferno por perseguições desse homem louco? Você
sabia que o Joseph fez uma cirurgia de risco porque esse psicopata
o atingiu com um tiro e por pouco não tirou a vida dele naquela
época? Eu quase perdi a minha filha por causa daquela maldita
perseguição. — Sinto meu corpo tremer.
— Mãe... Se acalma.
— Me acalmar? Eu quase perdi você, e por culpa desse maldito
delegado que nunca irei sentir pena pela morte trágica que teve. Ele
mereceu depois de todo inferno que nos causou. Ele foi o terror em
nossa família no passado. — Minha voz sai mais intensa do que eu
esperava.
— Saiba que eu nunca senti pena também. Meu pai fez muita
merda. Era um delegado corrupto e tornou a vida da minha mãe um
inferno! — Alessandro mantém a voz baixa, mas seu tom é frio.
— Isso é alguma vingança? Era a mim que queria, Alessandro?
Porque eu estou aqui. Faça o que tiver que ser feito, só pare de
mexer com a minha família! — grito nervosa. — Foi por isso que
tentou me seduzir? O beijo foi falso? Tudo isso está sendo parte de
algum plano? Fale.
Ele se levanta e caminha na minha direção. Fico firme, não
recuo. A adrenalina toma meu corpo inteiro. As meninas ficam em
posição, e Ana leva a mão às costas, onde está a arma.
— Por que vingança? Por que na última perseguição o Joseph
atirou várias vezes contra o carro dele, e ele capotou e explodiu?
Não, Paula. Na verdade, eu agradeço por aquele demônio ter
morrido, só tenho ódio disso não ter acontecido antes da minha
mãe ficar depressiva e tirar a própria vida e eu ter que abafar isso
de todo mundo.
— Por que nunca contou? Sabe o quanto esse homem fez mal
para o Joseph no passado. E você...
— Sou filho dele? Não escolhi isso. Passei anos tentando
ocultar qualquer ligação dele comigo. No entanto agradeço minha
mãe por nunca ter me dado o sobrenome dele. Seria péssimo
carregar o sobrenome de um homem como ele. Mas esta não é a
questão. Se queriam usar isso contra mim, não precisam, porque
posso provar cada coisa que digo. Nesta pasta ao meu lado há todos
os boletins de ocorrência que minha mãe fez contra ele, e de
repente tudo sumia do sistema da polícia e restava apenas as cópias
que ela obtinha. Ele abafava tudo. Todos achavam que ela era louca,
porque ele fez todo mundo acreditar nisso, e até hoje quem a
conhecia acredita que morreu de infarto, quando na verdade se
entupiu de remédio, porque a dor de tudo o que passou era
grande... — Ele faz uma pausa. — Não importa. Nada do que eu diga
vai resolver algo. Vão ser os homens da lei contra mim. E tudo bem.
Só que, enquanto vocês perdem tempo procurando formas de me
condenar, o tempo está passando e o pior pode acontecer. — Sinto a
raiva em cada fala dele.
— Alessandro, está tudo fora de controle. E eu sinto que sabe
de mais coisas. Me fale. Se quer que eu acredite totalmente em você,
me fale toda a verdade.
Ele passa a mão pelos cabelos de corte moderno e grisalhos
que trazem ainda mais charme a ele.
— Não sei... Não sei de nada, Paula.
— Por que está mentindo? — Daiane questiona. — Jacob confia
tanto em você. Ele colocaria a mão dele no fogo pelo amigo. Mas
será que está valendo a pena?
— Vocês não entenderiam.
— Tente. Quer que eu acredite em você? Me conte toda a
verdade.
O celular da Ana começa a tocar.
— É o Henrique. Ele já deve saber que estamos aqui. Melhor
descermos, Daiane, e tentarmos segurá-los pelo máximo de tempo.
Quem sabe assim, Alessandro para de esconder o que sabe, e nos
ajude a descobrir o culpado disso tudo, e assim possamos pegá-lo.
— Não sei. Não vou deixar minha mãe sozinha...
— Vai, filha. Eu sei me virar.
— Mãe...
— Vai, Daiane! — peço nervosa.
Ela me olha e acaba cedendo. Elas saem do apartamento.
Olho para o Alessandro e vejo o semblante obscuro que se
forma.
— Se tem uma coisa que aprendi nesses anos vivendo nesta
loucura, é identificar quando mentem. Então me diga a verdade.
Você já escondeu algo muito importante, o que mais esconde? Me
ajude a continuar acreditando em você. — Minha voz embarga.
— Paula, eu não posso. Mas...
— Alessandro, se existe um pingo de sentimento por mim, fale
a verdade. A minha família está indo à ruína. Me ajude. Eu quero
continuar acreditando. Por favor, Alessandro.
Ele leva a mão ao meu rosto e acaricia. Sentir seu toque me
acalma, não deveria, mas é o que acontece.
— Jamais imaginei que uma mulher poderia me fazer perder o
juízo. Sempre fugi, porque achava ser uma coisa de louco. Mas desde
que te vi naquela boate é somente em você que penso. E porra, que
merda é isso?! Porque parece que tudo começou a piorar quando eu
resolvi abrir meu coração. Só que mesmo nutrindo sentimentos
muito importantes por você, eu não posso falar nada, porque terei
que trazer mais informações e eu prejudicaria alguém que amo
muito, mesmo sendo uma pessoa errada na maior parte do tempo.
Retiro sua mão do meu rosto.
— Mas pode continuar me prejudicando?
— Paula, por favor, tente entender...
— Passei anos me remoendo pela morte do Joseph. Não queria
voltar a amar ninguém. Mas então você apareceu. Eu achei que você
estava interessado na Jaqueline, mas quando pensei que poderia
estar errada sobre isso, você sumiu. Voltei a me bloquear para
sentir qualquer coisa, só que pelo inferno... você retornou, sem dar
qualquer explicação coerente, e veio se aproximando cada vez mais,
e mexendo com meus sentimentos, me deixando confusa. Todas
essas perseguições iniciaram, e por Deus... Alessandro, você
aparecia em seguida. Eu sinto que devo confiar em você, algo me diz
isso, e por causa disso estou indo contra minha família. Entretanto,
a história só piora, porque descubro que é filho de um homem
louco, que por motivos de inveja tentou matar o Joseph e a mim; e
para dar um enredo ainda melhor a essa louca história, você está
escondendo algo e me pede para tentar entender. Não, posso mais.
Estou ficando louca com tudo isso. Se tem uma coisa que aprendi de
verdade é que ou você está dentro ou você está fora, não existe
meio-termo para isso. Faça a sua escolha, ou suma da minha vida
eternamente. Porque culpado você não é, eu tenho certeza, mas
acobertar quem quer que seja te condenará também. E eu não
quero ficar para ver isso.
Vou me afastar, mas ele me puxa e tudo acontece rápido. Seus
lábios estão nos meus. Meu corpo perde a rigidez, e acabo cedendo
em seus braços, onde ele me aperta com mais força. Retribuo o
beijo e não consigo pensar em nada. Tudo que desejo e quero é ele,
e isso é assustador, porque fazia muito tempo que isso não me
acontecia. Seus braços me acolhem como se fosse me perder em
qualquer instante. Lágrimas começam a escorrer por meu rosto,
porque uma onda de sentimentos e medo me invadem. Eu sei o que
é isso. Eu já senti isso. Meu coração teve seu lacre rompido.
Todos os nossos encontros após aquela boate, e até o tempo
que ele desapareceu depois do casamento da Daiane, e agora seu
retorno e toda essa confusão o envolvendo, tudo trouxe o
sentimento que eu temia e não queria ter mais por ninguém. Só um
homem conseguiu me desestabilizar assim, conseguiu fazer a Paula
Assis perder toda a compostura e mostrar seu lado carinhoso e
sensível. Achei que jamais essa história se repetiria. Eu não
imaginei que poderia haver um recomeço, o meu recomeço. Mas e
se for errado? E se o que ele me esconde é o que pode proteger
minha família e a mim? Meu Deus...
Me afasto bruscamente. Ele tenta se aproximar e recuo. Eu
preciso tomar uma decisão. Preciso fazer isso e agora. Porque este
beijo que me deu foi um pedido de desculpas, não por algo que fez,
mas por algo que pode acontecer, por ele ter se calado. Ele está com
medo. Ele sabe que algo vai acontecer. Está me escondendo algo. É
proteção. Joseph Escobar já fez isso, e hoje não está mais aqui. Não
posso deixar que isso se repita. Homem nenhum mais vai me beijar,
cuidar de mim, proteger, apenas pelo medo do que pode vir a
acontecer. Eu cansei disso. Cansei de sentir pavor a cada carinho
que recebo. Cansei de ficar noites em claro, pelo medo do
desconhecido. Cansei de beijos que parecem um tipo de adeus.
— Deixe-os subirem. Conte a verdade. E não faça mais isso, não
me beije como se fosse a última vez.
— Paula, por favor, não complique mais toda essa história.
Precisamos tentar entender o que há entre nós, já que a porra do
destino vive para nos aproximar. — Ele se aproxima mais uma vez
e, desta vez, não recuo. Ele segura meu rosto com ambas as mãos e
me olha nos olhos. — Eu vou confessar algo que... puta que pariu,
não me faça repetir, porque não sei se serei capaz no momento, já
que é a primeira vez na minha vida que isso está acontecendo.
Concordo, nervosa pela curiosidade.
— Eu quero você. Nunca foi a Jaqueline, sempre foi você. Não
sei o que o destino está tentando fazer comigo, porque louco eu já
sou, afinal, sou professor de um bando de marmanjos que parecem
crianças. Mas eu quero você. Não foi um beijo de despedida, foi um
tal que chamam de amor, e maldito seja esse infeliz que está me
deixando perturbado. Eu não vou deixar que nada aconteça. Só
confia em mim. Eu vou dar um jeito. Mas tem muita coisa em jogo.
Só saiba que eu não sou o culpado e jamais seria. Mesmo sendo filho
daquele desgraçado, eu não sou como ele.
— Alessandro Santos, eu sou cardíaca, então não brinque
comigo. E você diz de amor, eu digo que foi de despedida, porque já
senti isso...
— Não me compare com Joseph Escobar, cacete! — Fica
nervoso. — Eu não sou ele. Joseph se foi, mas eu estou aqui na sua
frente, com um bando de gente me acusando, e você querendo me
matar pelo visto. Então, não me compare. Pare de pensar nele por
um instante, e se preocupe em se manter viva, para decidir se fica
comigo, ou eu vou embora.
— Não pode me pedir isso.
— Já fiz. E porra, não me faça te odiar, mulher. Facilita, que não
sei ser romântico. Recomeça, ou fique presa no passado, deixando a
sua vida passar. Sua escolha.
— Então me fale. O que sabe?
— A única coisa que posso dizer é para que observem mais.
Fiquem atentos aos detalhes. Prestem mais atenção. Vocês já têm o
nome da pessoa, só não viram o que está diante de vocês. Use a lei
para isso. A resposta está aí.
— Homem, eu já disse que sou cardíaca. Então não me venha
com enigmas.
Ele se afasta e sorri.
— Vou liberar a entrada deles. Qual deles anda armado?
— Todos.
— Que ótimo. Bem que dizem que a vida é como um sopro.
Hora de mostrar a Deus que fui um bom menino e pedir uma
proteção.
— Não adianta tentar enganá-Lo. Assim como não adianta
tentar enganar um Escobar.
— Você está de que lado, porra?
Dou de ombros e me sento. Comigo aqui não vão fazer nada a
ele. E vamos ter uma conversa civilizada ou com a confusão interna
que estou, soco a cara de todos.
Ele autoriza a subida deles. Então se vira para mim e aponta
um dedo.
— Se eu sair vivo hoje, amanhã teremos um dia apenas nosso.
Depois que eu der aula para aquele bando de gente, que acredito
que ainda vão me deixar louco.
Vou argumentar, mas prefiro me calar com o olhar que ele me
lança.
— Sem discussões. Preciso lembrar se tenho colete à prova de
balas. Não sei se restou algo que eu tenha guardado do traste do
meu pai.
— Simples. Não fique na frente do Marcos. E jamais gagueje
para o David. E nunca fale que nos beijamos e que amanhã iremos
sair ao Henrique. E então irei manter a casa sem respingos de
sangue.
Ele me lança um olhar de raiva e sorrio, porque mediante a
esta loucura só nos resta sorrir, ou iremos ao fundo do poço para
não voltarmos mais.
— Paula? — Olho para ele. — Pare de pensar demais. Nunca
acreditei nessa história de destino que une pessoas, mas estou
começando a ver isso como a nossa realidade. Estou aqui de alma,
mente e corpo, e quero que você também esteja assim. Eu não sou
ele; e se for para ficar e buscar comparações, eu te peço para ir,
porque não vou lutar com alguém que nem vivo está, isso é muito
fodido até mesmo para mim. Eu quero você como jamais quis, eu
voltei e fui atrás de você, eu sempre vi você, meus olhos sempre
foram seus desde que te encontrei, então me mostre que isso é
recíproco, porque eu não sei lidar com isso e preciso de você, mas
desde que esteja vendo eu, Alessandro Santos, que está louco para
ter você totalmente para mim. Um homem vivo, porque eu estou
vivo e você também. Se eu estiver sendo duro demais, desculpe, mas
não irei pedir perdão por dizer o que está preso dentro de mim.
Fique, se for para ser uma pessoa que está disposta a se entregar.
Suas palavras tomam conta de mim. Eu vim em busca de
informações que sabia que me dariam o que pensar, e agora
encontro algo tão grande quanto qualquer outro assunto intenso
que temos enfrentado nos últimos dias. Está uma loucura sem fim
tudo isso.
Ainda estou assustada por saber de quem ele é filho, mas
sendo essa a prova que o David disse ter, meu filho está errado.
Todos eles estão. Alessandro não é o culpado, e falo isso como
advogada, eu vi cada reação que ele emitiu ao contar tudo. Fiz uma
análise corporal, e ela entrega muitas coisas. Mas seja lá quem for o
culpado, está fazendo um bom serviço em deixar todos
perturbados.
Quem quer o nosso fim?


Nove

Alessandro Santos

— Professor, e quem me garante que qualquer um destes
filósofos estavam certos? Quais provas pode nos oferecer? Por
enquanto parece um monte de asneiras.
Paro com o controle na mão e volto a olhar para o telão com a
apresentação. Neste instante começo a pensar o porquê eu quis ser
professor. Eu tinha tantas outras opções. Até mesmo na área
policial, claro que não seria como o cretino do meu pai, mas era
uma opção. Poderia apenas estar me esbanjando com mulheres e
dinheiro também, afinal, não preciso mais trabalhar, posso viver
bem até meu último suspiro, que imagino ser antes do término
desta aula.
Ontem eu deveria ter provocado mais os homens Escobar, feito
com que eles perdessem o controle, ao ponto da Paula não
conseguir apartar, e hoje simplesmente não precisaria estar aqui
ouvindo isso de um aluno que parece um turista, vive de passagem
nas aulas, e o pai é um empresário que sempre passa a mão na
cabeça do cara de vinte e cinco anos, como se fosse uma criança.
Mas não, eu fiquei quieto ontem, e eles foram profissionais, e a
Paula uma calmaria sem igual.
Como sou um homem paciente, e que ama o que faz, terei
calma.
Volto a olhar para o ser humano e com toda calma respondo:
— Se você tivesse participado com frequência das aulas,
saberia o que estes filósofos queriam dizer com cada palavra e que
alguns tiveram determinadas falas, através de acontecimentos
reais, ou seja, as provas que tanto quer. Se para você tudo isso é
asneira te convido a se retirar com um pouco de dignidade que lhe
resta, e não me faça te odiar. E, por favor, diga a seu pai que estou à
disposição dele quando vier me dizer que vai processar a mim ou a
porra que for — digo calmo, como se eu não estivesse buscando
formas de pular da janela antes de cometer um crime.
Um aluno assovia e começa a zombar. Os demais permanecem
quietos, pois sabem que “esta calmaria” é porque meu limite já foi.
O aluno pega a mochila e sai sorrindo da sala.
— Eu vou ter que lidar com mais alguma criança mimada? Me
avisem, pois saio da sala e peço que um professor apropriado para
isso venha dar aula. Caso contrário, que possamos seguir com a
aula, pois na próxima é prova, e vocês precisam dessa nota, porque
não vou poupar ninguém. Sem privilégios... Aquele papo todo que já
conhecem.
— Acordou de péssimo humor hoje, hein? — Celma diz e sorri.
— É que vim preparado para dar aula para adultos e não
crianças.
— Não está mais aqui quem falou... E sabe, professor, existe
alguma política sobre relações entre alunos e professores? Uma
dúvida que minha amiga teve — diz com a voz manhosa.
Eles começam a rir.
— Eu vou fingir que não ouvi, Celma. E não vai ganhar notas a
mais, se achou que flertar comigo resolveria, afinal, essa história de
“minha amiga” é antiga e falsa. — Respiro fundo. — Posso
continuar?
Eles continuam rindo, mas concordam.

A aula foi complicada, mas no final, parece que conseguiram


compreender alguma coisa. Só queria ir embora logo. Tem muita
coisa acontecendo para ficar aguentando aluno que não valoriza o
que paga neste lugar. Além do mais, eu realmente não estou com a
mente muito boa para ensinar algo, desde a conversa de ontem com
os Escobar. Ocultei uma parte da história para eles, e algo me diz
que não deixaram passar, mas vão esperar o momento certo para
vir atrás de respostas. Passei a noite pensando em tudo e o quanto
estou ferrado, pois se falo o que sei vão querer saber como consegui
as informações e vão descobrir sobre meu irmão e com isso ferro
com ele, e a turma retardada dele ferra com todos. Mas se continuo
calado fodo a vida da Paula e companhia. Se eu for o herói que ela
precisa, ferro meu irmão. Se eu for o vilão ferro ela. Nunca a frase
“ser ou não ser, eis a questão”, fez tanto sentido para mim.
Ela prometeu que hoje aceitaria sair comigo, após o trabalho e
o treino. Passar um tempo longe de tudo e tentando entender o que
realmente sinto por ela, pode me ajudar a decidir qual passo devo
dar neste caminho cheio de conflitos. Iria levá-la para meu
apartamento, mas o Felipe tem acesso. Então levarei ela para a casa
que tenho no interior. Longe da cidade e desta confusão. Hoje cedo
já avisei que não viria trabalhar amanhã, e espero que ela não tenha
feito planos, pois será surpresa, porque sei que se eu falar, ela
desiste de ir para um lugar mais afastado.
Me aproximo do meu carro no estacionamento da
universidade e sou surpreendido pela figura do homem alto, arma
na cintura, e olhar de fúria.
— David Escobar, estou começando a achar que está
interessado em mim. Vindo me visitar no trabalho... E nem irei
perguntar como sabia que este é meu carro, acharia meio psicopata
da sua parte saber a placa e o modelo do carro que nunca fui à casa
de sua mãe.
Olho de relance atrás dele, e vejo homens disfarçando. São
policiais à paisana. Encosto no meu carro, e vejo próximo a entrada
um homem alto e loiro, é Cleber, o investigador, e óbvio que carrega
uma arma também.
Abro a porta do carro e jogo minhas coisas dentro.
— Sabe, fiquei curioso. Veio me prender e está com medo de eu
fugir? — Sorrio.
— Bastante observador. Mas mentiroso combina melhor para
você. — Ele me prende no carro pelo colarinho da minha camisa.
— Porra, Irene vai ficar nervosa com o estrago nessa camisa.
Me elogiou tanto antes de eu sair e disse que eu ficava lindo com ela.
— Gosta de fazer piadas, filho da puta? — Me aperta mais e
continuo sorrindo. — Por que não abriu a boca para falar do seu
irmão, o famoso cirurgião plástico, e não disse que ele está na
cidade? Eu não falei na frente da minha mãe, porque percebi que
esconde isso dela, e ela já sofreu demais, não merece mais
decepções. O que está escondendo? Fale de uma vez, antes que eu
perca o restante da minha paciência e faça uma merda.
Olho ao redor e vejo que os seguranças da universidade
sumiram. Cara esperto esse!
— Pode me soltar? Não gosto de homens me prensando em um
carro.
Ele me larga com força e me ajeito.
— Alessandro, por que escondeu sobre seu irmão? Não
brinque comigo. Eu prometi aos outros que teria calma, mas está
sendo impossível. — A ira é visível em seu olhar.
— Eu não escondi. Apenas não me foi questionado. E o que
meu irmão faz ou deixa de fazer é problema dele, não controlo sua
vida.
— Caralho! Seja homem e fale a verdade! — ele grita.
— Não me diga o que tenho que fazer. Está aqui sem nenhuma
autorização, melhor, mandato. Você com toda certeza ameaçou aos
seguranças para saírem. Muitas coisas erradas para um delegado
que está com seu chefe te vigiando. — Ele leva a mão à arma e isso
me faz sorrir ainda mais. — E o que vai fazer agora? Atirar de
raspão diante do meu pé; e se eu não lhe der o que quer, vai atirar
na minha perna direita, como forma de tortura; e se não resolver
vai atirar de raspão próximo a minha cabeça? Afinal, se existe
outras possibilidades você não atira para matar, não é mesmo?
— Como você sabe todas as técnicas que costumo usar? — Sua
expressão fica mais tensa. — FILHO DA PUTA!
Consegui. Eu vejo em seus olhos. Ontem, depois que eles foram
embora, meu irmão veio com informações após estar com a pessoa
que anda fazendo tudo isso, na qual cedeu informações demais, e eu
sabia que iria poder usar alguma, meu irmão não é idiota, ele sabia
que a oportunidade iria vir, e eu usaria algo daquela conversa toda.
Só resta saber, porque ele quer tanto ajudar.
Ele grita para Cleber. O homem se aproxima rapidamente.
— As fichas. As malditas fichas que iríamos mexer hoje e
desistimos. Pegue aquelas porras e olhe cada coisa. Cada detalhe! —
Seu tom é rude.
— O que eu procuro exatamente, David?
— Se estiver lá, você vai saber. Vai, agora! Leve todos com
você! — grita.
O homem sai às pressas e faz sinal para os demais que lhe
seguem.
— Como conseguiu isso? Como sabia? Melhor, como tem
certeza?
— Não me peça isso. Tem muita coisa em jogo. Se eu quisesse
foder todos vocês, jamais daria esta pista.
— COMO EU DEIXEI ISSO PASSAR. PORRA! — Ele dá um murro
na parte de cima do carro branco que parece ser seu. — Aquele
maldito delegado na minha cola, controlando tudo. Eu deveria ter
fugido de seguir as regras faz tempo. — Me olha e a ira é evidente
em seu olhar. — Minha mãe estava certa, você nunca foi o culpado...
Em partes. Você vai nos dar todas as respostas, nem que para isso
eu entregue meu cargo, mas te encherei de porrada se for
necessário, para que abra o caralho da boca.
— Porra, gostam de violência! Mas se quer fazer algo, tem hoje
e amanhã. Levarei sua mãe para fora da cidade, e você vai aceitar
isso — digo sério.
— Como é? O caralho que vou!
— David, deixe a raiva de lado e confie em mim. Eu estou
colocando a minha vida em risco também e de uma pessoa que, por
mais que torne a minha vida um inferno, eu quero viva. Eu abri
demais o jogo. Então resolvam isso entre hoje e amanhã, agora você
sabe quem procura. Sabe por onde começar; e se não conseguir tem
por perto a pessoa que mais pode te ajudar, por conhecer ainda
mais os passos do verdadeiro inimigo. Tira sua mãe disso. Ela é o
ponto fraco de vocês. É ela que querem, para deixá-los fracos. Vocês
estão tão focados em condenar todo mundo, que não viram o
quanto estão sem saber como agir. Quer o culpado? Então não perca
seu tempo comigo. E convença a sua mãe a me acompanhar.
Ele reluta por um tempo.
— Uma equipe vai com vocês. O celular dela será rastreado o
tempo todo e o seu também. Um deslize, eu fodo a sua vida como
nunca imaginaria.
— Que novidade eu ter meu celular... Esquece. Faça o que
quiser. Mas acredite, está focado em acusar o cara errado.
Ele entra no carro e antes de fechar a porta digo:
— Eu não vou ocupar o lugar do seu pai. Assumam que a maior
parte desta raiva que estão é pelo ciúme. Vocês fizeram a vida de
vocês, deixe sua mãe fazer a dela. Joseph Escobar está morto, mas
ela não. E eu não serei como ele, porque sei que ele era único para
vocês.
Ele bate a porta com força e sai rapidamente dali em uma
manobra que tenho certeza de que veio por muitas perseguições.

Chego em casa e Felipe está ao celular e conversa em inglês,


está nervoso. Jogo as coisas no sofá e prefiro nem prestar atenção
nas coisas que ele diz.
Irene entra na sala e sorri assim que me vê.
— Senhor, algum pedido especial para sobremesa? O almoço
está pronto.
— Não. Na verdade, nem irei almoçar.
— O senhor precisa se alimentar. Seu irmão come muito bem.
Só parou de assaltar minha cozinha quando ligaram para ele e está
há um bom tempo assim. Não entendo nada do que ele diz, mas
parece nervoso.
— Melhor não entender. Vou tomar um banho, e não prepare
nada para o jantar. Irei viajar.
— Vai viajar? O senhor não disse nada antes. Não fiz mala, ou
deixei roupas prontas...
— Se acalme, mulher. Está tudo bem. Não se preocupe. E pare
de me mimar. — Deixo um beijo em sua testa e saio da sala.
Entro no quarto, retiro as coisas do bolso e coloco na cama.
Retiro os sapatos e a camisa também. A porta é aberta enquanto
começo a abrir meu cinto.
— Sabe o que a nossa mãe ensinou sobre bater na porta antes
de entrar? Então, ainda é válido. Esses seus amigos estão sendo má
influência ao extremo, perdendo toda educação, porra! — reclamo e
ele sorri.
— Não me provoque. Lembre-se de que na hora da briga eu
sempre venço e você sai todo roxo e comigo tendo que pôr gelo no
seu traseiro. Porra, aquilo foi constrangedor!
Acabo rindo e jogo o cinto na cama.
Eu amo esse infeliz, mesmo fazendo tanta merda. Porra, é meu
irmão! Não importa que não é de sangue.
— Consegui a clínica — informa aleatoriamente.
— Pretende ficar no Brasil, então?
Ele encosta na parede e cruza os braços.
— Problemas com seus amigos, Felipe?
— Nada que eu não resolva.
— O que está acontecendo? Você pode ser um filho da puta, às
vezes, mas ama ser cirurgião e construiu uma carreira bastante
popular na Califórnia. Vai desistir disso?
— Não. Irei continuar com a clínica lá, mas quero ficar um
tempo no Brasil. Também aluguei um apartamento, para te dar paz.
Mas não chore de saudade.
— Idiota!
— Você abriu a boca para eles. Pegou o que joguei. Esperto.
— Não como pensa. Mas como sabe?
— Tenho contatos na polícia.
— Claro que tem.
— Escutei você falando para a Irene que vai viajar. Vai tirar a
Paula Escobar da cidade?
— Vou. Para dar tempo a eles de conseguirem algo sem que a
peguem e use de isca. E para tentar resolver nossa situação... Nem
sei como nomear isso.
— Isso ainda vai dar merda e das grandes. E sinto por você,
meu irmão. Pela primeira vez vejo que realmente gosta de alguém.
Vou dizer até que acredito que a ama. Não que eu entenda muito
sobre isso, afinal sou um homem divorciado por problemas
complicados no casamento.
Sento-me na poltrona e fico observando-o.
— Felipe, nesse tempo todo você sempre foi um homem frio.
Nunca se importou em ficar próximo a mim. O que aconteceu?
— Digamos que talvez eu me importe com meu irmão. — Sua
bipolaridade é ativada. Seu lado sombrio toma conta de seu tom e
sua expressão.
— Fez merda, não foi?
— Acho que foi você que se meteu em uma grande confusão,
desta vez.
— Como estão seguindo-a?
— A Paula? Conhecem os passos dela. Primeiro estavam
rastreando o celular, e grampearam as ligações, mas parece que os
Escobar resolveram ser espertos. Agora estão observando a
oportunidade perfeita. A pessoa por detrás está apenas esperando
uma falha, e vai existir. Eles estão vulneráveis.
— Por que a pessoa resolveu te contar tantas coisas? Por que
confia em você?
Ele me encara por um tempo em silêncio.
— Porque sabe quem eu sou. E sabe que essas informações
chegariam até você, é isso que tinha que acontecer.
— E por que caralho fez eu entender que deveria abrir a boca?
Porra!
— Porque faz parte. Estou jogando o mesmo jogo, mas sou
mais esperto.
— Felipe, é difícil de entender tudo isso. Por que não para essa
merda toda?
— Estou tentando, mas não posso agir diretamente, estou
agindo em cima de terceiros, que a pessoa acha que é de confiança.
Mas estão comigo. Querem saber o que tanto protejo aqui.
— O quanto está envolvido nisso, seja sincero...
— Você tem que saber apenas o que eu acho que é importante,
no mais, não faça perguntas.
Levanto rapidamente e olho fixamente em seus olhos. Agora
eu entendi tudo. Porra!
— Você está agindo por fora. Pelo quê? A que preço?
— Cara, não se preocupe. Eu sei o que estou fazendo.
— Sabe mesmo? O que prometeu a eles? Tudo tem um preço.
— Não vai querer saber.
— Fale, porra! — grito.
— Já que insiste... Disseram que me ajudariam a te proteger,
mas que se os homens da Lei descobrissem qualquer coisa,
honrariam com sua principal regra de que “traidores não tem
direito a defesa”.
— Você é louco. Eu daria um jeito. Olha a merda agora. O
problema triplicou.
— Só não abra mais sua boca, e nada acontecerá a nós dois.
Vou te ajudar a manter a sua Escobar viva.
— E por que faria isso? Sabemos que vai honrar o legado deles.
E sei que esconde algo grave — falo com ironia e desgosto.
— Está enganado. Você não me conhece de verdade,
Alessandro.
— Não. Desde que trocou a mim, que sou sua única família,
porque aqueles malditos...
— Eu fiz uma escolha, mas ela nunca me impediu de valorizar
você. Se sou frio, foi porque aprendi a ser assim para aguentar todas
as merdas dessa família. E quer saber por que vou te ajudar a
manter a Paula Escobar viva? Porque você vai fazer qualquer merda
por ela. — Ele descruza os braços. — E porque eu amo você, que não
enxerga que eu faria de tudo para protegê-lo, porque é a minha
única família. Iria até contra as leis mais intensas da qual eu
aprendi a respeitar. Então, se estou controlando muita merda, é
porque o idiota do meu irmão quer se envolver com uma mulher
que vive em perigo. Não é porque hoje tenho dois estilos de vida,
que deixei a frieza de um deles me tomar por completo, existem
exceções e agora é uma delas. Goste ou não, ficarei no Brasil, para
proteger sua bunda dos chutes que pode levar. — Seu olhar é de
raiva. — E eu já imagino que vai levá-la para a casa do interior,
saiba que está muito bem protegida por meus homens, porque os
poderosos Escobar não imaginam o quanto a pessoa está mexendo
psicologicamente com eles, e vai ganhar esta luta, porque eles estão
fracos, e vão deixar brechas e com isso os seguranças deles se
tornam vulneráveis também. Então se eu for frio para algumas
coisas e ter sentimento para outras é errado, atire em mim, porra!
Mas não diga que eu troquei você por eles. Não faça mais isso, cara!
— Ele se retira batendo a porta.
Caio sentado na poltrona e passo as mãos pelos cabelos.
Quando acho que tudo vai melhorar, mais coisas parecem estar
prestes a explodir.

Paula Escobar

Estou prestes a sair do meu escritório no centro quando David
e Henrique entram.
— O que houve? Que caras são essas? Quem morreu? Meninos,
sou cardíaca.
— Ninguém, querida mamãe. Mas saiba que a senhora vai
viajar hoje e volta amanhã ou daqui uns cinco dias, porque vai ser
foda resolver em um dia e meio, porque não dá para considerar
como dois dias... — Henrique abre a boca e David dá uma
cotovelada no irmão.
— Certo. O que está acontecendo?
— Então... A Daiane, isso... Ela quer que a senhora viaje —
David fala.
— Pare de mentir. Diga a verdade antes que eu arranque ela
na base dos tapas.
— O grisalho metido a professor vai viajar com a senhora... e
você vai aceitar — Henrique diz e David o olha feio e ele dá de
ombros.
— Como é? Piada isso? Primeiro condenam, depois o
interrogam, e agora querem que eu vá viajar? Exijo que digam agora
o que está acontecendo.
Mais uma pessoa entra e é a Liziara e toda animada.
— Já fiz sua mala, Paulinha. Saiba que milagres acontecem e
eles estão amando o Alessandro... — Ela se controla para não rir. —
E tem mais, realmente o que vocês mães dizem, devemos sempre
levar em conta, porque estão certinhas. — Henrique belisca o braço
dela, e ela acerta um tapa nele. David fica entre os dois. — Enfim,
nada aconteceu. Só viajar. E eu estava escutando tudo ao lado de
fora, mas não resisti e entrei.
— Por que querem se livrar de mim, junto com aquele que
tanto condenaram? Quero uma resposta agora. — Observo
atentamente os três.
— Por quê? Oras... Porque o David é a melhor pessoa para te
dizer isso. Fale, meu irmão. — Henrique está todo nervoso.
David empurra a Liziara para frente e ela por pouco não cai.
— Que belo cavalheiro, jogando a esposa na linha de frente.
Patético! Saiba que, quando eu for delegada, juro que irei dar tanto
na sua cabeça e te deixar cinco dias em uma cela, e o Henrique vai
me ajudar a arrumar desculpas para esse ocorrido!
Ajeito a bolsa no antebraço e levo uma mão à cintura.
— Falem agora o que está acontecendo e por que resolveram
que devo viajar? Vocês têm cinco segundos...
— Então, porque... Na verdade, é algo sério, não posso falar
muito, já que o David não é paciente para me explicar muita coisa,
mas entendi que devo calar a boca sobre o assunto. Então confie no
seu filho, que mesmo sendo um babaca é um bom delegado; e se
você tem que sair com aquele que ele condenou, e ele não diz o
motivo a você, é porque algo aconteceu, e um deles é o fato de ter
descoberto que, ao que parece, Alessandro, o gatão, é inocente! Fim.
— Eu vou ficar viúvo e serei preso pelo homicídio da minha
mulher! — David diz entredentes e sua esposa sorri. — Mãe, confie
em nós. Sai da cidade. Uma equipe de segurança vai acompanhá-la,
e deixei um celular novo para a senhora na sua mala. Não converse
nada com os seguranças por ele. Use para contato conosco, e tome
cuidado com tudo o que for falar, sempre em códigos. Sabe como
funciona.
— Você não vai falar... Mas o Henrique, ele não cala a boca.
Então, meu amado filho, diga o que está acontecendo? — Uso meu
tom de mãe quando quer algo.
— Porra, mãe! Aí me fode. Me elogiando... Eu... Só confia.
— Eu vou. Está na hora de confiarmos mais uns nos outros.
Mas, quando for o momento, digam a verdade. Nada de segredos.
Eles concordam.
— Precisamos buscar informações e com a senhora na cidade é
perigoso demais — David revela.
Apenas assinto.
— Eu nunca viajei com outro homem... — digo em pânico.
— Relaxa. Fiz sua mala com a ajuda da Ana. Coloquei cada
lingerie... — Liziara sorri animada.
— CARALHO, EU NÃO PRECISO SABER DISSO! — David grita e
sai da sala completamente nervoso.
— Liziara, eu vou te matar, porra! — Henrique grita com ela.
— Ué, é a oportunidade de ela destravar o que deve estar
travado há anos. Vocês são espertos, só faltam malhar o “precioso”
para estar sempre na ativa, mas a poderosa matriarca tem que ficar
de escanteio? Nem pensar. Irei ser a porta voz das mulheres desta
família.
Acabo rindo.
— Cuidado com o que apronta para a minha mãe. O David sabe
que o trabalho na boate teve a companhia do Joaquim, o cara que te
amava e o enfrentou?
— Como você... Paula? — Ela me olha e nego.
— Não falei nadinha.
— Eu estive lá. Você não me viu, mas eu vi cada passo seu.
— Eu vou te cegar. É isso. Agora entendo a Ana. Você é
irritante. Eu te odeio.
— Me ama demais, cunhadinha. — Ele puxa uma mecha do
cabelo dela, que acerta sua mão.
— Chega! Parecem duas crianças! Quem vê, nem imagina que
são pais e casados. Andem, todos para fora... Sou cardíaca, vou
morrer ainda. Sinto palpitações.
Eles riem e saem se provocando.
O que querem esconder? Por que agora querem que eu viaje
com o Alessandro? Eles nunca escondem nada do restante da
família quando envolve a nossa segurança. Ou estão aprontando, ou
é algo bem sério. Mas tem outra coisa: não sei se estou preparada
para viajar com o Alessandro. Sei que esta é a oportunidade de
entendermos o que acontece entre nós, porém é tão estranho sair
com alguém que não seja... Eu prometi não pensar e tentar
recomeçar, chega! Eu irei realmente tentar.


Dez

Paula Escobar

O local é próximo ao sítio Escobar. Os meninos não
economizaram na equipe de segurança. Ainda estou achando tudo
isso uma loucura. Alessandro sabe de algo e não me fala. Eu preciso
saber o que estão fazendo. Algo está acontecendo. E simplesmente
não acreditei na versão dos meninos. É algo maior, e mais grave. E
sinto que foi o Alessandro que deu a eles o que precisavam, e com
isso tiraram a culpa de cima dele. É, terei que descobrir logo o que
estão aprontando.
Observo a casa e tem um estilo rústico. É simples, perto do
Sítio Escobar, mas é tão aconchegante e bonito. Sempre gostei da
simplicidade, mas Joseph gostava de exibir o que o dinheiro podia
comprar, e Marcos e Henrique herdaram isso também, não são
desprezíveis por isso, apenas gostam de gastar, enquanto eu
sempre fui econômica e Daiane e David herdaram isso de mim.
Enfim, pelo visto ficarei aqui, com um homem que também
está escondendo algo.
— Sabe, na minha área de trabalho, e olha que sou civil, mas
em geral isso é cárcere privado. Só um comentário qualquer — digo
deixando minha bolsa no sofá encostando na lateral dele.
Alessandro liga o ar-condicionado, pois está calor, e por ser
tarde, é melhor evitar deixar tudo aberto, mesmo com a tropa de
segurança ao lado de fora.
— Seria cárcere se você não tivesse vindo por vontade própria.
Ninguém te obrigou. E tem a chance de ir a hora que desejar.
— Tem certeza? Eu meio que não tive escolha, e sou uma
mulher de muitas escolhas.
Ele se vira e sorri. Me sinto como uma jovem e não uma mãe,
avó e mulher madura. Um friozinho se instala na minha barriga, e
cruzo os braços para ver se a mudança de posição retira o que estou
sentindo. Mas foi à toa.
Ele joga o controle do ar-condicionado no sofá.
— Vem, vou te mostrar a casa. É bem humilde, como pode ver.
Evito o luxo nos lugares que quero paz.
Acompanho ele, que me mostra cada canto. São três quartos,
dois banheiros, cozinha pequena, lavanderia, um quintal aos
fundos, além da área da frente que é toda repleta de árvores. Tem
entrada pelos fundos, laterais e na frente, que tem um cercado
baixo, bem ao estilo interior mesmo. Todos os cômodos são como a
sala, rústicos. É realmente uma casa bonita, como eu já havia
reparado.
— Se estiver com fome, posso pedir algo. Foi de última hora a
decisão de vir para cá. Então não tem nada para comer.
— Não. Estou bem. Jantamos antes de vir para cá e não é uma
viagem longa.
Ele concorda e se senta no sofá. Faço o mesmo.
Meu celular toca e é o Marcos.
— Oi.
— Está tudo bem? — indaga sério.
— Sim.
— Está com o que precisa? — Escuto a risada do Arthur ao fundo
e a Beatriz pedindo para ele ficar quietinho.
— Sim.
— Ótimo. Até breve. — Ele desliga.
Acatei ao que o David disse, sobre tomar cuidado com tudo o
que fosse dito, e falar por códigos. E, pelo visto, o Marcos também. E
para ele querer saber se estou armada, ao dizer “está com o que
precisa?”, é porque não está gostando disso.
— Então, me conte. O que sabe? Por que passaram a confiar em
você?
— Paula, não peça isso. Não agora. Por favor, vamos pensar em
outra coisa, esquecer tudo isso.
— Meio impossível, com seguranças ao lado de fora, armados
até os dentes. Essa mudança repentina dos meus filhos...
— Jaqueline me procurou — ele diz.
Que mudança ousada de assunto.
— Interessante desvio da conversa.
— Ela estava preocupada com você. Gosta muito de você, e não
quer que eu ferre sua vida. E acha que você está enciumada, por
algo que nunca aconteceu.
— Como é? Bom saber que eu sou o assunto principal nas
conversas de vocês. Mas acho que, de verdade, não é o tipo de
assunto que eu quero ter que lidar neste momento, se não se
incomodar. — Meu tom é sério e sei que minha expressão também e
não busco disfarçar.
Ele sorri.
— Você sabe que nunca houve nada. Que foi algo que vocês
todos imaginaram, apenas por eu ser um homem belo e educado,
modéstia à parte. — Sorri. — E estão acostumados com os
trogloditas do Marcos e do David, e os ciúmes loucos do Henrique.
Eu não sou como eles. Eu não sou um Escobar.
— Não. Você é o Alessandro, um professor de filosofia, que está
a todo custo tentando mudar de assunto.
— E está funcionando, e vai funcionar mais se você parar
interromper.
Sorrimos.
— Nem alcoolizada eu esqueceria.
— Podemos testar. Bebidas têm de sobra.
— Tem vinho?
— Sim. Vou pegar. Sabia que quanto mais velho melhor?
— Por que estou sentindo um duplo sentido nisso?
— Porque tem a mente safada. Eu apenas fiz um inocente
comentário.
Sai rindo e fico olhando para ele. Alto, com um andar elegante.
Por que esse homem tinha que ser tão belo? E por que tinha que ter
um sorriso tão perturbador?
Ele retorna com duas taças e uma garrafa de vinho aberta. Faz
um sinal para eu me sentar no chão sobre o imenso tapete marrom.
Retiro meus saltos e me sento, encostando no sofá. Ele se senta ao
meu lado e nos serve. Retira os sapatos e os chuta para longe.
— Um fato sobre mim. Não sou muito organizado.
— Por incrível que pareça, criei três meninos e todos eram
bagunceiros, e hoje querem dizer serem os mais organizados. — Ele
me entrega a taça depois de mexê-la com cuidado. Dou um gole. —
Sabia que dos três, o mais desorganizado era o Marcos? Nada ele
sabia colocar no lugar, eu ficava doida.
Ele sorri e bebe um gole do seu vinho, e afasta mais a garrafa
se virando ainda mais para mim.
— Difícil acreditar, afinal do jeito que é hoje.
— Mas sério ele sempre foi. Joseph tinha um amigo muito
próximo, Joel, não se desgrudavam, e o Marcos não suportava esse
homem. Aprontava cada uma. Puxava as cadeiras que ele iria se
sentar, derrubava as coisas nele e fazia cara de santo, ou jogava a
culpa no Henrique, e aí a confusão se armava. E o David colocava
lenha na fogueira, ficava dizendo: “Eu não deixava, Henrique”, “olha,
Marcos, vai deixá-lo falar isso?”... Era uma loucura.
Rimos.
— E a Daiane? Ela parece ser mais sensata. Mais tranquila. O
Jacob, pelo visto, deu sorte.
— A Daiane tranquila? Ela sempre foi mais organizada, mas
era terrível também, queria ficar imitando tudo o que o pai fazia,
então invadia o escritório dele, fazia zona e sumia com as
papeladas, isso o deixava louco. E os meninos evitavam provocá-la,
porque ela batia mesmo, o que tinha na mão voava neles. Uma vez
acertou um sapato que eu tinha na testa do David, porque ele a
chamou de “nojentinha”. Pense, eu estava sozinha, empregados de
folga, incluindo a babá deles. Então eu tive que carregar os quatro
para o hospital, porque David chegou a levar pontos na testa, e o pai
deles viajando. Quase colocaram o hospital abaixo. Um culpando o
outro. Henrique pegou o estetoscópio de um médico, que ficou
sobre um balcão, e correu pelo hospital. Quem dizia que
pegávamos? Foi terrível. Mas surtei muito aquele dia, todos ficaram
de castigo por um mês.
— Então a Paula se estressa mesmo? — Ele ri.
— E como. Até hoje dou muitos surtos. Sou cardíaca, sabe,
então não posso me estressar, evito.
Bebemos mais do vinho.
— Não é cardíaca de verdade.
— Claro que sou. Não discuta.
— Tudo bem... Mas me diga, como era você antes de ser mãe,
esposa... Antes de tudo?
— Eu era moleca. Encrenqueira demais. Na faculdade vivia
arrumando confusão, ainda mais com um professor que não gostava
de mim.
— Sempre somos nós a levar a culpa. — Ele finge estar
ofendido e bebe mais vinho.
— Se você o conhecesse entenderia. O homem era um terror.
Tornava a minha vida um inferno. Ainda mais que sabia que eu
dependia do meu trabalho na faculdade para me manter ali. Minha
família sempre foi muito humilde. Perdi minha mãe cedo, e meu pai
não conheci. Fui criada pela minha madrinha, em uma pensão que
eu amava.
— Ela ainda...
— Não está mais viva. Ela faleceu quando engravidei da
Daiane. Teve um infarto. Na época, eu poderia ficar com a pensão
que lhe pertencia, mas não quis. Com o tempo acabei vendendo para
dois senhores, que fariam um hotel.
— As lembranças eram grandes... Entendo. — Ele olha ao redor
e suspira.
— Essa casa era dos seus pais?
— Sim. Depois da morte deles, reformei tudo, mesmo assim
ainda traz lembranças. Minha mãe sorria muito nesta casa, porque,
quando estávamos aqui, raramente meu pai nos acompanhava.
Então quando ficava apenas ela, meu irmão e eu fazíamos a festa...
— ele parece perceber que falou demais e noto o desconforto.
Bebo o que restou do meu vinho e deixo a taça de lado.
— Irmão? Que irmão?
Ele nos serve mais vinho e deixa a garrafa de lado mais uma
vez.
— Tenho um irmão. Mas não conto a todos. Ele tem uma certa
fama, e tento evitar a mídia.
— Como assim?
— Ele é cirurgião plástico na Califórnia. Está no Brasil no
momento. Felipe Santos.
— Já ouvi falar desse cirurgião, mas jamais imaginaria que
eram irmãos. Por que nunca contou para nós?
— Bom, o David descobriu rápido. Digamos que não sou muito
de falar da minha vida pessoal. E realmente, quem olha para ele não
imagina que somos irmãos. Nenhuma semelhança sequer. Ele é
adotado. Minha mãe, depois que teve a mim, não conseguia mais ter
filhos e sonhava em ter mais um. Meu pai, naquela época era um pai
de verdade, e um bom marido. Aceitou a opção dela de adotarem.
Mas depois que o Felipe chegou, tudo foi mudando. Meu pai foi
mudando, e daí você já deve imaginar todo o inferno que foi. Felipe
veio bebezinho, e minha mãe acreditava que era a atenção que dava
a ele que deixou meu pai enciumado. Doce ilusão.
— Deveria ter nos contado sobre ele. O que ele faz no Brasil?
— mudo o rumo da conversa, pois percebo que, quando fala do pai,
uma mágoa cresce dentro dele.
— Vai abrir uma clínica aqui. Ele não fala muito sobre seus
planos.
— Entendo. Mas e você, sempre quis ser professor?
— Sempre amei ensinar. Meu pai queria que fôssemos da
polícia, mas sempre odiei toda a correria e burocracia que
enfrentavam. Ele nos treinou muito quando adultos, fizemos
treinamentos de todos os tipos, mas não existia amor da nossa
parte com isso. Então resolvi me tornar professor de filosofia,
sempre me achei louco o suficiente para poder entender os loucos
que estudei. E ensinar me acalma. Confesso, que hoje, já tenho mais
vontade de matar meus alunos, mas nada que uns xingos não
resolvam.
Começo a rir.
Ele retira os óculos e deixa no sofá. Passa a mão pelo cabelo e
bebe mais de sua bebida. Faço o mesmo com a minha. O vinho
esquenta o corpo e traz um rubor que sempre julguei ser atraente.
— Sabe, quando te vi na boate pela primeira vez, o Jacob
estava nervoso, pois viu a Daiane e pelo visto tinham tido
problemas. Assim que coloquei os olhos em você fui atraído. Ele
veio atrás, pensando que eu faria merda. Todos sempre souberam
que declarei que mulheres eram enrascadas. Mas, pelo visto, todos
que dizem isso pagam com a língua.
— Pelo menos, dos meus filhos, todos pagaram. E incluo o
Marcos, porque tenho ele como filho.
Ele me olha e sorri.
— Desde aquele dia, eu não deixava de comparecer a nenhum
evento que o Jacob me convidava, pela esperança de ver você.
Loucura?
— Um pouquinho psicopata, talvez. — Sorrio.
— Foi exatamente esse sorriso que me atraiu ainda mais.
Sinto a timidez tomar conta de mim e finalizo minha bebida.
Abaixo o olhar para a taça vazia.
— Todos os momentos que acreditavam que eu queria a
Jaqueline era para você que eu olhava. Ela só foi uma boa amiga,
acabava rindo das loucuras dela. No casamento da Daiane, quando
conseguiram partir o buquê ao meio, aquilo me assustou, ainda
mais quando vi o olhar dela para mim; e quando olhei para você, a
que eu queria que me olhasse, desviou rapidamente o olhar. Então
eu falei qualquer coisa que fosse soar engraçado para quebrar o
clima estranho.
— E depois disse que estava fora de qualquer relacionamento.
— Sim. Boa memória... Eu estava começando a me assustar
com tudo.
— Foi por isso que sumiu e foi dar notícias agora?
— Em partes. Eu também precisava ajudar meu irmão no
divórcio dele.
Olho para ele; e sempre que fala da família, algo muda em seu
olhar.
— Eu comecei a me assustar com o que vinha sentindo por
você a cada vez que te via. Porque você tem traços dele... É difícil.
— Mas não sou ele, Paula. Eu estou bem aqui e te pedindo uma
chance de descobrirmos o que existe entre nós.
— Eu estive esses últimos dias em constante reflexões, e
lembrei que prometi que se algo acontecesse, eu me permitiria ser
feliz novamente. Mas não é fácil. Muita coisa acontecendo... e ainda
está acontecendo.
Ele pega nossas taças e afasta. Então se volta para mim,
prendendo uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha, e
acariciando meu rosto diz:
— Não seja uma Escobar... Seja apenas a Paula. Esqueça tudo.
Seja minha. Se entregue completamente a mim.
Sinto meu coração disparar muito forte. Um tremor toma
conta de mim.
— E se der errado? E se tudo ruir?
— E se der certo? E se nada ruir? — Ele aproxima mais seu
rosto do meu. — Friedrich Nietzsche, um filósofo e poeta, disse uma
vez: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco
de razão na loucura”.
— Quem garante que tem razão na loucura?
— Quem garante que não tem? — Sorrimos. — Eu vou te beijar,
mas não serei capaz de parar.
— Isso é loucura, e tenho razão quando digo isso. Mas quero
um pouco de loucura, não que minha vida não seja recheada delas,
mas é bom...
Ele não me deixa terminar. Me beija e sinto todo o meu corpo
tremer. O gosto do vinho em nossa boca torna tudo mais quente. Eu
não consigo pensar em mais nada. Não com sua mão deslizando pela
minha perna, e meu vestido subindo. Meu coração vai explodir, e
tenho certeza de que serei cardíaca de verdade. Meu corpo vai se
inclinando e acabo deitada sobre o tapete, meus cabelos se
esparramam pelo chão. Santa Liziara, que me fez pôr toda depilação
em dia, e pôr uma boa lingerie, e a Ana Louise que me fez usar um
excelente creme corporal, que eu não usava tem bons dias.
Ele fica entre as minhas pernas, e não consigo me intimidar ou
recuar. Eu quero ir além. Não quero que ele pare. Ele afasta os
lábios, e seu olhar é outro, muito mais atraente.
— Eu não vou parar.
— Não peço por isso.
Tenho certeza de que o vinho está me ajudando a ser assim.
Ele desliza os lábios pelo meu pescoço e beija dando leves
mordidas. Me remexo e sinto o quanto está duro. Deslizo as unhas
por sua nuca, e ele arfa. Se afasta e começa a retirar a roupa. Não
consigo desviar o olhar. Seu corpo acaba me hipnotizando. Ele
retira a cueca preta, e tenho que morder o lábio inferior para não
falar ou deixar qualquer som sair. Volta ao meu encontro, e retira
meu vestido. Minha lingerie vermelha fica toda aparente. Torna a
me beijar, mas desta vez não é demorado; logo em seguida, ele
começa a descer o beijo, sem tirar os olhos dos meus. Se aproxima
dos meus seios, e solto um gemido baixo. Ele descobre que o sutiã se
abre na frente, e assim o faz, e ajudo a retirar a peça de perto de
mim. E Deus abençoe o silicone que não é nada surreal, foi apenas
para erguer o que três filhos derrubaram.
Ele chupa o bico do meu seio, e meu corpo automaticamente
acende por completo. Estou em chamas. Sinto minha calcinha
umedecer. Alessandro começa a dar atenção ao outro seio também,
e minha respiração muda drasticamente. Quero logo ele dentro de
mim, essa tortura está acabando comigo. É o desejo que se
acumulou por muito tempo. Se afasta dos seios e começa a retirar
minha calcinha. Parece que os segundos que leva se tornam horas.
Fica entre as minhas pernas, prendendo-as, para que fiquem bem
abertas. Esse homem vai me causar um treco.
— Vou chupar sua boceta toda, e só então vou colocar meu pau
em você.
— Não pode pular a primeira parte?
Ele sorri, e começa a fazer o que disse. Me chupa e meus
gemidos aumentam. E nem sequer me importo se os seguranças
grudados as portas e janelas vão ouvir. É a melhor sensação que
estou sentindo. Como eu senti falta de estar assim, sendo amada de
todas as formas... Pera aí, seu olhar... Ele me olha com... amor? Agora
vejo. Seu olhar sempre foi este quando direcionado a mim. Sempre
foi de amor, carinho, respeito. Eu sempre desviei de todos seus
olhares, sempre fugi dele por medo, por achar que ele olhava igual
para Jaqueline, mas nunca foi. Comigo era este olhar dilatado,
brilhante e ao mesmo tempo repleto de promessas não ditas, bem
diferente do modo que ele se direcionava a outros... a ela. E na
minha loucura de fugir de tudo, eu preferi acreditar em algo que
nunca foi verdade, eu criei na minha mente uma situação que nunca
existiu, apenas para culpá-lo e sair dessa loucura que a vida me
colocou após mais de anos da grande tragédia na família.
Não tenho tempo de continuar a pensar nisso, porque ele
enterra dois dedos dentro de mim e os movimenta enquanto me
chupa. É como se eu estivesse em uma queda livre, sem saber como
agir, sem ter controle de nada.
Ele sente que não irei durar muito tempo desse jeito, então se
afasta e resmungo. Pega a carteira dentro do bolso da calça jogada,
e dela retira um preservativo.
Como são safados, sempre andam na esperança de ter sexo!
Acabo sorrindo do meu próprio pensamento.
Ele coloca o preservativo e se aproxima. Inclina seu corpo
diante do meu.
— Não sou mais virgem, sabe disso... Não precisa ser delicado...
Ele sorri e beija meus lábios. Então se aproxima do meu ouvido
e sussurra:
— Você quer forte?
Meu corpo queima por inteiro com sua voz grossa em meu
ouvido.
— Responde, Paula...
— S-sim...
— Ótimo. Fique de quatro, agora — pede mandão.
Faço o que ele pede, e por sorte o tapete é fofo. Ou teria joelhos
ralados, experiência própria.
Segura minha cintura, e começa a me penetrar, e vai cada vez
mais fundo.
— Forte, não é? — questiona, e sinto o aperto de suas mãos.
— Bruto! — rebato provocando.
— Seu pedido é uma ordem, doutora Paula.
O movimento é único e forte. Prendo o ar e um grito sai de
meus lábios, não pela dor, mas pelo prazer. Está completamente
fundo. Então começa a se movimentar intensamente. Segura meu
cabelo com uma das mãos, e enrolando, puxa para trás, com isso
inclinando minha cabeça.
— Cacete, Alessandro! — grito.
— Temos uma Paula que diz palavrão, estou gostando cada vez
mais...
Continua os movimentos fortes. Meu corpo inteiro está suado e
nossos gemidos são altos. Ele diz coisas safadas, o que me deixa
ainda mais louca. Tapas são acertados na minha bunda, e a dor traz
mais prazer.
Não consigo aguentar muito e começo a gozar. Meu corpo
inteiro treme, e ele não demora a ter o mesmo destino.
Deito-me no chão e ele se afasta dizendo que vai se livrar do
preservativo. Eu fico como uma morta. Não sei terei forças de voltar
a andar, meu Deus!
Não demora e retorna. Estou fraca. Então me pega no colo e
caminha em direção ao quarto que disse ser dele. Me deita sobre a
cama. Os abajures são as únicas luzes acesas. Se deita ao meu lado e
me puxa para si, nos cobrindo.
— Só não darei continuidade, porque tem sido longos dias, e
precisa de paz ao menos uma noite.
— Que cavalheiro! — provoco.
Escuto seu risinho.
— Só preciso de alguns minutos, depois de um banho. E, talvez,
eu não queira um banho sozinha.
— E quem disse que eu daria a opção de ir sozinha?
Bato de leve em seu braço e rimos.
Ficamos em silêncio. Fecho os olhos, mas ainda estou
acordada. Apenas pensando em muitas coisas. Ele talvez pense que
dormi, pois diz a seguinte coisa em tom baixo que me causa mais
pensamentos, e um discreto sorriso:
— Eu acho que me fodi. Estou totalmente apaixonado por você.
Talvez eu consiga cumprir minha promessa a você Joseph. Porque
talvez eu tenha encontrado um alguém que vai me tornar muito feliz
também. Só preciso que esse inferno acabe logo e peguemos quem está por
trás. E que assim uma tragédia seja evitada, porque não suportaria
continuar vivendo assim, e nem com todos escondendo tudo de mim, como
se fosse algo maior do que imagino. Odeio esse tipo de proteção. Mas no
fim, eu poderei dizer a ele o que tive medo de sentir desde sua partida.
Com os olhos ainda fechados, é como se eu visse o sorriso em
aprovação daquele que um dia tanto amei.


Onze

Paula Escobar

Caminho em direção à cozinha, com os cabelos molhados, após
o banho. Ainda é bem cedo, e o Alessandro permanece dormindo.
Não sei como consegui acordar tão cedo, pois nossa noite foi longa.
E ainda não consigo acreditar que senti alegria em me entregar a
outro homem, e me senti protegida e em busca de mais.
Entro na cozinha e procuro nos armários tudo para preparar o
café, e encontro. Amo uma boa xícara de café para começar bem o
dia. Encosto no balcão enquanto o espero ficar pronto na cafeteira.
Caminho em direção à janela e fico olhando a vista do quintal.
É lindo. E os passarinhos tornam um ambiente digno de filme.
Falando nisso, minha vida daria um filme ou uma boa série. Tantas
coisas aconteceram e vem acontecendo. Já enfrentei muitos casos
loucos como advogada, mas nenhum chegou aos pés da confusão
que é minha vida. E agora é como se tudo estivesse prestes a ruir. Eu
tenho a sensação de que algo vai acontecer, não sei se é bom ou
ruim, mas parece tudo calmo demais. Aprendi nesses anos
enfrentando tantas coisas com essa família, que quando o mar
chamado Escobar fica calmo é porque vem tempestade das grandes
em seguida e ele vai ficar muito revolto.
Porém, estar aqui depois de uma noite incrível, mesmo com
tantos problemas, e sem saber o porquê perdoaram Alessandro tão
rápido, eu sinto que foi certo. Que não é pecado diante de tantos
acontecimentos, a busca pela paz, coisa que antigamente eu me
condenaria muito. As lembranças do Joseph parecem estar
tornando-se aprendizados para todos os momentos de apreensão. É
um legado repleto de amor e poder que ele deixou em minhas mãos.
Ele sempre será meu primeiro amor, só que agora compreendo que
vivi tanto tempo dentro de uma bolha após sua partida, que esqueci
que o tempo passava, e fiquei parada nele, vendo todos seguirem
com suas vidas, e eu ali, apenas como uma singela telespectadora da
minha própria família... da minha vida.
Sempre perguntei aos meus clientes se tinham certeza de suas
decisões, e buscava com eles formas de tentar consertar algo, antes
de colocar um fim definitivo, só que agora entendo quando diziam
que, às vezes, quando algo se quebra, não tem mais conserto. Meu
amor com o Joseph foi parecido. Ele se rompeu, seguindo um rumo
diferente, e não tem volta, não tem conserto. E eu deveria ter
entendido isso há muito tempo, mas é vivendo e aprendendo. Uma
hora a vida vai nos colocar frente a frente com aquilo que tentamos
evitar, e não teremos escolha a não ser reagir.
Respiro fundo e sorrio.
Escuto um barulho que me assusta.
— Porra! — um xingamento vem em seguida.
Olho em direção à porta e vejo o Alessandro entrando, com os
cabelos despenteados, apenas de cueca... e que visão maravilhosa é
essa?!
— Está tudo bem? — questiono devido ao barulho e o xingo.
— Sim, só acabei batendo na parede, estava meio sonolento,
digo “estava” no passado, porque ao ver você, acordei
completamente, e literalmente. — Ele desce os olhos sobre mim e
sorrio.
Ele se aproxima, e puxa meu corpo diante do seu.
— Ontem, eu não estava com fome, hoje estou.
— Bom dia, primeiramente. — Deixa um leve beijo em meus
lábios.
— Primeiramente minha fome. Não desacate minha fome. Está
na lei, artigo em algum número, onde diz: “Respeitarás a fome da
mulher diante de si. Em caso de descumprimento desta lei, a pena
poderá ser aplicada mediante a decisão participativa da vítima na
escolha dos anos a qual o réu será condenado, podendo ser apenas
acima de oito anos, resultando em um regime fechado”.
Ele ergue a sobrancelha e faz uma careta. Começo a rir.
— Vou tomar um banho rápido, e então buscarei algo para nós,
porque o café já está preparando. — Ele indica com a cabeça a
cafeteira. — E antes que eu seja preso. — Revira os olhos.
— Então seja rápido, não vai querer me ver com mais fome.
— Tudo bem, madame. — Me beija. — E não fique tarando
minha bunda quando eu me virar.
— Me respeita! — digo e ele se afasta com um sorrisinho no
rosto.
Não consigo evitar e fico olhando sua bunda. Senhor, isso é
convivência com as mulheres Escobar! Todas safadas, elas estão me
levando para o mau caminho, principalmente a Liziara.
Vou até o café que estava preparando e adoço. Pego uma xícara
e tomo um pouco. Ainda não perdi o jeito de preparar, viver com
dona Jurema e Marcela faz com que a gente fique mal-acostumada
com algumas coisas, como um simples café, que não faço mais com
frequência; ou comida, que quando faço é uma zona completa. Pior
que meus filhos em casa.
Deixo a xícara na pia e vou para a sala e me sento no sofá.
Escuto os seguranças ao lado de fora, nunca me senti tão presa
quanto agora. Preciso decidir qual deles irei subornar para que me
diga o que os meninos sabem e o porquê me tiraram da cidade.
Olho para nossas coisas espalhadas e ainda não acredito que
eu realmente fiz isso. Depois de anos resolvi me dar mais uma
chance para me sentir amada de outro modo. Que loucura, ainda
mais em meio a tanta confusão!
Vejo o celular do Alessandro no sofá, que começa a acender a
tela e fazer um barulhinho. Olho para ver se ele está vindo, pode ser
os meninos e com isso posso descobrir algo. Me aproximo e pego,
tem senha, mas o que fazia acender o visor era uma mensagem, que
dá para ler perfeitamente na notificação de tela bloqueada.
Não é dos meninos, é do Felipe, irmão dele. Eu não deveria
fazer isso, mas me pego lendo a mensagem e antes eu não tivesse
feito.
EU NÃO ACREDITO!
— Pronto, vou buscar comida.
Me viro para ele, e seu olhar foca em minhas mãos e depois em
meu rosto; meu semblante não deve ser bom.
— Por que está com meu celular? — ele tenta soar tranquilo,
mas falha completamente.
— Isso não vem ao caso agora. Como pode me esconder isso? É
assim que quer começar algo? Na base de mentiras? Não qualquer
mentira. Algo bem grave!
— Do que está falando? — Ele dá um passo na minha direção e
estico a mão entregando o celular a ele.
— Quando ia me contar o que realmente seu irmão é? Melhor,
nunca iria, não é mesmo? — Me afasto e começo a recolher minhas
coisas pelo chão.
— Paula, eu posso explicar. Se acalma.
Minhas mãos começam a tremer e sinto meu estômago
embrulhar.
— Me acalmar? Quem me garante que seu irmão não é culpado
disso tudo? Como fui burra! Os meus filhos sabem quem é ele?
— Ainda não — responde friamente.
— Ótimo. Enganou a todos. Marcos tinha razão, não devíamos
ter confiado em ninguém. Eu preciso sair daqui.
— Paula, você não pode. Eles estão tentando buscar um meio
de tirar você da mira de quem está causando isso e pegar a pessoa.
Tente se acalmar e me deixe explicar tudo.
— Jura? Pelo visto, eu posso estar na casa de um dos culpados!
— Não sou de julgar assim, eu abomino completamente esse ato,
mas agora é diferente. Ele escondeu algo grave.
— Você realmente acha que eu faria algo assim, ou deixaria
meu irmão fazer? Porra! — grita.
— Não sei de mais nada, Alessandro.
Contorno o sofá e grito pelo Pascoal, que entra rapidamente na
sala.
— Prepare o nosso retorno. Agora!
— Irei avisar aos Escobar.
— NÃO! Se você abrir a porra da boca, eu te coloco na rua junto
com toda essa tropa, e vão implorar por perdão, porque farei da
vida de vocês um inferno. Calem a boca!
— Está tudo bem, senhora?
— Só prepara a nossa ida, e agora.
— Para onde iremos?
— No carro, eu aviso.
Saio da sala às pressas e vou para o banheiro me trocar. Me
arrumo rapidamente, e em seguida saio do banheiro e pego tudo.
Alessandro continua na sala e no celular, digita algo rápido.
— Paula, vamos conversar! Caralho, você está nervosa! Não
faça isso.
— Não. Agora, não tem conversa. Você não escondeu algo
pequeno, é algo grave, ainda mais para minha família. E foi por isso
que sumiu, não foi? E eu idiota não confiei na minha intuição na
qual me fazia notar que sempre que envolvia sua família em algo,
você mudava completamente o semblante e o olhar! — Não consigo
ser calma, não com isso.
— Em partes. Porém, eu realmente fui ajudar meu irmão no
divórcio.
— Claro que foi. Eu deveria ter ligado os pontos. Afinal, o que
você poderia ajudar se nem advogado é? Você nunca disse que foi
dar um apoio pelo divórcio, você sempre disse que foi ajudá-lo, e ao
que ele pertence existem regras e precisa de testemunhas em
alguns casos. Fui idiota demais! Merda!
Preciso sair daqui logo. Caminho para a saída e ele tenta me
impedir, mas recua com meu olhar que sei que é frio.
— Paula, você está ferrando tudo. Não faz isso. Não se deixe
levar pela raiva. Eu saio daqui e você fica apenas com os seguranças,
mas não vai embora. Não faça merda por raiva. Eu posso explicar
tudo — ele tenta ser calmo, mas continua falhando, seu tom oscila e
sua expressão é tensa.
— Agora não quero ouvir nada. Só preciso sair daqui o quanto
antes.
E é o que faço. Saio da casa e entro no meu carro. Pascoal
coloca as coisas no porta-malas e entra no carro fazendo sinal aos
outros. Saímos, com todos juntos e cercando o carro. Quando
entramos na rua principal logo à esquina, Pascoal despista nosso
carro entre os outros e seguimos.
— Não vai dizer o que houve? Posso matá-lo e sumir com o
corpo.
— Mentiras. As mentiras podem destruir tudo. — Minha voz
sai trêmula, mas logo controlo.
— E a verdade pode machucar ou piorar tudo.
— Mas sempre será a melhor opção no final. Sempre, Pascoal.
— Para onde vamos?
— Não vou para casa agora. Preciso não pensar por um tempo.
— Frederico e Laerte podem ajudar.
— Ótimo.
Meu celular toca e é a Daiane. Atendo.
— Mãe, tudo bem? — Sinto a preocupação em sua voz, e raiva
talvez por ter que falar com cuidado, caso esse celular seja
grampeado também.
— Sim. Não se preocupe.
— Irei rastrear.
— Não. Não vai. Até mais tarde! — Desligo.
Desativo o rastreio do celular compartilhado apenas com eles.
— Vão rastrear os carros e nossos celulares.
— Eu sei, mas o sistema de rastreio dos carros é interligado na
polícia, pois dá mais acesso ao David e todos os outros, e eles têm
que evitar ao máximo chamar tanta atenção, ainda mais com todos
sendo suspeitos. E pelo celular o rastreio pode ficar oscilando,
porque estamos saindo do interior para a cidade.
— Esperta. A senhora deveria comandar essa família, as coisas
dariam mais certo. Sou sincero.
Forço um sorriso.

Visto uma roupa mais confortável que estava na mala e entro


na sala de treinos.
— Fiquei sabendo que hoje eu teria apenas uma Escobar —
Laerte diz sorridente.
— Preciso relaxar a mente.
— É comigo mesmo. Quer começar por tiros, ou defesa
corporal? Que tal fugir um pouco do comum e fazer Muay Thai? Sua
cara não está das melhores. Mas tenho outro exercício que pode
ajudar ainda mais. — Ele sorri maliciosamente e acabo rindo.
— Deixa de ser safado! — Rimos. — Vai ser bom socar e chutar
algo.
— Esse algo será eu, mas tudo bem. Vamos para a outra sala.
Agora, se quiser socar outra coisa, eu posso socar...
Acerto um tapa nele, que ri.

Alessandro Santos

— Mas que porra aconteceu? — Felipe grita do outro lado da
linha, enquanto dirijo de volta à cidade.
— Se gritar mais um pouco, as pessoas fora do carro vão achar
que estou raptando alguém. Está no viva-voz do carro, porra!
— Não faça gracinha agora, caralho!
— Ela viu sua mensagem. Parabéns, idiota! Por que não me
ligou?
— Como eu iria imaginar que você seria um burro ao deixar o celular
jogado? Você já foi mais esperto.
— Agora ela foi embora. Os Escobar vão me matar. Eles
queriam tirar ela do foco, e jogar eles na linha de frente, mas eu
acabo de jogar ela bandeja no perigo.
— Foda! Tenho que resolver essa merda toda! — Seu tom é rude.
— Precisamos parar isso tudo.
— Já arrumei desculpa na Universidade para você ficar esses dias
longe. Vem para casa. Tenho uma ideia. Convoque os Escobar.
— O que quer fazer? — questiono desconfiado e preocupado.
— Se quiserem parar essa merda vão precisar da minha ajuda, pois
sou o único que está a par há muito tempo de tudo que está acontecendo, e
sei os passos da pessoa que está fazendo isso.
— E o que o cirurgião plástico vai dizer a eles? Já sei: “vou
resolver tudo com um bisturi, não se preocupem, só preciso das
minhas luvas!”.
— Engraçado, mas não!
— Felipe, o que está querendo fazer?
— Direi a verdade sobre mim para aqueles idiotas.
Começo a rir.
— Andou bebendo?
— Não fode ainda mais meu humor.
Reviro os olhos e paro o carro no farol vermelho.
— Qual parte da verdade? Porque ela toda só fará eles te
matarem ou prenderem, ainda estou em dúvida qual seria a
escolha.
— Toda a verdade. Eles vão ter que fazer um acordo com o diabo,
simples. E seria mais fácil eu derrubar todos, do que eles encostarem em
mim. — É frio. Não gosto disso. Tem algo a mais.
O farol abre e volto a dirigir.
— Está brincando, não é? — pergunto bem sério.
— Não. Os Escobar vão precisar de ajuda para resolver isso, já que
estão bem vulneráveis. Sou o único que posso encontrar a pessoa
facilmente e sei o que pode desestabilizá-la.
— Felipe, pensa bem. É muita merda para ser explicada. E tudo
tem um preço. Por que está ajudando?
— Só convoca eles. E pode deixar comigo, pois você viverá para ver os
famosos homens da lei assinarem um acordo com o conselheiro da máfia
americana.
Isso vai dar merda!

Paula Escobar

Estou exausta. Tudo que preciso é de um banho, descansar e
refletir, não necessariamente nesta ordem.
Entro em casa, e deixo a mala encostada perto da porta.
Carrego só a bolsa para o sofá. Retiro o celular dela e coloco sobre o
sofá. Vou para a cozinha, e pego uma garrafinha de água na
geladeira e saio para a área da piscina. Sento-me na beirada de uma
das espreguiçadeiras e fico observando o entardecer. Passei horas
com o Laerte, nem senti o tempo passar. Eu precisava disso.
Abro a garrafinha e bebo um bom gole de água. Nunca pensei
que amaria totalmente o silêncio desta casa.
Parece brincadeira, mas toda vez que acho que as coisas vão se
acertar, elas tendem a estragar. Desde o início sempre foi assim.
Quando conheci o Joseph, estava tudo ruim, aí melhorou; e então
começaram as perseguições e, quando achei que tudo tinha
melhorado por ele ter condenado o chefe da máfia que estava
procurando, então anos e anos nesta luta infernal, ele foi morto; e
como não quisemos mexer para não trazer mais problemas, tudo
piorou. Agora anos depois, tudo está ruim novamente, entretanto
achei que ficaria melhor e descubro que pode piorar porque o
homem que agora eu sei que realmente estou apaixonada – pois me
dói pensar que fui enganada por ele, e é uma dor insuportável –
mentiu para mim sobre a família... sobre tudo. Só penso quando a
vida vai parar com essa montanha-russa em queda livre, e dar uma
trégua dos problemas.
Bebo mais um pouco da água e fico olhando em direção à
piscina, porém passo a me sentir observada, e não como se fosse
pelos seguranças. Sinto um arrepio percorrer todo o meu corpo e
estremeço. Olho para os lados, porém não tem nada. Devo estar
ficando paranoica já. Afinal, como entrariam aqui? Parece uma
fortaleza com tanta segurança.
Fico mais um tempo ali, e quando dou por mim as luzes
automáticas começam a acender. A noite chega, e pelo visto fiquei
mais tempo do que pretendia pensando em tudo que vem
acontecendo.
Saio do lado de fora e entro pela cozinha. Deixo a garrafa sobre
a pia e respiro fundo. Vou tomar um banho, avisar algum dos
meninos que estou em casa e dormir.
Entro na sala e novamente a sensação de estar sendo
observada me toma. Estremeço mais uma vez. Não estou gostando
disso. Pego meu celular no sofá, mas um pigarreio me faz deixá-lo
cair no chão pelo susto. Olho em direção ao som, que vem do
corredor que dá acesso ao escritório, e vejo uma figura sorridente
me olhando. Fico imóvel. Meu coração dispara completamente.
— Sentiu minha falta?
— Você? — Desço o olhar e vejo a arma em sua mão.
— Como esperei por este momento.
Outra pessoa surge e não acredito no que vejo.
— Senhora, eu não tive escolha... — Vejo seu semblante de
desespero, seu olhar de medo.
— Pascoal, o que é tudo isso?
— Ele diz a verdade. Não teve escolha, não com a filha dele e a
esposa sendo feitas de refém na casa deles. Como foi fácil conseguir
tudo. Cada passo. — Mostra um celular, que retira do bolso, e vejo a
foto da família dele amarrada e amordaçada em um canto da casa
deles.
— Me perdoa! — Pascoal implora desesperado.
— Chega desse papo. Odeio essa palavra. Vamos ao que
interessa.
— Podemos conversar. Solta essa arma e deixa a família dele
livre — peço com calma.
Qualquer deslize agora é crucial. Seu olhar não é normal. É
calculista, sombrio. Já vi pessoas assim na minha frente, e
demonstrar pânico não é a melhor opção, isso instiga o lado
obscuro deles.
— Quem dita as ordens agora sou eu. Senta-se no sofá e liga
para eles. Quero todos os Escobar aqui e não pensem em trazer a
polícia, porque meus homens estão vigiando, e vocês têm crianças
com babás, bisavó, tia... Não vão querer elas em risco também. Sei
onde está cada pirralho nojento e com quem está. Melhor fazer tudo
o que eu mandar, e sem gracinhas.
Pego o celular calmamente e sento no sofá. Escuto seus passos
atrás de mim e sinto o aperto da arma agora em minha nuca. Engulo
em seco.
— O que quer que eu faça? — pergunto tentando manter a voz
firme.
— Diga para virem para cá, mas não deixe descobrirem que
estou aqui. Quero fazer uma surpresa, mesmo já sabendo que
sabem quem sou. Deixe essa merda no viva-voz... Exija todos os
Escobar.
— Está bem.
Disco para o primeiro contato da lista, Daiane, mas só chama.
Então tento do David, porém só chama também.
A porta da sala é aberta e a Liziara entra.
— Nossa, agora virei babá da Paula. Por que eles não vieram?
Tinham que mandar a “funcionária” aqui, porque até parece que
recebo algum salário de tanta coisa que me pedem. David está
ferrado, pois exigiu que eu viesse. Abusado! — diz fechando a porta
nervosa. Ela guarda as chaves na bolsa, ainda não olhou para trás.
Assim que faz sorri. Mas seu olhar sobe e ela fica estática.
— Isso vai ser mais divertido do que pensei — a voz repleta de
frieza diz.
— Eu sabia que tinha algo estranho sem nenhum segurança na
entrada. Deixe a Paula! — Liziara grita deixando a bolsa ir ao chão.
Ela está pálida.
— Senta-se na porra do sofá, ao lado dela. Agora!
— Liziara, faça isso, por favor! — imploro e vejo o olhar da
minha menina e ela compreende o que passo em minha voz.
Liziara se senta ao meu lado.
— Pascoal, passe para cá. Quero você sobre minhas vistas. Não
confio em bunda mole que se rende pela família.
Pascoal caminha em direção à escada e fica nos olhando.
— TENTE LIGAR NOVAMENTE! — grita e sobressalto.
Tento do Henrique e torço para que atenda.
Liziara faz menção de levantar, mas é puxada pelo cabelo e
xinga.
Agora eu sei por que tentavam esconder. Entendo o motivo de
estarmos vulneráveis, porque foi uma falha nossa! Alessandro sabia
quem era, todos já sabiam. Eu era o foco, e não foi à toa.
Henrique não atende. Por que ninguém atende?
— Tente mais uma vez. Se não atenderem, farei do jeito difícil,
e vai começar pela pequena Sophie Casagrande. Ela está com a
bisavó e a tal Jaqueline, pois, como eu disse, sei onde está cada peste
dessas crianças.
— Tenta do Marcos — Liziara sugere com a voz trêmula. — Ele
sempre atende.
Olho para o Pascoal, e vejo a vergonha estampada em seu rosto
junto do desespero. Não o condeno. Eu faria qualquer coisa por
minha família em apuros.
Mais um homem entra na sala, deve ter vindo dos fundos.
— Fique de olho nessa puta!
O homem se aproxima da Liziara. Está armado também. Pega
ela pelos cabelos e a joga no canto da sala, e a acerta com um chute
em sua perna. Ela geme de dor. Meu coração aperta com essa cena.
A porta se abre e mais homens entram, e muito bem armados.
Isso é prova de que deve ter usado o Pascoal para romper a
segurança da casa.
— Treinos, seguranças, armas... Nada disso adiantou, não é
mesmo? — Ri. — Tanto tempo tentaram ser espertos, e falharam.
Paula Escobar está rendida, por uma falha de sua própria família.
Eu prometi que me vingaria de vocês, e estou honrando com a
minha palavra. Porque filho da puta nenhum mexe comigo e sai
impune.
— Por favor, não precisa ser assim... — digo e meu tom é baixo.
— Vai ser assim! — diz com ódio em sua voz.
Olho para a Liziara e ela está assustada. E sei bem o porquê.
Poliana Gonçalves Xavier não está para brincadeiras. Ela fugiu da
prisão, derrubou nossa segurança, mexeu com a nossa mente nos
deixando perturbados nas últimas semanas, e agora tem todos nós
em suas mãos. Ela nos deixou sem saída. Estamos vulneráveis.
Estamos perdidos.
Ligo para o Marcos e espero que me atenda, porque não sei por
quanto tempo conseguirei mantê-la calma.


Doze

Alessandro Santos

Observo atentamente cada um que está em minha sala. Porra,
nunca imaginei que minha casa estaria forrada de homens. Tem
apenas uma mulher, a Daiane, mas ela é assustadora quando está
nervosa.
Por que caralho meu irmão inventou de armar isso? E por que
ninguém atende os celulares? Por que eu aceitei fazer parte disso
tudo? Eu estava tão bem odiando meus alunos, e fazendo da vida
deles um inferno e tentando convencer a todos que filosofia é muito
simples e é a melhor matéria, quando nem eu entendo porra
alguma do que alguns filósofos queriam dizer, mas finjo que sei.
Também poderia estar transando com alguma mulher, sem me
importar com o depois. Mas quando penso nisso, é só a praga
chamada Paula que me vem à memória e seu corpo... Essa família
tem alguma magia que atrai todos para eles. Certeza de que ela foi
em alguma mulher que diz “trago seu homem em três dias” e deu
meu nome, pois é impossível que eu esteja me sujeitando a morrer
por causa de uma mulher. Minha vida era tão simples antes de
conhecer pessoalmente essa família. Culparei o Jacob, ele que me
levou a tudo isso quando nos encontramos naquela maldita boate,
um lugar que também levará a culpa por eu estar vivendo tudo isso,
já que foi lá que conheci a Paula pessoalmente e, pelo visto, não
apenas meu pau ficou atraído, porque porra, tenho de ser sincero,
mas meu coração também. Inferno, virei um romântico, era só o que
me faltava!
Que caralho, algum deles pode atender a merda do celular?
Observo o Marcos segurar o David, que tenta socar meu irmão,
o Henrique gritando para ele deixar o David e a Daiane dizendo que
vai tacar o sapato dela na cabeça de cada um, enquanto o Jacob...
Por que ele está se aproximando de mim e sério? Fodeu!
— Filho da puta! Eu confiei em você. Caralho, Alessandro! —
Ele me empurra na parede e agarra a gola da minha camiseta com
ambas as mãos.
— Por que sempre sou agarrado por alguém dessa família? —
questiono e ele pressiona meu pescoço e sorrio.
Meu irmão joga o David no chão e o Henrique chuta Felipe, que
cai também. Marcos saca a arma e é rápido. Vejo a bala passar de
raspão por mim, e acertar a parede, bem ao lado da minha cabeça.
Todos olham assustados.
— Caralho, minha parede, porra! — reclamo, e Jacob me solta.
— Chega! Todo mundo calado e, quando eu perguntar, vão
responder. Não testem a porra da minha paciência, porque estou
prestes a assinar a sentença de todos vocês. Caralho!
Juizinho estressado. Quero ver se vai pagar o prejuízo da
parede!
David e Felipe levantam e ficam se encarando.
— Estava na hora de alguém resolver parar esse circo! —
Daiane diz e Marcos olha sério para ela, que levanta as mãos em
rendição.
— Esse filho da puta é a porra de um conselheiro do chefe da
máfia americana e é irmão do Alessandro. Olha a merda que nossa
família se envolveu! — Henrique diz.
O celular do Marcos começa a tocar novamente.
— Alguém atende essa merda. Não param de ligar. Pode ser
algo grave, e vocês ficaram tentando se matar — Daiane diz.
Marcos pega o celular e franze a testa.
— Vou deixar no viva-voz. É a Paula.
A expressão de todos muda e tenho certeza de que a minha
também.
— Marcos... É, estou em casa. Vocês podem vir para cá... Quero jantar
com todos. — Sua voz é diferente. Não é tranquila.
— Estamos ocupados. Está tudo bem?
— Está sim. Mas venham logo. Nada é mais importante que a família.
Estou em casa, a Lizi também. Mas não tragam as crianças, vamos fazer
algo de adulto. Vim da casa do Alessandro que ficava no interior, e estou
precisando desabafar com vocês. E o Pascoal... — Faz uma pausa. —
Pascoal quer conversar sobre toda nossa equipe. Venham logo.
Henrique dá um passo à frente e Marcos faz um sinal para ele
parar.
— Eu vou convocar a todos e vamos. Até logo.
— Aguardo vocês. Quando chegarem entrem direto, não precisa mais
dos códigos de segurança para entrar na casa.
Franzo o cenho.
— Está bem, Paula. Se cuida.
Ela desliga. Daiane cai sentada no sofá. David começa a se
ajeitar.
— Ela não está sozinha — Henrique declara.
— Nunca teve códigos — David constata nervoso.
— Não. Poliana está na casa! — Marcos fala e aperta o celular
com força.
— LIZIARA! — David diz nervoso. — Eu a mandei ir para lá. Se
ela tentar alguma coisa pode arruinar tudo.
A porta da sala abre rapidamente.
— Simon? — Marcos olha preocupado.
— A segurança foi corrompida, senhor. Pascoal disse a eles que
estavam liberados, e como ele ficou de comando por hoje, alguns
acreditaram, mas outros ligaram para mim, bem desconfiados. Já
mandei eles irem para a casa de cada um espiar a movimentação,
porque ela espalhou os homens dela.
— Caralho, a Sophie e minha avó. Eles iriam para a fazenda
hoje, e Jaqueline em seguida! — Jacob fala nervoso.
— Mandei mais equipes para lá, senhor — Simon o acalma. —
Poliana tem homens vigiando cada casa.
— Pascoal estava por trás dessa merda?! — Daiane indaga
nervosa.
— Não. Ela pegou a família dele; e se tivesse deixado eu falar
tudo, antes de tentarem me atacar, eu teria dito. Eu sei cada passo
dela. Ela abriu a boca assim que soube quem eu era. Fugiu da cadeia
na noite que teve uma rebelião. Conseguiu ajuda de alguns policiais
corruptos e amigos antigos. Ela está muito frustrada com vocês.
Tem motivos para odiar cada um. É uma louca, e se torna pior por
ser apaixonada pelo delegado. Não superou que não se tornou uma
Escobar e que, quando poderia pisar em todos sendo uma
Casagrande, foi jogada de lado por mais uma da família que ela
tanto odeia. Me contou cada coisa que sentia pelo David e tudo o
que ele fez para ela, os momentos, meio ilusórios acredito eu, e
falou da forma que ele a ensinou a atirar. E foi isso que passei ao
meu irmão, porque sabia que ele usaria no momento certo. —
Aponta para o David. — E você, David, entenderia tudo. Ela sabia
que eu era irmão do Alessandro e que isso poderia vazar, porque
era isso que ela queria e eu também, mas não vem ao caso. Ela
queria que soubessem que era ela, mas que tivessem que descobrir
como pegá-la. Ela sente prazer em ver o quanto estão desatentos,
instáveis, e o sonho dela era que desde o início soubessem a
verdade, e tivessem que correr atrás dela, isso tornaria tudo mais
prazeroso, ela gosta de ser caçada, porque se sente mais forte. Só
que eu atrapalhei os planos dela desde o início, porque sou mais
esperto, e ela está agindo do jeito que planejei. Vim por um motivo a
esta cidade, e está tudo saindo melhor que a encomenda — meu
irmão fala de um jeito que eu não gosto. Felipe está fazendo alguma
coisa.
— Desgraçada! Eu vou matar essa maldita! Temos que ir agora
para lá! — Jacob fala.
— Vocês ouviram o Simon? A segurança foi corrompida. Estão
todos vulneráveis. Cada casa sendo vigiada — digo como se fosse o
único consciente aqui.
— Ele tem razão. Ela entrou em cada detalhe. Vocês estão
vulneráveis. Ela tem cada um na mão dela. E não pensem em
acionar a polícia, vai ser pior. Precisam de mim.
— Não vamos selar a porra de um acordo com uma máfia! —
Marcos declara ainda mais nervoso.
— Vamos sim. Vamos selar a porra do acordo sim. É a nossa
família. E sei que tudo para essas merdas tem um preço. Então,
Felipe, qual o de vocês? — Jacob diz sério.
— Não se mete, Casagrande! — Marcos grita.
— Sou um Casagrande, mas me casei com uma de vocês, e amo
essa família, e amo ainda mais minha filha, e por ela faço acordo até
com o diabo!
— Não vai ter um preço. Ninguém vai pagar por nada — digo e
aponto para o meu irmão. — Você vai nos ajudar e não vai ter um
preço. Se você realmente se importa comigo, então saiba que esses
loucos, que vão pagar o prejuízo da minha parede, me importam.
Então, se você sabe como arrumar essa zona, comece a falar e agora.
Simon olha para o celular e depois para nós.
— Se me permitem dizer, temos que pensar com rapidez.
Ouviram um tiro na casa da Paula.
— Vamos, Felipe! — grito.
— Não tem nenhum preço para pagarem. Ajudarei vocês. Eu
sei o modo que ela vai agir, eu sei o que ela quer. Ela se acha
esperta, mas está alucinada. Precisam jogar o jogo dela e só atacar
no momento certo. Sei o que vai deixá-la vulnerável.
— A casa está cheia de homens — Simon comenta. — Alex
disse que teve que ir para a casa dos pais da Liziara, onde ela deixou
as meninas antes de ir para a Paula. E tem homens vigiando a casa.
— O que vamos fazer? — Daiane indaga desesperada.
— Jogar o jogo dela. Vamos até ela — Marcos diz como se
tivesse rendido. Eu nunca vi o homem assim. Sua expressão mudou
muito.
— É minha culpa. Eu não olhei a lista dos que fugiram, mesmo
sabendo que ela estava naquele presidio. Eu dei este deslize.
Caralho, eu fui um filho da puta! Como eu pude deixar essa merda
passar?!
— David, somos todos culpados. Ficamos o tempo todo focando
na pessoa errada, enquanto ela mexeu em tudo que tínhamos. Ela
pegou o que mais nos deixaria vulneráveis: a família. Porque temos
coração e porque pensamos tanto com ele, que nos ferramos.
Falhamos como pessoas da lei! — Henrique enfatiza ao irmão.
— Acabou o momento punição? Podemos ir? — questiono.
— Vamos. Simon, faz vigia por conta própria na minha casa.
— Senhor, já temos uma equipe espionando sua casa.
— Eu sei, mas se algo acontecer, quero que esteja com ela e
com meu filho. — Marcos se vira e sai da sala, com todos o olhando.
Simon sai e começamos a sair.
— Obrigado por não ter um preço — digo ao Felipe quando
fecho a porta da sala.
— Vocês não vão pagar, mas eu vou. Pedi ajuda deles, e estão à
espera do meu sinal; já estão aqui na cidade. Porém, eu quebrei
regras e serei julgado pela máfia, se eu sair vivo dessa. Eu serei o
preço de vocês.
— Felipe, que porra...
— Eu disse que me importava com você, Alessandro. — Ele
desce pelas escadas do prédio, por onde todos foram, já que o
elevador está em manutenção.
Sigo pelas escadas e com o coração apertado.

Paula Escobar

Consegui falar com o Marcos e espero que entenda meus
sinais. Estou preocupada. Ouvi tiro ao fundo da casa, e a Poliana
mandou um dos homens ir conferir. Liziara me olha apreensiva, e
tento não pensar que talvez essa seja a última imagem que eu possa
ter dela.
— Pensaram ter visto alguém, por isso o tiro. — O homem
retorna e avisa.
— Idiotas! — ela responde e se senta na poltrona branca sem
tirar os olhos da Liziara.
— Você não precisa disso. Podemos conversar decentemente.
Isso só vai piorar sua situação — tento dizer com calma.
— Não sou eu e nem minha família que estamos sendo feitos
de reféns. Não tente me dizer o que eu devo ou não fazer, Paula. —
Ela faz sinal para um dos homens, que pega nossos celulares, e os
joga do outro lado da sala.
A porta se abre com força e olhamos em direção a ela. Um
homem muito alto e forte traz Beatriz e a empurra. Ela tropeça e
acaba caindo ao lado da Liziara.
— Bia! — Liziara grita assustada.
— Se machucarem meu filho, eu acabo com a sua vida, sua
desgraçada! — Beatriz grita.
Olho assustada para Poliana.
— Não encoste nas crianças. Elas não têm nada a ver com isso
— mantenho a voz firme ao dizer.
— Cala a boca, porra! A peste do filho dela está ainda na casa e
com a babá. Mas, se tiver qualquer gracinha, darei ordens e não
perdoarei ninguém.
— Para que chegar a este ponto, Poliana? — Liziara indaga
nervosa.
Ela não responde. Apenas sorri.
Parece que estamos há dias nesta tortura. Não posso fazer
nada pela minha família que está completamente em risco. Não
sinto qualquer esperança de que isso possa terminar bem.
A porta se abre mais uma vez e olhamos todos para ela.
Poliana sorri e faz sinal para seus homens presentes na sala.
Pascoal dá um passo, mas é barrado por um.
Marcos é o primeiro a entrar. Ele me olha e sinto o vazio em
sua expressão; pela primeira vez, ele não sabe o que fazer. Nenhum
de nós sabe. Henrique e David entram e param ao lado do Marcos. E
então, para minha surpresa, Alessandro surge e seu olhar se
encontra com o meu.
— Peguem todas as armas que eles tiverem! — Ela dá o
comando. — E, queridos Escobar, não tentem qualquer merda se
amam aquele bando de pirralhos.
Vejo meus filhos e Marcos se desarmarem. Sei o quanto isso é
declarado como uma derrota para eles. Alessandro é revistado, mas
não tem nada.
— Está faltando gente... Aí estão — Poliana diz se levantando e
sorrindo em direção a porta.
Um homem traz a Ana segurando forte em seu braço e seu
cabelo. Henrique dá um passo, mas David coloca a mão em sua
frente. Daiane e Jacob entram em seguida, são revistados e a arma
do Jacob é recolhida. A porta da sala é fechada, porém mais homens
entram pelos fundos. Alguns rostos eu já vi: policiais. Todos do lado
dela.
— Levantem-se! — ela grita e aponta para mim, Liziara e
Beatriz.
Ficamos de pé enquanto seus homens estão com as armas em
nossa direção.
— Como é lindo ver isso. Este tempo na prisão pensei muito
em como faria tudo isso quando saísse. E vejam só, deu certo.
Conquistei mais amigos na polícia, passei um mês rodeando cada
passo de vocês, rastreando tudo, e nas últimas semanas consegui
mexer com a mente de todos. Foi tão fácil. Já sabia muita coisa sobre
vocês, então ajudou muito. Porém, ao que parece, o celular da Paula
não funcionou mais, suspeito que descobriram que estava
grampeado, só que eu já tinha feito tudo o que eu desejava. Prometi
a mim mesma que destruiria a vida perfeita de vocês, e estou
cumprindo com isso. — Ela suspira. — Perguntas? Aproveitem.
Essa mulher está louca. Fora de si.
— O que você quer? Vamos terminar logo com isso — David
diz.
Ela se aproxima dele e leva a mão ao seu rosto, mas ele desvia.
— Eu vou matar essa filha da puta, e o David que me fez vir
aqui! — Liziara avança para cima dela, mas o Marcos a segura a
tempo e prende ela ao seu lado.
Poliana ri e desliza a mão pelo peito do David.
— Poderíamos ter evitado tudo isso. Era para você ser o pai
dos meus filhos e estarmos casados.
— Pirou de vez. Se enxerga, lambisgoia! Deixa-me te pegar que
te mando para o inferno, onde vai casar com o capeta! — Liziara
retruca, e Marcos prende ela a sua frente e leva a mão a sua boca.
Ela olha feio para ele.
— Doce Liziara. Ainda não aprendeu que sempre faz merda
por seu ciúme? Não se garante? Medo do David ver que sempre quis
a mim e não uma garota como você?
Vejo o Marcos segurá-la ainda mais forte.
— Solte-a. Agora! — Poliana pede.
Marcos nem se move. Deve estar pensando como todos, que
isso é uma jogada louca. Liziara está fora de si.
— SOLTE! — Poliana grita desta vez e se aproxima.
Marcos solta Liziara calmamente, como se ela fosse um animal
feroz. O que não está longe de ser.
Liziara está com a respiração forte, tentando se controlar.
— Vamos, faça o seu melhor, vadia! — Poliana grita com ela.
— Poliana, chega disso. Vamos resolver isso da melhor forma
— digo mantendo o máximo da calma.
— Sou a vadia que você sente inveja. A vadia que você quer
estar no lugar, não é mesmo, Poliana?!
O rosto da Liziara vira com o tapa que Poliana acerta. Puxo
Liziara ao meu encontro protegendo-a, mas ela sorri, como se este
tapa não fosse nada. David está vermelho, vejo o ódio em seu olhar,
assim como nos demais. Eles querem agir, mas não podem. Mas eu
não vou admitir que machuquem minha família, não mesmo!
Coloco Liziara atrás de mim e olho fixamente nos olhos da
Poliana.
— Não toque nos meus filhos! Você não me conhece. Sou um
amor, mas não mexa com a minha família, sua louca! — Fecho o
punho e acerto seu rosto sem pensar duas vezes.
Ela cambaleia e faz um sinal, um tiro dispara para o teto e foi
atrás de mim. Ela vem para cima de mim e o movimento da Ana é
rápido, dando uma rasteira nela.
— Faça o que tem que ser feito, porque minha paciência
esgotou! — Henrique diz.
Ela ri diante do chão e leva a mão ao canto da boca onde
sangra. Levanta e seu olhar é de alguém que não vai ser gentil em
nada.
— Não é tão fácil. Antes de acabar com um por um dessa
merda, vocês têm uma hora para me arrumar uma boa quantia em
dinheiro, e dar um jeito para que eu consiga sair desse país com
minha mãe. Novas identidades, uma nova vida. Uma hora é o meu
tempo. E sem tentarem quaisquer gracinhas, ou aquelas malditas
crianças morrem. E tem mais, quanto mais o tempo for passando,
torturas serão feitas. Não pensem em acionar a porra da polícia,
pois irei saber. Um deslize e a primeira a morrer é a matriarca
dessa merda de família! — ela emana ódio diante das palavras.
— Qual a quantia? — Beatriz pergunta.
— Quero um milhão na conta que irei passar a vocês. Não
aceito menos.
Jacob começa a rir.
— Acha mesmo que conseguiriam transferir isso em uma
hora? Andou bebendo água dos vasos sanitários do presídio, sua
louca? — Ana questiona.
— Foda-se! Se virem! — Ela abre os braços — Não são os
Escobar e Casagrande? Não são poderosos? Então arrumem a porra
de um jeito, e agora. Qualquer ligação, apenas no viva-voz.
Computadores serão monitorados por meus homens; e repito,
qualquer deslize e mando matarem as crianças.
— Você ficou ainda mais louca. Olha na merda que se meteu e
envolveu todas essas pessoas. Poliana, para com isso! Você precisa
de ajuda. Está paranoica! — Daiane fala nervosa.
— Cala a sua boca, putinha!
— Toma cuidado em como fala com a minha sobrinha! —
Marcos alerta e conheço bem seu tom.
Alessandro observa ao redor e vejo quando ele faz um leve
sinal com o olhar para mim. Não entendo, mas parece que algo vai
acontecer.
Sei cada canto que temos armas escondidas, mas não podemos
pegar, não com a situação desse modo.
— Sabia que, quando eu falei para o Felipe sobre o David e
tudo o que ele me ensinou, foi proposital? Eu testei a lealdade dele.
E não demorou para eu saber que estavam me investigando e
tentaram tirar a Paula da cidade. Patético! Vocês poderiam ter feito
melhor... Marcos Escobar, você poderia ter feito melhor. Mas
mostrou o quanto é fraco e não passa de uma farsa essa pose de
macho alfa.
— Você só esqueceu de uma coisa, Poliana — Alessandro diz.
— Nenhum plano é perfeito, e o seu não seria.
— Do que está falando, seu idiota? Eu descobri que ele era seu
irmão e sabia que correria abrir o bico. Eu fiz ele jogar o meu jogo.
— Não. É você que está jogando o nosso. — Ele olha o relógio
em seu pulso e sorri. — Está na hora.
É tudo muito rápido. Daiane é empurrada para trás pelo Jacob.
Marcos faz o mesmo com a Ana e Beatriz. Henrique me puxa e
automaticamente puxo a Liziara, mediante os disparos que
começam a ecoar pela sala. Gritos e xingos se misturam na loucura
que passa a acontecer.
— Sempre gosto de uma entrada triunfal! — Olho para a figura
do homem belo que diz e reconheço: é Felipe, o cirurgião famoso e
irmão do Alessandro. Ele está com vários homens.
Começam a lutar corpo a corpo. A porta de entrada se abre
com um baque, e Simon entra jogando armas na direção do Marcos
e Henrique. David desvia de um homem e pega a arma abaixo da
escada. Jogo a pequena mesa a minha esquerda ao chão, e pego a
arma presa embaixo dela. Liziara passa pela Ana e desvia de um tiro
vindo da direção da Poliana, então puxa o fundo falso do sofá e pega
duas armas e corre para entregar a Ana. Um dos homens, que
chegou pelos fundos com o Felipe, entrega armas para os membros
de nossa família que estão sem.
— Nunca deixe brechas, principalmente aos fundos do local
onde você planeja o crime! — Felipe grita para Poliana e a acerta
com um golpe.
— Eu vou matar o David, olha no que ele me meteu. Estou
inconformada... Filho da puta! Eu sempre fico em situações... fodidas
por causa dele! — Liziara grita quando é atingida por um soco de
um homem. E então ela atira nele, que cai.
Atiro no homem que se aproxima de mim, mas ele desvia; e,
quando penso que serei atingida, Marcos atira nele. Henrique
parece estar em um parque de diversões, nunca erra um tiro e
acerta dois homens de uma vez. Jacob trava uma luta com um
maior. Pascoal e Simon saem em luta com outros. Vidros, quadros,
tudo está sendo destruído. Ana grita e olho assustada, porque ela foi
levada ao chão e um homem está em cima dela com a arma em sua
testa.
— NÃO TOCA NELA, DESGRAÇADO! — Henrique acerta o
homem com um chute e atira sem piedade nele.
Ana se levanta rapidamente e não é fraca, continua sua luta.
Vejo Poliana correr atrás da Liziara, e imediatamente corto
caminho empurrando um homem e só vejo ser o Alessandro depois.
— Paula, não! — ele grita.
Liziara escorrega e cai próxima aos vidros estilhaçados. O
alarme da casa não para de apitar. O cheiro de pólvora é forte e tem
sangue para todo lado. Mas nada disso me abala, não quando
Poliana quer matar Liziara, e vejo o ódio em suas ações. Desvio dos
homens, enquanto minha menina tenta se levantar. Daiane atira em
um homem, mas erra; Marcos termina o serviço. David está em uma
luta com três e tenta se desvencilhar. Felipe atira na cabeça de dois
rapidamente. Seus homens são bons também. Os homens da Poliana
estão morrendo. Jacob vê Daiane e tenta impedi-la. Ela quer pegar a
Poliana. Sou atingida por um golpe e um tiro passa de raspão pelo
meu braço, sinto a ardência, mas nada mais importa além da minha
família.
Os minutos parecem horas. Felipe grita algo como um código, e
mais disparos surgem. Luciano aparece vindo dos fundos com uma
mulher, eu sei quem ela é. Sandra Gonçalves Xavier, mãe da Poliana.
Ela está chorando e parece assustada. Poliana grita e seus homens
sobreviventes param imediatamente.
— Mãe, que merda faz aqui? — Ela está ofegante e nervosa.
— Minha filha... — Ela se aproxima tremendo. — Eu senti sua
falta...
— Mãe. Não deveria estar aqui. Eu vou conseguir nos tirar da
pior. A senhora vai ver.
— Filha, não... Não precisava chegar a isso. Vamos sair daqui.
— Não. A senhora me fez assim, não está orgulhosa? — Sua voz
é trêmula. Sandra é o ponto fraco da Poliana.
Olhamos atentamente para a situação. Liziara se levanta e está
machucada. Daiane a ajuda e fica ao seu lado. Alessandro toca
minha cintura e olho para ele, que está machucado também; então
cochicha disfarçadamente em meu ouvido:
— Há equipes vigiando as crianças... Só à espera de um sinal.
Vai acabar tudo bem.
Sinto um pouco de paz por saber que, seja da forma que isso
terminar, tem pessoas para tentar proteger nossos pequenos e os
outros membros da família: como os pais da Liziara, tia da Beatriz e
a avó do Jacob.
— Filha, vamos embora. Vamos conversar. — Sandra chora.
— Não. Agora é tarde. Eu vou terminar isso. Saia daqui! — ela
grita fazendo um sinal e seus homens tornam a atirar.
Sandra grita e Luciano a puxa. Poliana mira na direção da
Liziara e Daiane está indecisa. Confusa. Isso não é bom. Ela ficou
vulnerável, não está sabendo raciocinar, ela está ainda mais furiosa,
não sei se foi bom trazer a mãe dela. Tento fazer algo, mas
Alessandro me impede e sou jogada para o lado com barreiras de
homens do Felipe. Tento sair, mas não deixam. Minhas meninas,
não! Eles me seguram e grito em desespero. Minha arma vai ao
chão, e um deles pega. Marcos puxa a Beatriz a tempo de o lustre
estilhaçar. Estamos às escuras, apenas as luzes de fora e dos
corredores nos iluminam. Ana é atingida e não sei se foi pelo tiro ou
pelo golpe. Ela cai e está suja de sangue. Henrique tenta ir até ela,
mas David requer seu apoio, e ele ajuda ao irmão, ele tem que ser
frio, e ver isso me dói. Estão desesperados. Beatriz atinge um
homem com um tiro, mas acerta em sua perna, e ele apenas cai e
atira na direção dela, só que o Marcos a empurra e atinge a ele.
— NÃO! MINHA FAMILIA! — grito tentando fazer algo, mas os
homens que me protegem não deixam.
Felipe e Alessandro atingem dois dos quatro restantes. Poliana
está desesperada.
Felipe, em uma tentativa de atingir um homem que vai na
direção das meninas, acaba atingindo Sandra que escorrega pelos
braços do Luciano, que atira contra o homem. Não sei, mas o olhar
do Felipe não diz que ele errou sem querer.
Poliana grita muito pela mãe e se joga ao lado dela.
— Você fez isso! Causou a morte dos seus dois pais. Está
satisfeita, Poliana? — Jacob grita com ela.
Consigo me soltar dos homens e corro na direção da Ana,
seguro ela em meus braços e tento reanimá-la. Sem sucesso.
Continuo agarrada a ela, e choro sem parar. Olho na direção do
Marcos e Beatriz está agarrada a ele e toda suja de sangue, não sei
mais de quem é o sangue, e se ele e Ana estão bem.
— MÃE! — Poliana grita, mas ela não obtém resposta. Se
levanta como um animal em caça, e cambaleia, atirando em seu
único homem restante e o acusa de incompetente. Com o celular
que tira do bolso, ela leva ao ouvido e não demora a dizer: — Matem
as crianças!
— NÃO, SUA MALDITA! — David grita.
Me levanto e dou um último olhar a Ana. David se aproxima da
Poliana e quando vai atingi-la, ela mira na Liziara e Daiane, que são
jogadas para trás pelo Jacob. David a empurra, mas ela se equilibra,
apenas há ódio em seu olhar. Pego a arma da Beatriz e me
aproximo. Alessandro tenta me impedir, mas apenas um olhar é o
que dou a ele e Felipe ergue a mão lentamente e seus homens
também se afastam.
— Eu vou matar as duas! Porque meu inferno veio a partir de
vocês, suas malditas! — Poliana diz entredentes.
— Não vai! — Henrique grita e atira, em sua direção, mas, pela
primeira vez, vejo meu filho errar.
Ela sorri e então mira nas meninas, mas Jacob fica à frente
novamente. Daiane passa a sua frente.
— ESSA BRIGA EU TERMINO! — Daiane grita com muita raiva.
— FILHA, NÃO! — grito desta vez, mas um tiro dispara e minha
arma vai ao chão. Não consigo ter ação. Daiane e Poliana vão ao
chão.
Henrique está com os olhos arregalados. Alessandro leva a
mão ao cabelo. Jacob se joga na direção da Daiane, mas é então que
vejo o David sorrir para Liziara. Ela se aproxima com uma arma,
seus passos são firmes. Para ao lado da Poliana, e vejo Daiane se
levantar com a ajuda do Jacob. Com um chute, Liziara joga a arma da
Poliana para longe.
— Ninguém que mexe com minha família e me chama de vadia
sai ileso! — Liziara acerta um chute na Poliana, que está com um
ferimento pelo tiro em sua perna e se contorce. — Eu sabia que
tinha boa mira.
— Onde mirou? — Henrique questiona.
— Melhor nem saber, cunhadinho.
Simon começa a fazer sinal para o Luciano, que se aproxima do
Marcos. Henrique vai até a esposa. A nossa equipe começa a falar
nos celulares com os outros.
Me aproximo sentindo raiva, ódio por tudo. Coloco os pés
diante da Poliana e miro a arma nela.
— Você brincou conosco. Mexeu com minha família. Nos
machucou, e tudo pela ganância. Está pondo em risco crianças, e
trouxe policiais para o seu lado. Poliana, mexa comigo, mas não
mexa com a minha gente. Não provoque a Paula Assis que existe em
mim.
— O que... Ai... Vai fazer? — geme de dor. — Nunca
conseguiria... atirar... É idiota demais...
— Pela minha família, eu termino isso agora.
— Vai ser presa... Está atirando sem necessidade... — Engole
em seco e franze o cenho pela dor.
— Não. Tenho muitas testemunhas de que isso foi em legítima
defesa. E as câmeras, daremos um jeito.
— Eu. Odeio. Todos. Vocês! — ela declara com raiva e tenta se
levantar.
— É recíproco. — Então, pela primeira vez, eu mato alguém a
sangue frio olhando bem em seus olhos. Não me arrependo, e não
quero.
Felipe atira nos pontos das câmeras na sala.
— No meio do tiroteio, elas foram atingidas. É isso o que será
dito! — ele declara.
— Me perdoem, foi minha culpa! — Pascoal implora.
— Não foi sua culpa. Era sua família — David o tranquiliza
seriamente.
Deixo a arma cair e sinto a tremedeira vir. Alessandro
rapidamente me ampara. Daiane, Liziara e David se aproximam de
mim. Vejo Henrique ao lado de sua amada, a ruivinha mais linda,
que abre lentamente seus olhos e ele a abraça forte e vejo meu
menino chorar enquanto a beija com carinho. Beatriz arranca a
própria blusa, sem qualquer vergonha, e amarra com força sobre o
braço do Marcos onde foi atingido. Ele está agora sentado.
— COLOCA A PORRA DA BLUSA! — o juiz mais estressado grita.
— Calado, seu juiz de quinta! — ela briga com ele e ao que
parece aperta ainda mais forte o braço dele, que xinga.
— As crianças estão bem. A polícia está a caminho. Melhor o
senhor Felipe e sua turma saírem — Simon avisa. — Os vizinhos
denunciaram devido a gritaria e o alarme, e o Cleber desconfiou que
o rastreio, que o senhor David mantém às escondidas e era
novidade até mesmo para nós, foi disparado, quando os carros da
equipe saíram todos e deixaram em ruas próximas às outras
residências. Então ele mandou equipes para as outras casas e isso
ajudou muito.
Olho para o David, que dá de ombros.
— COM SEGREDINHOS, DAVID ESCOBAR? EU SOU PERIGOSA!
EU VOU TE MATAR! — Liziara fala e ele sorri apertando-a em seus
braços e beijando-a.
Marcos se levanta.
— Vamos todos para a minha casa. Sair desse lugar. — Olha na
direção dos homens caídos.
— Luciano, dê um fim nas imagens a partir do momento certo!
— Henrique ordena.
— Obrigada — agradeço ao Felipe, que me olha e assente.
— Qual o preço? — David questiona a ele.
— Ele! O filho da puta se deu como um pagamento! —
Alessandro diz com raiva e ao mesmo tempo orgulho por algo.
— Vou tirar a mídia dessa história e conseguir com que a
polícia não prorrogue isso e que o delegado geral saia da sua cola,
David. Sim, sei cada coisa sobre vocês. Mas não me agradeçam. Não
faço isso com muita alegria.
— Obrigado — Alessandro declara ao irmão. — Mas vou
arrebentá-lo ainda.
— Espere, porque isso pode mudar — Felipe diz e sinto uma
frieza em seu tom.
Olho para o Alessandro e não me importo com o clima, o
ambiente, nada. Eu apenas o beijo. Ele estava me protegendo e se
colocou em risco por minha família e por mim, e isso é uma possível
prova de amor, mesmo que ele vá negar. Ele me agarra e retribui
como se eu fosse escorregar por seus braços e sumir. Ele estava com
medo, e eu também. Sinto isso e não preciso que ele diga, ele
transmite diante do gosto salgado do beijo pelas lágrimas.
— Ótimo. Meu marido me manda para a morte, e minha sogra
ganha um belo final. Vida injusta! Bia, você estava certa. Os Escobar
são para foder o juízo e não de um bom jeito!
— Concordo plenamente! — Ana diz levando a mão à cabeça.
— Precisamos sair daqui e de médicos. Vamos — Jacob fala.
Saímos lentamente do lugar que um dia chamei de lar, mas
quero que isso mude. Não tem mais como viver aqui. Não mediante
a tanto sangue e duras lembranças que irão cravar em minha
memória se continuar vivendo aqui.
Atravessamos a rua sob escolta dos seguranças que vão
chegando e pedindo perdão pelo ocorrido. Os meninos declaram
que isso será resolvido depois.
Quando passamos pela porta da casa do Marcos, a babá corre
desesperada com o Arthur, mas Beatriz impede, não dá para ficar
com ele toda suja de sangue, mas vejo a alegria em seu olhar e do
Marcos.
— Estão trazendo todos para cá — Pascoal declara sobre o
restante da família e concordamos. — Sei que não é momento, mas
quero pedir minha demissão.
— Ninguém se demite ou sai, até conversarmos. Estamos no
mesmo barco. Todos falhamos. Mas acabou. Depois conversamos —
Henrique diz.
Simon, Luciano e Pascoal saem.
— Gente, acho que preciso muito de um médico — Liziara
comenta.
Olhamos assustados, afinal todos nós precisamos.
— Sou cardíaca, Lizi. Diz o que houve? Está muito machucada?
Mostre! — peço desesperada.
— Estou com instinto assassino. Juro que olho para o David e
só quero matá-lo por ter me levado a essa loucura e ter feito eu me
apaixonar por ele. Algum médico tem que me receitar algo, me
examinar, porque é sério, sinto que vou voar no pescoço dele.
— Cala a boca, minha maluquinha! — David ri e a abraça
apertado.
Minha família não é perfeita, mas fazemos sempre dar certo.
Alessandro me abraça por trás.
— Olha, cara, nem sempre o volume em minhas calças é uma
ereção — Henrique diz nervoso apontando para o Alessandro e Ana
balança a cabeça rindo.
— Acabou — Jacob suspira.
Olho para a Beatriz junto do Marcos, que manda a babá trazer
uma blusa para ela. Mesmo diante dessa situação, ele consegue ter
ciúmes.
A porta se abre e todos começam a chegar. Jaqueline, dona
Joana e Sophie vão demorar um pouco, pois estão vindo da fazenda.
As gêmeas se aproximam. Laís está no colo do Luciano e a Yasmim
no do Simon. Ana e Henrique vão até elas; mesmo sem pegarem no
colo, beijam as pequenas. Laura e Helena gritam pelos pais e cada
uma se joga nos braços deles, e não tem como evitar, eles acabam
segurando-as.
Me aproximo do Jacob e da Daiane.
— Acabou. Por enquanto acabou — digo e eles sorriem.
— Que elas não demorem — Jacob diz e entendo ser sobre a
Sophie e sua avó.
A polícia chega e junto Cleber e Débora, que nos abraçam
muito.

Uma hora depois e estamos com equipes médicas em casa,


delegado geral, escrivão, perícia... muitas pessoas. No decorrer dos
depoimentos, exames, vão indo tomar banho, e usando o que a
Beatriz e Marcos fornecem. A porta se abre e Sophie, Joana e
Jaqueline entram. As duas primeiras correm até o Jacob e Daiane,
com a Sophie gritando por “mãe”, e vejo o amor grande ali. Minha
menina mal sabe que tem sim uma filha e tem sim um amor de mãe.
Jaqueline nos abraça e corre para a Beatriz onde começa a chorar.
Joana e Sophie vêm até a mim que estou sendo examinada. Me
cumprimentam com carinho.
Alessandro discute com o Henrique sobre algo, me fazendo
sorrir. David se aproxima e segura minha mão livre.
— Me perdoa, eu fui um completo idiota. Eu te amo, mãe.
Mesmo que demonstre pouco. E saiba que mesmo não sendo muito
a favor, se ama o Alessandro fique com ele, porque ele não mediu
esforços para nos ajudar a te proteger. Esse cara é bom, mas não
deixe ele saber que eu disse isso.
— Sempre vai existir discussões entre nós dois. Na verdade,
sempre vai existir discussões entre todos nós. Que família não
briga? Mas saiba que reconhecermos o erro e corrermos atrás do
perdão nos torna fortes e prontos para tudo. — Acaricio sua mão. —
Sinto falta do seu pai, mas ele me deixou vocês e vou protegê-los
sempre, custe o custar.
Daiane se aproxima, e David passa o braço ao seu redor.
Henrique e Marcos também acabam se aproximando.
— Jamais devemos nos esquecer desse dia. Ele deve servir de
lição. Poderia tudo ter dado errado — Daiane fala e sorri.
— A pirralha está certa. Eu mesmo aprendi muito com tudo
isso. Às vezes sou egoísta e quero ser um herói para vocês. Mas
somos todos heróis da nossa história e vencermos juntos é bem
mais foda do que separados — Marcos diz e sorrio.
— E no final tudo termina do jeito Escobar, sempre quebrando
regras. Porra, olha com o que negociamos. Se isso cai na boca de
alguém estamos na merda! — Henrique ri.
— Eu precisei matar alguém, olha o nível da loucura. E tudo
porque nossa teimosia e brechas, nos trouxe a essa situação. Joseph
falhou em uma coisa... — digo olhando para as crianças, as mulheres
e o Jacob, que conversa com o Alessandro.
— No quê, mãe? — David questiona.
— Os Escobar não são tão poderosos por seu nome. Mas sim
por colocar a família à frente de tudo, até da própria vida.
— Mas em uma coisa meu irmão acertou muito: escolheu você,
Paula.
Sorrio emocionada. E olho para o Alessandro, que me encara e
lança uma piscada. E acabo viajando em uma linda lembrança,
perfeita.
— Um dia você vai saber o quanto é boa e o quanto merece sempre
ser feliz, meu amor — Joseph diz enquanto me abraça e ficamos olhando
para a cidade à noite, através da sacada do apartamento no litoral.
— Não sei não. Parece que tudo dá errado sempre que me envolvo.
Ele sorri e beija meu pescoço.
— Você merece ser feliz e vai ser. E ainda vai descobrir que não
precisa de mim para isso.
— Pare com essas coisas!
Ele não diz mais nada e ficamos curtindo o momento enquanto aliso
minha barriga de oito meses. Meu primeiro filho. Meu David.
Marcos se aproxima, todo gordinho e fofinho. Loirinho lindo. Olhos
claros que transmitem tanta paz.
— Naum goto de Daidi! — diz e sorrio.
Me abaixo com um pouco de dificuldade e seguro suas mãozinhas.
— E que nome gostaria, já que não gosta de David? — Sorrio.
Ele faz uma carinha de pensativo. E fica sério. Joseph ri. Se parecem
tanto em algumas atitudes. Meu esposo foi um pai para este menino, além
de irmão. Mesmo jovem vem recheado de tanta responsabilidade.
— Inriqui. Quelu exe.
— Henrique?
— Issu. Maisi naum dividu nada com ele.
Rio mesmo tentando evitar.
— Então mudanças de planos. O bebê vai se chamar Henrique, e se
um dia eu tiver outro, coloco David.
— Ei, eu escolhi David. Injustiça, baby. — Joseph finge estar ofendido.
— Mamain escoleu o que quelu! — Marcos diz e me surpreendo. Ele
parece se dar conta do que meu chamou e entra em disparada todo
vermelhinho.
Joseph me ajuda a levantar e lágrimas escorrem pelo meu rosto.
— Ele sente que sou uma mãe para ele.
— E é... amor, eu cuidei dele tendo que lidar com tantas coisas, na
luta por um lugar de juiz. Foram anos loucos. Marcos vai fazer três anos
amanhã, e nunca o vi tão animado com um aniversário, e tudo isso por sua
causa, que está lidando com essa vida de estudante que teve que pausar
mais uma vez, lidando com a fama pelo poder do nome Escobar e com meu
tempo corrido por estar agora iniciando como um juiz. Você lidou com
mais coisas do que eu acharia possível. Então sim, é uma mãe para ele, e
uma gostosa para mim.
— Joseph!
Ele ri e me beija.
Eu fui feliz e Joseph estava certo. Eu posso sempre ser feliz e
vou ser. Porque vou recomeçar. Hoje inicia o meu recomeço. Olho
para o Alessandro e sorrio, ele retribui, mas fecha a cara quando a
enfermeira o chama.
— Mãe, você sempre será nossa Escobar mais poderosa,
mesmo que vire uma Santos, talvez — Daiane fala e sorri.
— Menina, que isso! Não estou pensando nisso. Sou cardíaca,
me respeita!
— Acho bom. Porque estou enfartando. Amor, me ajuda! Ana,
vou morrer! Minha mãe cresceu e quer outro homem. Ai, que dor no
peito! — Henrique grita assustando as pessoas e se senta ao lado da
Ana, que briga com ele. — Estou morrendo, mulher!
— Num tá não, papai — Yasmim diz e ri.
— Que isso? Ninguém me defende!
Rimos, mas logo paramos quando o delegado pede nossa
atenção e começa a falar. Vamos resolver tudo de uma vez.


Treze

Paula Escobar

Semanas depois...

Observo o ambiente espaçoso, claro. Dando vista para a


cozinha que tem conceito aberto. Ando lentamente observando
atentamente os detalhes. Já conferi os demais cômodos e me
agradaram.
— Sra. Escobar, aqui é o local ideal para se viver. Condomínio
fechado, segurança vinte e quatro horas deixando tudo bem seguro.
Não tem problemas na vizinhança.
Sento-me no sofá e cruzo as pernas olhando para o corretor.
— Eu posso te garantir que nenhum lugar é cem por cento
seguro. — Olho de lado para o Pascoal, que afirma.
— Claro. Nisso a senhora tem razão. Porém, aqui é o paraíso.
Garagem para cinco carros, como viu. Piscina em uma linda área de
lazer. Todos os quartos são suítes e enormes e com closet. Sala de
visitas, cinema e escritório. Além da belíssima biblioteca e desta
cozinha toda moderna.
— Não sei, Clóvis. Ainda preciso decidir se eu quero viver aqui.
— A senhora tem que pensar rápido. Todas as casas que vimos
nas últimas semanas estão com propostas incríveis.
— Não me importa. Eu dobrarei o valor se eu realmente achar
que alguma será meu lar. Porém, não irei decidir correndo. Estamos
falando de um lugar que deve ser meu refúgio e que toda minha
família se sinta bem.
— Perdão. Fui muito rápido. A sua antiga casa tem recebido
propostas incríveis, ainda mais com a reforma na sala. Com o valor
podemos ver outras casas ainda melhores se este for o problema.
— Temos um problema e não é o valor. Todas essas casas que
me mostrou são modernas, cheias de novidades, materiais de
primeira. Mas não são aconchegantes. Todas parecem lugares que a
pessoa mal viveria, pois estaria sempre viajando... — Olho para o
Pascoal. — O que achou desta?
— Belíssima, senhora. Perto da minha, qualquer casa é luxo. —
Ele ri.
— Mas na sua casa, você sente que é aconchegante?
— E como! Amo o espacinho que tenho para a minha família.
— Viu, Clóvis. É isso que eu quero.
— Uma casa como do seu segurança? — pergunta confuso.
Levanto e reviro os olhos.
— Não, homem! Acompanha meu raciocínio. O que eu quero é
uma casa aconchegante, que tenha cara de lar e não apenas que foi
arrumada para sair na capa de uma revista de designer.
— Está certo. Irei ver o que consigo.
— Ótimo. Vamos, Pascoal. Tenho uma cliente que chega daqui
a pouco.

Depois de tudo o que aconteceu, demos diversos depoimentos,


nossa casa passou por perícia, muita coisa aconteceu. Mas Felipe
cumpriu a promessa, conseguiu com que a polícia deixasse
arquivado o caso, afinal não tinha quem interrogar mais, pois os
únicos da equipe da Poliana que sobreviveram, foram os que
vigiavam as outras casas; e confirmaram o que já sabíamos: ela foi a
cabeça de tudo. Policiais de onde ela estava presa foram
investigados e descobriram os dois que a ajudaram com
informações e a fugir quando teve a rebelião no presidio, na qual foi
a deixa dela. A mídia também não fala mais nada. Comentaram nos
primeiros dias, com informações desencontradas, mas Felipe
também cuidou disso.
Nossa equipe não sofreu nenhuma demissão. Fizemos uma
reunião e compreendemos que as falhas eram nossas também.
Todos erramos e devemos aprender com nossos erros. Porém,
agora, chega de evitar seguranças. Chega de acharmos que nada vai
nos acontecer. Todo cuidado é pouco. Mais seguranças foram
contratados. E estamos levando a sério nossos treinos. Yasmim e
Sophie ficam com seguranças na escola, conversamos com os
diretores e entenderam perfeitamente a situação. Jaqueline e os
pais da Liziara também andam com seguranças agora. E dona Joana
parou de reclamar do monte de homens que viviam em suas terras.
As babás das crianças agora são fixas, pararam de ficar trocando,
pois isso era mais uma brecha. Os carros foram readaptados por um
sistema de rastreio ainda melhor. Os meninos também vão ter que
ser acompanhados por seguranças, mesmo quando acharem que se
garantem sozinhos. E até Alessandro tem segurança, o Josh, claro
que o professor odiou saber que teria um homem na sua cola. As
famílias dos nossos seguranças também estão sendo vigiadas e
protegidas, afinal eles dão a vida por nós, e alguém precisa proteger
seus familiares. O sítio está ainda mais monitorado, mas ainda não
achamos ser bom ter um caseiro. Tudo está se ajeitando. E estamos
tentando esquecer que aquele maldito dia existiu.
Estou ficando no flat do Henrique, um lugar da vida de solteiro
que ele mantém e achou que eu não descobriria. Não quis ficar em
hotel e na casa de nenhum deles por enquanto. Eu queria um espaço
para continuar agindo com normalidade. David está esperando eu
me decidir onde irei morar, para encontrar uma casa por perto,
pois a Liziara precisa de mais apoio e parou de ser orgulhosa e
entender isso, e eu me dispus a ajudá-la sempre que for necessário.
Laura e Helena ainda não vão para a escolinha como Yasmim, que já
começou a ir para a adaptação.
Mas depois de tudo, eu acho que agora posso pensar um pouco
mais em mim. Tudo isso serviu de lição para tantas coisas. Passei
anos e anos da morte do Joseph me lamentando, e vivendo um
eterno luto. Mas está na hora de recomeçar. Viver mais, me amar
mais, amar outra pessoa, porque o Joseph não volta, e eu estou aqui
e preciso continuar.

Alessandro Santos

Estou sentado em cima da mesa e observando os alunos
fazerem suas provas. Não sei por que, mas amo. Gosto de ver o
pavor neles, é a fonte da juventude para mim. Louco? Todo mundo
tem um pouco de loucura e é recomendável ter, para lidar com a
vida.
Porém, minha mente está apenas no meu irmão. Depois de
toda aquela merda, ele viajou para a Califórnia para resolver toda a
situação com a máfia na qual ele faz parte. Não tenho notícias, e já
busquei de todas as formas, mas nada. Cogitei buscar ajuda dos
Escobar, mas já foi a morte para eles aceitarem essa situação, não
quero colocá-los em mais problemas, e não posso ir atrás dele
pessoalmente, estou atolado de trabalho.
Felipe é um bom homem, mesmo tendo feito escolhas loucas.
Quando digo louca é porque tudo isso começou com ele tendo uma
grande amizade com o chefe da máfia. E terminou com ele se
tornando conselheiro. Na minha família, tudo sempre foi na base da
loucura. Meu pai era um policial corrupto, minha mãe ficou doente
por culpa dele, seria até desonesto com eles, que nós filhos
fôssemos normais. Nunca aponto que meu irmão veio de adoção;
para mim, ele sempre foi e sempre será como de sangue e pode
parecer paranoia, mas sempre tive comigo que não teria irmão mais
perfeito que ele, pois parece que temos tantas semelhanças ao
mesmo tempo que somos tão diferentes. Caralho, até eu sou louco,
porque poderia me apaixonar por qualquer outra pessoa! Sério,
poderia ser qualquer outra mulher. Mas tinha que ser pela
matriarca de uma família que nunca sei quando querem me matar
ou apenas me socar. Maldito coração! Eu estava tão bem sem esse
papo de romance, entretanto seria óbvio que eu iria pagar com a
língua e ferrar tudo. Devo ser meio masoquista, não sei, só que falou
em dar merda, eu me jogo de cabeça.
Arlete me faz sobressaltar quando coloca a prova literalmente
em meu rosto.
— Querida, eu uso óculos, mas não sou cego a este nível. —
Pego a prova e coloco ao meu lado.
— Estou liberada?
Olho no relógio em meu pulso.
— Espere mais quinze minutos, assine seu nome na lista e
pode desaparecer.
Ela revira os olhos e volta a se sentar.
— Essa porra está difícil. O senhor gosta de nos torturar! —
Maicon resmunga fazendo os outros rirem.
— Primeiramente, “senhor” é teu passado. E segundo, se
estudassem, não estaria difícil... Quem eu quero enganar? Está
difícil sim, e amo torturar vocês. E eu iria agradecer se terminassem
logo porque é sexta-feira e não aguento mais olhar para a cara de
nenhum aluno.
— Que horror! Tenha mais compaixão — Maicon finge estar
ofendido e sorrio.
— Minha compaixão terminou assim que coloquei os pés aqui,
às sete da manhã. São seis horas da tarde agora, mais uma hora aqui
e mato alguém. Agilizem! E amanhã ainda tenho que vir porque tem
palestra, que absurdo! — Cruzo os braços.
— Você é o professor que menos nos anima. Você é louco! —
Yara fala.
— Não sou palhaço e tampouco animador de torcida, para
deixar vocês animadinhos.
— Mas tem um charme que anima de outra forma. Está calor,
né? — Brenda provoca e os outros gritam.
— Se eu levasse em consideração tudo que escuto de vocês,
estaria fodido! Deixe de enrolar, Brenda! — Sorrio.
Eles riem e voltam a fazer a prova.
Entro no estacionamento às sete e meia da noite, e parece que
estive em uma prisão há anos. Sigo para o meu carro, com um
brutamontes me seguindo. Não irei superar que tem um homem de
olho na minha bunda, porra! Josh é um cara legal, mas, puta que
pariu, tenho medo de ir à cozinha de madrugada e dar de cara com
ele. Entro no meu carro e vejo ele subir na moto, que estava ao lado
do meu veículo. Tiro o celular do bolso e vejo que tem uma
mensagem da Paula, me chamando para ir até o local que está
treinando para buscá-la. Respondo que vou tomar um banho, e
depois irei.

Assim que chego em casa, Irene já me avisa que tem comida


pronta. E não irei recusar. Estou morrendo de fome. Mas primeiro
preciso de um banho. Tiro tudo do bolso e deixo na cama. Olho meu
celular e nada, nenhuma resposta do Felipe.
Retiro a roupa e entro no meu banheiro. Ligo o chuveiro e
deixo a água quente relaxar meu corpo, meus músculos. Era tudo
que eu precisava hoje. Esfrego o rosto e respiro fundo.

Estou indo para o local onde a Paula treina. Se ela pensa que
vou treinar, está enganada. O único modo que pretendo suar é com
sexo, o que ela tem evitado desde a nossa viagem. Só me lasco, eu
digo!
Sigo com o segurança fazendo escolta. Quem vê pensa que sou
parente da rainha. Acabo rindo disso. Quem diria que teria um
homem na minha cola!
O percurso não é longo, mesmo com um pequeno trânsito
chego rápido. Estaciono e Josh me assusta parando a minha frente.
Quando ele saiu da moto?
— Eu vou entrar, e não precisa vir.
— Ficarei na recepção, senhor.
— Você quem sabe. E pare de me chamar de senhor.
— Senhor Henrique mandou não acatar nenhuma ordem sua.
— Senhor Henrique é um idiota, pode transmitir essa
informação a ele? Não, né? Não tenho poder sobre nada aqui.
Ele sorri.
Entro e aviso que vim ver a Paula Escobar. Estou autorizado ao
que parece, já havia vindo essa semana trazê-la, mas não entrei
além da recepção. Informam a sala que ela está e como chegar até
lá.
Faço o trajeto e paro diante de uma enorme porta, de uma sala
muito grande, com alguns colchonetes, uma parede de espelhos, e
alguns instrumentos que devem usar nos treinos.
Jacob está encostado em um canto e assim que me vê se
aproxima.
Daiane, Paula, Ana, Liziara e Beatriz treinam com dois homens
fortões. Vejo Jaqueline saindo de outra porta dentro da sala, e ela se
senta em um canto bebendo a água da garrafa e faz um aceno rápido
para mim, que retribuo.
— Até a Jaqueline veio para essa loucura?
— Ela quis tentar. Mas desde que cheguei, apenas a vi sentada
e olhando assustada.
— Nem imagino o motivo! — ironizo.
É soco, chute, braçadas e gritos para tudo quanto é lado. Porra,
preciso me lembrar de nunca irritar a Paula! Ela me mata, com toda
certeza! Como esse corpo tão pequeno e magrinho consegue tudo
isso?
Liziara cai e sinto a dor. Será que devo chamar um médico?
— É, Frederico e Laerte não perdoam ninguém! Daiane às
vezes chega roxa em casa. Estou começando a cogitar que ela grave
os treinos, para usar como provas que eu nunca encostei nela. Já
pensou se alguém a vê assim na rua e denuncia?
Acabo sorrindo.
Laerte prende a Paula por trás, e ela tenta se livrar. Esse
mamute não pode ficar mais distante, não?
— Precisa ser tão colado assim? Apenas uma dúvida.
— Se acostume ou vai pirar.
Jaqueline se aproxima sorridente como sempre.
— Olha, eu vou embora, pedir uma deliciosa pizza e
atormentar o Arthur. Isso não é para mim. Prefiro andar com mais
seguranças, até porque não acho ruim. Adoro!
Rimos e ela passa por nós.
Ela está vendo casa na cidade. Vai se mudar, quer ficar mais
próxima de todos. Então já está ficando na Beatriz enquanto isso.
— Notícias do seu irmão? — Jacob questiona.
— Não.
— Eu sinto muito. Se precisar de ajuda...
— Não se preocupe. Não quero colocá-los em problemas.
— Não aceitamos o que seu irmão faz, mas, diante de tudo, ele
foi nosso apoio; e graças a ele, não tivemos que justificar muitas das
merdas naquele dia, como a morte da Poliana, que poderia ter sido
evitada. Se ele precisar de ajuda, conte conosco, temos uma dívida
com vocês.
— Não, vocês não têm e eu faria de tudo para proteger a Paula.
— Que bom que você tem amor por nossa amizade. E fez isso
pensando em nós também — ironiza e rio.
Daiane xinga quando vai ao chão e olhamos para ela, que nos
vê e sorri.
— E sua avó, não quer vir morar para cá? — Me lembro da
discussão deles no dia seguinte ao acontecido.
— Não. Ela ama aquele lugar. E é até bom, pois é um lugar a
mais para Sophie ir e ela tem amigas lá. Daiane e eu temos a vida
corrida, então infelizmente não dá para levar a Sophie para viajar
com tanta frequência. A melhor opção é ter minha avó no interior,
que sempre pega minha menina.
Assinto, e fico olhando para elas. Eu não estou simpatizando
com esses mamutes. É muito contato físico para meu gosto... Porra,
era só o que me faltava: crises de ciúmes.
— No dia do acontecido, a Daiane estava suspeitando que
poderia estar grávida. — Olho assustado para ele, que mantém os
olhos nela. — Não contamos a ninguém. E porra, nunca desejei tanto
que ela não estivesse, porque as chances de ela perder seriam
grandes. Por fim, ela não estava, e foi um alívio. Ela redobrou os
cuidados com o medicamento, porque um susto desse novamente
não aguentaríamos.
— Eu sinto muito... O pavor de vocês então estava triplicado.
Ele assente e leva as mãos aos bolsos da calça.
— Vocês formam um casal bonito. Na verdade, uma família
bonita... Mas pretendem... Sabe, aumentar a família?
Ele me olha e sorri.
— Não. É algo nosso já. Não queremos. Se acontecer, tudo bem.
Mas vamos cuidar ao máximo para não termos mais surpresas. Mal
temos tempo para Sophie, ser promotores já toma mais do nosso
tempo do que queríamos, imagine ter outra criança? Vê a vida da
Liziara, sem tempo até para respirar, se divide em mil para estudos,
trabalhos, gêmeas, treinos; a Paula vai passar a ajudá-la, porque
apenas a babá não está sendo suficiente. Tem a Ana também, duas
meninas, e vive em constante desespero, prezando a segurança
delas, afinal, as duas têm pais advogados criminalistas, que não são
tão amados por seus réus... Essa vida é foda. Admiro muito todos os
Escobar que conseguem lidar com tudo e todas as crianças. Porém,
não quero ver a Daiane mais pirada do que fica para cuidar da
Sophie, e não quero ficar mais preocupado do que fico quando saio,
viajo e tenho que deixá-las. Já arrisquei muitas coisas quando me
casei com a Poliana e quando escolhi ser promotor, não sou tão
forte quanto eu pensei para querer arriscar ainda mais, colocando
mais um filho no mundo. E a Daiane conversou comigo, ela pensa o
mesmo, diz não estar preparada tão cedo para isso.
— Vocês dois são mais fortes do que pensam. São pais
incríveis, Sophie tem muito orgulho de vocês. São ainda mais fortes
por saberem respeitar que agora não é o momento para outra
criança, e não ligarem para as fofocas da mídia e tampouco para
comentários que sei que devem ocorrer. Sempre acreditei que ser
um bom pai é, acima de tudo, saber compreender o momento certo
para colocar um filho no mundo, e não colocar apenas para dizer
“eu que fiz”. Só por pensar nisso já mostra o quanto vocês são
ótimos pais para a Sophie e seriam ótimos pais para outra criança,
que, sem existir, já tem a proteção de vocês.
Ele leva uma mão ao meu ombro e aperta, então surge um
sorriso em seu rosto.
Anunciam o fim do treino e elas se deitam no colchonete,
exceto a Paula que caminha até a mim, sorridente. Um dos homens a
chama e joga uma toalha, que pegaram no canto dos acessórios; ela
enxuga o suor e torna a se aproximar.
— Sempre me lembre do porquê não posso te irritar — peço
levando a mão a sua cintura.
— Pode deixar.
Inclino o corpo e beijo seus lábios.
— Está vendo, Daiane? É assim que você tem que me tratar. —
Jacob aponta para ela, que mostra o dedo a ele.
Elas se levantam e se aproximam.
— São moles demais! Uma hora de aula e estão assim?
— Cala a boca, Frederico! Com a raiva que estou por este
treino, eu mato você e o Laerte! — Paula rebate.
Agora já sei quem é o mamute um e o mamute dois. Eles
acenam com a cabeça para mim, e retribuo bem sério. De verdade,
não gostei deles. Porra, para que esse olho azul, esses músculos só
do Laerte? E o Frederico com essa cara de “fodo melhor que você”...
Porra!
— Eu não sinto minhas pernas. Ainda bem que vim com o Alex
e ele vai dirigindo — Liziara diz se apoiando na Beatriz e na Ana.
— Eu vim de carona com Simon, então estou de boa também. E
minha tia? — Beatriz questiona franzindo o cenho.
— Ela foi embora. Melhor, fugiu — digo e ela revira os olhos.
— Por isso ela veio com o carro dela. Para fugir a hora que
quisesse — Beatriz constata, sorrindo.
— E eu me lasquei! Vim no meu carro e o Luciano no dele.
Henrique vai trabalhar até tarde, não posso explorar ele.
— Ana deveria ter dito que, na hora em que o Jacob me deixou
aqui, traria você e agora iria conosco. Saiba que vou explorar muito
o meu pateta, porque esses ogros aqui ferraram com minha coluna.
— Qual é, princesinha Escobar, pensei que era mais forte! —
Frederico provoca.
— Me chama assim de novo, que arranco seu pênis e enforco
você com ele.
— Daiane! Tenha modos! — Paula exclama horrorizada.
— Eu tenho, mamãe. Mas as pessoas me irritam!
Eles riem.
— Vamos, antes que saia alguma morte — Paula fala
segurando minha mão.
— Antes, eu quero saber quando vai se assumir de vez com o
pateta número cinco?
— Queria entender isso de pateta — comento.
— Ela só chama de pateta os homens que ela já considera da
família — Beatriz responde.
— Isso é para ser um elogio? — indago provocando a Daiane.
— Não. Eu descobri que sou ogra, não curto elogiar demais —
Daiane diz agarrando o braço do marido, que sorri.
— Agora que descobriu que é ogra? Mulher, eu já sabia há
tempos. Merda, que dor nas pernas! Estou ferrada, sem sexo hoje.
— Liziara! — Paula a repreende e ela dá de ombros.
— Vou te passar o nome do produto que uso para dores depois
do treino. Nunca fico sem sexo — Ana comenta.
— Ana Louise! Até você, o anjo puro desta família? — Paula a
repreende e acabo rindo.
— Eu sou o único anjo, sogrinha — Jacob fala fazendo cara de
santo.
A ruiva revira os olhos e sorri.
— Sim, meu amor. É o único mesmo. Agora vamos. — Paula
entra na dele.
— Melhor. Não precisamos saber da vida íntima de vocês —
Laerte diz empurrando todos para fora da sala.
Caminho na frente com a Paula.
— Ana, não esquece de me dar o nome. Vou comprar antes de
ir para casa! — Liziara diz bem alto.
— Mãe e Pateta, não fujam do assunto. Quando vão se assumir?
Olho para a Paula que está muito vermelha, e não é pela
adrenalina do treino.
— Essa família ainda vai me matar de vergonha — diz
baixinho.
— Quando está com loucos, seja mais um — falo para ela. — Se
eu disser namorados, irei mentir, porque nunca conversamos sobre
isso! — rebato e escuto os risinhos atrás.
— Gente, cuidem da vida de vocês. Estão me matando de
vergonha! — Paula reclama.
— Ela tem razão. Mas fala aí, são apenas beijinhos, mãos dadas
ou estão levando a sério o envolvimento? — Jacob provoca e rio,
mas Paula acerta um tapa no meu braço. Cacete, ela tem força!
— São inocentes demais, por ainda não verem que já rolou
uma rodada bem intensa de sexo! — Liziara diz e Beatriz briga com
ela. — Meu povo, não se façam de santos não! Aqui todo mundo faz
sexo!
— Fala baixo, Liziara! — Ana rebate rindo.
Paramos na porta e os seguranças se aproximam.
— Senhora Beatriz, antes de irmos para casa, temos que passar
em um lugar.
— Que lugar, Simon? Não inventa. Que merda o Marcos pediu?
Estou cansada.
— Pediu para a senhora escolher um bom vinho e levar. E
depois se arrumar e se encontrar com ele no local que irei levá-la.
Ela fica vermelha. Posso estar louco, mas tem algo nesse
convite do juizinho estressado.
— Olha, esses dias o Marcos me usou de secretária e fez eu ir
ao banco para ele; folgado demais, vale ressaltar. Mas, enfim, o
extrato bancário do homem tem vinho pra caramba! Estão abrindo
uma adega ou coisa do tipo, ou gostam muito de beber vinho? —
Liziara indaga cruzando os braços e dando risinhos.
— Olha, Liziara, eu só não te mato, porque te amo. Vamos,
Simon.
Ela entra no carro rapidamente, sem se despedir de ninguém.
Jacob me olha e não aguentamos, começamos a rir. Ficam
olhando para nós com cara de interrogação.
— Esse juiz vive embriagado — Jacob comenta sem parar de
rir.
— Taça especial, será? Besta somos nós, Jacob — comento já
entendendo tudo.
— Do que os patetas estão falando? — Paula questiona. —
Nossa, filha, é realmente bom chamar de pateta!
Daiane sorri do comentário da mãe.
— Apenas pensamos o mesmo. Vamos? — digo a Paula.
— Cacete! Eu entendi. Depois séculos... Bia está safada! Estou
nas antigas mesmo, usando algemas ainda, acreditam? Esses dias
prendi o David na grade da cama e quebrei a chave quando fui
abrir. Tive que chamar um segurança para ajudar. Se eu sumir, já
sabem, ele me matou. Está puto por isso e não me deixa encostar em
mais nenhuma algema.
— Luciano pegou o Henrique e eu transando na piscina. Sei
bem o que é ver um homem puto. Henrique por pouco não mata ele!
— Liziara e Ana, como podem? Meu Deus! Vamos, Alessandro.
Saímos dali com os risos deles.
E eu achando que era louco, mas essa família se supera!

Paula Escobar

Entramos no flat e eu já retiro o tênis e as meias. Sinto o alívio
por meus pés estarem livres.
— Preciso de um banho e depois podemos sair para comer
algo, ou podemos pedir. — Giro o pescoço de um lado para o outro.
— Não estou com fome. Mas posso te levar para comer.
— Olha, depois desse treino prefiro apenas um bom chá ou
café e relaxar. Pensei que não tinha jantado ainda, por isso
comentei.
Ele sorri e se senta na poltrona preta.
— Nada do seu irmão?
— Não. Mas sei que ele vai aparecer.
— Vai sim. Ainda me sinto mal por ter saído daquele jeito da
sua casa no interior e feito julgamentos, quando, na verdade, ele
quem nos ajudou.
— Eu faria o mesmo em seu lugar. Estava acontecendo muitas
coisas.
Concordo agradecida por ele pensar assim. Eu realmente
estava mal. Mas saber que ele entende torna isso melhor.
— Então vou tomar um banho.
Ele assente. Mas seu olhar é outro. É intenso. Eu já vi este
olhar. Sinto um friozinho na barriga. Levanto-me, pego uma toalha e
as roupas e sigo para o banheiro.
Tiro a roupa e solto o cabelo. Ligo o chuveiro e quando vou
entrar, ouço batidas na porta e a voz do Alessandro. Respiro fundo e
volto a me olhar no espelho. Dou uma ajeitada na juba de leão, que
se formou meu cabelo, e abro a porta colocando apenas a cabeça
para fora. Ele ergue uma sobrancelha e acabo sorrindo.
— Oi?
— Eu já te vi nua, sabia?
— Já? Já, claro. Mas é que estou suada...
— Não me importo.
Claro que não se importa. Como vou dizer a ele que, na
verdade, estou com vergonha? Que na verdade, Paula Assis sempre
foi tímida para essas coisas de ser totalmente atirada? Que só deixo
me levar na hora do sexo mesmo? Droga! Pareço uma menininha e
não uma mulher, adulta, advogada, mãe... e Deus do céu, também
avó!
— Paula?
— Ah, sim. Quer que eu abra toda a porta, né? Ver meu corpo...
Essas coisas.
— Você está bem? — Ele franze o cenho. — Porra, já fizemos
sexo antes. Estamos saindo. Rola beijos, e vivemos um com o outro
nas últimas semanas. Até dormimos juntos. Você sabe mais da
minha vida do que eu da sua. Realmente vai ficar tímida?
— Está certo. Abrindo tudo... Quero dizer, abrindo a porta. —
Abro toda a porta e ele me analisa.
Corro para o box e entro embaixo da água.
— Pode falar. Estou ouvindo...
Molho o cabelo e, quando abro os olhos, me assusto ao ver ele
na porta do box, de braços cruzados, me olhando.
— A Daiane fez uma boa pergunta hoje. O que somos?
— Humanos?
— Paula! — repreende-me nervoso. Estou perdida com esses
homens bipolares me rondando.
— Desculpa. Quando fico nervosa fico meio aleatória, irônica...
— E por que está nervosa?
— Não sei. Talvez timidez.
— Mas na hora do sexo não fica tímida.
— Não... Alessandro!
Ele sorri e sinto meu coração palpitar com esse sorriso. Pego o
xampu, mas paro com ele no ar, ao ver o Alessandro tirando os
sapatos e se despindo.
— O que... Você já não tomou banho? Não era isso que eu
deveria perguntar.
Ele retira a camiseta e começa a abrir a calça. Deixo o xampu
cair e sobressalto com o barulho. Apenas de cueca entra no box e
fecha o vidro. Então bem lentamente se aproxima.
— O que somos?
— E-eu não sei...
— Eu sinto sua falta, Paula.
— Estamos nos vendo bastante desde o acontecido.
Ele leva uma mão ao meu rosto e acaricia.
— Estou falando de você por inteira. Por que evita? — Seu tom
é rouco e baixo.
Droga... Estou sentindo como se flutuasse. Ele consegue me
desestabilizar demais.
— Porque estou com medo de ser apenas por sexo que você me
queira — digo o que me vem rapidamente, e paro para analisar
minhas palavras; e é uma verdade absoluta. Estou com medo disso e
só dizendo em voz alta e rápido vejo o quanto é verdade.
Ele franze o cenho e, em seguida, sorri. Segura meu rosto com
ambas as mãos.
— Se fosse o Alessandro da boate, onde nos conhecemos, você
poderia ter este medo. Mas este Alessandro aqui, parado a sua
frente, não quer apenas sexo... Paula, eu não quero apenas sexo. Eu
quero tudo. Pela primeira vez, eu quero tentar tudo com alguém...
Estou apaixonado por você e acredito que foi desde quando te vi
pela primeira vez, bons meses atrás. Só não queria admitir. Precisei
passar o inferno achando que te perderia naquele maldito dia, para
entender que quero você. Quero tudo com você.
Meus olhos embaçam pelas lágrimas que começam a escorrer.
— Estava ensaiando em como te dizer que quero você...
Alessandro, tudo o que disse é recíproco. Não consigo mais me
imaginar sem você, meu professor. — Acaricio seu rosto.
— Vai recomeçar? Porque preciso de você por inteiro, não
posso competir com alguém que deu uma família, poder, muito
amor e felicidade durante anos e que não está mais aqui. É difícil
demais tentar competir com algo assim.
— Não precisa competir. Ele foi o início de uma história para
mim, me deu o meio e o fim dela. Aquela história, hoje eu
compreendo que já se foi, terminou, teve seu ponto final. Eu sempre
vou amá-lo em um lugarzinho especial em meu coração, mas não
posso mais viver por isso, estava me machucando demais.
Ele beija minha testa e sorri.
— Então é o recomeço de uma nova história? Posso acreditar
nisso?
— Pode. Eu quero que você seja o meu recomeço.
— Serei, e você será o meu início.
— O jogo virou. Hoje sou o início de alguém.
Sorrimos e ele me beija. É um beijo diferente de todas as
outras vezes. Neste tem cem por cento de sentimentos, entregas. É
como se as correntes que nos aprisionavam estivessem sendo
quebradas. Precisei passar por tantas coisas, para ter o sentimento
do amor novamente, e valeu a pena. Tudo nessa vida tem um tempo
certo para acontecer, só precisamos ter paciência e não desistir; e
se eu não desisti foi pela minha família, devo muito a eles. Se tem
uma coisa que aprendi, depois de toda aquela confusão com a
Poliana, é que não sabemos nosso dia de amanhã; então temos que
viver o hoje como se fosse o último dia, porque a vida é curta
demais para deixar tudo para depois.
Meu corpo é levado à parede, e sinto sua ereção sendo
pressionada em mim. Um calor me consome, e parece que estou em
chamas. Ele se afasta retirando a cueca, e torna a me agarrar, e
desta vez sinto seu pau se esfregar em mim. Fico em êxtase com a
sensação. Sua boca ataca meu seio e acabo gemendo alto. Uma mão
desliza para a minha boceta e ele começa a massagear meu clitóris.
Aperto seu braço, ele larga meu seio, indo na direção do meu
pescoço, onde morde e beija em seguida.
— Alessandro... Como isso é bom... Deveria ter insistido mais...
Ele sorri e desliza o dedo para dentro de mim. Grito pela
sensação, e ele aperta meu rosto e sussurra em meu ouvido:
— Não posso esperar mais. Estou louco para enterrar meu pau
em você.
— Faça...
Ele tira o dedo e não tenho tempo de sentir falta, pois é rápido,
me ergue em seus braços diante da parede fria e me penetra. É
bruto, intenso. Minhas mãos apertam seus ombros.
— Tudo bem? — questiona e afirmo com a cabeça.
Se movimenta em um vaivém rápido e forte. Nossos gemidos
se misturam com o som da água e dos estalos do nosso corpo se
chocando um ao outro. Sinto-o ir mais fundo. Aperto as pernas ao
seu redor e inclino a cabeça para beijá-lo. Nosso beijo é feroz tanto
quanto suas investidas. Afasto nossos lábios e beijo seu pescoço. Ele
começa a dizer coisas indecentes, e isso me deixa ainda mais louca e
prestes a gozar.
Levo a cabeça para trás vibrando com a sensação de ser tão
preenchida por ele. Meu corpo está parecendo que vai desmoronar.
Como o sexo com ele é maravilhoso! Preciso disso para sempre.
Chupa meu seio e morde e a dor se mistura ao prazer, agarro seu
cabelo.
— Você é gostosa demais!
Sinto que não posso mais segurar. Inclino o corpo para frente e
levo o rosto ao seu pescoço. E ouvir seu gemido ao pé do meu
ouvido me faz delirar ainda mais. Sinto seu pau pulsar, e a sensação
é deliciosa.
— Porra... — sussurro.
Ele solta um gemido rouco, e sinto ele gozar em mim, enquanto
gozo em seu pau com força. Meu corpo fica fraco, mas é uma
fraqueza muito boa.

Estamos deitados na cama enquanto ele acaricia meu cabelo,


que sequei após sairmos do chuveiro.
— Namorados — Acariciando seu peito nu, eu dou a resposta
para o que somos.
— Gosto disso... — Ele me beija com carinho.
— Se prepare! A mídia vai adorar essa novidade.
— Sou gato demais, vou adorar as fotos que vão fazer.
— Convencido!
Ele ri e é um som maravilhoso. Fico olhando e apreciando.
— O que foi? — questiona. — Está me olhando como se fosse
babar! — provoca.
— Gosto do som da sua risada. Me acalma.
— Tem outra coisa para te acalmar. — Beija meu pescoço.
— Eu queria muito. Mas não vamos parar. E você falou ontem,
que amanhã teria palestra bem cedo na universidade.
— Nem me lembre. Quero matar o babaca que for dar a
palestra. Por causa do infeliz, somos obrigados a estarmos juntos
dos alunos em um sábado.
Sorrio.
— Eu odiava palestra quando estudava.
— Eu odiava quando estudava. Odeio ter de dar, e continuo
odiando ter que assistir. Ainda mais quando isso impede uma longa
noite e madrugada de sexo com a minha namorada.
— Estamos velhos demais para isso?
— Meu pau ainda sobe sem precisar de nada e, porra, tenho
uma aparência muito bonita. E você parece irmã dos seus filhos e tia
dos seus netos... A idade para nós é apenas um número.
— Então não estamos?
— Não. Ninguém está velho para nada. Eu só me considero
velho quando o assunto é academia. Porra, me sinto ancião!
— Bem-vindo ao clube!
Rimos totalmente descontraídos. É tão bom estar assim. Sentir
a leveza e a paz. Senti falta disso.


Quatorze

Paula Escobar

Observo atentamente o auditório da Universidade que o


Alessandro leciona. Está lotado de alunos e professores. Ele me
convidou para acompanhá-lo. É óbvio que eu viria. Quero ficar mais
próxima dele. Estar mais presente, criar mais conexão do que
estamos tendo. E não perderia de ver a sua cara emburrada por
nada. Faz tempo que não me divirto tanto.
Não sei quem vai dar a palestra e tampouco ele. Ao que parece
é surpresa. Ele está bem irritado, pois queria ficar em casa,
curtindo, mas foi obrigado a vir. Está xingando desde ontem todos
os santos possíveis, e tenho certeza de que um lugar ao inferno já
está garantido e espero que apenas a ele, pois eu fiquei caladinha.
Não queria estar na pele de quem vai dar a palestra, porque
Alessandro está bem revoltado e é capaz de enforcar a pessoa. Que
Deus nos ajude, ou sairemos presos daqui, tenho certeza!
Confesso que estou cansada. Passamos a noite e madrugada
mergulhados em sexo, não resistimos, e acabou que tínhamos que
acordar cedo e cá estamos, com cara de sono.
Ele entra no auditório, e para ao meu lado. Sua cara é fechada e
é raro vê-lo assim com tanta frequência.
— Olha, eu tenho milhares de ideias de como enforcar a pessoa
que resolveu dar uma palestra neste sábado. Juro! Eu posso lidar
com o corpo. Cá entre nós, tenho loucos suficientes ao meu redor
que me fizeram virar um pouco psicopata.
Disfarço o riso com uma tosse fingida.
As pessoas passam e ficam olhando espantadas e
envergonhadas para mim. Até parece que sou uma celebridade. Sou
mais comum do que pensam. Às vezes parece que nós, Escobar,
somos um objeto em um vidro onde todos podem ficar admirando,
credo!
— Sabe, as pessoas realmente têm certas coisas quando se
trata de um Escobar. Não param de me olhar! Ale, eu estou com algo
no rosto? Seja sincero — pergunto completamente preocupada.
— Deve ser porque sua maquiagem está borrada. — Dá de
ombros.
— Está? Meu Deus! Eu preciso trocar o grau da lente de
contato. Porcaria! Tem espelho aí? — Estou a ponto de pular em seu
pescoço por não ter dito isso antes.
— Por que eu andaria com espelho? Sei que sempre estou belo.
— Ele ri, enquanto estou desesperada procurando o celular na bolsa
para ver o que estão rindo, mas não acho.
— Alessandro, está muito borrado? Deixa de rir, homem. Eu
vou te enforcar, pode ter certeza!
Ele ri alto. Fico sem entender sua graça.
— É brincadeira, mulher! Está linda. — Pisca para mim e beija
meus lábios.
Olho feio para ele, que continua rindo sem se importar.
— Não teve graça! Quase morri. Eu sou cardíaca, sabe disso!
— Teve sim. A única coisa que não tem graça é o empata-foda
que não aparece logo e se acha o dono do universo, só pode. Por que
está atrasado?
— Tenha paciência! Logo seremos expulsos se continuar
agindo assim.
— Não seria uma má ideia, viu!
Reviro os olhos.
Sentamo-nos nos lugares reservados. Alguns alunos
cumprimentam a ele e a mim, como se eu fosse mordê-los. Isso que
dá Marcos e David serem cara fechadas e Henrique exibido, pensam
que todos os Escobar são estrupícios como eles.
— Eu só vim porque o reitor basicamente me obrigou. Na
verdade, obrigou a todos os professores virem. Absurdo! Porra, vou
querer aumento! É muita babaquice! Toda palestra é a mesma
coisa. “Não desistam de seus sonhos”, tem também o famoso
“corram atrás de seus objetivos” ou o inevitável “eu cheguei aonde
estou porque batalhei desde muito jovem”. Parecem discursos
prontos e eles revezam a cada vez! — resmunga e se soubesse o
quanto fica mais lindo assim, tenho certeza de que faria mais vezes
porque ama se exibir.
— Para de ser ranzinza. Pode ser diferente e bem animado.
Olha eu nunca fui fã de palestras, mas tem algumas bem legais e
produtivas.
— Sei. Sabe o que mais é produtivo pela manhã? — Ele aponta
para o centro de suas pernas.
— Alessandro Santos! — repreendo-o.
O homem ri. Eu digo que vou enfartar. Só aparecem malucos na
minha vida, começando pelos filhos e noras. Sou cardíaca e ninguém
respeita isso.
O auditório está lotado agora, e o reitor, que já conheço de
alguns eventos, sobe ao palco e fala com todos dizendo que o
convidado especial chegou.
— Vamos conhecer o empata-foda, seja quem for.
— Shhh... — Bato em seu braço. Ele sorri e morro mil vezes
com esse sorriso lindo.
A porta ao lado do palco se abre e aplausos e assobios
começam. Alessandro me olha e eu quero rir, mas estou tentando
me controlar.
O convidado se aproxima do palco após cumprimentar o reitor
e pega o microfone onde começa a falar:
— Peço desculpas pelo atraso, mas, como sabem, tenho uma
vida corrida e acabei por pegar um engarrafamento terrível... Então,
bom dia a todos! — Respondem em uníssono. Muitas meninas estão
vermelhas e agitadas. E eu estou sentindo que vou morrer por
segurar o riso pela cara do Alessandro. — Já devem saber quem eu
sou, mas, para quem não sabe, me chamo David Escobar e sou
delegado civil. Ao que parece fui escolhido para ser uma surpresa a
todos. E aqui estou, então surpresa! — ele brinca.
Aproveito a oportunidade para libertar minha risada. Algumas
pessoas olham e escorrego um pouco pelo banco.
— Como chamou ele mesmo, Alessandro? — provoco.
— Paula, eu não sabia que seria o David... Porra, eu estava
xingando seu filho. Eu... Para de rir, cacete! — ele cochicha e olham
para nós e os dois a nossa frente reclamam e pedem silêncio.
Olho para o palco e lágrimas escorrem em meu rosto de tanto
rir. Levo a mão à boca e encosto no Alessandro, virando o rosto para
o seu peito e continuo rindo. Ele está sem jeito. Passa o braço ao
meu redor e cochicha em meu ouvido:
— Para de rir, ou vão nos expulsar. E seu filho está com uma
arma na cintura, bem capaz de atirar em mim!
Começo a contar mentalmente e respirar fundo. Vou
controlando a risada aos poucos. Algumas pessoas olham sem
entender. Quando olho para o palco, David fala com o olhar em nós.
Dou um pequeno aceno e encaro o Alessandro.
— Sua cara foi impagável! — confesso com a voz chorosa pelo
riso.
— Claro, eu estou desde ontem xingando, e para você que é
mãe dele!
— Relaxa. Eu mesma xingo tanto eles; mentalmente então,
nem se fala. Vamos prestar a atenção no que ele tem a dizer. Já que
foi empata-foda como o chamou, o mínimo é dar atenção. — Dou um
risinho.
Ele me olha feio e não aguento, volto a rir com vontade. Tenho
que sair de fininho do auditório para o banheiro onde começo a me
recompor e ajeitar a maquiagem, que agora sim borrou, de tanto eu
rir e acabar chorando.
Nunca vi o Alessandro ficar tão desconcertado como hoje. Isso
só prova o quanto ele respeita minha família, mesmo irritando a
ele. Coitadinho, ele preocupado e eu me acabando de rir. Estou
ficando perdida como todos os Escobar. Eu não era assim. Preciso
de terapia, essa família está me enlouquecendo.

A palestra terminou e todos foram cumprimentar meu filho.


Alessandro e eu saímos às pressas do auditório. Ele conversou com
alguns professores e o reitor e nos despedimos rapidamente e
fomos para a entrada da universidade. Paramos em um canto e ele
me abraça por trás. As pessoas que saem ou entram observam
curiosas.
Resolvemos esperar o David ao menos para dar um “oi”, o que
nunca é apenas isso. Sempre envolve eu enforcar algum dos meus
filhos. Pascoal e Josh fazem sinal e retribuo dizendo que está tudo
bem e eles concordam, mas mantêm um pouco de proximidade.
Demora um pouco, mas logo meu filho sai e chamo seu nome.
Ele se aproxima, e faz sinal para sairmos da entrada. Vamos em
direção aos nossos carros. Os seguranças seguem e o novo
segurança dele, Michael, se aproxima e se junta aos outros.
— Qual era a comédia, dona Paula? — ele questiona e
pigarreio.
— Nenhuma, meu lindo. Tudo na mais perfeita ordem. — Coço
a nuca.
— Sei... — Ele olha para a minha mão e a do Alessandro
entrelaçadas. — Está mesmo sério. Estão se mostrando em público...
Sabe, eu realmente quero gostar disso, mas está foda!
— Está sério. Isso é verdade — confirmo sorridente e olho
para o Alessandro, que me lança seu sorriso.
— Se você a machucar, eu fodo sua vida. Eu te mato. Ninguém
nunca vai te encontrar. Eu acabo de verdade com você. Vai implorar
por perdão! — ele diz sério e bipolar como sempre.
— Quando um delegado me ameaça, eu tenho que prestar
queixa ou algo do tipo? E faço isso para qual delegado? —
Alessandro provoca e aperto sua mão.
— Eu não gosto de você, cara. Henrique tinha razão.
Deveríamos ter dado fim em você.
— E desde quando você dá razão ao louco do seu irmão? —
questiono.
— Desde que esse aí passou a ficar grudado na senhora. Porra,
passou cola? Virou tatuagem?
Acabo sorrindo do nervosinho a minha frente.
— Filho, menos... E me diga. O delegado geral não tocou mais
no assunto do acontecido? — mudo o rumo da conversa.
— Não. Ele pediu para não escutar mais nada sobre isso. Ele
quer sigilo e foi arquivado. Porém, disse que mais um deslize meu
vai acabar com minha carreira. Ao que parece, estou sendo mais
vigiado que reality show. É foda!
— Sinto muito, meu amor. Mas vai dar tudo certo. Acho que vai
ser um momento de paz por enquanto.
— Espero... — ele diz olhando para o Alessandro. — Retiro o
que eu disse.
— Porra, eu nem fiz nada agora! — Alessandro rebate e meu
filho fecha ainda mais a cara.
— As meninas, como estão? — pergunto e sua expressão
suaviza e o brilho em seus olhos aparece.
— Mãe, eu estou para enlouquecer. Laura está muito arteira e
teimosa. Sem contar que a cada dia ambas aprendem a falar mais e
a escalar mais as coisas. Quando estou em casa é o dia todo
brigando com elas e a Liziara dizendo que a culpa é minha porque
“são minhas filhas”.
Sorrio.
— Agora sabe o que passei com vocês. Mas logo essa fase
passa. Estão na fase do conhecimento.
— Por que não ficam no conhecimento como a Yasmim, Laís, o
Arthur e até o Eric, filho da Débora e do Cleber? Porra, tenho
certeza de que a Liziara manda elas me torturarem. Até Sophie é
mais calma que elas. Elas vão me dar ainda mais trabalho quando
maiores, certeza. É praga pelo que fiz a Liziara passar.
— Amarra elas — Alessandro diz em tom irônico e rio.
— Vou amarrar sua língua, infeliz! — David dá um passo.
— Não tem que amarrar. Tem que ter paciência e ensinar com
calma, filho.
— Eu sou calmo! — ele diz nervoso. Ergo a sobrancelha e ele
revira os olhos. — Mesmo assim, amo muito as minimaluquinhas. Se
bem que Helena ainda obedece mais, e só faz as travessuras quando
vai na onda da Laura.
— Igualzinha a vocês menores. É a lei do retorno.
— Porra, ela existe mesmo! Estou ferrado! — Alessandro
comenta e David o encara sério. — Eu era uma praga como aluno e
hoje vejo meus alunos sendo comigo. Está explicado o motivo.
— Você é um professor renomado e não acreditava na lei do
retorno? — brinco.
— Não acredito até hoje que meu pau é grande. E posso
comprovar; na verdade, você já comprovou, amor... Mas, enfim,
como vou acreditar em tudo que dizem?
Fico vermelha. David olha como um gavião para o Alessandro.
Seus olhos, que são azuis meio acinzentados, ganham um tom mais
forte, um azul bem intenso. Parece que sua altura triplica pela raiva,
e ele é o mais alto dos meus filhos e até mais que o Marcos. Seus
lábios ficam em uma linha fina. Ele vai matar o Alessandro.
— E vamos embora... Amo você, filho!
Saio arrastando o Alessandro, que está com um sorriso
debochado.
— Eu sou cardíaca e você não coopera.
— Na hora do sexo, você não é cardíaca, né?
— Você... Meu Deus! Você é impossível, Alessandro!
Ele ri e me lança uma piscadela antes de entrarmos no carro.

Estamos na casa dele, deitados na cama enquanto ele prepara


alguns materiais para sua aula de segunda-feira e eu para a
audiência que terei, envolvendo a guarda de uma menininha de
cinco aninhos. Estamos tentando adiantar as coisas para ficarmos
livre hoje à tarde e amanhã.
Fico atenta a tudo que leio através do iPad que ele me
emprestou e pude acessar meu e-mail onde tenho acesso a tudo que
estou lendo. Faço algumas anotações no celular para passar a
Marilene, minha atual secretária, e assim ela me ajudar nos
contatos que preciso fazer na segunda-feira antes da audiência.

Alessandro Santos

Termino tudo o que tenho que fazer e fecho a tela do notebook
deixando-o no criado-mudo. Olho para a mulher ao meu lado, que
morde um canto do lábio em uma forma bastante atraente. Sua
expressão é séria e isso me atrai ainda mais. Paula sabe ficar linda
de qualquer forma.
Levanto e ela nem se move. Parece ler algo muito importante.
Saio do quarto e vou até a cozinha onde bebo água. Expulsei a Irene
por esse final de semana, pois parece que ela não tem vida além
daqui. Dei um final de semana de spa a ela, que com muito custo
aceitou.
Saio da cozinha e vou para a sacada da sala onde me apoio nas
grades e tiro o celular do bolso e ligo para o Felipe. Dizem que a
esperança é a última que morre.
Apenas chama até cair na caixa postal.
Sinto mãos contornarem minha cintura e dou um leve sorriso.
Viro ficando de costas para a vista da área da piscina e de frente
para a mulher que tem me deixado louco. Ela leva ambas as mãos ao
meu peito. Desço as mãos para a sua cintura e puxo-a deixando
completamente colada ao meu corpo.
— Estava ligando para ele?
Concordo com um aceno.
— Aquele filho da puta me irrita e só faz merda, mas o amo e
preciso de notícias.
— Eu de verdade sinto muito por tê-lo julgado. Naquele dia em
que vi a mensagem e ele falando que a máfia tinha liberado ele de
vez para ajudar, eu pensei como advogada, e não como uma mulher
que sabe que nem mesmo a própria família, que é da lei, vive
seguindo as regras e que seu irmão seja ele o que for, não cabe a
mim julgar. É uma escolha dele e não minha.
Sorrio e beijo levemente seus lábios.
— Ele não é filho de sangue do meu pai, mas pelo visto o gênio
ruim do velho passou para ele. Mas ele não era assim. Porém, após a
morte dos nossos pais, ao que parece, se encontrou neste meio,
mesmo tendo uma carreira brilhante como cirurgião plástico, algo
que também ama, afinal, iria abrir uma clínica no Brasil, se não foi
mais uma de suas omissões.
— Ale, podemos investigar se ele realmente está comprando
algo ou já comprou. E caso tenha comprado, tem que estar tendo
alguma movimentação. Com isso podemos saber algo que nos leve a
ele. Seu irmão pode ser o que for, mas eu devo muito a ele pelo
apoio e ajuda a minha família; e graças a ele, vocês descobriram
antes que era a Poliana fazendo tudo e já foram preparados.
Respiro fundo. Eu sou louco, tenho que confessar, mas não ao
ponto de querer colocá-la em mais problemas.
— Não faça essa cara.
— De lindo? Impossível. É algo natural — brinco e ela revira os
olhos, sorrindo.
— Não. Eu falo da cara de preocupação e querendo me
proteger. Passei a vida ao lado de um homem que daria a vida por
mim; e para muitos, isso seria digno de um grande herói. Mas para
mim apenas me fez recuar diversas vezes, ter medo e não confiar
que eu posso ser mais do que a viúva de um Escobar. Eu amava
muito o Joseph e sempre vou ter um lugar especial em meu coração
para ele, mas não preciso viver repetindo tudo. Acaba se tornando
cansativo viver à sombra de outro, mesmo que sem querer. Então
não me olhe assim, com preocupação e prestes a me dizer algo
como “não quero te envolver nisso”. Estamos juntos e vamos sim
nos envolver nos assuntos um do outro.
Seguro seu rosto com ambas as mãos. Que orgulho que tenho
dessa mulher!
— Eu já te disse que você é um mulherão da porra?!
Paula sorri timidamente e beijo seus lábios com puro desejo,
mas ela se afasta rapidamente.
— Nem pensar. Não me enrola. Vou pedir uma certa ajudinha.
— Homens Escobar? Prefiro o Casagrande, com ele me entendo
mais. — Sorrio.
— Não. Nesta família tem mulheres maravilhosas também.
Como Ana, que é advogada criminalista; Daiane, promotora; Liziara,
com seu gênio forte e sua esperteza além do desastre, óbvio, mas às
vezes até isso ajuda; e Beatriz com sua sabedoria e calmaria.
— E assim nasceram as meninas superamorosas.
— É superpoderosas, Alessandro.
— Que seja. Entendeu, cacete? Não complica.
Rimos.
— Vamos, no caminho ligo para elas e marco de nos
encontrarmos no meu escritório ou na casa de quem estiver livre.
Vai por mim, meu querido, você não vai querer os homens desta
família tentando encontrar uma solução, são um bando de ogros.
— Não pode ser aqui? Podemos relaxar enquanto isso.
— Não. Porque você vai acabar me atentando e vamos nos
perder no sexo e ficar sem atenção.
— Gosto de ficar sem atenção.
— Alessandro, vamos logo!
Ela se vira e fico rindo.
Paula tem razão! Preciso de informações sobre meu irmão.

Paula Escobar

Chegamos à casa do Henrique e Ana. Beatriz e Liziara estão a
caminho. Ao que fui informada os homens foram jogar futebol, o
que é uma maravilha. Não quero eles deixando a todos loucos e se
matando. Alessandro não precisa disso e eu também não.
— Sentem-se. Fiquei curiosa com a reunião — Ana pede
enquanto nos sentamos.
— Precisamos saber o paradeiro do meu irmão.
— Ele não dá notícias desde aquele dia? — Minha nora fica
completamente espantada.
— Nenhuma. Sabemos que ele estava comprando uma clínica
aqui; se for verdade da parte dele, talvez podemos obter
informações.
— Sim. Posso ajudar. Porém, eu irei precisar do notebook
“especial” do Henrique. Ele tem acesso livre a diversos meios de
buscas. Mas o bonito do meu marido não me passa a senha, porém
Luciano pode ajudar. — Ela aponta na direção do segurança ao lado
da porta, que faz cara de encrencado.
— Ótimo. Vamos esperar a Liziara e a Beatriz. E cada uma
investiga de um modo — digo e ela concorda.
— Desculpa envolver vocês nisso.
— Alessandro, eu fui acusada de assassina, nesta família
ninguém é perfeito — ela diz do seu jeitinho doce de ser.
— Que bom que, no meu caso, apenas meu irmão é o assassino.
Acerto um tapa em sua perna e rimos.
— Yasmim e Laís? — questiono devido ao silêncio da casa.
— Laís está dormindo, ela anda bem enjoadinha, gripada e
com mais dentinhos nascendo. Noite passada foi difícil, revezei com
o Henrique, porque ela não queria dormir — ela suspira. — Já
Yasmim estava desenhando no quarto dela com a babá Celinha.
Logo ela aparece, para querer mostrar o que fez.
Sorrio. Amo tanto as crianças dessa família. São meu brilho na
escuridão.
Escutamos vozes ao lado de fora e não dá tempo de o Luciano
abrir a porta, pois o pobre homem é acertado por ela quando
Liziara abre com tudo.
— Meu Deus, Luciano. Perdão! — diz desesperada.
— Tudo... Tudo bem, senhora Liziara — tranquiliza-a
esfregando o rosto.
Ela entra com as gêmeas, que correm com seus jeitinhos
desconcertados em nossa direção. Laura vem para os meus braços e
Helena para os da tia.
— Oi, meu povo. Manda a confusão da vez! — Liziara se senta
na poltrona à frente, deixando a bolsa das meninas ao lado.
— Bobó, mamãe bigou — Laura diz e sorrio.
— E por que ela brigou?
— Laula falô cota fea — Helena a entrega e Ana sorri beijando o
rosto da pequena e a abraçando apertado.
— Essas duas estão uns monstrinhos. Tudo que fala, elas
repetem. E elas têm um pai e um padrinho com um linguajar nada
apropriado. E um tio que só ensina coisa errada. O único que se
salva é o Jacob, misericórdia!
— E eu. Não faço nada — Alessandro diz e Laura olha séria
para ele.
— Papai num gota de vuce.
— Laura Escobar! — Liziara a repreende e ela sorri sem jeito.
— Alessandro, não liga. Eu sou uma boa mãe... tento ser...
Certo, nem sempre sou. Mas juro que o que elas falaram não veio de
mim.
Rimos.
— Liziara, acho que elas têm muito de você e do David — Ana
diz e coloca a Helena no chão.
— Nem pensar. Eu sou calma, pura, tranquila... Deus me livre
se fosse como elas.
— Mas você gosta de mim? — Alessandro questiona Laura, que
o analisa bem.
— Num xei. Vai dar ocolati?
— Eu vou matar o Henrique! Olha o que ensinou a elas! —
Liziara diz revoltada. — Filha, não se faz isso. É feio querer algo em
troca de carinho e amizade.
— Ele ensinou a Yasmim também. Bem-vinda ao clube! Meu
marido é louco e já desisti de tentar entendê-lo faz tempo. — Ana dá
de ombros.
— Sabe, essas crianças devem ser cuidadas bem longe dos
homens da família — digo realmente preocupada.
— Eu dou, se você me der um abraço bem apertado toda vez
que me ver — Alessandro negocia com ela e estende a mão e ela
pula para o colo dele.
Helena não perde tempo e faz o mesmo.
— Pronto. Olha o outro entrando no jogo delas. Estou ferrada!
— Estamos, Liziara. Estamos! — digo bem chocada com a
situação.

Laura e Helena foram ficar com a Yasmim. Beatriz já chegou, e


deixou Arthur na casa deles com a babá Cida.
Estamos no escritório e Luciano já desbloqueou o notebook do
Henrique onde Ana mexe agora.
— Ai, meu Deus! Vamos usar isso. Meu sonho usar esses
painéis iguais das séries policiais! — Beatriz grita animada olhando
o painel em uma parte da parede ao lado esquerdo.
— Henrique colocou com a intenção de resolver casos, mas
resulta apenas em desenhos da Yasmim que sobe na cadeira e fica
rabiscando tudo — Ana fala e sorri.
— Vocês são sempre focadas assim? — Alessandro questiona
irônico.
— O professor aí tem razão. Vamos focar — Liziara concorda
andando de um lado para o outro com uma caneta nas mãos. — O
último contato foi no dia da imensa confusão.
— Ele seria julgado pela máfia. Mas como conselheiro, não
acredito que o matariam... Que tipo de máfia é essa, Alessandro? —
questiono.
— Eles são um tanto agressivos e diferente do que vemos nos
livros e filmes.
— Que droga! Assisti a “O poderoso chefão” à toa? É enorme!
— Ana comenta desanimada e sorrimos.
— Quando um membro falha, passa por um julgamento que
pode haver torturas. Felipe falhou duas vezes. A primeira no
casamento onde traía a esposa, que era filha de outro chefe, e
fizeram união das famílias, mas ele ferrou tudo e por isso sumi.
Podem ter uma testemunha para ajudá-los. Não sou da máfia, mas
como irmão dele permitiram, desde que eu fizesse o juramento que
não mentiria ou iria contra a verdade, em prol de defendê-lo. Com
isso, vi ele ser torturado, com rasgos nas pernas e ombros, socos no
estômago. Ele pagou caro por desfazer a aliança entre as duas
máfias, rompendo o maldito casamento. E disseram que, como
Conselheiro da máfia, ele deveria dar o exemplo. É tudo o que sei.
Ele não fala muito.
Olhamos assustadas. Que loucura é essa?!
— Ótimo. Ele é também um cirurgião plástico famoso. Vocês
comentaram sobre ele estar comprando algo, é isso?
— Exatamente, Ana — respondo.
— Puxarei o nome dele para saber se estava realmente
comprando algo ou se já comprou, e qual a movimentação dele
diante disso.
— Enquanto você faz isso, Ana, irei investigar a conta dele
através do acesso ao banco, e ver se ele movimentou a própria
conta nas últimas semanas — Beatriz declara, mexendo no
notebook da Ana em seu colo.
— Eu vou puxar todos os sites que noticiaram algo sobre ele e
tentar a busca através do programa facial. — Liziara pega o iPad na
mesa e se senta.
— Irei entrar em contato com a Débora e ver se consegue mais
informações — aviso.
— Alessandro, me passa seu celular. Vou abrir uma conexão de
rastreio, e tentar colher informações através das tentativas de
chamada que fez a ele — Ana pede olhando para a tela do notebook.
— E eu faço o quê? — Alessandro questiona.
— Você é observador. Busque algo em sua memória que nos
possa ser útil, meu amor — digo a ele.
— Que lindo! O David e eu trabalhando juntos em algo só sai
xingamentos.
— Não é diferente de mim e do Marcos. Aquele homem é para
foder o juízo e não é de um bom jeito.
Rimos.
Envio mensagem a Débora e peço ajuda. Ela rapidamente
responde dizendo que vai revirar tudo que puder, pois precisaria
de alguns acessos que o Cleber tem, mas ele está no futebol com os
outros. Envio também mensagem a Daiane, que diz que está no
trânsito, pois vem da fazenda Casagrande, onde foi almoçar com a
Sophie.
Alessandro entrega o celular a Ana e encosta na parede à
nossa frente e fica observando. Está pensativo. Pelo visto busca algo
em sua memória.

Tempos depois temos alguns resultados nada positivos.


Débora alega que não tem rastros dele na cidade, após eu passar
todos os dados que me pediu.
— Ana? — questiono.
— O rastreio ao celular dá como restrito, mesmo tentando
burlar o sistema e puxando pelo do Alessandro. E sim, ele comprou
a clínica.
— Comprou dias antes do acontecimento. Pagamento à vista e
era uma alta quantia e foi a última vez que mexeu em sua conta —
Beatriz diz firmemente.
— Reconhecimento facial o localiza apenas na última semana
que o vimos. Depois não encontra mais nada. Os sites e revistas de
fofocas como a praga da Belos e Famosos só diz a mesma coisa: “Onde
está o cirurgião Plástico Felipe Santos?”. Nada além.
— Débora também não conseguiu nada. Hospitais, delegacias,
e até mesmo últimas entradas em cemitérios na Califórnia e Brasil.
— Tenho duas opções — Alessandro fala e seu tom é sério
fazendo com que todas nós olhemos para ele. — Ele é esperto, sabe
esconder rastros. Na primeira opção, ele pode estar vivo e quer
ficar no modo oculto. A segunda, mataram ele e camuflaram os
rastros — sinto o pesar em seu tom ao dizer.
— Não vamos perder as esperanças. Não consegue se lembrar
de nada? — Ana pergunta.
— Não que eu... — Faz uma pausa e franze o cenho. — Claro!
Ele veio em uma missão, mas desviou para nos ajudar. Ele estava
investigando a máfia que está agora vulnerável após o chefe ser
preso e julgado. Pelo menos foi o que o infeliz disse.
— Bia, é com você. Como conseguir as informações sobre este
caso que seu juizão trabalhou? — Lizi aponta para a Beatriz.
— Complicou. Marcos é muito reservado quando se trata do
trabalho. Nem a mim, ele compartilha muito.
A porta se abre e Daiane entra sorridente.
— Ouvi que precisam de informações um tanto privilegiadas?
— Oi, gente! — Sophie cumprimenta toda sorridente como
sempre.
— Oi, princesa — digo e ela vem até a mim. Me abraça e depois
faz isso em todos.
— Estão tramando. Os homens vão ficar bravos que não estão
juntos. Isso vai dar confusão. Por isso vou procurar a Yasmim.
Cuidar dela é bem melhor que enfrentar eles nervosos — Sophie diz
e não aguentamos, acabamos rindo. — Tia Ana, onde ela está?
— No quarto dela com as gêmeas. Pode ir lá, meu amor. E
evitem gritos, a Laís está enjoadinha e não dormiu nada na noite
passada.
— Pode deixar. — Ela sai animada.
Daiane se senta ao lado da Beatriz.
— Daiane, você pode ser a chave para a porta fechada. Você é
promotora, o que consegue do caso da máfia que o Marcos julgou?
— Liziara questiona.
— Tudo. Isso é como fazer brigadeiro de colher, muito fácil.
— Estou com fome — Alessandro fala e ela sorri. — Ficar
falando de brigadeiro não ajuda.
— Que péssima pessoa eu sou. Vou trazer algumas coisas para
beliscarmos enquanto isso.
— Ana Louise, até que enfim se tocou! Na lista black das
cunhadas, você lidera! — Liziara fala tirando o tênis e colocando os
pés na poltrona.
Ana mostra a língua a ela e sai do escritório.
— Vou fazer algumas ligações e em breve teremos os
relatórios dessa máfia e se estão em confronto com algo ou não.
Com o chefe deles preso, estão um pouco vulneráveis e a Polícia
Federal está investigando mais a fundo com seus agentes.
— Ele saberia disso. E tomaria o triplo de cuidado em ser
encontrado — Alessandro comenta se sentando ao meu lado.
— Boa. Ele pode estar bem embaixo do nosso nariz, e só
estamos olhando na direção errada! — Beatriz rebate e morde o
canto da boca pensativa.
Concordamos totalmente com ela.
— E se for ele que não quer ser encontrado? — indago.
— Então não encontremos. Ele fez isso e fiquei sem vê-lo por
dois anos.
— E como sabia que ele estava vivo? — Daiane questiona.
— Ele deixava mensagens em formas de bilhetes no meu
apartamento, sem ninguém nunca ter visto como.
— E agora ele não fez... Alessandro, por mais que tudo esteja
indicando uma péssima notícia, vamos manter a esperança da
famosa luz no fim do túnel — Liziara diz com carinho.
— Ela tem razão. Talvez ele esteja mais uma vez te protegendo,
Ale. Não vamos perder a fé. — Seguro sua mão.

Alessandro Santos

Elas investigam e eu preciso de um pouco de ar. Pensar mais.
Porra, Felipe ainda vai me matar de ódio!
Paro na porta que dá para o jardim dos fundos e fico
observando. Só preciso disso, vento e alguns minutos. Porque é
muita coisa acontecendo nos últimos tempos.
— Sai, Laura. Não podi pega. — Olho para a vozinha atrás e vejo
uma ruivinha de olhos claros, segurando uma folha e a mão da
Laura.
Elas me olham e Yasmim inclina a cabeça um pouco para o
lado me observando, mania que notei que o pai dela também tem.
— Onde as mocinhas vão? — pergunto sorrindo.
— Oi, voxe é o homem que meu papai não gosta!
Me sinto tão amado nesta família!
— Ismim, mamãe falo que naum podi tizer itu.
— Laura, é Yasmim! — a ruivinha a corrige e a pequena Laura
faz bico pela bronca.
— Yasmim, você precisa ser mais paciente. Ela é mais nova que
você.
— Já sei disso. — Percebo o quanto ela consegue falar bem
melhor dependendo das palavras. Essa é inteligente demais.
— Pois bem, desse modo é seu dever ser mais calma e
entender que ela tem mais dificuldade em falar do que você.
Ela me olha desconfiada e abaixo ficando à altura das duas.
Laura vem para os meus braços e seguro-a, está com os lábios
tremendo. Vai chorar e vão cortar meu pau fora achando que eu fiz
algo.
— Tá bom! Desculpa, Laura.
Sorrio para ela e dou uma piscadela e ela fica vermelhinha
destacando ainda mais as sardas.
— Então, gatinha, vai desculpar sua prima? — questiono a
pequena agarrada a mim.
— Xim!
Laura se afasta e abraça a prima.
Ana se aproxima e sorri. Levanto-me sob seu olhar.
— As gêmeas têm mais dificuldade em falar algumas coisas,
Lizi levou ao médico, pois estava preocupada, mas ele disse que está
tudo bem, é apenas uma pequena manha delas e preguiça, mas que,
com mais firmeza e ajudando sempre, pegam o jeito. E outra, elas
são novinhas, quase bebês na minha opinião — diz baixo.
Ficamos olhando e Ana torna a falar e, desta vez, bem alto:
— Já a dona Yasmim anda amadurecendo demais para a idade
dela. Já te falei que é a prima mais velha, e deve ter mais paciência!
— Mamãe, Sofi que é.
— Ponto para a ruivinha ai! — digo e Ana me olha feio. Melhor
eu me calar.
— O que estão aprontando?
— Vim tazer pra você. Aí a Lau veio.
Ela entrega o papel a mãe e olho para o desenho todo cheio de
rabiscos. E eu achando que meus alunos entregavam coisas
incompreensíveis.
— Que lindo, meu amor. Eu amei.
— Eu judei, titi!
Ana se abaixa e dá um beijo em cada uma.
— Ficou lindo, princesas! Agora voltem lá para o quarto.
Elas concordam.
— Se estiverem com fome, avisem... O que me lembra de que
tem lanches no escritório, Alessandro. Vamos?
A porta se abre e olhamos para a tropa que chega. Marcos,
David, Jacob e Henrique entram animados, vermelhos, suados. Mas
a alegria morre assim que me olham.
— LUCIANO, ESTÁ DEMITIDO! — Henrique grita olhando para
o segurança e apontando para mim.
— Ultimamente o senhor tem me mandado embora toda
semana. Com licença, vou verificar a ronda dos seguranças. — Ele se
retira e Ana ri. Se ela riu, eu posso, né?
— Papai! — Ana e Laura gritam e correm para seus respectivos
pais, que as pegam no colo.
— O que esse porra faz aqui?
— Epa, olha o palavreado, Marcos! Deposita a grana depois! —
Liziara diz surgindo na sala ao lado das outras.
Olho sem entender e prefiro continuar assim.
— Que caralho está acontecendo aqui? — David questiona.
— Olha a boca, David! — Liziara repreende e ele a olha feio.
— Ele é legal, papai! — Yasmim diz.
— QUE ISSO, YASMIM? TRAINDO SEU PAI? — ele grita e ela
segura para não rir levando a mão à boca.
Nem a filha o leva a sério. Coitadinho.
Paula para ao meu lado e revira os olhos. Cruza os braços e
suspira.
— Beatriz, cadê o Arthur?
— Com a babá, Marcos. Não pira.
— Não pira? O caralho que não pira! — ele rebate e ela o
desafia com o olhar.
— Menos, bem menos, meu amor — a corajosa declara e eu
quero rir.
Sophie desce com a Helena. E a segunda vai até o pai.
— Pai! — Sophie corre para o pai e o abraça. — Que nojo!
Assim não tenho como ser boazinha. Todo suado igual porquinho.
Eca, Daiane! Como aguenta?
— Me faço essa pergunta todos os dias, gata!
— Ótimo. Bom saber o quanto valorizam a mim — Jacob diz e
se senta no braço da poltrona.
— Sabe, eu me sinto bem recebido nesta família — comento.
— Que bom que leva na esportiva — Beatriz diz sorrindo.
— O que estão aprontando? — Henrique questiona colocando
a filha no chão e o David faz o mesmo com as gêmeas. Elas
cumprimentam os outros e Yasmim parece ter um apego enorme ao
Jacob porque se agarra a ele, sem se importar se ele está suado.
Laura olha feio para o Marcos quando ele aperta a bochecha dela.
— Sabe, Marcos, suas afilhadas têm amor e ódio por você, mas
o bom que a conta bancária delas é bem gorda, graças a você.
Faculdade garantida.
— Cala a boca, porra-louca! — o juiz fala olhando feio para a
Liziara.
— Acabou o circo? — Paula questiona com a sobrancelha
erguida.
— Eita! Vamos, meninas. Como diria minha bisa: agora danou-
se! — Sophie fala levando a mão à cabeça.
Elas saem da sala e rio.
— Que caralho faz aqui? — Henrique me encara nervoso.
— Sempre quis fazer orgia — provoco.
— Filho da puta! — Henrique avança e Jacob o segura. — Tira a
mão, seu rouba mãe!
— Qual é? O que mais eu iria fazer aqui? Já tentaram falar ao
menos com essas mulheres quando se reúnem para algo? Elas
enlouquecem qualquer um — digo e Paula me acerta de um lado e
Liziara do outro. Só me fodo!
— Cuidado, Alessandro, não tenho unhas grandes à toa! —
Beatriz declara.
— Nem sempre minhas pernas servem apenas para andar, na
maioria das vezes é para chutar a bunda de quem me provoca! —
Ana rebate e cruza os braços.
— É, Ale, às vezes sou uma santa, a única entre elas — Daiane
diz rindo.
— Quanta calúnia! Eu sou santa, e a única. — Liziara finge estar
ofendida.
Que porra de gente louca é essa? E essas falas? Devo me
preocupar? Puta que pariu! Em que manicômio vim parar?
— Liziara, você é tão santa que... Esquece — Henrique começa,
mas para.
— O que ia dizer, Henrique? Desembucha! — David diz sério.
Henrique se afasta. Esperto, provoca e corre.
— Porra-louca, aprontou, com certeza — Marcos diz e cruza os
braços.
— Fodeu! — Jacob ri.
— N-não aprontei. Henrique é louco! — Ela fica nervosa. Isso
não é bom.
— Por que está nervosa? — David questiona ainda mais.
— Deixem disso. Estamos aqui por assuntos que não diz
respeito a vocês e parem de atormentar as pessoas. E, Henrique,
deixa de ser linguarudo. Se a Liziara não contou que trabalhou na
boate e o Joaquim estava lá, o problema... Ai, Deus!
— PAULA! — As meninas dizem juntas.
— Mamãe, que bela fofoqueira! — Henrique provoca.
— Olha o que fez, eu vou te matar, Henrique. Eu vou!
— Desta vez, ele não teve culpa sozinho, sogra — Jacob fala.
— Cala a boca, pateta! — Daiane repreende o esposo.
— Eu nunca defendo o Henrique e, quando faço, me lasco! Vou
para a cozinha assaltar a geladeira alheia.
— ENCOSTA NA MINHA COMIDA E ARRANCO SEU PAU! —
Henrique grita.
— Tem lanche no escritório... — comento e Jacob sorri.
— Eu não gosto de você, cara! — Henrique fala entredentes
enquanto me olha raivoso.
Jacob vai para o escritório com o Henrique seguindo-o e
ameaçando atirar em sua bunda.
— Paula, acho que você criou um ambiente perigoso. Olha a
cara do David. Não parece que ele vai arrastar o pé direito, e então
vir que nem um touro louco? — cochicho em seu ouvido e ela
concorda.
— Beatriz, vamos. Não estou a fim de presenciar um homicídio,
ainda mais não sabendo quem vai matar quem.
— Pois, eu estou. Se aquieta, juiz de quinta.
— Porra de mulher! — reclama nervosinho. Esse juiz precisa
de um calmante.
— David, antes de surtar, eu quero dizer...
— Não quero ouvir. Melhor nem falar nada agora, porque eu
sinto que você vai me matar de tanto estresse. E esse Joaquim,
considere ele morto.
— Epa! Ninguém morre. Depois eu tenho que limpar da mídia
toda merda que fazem! — Daiane reclama apontando para eles.
— E eu tenho que limpar de tudo quanto é buraco nesse meio
jurídico, que é um caralho de burocrático. A pirralha tem razão —
Marcos concorda e se senta no sofá.
Quem vai fazer a pipoca e trazer as bebidas?
— Que bom que não preciso falar nada, porque nesses longos
dias escondendo, não achei a melhor forma de dizer. Nossa, me
livrou de um grande e enrolado discurso, amor — Liziara suspira ao
dizer e não sei, mas não me parece que foi uma boa escolha essas
palavras.
— É, eu vou te matar primeiro! — David dá um passo e Liziara
corre e se esconde atrás de mim.
— Porra, virei escudo?! — grito.
— Cala a boca, Alessandro, e ajuda! — ela pede e vira para a
Paula, levando meu corpo junto. — Uma vez, você disse que ele é o
segundo mais extrovertido.
— Meu amor, eu passei a repetir muitos adjetivos sobre esses
homens na esperança de que se tornassem realidade. Acredite em
mim, sou uma grande esperançosa. — Minha mulher tenta ajudar,
mas só piora.
— Em casa vamos conversar sobre isso — David diz ao passar
a mão no cabelo e se sentar.
— Isso quer dizer sexo. Adoro ele bruto — Liziara cochicha no
meu ouvido e acabo rindo.
O clima louco muda quando Daiane olha para o seu celular,
que faz barulho, e depois para mim em negativa. Liziara se afasta e
me olha triste.
— Ele vai aparecer, meu amor — Paula me fala entendendo a
situação e segura minha mão.
— Deveria ter pedido nossa ajuda. Não concordo com ele e
nem em ter você nesta família, mas nos ajudou quando precisamos.
É uma troca — David diz.
— Ele tem razão. Sabemos que não tem notícias do Felipe
desde o ocorrido. Isso não é brincadeira. Seja a porra que ele for, é
seu irmão. E nos ajudou, devemos sim um favor a ele, mesmo que o
idiota diga o contrário. E olha que, para eu querer ajudar alguém
como ele, é um milagre — Marcos fala e faz um sinal para a esposa
que caminha até ele, e se senta em seu colo. É nítido o quanto ele
precisa sentir que tem o controle de tudo e todos, até mesmo da
esposa, quando sabemos que é ela quem dita as regras e ele segue,
porque a ama.
— Já fizeram o bastante. Está tudo bem. — Sou sincero.
— Vamos, vou preparar um café da tarde para nós e animar
essa situação. Os lanches devem ter sido devorados. Marcos, traga o
Arthur e tome um banho. Você também, David. Vou mandar o Jacob
e o Henrique fazerem o mesmo. Nada como um fim de tarde em
família para animar tudo — Ana diz carinhosa e sorrimos.
— Ana tem razão. E já que me enrolam sobre as reuniões em
família que impus uma vez, vamos aproveitar quando por um
milagre estamos reunidos sem combinar — Paula fala.
Cada um faz o que foi combinado. Paula acompanha Ana na
cozinha para ajudar.
Sento-me na sala e respiro fundo.
Meu celular faz barulho e é uma mensagem de um número
desconhecido:

“Pare de vasculhar o que não deve. Estou vivo, é tudo o que precisa
saber. Não quero essa família puxando minha vida, até porque não sou
idiota e não deixo rastros e sei cada acesso que qualquer um faz sobre mim.
Segunda-feira, eu encontro você na sua casa. Precisamos conversar sobre
uma coisa. Não retorne a este número, será inútil.
F.S.”

Leio três vezes e começo a respirar aliviado. Esse filho da puta
está bem. Mas o que ele quer conversar? O que aconteceu?
Paula retorna.
— Vem ficar conosco. Não fique sozinho, é entediante; se bem
que, às vezes, é tudo o que preciso devido a essa família louca.
Ela se aproxima e a puxo para o meu colo, beijando seus lábios
com força. É como se eu precisasse sentir que tudo isso é real. Como
se estivesse vivendo com o ar preso nos últimos dias. Sentir seus
lábios me acalmam, ao mesmo tempo que me fazem querer tirar sua
roupa e possuí-la seja onde for e sem qualquer pudor.
Ela afasta delicadamente os lábios e sorri acariciando meu
rosto.
— Ele está vivo e ele mesmo te disse isso — diz baixinho.
— Como sabe?
— Seu semblante. Ficou leve, e seu beijo, existe alívio nele,
assim como seu olhar transmite a paz de antes.
— Ele fode tudo toda vez.
— Mas é seu irmão. Eu entendo, já te disse. Mas não concordo.
Porém, jamais pediria a você que o largasse. Joel, antigo amigo do
Joseph, era assim; só fazia coisas erradas, mas jamais pedi para que
se afastassem, porque, às vezes, isso pode ser pior.
— Já disse que você é um mulherão da porra?
— Sim. — Ela sorri e porra de sorriso lindo!
— E eu também avisei que eu amo esse mulherão da porra?
Ela fica parada por um tempo, mas logo um sorriso ainda
maior e mais lindo surge em seus lábios.
— Não. Isso não disse. — Sua voz é trêmula.
— Então avisa a uma determinada mulher que a amo.
— Se for a que está em seu colo, ela acha que também ama
você. — Seus olhos brilham e é lindo de ver.
— Acha? — Ergo as sobrancelhas e ela ri.
— Estava apenas esperando você dizer que me amava para eu
retribuir essa palavra, que para mim tem um imenso poder.
Também amo você.
Torno a beijá-la. Passei a vida saindo com muitas mulheres, e
dizendo que jamais amaria alguma e a tornaria minha. Mas maldita
seja a tal lei do retorno. Ela retornou tendo nome e sobrenome, e
pisando na minha cabeça com seus saltos que eu, particularmente,
acho que a deixam ainda mais gostosa.
— Vamos, antes que eu pire.
— Não posso ir agora. Vai na frente. Está tenso.
— Eu senti — responde timidamente.
— Que bom. Porque eu me sentiria mal caso contrário, afinal
não é pequeno.
— Safado!
— Sempre.
Ela fica vermelha e sai rindo.


Quinze

Paula Escobar

Saio completamente feliz da audiência. Consegui o melhor
para a criança pela qual a mãe lutava para o pai ser mais decente e
arcar com mais coisas, afinal, o homem é ricaço e estava enrolando
a filha, e se fazendo de coitado; mas consegui todas as informações
necessárias e o coloquei contra a parede na frente do juiz, junto do
advogado dele, que longe de mim desmerecer qualquer outro
colega de profissão, mas um que se sujeita a ficar ao lado de um
homem que se nega a ajudar a filha, para mim é igual ao homem,
pois ficou o tempo todo tentando virar o jogo a favor do cliente dele,
mesmo sendo nítido que o homem não enganou apenas a garotinha,
mas como o próprio advogado dele. Mas, enfim, deu tudo certo.
Olho sorridente para o Pascoal, que abre a porta para mim.
— Pelo visto foi uma excelente audiência.
— E como, meu querido. Vi uma mãe e filha saírem com um
brilho nos olhos. Incrível como, para aquela garotinha inocente, o
pai é um herói. Ficou feliz por ter ganhado um abraço dele, e ele
prometer que vão fazer mais viagens, passeios... Por isso digo aos
meus filhos para preservarem a inocência dos nossos pequenos o
quanto puderem, porque, quando isso acaba, passamos a enxergar
um mundo escuro na maioria das vezes. — Entro no carro.
— Tem toda razão. Uma prova disso é quando parei de
acreditar em Papai Noel, o Natal parece não ter sido mais o mesmo
desde então.
— Viu só! Estou certa. Sempre estou. Agora vamos. Quero
relaxar antes do maldito treino. Por que eu faço isso mesmo?
— Porque sempre tem alguém tentando matar vocês.
— Sua sinceridade é uma dádiva.
Rimos e ele fecha a minha porta. Contorna o carro, fazendo o
protocolo de segurança, ao averiguar tudo ao redor. Vejo mais duas
motos se aproximarem com membros da equipe. Ele entra no carro
e não demora para sairmos dali, com as motos fazendo escolta.
Meu celular começa a tocar e é uma ligação do Clóvis.
— Olá.
— Sra. Escobar, encontrei a casa perfeita. Próxima de onde morava.
Bem grande, aconchegante, mobiliada, e bem ao estilo família como
gostaria. Fica em um condomínio de casas, e tem apenas duas para vender
e ambas com propostas de compradores, está uma loucura. É o mesmo
dono em ambas, e ele alegou que aquele que lhe der a melhor oferta leva
uma ou as duas.
— Pois, bem. Vamos ver a tal casa. Pelo visto é bem concorrida.
— Sim, e já reservei para que possa conhecer, porém deve ser hoje...
Mais precisamente agora. Tem como?
— Claro! Mande o endereço e estarei a caminho.
— Ótimo. Vou mandar tudo por mensagem e aguardo a senhora aqui
no local.
— Certo. Até logo.
Desligamos e não demora a vir a mensagem dele. Mostro ao
Pascoal, que muda a rota e avisa aos outros dois seguranças pelo
ponto de escuta.
— Será que conseguiremos uma casa hoje? — indago.
— Torcendo para que consiga.
— Eu também. O flat do Henrique é bom, mas não é o meu lar.
— Entendo. Então vamos torcer em dobro para esta casa ser
boa.
— Sim. E quem sabe, o David não fique com a outra casa. São
duas à venda no mesmo condomínio.
— Seria ótimo. Família por perto é bom.
— Muito. Eles precisam de uma força e eu estando por perto é
melhor. Vamos torcer, Pascoal.
Sorrimos.
Uma mensagem do Alessandro me faz sorrir e sentir que meu
corpo inteiro ficou vermelho. Leio duas vezes seguidas sua
safadeza.

“Estou trabalhando e a ponto de matar meus alunos. Mas sabe por
que não fiz? Pois preciso do seu corpo inteiramente nu para mim, e na
porra da cadeia não terei. Meu pau requer cuidados preciosos, começando
por suas lambidas... Foda, estou duro! Mulher, você está me ferrando todo!”

Respondo:

“Tenha modos. Sou cardíaca. Rsrs.”

Ele responde com uma carinha de diabinho. Eu estou
arranjada com esse homem, que é pior que os loucos dos meus
filhos, que só me causam vergonha com suas loucuras.
Chegamos ao condomínio, e Clóvis vem até nós com
autorização da nossa entrada. É realmente próximo da antiga casa.
— Diz que tem segurança vinte e quatro horas. — Pascoal
aponta a placa. — Duvido que seja tão eficaz.
— Homem, nada de paranoias. Claro que nada será totalmente
seguro, mas precisamos viver.
— Cometi uma falha, senhora, e não cometerei mais. — A dor
em suas palavras é nítida.
— Você não falhou. Você não teve escolha. É bem diferente. Eu
faria o mesmo por minha família. Você foi homem suficiente para
colocar a sua família à frente até mesmo da sua segurança. E acha
mesmo que meus filhos teriam mantido você após tudo, se tivesse
agido totalmente errado? Todos erramos naqueles dias, então se for
para colocar a culpa em alguém, que seja em todos nós. Certo?
— A senhora quem manda.
— Acho bom. Poderia dizer isso nas reuniões da equipe com
aqueles projetos de filhos?
— Isso inclui o senhor Marcos?
— Sim. Principalmente esse estressadinho. Vontade de dar uns
petelecos na cabeça loira dele. Teimoso e bravo igual uma mula.
— E mula é brava? — ele indaga seguindo o carro do Clóvis.
— Não sei, mas se for como o Marcos é totalmente.
Rimos.
Clóvis estaciona na frente de uma casa, que mais parece uma
mansão, assim como todas as outras. Estacionamos atrás. As motos
param uma de cada lado do carro. Desço e Pascoal faz o mesmo. Ele
ajeita a arma na cintura e faz sinal para os outros dois, que descem
da moto e ficam em posição.
— Essa é a casa número 1 — Clóvis informa. — Vamos
conhecê-la?
— Agora. Estou ansiosa. Já gostei do condomínio, bastante
vegetação, casas lindas e parece ser tranquilo.
— É sim. Tem muitos idosos morando.
— Você está insinuando que me arrumou uma casa em um
asilo?
— Acho que ele está, senhora — Pascoal diz e os outros tentam
disfarçar o riso, mas não fazem muito bem.
— N-Não, senhora. E-eu... — fica nervoso.
— Calma, Clóvis. Estou brincando apenas. Vamos conhecer a
casa.
Ele vai na frente e Pascoal faz sinal de que ele é louco. Acabo
rindo.
Passamos pela imensa porta. Os outros seguranças ficam na
porta.
Olho para o primeiro ambiente que sou recebida e fico
boquiaberta. É muito grande a sala. A decoração é linda, ao estilo
praiano, bem tropical, aconchegante.
As janelas imensas dão vistas para lindas árvores.
— As janelas são sem cortinas, para dar este ar mais tropical.
Porém, quem está de fora, não vê nada dentro. Vão notar que
muitos cômodos têm janelas assim. E com isso acaba tendo redução
no custo de energia devido a claridade natural.
Os móveis são impecáveis. O tapete listrado em diversos tons
de marrom chama a atenção, pois criam contraste com os sofás
brancos.
— Liste os cômodos, Clóvis.
— São oito suítes e todas incluem closet. Tem também cinco
banheiros, sendo dois apenas lavatórios. Sala de estar é onde
estamos. Tem a sala de jantar, de TV e de leitura. São dois
escritórios. Há duas cozinhas, sendo uma exclusiva da área gourmet
onde tem churrasqueira, piscina, área de lazer completa, uma
academia adaptada à casa...
— Porra! — Pascoal diz e acaba ficando sem graça.
— Pensei o mesmo, não se preocupe — digo a ele.
— Não terminei. Garagem para cinco carros e tem
brinquedoteca. Além da ala exclusiva para funcionários.
— Tem chances de conhecermos a casa inteira hoje? — brinco.
— Totalmente. Vamos! — responde animado.

Um tempo depois, conheci cada cômodo, não tão lentamente


como gostaria, mas tem horário para visitas na casa. Desta eu
gostei. Gostei muito. Sento-me no sofá e fecho os olhos. É, eu consigo
me imaginar sendo feliz aqui com minha família e com o
Alessandro... Abro os olhos e sorrio. Acho que estou indo longe na
imaginação. Estamos começando agora, mas fazer o quê, me tornei
uma romântica dos velhos clichês.
— O dono quer uma resposta até... — Clóvis começa a falar,
mas faço um sinal para que ele espere.
— Dá para montar um bom esquema de segurança aqui? —
questiono o Pascoal.
— Com toda certeza. Dá para brincar e muito por aqui —
responde animado.
— Ótimo. Clóvis, faça a melhor proposta. Essa casa tem que ser
minha, e não aceito outra resposta, além das chaves nas minhas
mãos.
— Sério? Quero dizer, essa casa será da senhora, conte com
isso. — Tenho certeza de que ele quer sair pulando.
— Ótimo. A outra casa é como esta?
— Sim. Porém, tem alguns cômodos a menos, sendo apenas um
escritório, e seis suítes.
— Certo. Preciso das fotos de toda casa e vídeos. Irei enviar ao
David e Liziara. Segure a outra casa.
— Não vai querer saber os valores? — Franze o cenho.
— Não tenho sete vidas, melhor eu nem saber. Minha antiga
casa vale muito, e sei que terei um excelente retorno. Tenho muitas
condições financeiras, mas não jogo dinheiro para o ar. Dê seus
pulos e faça a melhor negociação, e segure essas chaves. É uma
ordem.
— Pode deixar. Até amanhã darei notícias.
— Ótimo. Vamos, Pascoal... — Meu segurança está analisando
tudo. — Já está pensando nos esquemas de segurança?
— Este lugar é magnífico. As câmeras são a mais atual
tecnologia. Olhe o painel do alarme de segurança. — Ele aponta o
painel ao lado da porta. — Pode ser ajustado para comando de
travas de portas, janelas, ou até escolher apenas um único cômodo...
É um sonho... PORRA, CÂMERAS EM 360 GRAUS! Se for possível a
comunicação por elas, eu tenho a porcaria de um infarto.
— Ao que parece o dono disse que tem isso aí que falou, senhor
Pascoal — Clóvis comenta.
— Sra. Escobar, quando vai se mudar para este lugar? Porra!
— Coitadinho, ficou doido. Vamos. — Sorrio.
Saímos animados, acredito que o Pascoal bem mais que eu.
Mas a verdade é que estou feliz demais. Clóvis encontrou o que pedi.
Eu precisava me imaginar vivendo neste lugar e consegui. Consigo
ver um novo recomeço completo agora.

Alessandro Santos

Chego em casa completamente cansado. Preciso de um banho,
comida, e mais tarde irei ver a Paula.
O cansaço mental se torna um tanto pior que o físico, e porra,
estou mentalmente cansado.
— Senhor, chegou!
— PUTA QUE PARIU! Irene, você ainda me mata, inferno! —
Olho para a senhora baixinha que surge na sala.
— Perdão! Mas o senhor que anda distraído.
— Mulher, você é um fantasma. Tenho certeza.
— Não sou não. Só gostaria de saber se vai ficar para almoçar,
pois não para mais em casa...
— Está enciumada, meu amor? Tem Alessandro para todas.
Que a Paula não me escute, você precisa ver essa mulher treinando.
— Tenha modos. Não tenho ciúmes. Apenas fiz comida, e o
menino Felipe está aí também.
— Como é?! Caralho!
— No escritório. Chegou há pouco.
— TEREMOS UM NOVO PRATO: FELIPE ASSADO. EU MATO ESSE
FILHO DA PUTA!
Largo tudo no sofá e vou para o escritório. Eu vou matá-lo...
Primeiro deixarei ele falar, e depois matarei.
Abro a porta e ele abaixa o livro que está em suas mãos e o
coloca sobre a mesa, então me olha e retira os pés da mesa e se
senta ereto.
— Meu irmão.
— Irmão? — Fecho a porta com força. — Você some, manda o
caralho de uma mensagem e acha que pode vir com essa cara de
idiota e me chamar de irmão?
— Deveria estar feliz. Estou vivo. Não morto como deveria
estar pensando.
— Felipe, me dê um bom motivo para não socar essa sua cara!
— Simples. Vai me ouvir, e com muita atenção. É sério. Não
estou com tempo para ficar repetindo e nem paciência.
— Onde estava? — questiono bem sério.
— Negócios. Precisava resolver o que vim fazer aqui.
Alessandro, eu omiti algumas coisas.
— Sobre o quê? Seja mais claro.
— Sobre muitas coisas. Não me interrompa.
— Prossiga, inferno! — Sento-me no sofá e observo-o.
— Eu vim para livrar o chefe dessa máfia, que foi preso. Eles
queriam a cabeça de todos os Escobar, e eu os ajudaria. Mas
descobri que você estava com essa família, e precisava saber o que
estava fazendo com eles. Passei a investigá-los e entendi tudo. Você
estava interessado na Paula. Porém, isso te colocaria em risco e eu
não poderia poupá-lo. E, mais uma vez, fui surpreendido. Os idiotas
dos Escobar passaram a sofrer atentados, e não era a máfia dando
um recado, era outro inimigo, e caralho, você estava próximo
demais. Tive que me aproximar, então menti sobre a clínica, eu não
precisava, mas comprei. Eu me aproximei, porque meu irmão
estava nessa merda, e família sempre vem em primeiro lugar. Eu
precisava descobrir quem queria a família da lei fora de jogo, foi
então que o nome da Poliana Gonçalves Xavier surgiu. Ela havia
fugido com a ajuda de diversos policiais corruptos e comecei a
rastrear os passos dela, ela era esperta, mas eu bem mais.
— Vai direto ao caralho do ponto! — Sinto a raiva me dominar.
Eu sempre soube que tinha mais coisas ligadas à sua vinda ao
Brasil. Felipe nunca é claro sobre o que está fazendo e eu sentia que
ele escondia coisas, e pelo visto não estava errado.
— O chefe da minha máfia queria saber por que eu estava
demorando e resolveu vir pessoalmente com os outros membros.
Contei a verdade a ele e pedi ajuda. Ele queria saber o pagamento e
eu disse que, no final, ele e eu decidiríamos. Entreguei a você os
papéis com as informações, porque eu sabia que no momento certo
você abriria a boca. Só que imaginei que você cairia fora, mas não.
Você pagou de herói, e puta que pariu, eu queria te matar de tanta
raiva! E mais uma vez, coloquei sua segurança à frente. Nunca foi
por eles, sempre foi por você. Se esta família está viva foi por você.
Mas tudo desandou. Aqueles idiotas não conseguiram deter a
Poliana a tempo, e houve a briga final. Após aquilo, eu fui enfrentar
meu chefe. Eu falhei com a minha máfia e com o acordo que
devíamos a máfia daqui. Houve então o “Julgamento da aliança”.
— Que merda é isso?
— Quem atira primeiro fica com o poder. Eu era o conselheiro
da máfia, devia respeito, e falhei em todos os aspectos. Para eu sair,
apenas morto. Mas se eu ganhasse...
— Você assumiria o poder. Você não estaria apenas na máfia,
você seria essa merda.
— Exatamente, meu irmão. — Ele sorri e ergue a mão
mostrando o anel dourado com uma pedra preta que carrega em
seu dedo indicador. — Quando ele está neste dedo indica poder... Eu
atirei primeiro. Afinal, é assim que funcionam as coisas no meu
mundo. Ninguém brinca, ou hesita.
Levanto-me nervoso. Passo as mãos pelo cabelo. Puta que
pariu, isso só pode ser piada!
— Era para matar os Escobar e ajudar o caralho da máfia
daqui, e agora ainda está dizendo que se tornou o chefe dessa
merda? Era para eu ter a porra de um orgulho? — indago com
ironia.
— Não. Era para você entender como funcionam as coisas.
Aquele juiz do caralho condenou o chefe daqui e devíamos um
favor. Mas você estava nisso tudo, e priorizei você.
— Que lindo! Devo agradecer? — ironizo novamente. — Felipe,
você se ouve, porra?
— Sim. Me ouço muito bem. E não precisa me agradecer. Mas
quero que saiba de algo. A partir de agora, tudo muda. E eles não
podem saber o que me tornei. Quero eles longe dos meus negócios,
e ninguém se machuca.
— Você é um filho da puta! Sempre estraga tudo. Porra! —
grito nervoso.
— Eu sei... Mas amo você, então tome cuidado. Porque, se nada
aconteceu, foi para te proteger. — Ele se levanta e me aproximo.
— Você vai me prometer que não vai machucá-los. Porque eu
não vou mais passar pano para as suas merdas. Eu cansei, Felipe.
Ele sorri. O desgraçado sorri.
— Meu irmão, onde você estiver, ninguém sairá ferido. Não
notou ainda? Eu poderia ter ajudado aquela louca, mas salvei o rabo
deles. Mas uma hora eles podem mexer no que não deve, e você não
vai estar por perto.
— Felipe, ela já perdeu o ex.
— Eu sei. Perdeu o ex-marido, o melhor amigo deles também,
que era um tal de Joel. Os pais da ruivinha Ana Louise morreram... O
juiz teve uma ex bem louca, que chamava Renata e estava grávida
dele... Eu sei tudo sobre eles. Não preciso do seu relatório. E não irei
encostar um dedo na sua protegida. Desde que ninguém interfira
nos meus negócios. Passarei um tempo aqui na cidade, porque
agora tenho uma nova clínica — debocha.
— Eu sempre vou estar por perto. E se foder tudo, eu acabo
com você.
— Somos iguais, Alessandro. Só você não vê isso. Estamos
protegendo quem amamos.
— Com uma diferença. Não mato ninguém para isso.
— Será? Eu duvido muito. Por aquela mulher, você faria tal
coisa. Na verdade, já fez. Não se subestime.
— Se eu estiver perto...
— Eu sei que sempre vai estar, Alessandro.
— Você é um desgraçado.
— E mesmo assim ficou me buscando em todos os meios. Meus
homens têm acesso a tudo.
— Porque você é o meu irmão, seu filho da puta!
— Eu sei.
Ele me abraça e sinto o alívio desse idiota estar vivo, mas
ainda estou puto com tudo isso. Eu sabia que ele viria com alguma
merda. Sempre foi assim. Não se pode subestimar o Felipe, porque
ele é sempre capaz de surpreender e nem sempre são com coisas
boas.
Nos afastamos e a raiva ainda é intensa, acerto um murro em
seu rosto levando-o ao chão.
— Seu filho da puta! — xinga nervoso.
— É, meu irmão. Talvez tenhamos algumas coisas em comum.
Saio do escritório e escuto o riso de deboche dele. Desgraçado.

Estou no flat com a Paula e ela me conta animada sobre a casa


que viu.
Depois do soco em meu irmão, ele foi embora, mas disse que
nos veríamos com frequência nas últimas semanas. É um infeliz
mesmo.
— Vamos torcer para ser minha. Se não for, eu esgano o Clóvis.
Esgano mesmo. Não queira me ver estressada.
Sorrio e beijo seus lábios.
— Não quero. Tenho medo de você.
Ela me olha desconfiada.
— Ei, o que houve? Está muito estranho desde que chegou.
— Encontrei com o Felipe.
— Isso é bom! — Sorri animada. — Não é?
— Já nem sei mais. Meu irmão é complicado.
— Família é complicada, Alessandro. O importante é que ele
está vivo, não é?
— Tem razão. Mas ele me disse umas coisas, é difícil confiar
nele e ele ainda ferra com tudo.
— Está tudo bem. Não precisa me dizer nada, se não puder. Eu
sei bem como funciona esse mundo dele. E está tudo bem. Porque
eu escolhi você e não ele. Então respeito. Eu quero que sejamos
parceiros em tudo, e vou respeitar cada escolha sua, assim como
quero que respeite as minhas. E quanto menos eu souber desse
mundo dele, será melhor para todos nós. O importante é que
sabemos o que ele faz, então temos base em como lidar com a
situação. Porém, não é válido que você fique assim ou que ele tenha
o poder de sempre estragar tudo, pense nas coisas boas apenas,
porque no fundo o ama muito, e é isso o que deve ser sempre
lembrado. Deixe as coisas caminharem sozinhas, não interfira e não
se culpe.
— Mulher, você deveria ser psicóloga.
— Pensei nisso já, mas não daria certo. Tem dias que nem eu
mesma sei o que dizer. Meus pacientes teriam uma psicóloga
complicada.
— Mas muito gostosa... Amo como faz com que eu me desligue
rápido dos problemas.
— Isso é muito bom. E que tal sairmos para jantar?
— Vamos sim. E converse com seus filhos. Sinto que meu
segurança anda tarando meu rabo!
— Alessandro!
Ela ri e, caralho, risada perfeita dos infernos! Talvez não seja
apenas o recomeço dela, mas também o meu!
— Com quantas mulheres já saiu? — Olho assustado.
— Que merda de pergunta é essa? Um tanto aleatória, não?
— Preciso saber onde estou entrando. Sei um pouco da sua
fama. Mas é sempre bom estar preparada. Sou muito madura até
certo ponto, porque todo mundo tem uma fraqueza e a minha é
quando sou provocada ou subestimada.
— Mulher, mal começamos o relacionamento e já quer
terminar? Porra!
— Tenho que saber. Afinal, tenho que estar preparada para o
caso de todas as mulheres que você iludiu aparecerem.
— Você é louca. E está me assustando.
Ela sorri e me beija. Afasto nossos lábios e digo:
— Muitas. Melhor nem saber da quantidade que eu lembro, e
devo estar esquecendo algumas.
— Ale...
Não deixo que ela termine. Beijo-a e ela se rende em meus
braços. Melhor assim, ou terei um tiro bem no meu pau, já que, às
vezes, surge algumas mulheres do além para infernizar minha vida
em busca de mais algumas rodadas de sexo.


Dezesseis

Paula Escobar

Um mês depois...

Depois de tanta burocracia, muitos papéis assinados e muita


coisa a ser feita, eu finalmente peguei as chaves da minha nova casa,
e sim, David e Liziara compraram a segunda casa. Hoje estou bem
agitada e animada, afinal estamos fazendo a mudança, a antiga casa
foi vendida e temos apenas uma semana para retirarmos tudo. Não
é fácil, mas vamos conseguir. Até porque coloquei todo mundo para
ajudar, até mesmo Alessandro, Débora, Cleber, Frederico e Laerte
entraram nisso, afinal, os dois últimos consideram um bom treino.
Ninguém se salvou. Marcela e Jurema também estão ajudando,
confiscando cada coisa que não deve ser destruída no transporte.
Henrique queria contratar uma empresa para fazer tudo isso.
Mas eu o proibi. Nunca vi filho mais preguiçoso que este. As crianças
estão na casa do Marcos com todas as babás, o que está causando
desespero a ele, por saber que pode pegar fogo ou explodir com
aqueles pequenos “pestinhas”, como ele disse.
Jaqueline e dona Joana vieram também, foi o que eu disse: não
deixei ninguém passar batido.
— Mãe, eu juro que você vai ter um filho com as pernas
quebradas. Dê um jeito no Henrique, ou eu o mato! — Nervosa,
Daiane coloca uma caixa no chão da sala. — Pode levar, Frederico —
ela pede a ele, que leva para fora onde os carros esperam.
Irei levar todos os pertences pessoais, pois esta casa foi
vendida com todos os móveis, já que a outra está mobiliada
também.
— O que ele fez desta vez? — questiono enquanto lacro uma
caixa cheia de documentações que retirei do escritório.
— Ele está sentado sem fazer nada e dando ordens. Eu juro que
se o tio, David e o meu marido o pegarem para socar, eu vou deixar.
— Meu amor, precisa manter a calma. Ele faz isso para
pirraçar.
— Ele é o mais velho, cacete! — rebate indignada.
— Penso nisso o tempo todo — Frederico diz ao entrar. — Por
isso não gosto quando eles visitam os treinos. — Caminha na
direção do escritório, onde Ana e Beatriz ajudam a retirar as coisas.
— Paciência. Apenas, paciência! — peço terminando de lacrar
a caixa.
— Paciência é um dom que poucos tem. Eu vou socá-lo, isso
sim.
— Tudo bem. Eu vou resolver isso. Meu Deus, parecem
crianças!
Subo para o segundo andar. Escuto os xingos do David e
Marcos, e Jacob dizendo que vai matar alguém.
Vou até o quarto que estão e é o meu. Henrique está deitado na
cama, mexendo no celular.
— Eu vou matar a porra do seu filho. É sério! — Marcos diz
apontando para mim.
— Caralho, ele não faz nada! — David está estressado e joga
umas roupas dentro de uma caixa.
— Eu dei a opção de atirar nas bolas dele. — Jacob dá de
ombros.
Olho para as caixas com minhas roupas completamente
jogadas. Eu disse para Daiane manter a calma, mas...
— HENRIQUE ESCOBAR, LEVANTA A BUNDA AGORA DESSA
CAMA E COMECE A AJUDAR! — grito.
Todos me olham assustados.
— Mãe, estou cansado...
— Levanta-se agora! — Me aproximo acertando um tapa nele.
— Vocês três, arrumem minhas coisas direito nessas caixas, ou eu
juro que arranco cada pelo de vocês com uma pinça. Eu não estou
brincando!
— Ele faz a merda, e nós levamos a culpa? — David retruca
indignado.
— Eu deveria ter derrubado ele do berço! — Marcos rebate. —
Por que me impedia quando eu tinha alguma maldade planejada a
ele? Caralho!
— AGORA, SEM CONVERSA. QUERO ISSO TUDO ENCAIXOTADO
E BEM ARRUMADINHO EM MEIA HORA, OU VOU ACABAR COM
VOCÊS! EU SOU CARDÍACA, INFERNO!
Saio do quarto ouvindo-os se xingarem, e Henrique diz que se
encostarem nele, mata todos.
Encontro Liziara e a Débora saindo do antigo quarto do David.
— Paula, meu marido é um tarado! Ele tem revistas cheias de
mulheres nuas guardadas. Como pode? Eu fui traída. Eu quero o
divórcio! — Liziara fala revoltada e Débora ri.
— Como seria um divórcio de algum homem Escobar? —
Débora questiona carregando uma caixa para baixo.
— DIFÍCIL, BEM DIFÍCIL! — grito para ela, que desce as escadas
gargalhando.
— Ele me traiu. Paulinha...
— Meu amor, isso é antigo. Ele nem usa esse quarto há séculos
e você sabe disso.
— Mas por que não jogou isso fora? Eu vou matar o David!
David sai carregando duas caixas e para ao meu lado.
— O que houve? Reunião de família? — ele ergue a
sobrancelha ao questionar.
— Seu filho da puta! — ela xinga. — Perdão, Paula.
— Tudo bem, sempre sobra para as mães...
— O que eu fiz?
Ela retira da sacola as revistas e joga nele, que desvia
inutilmente, pois duas o acertam.
— Caralho, ficou louca?
— Louca é o teu passado. Você é um cretino. Esqueça sexo.
Esqueça tudo. Quero o divórcio.
Ele ri e eu também tenho vontade, mas amo minha vida.
— Não tem divórcio. E são antigas, Liziara.
— Por que, quando se trata do Joaquim, não pensa assim? Ele é
passado, e eu não me masturbei pensando nele, como deve ter feito
com cada mulher nessa revista.
— Agora você me irritou!
— Problema seu, babaca! — Ela dá as costas a ele e sai pisando
firme entrando no quarto e batendo a porta com força.
— Talvez precisemos trocar a porta, antes do novo dono...
— Mãe, que porra eu fiz para aturá-la? Era tão fácil lidar com
ela quando tínhamos apenas uma amizade com sexo, agora eu perdi
as contas de quantas vezes sou ameaçado por dia, e de quantas eu
penso em enforcá-la.
— Simples. A amou e ainda ama muito. Vocês são perfeitos um
para o outro. Se completam.
— É uma porra mesmo! Mas amo demais essa maluquinha —
diz passando por mim e rio.
— MENINOS, MEIA HORA! — grito e desço.

Alessandro e Laerte carregam mais caixas para fora. Cleber


está indo com o David levar algumas para a outra casa. Vejo Pascoal
saindo de fininho.
— Pascoal, nem pense!
— Mas, senhora, eu vou ajudá-los...
— Você vai apenas para mexer nos seus brinquedos
tecnológicos. Pode ficar e ajudar aqui.
— Que vida injusta! — ele reclama, mas volta e segue para o
corredor da biblioteca.

Marcela e Jurema confiscam algumas caixas brigando com os


meninos, por terem lacrado errado.
— Olha, nunca pensei que diria isso. Mas cuidar do Arthur me
cansa menos — Bia diz se jogando no sofá e respirando fundo.
— Eu não sinto minhas belas pernas. Eu vou morrer! — Liziara
reclama ao descer as escadas. Ela caminha para perto do sofá e se
deita no chão.
— Tudo um bando de fracas! — Laerte diz se aproximando do
sofá que a Bia está. — Uma mosca derruba vocês, que vergonha.
— Eu te odeio, é real isso! — Liziara rebate e ele ri.
— Falta pouco. Força, meninas... Cadê a Ana, a Daiane e a
Débora?
— Eu vi algumas mulheres deitadas no chão da cozinha —
Marcos informa entrando na sala e se encosta na escada. — Se
afasta deste sofá, ou eu mato você! — Olha para o Laerte.
Olho para o homem todo tatuado que fechou a cara. Ele já
terminou a parte dele com os meninos e estava confiscando o
restante das coisas. Porém, Marcos Escobar não fica calmo por
muito tempo.
— Você sabe que ela treina comigo, e existe muito corpo... —
Laerte provoca ainda mais.
Marcos leva a mão às costas e ergue um pouco da blusa, o
suficiente para o Laerte sair às pressas e rindo.
— Você não está armado — constato sentando-me no braço do
sofá.
— Não. Mas isso nunca falha. Não preciso de uma arma para
matá-lo.
— Você é um monstro! — Beatriz diz rindo.
— Só não olharem, encostarem e respirarem perto de você.
— Eu diria psicopata, Bia! — Liziara rebate.
— Cala a boca, porra-louca, cuidado que estou para assinar sua
sentença e vai ser longa e peculiar! — Liziara ri do homem que
pouco lhe assusta ou intimida.
— JACOB, EU VOU TE MATAR, FILHO DA PUTA! — um grito
surge e Jacob e Henrique descem que nem loucos as escadas. Jacob
sai em disparada e rindo muito e meu filho o segue como um cão
bravo.
— Sabe, às vezes penso quantos anos os dois têm! — digo
pasma.
— Prontinho. Tudo lacrado na biblioteca. — Jaqueline surge
junto da dona Joana.
— Vão para a nova casa e fiquem de vigia naqueles loucos.
Marcos leva vocês.
— Certo, querida — Joana assente sorridente.
— Virei motorista nessa porra? — Marcos reclama e olho feio
para ele, que revira os olhos. — Vamos.
— Pare de reclamar, homem. Tão lindo e tão rabugento. —
Joana passa por ele, apertando a sua bochecha.
Vejo a raiva no olhar dele, e me controlo para não rir.
— É, juiz delícia, atura ou surta. — Jaqueline segue Joana.
— Tia, tenha modos! — Beatriz grita e rimos, menos Marcos,
que sai xingando todo mundo.
Escutamos um barulho de coisa quebrando aos fundos da casa.
Saímos às pressas.
Chego aos fundos e, para a minha surpresa, é uma caixa que o
Alessandro derrubou com o Frederico. Jacob e Henrique olham
rindo.
— Se fodeu, cara! Eram os quadros que ela mais amava. Minha
mãe vai te chutar e depois eu vou arrancar suas orelhas e costurar
nas suas bolas.
— Alessandro, estou do lado dele. Dessa vez, você se lascou!
— Porra, não tenho ninguém ao meu favor? — Alessandro
reclama.
— Não. Porque você derrubou. Eu pedi para segurar essa
merda. — Frederico olha furioso.
— Seu mamute do caralho, você não disse que embalaram essa
merda igual o ra...
— EPA! Eu embalei. Respeita meu talento, idiota! — Henrique
rebate.
Pigarreio e eles se viram assustados. As meninas riem.
— Amor... Morena... Gata... Mulherão da porra...
— Você está piorando tudo. Ela está fazendo a cara que a
Daiane faz quando quer me matar.
— Não ajuda? Então não atrapalha, Jacob! — Alessandro diz se
aproximando e ergo as mãos e ele se afasta.
— Ele se fodeu! — Frederico diz cruzando os braços.
— Paulinha, deveria ter contratado a empresa. Eu fiz isso e vão
arrumar tudo a partir de amanhã. A mudança vai ser tranquila. Sem
estresse, porque já basta o David estressadinho e as meninas me
enlouquecendo.
— Mãe, eu embalei muito bem...
— Calado... Todos calados. Eu vou entrar, terminar o restante
das coisas e quero todos em silêncio até o final do dia. Eu vou sair
daqui e respirar fundo. Ninguém abre a porcaria da boca. Estou
saindo.
Me viro respirando fundo e saio lentamente sob o silêncio,
menos da Liziara que tenta controlar o riso, mas começa a tossir e
se engasga. Beatriz a manda parar e ri baixinho.
Entro na sala e volto a fazer as coisas, ou irei matar todo
mundo.

Alessandro Santos

Paula não parece muito feliz. Seu olhar diz que a qualquer
instante ela pode matar alguém, prova disso que expulsou a todos
da nova casa e disse que faria tudo sozinha, mas a Marcela e Jurema
disseram que ficariam e ajudariam, não deram ouvidos a mulher
bastante estressada, e estão na cozinha organizando as coisas.
Eu já havia vindo aqui durante o processo da compra da casa e
sou apaixonado pelo lugar. É incrível. Ela tem um bom gosto. Mas
foda-se a casa, quero saber da mulher a minha frente!
— Você vai continuar com essa cara emburrada? Porque
preciso saber se vou ficar aqui o dia todo com você assim, pois
prefiro aturar a Irene me xingando — digo com sinceridade e ela
me olha feio. O arrependimento bateu forte agora, ela vai me matar
nessa porra.
— Só estou brava porque vocês são terríveis e me
enlouquecem demais.
Me aproximo e abraço-a por trás.
— Não tente me agradar.
— Longe de mim. — Beijo seu pescoço e sinto seus ombros
relaxarem. — Os últimos dias foram corridos, você precisa relaxar.
— Não... enquanto não estiver tudo ajeitado.
— Estou sem seu corpo há dias. Isso é tortura. — Viro-a
deixando de frente para mim, e pressiono seu corpo ao meu.
— Não diga essas coisas, e alto. Marcela e Jurema podem ouvir
e os seguranças também.
— Foda-se! Eu sei como te fazer relaxar e sabe disso. — Levo a
mão a sua nuca e aproximo meu rosto.
— Aqui não, estamos na sala.
— Assim que é mais divertido.
— Ale...
Não deixo que termine de falar. Beijo sua boca com vontade.
Meu corpo reage ao contato rapidamente. Caralho, estou há dias
sem ela. Caminho levando-a até o sofá, sem tirar os lábios dos seus.
Fico entre suas pernas, onde seu vestido já curto – essa porra é
curta demais – sobe ainda mais. Ela afasta os lábios lentamente e
sorri.
— Você é louco. Sorte que as câmeras da casa vão ser ligadas à
noite pelos meninos com a equipe.
— Daríamos um belo show. — Sorrio e esfrego meu pau nela,
que geme baixinho.
— Marcela e Jurema vão ter um treco. É sério.
— Eu já disse que foda-se! Eu preciso de você.
Levo a mão entre suas pernas e esfrego sua boceta, fazendo-a
gemer ainda mais. Aproximo os lábios de seu ouvido e mordo sua
orelha de leve.
— Vou fodê-la nesta sala e agora... Porra, que saudade!
— Alessandro, você é louco... — Sua voz é trêmula. Ela sorri.
Afasto-me o suficiente para retirar sua calcinha e deixar de
lado. Ela olha para os lados e sorrio.
— Perigoso é mais gostoso, nunca ouviu dizer? — indago
abrindo a calça e abaixando o suficiente junto com a cueca.
Seus olhos vão direto para o meu pau e ela morde o lábio.
Safada, ela quer tanto quanto eu e ficou torturando a nós dois nos
últimos dias.
Fico entre suas pernas mais uma vez, e encaixo meu pau em
sua entrada molhada. Deixo uma mão em seu rosto e a outra, uso de
apoio ao lado de sua cabeça. Levo meus lábios aos seus, e penetro-a
de uma vez. Seu gemido é abafado por mim. Suas mãos agarram
minhas costas e suas pernas me contornam. Afasto os nossos lábios
e começo a movimentar-me rápido e forte, ela acompanha e morde
o lábio, mas suas tentativas de diminuir os gemidos são inúteis,
assim como as minhas.
— Amo seu corpo, sua boceta... Amo você, Paula — falo em seu
ouvido e ela geme alto desta vez, enquanto suas mãos me apertam
ainda mais.
— É tão bom... Também amo... — geme. — Amo você.
Sentir meu pau dentro dela é delicioso demais. Sua boceta é
quente, e ela me aperta muito. É uma sensação do caralho.
Nossa respiração é irregular. Meus movimentos são brutos e o
calor de sua boceta, os gemidos tímidos que saem de seus lábios,
suas expressões, todo o conjunto está me deixando ainda mais
louco.
Levo as mãos por baixo de seu corpo, elevando-o um pouco e
deixando as estocadas ainda mais profundas. Agarra meu pescoço e
esconde o rosto nele. Sua respiração quente e rápida me causa
arrepios pelo corpo inteiro.
— Goza comigo, meu amor.
Ela xinga entre os gemidos insanos.
Saio de dentro dela e penetro de uma vez novamente. Repito
isso algumas vezes, e seu corpo fica rígido. Ela me aperta com mais
força. Sua boceta contrai ainda mais meu pau.
— Caralho! — xingo e seu corpo começa a tremer. Gozo com
ela, derramando todo o meu prazer dentro dela, que me envolve em
um deslizar perfeito.
Ficamos abraçados por alguns minutos, recuperando nossas
forças e fôlego.
— Você é louco, muito louco e vai me enlouquecer...
— Meu destino é fazer exatamente isso a você. — Beijo com
carinho seus lábios e sorrio.
— Obrigada, por fazer parte da minha vida. Por ser incrível.
Você é maravilhoso, Alessandro.
— Nunca acreditei na redenção de um homem que leva a vida
como eu, mas hoje entendo que ele precisa apenas encontrar a
pessoa certa. Encontrei você, e porra, que sorte a minha!
Ela sorri e segura meu rosto.
— Eu te amo e me sinto muito bem em lhe dizer isso.
— Eu também te amo, meu mulherão da porra!
Sorrimos.
Se eu tivesse apostado, teria perdido. Era para ser apenas uma
noite, eu planejei isso desde que a vi na boate pela primeira vez,
mas caralho de destino. E tenho que agradecê-lo, porque desta vez
ele caprichou demais. Não é apenas o recomeço dela, é o meu e isso
é um fato.
— Meu recomeço... sempre foi você. — Beijo-a com carinho.
Preciso levá-la para o quarto, porque meu pau quer
comemorar muito essa nova fase. Sou um safado incurável.
Sempre foi ela. Desde que a conheci, meu olhar, pensamentos,
desejos e coração foram dela, e fui um idiota em notar apenas
agora. Mas ainda bem que descobri a tempo.
— Meu recomeço — ela repete e sorri.

Epílogo 1

PAULA SANTOS

Dois anos depois...


Olho o brilho dourado em meu dedo anelar esquerdo e só


consigo sorrir. Mais uma nova etapa. Os últimos anos foram difíceis,
enfrentei céu e inferno, passei tudo o que poderia e não poderia
imaginar. Mas então, quando achei que tudo estava perdido, eu vi
uma nova chance, e tive que agarrar. Dois anos atrás, Alessandro
provou que faria tudo por mim, quando se colocou em risco por
mim e minha família, e sinto orgulho disso. Eu encontrei a paz
novamente, o amor de outro alguém, mesmo que dentro do meu
coração sempre existirá um homem que eu amei muito, e me fez
muito feliz em nossa jornada. Porém, eu estou amando uma vez
mais.
Esses dois anos foram de aprendizados, brigas, risos, choros,
algumas perseguições, porque ninguém disse que ter uma família
chamada Escobar seria fácil, e muito menos que todos que entrasse
nela trariam bagagens pesadas. Mas seguimos fortes.
Vejo minha família reunida para o simples almoço de
casamento que Alessandro e eu optamos. Todos aqui, e sinto tanto
orgulho, até mesmo em ver o Felipe; mesmo ele tendo uma vida
dupla é parte disso tudo, e ao que parece, uma parte muito boa para
Jaqueline, que está saindo com ele um bom tempo, e tem dito para
todos que “até que enfim sobrou um homem bonito a ela”. Às vezes
penso que o fato dele pertencer a uma máfia, deixou tudo mais
atraente a ela, que ama uma adrenalina, e o fato dele ser cirurgião
também, já que ela também é uma, só que de área diferente.
Enfim, Alessandro me pediu em casamento há dois meses e foi
tão natural, sem nada elaborado. Ele apenas perguntou se eu me
casaria com ele e eu disse que sim, e cá estamos nós como marido e
mulher.
Estamos sentados na área de lazer aos fundos da nova casa, e
todos se divertem. Até mesmo Cleber e Débora estão presentes,
afinal são parte dessa nossa jornada.
— Olha, eu fico feliz por ter um dia livre. Tenho estudado
tanto, que penso que poderei endoidar a qualquer instante! —
Liziara reclama.
— Escolheu ser delegada. Se prepara! — David diz ao abraçá-la
por trás.
As crianças brincam entre si, com um Arthur emburrado, pois
tem um enorme ciúme de sua prima Laís, são muito apegados; e ao
que parece Laís gosta bastante do Eric, filho da Débora e do Cleber.
— Mãe, estou tão feliz pela senhora — Daiane diz e sorrio.
— Fico feliz em saber que vocês nos apoiaram em tudo.
— Eu não apoiei em nada. Ainda não gosto desse cara. Na
verdade, nem do Jacob. Por que não chutamos ambos? — Henrique
rebate e Ana acerta um tapa nele.
— Supera, pois dessa mulher aqui eu não largo. — Meu marido
beija meu rosto.
— Daiane está certa. Estamos felizes pela senhora. Mas saiba
que, se ele te fizer sofrer, morre — David avisa sério.
— Ele não vai fazer nada. Alessandro não machucaria nem
uma mosca! — Felipe provoca o irmão, que o olha feio e acabo
sorrindo.
— Paula, você merece. E não liga para esses idiotas! — Beatriz
fala e Marcos passa o braço por sua cintura.
— É tão lindo ver isso... Eu acompanhei muitas coisas dessa
família, e sonhei com o dia em que eu fosse ver a felicidade de
todos... Merda, vou chorar! — Débora diz abanando o rosto, fazendo
todos sorrir.
— Ela tem razão. Vocês todos merecem essa felicidade —
Cleber afirma.
— Ninguém disse que tudo é fácil, mas podemos tornar as
coisas o mais simples possível. Quando meu neto se apaixonou por
Daiane, eu sabia que ele estava entrando na melhor família que
poderia existir. Vocês são especiais — Joana fala e o neto deixa um
beijo no topo de sua cabeça. — E eu sempre soube que Paula e
Alessandro terminariam juntos, porque no casamento da Daiane eu
vi a forma como ele a olhava. Havia uma coisa diferente: era amor,
carinho. Por isso avisei que deixassem o tempo cuidar. Eu disse
naquele dia que eu tinha notado algo, mas nunca disse o quê,
porque não era o que alguns viam, eu enxerguei além, e me
emociono por ver o resultado hoje.
Sorrimos emocionados com suas palavras.
— E vocês têm um imã que atrai homens gostosos, obrigada...
Eu peguei esse imã — Jaqueline diz e agarra o braço do Felipe, que
revira os olhos e dá uma sorriso disfarçado.
— Se um dia dissessem que eu veria essa família desse
jeitinho, eu não acreditaria — digo emocionada.
— É, Alessandro, quem diria? Você casado! — Jacob diz.
— Para você ver. Por livre e espontânea pressão — meu
esposo responde e acerto seu braço.
— Eu sou cardíaca, homem. Não brinca assim.
Ele sorri e beija meus lábios com carinho.
— AI, MEU DEUS! YASMIM, NÃO PODE! — Ana sai correndo em
direção à filha, que acerta um brinquedo no Arthur.
— Acho que já vi isso antes. — Henrique sorri.
— Essa geração vai dar trabalho — comento.
— Nem me diga! — Marcos concorda e olha na direção da
barriga da esposa. Sim, Beatriz carrega mais uma criança e, desta
vez, vem uma princesinha: Agatha. — Estou bem fodido!
— Estava na hora de se lascar também, era injusto ser o único
a ter um menino! — David retruca. Marcos o fuzila com o olhar.
Eu gostaria de poder eternizar esse momento. Pois não sei
nosso dia de amanhã, afinal tudo nesta família é sempre
imprevisível demais.
— Quando iremos pular para a lua de mel? — Alessandro
cochicha em meu ouvido e começo a rir.
— Deixa de ser safado — sussurro.

Depois do almoço preparado pelo buffet, estamos reunidos na


sala, onde Jacob toca em seu violão e canta. Amo quando meu
menino faz isso.

Amor sincero tenho dentro de mim
Pra te dar, é só você querer e arriscar
Pois não é ilusão, nem tampouco atração
É mais forte do que pode pensar
Não sabe o quanto já sofri por amor
Conheço bem essa dor que destrói
E causa insegurança demais
Pra você superar, tem que uma chance se dar
E não ter medo de se apaixonar
Deixa eu te amar...

A música flui lindamente por sua voz, e aprecio.
— Exibido! — Henrique resmunga ao meu lado e acabo rindo.
Cada criança está com seus pais, e é lindo ver essa união. A
união que sempre desejo.
Assim que a música encerra peço a atenção a todos.
— Não foi fácil. Mas chegamos até aqui. Não sabemos se esta
pode ser a última vez que estaremos juntos, é difícil, mas é a nossa
realidade. Porém, eu tenho orgulho demais de todos nós. Passamos
por tantas tempestades, e com elas perdemos algumas pessoas... Se
tivessem dito que teríamos que enfrentar tantas coisas, talvez a
emoção e aprendizados não teriam nos acompanhado. Viramos
exemplo para tantas pessoas, mesmo que a mídia insista em nos
atacar algumas vezes. Muitos acompanham a nossa família como se
fôssemos algum tipo de inspiração. Eu poderia dizer que é algo
bom, mas sabemos que nem sempre vai ser. Não somos perfeitos e
estamos longe de ser. Mas somos a família da lei, somos muito mais
que um nome, somos bem mais que a fama que o sobrenome
Escobar carrega. Somos humanos, em busca do melhor. E sei que
sempre dizem do orgulho que sentem de mim, porém sou eu que
tenho um enorme orgulho por ter todos vocês, que são meus
maiores presentes. São minhas joias raras, e por essa família eu
enfrentaria tudo novamente, apenas para ter mais momentos como
este.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto e não me importo. Deixo-
as serem livres. Todos estão emocionados.
— Quando eu vi essa mulher ao meu lado, não enxerguei seu
sobrenome, poder, fama... Eu vi uma mulher linda, guerreira e que
hoje tenho o orgulho de chamar de esposa — Alessandro diz e
enxuga meu rosto com carinho.
— Somos os Escobar, Casagrande, Santos... — Henrique olha
para o Cleber e a Débora e completa: — Fernandez... Somos uma
grande família, e cheia de loucuras e problemas, teremos sempre
uma vida agitada e no final teremos essa união, podem contar com
isso sempre.
— O pateta tem razão. Sempre iremos estar juntos — Daiane
diz chorosa.
— Nesses anos, eu pude aprender muitas coisas. Algumas
pessoas pensam que não tenho medo, mas todos os dias sinto o
medo de perder algum de vocês, então iremos sim valorizar muito
esses momentos. E porra, não façam merda, estamos sem grandes
confusões por um tempo até longo, então não fodam com nada! —
Marcos diz do seu jeitinho que sempre irei amar.
— Lembrando que no ataque da semana passada, Henrique
fodeu seu carro — David se refere a alguns inimigos que Henrique
adquiriu no último caso que pegou. Nada que não pudessem dar um
jeito ou que fosse acabar com a paz que está reinando nos últimos
tempos.
— Não me lembre dessa merda. Ainda não acredito que esse
puto, com a porra de uma boa mira, acertou meu carro!
— E minha parede que até hoje o juiz não consertou? Atira e
não arruma. Foda! Por sorte visito muito pouco o apartamento onde
deixou aquela marca de dor, brutalidade... Irene sempre me lembra
do quanto ninguém valoriza a parede também...
— Cala a boca, Alessandro! — digo entredentes para ele, que
sorri, enquanto Marcos o encara bem nervoso.
— Obrigado, David, por colocar meu rabo na mira da arma do
homem estressado, vulgo Marcos. — Henrique revira os olhos.
— Não tem pelo que agradecer, meu irmão. — David sorri.
— Viu, sogrinha, sou o único anjinho aqui. — Jacob dá uma
piscadela.
— Anjinho, onde? Peste do jeito que é! — Joana rebate e revira
os olhos.
— Mas o tio Henrique se supera! — Sophie ri e Henrique fica
boquiaberto.
— Até você? Cadê nossa parceria, pirralha?
— Sempre parceiros. — Eles fazem um cumprimento louco que
nunca vou entender como decoraram.
— Ele roubou minha filha. Odeio ele... Vem, Yasmim! — Jacob
diz e a ruivinha corre até ele animada.
— Titio! — diz quando ele a pega no colo.
Essas crianças estão crescendo rápido demais.
Arthur e Eric conversam na língua deles, pois só se entende
uma coisa ou outra, e Laís fica grudada ao primo.
— Marcos, não nos contou, já arrumou o plano de segurança da
Agatha? Porque, meu querido, chegou a sua vez de surtar. — Lizi ri.
— Não o lembre disso! — Beatriz pede nervosa.
— Por isso ele perguntou se eu conhecia algum colégio de
freiras — Débora comenta. — Logo eu, a impureza.
Rimos e Marcos olha feio.
— Vou ensinar a essas crianças os prazeres da vida, quando
forem adultos — Alessandro provoca.
— E te matamos! — os outros dizem juntos.
— Viu, Alessandro? E depois eu que tenho instinto assassino —
Felipe ironiza e bebe um gole de seu champanhe. — Porra de bebida
fraca!
Como eu amo essa família, até mesmo o jeito louco do Felipe,
que quando aparece por aqui respeita, mesmo que às vezes saiam
faíscas e o Alessandro interfira, como se existisse algum assunto
secreto entre eles. Porém, isso não interfere em nada na nossa
relação, acho até melhor.
Eles discutem entre si, um provocando o outro e sorrio. Daiane
diz que agora que sabe atirar muito bem, não vai recuar se eles
continuarem irritando-a. Liziara fala que está ao lado dela,
enquanto Ana, Débora e Bia riem. Joana palpita e quando não
escutam, acerta um tapa neles, e Jaqueline está ao lado do Felipe,
deixando suas pérolas escaparem.
— Adora essas confusões, né?
— Não sabe como, Ale...
Ele me puxa para um canto mais tranquilo da sala onde me
beija com paixão e retribuo da mesma forma.
— Eu te amo, meu mulherão da porra!
— Eu também te amo, meu professor.
Olho mais uma vez para todos ali e respiro aliviada. Essa
família tem tantas coisas a serem ditas que cinco livros não seriam
suficientes. A cada dia é uma nova história. Não tem como ter um
dia entediante ao lado de todos. Todos aprendemos tanto nesses
anos, e eles me ensinaram tanto. Com o Henrique aprendi que até
mesmo nas situações difíceis podem se tirar algo bom que nos faça
sorrir. David e Marcos me ensinaram que o orgulho não leva a nada,
e ser nós mesmos é o que torna tudo épico. Jacob me fez ver que se
não arriscarmos, nada teremos. Felipe, até esse doido, me ensinou
algo, como aprender a confiar nas pessoas certas. Todas as
mulheres me ensinaram a ser mais forte, porque nada será
tranquilo o tempo todo e temos que estar preparados para tudo.
Essas crianças, sim, até esses pequenos me ensinaram algo, o amor
puro e sincero e a alegria dos momentos mais simples. E meu
marido me ensinou a recomeçar, a amar mais uma vez e a valorizar-
me a cada instante, ele me ensinou a resiliência, depois de tantas
tristezas.
Mas teve uma coisa que apenas a vida e a dor me ensinaram:
ser uma mulher que sabe o quer, quando quer e como quer. Eu
aprendi que sou e sempre serei a matriarca desta família, e que isso
jamais deveria ter me colocado medo, porque é uma honra.
Seja eu uma Assis, Escobar ou Santos, eu sempre serei uma só,
que aprendeu que é nos pequenos detalhes que a vida costuma ser
mais surpreendente.
Não é apenas o meu recomeço, é o de todos nós. E não é o fim, é
apenas o início de uma nova etapa e de uma nova geração.


Epílogo 2

ARTHUR ESCOBAR

Muitos anos depois...


Porra! É sempre assim aonde vamos, os malditos fofoqueiros


das revistas não perdem uma, e não sabem nem disfarçar esse
inferno. Amanhã tenho certeza de que a primeira a dizer onde
estamos será a maldita “Belos e famosos”; se eu pego o dono dela,
estrangulo.

A área VIP está abarrotada de seguranças, sempre assim, é o


efeito Escobar.

— Sabe, primo... O Eric vai vir mesmo? — Laís questiona e bebe


sua bebida.

— Ele disse que viria. E pare com isso ou saio te arrastando


pelo cabelo daqui.

— Deixa de ser ogro! Não nega ser filho do tio Marcos — diz
com seu jeitinho doce, assim como o de sua mãe, a tia Ana.

— Arthur tem que parar de ferrar nossos futuros namoros,


toda vez ele faz isso. E ainda está no último ano de faculdade, e por
conta disso diz que é sem tempo. Imagine se tivesse mais tempo! —
Yasmim reclama e posiciona o celular para fazer uma foto dela. Essa
ruiva é irritante.

— Mais irritante que o Arthur, só nossos pais. Acreditam que


meu pai colocou à paisanas na nossa cola? David Escobar é um
homem louco! — Laura reclama.

— Ele está certo. Ambas estão saidinhas demais. Que tanto


fazem naquela faculdade? Porque tudo de vocês é que estão indo
para lá.

— Moda, Arthur. M.O.D.A! — Helena se altera e revira os olhos.

— Viram a nova arma que está na moda? Vou testá-la para


entenderem o tipo de moda que gosto... E cadê a porra da minha
irmã nesse inferno? Eu vou socar a Agatha!

— Meu Deus, deixe de controlar todo mundo. Ela foi ao


banheiro. E nem me olhe com essa cara, sou a mais velha aqui e
posso mandar em todos — Sophie responde.

— Não lembro de ter questionado sua idade.

— Você tem certeza de que vai seguir Psicologia? Porque não é


a pessoa mais paciente! — Laís rebate e as outras riem.

Sim, eu escolhi algo bem diferente dos homens da família


Escobar, e me apoiaram, assim como apoiaram as gêmeas no sonho
de serem estilistas e Laís em ser veterinária. Sophie escolheu ser
advogada trabalhista e já se formou e passou na temida OAB, a
menina é inteligente demais. Já minha irmã seguiu o lado da minha
mãe, ama administração e tem o sonho de um dia ter um banco
também assim como nossa mãe que é dona de um, e sabe
administrá-lo da melhor forma.

Agatha aparece cheia de sorrisos.

— Não estou gostando disso na sua cara!

— O quê? Minha beleza? — provoca.

— Risinho de quem aprontou.

— Cala a boca, seu irritante! — ela reclama e se senta ao meu


lado.

— Vocês são a perdição dessa família! — digo e bebo o restante


do meu White Russian.

— Vamos mudar de assunto... Cadê? — Helena questiona


apontando para Laís.

Observo as loucas sem entender nada.

— Aqui. — A Laís mostra a foto no celular e fico olhando.

— É lindinha — Helena diz e as outras concordam.

— Vai tatuar esse pontinho? — questiono.

Olha, essas meninas são lindas, maravilhosas, mas têm umas


ideias preocupantes.

— É um coraçãozinho, Arthur. Seu ogro.

— Isso é um coração? Em que mundo?

— Claro que é. Ela quer começar com algo pequeno. Diferente


de você, que fechou todo o braço direito e a perna esquerda —
minha irmã diz e me mostra a língua. Voltamos ao primário?
— Me jogo de cabeça no que tem que ser feito.

— A mamãe diz que daqui uns dias só vai ver seu olho, pois
está indo pelo mesmo caminho do papai.

— Mamãe é exagerada! — rebato.

— Não mais que a minha. Quando meu pai fez uma tatuagem,
ela surtou. Falou que se casou com um gibi humano, sendo que foi
apenas uma.

— Laura, tia Liziara é louca. Ainda não sei como conseguiu ser
nomeada a melhor delegada do país.

— Nem nós entendemos! — as gêmeas respondem em


uníssono e rimos.

— Adoro quando acontece essas coisas de vocês falarem


juntas, saírem com roupas iguais, sem querer... É loucura, e muito
divertido — Sophie diz animada.

— Por falar em nossos pais, meu pai está louco comigo, porque
não estou indo aos treinos — Yasmim diz desanimada.

— Ele está certo. Não importa a profissão que cada um tenha


escolhido, os treinos são fundamentais para a nossa segurança. Eles
não são mais jovens, não vão estar sempre aqui como também não
são capazes de agirem da mesma forma. Não podemos estragar isso.

— Ao que parece, já estragamos, Tutu. A mídia vive para nos


difamar — Laís diz.

— Primeiro, se me chamar de Tutu novamente, eu te esgano. E


segundo, que se foda a mídia!
— Não pensou assim quando te chamaram de Don Juan Escobar
— Laura provoca.

Se eu matar alguma das minhas primas ou irmã, eu serei muito


ruim?

Vejo Eric entrar na área VIP e cumprimentar uns seguranças.


Porra, demorou!

— Cheguei para a alegria de todos — ele cumprimenta cada


uma e na vez da Laís, ela fica vermelha.

Inferno, amo todas as minhas primas, mas por ter idade


próxima da Laís acredito que tivemos mais conexão, e tenho um
ciúme ainda maior por ela, porque sempre a protegi desde
pequena, assim como fiz com Agatha, porque com as gêmeas,
Yasmim e Sophie passo raiva triplicada. Conheço a fama do meu
amigo, e não quero minha menininha sofrendo, pois ela é
romântica, acredita em finais felizes, tem uma pureza linda e Eric
pode foder tudo.

— Veio a pé? — questiono e ele ri se sentando ao lado da


Sophie.

— Nem demorei tanto. Peguei trânsito. E tive que resolver


alguns assuntos na faculdade. Último ano, logo esse inferno
termina.

Ele quer ser delegado, ama o meio policial. É engraçado até,


porque também amo essa vida louca que levamos, mas sempre amei
observar as pessoas, suas expressões corporais e entender a mente
delas, por isso escolhi psicologia.
— Assume que o assunto era mulher, porque hoje é domingo,
idiota! — rebato.

— O que dizer? Sou um cara muito estudioso — diz rindo.

Yasmim passa o braço ao redor da irmã e finge mostrar algo a


ela no celular. É sempre assim, ele com suas novas conquistas e Laís
amando-o de longe.

— Vamos dançar? Antes que a patrulha do estraga momento


surja aqui. — Agatha se levanta.

E ela tem razão. Da última vez alguns membros da família


como meus tios – sei que somos primos, mas chamo todos de tios
assim como Paula, que eu chamo de avó, e o Felipe de avô – Jacob,
Daiane e Liziara surgiram para conferir porque demorávamos, e
digamos que a delegada Liziara não é muito discreta.

Levantamo-nos e descemos com os seguranças nos seguindo.


Vamos para a pista onde uma garota se aproxima tentando chamar
minha atenção, e porra, odeio isso. Não gosto que fiquem tentando
se mostrar para mim, eu gosto de enxergar o diferente, o que me
atrai. Deve ser algo que herdei do meu pai, porra, herdei muita
coisa dele e não posso negar. Desvio dela, e sigo para perto dos
meus primos. Eric dança com uma garota que surgiu da casa do
caralho ao lado dele.

Laís se afasta e passa pelas primas que tentam falar com ela,
mas a pequena faz sinal que quer ficar sozinha.

E ainda questionam por que quero ser psicólogo. Tenho que


resolver as merdas de toda essa nova geração. Mas é assim mesmo,
e amo esses porras, mesmo quando me deixam louco. Olho para a
minha irmã e dou um sinal de observação, e ela dá de ombros, meu
pai deveria ter mandado ela para o tal colégio de freiras que passou
a infância e adolescência dela dizendo e minha mãe o xingando.

Sigo atrás da pequena ciumenta. Porra, era só o que me faltava,


ser psicólogo do amor, logo eu que fujo disso.

Nessa família acontece de tudo, puta merda...

Vejo os seguranças fazerem sinal e falarem no ponto de escuta.

— Estava demorando...

A noite tranquila acabou. Chamo as meninas e o Eric. Vou atrás


da Laís para sairmos logo daqui.

Queria entender por que meu pai e meus tios pegam casos com
pessoas loucas ao extremo? Sempre sobra para nós, pois a nova
geração está no destaque. Puta merda! Por que não se aposentam
logo? Meu Deus!

Vejo Simon dando as coordenadas.

— Se aposente, homem! — digo para ele, que parece um louco


e nada com um homem de... Qual a idade desse ser? Não envelhece
não? Caralho!

— Enquanto eu respirar, não.

Parece que fica mais forte a cada ano e isso me assusta, sério, e
poucas coisas me assustam.

— O que houve dessa vez?


— Estão cercando a boate... Querem vocês... Nada de novo.
Vamos.

— Mentira, sempre tem algo novo. Da última vez, Sophie


quebrou o braço e fez a porra de um escândalo, que mais parecia
que era o fim do mundo, e caralho, ela grita muito. E Yasmim bateu
o carro, e causou um grande engavetamento. Não podemos
esquecer que as gêmeas em uma fuga derrubaram dois inocentes,
sendo um deles cadeirante. Laís é a que menos dá trabalho nisso.

— É, sempre tem algo novo, então. — Ele sorri.

Saio à procura da minha prima. Eric xinga que só se fode por


ser próximo de nós.

Cacete, não é hoje que terminarei a noite do melhor jeito. Mas


não trocaria esses momentos loucos por nada, afinal faz parte de
quem somos. Faz parte de sermos Escobar.

E lá vamos nós... Maldição.

REVISTA ON-LINE BELOS E FAMOSOS

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“NOVA GERAÇÃO DOS ESCOBAR EM BOATE MAIS FAMOSA DA


CIDADE”

Não é novidade para ninguém que a nova geração dos herdeiros Escobar
tem dado o que falar. E desta vez marcaram presença na boate mais
famosa da cidade, e podem gritar corações apaixonados, todos juntinhos e
solteiros.

Até mesmo Eric Fernandez (filho de umas das advogadas mais requisitadas
e do investigador mais conhecido) esteve com eles.

Mas ao que parece a vida deles não anda tão tranquila. Assim como no
passado, a família continua enfrentando diversas perseguições, e ao que
tudo indica a saída repentina foi em questão disso.

Mas a pergunta que não quer calar é: Quando veremos esses jovens dando
o que falar em busca dos seus grandes amores?

Vai dar trabalho essa geração, e é ótimo, porque estamos cansados da


tranquilidade dos mais velhos da família, que já renderam muitos assuntos
para nós.

Confiram as fotos que conseguimos deles:


20M visualizações 300.000 comentários 11M curtidas 15.000


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Comentários mais recentes:


Lali: Essa família sempre com assuntos. Meus pais acompanharam a


geração antiga e a fama continua, pois até eu os conheço. Como a Sophie
está cada vez mais linda. Todos são lindos.

Rafinha: Esse Arthur é um pedaço de mau caminho assim como o pai, que,
quanto mais velho, mais gostoso fica.

Luan: Essas gêmeas são lindas demais, porra!


Babi: Laís sempre com cara de anjinho, essa menina tem jeito de sonsa.
Mas esse primo dela e o Eric, gatos demais, eu pegava.

Resposta a Babi:

Precisa ver se eles iriam querer você. E a Laís é fofinha, tem seu charme,
assim como as outras! Menos recalque, e mais amor.

Paul: Agatha é a mais bonita. Que sorriso do caralho!



Agradecimentos

Nesses anos escrevendo essa série, eu sempre achei difícil


fazer os agradecimentos. Mas neste livro, ele flui tão tranquilo.

O primeiro lugar será sempre a Deus, porque Ele sim é a


principal base de apoio que eu poderia ter, então meu muito
obrigada ao Papai.

Liziara e Beatriz, o que dizer de vocês? Embarcaram nessa


loucura que deu certo e foi graças a vocês que as inspirações
vieram, mesmo quando o mundo estava desabando. Vocês não têm
ideia do orgulho que tenho em ter vocês como amigas e da emoção
que carrego no peito por terem me dado tanto incentivo e
acreditarem nessa série. Amo vocês demais.

Claro que eu vou agradecer ao apoio da Mariana Coelho, que


chegou de mansinho na minha vida, e olha, fez grandes mudanças.
Me escutou, surtou junto comigo, me amparou, cuidou de mim como
uma irmã e ainda me arranca lindos sorrisos de manhã com seus
“bom dia” no WhatsApp. Mais uma amiga-irmã, que me ajudou nessa
fase final da série.

Meu amor, Wesley Ferraz, mesmo me irritando, você me


apoiou, ajudou em muitas cenas que envolviam carros e foi paciente
nos meus surtos, madrugadas sem dormir, e passeios cancelados.
Eu te amo, e você acompanhou tudo, mesmo não lendo nada, e eu
brigando com você por isso, e fazendo você escutar cada trecho que
eu considerei o melhor.
A Kira Baptista, essa pessoa especial que me ajuda muito nas
divulgações, me arranca boas risadas, me compreende porque suas
loucuras são como as minhas, e que do seu jeitinho me fez sentir
especial.

Editora Angel, nem preciso dizer muito, vocês tornaram tudo


isso real. Vocês são demais e, sem vocês, talvez esses livros nunca
fossem para as mãos de ninguém.

Leitoras que me amam tanto, que me apelidaram de


“Malévola”, obrigada, mil vezes obrigada, por acreditarem nessa
família louca e tornarem isso tudo maior a cada ano. Vocês são
parte disso tudo e uma parte importante demais.

Enfim, obrigada a você que acompanhou tudo até aqui. Espero


que tenha valido a pena.

Respiro aliviada sabendo que dei o meu melhor, e espero


sempre continuar assim. Não é o fim, é apenas a hora de dizer “até
logo”, porque os Escobar sempre vão estar dentro de cada coração,
deixando sua marca registrada, e isso os tornará eternos.

Com amor,

Deby Incour.

#SérieEscobarParaSempre
Biografia
Deby Incour é brasileira e começou a escrever em 2014 e
desde então nunca mais parou. Seus livros foram publicados no
Wattpad e renderam milhares de leituras. Em 2016 se destacou
ainda mais com a Série Escobar, se tornando autora bestseller com
o primeiro livro da série na Amazon brasileira. Sempre amou o
mundo do “era uma vez”, e poder criar o seu próprio foi como ter
uma varinha mágica ou um gênio da lâmpada realizando seus
desejos. Também é completamente apaixonada por romances de
época, onde sonha com bailes e vestidos bufantes. Adora tirar fotos,
e assistir filmes clichês como as famosas comédias românticas.
Porém, é quando escreve ou lê que tudo fica perfeito, além de
escutar músicas e cantar na ilusão de que faz isso muito bem.

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