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Cléusia costa

A mulher que eu não quis

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Em concordância com a legislação em vigor todos os direitos
encontram-se reservados.

Maio, 2020

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Agradecimentos

Ao Único digno de receber toda gratidão, Cristo Jesus, que,


concedeu-me tamanha graça, luz e força de vontade. A todos
que direta e indiretamente coadjuvaram para a realização
deste livro.

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Capítulo 1

Omar Castiel

Ajeitando a gravata perante o grande espelho existente no


meu quarto, procuro com os olhos o meu telemóvel que
descansava sobre o criado mudo e suspiro aliviado vendo que
não recebi chamadas, ainda.
Voltando o meu olhar para o espelho caio num misto de
sentimentos, o que se tem revelado corrente de uns meses
para cá, tentando mais uma vez decifrar os enigmas
escondidos por trás dos meus castanhos olhos. A minha pele
negra em tons claros conjugada com a média estatura e altura
consideravelmente elevada, fazem com que a minha presença
exale masculinidade por ter o físico musculado e um olhar que
a coletividade diz ser penetrante.
Dando os últimos retoques tendo de antemão a vasilha de
perfume em minha posse pronto a pulverizá-lo pelo meu
corpo, sou interrompido pela minha esposa que, ensonada, faz
uma observação.
- Espero que não coloques a bebe ao colo depois do perfume –
diz-me a Luena – bem sabes que ela não tem estado bem e a
gripe não passou ainda.

- Tens razão – fungo – levarei na mala e colocarei no carro,


quero dar antes um beijo a minha filha.

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- Eu não mereço um? – Questiona-me. – Acho que ainda sou
digna de receber, a não ser claro, que estejas demasiado
ocupado para isso.

Suspiro em rendição e inclino-me dando um rápido beijo em


sua testa.

- Não comeces por favor Luena, tenho um longo dia hoje,


repleto de palestras e apresentações numa das universidades
e não estou com ânimo para dramas agora, até logo. - Digo
saindo do quarto fechando a porta.

Passo pelo quarto de Íris e automaticamente o meu sorriso


abre-se ao ver a minha pequena enquanto brinca sozinha
dizendo coisas que só ela percebe, é incrível, parece que ainda
ontem era um bebé gordinho e rosado e hoje tem 2 anos e
meio, meu maior orgulho.
Ao notar minha presença ela levanta-se do berço e estica os
bracinhos querendo o meu colo.

- Bom dia princesa linda – digo com a voz engraçada que todo
mundo faz ao falar com bebes, é automático! – Como está a
minha princesa?

- Papa… – diz a minha princesa enrolando-se nas restantes


palavras exibindo a boneca que tem em mãos.

- É linda filha, agora o papa precisa ir e mais tarde prometo


que continuamos.

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Dei um beijo em sua testa colocando-a outra vez no berço, tiro
uma banana e um bolo que estavam por cima da mesa posta
por dona Flávia, cumprimentando dona Rita, babá de Íris que
caminhava rumo ao quarto da minha menina.
Estando no carro, meu telemóvel chama e ao ver o nome de
Ivan revirei os olhos sabendo que a chatice começaria.
- Ivan. – Digo ríspido como quase sempre.
- Nossa, quanta hostilidade numa só palavra, problemas no
paraíso? – Responde-me irónico. – É simplesmente para dizer
que deves passar pela empresa primeiro, tens coisas para
assinar antes das palestras.

- E porquê que as assinaturas não ficam para depois? Quero


despachar essa porcaria o mais rápido que puder, não estou
com muita paciência para aturar adolescentes recém
universitários.

- Isso porque esqueceste que no ano passado foste um – diz-


me – e mais tarde tens o aniversário da Micaela, alguma
possibilidade de sermos cunhados? A miúda está bem
constituída para os 18 anos que completou.

- Aproximas-te da minha irmã e descobrirás que a terra já é o


inferno. – Respondo – chego em 15 minutos.

Desligo antes que diga outra baboseira e abano a cabeça


lembrando que é o seu passatempo favorito, o homem pode
ter a cabeça oca e uma inquestionável imaturidade para

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alguns assuntos, porém, é incrivelmente um dos melhores
advogados do país e da minha empresa, além de ocupar o
cargo de meu melhor amigo.
Sim, eu e esse infeliz conhecemo-nos desde o secundário e
fomos juntos para mesma universidade, com a diferença de
ter seguido Informática e posteriormente Contabilidade e
Auditoria, ele lógico, preferiu Direito.
Tal como eu, Ivan tem a pele negra em tons claros e a estatura
média. Seu físico torna-se extremamente chamativo pelos
olhos castanhos num tom caramelizado esbanjando
graciosidade por onde passe.
Em termos comportamentais somos completamente opostos.
O Ivan parece possuir a mentalidade de uma criança de 10
anos de idade sendo extrovertido e adaptando-se a qualquer
tipo de situação enquanto eu, visivelmente mostro ser
reservado. Não gosto de manter conversas desnecessárias
principalmente com pessoas fora do meu interesse. Ah! E tem
Nicolas, quase me esquecia, no nosso meio o Nicolas é o
neutro e o típico homem “capa de revista”, alto de pele
mestiça e fidalgo nato, completa o meu pequeno círculo de
amizades.
Ao adentrar na Castiel Corporation, ou Castiel como é
maioritariamente conhecida, dirijo-me a minha sala.
Omar Castiel CEO
Não me canso de contemplar o meu nome gravado em letras
douradas na grande porta de madeira esculpida, pintada em
tons negros, lembra-me o esforço e determinação que tive
para chegar onde cheguei.
Neto de avós portugueses, a minha família desde sempre fez
parte da Burguesia sendo dessa forma, a maior investidora a
nível europeu. Claro que o nome ajudou-me no processo de

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construção do meu império, mas orgulho-me dizendo que
sozinho cheguei no patamar que atualmente encontro-me e,
ocupo a segunda posição no ranking dos 10 homens com
grandes patrimónios a escala nacional, perdendo apenas para
Nicolas.
- O Gru Maldisposto deve estar a chegar – ouço Ivan
tagarelando – particularmente, acho que ele tem tido
problemas de ereção e tal, o homem já é arrogante de
natureza, mas ultimamente tem estado de parabéns.

- Onde estão os papéis? – Digo chamando atenção de Nicolas e


de Ivan que olha para mim com um sorriso irónico, o sorriso
que só ele sabe dar. – Despachemos isso.

- Precisas beber um chá rapaz – diz o Nicolas pondo os pés


por cima da minha mesa enquanto senta-se numa das
cadeiras paralelas a minha – a palestra pode ser bem
divertida, recheada de universitárias com as hormonas a flor
da pele.

- É só nisso que sabes pensar não é, bandida barata, arranja


um rumo para tua vida. – Diz Ivan girando o corpo na cadeira
outrora vaga.

- Como se a tua fosse diferente. – Rebate o Nicolas.

- Okay crianças está tudo assinado, e vou ignorar a vossa


conversa para não achar que deixaram as vossas obrigações
de lado para acompanhar-me a uma mera universidade pelas
miúdas. – Digo.
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- Claro que não! – Dizem em uníssono num tom de indignação
e Ivan, como não podia deixar de ser, levou uma das mãos ao
peito. – Sou dono de uma cadeia de clínicas e híper mercados,
sem mencionar as empresas e gabinetes de auditoria e
consultoria que sem mim não sobrevivem, posso querer um
programa de estágio se a universidade for convincente. –
Continua Nicolas com um olhar pervertido
- Eu vou pela diversão, e gosto de irritar-te Omar. Ah! E acima
de tudo sou lindo para caraças e teu advogado pessoal, quem
senão eu para acompanhar-te? – Diz Ivan com o seu
sorrisinho.

- Cada um no seu carro. – Declaro.

Após 15 minutos de estrada, estacionamos os nossos carros


paralelamente, na parte traseira da universidade, quero evitar
o máximo que puder a mídia e câmaras.
Somos recebidos pelo reitor da universidade que após trocar
palavras e breves sorrisos com Ivan, dirige-nos então ao
anfiteatro para a primeira palestra com duração de duas
horas.
Ao entrar é inevitável deixar de ouvir os sussurros de jovens
fascinadas por nós, olho para Nicolas e noto logo o seu sorriso
pervertido, cenários do género são os seus favoritos e
continua andando glorioso escondendo seus olhos atrás de
seus óculos de sol, será um longo dia.

- Então, onde iremos almoçar? Sou capaz de comer a mula que


é o Nicolas com a fome que tenho. – Pergunta o Ivan após

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termos passado duas horas sentados a ouvir os primeiros
oradores.

- De preferência não muito longe daqui, temos duas horas até


a segunda parte da palestra – respondo – conheço um hotel
com o melhor dos restaurantes aqui perto.

Após o almoço, a caminho do anfiteatro enquanto olhava para


o telemóvel, num brusco movimento, vem alguém contra mim
derrubando o meu telemóvel que cai ao chão
- Ó palhaço não sabes ver por onde andas? – Pergunto irritado

- Peço desculpas, não foi de propósito eu posso pagar se tiver


algum dano, eu não queria… – Diz a rapariga.
Num movimento voluntário apanho o meu telemóvel do chão.
Tiro os óculos de sol da cara e, ao olhar para frente vejo uma
das, senão a mais bonita mulher que já existiu na face da terra.
Olho firmemente para ela durante longos segundos e noto que
o meu olhar começa a incomodá-la então, paro.

- Não faz mal, devia estar mais atento, não te preocupes. –


Digo notando que Ivan e Nicolas aproximam-se e já posso até
ouvir o sorrisinho irónico de Ivan.
- Mas esse telemóvel deve ter custado 1 ano da minha
mensalidade, eu posso responsabilizar-me e devolver. – Diz a
rapariga olhando para mim, ela tinha olhos grandes e grossos
como duas azeitonas num tom castanho escuro, o seu rebelde
cabelo estava preso num volumoso coque e, em seu corpo
trazia um vestido estampado com flores, segurando uma mala
ligeiramente grande para o seu tamanho e livros nas mãos
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que também acabaram no chão, indicando que era uma
estudante da universidade.

- Oi oi! – Ouço Ivan atrás de mim e o mesmo estica a mão para


a rapariga que está meio apreensiva. – Eu não mordo, a não
ser que queiras.

- Ivan sinceramente - repreende Nicolas – assim a senhorita


não fica a vontade, sou o Nicolas, esse estúpido do meu lado é
o Ivan e já conheceste Omar, o ogre, tu és?

- Graziela, estava a desculpar-me por ter deixado cair o


telemóvel do senhor Omar, não foi de propósito e peço
desculpas – Diz ela com cara de pesar e de alguém que não
quer nenhum tipo de problemas.

- Já disse que não há problema algum, e podes chamar


somente Omar. – Digo dando um sorriso fechado sem tirar os
olhos dela. – Depois compro um igual.

- Consumista! – Diz Ivan com cara de indignação. – Só resta


dizeres que comprarás outro amigo também, já que não tenho
nenhum significado para ti.

- Até mais Graziela, e Ivan, cala a boca. – Digo enquanto nos


dirigíamos ao anfiteatro.
Sentado numa das cadeiras perante centenas de alunos, noto
que Graziela entrou e sentou-se num canto afastado enquanto

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algumas raparigas olhavam para ela e riam-se com deboche.
Estranhamente, irritou-me.

- E sem mais delongas, daremos então a voz ao CEO de uma


das maiores multinacionais angolanas, aquele que com tenra
idade conseguiu revolucionar a economia nacional
desfazendo o monopólio anteriormente existente no âmbito
informático, com vocês Omar Castiel, da Castiel Corporation. –
anuncia o reitor.
Ao som das palmas levanto-me parando no meio do anfiteatro
e involuntariamente procuro Graziela com o olhar notando
que a mesma demonstra surpresa em seu semblante, como se
não soubesse que eu fosse o CEO de uma das maiores
empresas nacionais e de outras.

- Obrigado caríssimo reitor e ilustres alunos – começo a dizer.


– É uma enorme honra estar aqui de pé perante a próxima
camada jovem a liderar o mercado de trabalho nacional e,
dizer que se a 10 anos atrás quando estava eu sentado numa
carteira, alguém me dissesse que seria o fundador da Castiel
Corp eu não acreditaria e certamente socava a cara dessa
pessoa – ouço sorrisos – entrei no mundo dos negócios aos 22
anos quando o meu ilustre advogado e grande amigo Ivan
Montenegro, decidiu desafiar-me numa partida de monopólio,
sim é engraçado, porém verídico. – Continuo o meu discurso
por longos minutos e após dar espaço para dúvidas e
respostas, terminamos a palestra. Despedindo o reitor noto
que a Graziela passou olhando sorrateiramente para mim.
Abano a cabeça e decido simplesmente ir para o carro.
- Então negão – diz o Nicolas apoiando-se a janela do meu
carro – sempre somos convidados ao aniversário da Mica ou
devemos nos auto – convidar?
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- É claro que somos convidados, mula burra – refuta o Ivan –
como futuro cunhado do Omar mereço acompanhar todas as
fases da Micaela.

- Ivan. – Digo quase rosnando – Não testes a porcaria da


minha paciência. E sim, a minha mãe estará a vossa espera.

- Estaremos atrás de ti, somos capazes de demorar um pouco


porque Nicolas foi chamado por um grupo de 3 tangas em
chamas e já sabes como funciona então vai a frente amigo. –
Refila Ivan.

Rindo discretamente dou então partida rumo a casa de meus


pais. Mal posso acreditar que a minha única irmã já tem 18
anos, ainda ontem mal ficava em pé e agora já ganhei mais um
motivo de comprar armas, ainda bem que minha filha vai para
um convento, a ideia de rapazes perto dela desperta em mim
um ódio nunca antes visto, consola-me o facto de ter mais uns
anos para pensar nisso.
Chegando a casa dos meus pais, abro um sorriso ao ver a
minha pequena no colo de Luena enquanto conversa com a
minha mãe, recebo e trago-a para o meu colo dando um beijo
na testa de minha esposa e outro na bochecha da minha mãe.

- Chegou cedo hoje. – Diz a minha mãe – a tua irmã ficará


contente, tem dito que já não tens tempo para ela.
- Que absurdo, onde está ela? – Pergunto procurando-a com os
olhos.

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- Está com algumas amigas no quarto a preparar-se –
responde o meu pai aproximando-se com a sua taça de vinho
nas mãos, beijando a bochecha de minha mãe. – Por incrível
que pareça, ao invés de uma grande festa, ela preferiu um
jantar intimista com a família e alguns amigos.

- Mas? - Pergunto irónico sabendo que a minha irmãzinha não


deixa nada barato.

- Daqui a uns meses, nas férias, ela quer ir a Paris e para


Grécia, uma espécie de tour – completa a minha mãe sorrindo
– eu e o teu pai vamos com ela e mais duas amigas se não me
engano.

Eu sabia, Micaela por ser a mais nova e única menina sempre


teve o pai nas mãos, sem qualquer esforço. Confesso que ela
também me tem nas mãos, nos últimos tempos ela e Íris têm
sido o motivo dos meus escassos sorrisos. Minhas meninas.
Os meus pais são de longe o casal mais apaixonado e unido da
face da terra, e todas as referências necessárias para um
relacionamento de sucesso entre cônjuges, pais e filhos, neles
encontro.
Conheceram-se a 35 anos atrás, quando a minha mãe
passeava pelas ruas do Rossio buscando pela Praça do
Comércio. Meu pai diz que mal meteu os olhos nela, soube
que, havia encontrado o que não achou em parte alguma e, foi
forçado a inventar desculpas esfarrapadas para conseguir
falar com a bela jovem que avistara. Passados dois anos
casaram-se e, ao descobrir que esperavam por mim,
decidiram então mudar para Angola, terra natal de ambos.
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33 anos depois, apesar da riqueza multiplicada, a família
sempre foi sua maior prioridade. Micaela e eu somos as
provas vivas desse grande amor.

- Dona Rosa Castiel, os anos passam, mas a senhora continua


na mesma meu Deus, quero essa fórmula – reconheço a voz e
ao virar noto que Ivan e Nicolas acabaram de entrar – fico
chocado com esse corpo. – Completa Ivan.

- Ivan Montenegro, amoroso como sempre. – Diz minha mãe


entre risos, o Ivan tem uma atenção incrível dos meus pais, e
não só, dos vizinhos, trabalhadores, enfim. – Estás magrinho o
que se passa? Tem aquela lasanha que gostas, vamos comer,
meu querido.

- E eu não mereço carinho? – questiona Nicolas correndo atrás


deles.

- Omar! – Grita a minha irmã ao notar que cheguei. – Achei


que não viesses.

- Por ti, sempre meu amor – digo abraçando-a meio


desajeitado pois tenho a Íris nos braços – ainda sou o teu
irmão mais velho.

- E se não é a minha pirralha linda – diz Ivan chamando a


atenção de Micaela – anda cá e dá-me um abraço. O que achas
de fazermos com que eu e Omar sejamos cunhados? Afinal, já
és uma mulher rsrs.

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Olho seco para ele e ao notar a minha irritação dá o seu
sorriso padrão e tira a minha filha dos meus braços, o que
passava em minha cabeça quando o nomeei padrinho da Íris.

- Onde esta a mãe dessa menina? – Pergunta-me o Ivan


atirando a minha filha para o ar e agarrando-a. – Quero dizer-
lhe que farei um menino especialmente para namorar a Íris.

- Cá estou, e cuidado pois ainda não és a prova de balas. -


Responde Luena tirando a bebe do colo de Ivan. – Essa
mocinha tem de comer.
- Luena. – Diz Nicolas ríspido ao passar por ela e fazendo um
breve carinho em Íris.
- Nicolas. – Diz Luena meio constrangida e continua a andar
com a bebé ao colo até a área da comida.

Eram bons amigos, porém, quando os meus problemas com


Luena começaram eles afastaram- se e nunca questionei, acho
que Nicolas não tem gostado da ideia de que a minha esposa
inferniza a minha vida, mas não quero pensar nisso agora,
hoje o dia é da minha irmãzinha e não pretendo estragar com
climas pesados.
Postos na área da piscina, onde tem a mesa posta, noto a
timidez das amigas de Micaela ao olhar para os morenos do
outro lado da mesa, como se não bastasse para Nicolas, fixa o
olhar nas meninas sabendo perfeitamente o que causaria
nelas. Mula burra.
Depois do jantar, presentes e despedidas, eu, Luena e Íris
chegamos a casa.

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- Já deitei a bebe – diz Luena fazendo carinho em minhas
costas – acho que podemos aproveitar um bocado agora.

- Estou cansado Luena – digo tirando a mão dela – talvez


amanhã.

- Tu nunca tens tempo Omar, não fazemos amor a 4 meses e


eu me pergunto que raio de casamento temos, eu tento salvar,
mas tu simplesmente não facilitas, estou farta disso, acho que
não tens receio de ficar sem a tua filha. – declara Luena.

- Justamente por isso não tenho sentido um pingo de interesse


pelo teu corpo, simplesmente deixaste de ser a mulher que
foste no princípio da nossa relação, tornaste-te mesquinha,
egoísta e manipuladora. E enquanto assim fores não terei o
mínimo de prazer em te ter. Feliz noite. – Digo e levanto
saindo do quarto sem dar espaço as palavras provocadoras de
Luena, passo pelo quarto da minha filha e dou um sorriso ao
olhar para a carinha dela, cada vez mais parecida com a mãe,
linda como o céu.
Entro para o meu escritório e estando acomodado por cima da
mesa, sirvo um drink e olho para o nada dando espaço a tudo
em meus pensamentos…
De um tempo para cá a convivência com a Luena tem se
tornado simplesmente insuportável. No principio do nosso
namoro era tudo um mar de rosas, ela era a melhor das
namoradas, estava sempre de acordo comigo e apoiava-me,
por mais que não a amasse no principio fui habituando-me a
ideia de formar uma família com ela, até que surgiram
complicações com a minha sogra que levaram a mim e aos
meus amigos a acreditar que a Luena ficou comigo por

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interesse e a mãe dela foi a principal fomentadora. Tivemos
uma discussão feia e chegamos até a terminar. Porém três
meses depois ela conta-me sobre a gravidez, e que não quis
dizer antes para que não achasse que ela deu-me o golpe. Pela
minha filha decidi pôr o assunto atrás das costas e seguir em
frente ocultando os verdadeiros motivos da temporária
separação para a minha família. Foi então que Ivan e Nicolas,
principalmente, começaram com o distanciamento de Luena.
Depois de um tempo Ivan reconsiderou, e Nicolas prefere
simplesmente continuar assim.
O nosso casamento foi bom durante um ano, mas quando Ivan
tornou-se o meu principal advogado tudo começou. Ciúmes
desnecessários, brigas, ameaça tirar-me a Íris se não fizer as
suas vontades e estou simplesmente farto desse inferno. Tão
farto que já atirei a aliança para cara dela e prometi que seria
questão de tempo até acabarmos com isso.
E assim prossigo, uso a aliança em ambientes familiares e
algumas reuniões, as privadas de preferência, pois para mim
este casamento já deu e faço questão de deixá-lo longe dos
holofotes.
Farto dos pensamentos, voltei para o quarto e Luena havia já
adormecido, deitei-me e desliguei a luz do abajur sucumbindo
ao cansaço.

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Capítulo 2

O dia amanheceu, levanto-me e dirijo-me ao wc onde encontro


Luena prestes a terminar a maquilhagem. Entro para o
chuveiro e levanto a cabeça deixando então a água levar todo
aborrecimento da noite passada.

- A Íris está melhor, hoje vou levá-la aos meus pais – diz-me a
Luena – sou capaz de chegar ligeiramente tarde, Laura chegou
de viagem para férias e já sabes como ela funciona.

- Claro, sem problemas, eu sei que quando se trata da nossa


filha tens todo cuidado e atenção então estarei tranquilo. Sou
capaz de sair tarde da Castiel de igual modo, a inauguração de
uma filial em Bruxelas tem roubado muito as minhas atenções
e as de Ivan. – Digo.

- Está bem, vou verificar se dona Rita ajeitou a mala da bebe e


darei a ela o dia de folga, espero que não te importes.

- Longe de mim. – Digo.


Saio do chuveiro e visto-me então para mais um dia de
trabalho.
Tomo o pequeno almoço rapidamente e dou um beijo na testa
da minha princesa que estava linda adornada com um lenço
colorido na cabeça agarrando minimamente os seus
volumosos cabelos aos caracóis, dentro de um vestidinho rosa
e uns sapatinhos a combinar com o enfeite do cabelo, eu babo

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por essa menina. É a única que consegue em poucos segundos
desfazer esse meu ser duro e implacável.

Saio do elevador e estou no corredor do meu escritório,


quanto mais aproximo-me, mais alta torna-se a voz de Ivan.
- Marlene, será que Tony Stark ainda demora? Tenho mais
coisas a fazer, como imaginar-te a minha frente dentro de um
biquíni amarelo numa praia deserta, só eu e tu – diz o Ivan a
minha secretária.

- Senhor Ivan, dessa forma fico sem saber o que dizer – diz
tímida e visivelmente envergonhada ao notar a minha
presença – senhor Castiel, quer que eu pegue alguma coisa
para comer?

- Tomei o pequeno almoço hoje Marlene, não te preocupes.


Ivan. – Digo olhando para ele e o mesmo percebe que deve
seguir-me até a sala.

- Só eu e tu baby. – Diz ao fechar lentamente a porta do meu


escritório. – Bom dia meu amor! Bem-disposto para ler e
assinar mais papelada?

- O teu astral enjoa-me, são 9h da manhã Ivan, nem sei ainda


qual o meu nome exatamente. – Respondo.

- Para isso basta saíres e leres o nome que está na porta, ou a


falta de sexo matinal afetou a tua capacidade cognitiva e já
não consegues ler? Diz-me irónico.
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- O que fazes em meu escritório mesmo? – Pergunto.

- Claro que vim irritar-te, o que mais farei a essa hora? Hoje
tenho julgamentos apenas na parte da tarde e alguns casos
para analisar, fora isso sou todo para ti, não digas a mula
burra ou ela morre de ciúmes, aliás eu sou um ser irresistível.
– Responde-me com o seu sorrisinho irónico.

- Somente a minha secretária acha isso. – Respondo.

- Esqueceste de mencionar a Micaela, sabias que ela terá


consulta de ginecologia segunda-feira? – Pergunta-me irónico.

- Tens cinco segundos para sair da minha sala – digo enquanto


levanto um enfeite de plástico que tenho na mesa e entre risos
ele sai disparado e fecha a porta. – Finalmente sossego.
Chamada on
- Marlene, traga-me por favor a papelada por se analisar e as
correspondências do acordo com as empresas de Nicolas.
- Dois minutos e trago senhor Omar, deseja mais alguma
coisa? – Questiona-me.
- É tudo. – Digo e desligo em seguida.
Com as costas relaxadas em minha cadeira, analiso alguns
contratos e autorizo transações.
Dou uma breve olhada ao processo de expansão da empresa
para Bruxelas e sorrio satisfeito com o êxito do projeto. Pelo
menos a minha vida profissional está no auge e tenho
garantido que assim continuará até após a minha morte.

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Quase consigo imaginar Íris ocupando o meu lugar com a
personalidade forte que ela já demonstra ter.
Eu sei que babo pela minha filha, mas, ela foi de longe o
melhor que já aconteceu em toda minha vida.
Desde a minha adolescência que sou conhecido como sendo o
Castiel fechado. Nunca estive aberto para novas amizades e
desde sempre tive uma postura implacável, até certo ponto
ajudou-me bastante na construção daquilo que hoje sou e
tenho. Ao invés de palavras eu prefiro falar com o olhar que a
maioria diz ser intimidador e ver-me sorrir é quase
impossível sem Íris por perto.
Sou diariamente criticado pela minha família e amigos, porém,
é o meu ser e nada poderão fazer, somente aceitar e respeitar.
Olho para o relógio e marcam 12:40pm, é incrível como o
tempo passa dentro deste escritório. Saio para o almoço e
decido ir ao restaurante onde levei os rapazes a almoçar no
dia anterior.
Estaciono o carro a três minutos do mesmo e, vou caminhado.
Paro para retirar o telemóvel do bolso da calça que trago
vestida e sem querer vou contra alguém no meio da multidão.

- Só pode ser o meu dia de azar. – Ouço a rapariga dizer – tu


outra vez? – Questiona espantada.

- Graziela? – Questiono levantando-a e tirando os óculos de sol


da cara. – Peço desculpas, não queria …

- Não faz mal, pelo menos estamos quites, numa espécie de


dejá vu. – Diz com um tímido sorriso, o mais bonito que já vi.

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- Estás de saída? – Pergunto.

- Sim, acabo de sair da universidade e vou agora para casa –


Responde-me.

- Almoça comigo? – Pergunto meio apreensivo pela resposta –


sob forma de um pedido de desculpas, não aceito não como
resposta.

Por breves segundos, meio pensativa, abre e fecha a boca no


mesmo instante, cruzes eu podia ficar a apreciar a beleza
dessa mulher por horas.

- Está bem, eu almoço. – Diz com um sorriso. – Apenas um


almoço.

- Apenas um almoço. – digo com um sorriso meio aberto.

Chegamos então ao Avilla”s e não posso deixar de notar o seu


espanto pelo restaurante que fica localizado no último andar
do hotel com o mesmo nome e dá-nos uma vista maravilhosa
sobre a Bahia de Luanda.

- Eu não terei dinheiro para pagar uma refeição aqui, a


entrada deve ser o que gasto semanalmente para comer. –
Diz-me com um olhar apreensivo. – Podemos ir a outro sítio,
conheço alguns.

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- O almoço faz parte do meu pedido de desculpas, logo não
tens de preocupar-te com nada, desfruta. – Digo numa
tentativa de acalmá-la.

Após fazermos os nossos pedidos, dou por mim a olhar para


ela enquanto a mesma mostra-se vislumbrada com tudo em
sua volta, como se para ela fosse novidade. Analisa todo e
qualquer detalhe minuciosamente, torna-se meio engraçado e
giro de se ver.
Ao menos hoje consigo olhar melhor para ela e é inevitável
não reparar nessa pele negra brilhante como se tivesse
passado óleo a poucos minutos, os seus lábios rosados
parecem ter sido desenhados a lápis e pude ver as curvas de
seu corpo por conta da saia justa até aos joelhos que a mesma
trouxe vestida com o cabelo outra vez amarrado num mais
elaborado coque. Nada deslumbrante e caro, porém, perfeito.

-Então senhor Omar, como é ser CEO de uma das maiores


empresas do país? – Pergunta-me numa tentativa de desviar o
meu olhar.

- As mesmas chatices diárias, reuniões, papelada, papelada,


reuniões, noites curtas, por aí fora. – Respondo.

- Percebo, solteiro deve ser ainda mais complicado, vejo que


não tem aliança. Algum compromisso?

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- De momento o meu maior compromisso é ouvir-te e acho
que já não quero ter outro. – Respondo meio agradecido por
ter deixado a aliança no carro mais uma vez. – Então e tu?
Algo mais que a universidade?

- Não – diz-me num sorriso tímido e quase quero pular de


alegria por essa resposta – de momento a minha prioridade é
a universidade e sinceramente não tenho tempo para pensar
em homens.

- Normalmente esse tipo de pensamentos surgem em


consequência de vivencias pouco agradáveis, é o teu caso? –
digo bebericando o champanhe que tenho na taça.

- Basicamente, mas não quero falar sobre isso, falemos sobre


outras coisas – diz-me visivelmente incomodada com o
assunto e decido desconversar.

Perco-me então em suas conversas e sinto-me como já não me


sentia a muito tempo, com vontade de falar e de saber mais
sobre ela, aliás quero saber tudo sobre ela.

- Meu Deus senhor Omar já são 16:00h, não estou a atrasá-lo


para o trabalho? Questiona-me preocupada.

- Não te preocupes que acabo de mandar a minha secretaria


cancelar as reuniões que tinha marcadas para hoje –
respondo.

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- Não lhe vou trazer problemas? – Questiona-me.

- Eu sou o CEO meu amor, quem deve achar que tem algum
problema são as pessoas com as quais eu quis reunir –
tranquilizo.

- Menos mal, mas agora eu preciso ir para casa, a minha irmã


mais nova já deve ter chegado e eu preciso preparar o jantar
dela. – Diz-me.

- A tua mãe não pode fazer isso por ti? – Questiono.

- Se estivesse viva, faria com todo gosto. – Responde-me


descontraída.
- Lamento muito, eu não sabia, eu levo-te para casa. – Digo.

- É muito gentil senhor Omar, mas entrar com o senhor para o


meu bairro ficará mal para si e para mim, as pessoas não
pensam coisas boas sobre as outras. – Responde.

- Não sei se já notaste em meu olhar, mas eu normalmente


estou nem aí para o que as pessoas acham, e isso não mudará
tão cedo, seria como pôr em causa a educação que recebi da
minha mãe. Não deixarei uma senhorita andar de táxi quando
eu posso levá-la para casa. – Declaro – E pela última vez,
ficarei chateado se voltares a tratar-me por senhor.

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Rendida as minhas palavras, caminhamos até o meu carro e
ela pede-me para tocar a sua playlist, confesso que gostei,
gostei ainda mais das músicas que ela cantava animada,
porém, a medida que nos aproximávamos de sua casa, num
bairro humilde, notei que o sorriso em seu semblante
desaparecia. - É aqui. – Diz-me ríspida. – Obrigada pela boleia
e pelo almoço, foi muito agradável passar tempo consigo.

- Hey – chamo-a antes de sair do carro – posso ficar com o


número do teu telemóvel? – Pergunto receoso e vejo um breve
sorriso.
- Aqui tens. – Deu-me num papel rapidamente rasgado. –
Gostei muito de passar o dia consigo senho… Omar, desculpa.

- Até a próxima princesa – digo piscando o olho – foi um


enorme prazer.
Dou então partida e decido ir para casa fazer algo que não
faço a anos… começar uma nova série, pela Graziela
recomendada, claro!
Abro a porta de casa e cumprimento dona Flávia, que se
mostra espantada pelo meu regresso precoce a casa.
Vou até a sala de estar e ligo a tv procurando então por uma
das séries. É inevitável não pensar em Graziela.
Sua voz, palavras… tudo nela é tão delicado… num brusco
movimento corro ao meu casaco já dentro do closet e retiro o
papel por ela dado e envio uma mensagem.
Volto a sentar-me no sofá e aguardo ansiosamente pela
resposta… como um adolescente. Um tolo e encantado
adolescente.

28
Capítulo 3

Graziela Giménez

Borboletas no estômago? Seria um completo eufemismo se


usasse essa expressão para tentar no mínimo explicar o que
sentia dentro de mim naquele dia. Acho que de longe esse foi
o melhor dia que tive ao longo dos meus 22 anos. Não podia
acreditar, aliás, que seriedade existe nisso? Eu não passo de
uma mera miúda da periferia que carregava dores de um
lancinante passado, não podia me dar sequer o luxo de pensar
que existe a possibilidade de um homem que respira dinheiro
interessar-se por mim, nem aberta estou para
relacionamentos e de certeza que ele somente pensou no meu
corpo nu, em sua cama. Mas eu não….

- GRAZIELA! – Ouço a minha irmã gritar, quase num tom de


clamor. Corro até ela e noto que meu padrasto está com o
cinto na mão, pronto a bater nela enquanto Lia esconde sua
cara entre as pernas agachada numa das extremidades da
pequena cozinha.

- O que está a acontecer aqui? – Digo encaixando Lia entre


meus braços como se fosse um escudo para ela e ao mesmo
tempo sem tirar os olhos de meu padrasto. – Você ficou
maluco Jorge?

- A estúpida da sua irmã queimou todo jantar, como se não


bastasse ter de trabalhar para continuar a sustentar-vos,

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tenho de comer porcaria porque a princesa mimada não
consegue fazer nada em condições. – Declarou.

- Bater não resolve nada seu estúpido, eu venho logo para


casa justamente para cozinhar, a Lia tem 10 anos! É muito
conseguir perceber isso?

- Pouco me importa o que tu e a vadia de estimação fazem,


quero coisas feitas em condições – diz enquanto segura firme
meu braço direito apontando para minha cara – e acho melhor
começar a respeitar-me, cuidado com essa língua ou terei de
voltar a lembrá-la que eu sou o homem dessa casa usando a
Lia como exemplo.

Num brusco movimento tirei o seu forte braço do meu e puxei


a Lia até o quarto, consolei-a dizendo que faltava pouco, que
em pouco estaria formada e apta para procurar um emprego
que nos sustente as duas.
Volto para cozinha e rapidamente retifico o jantar deixando
tudo tapado devidamente por cima da pedra de mármore
existente na cozinha. Tiro uma tigela de um dos velhos e
descascados armários. Sirvo uma quantidade considerável
para mim e Lia. Retorno ao nosso quarto e, deixo a comida por
cima da sua mesa de estudo a sua disposição.
- Está delicioso Graz, quero um dia cozinhar tão bem como tu,
ao menos o Jorge já não vai bater em mim. – Diz-me Lia
enquanto come e senti no meu coração a dor em seus
olhinhos.

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- Ele não fará isso porque eu não deixarei – declaro tentando
conter as lágrimas, como sempre fiz a frente dela – amanhã
antes de sair para universidade eu falarei com Elena para que
fiques em casa dela todos os dias até que eu chegue, passarei
por lá primeiro e juntas voltamos para casa. Combinado?

- Combinado Graz! – Diz-me sorridente e envolve-me logo


num abraço.

- Nunca mais deixo-te sozinha com esse monstro minha


princesa, és tudo que tenho – digo dando um beijo em sua
testa – amanhã é sábado, mas ainda assim deixo-te na Elena,
tenho projetos lá na universidade.

Após comer com Lia e ajudá-la nos trabalhos de casa, deito-


me na cama e continuo a ler um livro que comecei faziam 3
dias. Quando dou por mim, meus pensamentos corriam
novamente para Omar e, almoçar com ele, fez o meu dia
especial por mais que quase tenha sido sabotado.
Sorri ao lembrar do tom de sua voz e do cheiro do seu
perfume. Omar Castiel era sem sombra de dúvidas o homem
mais bonito que alguma vez conheci… a sua postura exalava
masculinidade, seus braços são fortes e o olhar… como me
posso esquecer daquele olhar que levou-me a viajar sem
mesmo que a pressa se apercebesse, ele tem uma pele negra
em tons caramelizados, seu cabelo é meio encaracolado
mostrando que pode ser fruto ou descendente de alguma
miscigenação, e, ao olhar para o telemóvel reparo que tenho
uma mensagem não lida.
- Não permita que seja a única vez que verei o seu sorriso de
perto - assim dizia, e como uma boba respondi …

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- Então terá de fazer por merecer senhor Castiel.
Pousei o telemóvel, com medo da resposta, sorrindo. Mas o
mesmo sorriso desapareceu ao lembrar que estaria longe de
dar o que ele merece e não suporto sequer a ideia de ter um
homem a tocar em mim. Não outra vez.
Dou por mim sentada na cama a ler um livro qualquer sobre
receitas, eu sempre quis fazer sobremesas saborosas como a
minha mãe, enquanto viajo em meus desvaneios notei que a
porta do quarto se abre e, logo vejo o meu padrasto entrar.
Eu olhava desconfiada enquanto ele aproximava-se abrindo o
cinto e o zipper da calça que trazia vestida em seu corpo.

- A tua mãe não está e achei que podíamos brincar um pouco –


dizia dando um sorriso pervertidamente assustador enquanto
eu afastava-me para o canto da cama - já tens 13 anos, és uma
mocinha e como teu pai sou responsável em mostrar-te o lado
bom da vida, então anda cá.

- Tu não és meu pai, o meu pai morreu! Tu és o monstro que


diz amar a minha mãe. DEIXA-ME EM PAZ! – Gritei
desesperadamente enquanto ele puxava as minhas pernas
deixando cair o meu corpo ao chão.

- Cala boca pirralha mal-educada, agora eu te vou ensinar.


Num rápido gesto ele baixou as suas boxers e rasgou a minha
calcinha mostrando-se cada vez mais excitado com o meu
pânico, eu olhava para todos os cantos do quarto procurando
a minha mãe ou alguém que milagrosamente podia salvar-me
do que estava prestes a tornar-se a entrada para as trevas no
meu mundo, entre choros e soluços eu implorava que ele não

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o fizesse mas a única coisa que ouvi e vi foi o seu gesto
colocando um preservativo em seu membro.
Apertando as minhas bochechas com sua mão direita, olhava
para mim fazendo-me prometer que jamais contaria a alguém
ou faria o mesmo com a minha irmã de 1 ano apenas e daria
um jeito na “vida” da minha mãe.
Encurralada, sem saída e lutando em vão contra um homem
que tem o dobro do meu tamanho consegui somente agarrar-
me a madeira da minha cama e fechei os olhos arfando de dor
enquanto ele penetrava em mim.

- Como és deliciosa pirralha, diz-me que esta a gostar – dizia


enquanto bruscamente saía e entrava do meu corpo sem
importar-se sequer com a minha dor, com o que ele havia
roubado de mim e com o sangue presente entre as minhas
pernas – olha para mim agora sua pirralha vagabunda ou te
mato e ninguém saberá onde estás.

- E-eu… e-eu… estou a gostar- declarei entre lágrimas,


perguntando internamente a Deus porquê que teve de
acontecer justamente comigo. Ele obrigou-me a olhar para a
sua cara de prazer enquanto roubava de mim a minha
virgindade, a minha adolescência, a minha paz e a minha
felicidade…os meus olhos lacrimejantes surgiram em minha
mente em ponto grande ao acordar e perceber que além da
dignidade e vida, mais uma vez ele roubou o meu sono. Como
se não bastasse ter feito o que fez ainda comandava os meus
sonhos e pensamentos noturnos.
Chorando fui até ao wc onde havia um espelho partido pela
metade pendurado na parede e que ainda assim mostrava
meu rosto manchado por lágrimas. Desesperada, lavei

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freneticamente a cara passando água simultaneamente em
meu corpo na tentativa de tirar as manchas do seu toque que
como uma tatuagem, fixou-se em mim… incrível como senti,
eu senti e ainda sinto tudo ainda que 9 longos anos tenham
passado…
- Deus, se já não sou digna de Te pedir alguma coisa perdoe
pelo egoísmo, mas te peço, permita-me ultrapassar isso. –
Clamo entre choros.
Voltando para o quarto olho para o telemóvel que marcava
02:25am, noto em seguida que Omar respondeu-me
- Sempre tive um certo prazer em ser subestimado.
Deitada com o telefone sobre o peito lamentava. Desculpa
Omar, estou longe de ser aquilo que tu queres.

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Capítulo 4

Omar Castiel

Instintivamente, a primeira coisa que fiz ao acordar foi


agarrar no telemóvel a fim de encontrar respostas de Graziela,
e fico meio dececionado ao não encontrar coisa alguma de sua
parte.
No que estou eu a pensar? Eu tenho esposa e uma filha. Por
mais que meu casamento estivesse acabado e já não tivesse
sentimentos amorosos por Luena, não devia ter omitido a sua
existência. “É apenas uma miúda Omar “. Grito interiormente,
mas desisto ao lembrar da sua doce voz e daqueles lábios, por
momentos senti-me mal por não ter ocultado parte da minha
vida, mas, não quero que ela se afaste de mim. É muito novo
isso que tenho sentido. Serei meio egoísta.

- Bom dia meu amor, ontem chegaste cedo, algum problema? –


Pergunta-me Luena tentando beijar meus lábios e desvio. –
Qual é o problema Omar? Até para beijar a tua boca terei de
rezar? Tenha a santa paciência.

- É sábado Luena, podias, por favor, não me incomodar? Quero


ficar em casa e curtir a minha filha a vontade. A um tempo que
não o faço. – Digo.

- Pelo menos para uma de nós tens paciência. – Refuta.

Assinto e levanto para refrescar-me.

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Após um delicioso banho, saio para o pequeno almoço e vejo
minha pequena em sua cadeira para refeições. Dou um beijo
nela enquanto aprecio-a a comer. Como está independente.
Peço a dona Rita para preparar algumas coisinhas necessárias
para levá-la a piscina do condomínio, de algumas horas.
Precisávamos de algum tempo de qualidade juntos.
Fui até o escritório e voltei a checar o telemóvel e, nada de
Graziela. Incomodado decido mandar outra mensagem

- Ousa ignorar-me senhorita?


- Longe de mim, fiquei sem bateria e não tive como responder,
desculpa pela demora. E acho que reconsiderei a hipótese de ver
meu sorriso outra vez. – respondeu
- Isso significa que irei vê-la para a minha sorte senhorita? -
Questiono

- Creio que sim, rsrsrs. – responde.

- Fico feliz ao saber isso. – digo por último


Sem notar estou a sorrir com a cara no telemóvel como um
adolescente fascinado, sem notar que Luena olhava para mim
parada e apoiada na porta.

- Notei que o telemóvel trouxe-te muita felicidade – disse


irónica – a tua esposa pode saber o motivo para essa
repentina alegria?

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- Não, a Luena não tem qualquer interesse sobre o que faz-me
feliz, querias avisar-me alguma coisa? – Pergunto.

- A dona Rita disse que ficarás com a Íris, sendo assim, vou ao
shopping com a minha mãe e irmãs, se calhar depois tratarei
das unhas, cabelo, etc. – Diz olhando para mim desconfiada.

- Tem um excelente dia. – Digo sorridente saindo do escritório


deixando-lhe sozinha.

Queimei algum tempo vendo a série pela Graziela


recomendada. Após almoçar pego na minha pequena e
caminhamos até a piscina do condomínio que fica no último
andar do edifício. Enquanto brinco com Íris, recebo uma sms
de Nicolas que perguntava o que estava eu a fazer e o mesmo
decidiu encontrar-me na área da piscina, o facto de sermos
vizinhos facilita as coisas.
Passados 40 minutos o meu grande amigo chega e, Íris corre
logo para seus braços, é incrível como a minha princesa tem
uma conexão instantânea com Nicolas. Mais uma vez percebo
que escolhi o padrinho errado.

- Como é possível cresceres todos os dias pequena? – Diz o


Nicolas enquanto atira a minha filha para o ar e agarra-lhe
ganhado dela as mais deliciosas gargalhadas. – Ela está linda,
quanto tempo falta para utilizarmos as caçadeiras?

- Com alguma sorte 10 anos. Acho que serei obrigado a


prendê-la dentro de uma bolha de plástico gigante, até

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completar 15 anos de idade e, finalmente ir para um convento
– respondo divertido.

- Saiba então meu caríssimo amigo que orgulhosamente apoio


a decisão. Então, como têm estado as coisas com a Luena? –
pergunta interessado.

- É simples Nick, não andam, e sinceramente eu acho que é


melhor assim, eu e a Luena não temos química e infelizmente
não a amo o suficiente para querer ressuscitar o nosso
casamento. – Respondo em tom de desabafo, cansado de
guardar para mim essa situação.

- A verdade é que sempre achei Luena insuficiente para ti


Omar, o vosso casamento foi mais por aparências do que por
outra coisa e incrível é o facto de teres suportado por dois
anos. – Declara.

Assinto.

- Quando soube da gravidez, um tempinho após o nosso


termino eu achei que fossemos conseguir reacender a chama
com a chegada do bebe e já não tinha paciência de começar do
zero com alguém. Ela parecia ter tudo de bom, e bonito sabes?
Tudo que uma mulher precisa para manter um homem. Mas
infelizmente ela não sabe conservar um lar.

E enquanto incrivelmente abria-me com Nicolas, ouço uma


voz ficando alta a medida que aproximava-se de nós.

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- Com que então as princesas decidem tirar o dia para
apanhar sol e não sou convocado? – Pergunta Ivan tirando os
óculos escuros da cara encavilhando-os em sua t-shirt. – Estou
acostumado a traições vindas de vocês, mas foram longe
demais.

Olho para ele meio espantado com sua presença.

- Ele ligou para mim enquanto andava para cá Omar e disse-


lhe que encontraria contigo e Íris – diz-me divertido.

- Até parece que preciso da autorização do capitão Planeta


para estar com a minha belíssima afilhada, Íris meu amor se
continuares a crescer assim o padrinho adiantará a tua ida
para o convento princesa. Assim não dá. – Dizia Ivan enquanto
pegava a minha filha ao colo, pousando-a depois na toalha que
estendi no chão perto de nossas espreguiçadeiras com alguns
brinquedos e lanchinhos para ela.

- Lamentamos o facto de abominarmos a sua presença por não


gostar de ti, agora podias por favor calar? Anta. – Questionou-
lhe o Nicolas.

- Já foste mais amável Nick, lamento informar, mas depois


desse episódio serei obrigado a procurar outro melhor amigo.
O que perdi?

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Entre sorrisos expliquei então ao Ivan o que já havíamos
conversado e fiquei surpreendido com seus conselhos. Ele
consegue ser parvo e inconveniente sim, porém, quando as
circunstâncias obrigam ele torna-se a pessoa mais séria
existente na face da terra. Daí o seu sucesso como advogado, é
incrível que em audiências o Ivan parece ser outra pessoa.

- Imagina o casamento como sendo um contrato Omar, nele


existem cláusulas, comportamentos proibidos e permitidos.
Difere-se de contratos no verdadeiro sentido da palavra por
não existirem punições especificadas de comportamentos
desviantes, sendo assim a separação será sempre fruto de
uma decisão única e exclusivamente vossa. Pode ser unilateral
de igual modo. Com isso quero eu dizer que, só tu sabes o que
acontece dentro do teu casamento, Nick e eu enxergamos o
que permites tornando-nos excluídos de toda e qualquer
decisão entre vocês tomada. – Disse-me o Ivan.

- A anta tem razão, irmão nós apoiaremos toda e qualquer


decisão, pesa embora continue achando que a Luena não te
merece, não te posso obrigar a deixá-la. – Acrescentou o Nick.

- Claro que tenho razão, já olhaste bem para mim? – Ironiza


Ivan. – Nutres uma aversão incrível pela Luena, a medida que
o tempo passa ela vem tornando-se mais obvia. Dói disfarçar
Nicolas?

- Eu sei, é que tenho aguentado tudo isso pela minha filha, ela
tem sido a motivação para tudo nos últimos dois anos. –
Declaro chamando a atenção de ambos.

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Irritado e visivelmente incomodado com o rumo do assunto,
Nick decide então desconversar fazendo piadas e brincar com
a cara e paciência de Ivan.
Piadas, histórias do passado e suspiros de mulheres
presentes na área da piscina preencheram a nossa tarde de
sábado. Quando o relógio marcou 18:00pm decidi voltar para
casa visto que Íris já descansava em meu colo por estar
exausta. Despeço-me dos rapazes e sigo então para o meu
apartamento.
Pouso a minha princesa em sua cama e, depois de um banho,
deixo-lhe com a dona Rita para que eu possa fazer o mesmo.
Deitamos os dois no sofá e rendo-me aos desenhos animados
que ela escolhe, pelo andar da carruagem, brevemente saberei
cantar todas as canções da Moana. Rendidos ao cansaço do dia
acabamos por adormecer no sofá, desperto apenas a meia
noite, quando Luena chega e leva Íris para o seu quarto.

O dia amanhece e confesso que outra vez, encontro-me


intrigado por não encontrar mensagem alguma de Graziella.
Prestes a enviar, contenho-me. Não quero ser maçador ou
sufocá-la, aliás, o que mais quero é que fique à vontade
comigo.
Ela tem algo de especial, não consigo explicar… seu olhar
exala mistério e tal como eu ela parece ser muito reservada.
Será que pensa o mesmo que eu? Aff a quem eu quero
enganar, muito provavelmente ela não tem o mesmo
interesse. A maior parte das mulheres que conheci

41
aproximavam-se com interesses materiais e mostravam, ainda
que com o menor dos gestos, o receio que tinham de ser
ignoradas e ela não. É tão nova e tão diferente… melhor parar
de pensar nisso.
Como sempre foi, o domingo passou a voar dando lugar a
segunda-feira que consigo acarretava estresse,
responsabilidades e tudo que eu quis evitar. Estou a ponderar
seriamente tirar umas férias após a inauguração da filial em
Bruxelas, coisa que não faço a dois anos.
Saindo do elevador, posto no andar do meu escritório, de
longe ouço a irritante voz de Ivan. Como costume, tenta
engatar a minha secretária como já fez com metade das
secretárias da Castiel. A dada altura, dormia ele com duas ao
mesmo tempo e quando uma delas soube da existência de
outra e que trabalhavam no mesmo edifício criou tamanha
confusão que fui obrigado a dispensar as duas.

- Pensa nisso baby, eu sei que não são todos os dias que
aparecem homens como eu literalmente de bandeja em tua
mesa, são oportunidades que acontecem apenas uma vez na
vida! Aliás, olha bem para mim, sou maravilhoso.

Antes de ouvir a resposta de Marlene, cumprimento os dois e


entro em minha sala, Ivan vem logo atrás de mim e deixa-me
papeis para ler e assinar, contratos assinados e autenticados,
e como já esperava as escrituras de uma casa que acabei de
comprar.

-Stark, creio que precisarás de um exército para guardar essa


casa de tão imensa que é, ou usarás o dinheiro para colocar os

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teus robôs voadores com poderes a voar sobre a casa? –
ironiza.

- Cala-te, Xavier irá recrutar homens da sua equipa, os


melhores caso seja necessário, não comentes sobre esta casa
com ninguém, gostaria de surpreender os meus familiares.
Nem mesmo a Luena sabe. – Digo-lhe.

- Estou a tentar ter um relacionamento sério com Micaela e tu


vens pedir-me para guardar segredos Omar, somos amigos ou
não?

- Sai daqui Ivan. – Digo-lhe.

- Bruto. – Diz-me em tom de indignação e sai de minha sala


logo em seguida.

Após analisar alguns documentos, levo os meus pensamentos


a Graziela outra vez. O que estará ela a fazer? No que estará a
pensar? Olho para o relógio e marcam 13:45pm e
instintivamente levanto-me e saio da sala.

- Cancela tudo que tenho para hoje – digo a Marlene e sigo


para o meu carro.

Ao fechar a porta paro por alguns segundos, e reflito no que


irei fazer. Decidido, dou partida ao carro. Após 15 minutos de
estrada, estaciono defronte a universidade de Graziela e

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incansavelmente procuro por ela com meus olhos, analisando
tudo e todos que saem da universidade.
Minutos depois, quando quase desisti por achar que já deverá
estar em casa, vejo Graziela saindo algo apressada e a mesmo
tempo linda dentro de um vestido florido e sandálias rasas.
Três raparigas param em volta dela e automaticamente sua
cabeça abaixa-se, aliás, ela parece andar a todo o momento
com a cabeça ligeiramente baixa daí termos chocado duas
vezes. Noto que fica meio aflita e, de um momento para o
outro, uma das raparigas derruba o seu material
propositadamente fazendo com que caia no chão.
Rapidamente saio do carro e sem que a mesma note que me
estou a aproximar, chego perto delas e chamo a sua atenção
falando com ela.

- Passa-se alguma coisa, querida? – Pergunto tirando os óculos


escuros da cara, oferecendo as demais raparigas o meu
fulminante olhar, deixando-as visivelmente boquiabertas.

- Não se passa nada. – Diz Graziela olhando para mim com


alguma surpresa quando baixo para apanhar os seus cadernos
que ficaram pelo chão espalhados.

- Estávamos a conversar e sem querer a mala dela caiu – diz


uma das raparigas oferecendo um olhar matador a Graziela
que, involuntariamente baixa a cabeça.
- Espero bem que sim. – Digo ríspido fulminando-as cada vez
mais com o olhar. – Vamos Graziela.

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Achei que fosse resmungar, mas simplesmente limitou-se a
seguir-me enquanto eu carregava a sua pesada mala.
Postos no carro, comecei por dar partida e ambos estávamos
num insuportável silêncio.
- O que veio fazer a universidade? – Questiona quebrando o
silêncio.

- Passei com a expectativa de encontrar-te e ainda bem. Isso


acontece com frequência? Porquê que não te defendeste? –
Pergunto visivelmente irritado.

- Com todo respeito acho que não lhe diz respeito, o que faço
ou deixo de fazer só a mim interessa. – Respondeu-me.

- Peço desculpas, não quis intrometer-me. Devo deixar-lhe em


casa? – Questiono meio indignado com a sua resposta.

- Preciso apanhar a minha irmã em casa de uma amiga, pode


deixar-me em qualquer paragem de táxis que eu continuo
sozinha. – Declara.

- Graziela eu não sei que ideia minha tens em mente, mas, não
te vou deixar sozinha correndo perigo dentro de táxis. Queira
por favor indicar o caminho e apanhamos a tua irmã,
posteriormente deixo-a em casa. – Digo em tom imperativo
fazendo com que a mesma cedesse.
20 minutos depois chegamos a uma casa visivelmente
humilde num bairro próximo ao de Graziela e a mesma entrou
nessa mesma casa.

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Ao sair da humilde casa, traz uma menina que aparenta ter
9/10 anos de idade e uma jovem que deverá estar na sua faixa
etária.

- Omar, essa pequena é a Lia, minha mana e, minha amiga,


Elena. – Diz-me a Graziela após a pequena Lia ter entrado e
sentado num dos bancos traseiros do carro, viro-me e dou um
sorriso ao notar a beleza que tem. Rapidamente aperto a mão
de Elena apresentando-me a mesma.

- Lia, tens de pôr o cinto de segurança e apertar bem forte,


caso contrário voas pela janela de tão rápido que conduzo –
digo notando um breve sorriso nela e com alguma dificuldade
aperta o cinto.

Momentos depois, dou partida e durante o trajeto tento


manter o diálogo com Lia. Noto que, a medida que a menina
fica à vontade comigo, Graziela fica feliz, sorrindo a quase
todas respostas dela. É notável o amor que tem pela irmã.
- Graz, já recebi o resultado dos trabalhos manuais e de língua
portuguesa. Tive Excelente, em todos eles. – Diz Lia orgulhosa
de si.

- Muito bem pequena! Tão logo possa, compro-te uma prenda


e o valor aumentará na medida que os teus resultados
continuarem positivos – diz Graziela visivelmente orgulhosa
da irmã.

- Bem, acho que isso merece comemoração, Lia o que me dizes


de um gelado enorme de baunilha com o recheio de caramelo
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salgado? – Questiono aliciando a pequena que mostrou-se
interessadíssima com a proposta.

- Eu adoraria! Graz podemos? – Pergunta a irmã.

- Lia tu sabes que amanhã tens aulas e não podes atrasar-te


nos trabalhos de casa – responde a Graziela.

- Va lá “Graz” – digo fazendo ênfase ao seu nome e Lia ajuda-


me fazendo olhinhos a irmã – prometo que não nos vamos
demorar, amanhã também tenho trabalho, mas ainda assim
acho que essa princesa merece alguma compensação.

- Esta bem. - Diz Graziela rendida. – Temos no máximo duas


horas para estar em casa.

- FEITO. – Eu e Lia dizemos em uníssono.

Mudo então a rota para o Galérias Shopping e, 25 minutos de


estrada depois, encontramo-nos no estacionamento do
shopping.
Ao adentrarmos no mesmo, Graziela adotou novamente a
expressão de curiosidade analisando tudo em nossa volta e
claro que Lia não ficava atrás. A semelhança entre as duas era
incrível, parecia que uma era a versão mais nova da outra e ri-
me ao pensar nisso.
Postos na praça de alimentação, dirigimo-nos então a
geladaria onde Lia tomou as rédeas da situação e deixamos-
lhe escolher o sabor de todos os gelados.
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Ao verificar o gesto de Graziela a colocar a mão na carteira,
antecipo-me e entrego o meu cartão a balconista que olhava
para mim vislumbrada tentado a todo momento ser chamar a
minha atenção, a verdade é que em momento nenhum
consegui tirar os meus olhos da Graziela e não pude deixar de
achar graça ao seu olhar ao notar que paguei a conta primeiro.

- Esse é o melhor gelado que já comi em toda minha vida! –


Declara Lia ao deliciar-se com o gelado e rimo-nos dela ao
notar que está com a cara toda suja.

- Gostaste tanto que toda cara come, eu trato disso – digo com
um breve sorriso e com o meu lenço limpo o excesso de
gelado existente em sua perfeita e pequena carinha.

- Cuidado para não sujar o uniforme Lia – diz Graziela


advertindo a irmã e ligeiramente derretida com a cena que
acabou de presenciar.

Após terminarmos o gelado, levantamo-nos e fomos


caminhado até ao estacionamento. Lia que agarrava em minha
mão num brusco movimento largou-me e correu até a montra
de uma loja de brinquedos científicos admirando como se
fosse a primeira vez a ver algo do género.
- Gostaste de algum? – Pergunto abaixando-me a sua altura.

- Eu quero o que traz o corpo humano aberto e mostra todos


os órgãos para que sejam operados. Quando crescer eu serei
médica e a Graz diz que para isso terei de dedicar-me muito as
ciências e biologia, diz também que tenho de ser uma boa
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menina para que ela consiga um bom trabalho e conseguir
pagar a minha universidade quando for do tamanho dela. –
Responde-me com o seu jeito criança, parecendo muito
madura para idade simultaneamente.

- Muito bem princesa! – Diz Graziela orgulhosa da irmã. – E já


combinamos que nos teus 11 anos a mana tentará comprar
um desses para ti.

Não sei bem o motivo, mas, partiu-me o coração ouvir isso. A


minha filha tem o quarto recheado de brinquedos, muitos
deles têm importância somente por um dia e Lia que é uma
menina visivelmente inteligente, não consegue ter algo que
usará para aprender mais.
Peço a elas para aguardar sentadas ligeiramente perto.
Instintivamente entro na loja e compro o que Lia indicou.
Ao notarem que me aproximava levantaram-se e continuaram
andando quando chamei Lia e dei-lhe a sacola.

- Meu Deus Omar, equivale a quase 150 dólares, não podemos


aceitar é muito caro. – Diz Graziela ligeiramente incomodada.

- Graziela não há problema algum e tu sabes, aliás – digo


abaixando outra vez até ficar da altura de Lia – é o meu
presente para essa princesa com a condição de continuar a
esforçar-se e ser uma das melhores, quando queremos
conseguimos e está na cara que ela não nasceu para ser
mediana.

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- Obrigado tio Omar! Eu não sei como agradecer. – Diz Lia
extremamente encantada e envolve-me num abraço
conseguindo somente abraçar-me até a cintura, o que me fez
sorrir.

- Eu prometo que devolvo – diz-me Graziela deixando-se


contagiar pela alegria da irmã – não posso deixar-te gastar
tanto dinheiro connosco.

- Graz, eu já disse que não me importo. E se queres mesmo


pagar-me, aceita ser a minha companhia para almoçar em dias
a tua escolha.

- E não terás problemas com isso? – Questiona-me.

- Eu sou o CEO, querida. Não devo satisfações – respondo


divertido.

Rendida dá-me um sorriso e fico completamente amarrado.


30 minutos após dar partida, deixo Graziela e Lia em casa, e
estranhamente a medida que nos aproximávamos as duas
mudavam drasticamente o humor, parecia que em seus olhos
carregavam alguma tristeza e pesar, decidi não perguntar
para não ser intrometido. Despeço-me delas e sorrio quando
Lia pula para o meu banco e taca um beijo em minha cara.
Graziela por sua vez despede-me com as mãos acenando e dou
partida rumo a casa.

50
Ao chegar, dona Flávia espanta-se outra vez com a minha
precoce chegada e, depois de dar um beijo em Íris e levá-la
comigo até a sala de estar para juntos assistirmos os seus
desenhos favoritos, pego no telemóvel e sorrio ao encontrar
uma mensagem de Graziela.

- A tarde foi maravilhosa Omar, ainda não sei como agradecer.


- Achei que já tivesse dado uma sugestão do tipo de pagamento
que aceito. – respondi.
- Desculpe, mas não quero lhe dar problemas, ser visto comigo
pode não ficar bem para a sua imagem - respondeu-me e
confesso que irritou-me.
- Querida quem decide o que é e o que deixa de ser bom para
mim sou eu. Eu devia sentir-me sortudo por ter uma mulher
como tu a almoçar comigo. – respondo-a
- Sinto-me lisonjeada Sr. Omar, e será um prazer acompanhar-
lhe. - diz-me por fim.

Sorrindo como se tivesse ganhado a loteria coloco o telemóvel


por cima da mesa de centro e noto o olhar de Luena em mim.

- Agora observar-me tornou-se o teu novo passatempo? –


Ironizo.

- Estive simplesmente a verificar que mais alguém conseguiu a


tua atenção. E de que maneira. – diz-me provocando.

51
- Se já não tiveres nada mais a dizer, começarei agora a série e
não sou adepto de interrupções.

Olha feio para mim e coloca Íris em seu colo, desaparecendo


no corredor do vasto apartamento.
Como não podia deixar de ser, os meus pensamentos voam
para Graziela e Lia.
A miúda parece uma boneca e é uma réplica quase exata da
irmã, o seu cabelo estava preso em dois compridos totós com
fitas na ponta. Nota-se que Graziela é muito cuidadosa com
ela, o que fará dela uma ótima mãe.
Abano a cabeça ao notar quão longe os meus pensamentos
levaram-me. Aliás, qual é a possibilidade da mesma tornar-se
mãe de meus próximos filhos? A ideia não assusta-me. Muito
pelo contrário agrada-me e não importava-me em ter um
lindo bebe com Graz.
Sinto-me mal e culpado ao lembrar que não mencionei Íris
nem a existência de Luena, mas com o tempo contarei, preciso
conquistá-la primeiro… sinto que ela não conta-me o que
efetivamente acontece. Seus olhos escondem histórias que ela
prefere nem contar. Eu não tenho pressa, sei que um dia lá
chegarei.
O que está a acontecer comigo?
Graziela não sai da minha mente.
É estranho e muito recente o que tenho sentido. É diferente.
Ela inspira-me paz e tranquilidade… quero fazê-la sorrir, não
me canso de olhar para aquele sorriso e por breves instantes
quase esqueci-me da vontade que tenho de beijar aqueles
lábios…
Encosto o tronco no sofá e suspiro.

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Estou bem arranjado, eu sei!

53
Capítulo 5

Falar com Graziela tem se tornado hábito e ao longo de 3


semanas, apesar de a ter visto três vezes apenas, continuava
ansioso aguardando os dias em que a fosse ver. E a Lia.
Prometi a mim mesmo que após ganhar o seu coração e
confiança contaria sobre Íris e Luena, mas quando sinto
avanços, ela parece dar dois passos para trás. Uma notícia do
género, sem dúvidas, faria com que ela recuasse
completamente.
É a primeira em muitas mulheres que não tem interesse no
meu dinheiro, digo isso por já ter conhecido mulheres de
vários tipos, raças e classes. A Graziela é diferente, ela possui
uma luz inexplicável. É delicada, capaz de mostrar-me o
mundo em ténues frases por si citadas… é tímida e obstinada!
Tornando-se o alvo de uma insólita dicotomia. Não teme a
solidão, muito pelo contrário… e eu quero. Quero-a para mim
como nunca quis ninguém e farei questão de mostrar que
consigo amá-la.
Pedi ao Ivan que desse entrada aos documentos do meu
divórcio com Luena e claro que deixaria Íris ficar com ela,
apesar de querer a minha filha do meu lado, sei que por agora
estar com a mãe é o ideal para ela.
Os documentos chegaram hoje a Luena e já imagino o drama
que viverei ao chegar a casa. Confesso que não estou nem um
pouco ansioso para confrontá-la.
Decido fugir um pouco de meus pensamentos desagradáveis,
tiro o telemóvel do bolso e vou a galeria. Como um bobo,
aprecio as fotos de Lia e Graziela tiradas com o meu telemóvel
no nosso último encontro. Não consigo deixar de sentir a
necessidade de cuidar delas, e sorrio ao lembrar a cara de

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indignação que Graziela fez quando fui até a sua universidade
tirá-la da aula e levá-la para almoçar por ela ter brincado que
estava a “morrer a fome”. Sou capaz de ter exagerado um
bocado, mas, mais vale prevenir, não é?

- Princesa – diz Ivan entrando bruscamente em meu escritório


com papeis em mãos – como já deves saber os papeis
chegaram hoje a Luena e para ela supostamente foi uma
“surpresa” e o vosso casamento está “perfeito”. Tretas. No
entanto, tendo em conta essas variáveis e a existência de Íris,
podemos contar com um divórcio longo e difícil.

- Essa sala não é tua, para começar, e em segundo, não


esperava menos, aliás estamos a falar de Luena e não quero
sequer imaginar o que a mãe dela despejará na sua cabeça
oca. Queria poder escolher outra mãe para Íris. – Digo
suspirando.

- E isso é apenas a ponta do icebergue princesa, Luena fez


questão de declarar que tens tido um caso extraconjugal e
usará isso como vantagem, teremos duas opções: na primeira,
ela dificultará a assinatura dos papeis e cederá depois de um
acordo que a tornará dona de pelo menos 50% do teu
património. – Diz Ivan enquanto levo a mão direita ao cabelo
mostrando nesse gesto alguma frustração.
- Ou? – Questiono com esperança de ouvir uma melhor
solução.

- Jogamos sujo como ela e colocamos alguém a seguir os seus


passos, tenho quase 100% de certeza que encontraremos

55
pontas soltas, cabe a ti claro, concordar e saber se estarás
pronto a ouvir e ver o que eventualmente encontraremos. –
Diz-me num tom levemente ameaçador mostrando a sua
seriedade e determinação, na verdade, estamos a falar com
Ivan como advogado e nisso não conheço outra pessoa que
faria melhor.

Penso durante breves segundos e viro-me ficando a frente da


grande janela que tenho em meu escritório, deixo o sol cobrir
a minha face como se fosse a minha fonte de energias.
Luena é mãe de Íris. E eu não quero que a minha filha sofra
nesse processo. Por outro lado, não posso permitir que Luena
fique com metade do que é meu quando quase nada
contribuiu para que o conseguisse. Muito pelo contrário.

- Contrata o melhor dos melhores. – Digo ríspido e quase


consigo ouvir o sorriso maléfico instalado no semblante de
Ivan. – Se ela acha que vai enriquecer as minhas custas, está
mal-enganada. No máximo terá direito a uma mesada
extremamente generosa e simplesmente pela Íris.

- É sempre um prazer lhe representar meu caro amigo, e por


outra, sabes que preciso que sejas completamente honesto
comigo. – Introduz Ivan e já consigo imaginar o que ele me vai
perguntar – podemos contratar alguém para segui-la, mas ela
poderá fazer o mesmo contigo. Tens tido de facto um caso
extraconjugal? Eu sou a última pessoa do mundo que te vai
julgar, somos melhores amigos e sei o quão cabra ela
consegue ser. Desculpa o termo.

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Engulo em seco e suspiro.

- Não sei se podemos chamar de caso extraconjugal – digo


envergonhado e Ivan senta-se oferecendo o seu irónico
sorriso como se estivesse a ver algum espetáculo – e para com
esse sorriso ou tirarei da tua cara a pancada.

- Bruto, mas vá, continua. – Diz-me divertido.

- Tenho conversado com uma rapariga, as vezes almoço com


ela no Avilla”s e levo-lhe a casa, mas nunca dormimos juntos.
Aliás, nem nunca nos beijamos. – Digo suspirando. – Pode usar
isso contra mim?

- Meu frágil e apaixonado Omar – diz-me sorrindo


ironicamente – não consigo acreditar que estás apanhadinho,
eu conheço-a? Ela merece um aperto de mão pois jamais
imaginei que viveria para ver o grande Omar Castiel
apaixonado, e mais! A respeitar a mulher ao ponto de não
beijá-la sequer. Por outra, ela pode usar isso contra ti sim,
porque exteriormente é tudo suspeito e facilmente indica que
tens um caso. Pelo simples facto de almoçarem num
restaurante localizado num hotel e horas depois deixares a
mulher em sua casa. Pura lógica. Contudo, veremos se
consegue fazer isso parecer verdade comigo a representar-te.
- Não sei como agradecer-te amigo, sem ti não saberia como
lidar com isso. – Digo agradecido.

- Nada de agradecimentos, a certeza de que farias o mesmo se


estivéssemos em posições inversas é o suficiente. E se essa
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moça for como acho que é, estarei na primeira fila para
observar o que ela fará contigo. – Diz-me terminando em
ironia.

Limito-me a olhar para ele de forma intimidadora.

- O teu olhar pode até funcionar com ela, mas comigo não
bebe. E se de facto for sério, melhor preparares a rapariga
para o que está por vir. – Acrescenta.

- Isso é outra conversa. – Digo ligeiramente incomodado com


o assunto que tenho recusado pensar.

- Não me venhas dizer que não contaste que estás casado


Omar. – Diz-me espantado.

- Eu quero conquistar o seu amor primeiro, se ela souber é


capaz de afastar-se de mim. – Digo tentando defender-me.

- Omar nem tudo está no teu controle, ela tem todo o direito
de escolher se quer lidar ou não com as consequências que
um relacionamento com um dos homens mais ricos de Angola
acarreta. E se ela efetivamente gosta de ti, descobrir por
terceiros fará com que a percas sem querer. – Diz tacando em
mim um olhar meio reprovador e sai da minha sala em
seguida.

- Ela vai perceber, eu sei que vai. – Digo a mim mesmo


olhando para a porta do meu escritório, agora fechada, e
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tacando em seguida novamente o olhar para a grande janela.
Por mais que negue, eu sei que o Ivan tem razão, mas, já fiz
alguns progressos para retroceder agora e arriscar perdê-la…

Olho para o relógio, já passaram 15 minutos desde as 02pm, e


instintivamente peço a Marlene que cancele tudo o que tinha
para hoje e saio.
Num quarto de hora, encontro-me dentro do carro
estacionado, no local onde habitualmente encontro a Graziela
após o seu horário de aulas.
Com borboletas no estômago e o coração a mil por saber que
corro o risco de não vê-la, os meus olhos procuram por ela
com urgência no meio do tumulto de jovens. Hoje parece estar
mais movimentado que o habitual, se calhar por ser época de
testes e exames. Abano a cabeça e decido enviar-lhe uma sms
por ser o método mais fácil de saber o seu paradeiro atual.
Minutos depois, sem receber uma resposta de sua parte,
suspiro praguejando por ser tão estúpido. Se perguntasse
antes de sair da Castiel, certamente não passaria por essa
frustração. Prestes a dar partida, os meus olhos iluminam ao
avistar Graziela, linda como sempre. Em seu corpo traz calças
de ganga com uma blusa folgada branca a condizer com suas
sandálias enfeitadas pela pedicure bem feita, seu cabelo como
sempre está preso num coque perfeitamente elaborado e,
como não podia deixar de ser, anda em rápidos passos, com a
cabeça ligeiramente inclinada para baixo. Será que ela tem
noção do quão linda é?
Rapidamente desço do carro trancando-o com o respetivo
comando e dou largos passos com o objetivo de surpreendê-
la, ouço alguns sussurros de raparigas, mas nada que não me
tenha habituado, quando para a minha surpresa presencio
uma das piores cenas… quatro homens de aparência suspeita,
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que não pareciam ter qualquer relação com a universidade
rondaram-na em plena luz do dia. Disparado, ando cada vez
mais depressa, e meu coração foi a mil ao ouvir os gritos dela
após um deles ter tocado numa de suas pernas com malicia.

- O que raios está a acontecer aqui!? – Digo quase gritando


tirando os óculos da cara e chamando a atenção de pessoas
que por ali passavam, todos fitaram em mim os seus olhares e
rapidamente meteram – se a correr enquanto Graziela estava
agachada com as mãos em seus olhos a chorar
inconsolavelmente, quando uma mulher com boas intenções
tentou agarrar-lhe e automaticamente ela rebateu-se ficando
agora deitada em posição fetal com as mãos agarrando as
pernas.
Chocado com o que acabo de ver, o meu instinto protetor fala
mais alto e, aproximo-me lentamente chamando a atenção
dela para mim. Para o meu espanto, enrosca-se em meus
braços.

- Não deixes que me toquem Omar! Eu não quero que me


toquem! – Clama entre soluços e lágrimas abraçando com
firmeza o meu pescoço.

- Pronto meu amor, não te preocupes que não deixo ninguém


fazer-te mal, eu estou aqui agora e ninguém te vai magoar –
tranquilizei-a fazendo com que abraçasse mais forte – assim
tu enforcas-me querida.

- Desculpa. – Diz-me largando o meu pescoço – levas-me a


casa, por favor?

60
- Achas que deixar-te-ia aqui nesse estado? Não meu amor,
vamos buscar a Lia, comer e só deixo-te em casa quando
certificar-me que estas bem. – Respondo em tom imperativo
para que ela não tente rebater.

Segurando a sua mala, caminhamos até ao carro e abro a


porta para que ela entre.
20 minutos depois, paro em frente a casa de Elena e Graziela
liga pedindo a mesma que trouxesse Lia. Voluntariamente
desço do carro e quando avisto a pequena, ela corre até mim
de braços abertos sorrindo ao abraçar a minha cintura por
conta da sua pequena altura. Levanto-a em meu colo e dou um
beijo em sua bochecha enquanto abro a porta do carro para
que ela entre.
Eufórica, entra e começa a tagarelar sobre assuntos diversos.

- Graz, porque estás tão quieta? Sentes-te mal? – Questionou


notando a falta de ânimo da irmã.

- Sim Lia, a mana não sente-se muito bem hoje. – Responde –


lhe a Graziela.

- Não fiques doente mana, se ficares triste eu também ficarei


porque não gosto que fiques assim. – Diz Lia tomando as
dores da irmã.

- Ninguém ficará doente, nem tão pouco triste, porque levarei


as duas a comer um enorme hambúrguer com batatas fritas e

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muito refrigerante. Hoje vamos ignorar a dieta. – Declaro
divertido na tentativa de animar o clima.

- YUPPI! Obrigada, tio Omar, vês Graz, ele faz-te sorrir


sempre! – Revela Lia, ao notar que Graziela deu um leve
sorriso.

- Ai faço? Sempre? – Questiono em tom de indignação com um


leve sorriso nos lábios.

- LIA! – Graziela repreende-a.

- Mas é a verdade, tu dizes sempre que não devemos mentir,


principalmente para as pessoas que cuidam de nós e
preocupam-se connosco. E tu sorris toda vez que recebes
mensagens do tio Omar. Sem contar que passas minutos a fio
a ler as mesmas mensagens e guardaste uma revista qualquer
onde o mesmo está na capa. – Diz levantando e baixando os
ombros como se fosse algo sem importância alguma, crianças!

- Desculpa Omar, ela as vezes consegue ser inconveniente. –


Diz Graziela envergonhada.

- Que pena, por momentos acreditei que não era o único com
saudades e que ganhava um sorriso bobo ao ler as nossas
mensagens. – Digo deixando-a visivelmente corada.

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Chegando ao shopping, a caminho da praça de alimentação,
Lia passa a frente admirando tudo que vê como se fosse a
primeira vez.

- Queres falar sobre o que aconteceu hoje? – Questiono


cortando o silêncio.

- Não me sinto confortável, desculpa. – Responde-me.

- Graziela, eu quero que tu saibas que estarei aqui para o que


tu precisares, eu não quero que penses que tudo isso para
mim não passa de um momento ou que faço por me ter
compadecido contigo. Eu tenho sentido coisas que nunca senti
e o receio de estragar toda essa proximidade faz com que eu
tenha medo e cautela em avançar. – Digo aliviado como se
tivesse tirado um peso das costas.

- Omar… - diz suspirando – eu agradeço por hoje me teres


salvo e por teres dado cor as nossas vidas durante o mês
transitado, mas por favor, não falemos disso, não agora… eu
sou tudo aquilo que não precisas.

Prestes a responder-lhe, Lia interrompe-nos puxando os


nossos corpos pelas mãos até ao restaurante dizendo que está
esfaimada e que somos mais lentos que tartarugas. Olho para
Graziela e nossos olhares encontram-se com revelando algum
pesar.
Comemos enquanto compactuávamos nos diversos assuntos
sugeridos por Lia. Mostrou-nos as suas recentes notas e
Graziela olhou para mim fazendo um sinal de negação com a
63
cabeça e pude perceber que tratava-se de presentes. Era um
obvio sinal que se comprasse ela cortaria a minha cabeça,
sorri com o gesto e levantei os braços em forma de rendição.
Após o nosso agradável lanche, levo-as à casa sem vontade
alguma de deixá-las ir. Se de mim dependesse estaria a viver
com elas e Íris. Mas infelizmente o Ivan tem razão e não posso
querer controlar tudo.

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Capítulo 6

Passo antes pela Castiel Corp e levo comigo alguns


documentos por se analisar e o meu lap top.
Chegando a casa, noto um estranho silêncio indicando que
dona Flávia e dona Rita estão em seus quartos. Sem fome,
passo pelo quarto de Íris e noto sua ausência, fico mais
descansado ao notar vestígios do seu banho em meu quarto, o
que dá-me a entender que Luena preparou-lhe para dar uma
volta pelo condomínio pois uma das partes do carrinho está
encostada num canto do quarto. Suspiro aliviado por saber
que terei tempo para pelo menos tomar um banho e analisar
algumas propostas de parcerias.
Saio do wc e visto um par de calças de moletom com uma t-
shirt branca, calço as meias e depois as chinelas. Dirijo-me ao
escritório com o lap top em mãos e mando uma sms a Graziela
para saber como está.
Devo confessar que o ocorrido deixou-me meio transtornado.
Ela mostrou ter vivido algum trauma relacionado a roubos se
calhar, e o que deixou-me irritado foi o facto de não me ter
contado, senti-me inútil naquele momento, mas darei a ela o
tempo e espaço de que necessita.
Querendo esquecer por um bocado essa parte do dia, coloco
os auriculares nos ouvidos e ao som do Djavan viajo …

O que há dentro do meu coração


Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer

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E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro que ainda nem sabe
A força que tem
É teu e de mais ninguém
Te adoro em tudo, tudo, tudo
Quero mais que tudo, tudo, tudo
Te amar sem limites
Viver uma grande história

É inevitável não pensar nela. E a cada doce verso desta linda


canção, recordo-me de cada detalhe de sua face e seu corpo.
Não vejo a hora de apertar, tocar e possuí-la como se o
amanhã não existisse.
A ideia de ter Graziela em meus braços transmite tamanha paz
que palavras não serão suficientes para explicar o turbilhão
de sensações existentes no meu corpo.
Mas a melodia é interrompida quando bruscamente Luena
adentra em meu escritório e levo as mãos aos olhos por saber
o que está por vir.
Ao levantar o olhar para ela, tento ler a expressão instalada
em seu rosto. Os olhos marejados indicam que chorou
intensamente e a expressão sofrida misturava-se
simultaneamente com ódio enfatizado pela sua acelerada
respiração.
O meu olhar desce automaticamente para suas mãos que
carregam papéis meio amolgados.
Num delicado movimento, fecha a porta indicando que
preocupava-se com a formulação de altas barulheiras.

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- E Íris? – Questiono quebrando o silêncio.

- A dormir no quarto. – Responde-me e sincronamente atira


os papeis do divórcio para cima da secretária, caindo bem
abaixo dos meus olhos – o que significa isso?
- Luena, eu acho que tiveste o dia todo para ler e analisar,
aliás, acho que atualmente todos sabem o que significa um
divórcio. – Respondo meio ríspido. – Tu sabes que o nosso
casamento é uma farsa. Como se fossemos amigos que
decidiram ter uma filha e viver juntos, eu estou farto disso
Luena e não venhas dizer-me que comigo és feliz porque
como homem sei que a única satisfação que te tenho dado é a
financeira.

- Tens outra, não tens? – Questiona-me e permaneço calado


passando a mão pelos meus encaracolados cabelos. –
Responde-me agora.

- Se quiseres manter uma conversa civilizada comigo não


grites. A nossa filha está a dormir e não precisa estar
envolvida nesta confusão.

- Tu a envolveste nisso tudo desde o momento em que pediste


ao Ivan para dar início a esse processo, como tiveste essa
coragem? Eu sempre amei-te Omar e fiz de tudo para
despertar o teu amor por mim. Eu sei que as vezes sou um
péssimo exemplo de esposa, mas tu também não ficas atrás e
parece que a única pessoa com vontade de restaurar este
casamento sou eu. – Diz-me chorando e confesso que o meu

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coração apertou, mas tenho de pensar no melhor para mim e
para Íris e manter essa farsa não fará bem a ninguém.

- Luena – digo suspirando – a nossa relação no princípio foi


linda, estávamos apaixonados e espalhávamos essa paixão em
todos os cantos. Mas infelizmente a tua ganância e avareza
foram falando mais alto e aos poucos revelavas o teu
verdadeiro ser, transparecias a tua verdadeira essência e
educação. Desiludiu-me. Muito. Quando descobri que a doença
da tua mãe era uma invenção vossa para conseguir dinheiro a
fim de suprir dividas que a tua família foi fazendo ao longo
dos anos eu fiquei derrotado, tu não precisavas ter mentido eu
ajudar-te-ia sem pensar porque estava apaixonado por ti, mas
so provou que sempre foste como a maioria das mulheres que
aproximavam-se de mim. O teu maior objetivo sempre foi o
meu dinheiro e preferi terminar. Com a notícia da gravidez de
Íris, eu repensei, tu mostravas arrependimento profundo e
sincero. Mas o que era para ser um recomeço bom, depois de
meses tornou-se o maior inferno da minha vida.

- Mas isso ficou no passado meu amor, nós conseguimos


superar isso, eu… - disse-me agarrando-se ao meu peito,
inclinei por instantes a cabeça para trás e agarrei as suas
mãos com as minhas como se a quisesse impedir de qualquer
toque.

- Não Luena – continuei – tu tornaste-te num ser mesquinho e


desprezível. Implicavas quando os meus amigos estivessem
por perto e muitas vezes proibiste-os de carregar a minha
filha ao colo. Sem contar que até a minha mãe faltaste ao
respeito por ela ter simplesmente dito que Íris precisava
apanhar sol por estar clara demais.
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Ameaçavas desaparecer com a bebé se não cumprisse
caprichos teus. Eu não preciso de uma mulher como tu. Eu
preciso de alguém que me ame e não ao meu dinheiro.

- Só podes estar a brincar – diz-me em tom irónico dando


forçadas gargalhadas. – Tu, o grande Omar Castiel, a precisar
de um amor? Não me lixes a porcaria da paciência. Eu tentei
resolver tudo, eu tentei ficar bem contigo, mas tu sempre
preferiste dar ouvidos aos teus amigos, sabes que mais? Isso
não vai ficar assim Omar. Não assinarei papeis nenhuns, eu
tenho direitos. Sou mãe da tua filha e acredita no que digo
Omar Castiel eu vou afundar-te e vais sentir-te enterrado a
sete palmos por teres recusado o meu amor, podes negar, mas
eu sei que todo esse teatro envolve uma terceira pessoa e
quando souber quem ela é, ficarás de joelhos sobre meu corpo
e implorarás misericórdia.

- Estás a ameaçar-me? – Questiono fulminando-a com o meu


olhar.

- Estou simplesmente a dizer que não és tão intocável como


julgas ser. – Responde-me fria e calculista.

- Não sou obrigado a suportar essa merda. Tínhamos tudo


para ter uma separação amigável, mas como a tua ignorância
tem sempre de sobrepor-se a razão, estamos nesse lamentável
estado. – Digo e saio deixando – a sozinha no escritório.

Em tempo record, vou até ao quarto e separo uma pequena


mala e dentro dela coloco tudo que preciso para sobreviver

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por alguns dias. Roupas, perfumes, a pasta com instrumentos
para a minha higiene pessoal, meu lap top e minha carteira.

- Onde pensas que vais? – Diz-me Luena seguindo todos os


meus passos – Omar eu estou a falar contigo para com essa
porcaria e diz-me onde vais! Vais ter com ela não vais? Com a
tua nova amante. Estás a trocar a tua filha por uma vadia
qualquer!

- PARA LUENA, chega! – Grito e ouço minha filha chorar,


rapidamente corro ao seu quarto segurando-a no colo. –
Pronto minha princesa, está tudo bem, o papa vai ausentar-se
por um tempo, mas logo resolvemos tudo e o papa estará
sempre que puder contigo meu amor.

Dou um beijo em sua testa, e, inconsolavelmente continuou


com o choro. Entrego-a para dona Rita que apavorada tentava
acalmar Íris.
Por meros instantes pensei nas anteriores palavras de Luena,
estaria eu trocando Íris por Graziela? Será o mais correto a
fazer? Porquê que isso passa pela minha cabeça?!
Abano rapidamente a cabeça no intuito de fazer com que os
meus pensamentos fujam de minha mente e continuo a
arrumar a mala. Pego nas chaves do carro e Luena fica parada
e olha fixamente para mim.

- Podes ficar com o apartamento, eu não me importo e farei


questão de deixar isso claro ao Ivan, minha filha esta
habituada com esse apartamento e não tirarei isso dela, a
minha ausência já será o suficiente. Até que resolvamos toda

70
essa situação eu continuarei a pagar as empregadas, o
condomínio e tudo que diz respeito a Íris, quanto ao resto,
arranja-te. – Digo passando por ela caminhado rumo ao hall
de entrada.

- Eu não assinarei divórcio algum. Tu ainda voltarás a entrar


por essa mesma porta que agora sais. – Diz chamando a minha
atenção.

Fungo e saio fechando bruscamente a porta.


Sentado no carro, dou fortes golpes no volante com o objetivo
de aliviar a raiva que consumia-me.
Desnorteado, buscava mentalmente algum local que dar-me-ia
paz e sossego. Claro que se fosse oportuno ficaria com Lia e
Graziela, mas não dá… em casa dos meus pais seria alvo de
muitas questões, pesa embora a minha mãe nos últimos
tempos estivesse quase 100% convicta que alguma coisa
passava-se com Luena, não queria ter de dar explicações, não
agora.
Esperançoso, ligo o carro e dou partida.

30 minutos depois, estaciono o carro defronte a uma não tão


grande, porém majestosa vivenda, e Ivan aguardava-me em
pé, apoiado ao grande portão branco com ligeiros detalhes
pretos. Carrega no botão de um pequeno comando que trazia
em suas mãos e o grande portão abre-se revelando uma

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agradável vista. Um jardim aparentemente bem tratado com
arbustos cortados em círculos e pequenas luzes embutidas
dentro deles.
Já dentro de sua casa, desço do carro e ele recebe-me com o
seu sorrisinho irónico ajudando-me com a mala.
Passamos pela varanda onde numa das cadeiras estava Ícaro,
seu irmão mais novo, sentado, entretido no computador.
Cumprimento-o e admiro o facto de estar tão crescido e ele
claro, orgulhou-se por mais alguém ter reconhecido o seu
crescimento.

- Muito bem Cinderela, será nesse quarto que descansarás


quando não estiveres a arrumar a minha casa, tens de pagar
de alguma forma a tua estadia. – Diz-me o Ivan com seu ânimo
habitual.

- Podia estar em qualquer hotel, na verdade, não quis estar


sozinho. – Digo sem dar detalhes.

- Estou a brincar princesa, e tu sabes. Podes ficar o tempo que


quiseres e precisares, somos só eu e Ícaro, uma companhia
não fazia mal. Preferia que tivesses mamas e curvas, mas
temos de nos contentar com o que temos. – Responde
tentando amenizar o clima e dou um leve sorriso.
- É uma estreia ver-te dizer algo relacionado a tua solidão, já
sei que tem a ver com a Luena. Queres falar acerca? –
Acrescenta.

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- Quando Nick chegar falo de uma vez, não quero ter de tocar
várias vezes nesse assunto e já basta o que terei de aguentar
com os meus pais e se calhar, com os familiares de Luena. –
Digo acabando num suspiro.

- Então vamos terminar de instalar-te e assim que a mula


burra chegar, falamos. – Disse-me.

Assenti e tirei os chinelos, o computador e a carteira da mala.


Dirigi-me ao wc existente no quarto e passo água na cara
limpando com a pequena toalha existente num cesto ao pé do
lavatório.
Ivan vive apenas com seu irmão de 19 anos pois seus pais
decidiram desfrutar da reforma em território norueguês,
visitando-os apenas uma a duas vezes por ano, e estando cá,
não hospedam-se em casa do filho possuindo suas
propriedades. Porém, para uma casa onde vivem homens
apenas, é extremamente organizada e limpa tendo tudo em
seus respetivos lugares com toques decorativos. A dada
altura, no segundo ano da universidade, achávamos o Ivan
gay, porém, estávamos extremamente enganados ao descobrir
que metade das raparigas do campus “renderam-se” a essa
característica dele. Sortudo do caraças.
Na sala de estar, decido fugir por momentos dos meus
pensamentos, alinhando numa partida de vídeo jogos com
Ìcaro enquanto Ivan servia-nos com alguns petiscos e cidras.
Momentos depois Nick chega e, como não podia deixar de ser,
Ivan goza com ele até que o mesmo cede e desafia-o num
“duelo” para provar sua masculinidade. De vídeo jogos, claro.

73
- Então Omar, já nos queres dizer o que se passa? – Pergunta-
me o Nicolas e suspiro passando as mãos pelos cabelos, típico
sinal do meu aborrecimento ou irritação.

- Se quiserem posso ir para o meu quarto. – Diz-nos Ícaro


dando stop no jogo.

- Nada disso Ícaro, podes ficar. Já és um homem e nada do que


direi será segredo então, se quiseres ficar e ouvir para que
aprendas com a borrada que fiz, estás a vontade. – Digo e
Ícaro acomoda-se numa das cadeiras presentes na sala. –
Como já é do conhecimento de Nicolas e Ivan, eu pedi o
divórcio a Luena e desde o princípio soube que não seria fácil.
A sua reação não foi das melhores, conforme esperava, mas
infelizmente mais uma vez, Luena superou as expectativas e
declarou firmemente que não assinaria o divórcio. Tivemos
uma discussão e aí eu percebi que não faria sentido
continuarmos sob o mesmo teto, não seria saudável para nós
e menos ainda para Íris, e aqui estou, perguntando-me se
tomei a decisão certa pois partiu-me o coração deixar a minha
filha chorar daquela forma e saber no que a vou submeter a
partir de agora.

- Omar, tu fizeste a escolha correta, claro que existem casais


que já estiverem a beira do divórcio e milagrosamente
resolveram tudo. Mas na maior parte das vezes para que isso
aconteça o amor deve existir, coisa que nem nunca existiu no
vosso casamento. Insistir traria mais danos para todos,
especialmente, a minha princesa. – Diz-me o Ivan dando um
grande gole em sua bebida.

74
- Já disse que quando queres tu pareces ser inteligente e
maduro? – Diz Nick admirando Ivan enquanto o mesmo
assente convencido.

- Eu sou maravilhoso Nick, pergunta a tua mãe. – Responde-


lhe e Nick fulmina-o com o olhar.

- Mas não fica por aí – acrescento – a Luena insiste dizer que


tenho um caso e que deixei-as pela minha suposta amante. E
que descobrirá quem ela é fazendo-a arrepender-se de ter
destruído o nosso casamento.

- E tens? – Perguntam-me o Nicolas e Ícaro em uníssono,


confuso olho para Ivan.

- O que foi? Não sou fofoqueiro princesa, se quiseres que


alguém saiba, falarás por ti. – Diz Ivan, dando outro gole.

- Não é bem um caso – digo e Nick passa levemente a mão pela


sua cara como se estivesse indignado com o que acabei de
dizer. – Conheci sim uma mulher, mas decidi avançar com
calma. Apenas almoçamos juntos e levo-a para casa.

- Nunca apalpaste-a sequer? – Pergunta Ícaro surpreso.


- Nunca nem nos beijamos! – Digo com um leve sorriso
lembrando dos lábios de Graziela.

75
- Nunca pensei que estivesse vivo no dia que Omar respeitaria
uma mulher até esse ponto. Tu dormiste com a Luena no
segundo encontro. – Diz Nick divertido.

- Ela é diferente. Não é como a coletividade. – Digo ríspido


enquanto os três zombam comigo.

- Omar estás a passar por uma fase bem delicada, não tenho
muita experiência, mas sei o que as mulheres são capazes de
fazer por ciúmes e por sentirem-se trocadas. Aconselharia a
tomares cuidado e a alertares a rapariga com a qual tens saído
sobre o que vos espera. – Diz-me Ícaro e mostro-me meio
surpreendido com o que disse. É apenas um ano mais velho de
Micaela, mas não deixo de surpreender-me com o crescimento
de ambos, quase síncrono.

Decido desconversar, pois, o assunto começava a ir por


caminhos que não me agradariam nada.
Continuamos a falar de assuntos alternados enquanto
jogávamos. Horas depois a governanta de Ivan serviu-nos o
jantar. Nicolas despediu-se de nós ao terminar, e foi para casa.
Desejo uma boa noite ao Ivan e Ícaro. Dirijo-me ao quarto.
Deitado na cama minha mente viaja até a discussão com
Luena. Aperta-me o coração ao pensar que pode fazer algum
mal com Graziela. Abano a cabeça e digo a mim mesmo que
não deixaria que nada nem ninguém magoasse a mulher que
tem roubado o meu coração.

76
Ela quer guerra, mas não darei a ela esse privilégio e
importância, serei vencedor nesse processo ao estilo Omar
Castiel, não me rendo por ameaças.

77
Capítulo 7

Uma semana passou-se desde que deixei o meu apartamento


para Luena, uma semana que não vejo a minha filha. Com
saudades olho para a foto dela existente em ponto grande no
meu escritório.
Ordenei Xavier e sua equipa a acelerarem com a questão de
segurança da casa e pedi a Marlene que entrevistasse duas ou
três mulheres para trabalharem em minha mansão.
Ponderava seriamente mudar-me para lá. É uma linda
propriedade, porém, grande demais para que nela viva
sozinho. Sem grandes expectativas, olhava para alguns
apartamentos na esperança de encontrar algo que me
convença.
O processo do divórcio está em execução e devemos esperar a
data da sessão de conciliação por tratar-se de um divórcio
litigioso. Só de pensar nisso perco o apetite. Queria eu estar
livre para poder cuidar de Graziela o tempo todo. Falando
nela, fiquei surpreendido ao receber a sua mensagem dizendo
que sentiu a minha falta por esses dias, senti que finalmente
com ela, as coisas têm corrido bem e decido levar ela e Lia a
comer alguma coisa pós a sua saída da universidade.

Depois de passar o resto da tarde a ouvir as doces histórias de


Lia e contemplar o sorriso de Graziela, Lia pede-nos para
brincar por 10 minutos no miniparque que estava bem a
frente de nossa mesa. Graz autorizou fazendo-a prometer que
não sairia do parque.

78
- Sabes, também senti a tua falta, não tens saído da minha
cabeça Graziela. – digo-a em tom de confissão.

- Eu acho que apaixonei-me por ti Omar, mas não quero me


envolver, bem sei que estás habituado com mulheres
sofisticadas e eu não tenho nada que tu procuras. Por isso
prefiro manter a distância. – Disse-me com pesar em seu
rosto.

- Psiu, possuis tudo que nunca encontrei em ninguém. – Digo


levantando o seu rosto com a minha mão direita e deixando-a
sem escapatória aproximo o meu rosto ao dela e beijo-a.
Beijo-a com ternura, lentamente e se soubesse que essa seria
a sensação teria feito a mais tempo… os seus lábios
encaixavam perfeitamente nos meus como se tivessem sido
desenhados única e exclusivamente para que com a minha
boca fossem devorados e ao notar a sua falta de jeito decido
parar e olho para ela. Aprecio todos os mínimos detalhes de
sua face e envergonhada ela baixa a cabeça.

- Ei, olha para mim – Digo levantando carinhosamente a sua


cabeça, outra vez – tu és linda, doce e corajosa. Não tens de
baixar a cabeça por ninguém nunca. Quem te tem em sua vida
devia considerar-se sortudo princesa, olha o que fizeste
comigo! O meu coração hoje tornou-se oficialmente teu,
conseguiste derreter o gelo que a muito consumiu o coração
desse Castiel.

- Acho que consigo habituar-me a isso. – Diz sorrindo e


apoiando a cabeça em meu ombro.

79
Horas depois, paro defronte a casa de minhas meninas, ao
despedir-me de Graziela com mais um beijo ouço palmas de
Lia que fingia estar a dormir nos bancos traseiros, satisfeita,
saem do carro e dou partida rumo a casa de Ivan.
Após algumas conversas, Ivan diz-me que o detetive por ele
contratado informou que começou a fazer progressos e que
no prazo de um mês entregar-nos-ia todas informações por
ele recolhidas. Assinto animado e esperançoso. Não daria
nenhum tostão para Luena, tudo meu que ela conseguisse
seria simplesmente por ser ela a viver com Íris e, devidamente
contabilizado.

Um novo dia chega e já encontro-me sentado em minha sala


terminando de analisar o contrato com a rede Albuquerque,
rede essa pertencente a Nicolas.
O mesmo pretende alterar o software utilizado em todas as
clínicas e farmácias e, contratou a Castiel para
responsabilizar-se pela conceção de um software exclusivo.
Momentos após terminar a minha análise, identifico eventuais
erros e faço algumas observações para então mandar as
mesmas para o departamento técnico, quando, ouço o meu
telemóvel chamar tratando-se de uma mensagem de texto.

- Omar, não nos podemos voltar a ver, obrigado por tudo que
fizeste por nós, mas não te quero por perto. Devolverei o
dinheiro dos presentes que ofereceste a Lia assim que tiver um
emprego. Por favor não nos procures.

Tentando digerir o que terminara de ler, levo a mão aos


cabelos e suspiro. Não é verdade. Aliás, não pode ser

80
verdade… ela disse estar apaixonada por mim e agora isso?
Passa-se alguma coisa, isto não é da Graziela.
Mas não a vou incomodar, se calhar precisa de tempo e
espaço, de igual modo, preciso. E se calhar esse afastamento
pode ser benéfico pois, poderei focar no divórcio e depois
voltar para ela, somente para ela.

- Confesso que essa mensagem partiu-me o coração, mas por


gostar de ti, cederei aos teus desejos. Não preciso que devolvas
nada, Lia conseguiu por mérito próprio. Eu voltarei Graziela.

Derrotado, sento em minha confortável cadeira virando-a


para a grande janela. De certeza que Graziela tem um forte
motivo para afastar-me e para ser sincero, se calhar é o
melhor. Não sei se soa estranho um homem envolvido num
processo desses dizer isso, mas, não vejo a hora de ver Graz
vestida de noiva para mim. Imaginando essa bela imagem dou
um leve sorriso que motiva-me.
Eu far-te-ei feliz Graz, não perdes por esperar.

81
Um mês passou-se desde o dia em que recebi a mensagem que
partiu o meu coração e tenho tentado não pensar.
Comprei um apartamento num condomínio próximo ao de
Ivan, mudando-me de sua casa fazia uma semana.
Quanto aos meus pais, achei que seria difícil contar-lhes sobre
o divórcio, porém, surpreenderam-me ficando do meu lado e
apoiando a minha decisão.
O meu pai inclusive, disse-me que estava estampado em
minha cara que não amava Luena e que o casamento deixava-
me infeliz e amargo, mas não quis ser o causador de um
eventual término deixando tudo em minhas mãos. Aliviado
por ter o apoio de minha família, aguardava ansioso pela
audiência de conciliação que ocorreria dentro de duas
semanas e o detetive contratado por Ivan ligaria e marcaria
uma data connosco, a fim de apresentar-nos o que tivera
descoberto.
Encontrava-me então sentado no sofá a comer pizza e
assistindo a série que Graz recomendou, era boa e
interessante, até que, sou interrompido pelo toque do meu
telemóvel.

- Alô! Tio Omar és tu?


- Lia? – questiono espantado. – O que se passa princesa?
Porque pareces estar aflita?
- A Graz tio, ela pegou na minha mochila e encheu de roupas e
viemos até a casa da Elena. – diz-me em tom de choro – ela não
para de tremer e não fala com ninguém, nem mesmo comigo!
Vem a nossa busca por favor, eu tenho medo.
- Calma princesa, não chores que já já estarei aí, eu conheço a
casa de Elena, este é o número dela?

82
- É sim tio, a Graz não quis incomodar-te, mas a Elena deu-me a
ideia de ligar, sabemos que conseguirás resolver tudo. –
respondeu-me e por momentos deixei de sentir-me um inútil
ao notar a confiança e fé que Lia tem em mim, e se calhar
Graziela partilha da mesma opinião.
- Muito bem princesa, és sempre muito inteligente, agora presta
atenção, diz a Elena que chego dentro de 30 minutos e ligarei
para ela assim que chegar, não digam nada a Graz para que ela
não tente mudar as minhas ideias está bem?
- Esta bem tio, despacha-te! – diz-me e sorrio a sua adorável
ordem.

Disparado, levanto-me do sofá e calço os primeiros ténis que


apareceram a minha frente, no corpo trago somente um par
de calças de moletom e uma t-shirt azul marinho. Agarro na
carteira e nas chaves saindo de casa.
Durante o caminho, tento imaginar o que faria Graziela ficar
nesse estado e aperta-me o coração pensar que pode ter
acontecido alguma coisa com ela.
Passados 30 minutos, estaciono defronte a humilde casa e
telefono para Elena que rapidamente sai abrindo-me a porta
de sua casa.
A humilde casa chama atenção por sua tremenda organização
ainda que nela vivam três crianças que tranquilamente
jogavam alguma coisa na pequena varanda.
Lia, ao notar minha presença, corre para os meus braços e
recebo-a num apertado abraço demonstrando toda saudade
que dela tive. Cumprimentei cordialmente os pais de Elena
que, carinhosamente quiseram oferecer-me alguma coisa para
comer. Com toda gentileza neguei dizendo que acabara de
devorar uma pizza.

83
Elena pede-me para aguardar no sofá enquanto chamaria
Graziela.

- Ela merece ser bem cuidada, a miúda não passou por coisas
fáceis. – Diz-me a mãe de Elena. – Eu tenho-a como uma filha e
digo sem medo de errar que ela é de longe uma das melhores
raparigas que já conheci.

- Sem sombra de dúvidas que é, o jeito dela fez com que me


apaixonasse perdidamente. – Digo sendo sincero.

. Omar – diz Graz ao notar minha presença chamando para ela


toda minha atenção, levanto-me e cautelosamente aproximo-
me sendo surpreendido com um apertado abraço. Sinto minha
t-shirt molhada ao notar que silenciosamente ela chorava e
tremia.

- Pronto meu amor, eu estou aqui. – Disse enquanto


acarinhava os seus cabelos. – Não deixarei ninguém fazer-te
mal, nunca.
Posso levá-la?

- Isso depende exclusivamente dela – responde-me Elena. –


Queres ir com Omar amiga?

- Sim, se não te importares, eu não quero ser mais uma


preocupação para vocês e sei que o Omar cuidará bem de nós.
– Respondeu Graziela assim que virei o meu olhar para ela.

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- Então acompanho-vos até o carro, vou so pegar a mochila de
Lia e a mala de Graziela. – Disse-nos Elena.

Momentos depois, despedimo-nos dos simpáticos pais de


Elena e fomos andando até o carro. Lia e Graziela entraram
primeiro enquanto eu recebia as suas coisas. Em tom de
clamor, Elena pediu para que não magoasse a sua amiga,
disse-me que ela passou por muito mais do que eu possa
sequer imaginar e que no momento certo a própria Graziela
contar-me-ia. Assenti. E garanti que faria o que estivesse em
meu alcance para dar o valor que ela merece.
A dada altura agradeci interiormente por ter comprado outro
apartamento. Já não estou na mesma casa que Luena e graças
a Deus a mesma desconhece a minha nova morada, e já não
estou com Ivan. Claro que ele não importar-se-ia de receber
Graziela e Lia, mas elas não teriam a privacidade que agora
merecem.

- Vamos a tua casa, tio Omar? – Pergunta Lia interrompendo


os meus pensamentos.

- Sim boneca, vamos a minha casa e vocês podem ficar o


tempo que quiserem. – Respondo-a amorosamente.

- Será por um curto tempo, reunirei as condições e depois saio


com Lia, não te queremos incomodar. – Diz-me Graziela com
pesar no olhar.

- Graz, ninguém disse que seriam um incómodo e por outra,


não foi como planeei, mas, estão a realizar uma das minhas
85
maiores vontades desde que conheci-te. Estar contigo ao
acordar e encontrar-te em casa ao chegar. – Rebati e notei que
ela ficou corada com o que acabara de ouvir, relaxa seu corpo
no banco e vira a cara para a janela deixando a lua tomar
conta de seus olhos.
Meia hora depois, entramos em meu apartamento e Lia
analisava tudo maravilhada.

- Lia, vem conhecer o quarto em que vais ficar. – Chamo-a e


ela alegremente vem ao meu encontro.

- Terei um quarto só para mim? – Pergunta-me eufórica. – Eu


nunca tive um quarto só para mim!

- Claro que sim princesa, é todo teu e com o tempo podemos


colocar o que tu quiseres. – Respondo e sou surpreendido por
um caloroso abraço que termina em minha cintura.

- Obrigado tio Omar, estou muito feliz por ter entrado em


nossas vidas, quando estamos consigo a Graz não fica triste. –
Disse-me com uma indescritível educação e doçura.

- Não te preocupes que se depender de mim, ela não voltará a


ficar triste, agora entra no wc, toma um banho que a Graz já
vem aconchegar-te. – Digo e dou-lhe um leve beijo na testa.

- Mas estamos de férias. – Disse-me fazendo beicinho e eu


quase caio, quando Graziela entra e nota que estou prestes a
ser manipulado por Lia.

86
- Férias não significam que deves estar acordada até altas
horas da noite, já passam das 9pm e a menina comeu antes de
sairmos de Elena, tomar banho e cama. – Diz Graziela tacando
outro beijo na testa de Lia e confesso que fiquei derretido com
o momento.
Damos privacidade a mesma saindo do quarto.
Mostro a Graziela o quarto que ocupará, e, o mesmo está
paralelo ao meu.

- Eu podia ficar no quarto com Lia. – Disse-me embaraçada.

- A minha casa tem quatro quartos, nesse momento somos


três, porquê que duas pessoas ficariam no mesmo quarto? –
Questiono-a arqueando a sobrancelha esquerda. – Vocês não
incomodam nada, muito pelo contrário. Não quero ser
repetitivo. Aceita sem reclamar uma vez em tua vida, por
favor Graziela.

- Tens um lindo apartamento, um bocado sombrio, mas tem


muito charme. – Diz-me num tom sarcástico.

Lentamente aproximo-me dela e beijo os seus lábios como se


a minha existência disso dependesse. Aperto sua cintura
trazendo o seu quadril contra mim e ofego ao sentir as suas
mãos agarrando os meus cabelos, com todo jeito do mundo
abro a porta do seu quarto e gentilmente levo-a até a cama.
Tiro o casaco que cobria o seu tronco e deito-a na cama, levo a
minha língua em seu pescoço ficando cada vez mais ansioso a
medida que sentia sua acelerada respiração bem perto do
meu ouvido, passeio a minha mão direita por todo seu corpo e
87
ao chegar no interior de suas ancas sou surpreendido pelo
choro dela. Assustado, levanto imediatamente e a observo
com medo de a ter magoado.

- O que se passa meu amor? Fiz alguma coisa errada? Magoei-


te? Eu não queria… – Digo com pesar no olhar.

- Não fizeste nada Omar, muito pelo contrário, tu tens feito


tudo e mais alguma coisa. O maior problema sou eu… eu não
consigo, eu tento, mas não consigo. – Diz-me a gaguejar entre
lágrimas e soluços.

- Não chores, eu estou aqui e não te vou obrigar a nada, será


tudo como tu quiseres, já passou. – Digo trazendo a sua cabeça
para o meu peito e carinhosamente passo a mão em seus
cabelos.
Permanecemos calados e longos minutos depois, Graziela
adormece em meus braços.
Cuidadosamente encaixo-a debaixo dos lençóis e taco um
beijo em sua testa. Apago a luz do criado mudo e em suaves
passos ando até a porta do quarto.
Instintivamente vou até o quarto onde Lia dorme e sorrio ao
notar que descansa tranquilamente, apago a luz e lentamente
fecho a porta do quarto.
Dentro de meu quarto, sento-me na beira da cama com o
objetivo de processar os acontecimentos do dia, ainda bem
que os meus pais e Micaela estão ausentes do país por um
mês, se tomassem conhecimento cairia num mar de perguntas
feitas pela minha mãe e não quero submeter-me a isso, não
agora. Suspiro também por saber que cedo ou tarde terei de

88
contar sobre Luena e Íris para Graziela, o facto de ela cá estar,
torna as coisas mais reais e fico com raiva de mim por não ter
contado antes. As vezes detesto o Ivan por ter razão.
Sem querer pensar nisso, decido deitar-me e entrego-me ao
cansaço. Amanhã será um novo dia.

89
Capítulo 8

Graziela Gimenez

Deitada num quarto escuro, abro lentamente os olhos e vejo a


porta do meu quarto, entreaberta. A escassa iluminação era
proveniente do feixe de luz deixado pela lâmpada acesa no
corredor. Ao sentir toques no interior das minhas ancas e em
meus pequenos seios simultaneamente, apavoro-me ao notar
a presença de meu padrasto parado entre as minhas pernas e
do meu lado estava o seu amigo que, ao notar que despertei,
acariciou-me a cara e os cabelos dizendo para relaxar e voltar
a dormir. E eu, como num ato de mágica obedeci, sentia-me
sonolenta… fraca e não fazia ideia do que acontecia ao meu
redor. Abro e fecho lentamente os olhos e, a única coisa que
sinto é o meu corpo subindo e descendo enquanto o meu
padrasto movimenta-se. Caindo na realidade, desperto quase
completamente e começo a clamar por ajuda.
Bruscamente, Jorge sai do meu corpo ocupando o lugar de seu
amigo que, por sua vez, encaixa-se dentro de mim dando
valentes investidas.
Suja e usada, lágrimas dos meus olhos caem e pergunto-me
mais uma vez onde minha mãe estava… tentei dar luta, mas
em troca ganhei ameaças e uma roupa suja dentro da boca.
Jorge segurava as minhas mãos enquanto seu amigo, Oliveira,
tinha-me a sua inteira disposição.

- Não mentiste ao dizer-me que a tua enteada é gostosa, posso


ficar aqui a noite inteira. – Disse Oliveira a Jorge enquanto
entrava e saía do meu interior compassadamente.

90
- A mãe dela está de plantão hoje, estás à vontade meu
caríssimo. – Respondeu-lhe o Jorge enquanto que, com suas
peludas e duras mãos, apertava meus peitos forçando-me a
dizer palavras obscenas.

Gritando apavorada e com a respiração ofegante, levanto-me


notando que mais uma vez o meu sono foi levado… eu não
queria, mas meu corpo tremia como se tivesse perdido
completamente o controle dele. Podia jurar que mais uma vez
senti o hálito quente com cheiro a cidra que Jorge tinha
naquele dia. Num gesto de raiva e na tentativa de parar de
sentir os seus toques que como tatuagens fixaram-se em meu
corpo arranho-me deixando feridas em cada arranhão. Olho
para cima e noto a porta aberta, com Omar fitando em mim o
seu olhar, estupefacto, assustado com que acabara de
presenciar. Rapidamente olha para a parte de fora do quarto e
fechando a porta, vem até mim.
Abraçando-me, afoga a minha cabeça em seu peito e com seus
fortes braços aperta os meus de maneira tal que deixa-me
mobilizada e sem chances de dar continuidade aos arranhões.
Sem medos desfaço-me em sua presença, choro e grito.
Permito-me desabar e deixo que me console.

- Pelo amor de Deus Graz, diz-me o que se passa meu amor. Eu


preciso saber como ajudar-te. – Diz-me levantando a minha
cara ao nível da sua.

- Eu não queria Omar, eu juro que não… - comecei.

- O quê meu amor? Fala comigo, eu estou aqui para ti e


ninguém vai fazer-te mal. – Disse-me.
91
- Foi ele Omar, o Jorge, o homem que sempre julgou ser meu
padrasto. Tinha eu acabado de fazer 13 anos, a minha mãe
tinha começado um novo relacionamento pois o meu pai
tivera falecido, antes mesmo de descobrir a gravidez de Lia.
Jorge mudou-se para nossa casa, estavam noivos e
aparentemente ele preocupava-se connosco e minha mãe,
tola, concordou com a sua sugestão de adotar-nos, a mim e a
Lia. Mas, nunca fui com a cara dele. – digo limpando as
lágrimas e bebericando um pouco de água existente numa
pequena garrafa que descansava sobre o criado mudo.
- A minha mãe era enfermeira, fazendo com que muitas noites,
ficássemos simplesmente com Jorge. Numa dessas noites, Lia
descansava no berço existente em nosso quarto, e eu, sentada
na cama, entretida com o livro de receitas quando Jorge
entrou e… puxou-me pelas pernas dizendo que eu era uma
mocinha crescida e devia conhecer o lado bom da vida e …
bruscamente tira-me da cama para o chão tirando a minha
virgindade contra a minha vontade. – Declaro e noto seu rosto
escurecer e contrair-se. Seus lábios ficaram secos e a
expressão amorosa que habitualmente tomava conta de si,
desvaneceu. Num quase impercetível gesto, ele abre e fecha a
boca como se não quisesse dizer o que estava prestes a dizer.
- Não ficou por aí – continuo – um ano passou-se e achava eu
que ele arrependera-se do ocorrido e que não voltaria a
acontecer. Decidi não contar para minha mãe com medo,
medo de ela duvidar de mim. Nesse dia ele havia recebido o
seu amigo em casa, a minha mãe estava de plantão como de
costume e, gentilmente, ele serviu-me leite com alguns
biscoitos no meu quarto e simplesmente adormeci. Quando
acordei, senti-me grogue e cansada. Não tinha noção de nada
que acontecia ao meu redor e ao colocar uma de minhas mãos
no peito apercebi-me que estava completamente nua e mais
92
uma vez, com Jorge entre as minhas pernas. Seu amigo do
meu lado acarinhava-me e dizia-me para dormir e de tão
cansada que eu julgava estar obedeci por momentos, até
aperceber-me do que tratava-se e começar a chorar. Jorge
trocou de lugar com seu amigo e ao sentir as bruscas
investidas de Oliveira mais uma vez senti-me suja e inútil. Não
tinha a quem culpar e a minha vida simplesmente não fazia
sentido.
4 anos haviam passado, eu continuei a mesma rapariga da
última noite com Jorge e, embora nunca mais me tivesse
tocado, ameaçava-me. A minha mãe descobriu quando deixei-
lhe uma carta na mala após beber vinagre e 30 comprimidos
diferentes, mas infelizmente ao invés da minha, a vida da
minha mãe foi ceifada por Jorge que, deu-lhe diversos golpes
na cabeça ao ser por ela confrontado e, ameaçou sair
connosco de casa. Claro, ele saiu ileso pois alegou que ambos
tiveram um acidente de mota e o facto de ter sido militar e
conhecer algumas pessoas facilitou. Nunca teve qualquer
investigação.
Fadada as trevas, sem ter alguém com quem contar, pois os
únicos familiares que eu vagamente conhecia residiam fora de
Luanda, decidi reerguer-me por Lia, e, bati de frente com
Jorge dizendo que so continuaríamos naquela casa porque era
nossa Ele ao ter a guarda da minha irmã, sendo eu na altura
maior de idade, beneficiava-se. Mas deixei bem claro que ele
não voltaria a tocar em mim ou eu falaria.
Desmedidas lágrimas nada significaram e em silêncio decidi
seguir a minha vida apreciando somente a luz do dia, pois
durante o mesmo eu podia continuar a fingir que plenamente
vivo. Porém, a minha realidade e essência revelavam-se ao
entardecer, durando até os dias atuais.

93
- Eu vou matá-lo. – Disse-me seco. A frieza em seu olhar e em
suas palavras assustaram-me. – O que acontecera hoje mais
cedo? Porque ficaste desse jeito?

- Estamos de férias e decidi então levar Lia ao cabeleireiro,


chegando a casa, de longe, avisto um homem falando com
Jorge, na verdade, despedindo-se dele. Passei pelo hall de
entrada, e, o mesmo homem cruza connosco. Olhou para mim
como se fosse um pedaço de carne, eu sabia que já o tivera
visto, e esforçava a minha mente a fim de lembrar.

- Estás mesmo crescida, estou ansioso, até mais tarde linda. –


Disse-me o homem e, ao reconhecer a sua voz, as minhas
pernas tremem e quase perco o controle do meu corpo. Pego
em Lia e corro para o quarto arrumando em sua mochila tudo
que para ela seria necessário. Saio e Jorge interpela-nos.

- Onde acham que vão? – questiona. – O vosso lugar é aqui, as


duas pertencem-me.
Inspirei a coragem que precisava e agarrei num vaso que
descansava sobre a mesa de centro acertando com o mesmo
em sua cabeça. Pego em Lia e corro ouvindo de longe ele a
dizer “eu encontrar-vos-ei e desejarás nunca ter nascido sua
vadia”.
Só paramos ao chegar a casa de Elena, ela e sua mãe são as
únicas que realmente sabem o que comigo aconteceu, as
únicas que, antes de ti, eu sempre soube que podia confiar. Em
suma, agradeço Lia por te ter ligado pois aqui será ainda mais
difícil o Jorge encontrar-nos.

94
- Estão seguras. – Diz ríspido. – Jamais permitirei que algo do
género volte a acontecer e eu prometo-te, eu vou afundar esse
traste e quem desejará nunca nem ter visto a luz do sol será
ele.

Suas palavras abraçaram meu coração e segura senti-me em


seus braços, como nunca senti. Seu olhar ainda estava distante
e seu rosto pálido, como se estivesse a digerir o que acabara
de ouvir.

- Dorme comigo essa noite. – Digo e descansada fico ao sentir


que ele posiciona-se na cama e puxa-me para o seu peito.
Acarinhando o meu rosto e passando a mão no meu cabelo, a
sua expressão amorosa lentamente retorna e, pela primeira
vez em muitos anos durmo sentindo-me segura. Finalmente
segura.

95
Capítulo 9

Omar Castiel

7am e a única luz existente no quarto é a do sol que levemente


atravessa os longos e escuros cortinados.
Recostado no travesseiro, com a cabeça de Graziela ainda em
meu peito, suspiro notando que mal preguei o olho e confesso
que ainda tento em vãs tentativas digerir tudo que ontem me
foi revelado.
Abaixo os meus olhos para a sua face e, mal consigo acreditar
que alguém foi capaz de sordidamente tocar e abusar do
corpo de uma rapariga de apenas 13 anos. Eu tenho uma filha
e pensar nessa possibilidade deixa-me irado, porém, é uma
realidade existente no mundo inteiro, com pessoas de todas as
classes e raças e muitas delas, tal como Graziela, sofreram e
sofrem em silêncio com medo da rejeição, da falta de
credibilidade ou por temerem por suas próprias vidas.

- Não pregaste o olho, pois não? – Diz-me Graziela bocejando e


coçando os olhos.

- Não te preocupes comigo princesa, eu estou bem. Preciso ir a


Castiel tratar de alguns assuntos. Eu ligo-te durante o dia. –
Digo tacando um beijo em sua testa.

- Estou sem telemóvel, perdi-o na confusão de ontem,


ficaremos cá em casa, esperando pela tua chegada. – Diz-me.

96
- Mandarei alguém para ajudar-te, e quanto ao telemóvel,
resolveremos isso. É um instrumento importante, podes estar
de férias, mas precisarás dele. – Respondo.

- Eu consigo dar conta de tudo sozinha, mas aceitarei a ajuda,


a tua casa é enorme. – Diz-me sorrindo.

- Graziela, fica para sempre? Por favor. Não suportarei ver-vos


longe de mim, ainda mais com esse traste a solta. – Peço quase
em tom de clamor.

- Omar, pela primeira vez em vários anos, dormi por mais de 7


horas seguidas, tenho cara de querer abdicar disso? –
Responde-me com o semblante sério.

Satisfeito com a resposta, beijo os seus lábios ignorando o


facto de ambos termos “acordado” a poucos minutos.
Saio de seu quarto e corro para o meu, sigo para o banheiro e
ligando o chuveiro, olho para cima esperando que mais uma
vez a água leve todos meus anseios e preocupações. Estamos
demasiado envolvidos e ela tem de saber a verdade, ela
merece saber a verdade ou arrisco-me a perdê-la para
sempre.
Como é hábito, por ser sexta-feira opto por um par de calças
de ganga, uma t-shirt, estilo polo branca, e ténis a condizer
com a mesma. Pulverizo-me com o perfume e agarro na
mochila e na carteira.

97
Saio do quarto e surpreendo-me com Lia “lutando” para
conseguir ligar a televisão. Delicadamente, dou um beijo em
sua testa e ajudo-a, mostrando os canais que tem a disposição
e as demasiadas funções que a tv contém.
Viro-me e noto que a mesa, existente na sala de jantar, está
posta.
Tem pães, enchidos devidamente decorados num grande
prato, omeletes, leite, frutas e sumo natural, por sinal. Meio
espantado, agradei-me com a surpresa pois era hábito ter isso
feito por dona Flávia e saber que Graziela, além de linda,
possui dotes culinários, fez com que a paixão por ela,
aumentasse mais e mais.
Vestida somente com a sua camisa de noite, chama Lia que
entretida olhava para tv e momentos depois junta-se a nós.
Visivelmente mais animada, conversa sobre temas diversos
com a irmã e como um bobo, aprecio-as. Só faltava ter Íris
sentada numa das cadeiras e eu me sentiria o mais completo
dos homens.
Após a refeição, despeço as minhas meninas e saio para mais
um dia na Castiel.

Horas depois, encontro-me de pé defronte a grande janela,


ansiando pela chegada de Ivan e Nicolas. Preciso dos meus
amigos agora.
Ouço a porta do meu escritório abrir-se e Ivan entra logo após
Nicolas.

- Estás com uma péssima cara, não que seja alguma surpresa,
porém, não pareces mesmo estar nos teus dias. – Diz Ivan
descodificando o meu semblante.

98
- Estamos aqui amigo, o que se passa? – Questiona Nick
preocupado.

- Eu preciso acabar com um homem. – Declaro ríspido e


sincronamente os dois adotaram espanto em seus olhares.

- Omar, eu sei que exalamos masculinidade e que por vezes


deixamo-nos levar pela testosterona, mas, como teu advogado
devo lhe informar que matar é crime. – Diz Ivan irónico.

- Graziela mudou-se para minha casa ontem a noite. – Revelo e


noto dúvidas em seus olhares.

- Eu já ouvi esse nome em algum lugar, não me recordo de


onde posso ter ouvido. – Diz Ivan tentando puxar pela cabeça.

- É a rapariga que esbarrou-se contigo meses atrás nas


palestras certo? – Questiona-me Nick e assinto. – Nunca
esqueço-me de um rosto bonito. – Acrescenta.

- É com ela que te tens encontrado? E se sim, o que raios faz


ela em tua casa? – Pergunta-me Ivan confuso.

- Sim é por ela que apaixonei-me e ela está em minha casa


com a irmã mais nova. E o motivo que levou-a a minha casa, e
porque eu assim o quis e sugeri, foi o facto de estar a ser
perseguida pelo padrasto que a violou quando tinha apenas

99
13 anos de idade. – Digo e noto que após a minha última
revelação seus rostos endurecem, como quando recebi a
notícia.
- Ela foi violada duas vezes, a primeira somente pelo padrasto
e a segunda pelo padrasto acompanhado de um amigo. Quero
ressaltar de igual modo que o traste matou a sua mãe a
pancada e ela foi obrigada a viver com ele por anos pois o
mesmo tem a guarda de sua irmã. – Acrescento.

- Não acredito. Quem sente prazer em ter uma miúda de treze


anos? Eu tenho nojo de pessoas do género. – diz Nicolas com
ódio nas palavras. Nós ajudamos-te a manter a tua miúda
segura amigo.

- Omar. – Chama-me Ivan e reconheço o seu olhar, é o mesmo


que adota durante julgamentos importantes e reuniões com
pessoas da alta sociedade. É um olhar decidido, sem medos e
que de longe confirma que seja qual for a causa, ele vencerá.

- Sim Ivan. – Respondo.


- Vamos acabar com esse filho da puta.

Dou um perverso sorriso pois tenho a plena certeza de que em


pouco tempo, o maldito verá a luz do sol por uma minúscula
janela quadrada.
Atento, aponto todas as recomendações dadas por Ivan e
sugestões dadas por Nicolas. E mais uma vez agradeço,
agradeço por tê-los como amigos.

100
Decido sair mais cedo e passo pelo Galérias Shopping. Olho
atentamente algumas montras e entro numa das lojas com o
objetivo de comprar vestidos para Graz, até surgir a
oportunidade de juntos, comprarmos tudo que ela precisará.
De igual modo passo por uma loja infantil e tiro coisas para
Lia.
A caminho da saída, deparo-me com uma loja de produtos
informáticos e lembro-me que Graziela ficou sem o telemóvel,
entro e lá finalizo as compras.
Chego a casa e mais uma vez sou surpreendido por um
caloroso abraço de Lia e um beijo de Graz, consigo facilmente
habituar-me a isso, e, ao notar que trago sacos, ambas
ajudam-me.
Olho para a sala de jantar e noto que outra vez, a mesa está
posta com três pratos, copos, talheres e sumos, sentindo
levemente o delicioso aroma que provém da cozinha dou
outro beijo em Graziela. Juro que não estou habituado com o
facto da minha parceira ter de cozinhar para mim.

- Tantas compras Omar. – Diz Graziela ao colocar os últimos


sacos no sofá.

- Sim, os três em tom rosado são para Lia, e o restante para ti.
– Digo tirando os óculos escuros que encavilhados estavam
em minha t-shirt. – E nada de dizer-me que devolverás o que
gastei, continuares a cozinhar será pagamento suficiente.

Ela sorri.

101
- Isso é para mim? – Diz Lia espantada e com um sorriso que
vai de uma orelha para outra.

- Sim princesa, mas será tudo bem monitorado pela Graz. –


digo.

Quando ambas olham para os sacos, surpreendem-se com as


roupas e telemóveis. Para Graziela fiz questão de caprichar
comprando um dos últimos modelos lançados pela Apple e
para Lia, um mais básico, não muito chamativo pela sua pouca
idade.
Emocionadas, ambas pulam para os meus braços dando-me
beijos por toda cara e confesso que estou a gostar.

- Já têm tudo instalado, inclusive uma aplicação que permite


monitorares o telemóvel de Lia.

- Graz, podemos ficar com o tio Omar para sempre? –


Pergunta Lia maravilhada.

- Ao que tudo indica, sim meu amor. – Diz Graziela olhando


para mim sorrindo feito uma boba, um sorriso que logo
contagia-me e faz-me refém. – Agora vamos comer. A lasanha
está pronta!

As restantes horas do dia foram agradáveis em companhia de


Graz e Lia.
Após o jantar, vimos um filme juntos e não conseguia parar de
pensar na minha pequena Íris, no seu sorriso, no seu
102
cheirinho e corpinho. Sem sombra de dúvidas o mais difícil
em tudo isso era estar longe dela.
- Omar o que se passa? Pareces preocupado com alguma coisa.
– Pergunta-me Graziela desconfiada.

- Não é nada meu amor, somente alguns desvaneios. Graz,


para que possamos prender o Jorge, serás obrigada a depôr.
Achas-te preparada para tal? – Questiono tentando mudar o
rumo da conversa e ela suspira e olha para Lia que,
tranquilamente dorme em suas pernas.

- Eu vivi anos nas trevas, com repulsa do meu reflexo e


vergonha de viver, mas ontem, após ter desabado em teus
braços, eu vi que nunca fui a culpada, pelo contrário, eu sou a
vítima. E ainda dói falar sobre isso, mas, sei que conseguirei,
se sobrevivi a aquilo, o que mais me pode afetar? – Responde-
me.

Satisfeito com suas palavras, dou-lhe um breve beijo e fomos


para cama.
Tomo Lia em meus braços e, cuidadosamente levo-a ao seu
quarto aconchegando-a debaixo dos lençóis.
Paro a frente de Graziela que, com os olhos a brilhar pede-me
para dormir em seu quarto outra vez, quem sou eu para
negar?
Entramos em seu quarto e após alguns beijos, noto que seu
corpo fica meio rígido como se estivesse em dúvidas.
- Graz, eu jamais forçarei, quando fizermos amor será bom e
bonito. Eu serei o teu primeiro homem pois o que aconteceu
nada altera em meus sentimentos. Quando tu quiseres,
103
querida. Eu respeito-te e respeitarei sempre. – Digo dando um
último beijo em sua testa. Corada, aconchega-se em meu peito
e juntos sucumbimos ao cansaço adormecendo.

104
Capítulo 10

Suspiro satisfeito por ser sábado, não terei de lidar com


negócios e pela primeira vez em muito tempo, sinto que
preciso de férias. Não as tive desde o nascimento de Íris e
seriamente pondero essa opção.
Suado, em meu quarto, exercito usando alguns pesos por mim
adquiridos e a porta como suporte. Tem acontecido tanta
coisa que quase esquecia-me dos treinos. Manter esse corpo
em forma dá trabalho. Enquanto a pequena coluna bluetooth
tocava Wicked Games, trabalhava em abdominais seguindo a
melodia.

Bring your love baby I can bring my shame


Bring the drugs baby I can bring my pain
I got my heart right here, I got my scars right here
Bring the cups baby I can bring the drink
Bring your body baby I can bring you fame

Exausto, paro apoiado no chão e ao levar o meu olhar para o


alto surpreendo-me com Graziela que admirada,
contemplava-me.

- Estiveste aí o tempo todo? – Questiono passando a toalha


pelo meu corpo limpando o suor provocando-a, pois notei a
reação que nela causei.

- És assim todos os dias? – Pergunta.

105
- Quando terminares de babar respondo. – Digo e sorrio
sarcasticamente.

Num carinhoso gesto ela agarra na almofada e bate-me


fazendo com que levasse os meus braços a cara a fim de
proteger-me, agarro em suas mãos fazendo-a jogar a almofada
ao chão e beijo-a com ternura. Passeio a minha mão pelo seu
corpo terminando o trajeto em sua face e por último beijo sua
testa sorrindo para ela.

- Omar eu estive a pensar, e quero ajudar-te com as dividas. –


disse-me sentando em minha cama e arqueio uma das
sobrancelhas. – Eu não quero que sejamos um fardo para ti,
por mais que tenhas todo dinheiro que alguém desejaria ter,
não estamos casados, logo, não és responsável por nós.

- Graziela, estás a estudar, eu já disse que não me importo, és


minha namorada e quero o teu bem-estar, e de Lia. – Digo
meio envergonhado, tinha sido a primeira vez que a
mencionei como namorada em alta voz, mas relaxo ao notar
que Graz ficou bem mais derretida e sorriu. – Quando
terminares a universidade conversamos sobre isso, por agora,
não preocupas-te com nada, nem mesmo com a educação de
Lia.

- Ainda assim, faltam apenas 5 meses para a minha formatura


e estou na universidade de manhã apenas, podia arranjar
alguma coisa para a parte da tarde. Não aceito não como
resposta e se não concordares farei tudo pelas tuas costas –
diz-me ficando em pé na cama e admiro-me com a
persistência e força de vontade que tem. Esse jeito e rosto de

106
menina nunca serão os suficientes para esconder a grande
mulher que ela é.

- No que te estas a formar? – Pergunto.

- Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria. – Responde-me


orgulhosa.

- Muito bem, escolha interessante. Falarei com Nicolas e logo


veremos. Não garanto nada. – Respondo.

- Nicolas Albuquerque, CEO do Grupo Albuquerque? –


Questiona-me surpresa.

- Sim, conheces?

- Agora tudo faz sentido! Ele esteve presente quando


conhecemo-nos e foi o primeiro a dar-me a mão. Além de ser
dono de praticamente metade das clínicas privadas e
supermercados do país, é CEO de igual modo da maior
empresa de consultoria e auditoria! – Diz-me como se fosse
alguma novidade.

- É, o sacana é bom no que faz e tem ações em tudo que lucra,


é um dos meus melhores amigos. – Respondo e breves
momentos depois Lia entra saltando em meu colo.
Depois de ouvi-la e dar carinhos, convido-as a sair para que
conseguisse tomar um duche a vontade e, tentar falar com

107
Íris. Ligo de igual modo para Ivan e Nicolas convidando-os a
minha casa. Desde que mudei-me, nenhum dos dois cá esteve
e quero aproveitar que as coisas estão equilibradas para
apresentá-los a Graziela.

Horas depois, estamos todos em minha sala de estar e para


minha surpresa Ivan traz Ícaro que pacientemente ensina Lia
a jogar na consola.

- Então Graziela, o que fez uma moça linda como tu, olhar para
o traste do Omar com outros olhos? – Questiona Ivan.

- Não consegues ficar um momento sem falar, pois não? –


Rebate Nick e Graziela ri com a complicação de ambos.

- Não sei, acho que, ele foi o único que olhou para mim
devagar, enquanto a coletividade olhou rápido demais. – Disse
olhando para mim e senti sinceridade em suas palavras,
derretido, dou um leve beijo em sua testa entrelaçando sua
mão na minha.

- É tudo muito bonito, porém, se mudares de ideias deixarei o


meu número. – Diz Ivan tacando um olhar provocador em
mim fazendo mais uma vez Graziela sorrir.

- Nick, Graziela está a 5 meses da sua formatura, em


contabilidade, fiscalidade e auditória. Gostaria de ganhar
experiência em sua área. – Digo como se estivesse numa
reunião de negócios e rosto de Nicolas ilumina-se.

108
- Folgo em saber caríssimo, a Consultoria Albuquerque tem
um ótimo programa de estágio, com direito a generosa
remuneração. Segunda-feira teríamos todo gosto em recebê-la
para uma entrevista. – Responde-me o Nick e, Graz agradece-
lhe com um rápido abraço olhando para mim sorridente. A
sua alegria contagia-me de um jeito inexplicável.

Entretidos em ótimas conversas, passamos uma tarde


agradável e o facto de notar que os meus melhores amigos
gostaram de Graziela alegrou o meu coração. Sei que não
fingiam pelo facto de lhes ter revelado o passado de Graz e,
Lia, ficava tímida ao olhar para ambos, diz que parecem
príncipes. Reviro os olhos ao aperceber-me que a pequena
fará parte da lista de mulheres que irão para o convento por
minha conta.

- Graz, o Ivan é meu advogado e ele nos vai apoiar e


representar-te no caso do Jorge. Ele é o melhor dos melhores.
– Digo olhando para ela e ela fica meio envergonhada.

- Não precisas ter vergonha Graziela, acredita que já vi e ouvi


coisas muito piores, o Omar conversou connosco ontem e já
sei do que se trata. Quando estiveres pronta a apresentar
queixa, chamar-vos-ei a fim de recolher o teu depoimento e
explicar como será o processo. – Diz Ivan tentando acalmar a
Graziela.

- Mas ele tem a guarda de Lia, se for preso agora, para onde a
minha irmã irá? – Pergunta desesperada.

109
- Não te preocupes, afinal, já tens uma entrevista de emprego
marcada, podemos dar algumas semanas até que adaptes,
claro que, devemos contar com alguma reação por parte de
Jorge, porém, aproveitemos que as coisas estão calmas. Ao
fazer a denúncia, apresentaremos logo em seguida provas de
que estás mais do que apta para cuidar de Lia. – Responde-lhe
tranquilizando- a.

- E que provas são essas? – Pergunta desconfiada.

- Querida, é aí que a magia Montenegro acontece. – Diz numa


única frase dando o seu sorriso vitorioso no final. O sacana
sabe o que faz.

- Não te preocupes Graz, pode ter a idade psicológica da tua


irmã, mas quando trata-se da sua carreira, o homem torna-se
uma fera. – Acrescenta Nicolas.

- Confia em nós princesa, vai tudo correr bem. – Digo


segurando a sua mão ao notar desconfiança em seu olhar, que
logo se vai.

Após a ida dos rapazes, pedimos pizza e ficamos mais algumas


horas em frente a tv, tiro o telemóvel do bolso e noto que
perdi uma chamada de Luena, reviro os olhos e tento
adivinhar o que quererá, já havia falado com Íris mais cedo e
por agora não tinha absolutamente nada a tratar com ela.
Em risos e comentários, passei o que restou do dia em
companhia das minhas meninas e confesso que de longe, foi
uma das melhores tardes que já tivera tido. E melhorou ao
110
notar que ambas adormeceram em meu colo, uma em cada
lado. Olhando para as suas delicadas faces mais uma vez tive a
plena certeza que é dever meu protegê-las e amá-las. Já
haviam passado por tanto que finalmente era chegada a hora
de ter alguma felicidade em suas vidas, permanentemente.
Inclino a cabeça para trás, sinto-me mal por saber que
Graziela tem sido completamente honesta comigo e contou-
me inclusive o que mais assombra-lhe. E em contrapartida,
omiti fatos importantes da minha vida. Fatos capazes de ditar
o rumo do nosso relacionamento. Tenho sido tão egoísta que
só agora apercebi-me que magoarei ainda mais a mulher que
aprendi a amar. Sim, pode parecer premeditado, mas eu amo a
Graziela, eu amo tudo dela. Amo-a em suas fases mais escuras,
não so no auge da alegria. Sei que ainda tinha muito para
saber e conhecer, mas, definitivamente, estou disposto a tudo
por ela. E se para o seu bem eu tiver de afastar-me assim o
farei.
Carinhosamente acordo-a e digo-lhe para se ir deitar que já já,
estaria com ela.
Deitei Lia em sua cama, aconchegando-a e dei um leve beijo
em sua testa, estou mesmo apanhadinho por essa boneca.
No quarto de Graziela, entro e noto que ela espera por mim
acordada.

- Gostei de Ivan e Nicolas. - Disse-me num meio sorriso.

- Parecem ter apenas 7 anos, mas são os melhores amigos que


alguém poderia ter. Digo beijando a sua testa. – Agora vamos
dormir.

111
- Omar, passa-se alguma coisa? – Pergunta-me desconfiada. –
Pareces estar distante.

- Não princesa, está tudo bem, vamos dormir.

Mais um domingo passou-se dando então lugar a segunda –


feira. Institui Xavier a levar Graziela para onde ela quisesse,
pois, a mesma teria a sua primeira entrevista de emprego
enquanto Lia, ficaria com dona Marta, empregada por mim
contratada.
Sentado em meu escritório, recebo Ivan, que após
recomendações minhas apresenta-me o resultado.

- Aqui tens Omar, certeza de que fizeste a coisa certa? –


Pergunta-me apreensivo.

- Obrigado amigo, sim eu tenho a certeza, sei que em casos


desses o estado toma atenção em todos detalhes e se Graziela
não tiver um sítio para ficar, pode complicar para o seu lado. –
Respondo.

- Por parte tens razão, pois não sabemos se a mesma está


como titular da casa em que viveu com o padrasto. Estás
mesmo apaixonado, confesso nunca ter-te visto a fazer algo do
género por alguém. – Declara.

- A Graziela é diferente, eu disse-vos, acho que sou capaz de


tudo por ela. – Declaro.

112
- Tem calma, Romeu, eu pude notar que sim, ela é uma miúda
excecional, mas ainda há o pormenor de Luena. – Diz
chamando-me a razão.

Assinto.
- Falarei com ela assim que chegar a casa, queria que tratasses
desse assunto primeiro. – Digo olhando para os papeis em
minhas mãos.

- Não te preocupes que tudo correrá bem. Ela ficará abatida e


apreensiva, mas é normal. Se souberes explicar e se o
sentimento for recíproco, levará algum tempo, mas ela
reconsiderará. Ninguém gostaria de descobrir que o parceiro
é casado, por mais que estiver num processo de divórcio. É
angustiante faz-nos sentir inseguros. - Responde-me. – Por
outra, quinta-feira o Charles cá estará, ele diz já ter provas
necessárias para vencermos o processo contra Luena.

- Ainda bem, não vejo a hora de acabar com tudo isso e ter paz
para viver com as minhas miúdas. E obrigada pelos conselhos
amigo. – Digo satisfeito e o mesmo sai do meu escritório
deixando-me sozinho.

Horas depois, estando no carro, o trajeto pareceu ser mais


longo que o costume, pois sabia que em poucos minutos teria
de confrontar Graziela com a verdade. Suspiro, sabendo que o
que acontecer será de minha inteira responsabilidade, se a
tivesse alertado mais cedo podia não estar a correr o risco de
perdê-la.

113
Posto em casa, Lia cumprimenta-me alegre e conta-me que
dona Marta levou-lhe a dar uma volta pelo condomínio a fim
de ambas conhecerem melhor o perímetro, e ficou encantada
sabendo que o condomínio possui uma enorme piscina e um
restaurante com parque infantil.
Após ouvi-la e dizer que no final de semana iriamos a piscina,
fui ao meu quarto. Desaperto a gravata e pouso a minha
maleta sobre a cama após tirar os papeis que me foram dados
por Ivan.
Conecto o meu telemóvel a mini coluna, onde a playlist por
mim criada começa a tocar. É incrível o poder que a música
tem nesses momentos da nossa vida.
A porta do quarto abre-se, revelando então a Graziela que,
linda, entra. Dá- um leve beijo na cara e conta-me
entusiasmada que além da entrevista, teve um dia
experimental e foi admitida começando na próxima segunda-
feira as 10 e, como já não precisa estar na universidade com
frequência está satisfeita com o horário.

- Parabéns meu amor, eu sabia que darias conta do recado. –


Digo beijando a sua testa.

- Obrigada! – Diz-me meia frouxa. – Omar pode ser coisa da


minha mente, mas desde que Ivan e Nicolas foram embora no
sábado, mudaste minimamente o austral. Se vamos fazer isso
juntos tens de contar-me o que acontece contigo não achas?

- Tens toda razão princesa. Senta-te por favor. – Digo e ela


rapidamente posiciona-se olhando para mim preocupada.

114
- Eu quero que ouças com bastante atenção e antes de tomar
alguma decisão, ouve-me. – Ela fixa os seus olhos nos meus
quando indiretamente noto que o som da coluna tomava
conta do quarto formando uma espécie de trilha sonora.
O motivo de ultimamente estar desse jeito, é o facto de não te
ter contado que eu tenho uma filha e tive uma esposa, digo
que tive, pois agora, estamos a divorciar-nos. – Declaro
enquanto tento decifrar a expressão em seu rosto que como
num passe de magica, escurece.

- O quê? – Questiona com os olhos marejados. – Eu causei o


término do teu casamento?
Come up to meet you
tell you I'm sorry
You don't know how
Lovely you are

I had to find you


Tell you I need you
And tell you
I set you apart

- Graz não chores por favor.

- Então explica-me! – Diz em num tom grave e eu, suspiro. –


Eu fui a causa do termino do teu casamento?

- Não amor! Não penses nisso, o meu casamento já estava


acabado, o que prendia-me era Íris, minha filha que tem 2

115
anos apenas. A Luena infelizmente estava comigo por
interesse misturado com um amor doentio, não fazíamos
amor sequer. Eu estou apaixonado por ti Graz e não contei
antes porque tive medo de recusares-me por ter uma filha ou
por ter sido já casado. – Digo suspirando.
Tell me your secrets
And ask me your questions
Oh let's go back
To the start

Running in circles
coming up tails
Heads on a science apart

- Eu confiei em ti Omar, tu não tinhas o direito de decidir por


mim!

- Eu sei meu amor. – Digo aproximando-me e ela esquiva-se


partindo o meu coração. – Eu explicarei tudo que quiseres,
mas não vai embora por favor. A minha família e amigos
inclusive têm conhecimento de tudo.

- Eu partilhei contigo as minhas dores e tu não conseguiste


fazer o mesmo, Deus não destrói uma família com a finalidade
de construir outra. Não quero falar contigo agora. Por favor. –
Diz-me levantando prestes a sair.
Nobody said it was easy
It's such a shame for us to part
Nobody said it was easy
No one ever said

116
It would be this hard
Oh take me back to the start
Coldplay – the scientist.

- Graziela. – Chamo e ela vira-se. Entrego-a os papeis que tinha


em mãos.

- O que é isso? – Questiona.

- Eu passei a escritura desse apartamento para o teu nome.


Ele é todo teu. Eu sei que errei e feio, mas, não quero que
percas a Lia e ao apresentar queixa contra Jorge, se não
tiveres domicílio eles tiram-te a pequena. – Digo com a cabeça
baixa e seus olhos enchem-se de lágrimas. – Eu saio, não te
preocupes. O apartamento é vosso. Mas promete-me que ficas
aqui, em segurança.

- Eu prometo. – Diz-me. – Não devias ter feito isso, é


demasiado, não conseguirei manter um apartamento deste
porte.

- És a miúda mais dura que conheço, e agora tens um


emprego. Por outra, eu ainda lutarei por ti e estarei sempre
aqui. – Digo dando um beijo em sua testa e ela recebe como se
doesse aumentando o fluxo de suas lágrimas. – Qualquer coisa
liga-me e venho a correr para vocês.

Saio e ao passar pela sala dou um beijo em Lia e saio,


derrotado.

117
Sem rumo, paro e faço uma rápida pesquisa de hotéis,
dirigindo-me ao mais próximo. Podia ter ido a casa de Ivan ou
de Nicolas, mas apetece-me estar só e, Nick vive em meu
anterior condomínio, aumentando a possibilidade de cruzar
com Luena.
Após o check in, desço para o bar do hotel. Concentrando o
meu copo servido de whisky, penso em milhões de soluções
que ajudar-me-iam a reverter a situação com Graz. Seguro no
telemóvel e penso em ligar-lhe ou mandar alguma mensagem

“Eu não amo a Luena, au amo-te a ti e sei que errei muito ao


escondê-las de ti. Eu quero que fiques bem, quero que fiquemos
bem, por favor Graz. “

Respiro fundo e decido dar a Graz o espaço que ela merece e


precisa. Num único gole termino a minha bebida e ignorando
os sussurros e provocações de mulheres que ridiculamente
tentam chamar a minha atenção, volto ao quarto e, envolto
numa onda de melancolia, deito na cama caindo no sono.

118
Capítulo 11

O único local capaz de acalmar os meus ânimos em tempos de


crise, é o espaço entre a minha secretária e a grande janela
existente em meu escritório, tornando-se de um meus locais
favoritos. Olhar para a beleza da marginal acalma os meus
ânimos e relaxa-me. Como num flashback, as memórias da
noite anterior surgem em minha mente e as palavras de Graz,
agora gravadas em meu coração, doem.
- Surpresinha! – Diz Ivan entrando em meu escritório, dando
espaço a Nicolas e, antes que digam alguma coisa, o toque do
meu telemóvel soa pelo escritório. Esperançoso, tiro-o do
bolso, meu sorriso desvanece ao ler o nome de Luena.

Chamada on.
- Luena. – Digo ríspido e ouço choros. – O que se passa Luena?
Porque choras? Alguma coisa com Íris?
- Omar, sim, é a Íris. – Diz continuando o choro.
- O que tem a minha filha? Diz-me e para de chorar Luena. –
Digo impaciente e desesperado.
- Só vem, estamos na Clínica Resplandecer, do grupo
Albuquerque, vem a área de internação pediátrica. –
Responde-me.
- Internação?! Em 20 minutos aí estarei. – Digo e desligo
arrumando rapidamente as minhas coisas.
Chamada off.

119
- Alguma coisa aconteceu com Íris, Luena estava aos prantos e
disse-me que estão na ala de internação pediátrica da
Resplandecer, eu vou para lá imediatamente. – Declaro e é
inevitável a surpresa em suas caras.

- Estaremos atrás de ti amigo, vamos! – Diz Nicolas.

- Marlene, cancela tudo que tinha para hoje e para amanhã. –


Digo a Marlene ao sair e a mesma assente notando a pressa e
impaciência que de mim tomavam conta.

Ao chegar a clínica, subimos de imediato a área pediátrica sem


quaisquer restrições visto que Nicolas é dono da clínica e foi
reconhecido por todos funcionários desde a nossa chegada.

- Luena! – Grito ao avistá-la e a mesma simplesmente abraça-


me chorando. - Lu, eu preciso que me digas o que está a
acontecer.

- Eu… Eu… eu achei que a dona Rita não estava a cuidar dela
corretamente nos últimos tempos então despedi-a porque Íris
parecia estar mais cansada que o costume, ficava sem ar com
esforços mínimos, fora o facto de naturalmente ser propensa a
infeções. – Começa. – Então, no sábado notei hematomas em
sua pele, e fui logo contra dona Rita inclusive tentei avisar-te,
mas não atendeste então decidi deixar para quando ligasses.
Mas hoje cedo, a minha menina ficou completamente
desmaiada após ter corrido no jardim, quando descemos para
apanhar ar fresco e ao chegar cá eles disseram logo que é

120
necessário que fique internada para exames e agora está na
UTI.

Meu mundo mais uma vez, desaba.

- E qual foi o diagnóstico? – Pergunto tentando manter a


postura.

- Ainda não têm, não disseram nada, nem pude vê-la. Ela
estava bem Omar, eu juro, eu não sei o que aconteceu, eu
quero a minha filha comigo. – Diz jogando-se em meus braços
aos prantos.
Ivan e Nick por sua vez aproximaram-se, tentando consolar a
mesma e bateram em meus ombros mostrando que estarão
comigo.

- Íris Castiel – Chama a médica e após notar a nossa presença,


formalmente cumprimenta Nicolas e permite que todos a
acompanhemos em sua sala.

- Infelizmente não tenho boas notícias para dar-lhes –


Começou dizendo a Dra. Ana Carolina – Íris tem algo chamado
Aplasia Medular.

- O que é isso, Dra.? – Questiona Luena angustiada. – Nunca


ouvi falar.

121
- É normal que nunca tenha ouvido, trata-se de uma rara
doença da medula óssea, ou seja, é quando a mesma deixa de
produzir ou produz em pouca quantidade as células tronco do
nosso corpo. Simplificando, é como se o próprio corpo criasse
anticorpos para combater as células tronco, células essas
responsáveis pela criação dos glóbulos brancos, vermelhos e
plaquetas, destruindo deste modo o sistema imunológico, pois
a médula encontra-se vazia.

- Meu Deus. – Diz Nick levando as mãos para o cabelo


enquanto Ivan ouve tudo incrédulo, e atento.

- Mas ela sempre foi uma bebé saudável, porquê isso agora?
Ultimamente andava meio desanimada, mas sempre julguei
que fosse pela ausência do pai e … - Justificava Luena
enquanto eu a consolava abraçando-a levemente.

- Dra., o que vai acontecer com a minha filha agora? –


Questiono assustado. – Como ela contraiu? É apenas um bebé!

- Nesse preciso momento, Íris está a receber transfusões


sanguíneas para corrigir o alto quadro de anemia e repor as
plaquetas em seu sangue. Quanto a segunda questão, a aplasia
pode ser hereditária e adquirida, porém, por se ter revelado
em tão tenra idade, não restam dúvidas que foi consequência
de uma anomalia genética hereditária, aconselho aos pais a
consultar o histórico patológico de ambas as famílias. – Diz-
nos a Dra. e enquanto eu tento processar a informação, olho
para Luena e noto que seu corpo ficou rígido e a sua cara
empalideceu, Nicolas, outrora em pé, senta-se e leva as mãos

122
para a cabeça como se não acreditasse. E Ivan, agarrava firme
meu ombro mostrando que está aqui para o que precisarmos.

- E quais serão os procedimentos? Como será o tratamento? –


Questiona Nick tomando rédeas ao notar que tanto eu como
Luena perdemos a fala.

- Eu não lhes posso enganar dizendo que será fácil, o estado


da pequena Íris está muitíssimo agravado e, até amanhã
esperaremos respostas do seu corpo após as transfusões,
nesses casos a única cura costuma ser o transplante da
médula óssea. – Responde-o.

- Posso doar? – Pergunto ansioso pela resposta.

- Se for compatível Sr. Castiel, normalmente, quem possui


laços de sangue com o paciente, é propenso a possuir os
mesmos traços genéticos, pai, mãe, irmãos, avós… porém, nem
sempre acontece, contudo, faremos os testes hoje nos
senhores e se mais alguém quiser testar é so procurarem por
mim ou pela enfermeira Ana Géssica. – Diz-me.

- Nós também seremos testados. – Diz Nick após olhar para


Ivan e ter recebido permissão da parte do mesmo num gesto
com a cabeça. Mais uma vez senti-me orgulhoso dos amigos
que tenho. – Íris Castiel terá o melhor dos tratamentos nesse
hospital e eu quero que todos exames sejam feitos com
urgência.

123
- Claro que sim Sr. Albuquerque, sigam-me por favor. – Diz-
nos a Dra. e saímos logo atrás da mesma.

Minutos depois, após termos sido preparados pela enfermeira


simpática, dirigimo-nos todos aos laboratórios para
realizarem então os testes.
Apenas eu e Luena poderíamos entrar e ver Íris, logo, Ivan e
Nicolas foram obrigados a voltar para seus postes de trabalho
fazendo-me prometer que daria notícias de três em três horas.
Ao adentrar naquela sala, recheada de aparelhos, foi difícil
descrever o que senti. Os únicos sons nela existentes eram os
do aparelho que controlava os batimentos cardíacos de Íris e a
sua falha respiração. Desacordada e sem o rosa habitual de
suas bochechas, a minha filha parecia estar a sofrer, sofrendo
num profundo sono e, ao abrir os pequenos olhinhos sem
forças de mantê-los abertos deu um leve e discreto sorriso ao
notar a minha presença e foi o suficiente. Suficiente para ter
plena certeza de que ela ficaria bem.
Fora da UTI, ligo o meu telemóvel e a primeira coisa que faço é
escrever para Graziela, eu sei que prometi dar-lhe espaço, mas
eu preciso dela. Posso estar a ser egoísta, mas o único colo que
quero, só ela pode dar.

“Sei que não queres saber de mim e que posso estar a ser
maçador, a minha filha foi diagnosticada com aplasia medular
e está na UTI desacordada, podes enxotar-me depois, mas,
preciso de ti Graz. Somente de ti “

Suspiro e levo a mão a cabeça por saber que ainda precisava


avisar meus pais.

124
E como era previsto, após tomar conhecimento minha mãe
começou a fazer as malas e garantiu-me que amanhã de
manhã cá estariam e Mica disse-me que ela também faria o
teste de compatibilidade se assim o fosse necessário.
Mais uma vez maravilhado com as pessoas que tenho em
minha volta, agradeço sem saber o que mais dizer, apoio
nessas situações de facto é tudo e aumentou o pouco de
esperança que tinha.
Terminei a chamada com a minha mãe e noto que recebi
resposta de Graziela.

“Vem para casa. “

Meu ritmo cardíaco aumentou ao ler e a maior vontade era


saber voar e rapidamente lá chegar. Porém, era necessário
fazer algo primeiro. Chega de agir sem pensar e as escuras.

- Luena, a nossa menina é forte, ela superará isso. – Digo


enquanto aproximo-me a fim de segurar a sua mão e ela
consente.
- Nós fomos felizes, embora restem poucas memórias. E em
honra desses bons momentos proponho uma trégua, a nossa
menina merece.

- Está bem, eu aceito. – Ela diz e acho estranho, esperava mais


exagero de sua parte.

- Há outra coisa. – Digo e seus olhos encontram os meus,


confusos. – Eu preciso voltar para casa por umas horas, vou

125
mudar-me e… a minha namorada espera por mim. – Digo de
uma vez e seu rosto escurece.

- Sempre soube. Esta bem Omar. Como quiseres. – Diz e vira a


cara para o outro lado, e querendo evitar confusões, assinto e
vou rapidamente a casa.

Ao abrir a porta do apartamento, sinto logo o cheiro de


comida boa e acabada de fazer. Sem vestígios de suas
presenças, ando pela casa e sem encontrá-las vou diretamente
ao meu quarto que, está tudo conforme deixei, como se
ninguém mexesse em objeto algum.
Tomei um duche e vesti roupas confortáveis, sentei-me na
cama analisando alguns assuntos no computador concernente
a doença de minha filha. Quis saber de facto do que tratava-se
e, ao ler que trata-se de uma patologia potencialmente fatal
quase fraquejo esfregando os meus dedos nos olhos. Ouço o
som da porta abrir e logo fecha. Olho para a mesma e Graziela
esta em pé agarrada a maçaneta olhando para mim como se
quisesse desvendar o que existe no interior dos meus olhos.
Olho para ela de relance e num suave gesto a mesma vem até
mim enroscando-me nos seus braços e simplesmente relaxei,
deixando-me levar e apoiando a minha cabeça em sua barriga.

- Lia diz-me que quando abraço-a dessa forma, ela sente que
tudo ficará bem. – Declara sem olhar para mim, mas mostrado
ternura e preocupação com seus gestos.

- Ela tem razão, era tudo que eu mais precisava, eu preciso de


ti Graz.

126
- Como está a pequena? Como será o tratamento dela? –
Questiona-me.

- Quero muito dizer que ela está bem, mas, estaria a mentir.
Está na UTI a receber sangue de transfusões, Luena ficou com
ela. – Disse e vi sua face mudar ao mencionar o nome da
Luena.
- Eu falei de ti a Luena. A qualquer momento ela saberia e se
me vais apoiar nesse momento é bom que tenha
conhecimento.

- Eu não disse que está tudo bem Omar, mas não posso ser
hipócrita dizendo que sinto-me indiferente. Eu vou apoiar-te,
mas, após a melhoria de Íris, terás de reconstruir a confiança
que tinha em ti, pois em condições normais o mais certado
seria resolveres os teus problemas primeiro e não decidir por
mim.

Assinto.

- Tens razão. – Digo.

- Mas não precisamos falar sobre isso agora, o importante é


primarmos pelo bem-estar da bebe e logo resolvemo-nos. –
Diz-me e meus olhos iluminam-se por sua visível preocupação
com a minha filha. Graz não está a ser egoísta como eu, ela
gosta de mim e sabe que não estou num melhor momento,
nessa seda, decidiu esperar que tudo volta-se aos eixos e
então, resolvermos a nossa situação. Mais uma lição aprendi
com ela.
127
- Eu quero que venhas comigo ao hospital ver e conhecer Íris.
– Digo e seus olhos iluminam-se.

- Não teremos problemas com Luena? Não quero ser motivo


de discussões e conflitos. – Responde-me.

- Luena sabe da tua existência, querida, és a minha namorada,


mas não te quero deixar em situações desagradáveis, tão logo
te sintas confortável, vamos.

Ela assente.

Passamos mais uns minutos entrelaçados até Lia entrar e


estranhar minha presença. Com os olhinhos cheios, pediu-me
que não voltasse a deixá-las sozinhas e prometi que não faria,
so se elas quisessem.
Graziela explicou-lhe a situação de Íris, que por isso eu teria
de ficar mais tempo fora de casa, mas que estaria sempre com
ela e a mesma pulou de alegria ao saber que tem uma “mana”
para brincar e que quando Íris saísse do hospital levaria a
minha princesa a piscina e sorri ao imaginar esse doce
cenário.
Despedi-me de ambas e pedi mais uma vez a Graziela que
confiasse em mim, dei-lhe um beijo na testa e voltei para o
hospital.
Eu e Luena passamos o resto do dia a observar a nossa
menina por um vidro enquanto a mesma continuava
desacordada e relaxamos apenas quando a Dra. Ana Carolina
informou-nos que o seu corpinho reagiu bem as transfusões e
que se assim continuasse, na manhã seguinte seria transferida
128
para um quarto normal, mas ainda assim, o único modo de
sarar completamente seria o transplante de médula.
Assentimos e ao entardecer, fomos informados que por tratar-
se de uma internação na UTI, não podíamos passar a noite no
hospital. Com o coração pesado, voltamos para casa.
Sem conseguir pregar o olho, decidi ir para a sala de estar, ver
alguma coisa interessante na tv, e Graziela, despertando com
o barulho, veio até a sala e sentou-se do meu lado no sofá,
apoiado posteriormente a cabeça em meu peito e dessa forma
adormeceu. Era reconfortante saber que, por mais que
estivesse triste e dececionada comigo, ainda continuava do
meu lado apoiando-me.

Dia seguinte, levanto-me cedo e corro para o hospital onde


encontro reunidos os meus pais, Mica, os pais e irmãos de
Luena e Nicolas.
Cumprimento-os a todos e noto que a minha Ex sogra olha
para mim com um certo dissabor. Momentos depois, a
enfermeira Ana Géssica informa-nos que Íris acabou de ser
transferida para o quarto e que so podiam entrar duas
pessoas a vez no horário normal de visitas. Disse-nos também,
que o aconselhável era desinfetarmo-nos, pois, o seu corpinho
não podia ficar exposto a nenhum tipo de bactéria.
Felizes, deixei que os meus familiares e os de Luena
entrassem primeiro para ver a minha pequena, deixando-me
em último.
Após a minha família ter visitado Íris, entro e vejo a minha
pequena. Tão linda e delicada, sorriu e esticou logo os
bracinhos ao notar-me e feliz, corri até ela, taquei um beijo em
sua testa e expliquei que não a podia tirar da cama.

129
Incrivelmente a minha menina percebeu e endireitou-se nos
lençóis, desligando completamente poucos minutos depois.
Saio, e encontro meus pais sentados e decido aproximar-me
de ambos.

- Pai e mãe, tenho algo para dizer. – Digo ríspido.

- Sim filho, o que se passa? – Respondeu a minha mãe


enquanto meu pai olhava para mim, tranquilo.

- Eu tenho uma namorada, estou apaixonado por ela, vivemos


juntos, com sua irmã mais nova. – Digo de uma vez.
- Mas filho, não foi premeditado? – Pergunta o meu pai
segurando a mão de Micaela após a mesma aproximar-se.

- Como sabes que ela não quer aproveitar-se do teu dinheiro?


Por isso aceleraste o divórcio? – Acrescenta a minha mãe
visivelmente irritada.

- Eu sei que parece estranho e premeditado. Mas não, não foi


ela quem causou o término do meu casamento e sim Luena, e
todos sabemos. Graziela é diferente, eu realmente a amo pai.

- Filho tu tens 32 anos, não tens de dar-nos satisfações, se


fizeste a tua escolha é por achares a mais acertada e em nada
vou julgar-te, apenas aconselho muita cautela e sabedoria
para lidar com a situação. É bom que ela saiba de tudo que se
está a passar. – Diz meu pai e agradecido, assenti. Sr. Wilson

130
Castiel sempre teve os melhores conselhos e não mede
esforços quando trata-se da felicidade dos seus filhos.

- Eu tenho cá as minhas dúvidas, quando a vamos conhecer? –


Questiona a minha mãe.

- Espero que ao menos ela seja a irmã que nunca tive, estou
farta de ser a única menina. – Declara Micaela revirando os
olhos e sorrio puxando-a para os meus braços.

- As circunstâncias não são as melhores, porém, não vejo


motivos para esperar. Vamos ao nosso apartamento e
almoçamos por lá. Quero muito que a conheçam.
Todos concordam e antes de sairmos da clínica, a Dra. Ana
Carolina informa-nos que amanhã teremos o resultado dos
exames de compatibilidade deixando Luena visivelmente
nervosa.
Horas depois, abro a porta de casa e Lia corre logo para os
meus braços escondendo a cabeça no meu pescoço ao notar
que a minha família entrava logo atrás de mim.
Carinhosamente o meu pai chamou por ela e a mesma
entusiasmada cumprimentou a todos.

- GRAZ! Podes chegar até aqui por favor? – Grito por ela.

- Estou a chegar! Responde-me aproximando-se e fica pálida


ao ver os meus pais e Micaela a sua frente, nunca mostrei a ela
fotos, mas pela semelhança que tínhamos não sobravam
dúvidas que tratava-se da minha família.

131
- Graz, são os meus pais e a minha irmã mais nova, minha
outra princesa. – Digo.

Carinhosamente Graziela cumprimenta-os fazendo com que


os mesmos sintam-se a vontade, vai à cozinha e pede a dona
Marta para aumentar a dose do almoço. Serve alguns
aperitivos e pasteis por ela feitos e leva até a sala de estar
acompanhados de um delicioso sumo natural de laranja com
bastante gelo tendo em conta o dia quente.

- Está é a nossa casa mãe. – Declaro enquanto a mesma estava


entretida numa conversa com Lia, era inevitável não cair de
amores por essa pequena, além de linda, tem um carisma
natural.
E aos poucos o nervosismo de Graz dissipa-se ao ficar cada
vez mais a vontade com meus pais, e vice-versa. Pesa embora
as circunstâncias, fico feliz pela minha família ter recebido as
minhas meninas de braços abertos. Confesso que foi uma das
minhas maiores preocupações, o caminho é longo, mas as
portas foram abertas para uma boa e duradoura relação entre
todos.
Os meus pensamentos são interrompidos com o soar da
campainha, e, momentos depois, Ivan aparece encavilhando
seus óculos escuros na camisa de seu terno azul lapiseira.
Dá o sorriso que so ele sabe dar ao verificar que a minha
família cá está e logo junta-se.

- O que fazes aqui? – Questiono seco.

132
- Olha Omar, sinceramente, desisto de ser teu melhor amigo.
Não reconheces o valor que tenho. Graz, acho que somos
melhores amigos agora. – Diz-me mostrando estar magoado e
todos riem de suas palavras.
- Eu marquei com Graziela hoje pois ela quer uma medida
cautelar contra Jorge. – Acrescenta e assinto surpreso por
Graz não me ter contado.

- Têm algum problema que não saibamos? – Pergunta a minha


mãe fazendo com que olhemos discretamente para Graz.

Tento responder e desconversar quando sou interrompido


pela voz de Graz ao pedir que Lia fosse para o quarto arrumar
os livros e lavar as mãos para o almoço.
- Jorge é meu padrasto Sr. e Sra. Castiel. E o motivo de querer
que o mesmo mantenha a distância é o facto de que por duas
vezes, ter sido violada por ele. – Diz de uma vez deixando
todos na sala surpresos. Eu, inclusivamente.

- Querida não é …

- Não Omar, eu preciso dizer. Se o vou enfrentar preciso


começar a ganhar coragem por algum lado. Eu estou bem, não
te preocupes.

- Pareces ser uma rapariga muito corajosa querida, não


precisas dizer mais se não sentires-te confortável, quando
quiseres e precisares, podes visitar-nos e juntas

133
conversaremos, somente de mulher para mulher. – Diz a
minha mãe agarrando a sua mão acarinhando.

- Eu também estarei cá se necessário for. Sempre quis ter uma


irmã para conversar. – Acrescenta Micaela sorrindo
levemente.

Mais uma vez emocionado, agradeço a Deus por


proporcionar-me esse momento com as pessoas que mais
amo. Apesar de Íris estar internada, eu sei que minha família
dará a força e apoio que preciso.

De volta a clínica, decido passar a noite com Íris e levei


algumas bonecas e jogos que, após serem devidamente
desinfetados, alegraram o dia de minha princesa que
enrolando-se nas palavras, conversava comigo.
Ao amanhecer, tive de sair por algumas horas, mas prometi
chegar a tempo da leitura dos exames.
Era chegado o dia da nossa reunião com Charles, detetive
contratado por Ivan que, posto no meu escritório, juntamente
com Ivan e Nicolas, apresentou-nos suas descobertas.

- Senhor Castiel conforme pode verificar nas fotos, a Sra.


Luena encontrou-se pelo menos duas vezes por semana com o
sujeito que aí aparece, Victor Venâncio é o seu nome. –
Começou Charles.
Confesso que várias vezes desconfiei de Luena, mas, ter
provas era completamente diferente. Dantes eu vivia uma
incógnita sustentada somente por seus comportamentos,

134
agora, sei que as minhas suspeitas estavam certas e não a
censuro.
Charles, mostrou-nos fotos íntimas de Luena com mais um
homem, além de Victor, coisa que deixou Nick e Ivan
perplexos e boquiabertos.

- Adultério é chocante, porém, não é o suficiente para


oferecermos um bom acordo e fazê-la abrir mão do divórcio
litigioso. – Diz Ivan desapontado.

- Mas senhor, ainda não terminei. – Diz Charles deixando


todos curiosos - eu sei que pode tomar conhecimento das
próximas informações constituirá um golpe para todos, mas,
fui pago para isso.
- Há exatamente três anos atrás, a Sra. Luena fazia os exames e
controle da gravidez numa clínica que agora faz parte do
grupo Albuquerque e claro, os ficheiros me foram fornecidos.

- E como isso pode ajudar o Omar? – Questiona Nicolas meio


impaciente.

- Deixe-me terminar Sr. Albuquerque, não existe uma forma


fácil de dizer isso. – Diz Charles. – Um dos exames foi a
Amniocentese, basicamente, é uma das modalidades do exame
de DNA durante a gravidez. E comparou as amostras da bebe,
no caso, com as suas Sr. Castiel. E a compatibilidade foi de 0%.
Negativo.

- Meu Deus, isso significa… - Diz Ivan.

135
- Que não sou o pai de Íris. – Digo seco.

- Lamento muito Sr. – Declara Charles.

E mais uma vez meu mundo cai.


Como não sou pai de Íris? Eu vi-a nascer. Virei noites
acordado… estive nos primeiros passos e dentinhos.
Aconcheguei e decorei todas as canções da galinha pintadinha
e da Moana.
Eu… eu esforcei-me tanto para ser um bom pai e, ela sabia!
Luena sempre soube! Como ela foi capaz?

- Omar … Omar… - Chama-me Nick receoso.


- Desculpa não ter dito antes o que direi agora.
Uma semana após terminares com Luena pela primeira vez,
há 3 anos, ela foi procurar por ti. Por sermos vizinhos na
altura eu cruzei com ela e disse que estavas a trabalhar. A
mesma, pediu-me que a acompanhasse num copo, como
desconhecia os reais motivos da separação, aceitei.
Exagerei na dose e quando dei por mim, estávamos nus em
minha cama. Ambos sabíamos que tinha sido um erro então
prometemos que guardaríamos apenas entre nós. Eu senti-me
mal, sinto até o dia de hoje, mas depois revelaste o motivo da
separação e parecia que já não teriam algum tipo de relação
até que…

- Ela procurou-me dizendo estar grávida. – Terminei surpreso


e dececionado simultaneamente.
136
- Sim. – Suspira. – Eu pensei logo nessa possibilidade,
confrontei-a inclusive, mas, ela garantiu-me que o filho era
teu. Quando Íris nasceu, logo senti uma conexão, mas, a
medida que crescia, ganhava mais traços de Luena então
quase tive certeza de que não era minha, que o tom de pele
era uma mera coincidência, a família de Luena é mestiça
apesar da mesma ser mais escura. Terça-feira, após ouvir da
Dra. que Aplasia é hereditária a dúvida voltou a tomar conta
de mim. O meu pai faleceu em consequência disso.

- E agora muito provavelmente, Íris é tua filha. – Termino.

- Eu vou perceber se terminares a nossa amizade, eu mereço.


Não te fui leal e infelizmente terei de pagar o preço dessa
traição. – diz-me e Ivan observa-nos, pasmo e chocado com o
que acabara de ouvir.

Olho para o relógio, e dentro de 30 minuto reuniremos para


saber os resultados.

- Vamos ao hospital. – Digo e saio da sala, apressado vou até o


carro e antes de dar partida, soco o volante vezes sem conta.
Eu amei, registei e criei uma criança que não é minha. Se fosse
de algum desconhecido se calhar a dor seria menor, mas, é de
um dos meus melhores amigos. Aquele sempre esteve comigo
em derrotas e vitórias. Sempre brindou-me com sua amizade
e companheirismo.
Agora tudo faz sentido, automaticamente minha mente liga
todas as evidências que tive ao longo do tempo completando o
137
puzzle. Luena chateava-se se alguém dissesse que Íris
precisava de sol por estar mais clara, minha filha nunca
passou uma noite sequer com os meus pais, seu
comportamento mudou drasticamente após reatarmos o
namoro e, quando Íris nasceu, não ficava com Nick nem com
Ivan por mais de dois minutos. Sem contar o facto de Nick e
Luena agirem como antigos rivais.
Como pude ser tão estupido? Sempre esteve debaixo do meu
nariz e simplesmente ignorei.
Estou abalado. Derrotado. Queria eu acordar deste pesadelo.
Antes de entrar na clínica, senti-me enjoado, com o coração
acelerado como quando tenho um mau pressentimento. Eu
não sabia como agir mediante a essa situação, a maldade de
Luena conseguiu superar as estribeiras e parte de mim queria
que fosse mentira. Por mais que tivesse existido uma noite de
sexo entre Luena e Nick, eu queria que Íris fosse minha filha.
Ela tem sido um dos meus portos seguros e já idealizei muito
com ela. Como perdoar?
Andando pela clínica, chego a ala de pediatria, Nicolas e Ivan
vêm logo atrás de mim e não dirijo palavra a ninguém naquela
sala. Nem mesmo aos meus pais que, notaram logo a minha
inquietação.
Quando a enfermeira Ana Géssica informa que os resultados
estão prontos e pede que aguardemos no gabinete da Dra.,
Luena, Nick, eu e Ivan seguimos para o mesmo.
Com o clima visivelmente pesado, a Dra. entra, senta-se e
começa observando os exames.

- Sra. Luena, infelizmente a senhora não é compatível com a


sua filha, excluindo-a da lista de doadores. – Diz olhando com

138
pesar para Luena que, automaticamente baixa a cabeça como
se tivesse sido derrotada.
- Sr. Castiel, tal como a senhora Luena, o senhor não é
compatível com Íris, aliás…

- Deixe-me adivinhar, não possuímos os mesmos traços


genéticos o que pode indicar inclusive que ela não é minha
filha biológica. – Completo, cortando a Dra. que está
visivelmente surpresa e chocada.

- Senhor, as vezes podem existir erros e … - tenta justificar


constrangida.

- Não foi erro nenhum. – Digo ríspido. - Abra os resultados de


Nicolas por favor e diz-me se o mesmo não possui 99% de
compatibilidade com Íris.

Num cauteloso gesto, Dra. Ana Carolina continua a leitura dos


resultados enquanto fulmino Luena com o meu olhar, várias
vezes tentou dizer algo mas fechava a boca antes mesmo de
produzir algum som. Nicolas fazia o mesmo e tentava a todo o
custo evitar contacto visual comigo e Ivan, parecia estar
presente somente para não permitir que confusões
acontecessem.

- Sim, o Sr. Albuquerque é totalmente compatível com Íris, e


possui 99% dos traços genéticos. – Declarou a Dra.

139
As últimas palavras ecoaram repetidas vezes em minha
mente…
Está confirmado. Íris não é minha filha. É de Luena e Nicolas.
Bruscamente saio da sala e procuro logo o seu quarto. A
minha mente recusa-se a aceitar que tudo não passou de uma
maliciosa mentira.

- Papa! – Diz a minha princesa esticando os braços ao ver-me


entrar.

- Pode pegar no colo! – Diz a simpática enfermeira e sorrindo


levemente para a mesma, aproximo-me de Íris e trago-a para
junto do meu peito. Suas pequenas mãos abraçam meu
pescoço e a sua cabecinha descansa em meu ombro.
Sinto sua suave respiração e fraquejo. Ela é minha filha sim, eu
não aceito que alguém me diga o contrário! Como um ser
humano é capaz de tamanha barbaridade?
Inspiro mais uma vez o seu cheirinho e delicadamente pouso
o seu corpinho na cama tacando um beijo em sua testa.
Olho para a sua face com mais atenção e sim, ela possui traços
de Nicolas. Os seus olhos, o formato de sua boca… os gestos
involuntários das mãos, são quase como réplicas perfeitas.
Não faço ideia de como suportar isso.
Saio do quarto e, ao chegar a sala de espera olho para Luena
enquanto todos os presentes olham para mim confusos.

- Espero que estejas feliz Luena, conseguiste! Sempre achei


que ao prometeres destruir-me falavas de ficar com todo
dinheiro que tenho, mas não. Tu realmente tiraste-me o que

140
mais amo e, parabenizo-te. Fizeste com que o grande Omar
Castiel fizesse figura de parvo. – Digo cuspindo as palavras.

- Omar eu não quis… - Diz chorando enquanto agarrava a


minha camisa e tanto seus pais como os meus olhavam
incrédulos. – Eu amava-te tanto, e ainda amo. Não quis
perder-te, eu fiz isso por nós! Pela nossa relação, pelo nosso
casamento. Nós conseguimos ultrapassar isso, eu…

- Cala a boca e não toques em mim! - Declaro em alta-voz


quando Ivan e Nicolas tentam acalmar-me.

- Nicolas, tira as mãos de mim. Eu não quero falar nem lidar


contigo. Não agora. Aliás, eu não quero olhar para cara de
nenhum de vocês. Íris pode ter o teu sangue, mas é minha
filha! MINHA, e ninguém, nenhum teste inútil dirá o contrário.
Para quem não sabe, Nicolas e Luena são os pais biológicos de
Íris e só hoje descobri. Duas pessoas que um dia depositei
minha total confiança apunhalaram-me dessa forma. E só
hoje, que a minha filha está dentro de um quarto a lutar pela
vida eu descubro. Devo ser muito parvo mesmo. – Acrescento
e noto olhares indignados e confusos por parte de quase
todos. Exceto da mãe de Luena que mais parecia saber de
tudo, o que não surpreende-me.
- Vocês enojam-me.
Sem mais nada a dizer, decido voltar para casa. No trajeto,
reproduzo a minha playlist. Viajando na melodia, so apetece-
me fechar os olhos e permitir-me sentir tudo que tenho
negado sentir.

141
No verso do homem implacável e decidido, sempre existiu um
menino indefeso que mal sabe posicionar-se nessa grande
aventura que é a vida.

No one knows what it's like


To be the bad man
To be the sad man
Behind blue eyes
And no one knows what it's like
To be hated
To be fated
To telling only lies

Muitas vezes o mundo obriga-nos a tomar posições que quase


nunca vão de acordo com as nossas convicções, mas, o
estereótipo que afunda cada vez mais a sociedade, o mesmo
que defende o homem, dizendo que é o sexo forte, que não
deve dar-se o luxo sequer de chorar e fraquejar, é uma
autêntica trapaça.
Eu sinto-me traído, enganado e usado. É como se tudo que
tivera idealizado para o futuro, não passasse de quimeras.

But my dreams, they aren't as empty


As my conscience seems to be
I have hours, only lonely
My love is vengeance
That's never free
No one knows what it's like
To feel these feelings
Like I do
And I blame you

Ao chegar a casa. Dou um leve beijo em Lia e sigo para o meu


quarto. Graz, surpresa por não lhe ter procurado segue-me.

142
- Ouvi-te chegar, está tudo bem? – Pergunta.
E com a letra da canção ainda entoando minha mente, puxo-a
para mim e simplesmente enrosco-me nela. Queria
simplesmente que a sua presença fizesse magia levando toda
essa dor.

No one knows what its like


To be mistreated
To be defeated
Behind blue eyes
No one knows how to say
That they're sorry
And don't worry
I am not telling lies
Limp Bizkit – behind blue eyes.

- Uma vez, alguém disse-me: Graz se quiseres que eu te ajude,


tens de dizer-me o que se passa. – Disse com compaixão no
olhar e sorrio, passando levemente a mão pela sua delicada
face.
- Íris não é minha filha. Descobri que afinal a bebe que tanto
amei e protegi é filha de Luena com Nicolas. – Cuspo de uma
vez as palavras que tanto magoam.

E mais uma vez, Graziela limitou-se simplesmente em acolher-


me em seus braços sem dizer alguma palavra.
Na verdade, eu não precisava de palavras. Era exatamente
disso que precisava, presença. Sua presença.

143
O seu cheiro e o suave gesto da sua mão, entrelaçada nos
meus cabelos, transmitem uma paz que, ainda que tentasse
explicar, escusado seria.
- Quando quiseres contar detalhes, estarei pronta para ouvi-
los. – Diz-me.
Lembrando da promessa que fiz a ela e a mim, suspiro. Eu
devo isso a ela. Tenho de ser completamente aberto e honesto.
- Resumindo, Íris não é minha filha. – Digo e simultaneamente
seu semblante exala dúvida e confusão. – Fiquei exatamente
como tu. Hoje descobri que a minha menina, não é minha e
sim de Luena com Nicolas.
Antes de nos casarmos. Luena e eu havíamos terminado pois
algumas falcatruas suas vieram à tona. Ela mentia-me, dizia
que sua mãe estava muito doente e não tinham meios de
custear o tratamento e eu, apaixonado por ela na altura,
deliberadamente custeava. Afinal a senhora nunca esteve
doente e usavam o meu dinheiro para fins pessoais. Três
meses depois a mesma reapareceu dizendo estar grávida,
alegou que escondeu por um tempo pois não queria que eu
achasse que fosse um golpe. Afinal, Nicolas e ela envolveram-
se numa noite em que ambos estavam bêbados e combinaram
nunca revelar a ninguém, já não namorávamos, logo, não teria
importância.
Mas o filho era de Nicolas.
Estou a tentar perceber o real motivo. Eu não quero acreditar
que Luena é dissimulada a esse ponto. Se fosse somente por
dinheiro ela podia revelar ao verdadeiro pai. Além de a ter
questionado sobre a paternidade, Nicolas tem o património
maior que o meu.

144
- Não faço ideia do quão magoado possas estar, é muito difícil
ter de lidar com isso. Porém, tu e Nicolas precisam conversar
o mais rápido possível. Íris está doente e não será nenhum
benefício existir essa rivalidade entre vocês. Não agora. Ela é
tua filha sim, mas também é de Nicolas que foi impedido de
desfrutar da menina por uma mentira da tua Ex. mulher. Erros
são frequentes entre as pessoas, na verdade, é o que nos torna
humanos. Temos de achar as melhores formas de lidar com
eles. – Diz-me.

Assinto.
Graziela tem razão, minha única preocupação deve ser Íris e
para uma melhor vivência tenho de falar com Nicolas.
Apesar de não estar preparado, a doença da minha pequena
pode agravar-se e verdade seja dita, de momento Nicolas é o
único que a pode salvar. E isso dói.
Dói porque sinto-me impotente. Dói porque enxergo esse
simples facto como a maior das provas que a minha princesa
não tem o meu sangue a correr nas veias, somente o meu
amor em seu coração.
Pego no telemóvel e ligo a Ivan, pedindo que de noite venha
ter comigo acompanhado de Nicolas e o mesmo assente,
embora apreensivo.
Tento passar o resto do dia sem focar muito o pensamento
nisso, mas torna-se complicado ao receber a chamada de
minha mãe chocada e abalada pela notícia.
Porém, a mesma utiliza outras palavras para dizer-me o que
foi dito por Graziela. Íris não precisava sentir vibrações
negativas nesse momento. Será estranho e desconfortável,
mas a sua saúde e bem-estar em primeiro.

145
Aproximando-se a hora marcada, Graziela pede a Lia que
fique no quarto a fim de adiantar alguns trabalhos de casa que
tinha.
Sentada na sala, do meu lado, levanta-se ao ouvir a campainha
tocar, e, ao voltar, atrás dela estão Ivan e Nicolas, visivelmente
constrangidos. Graz convida-os a sentar deixando-me cara a
cara com Nick.
O clima é constrangedor e o único som audível é o da televisão
que apresentava um programa de culinária qualquer
escolhido pela minha namorada.
Olhando firmemente em Nicolas, tento dizer algo mas
fraquejo.
- Omar, antes que digas alguma coisa, eu quero mais uma vez
desculpar-me. Sei que não é o suficiente, mas é sincero. – Diz
Nick quebrando o silêncio enquanto Ivan observa-nos.

- Nicolas, estaria eu a mentir se dissesse que estou bem


contigo, não estou, mas Graz conversou comigo e chorar sob o
leite derramado na situação em que Íris encontra-se não
levará ninguém a lado algum, aliás, é nossa filha. – Digo.

- Eu sei que não levará, por isso farei tudo que estiver ao meu
alcance para salvá-la, começando pelo transplante da médula.
Mas também quero que saibas que pretendo estar do lado
dela o máximo que puder. Não é querer desafiar-te. Eu errei
ao dormir com Luena sim, mas, por duas vezes eu questionei a
mesma sobre a paternidade e ela negou-me. Eu fui negado a
ter a minha própria filha por perto e ela sempre esteve
literalmente debaixo do meu nariz. Isso também dói. – Declara
Nicolas.

146
- O que Nicolas quer dizer é que, ele admite a borrada que fez,
mas Omar usemos a lógica, tu e a Luena estavam separados,
Nick nunca quis estar com ela e aceitou beber um copo por
mera cortesia, pela consideração. Sabemos que a mesma está
num momento delicado como todos estamos, mas, a maior
quota de culpa pertence a Luena. – Acrescenta Ivan.

- Omar, é tudo muito difícil, mas conforme já falamos, Nicolas


passou de culpado a vítima quando lhe fora confirmada por
duas vezes que não era pai de Íris e Luena deve ter tido as
suas razões para isso. O ideal será conversarem todos quando
a situação de Íris estiver controlada. Verdade seja dita, Nicolas
é pai de Íris e tem todo o direito de estar ao lado dela, ainda és
o pai legalmente, mas a partir deste momento terás de aceitar
que a dada altura já não serás porque o pai biológico, que em
momento algum negou assumi-la, está diante dos teus olhos.
– Termina Graz enquanto capto as opiniões dos três com a
máxima atenção.

- Quando caí na real e percebi que não sou pai de Íris, algo em
mim morreu, como se tivessem arrancado literalmente uma
metade do meu corpo. Sendo o pai biológico um dos meus
melhores amigos, fez com que a dor dilatasse. Nicolas, perdoo-
te, mas a nossa amizade precisará de tempo para voltar ao
normal. Eu precisarei de tempo para voltar ao normal e
espero que a conversa futura com Luena seja somente para
acertar como ficarão as coisas em termos legais e ouvi-la dizer
o motivo que levou-lhe a isso.
Confesso que pensei nos mais hostis cenários, em que eu e tu
entraríamos numa disputa legal pela guarda de Íris, mas, não
seria capaz de submeter a minha princesa a isso. Espero não
ser obrigado a afastar-me dela. – Declaro.

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- Concordo plenamente. Tenho de admitir que imaginei o
mesmo, desde o momento em que tive a certeza da minha
paternidade, só passa em minha mente compensar o tempo
que não passei com ela. Obrigado Omar, por mais uma vez
mostrares o quão humano és, o quão humano somos. E por
perdoares o que em minha ótica é imperdoável. Sem forçar,
tudo farei para que a nossa amizade renasça. Aliás, és o pai da
minha filha. – Diz Nicolas estendendo a mão para um aperto
enquanto Ivan e Graz olham para mim torcedores.

Correspondo ao aperto de mão de Nicolas e o mesmo disse-


me que contou a sua mãe, e que, amanhã ela visitaria Íris sem
falta e assenti. Está no seu direito por mais que seja duro
admitir.
Despedimo-nos de ambos e Ivan deve estar mesmo chocado
pois de sua boca não saiu quaisquer baboseiras, o que em
parte é bom. Não estou com ânimo para piadas.
Pedi a Graziela que ficasse comigo durante a noite e, por mais
que tenhamos ficado completamente em silêncio, a sua
presença foi o suficiente para acalmar-me. Eu sei que fiz o
correto.
No dia a seguir, decidi ficar em casa e cuidar de assuntos da
Castiel Corp.
Verdade seja dita, não quis olhar para cara de Luena. Não
estou preparado, não consigo perdoá-la ainda. Se as coisas
chegaram a esse extremo, a culpa foi dela e por não ser
amante de dramas e teatros como ela, prefiro por enquanto
fingir que a mesma é invisível.
Nicolas, junto da sua família, visitariam Íris. Precisavam de
espaço. No decorrer do dia tomei conhecimento de que

148
Micaela e minha mãe também lá estiveram. Apesar da
chocante revelação, tinham Íris como membro da família e
por ser a “primeira neta” desde sempre teve um carinho
especial, carinho este que não dissipará com facilidade.
Graziela já fala mais comigo, preocupou-se durante o dia todo
e inclusive pediu que a mostrasse fotos de Íris, orgulhoso,
mostrei. Mais uma vez consolou-me dizendo que será difícil,
mas acabarei por aceitar completamente a realidade e que
tinha a certeza de que Nick e eu voltaríamos a ser os mesmos.
Coisa que duvido muito.
Lia aproveitou-se do facto de ter-me em casa e não largou-me,
literalmente. E de facto estava cheio de saudades dela, quando
a noite caiu levei a ela e Graz aos gelados, precisava de
momentos assim com as duas.
Ao chegar a casa, aconchegamos Lia e fomos ao meu quarto,
antes de adormecer pedi a Graziela a sua companhia quando
fosse a clínica visitar Íris, sua cirurgia seria marcada e não
quis deixar de participar. A mesma revelou-se apreensiva,
mas, garanti que não haveria nenhum problema com Luena e
seus familiares.

Como se o tempo voasse, abro os olhos e olho para o mini


relógio que descansa sobre criado mudo e, marcava 04:07am.
O toque do meu telemóvel ecoava no quarto fazendo com que
Graziela, de igual modo, despertasse.

Chamada on.
- OMAR… OMAR!
- Nicolas? O que se passa? Porque ligas a essa hora? –
Questiono confuso e Graziela olha-me com a mesma
expressão.
149
- É com a Íris Omar! - Responde-me desesperado. - Tens de
vir para cá agora. Agora!
- Em poucos minutos chegarei. – Digo e desligo.
Chamada off.

- Amor, alguma coisa aconteceu com Íris, vou para a clínica


agora. Cuida de Lia e assim que dona Marta chegar, o Xavier
leva-te até lá. – Digo enquanto visto o casaco, calço os ténis e
puxo a minha carteira seguida das chaves do carro.

- Meu Deus, vai dando notícias, estarei aqui, a orar por ela e a
espera. – Diz-me.

Dou um beijo em sua testa e logo saio disparado perdendo


completamente o sono.
Ao entrar na clínica, corro desesperado até a ala infantil até
que, de longe avisto Luena chorando desoladamente enquanto
sua mãe e irmã tentam acalmá-la, ambas chorando de igual
modo. Por momentos meu coração para e tudo em minha
volta parece ter feito o mesmo. Luena olha fixamente para
mim e, com algum esforço, consigo ler o que seus lábios dizem
“desculpa Omar”.
Confuso, aproximo-me alguns centímetros mais e antes de
perguntar alguma coisa sinto alguém atrás de mim.

- Omar. – Viro e vejo Nicolas e sua mãe. Derrotado e com olhos


marejados.

150
- O que se passa Nick? Porque estão todos assim? – Pergunto
mesmo fazendo ideia do que se passa. – O que aconteceu com
Íris?

- Foi uma complicação Omar, ela estava bem e de um


momento para o outro começou a vomitar e perdeu o ar e …

- Eu quero ver a minha filha, agora! – Digo exaltado


interrompendo o Nick e vejo Ivan a correr para a nossa
direção.

- Ela se foi Omar, a minha filha faleceu, nem tempo com ela
tive… - Declarou Nicolas com lágrimas nos olhos e, pela
primeira vez vejo-o chorar. – Íris se foi e eu nem pude chamá-
la de filha olhando em seus olhinhos. Ela estava bem, brincou
com a minha mãe inclusive.

- Não. A minha filha não… ela está bem eu sei, eu só preciso


vê-la … eu

- Omar ...

- Não Ivan, eu só preciso vê-la, eu sei que … - Digo enquanto


tento não chorar.

- Irmão, ela não voltará, a nossa princesa se foi. – Diz-me Ivan


com os olhos marejados segurando o choro como eu.

151
- Quero vê-la, por favor. – Digo olhando para Nicolas e ele
assente.

Procuramos pela Dra. e segurando as lágrimas ela explica que


foi uma surpresa para todos, Íris parecia estar a responder
bem as transfusões e aguentaria até o dia do transplante. De
um momento para o outro teve uma parada respiratória e não
reagiu a reanimação.
Ao abrir a porta do quarto, havia apenas uma cama, onde seu
pequeno corpo repousava coberto completamente.
Delicadamente, é retirado a parte do cobertor que cobria a
sua carinha e lá estava ela.
Completamente branca e estática. O rosa que preenchia as
suas bochechas já não existia. Seus pequenos lábios pareciam
vidro quebrado de tão rachados que estavam. Levei a minha
mão a sua face, tão fria, sem qualquer emoção ou reação.
Caí na real. Eu a perdi
. O meu amor, a minha filha, agora dança com os anjos. Ainda
segurando o choro, beijei a sua testa e abandonei a sala e, sem
me despedir, abandono a clínica.

Chego a casa e ao adentrar no quarto, sento-me no chão, num


dos cantos olhando fixamente para cama, onde Graziela
continua descansando. Tranquila.
Levo os meus olhos ao relógio que agora marca 06:15am.
- Omar. – Diz Graz ensonada. – Não te vi chegar, como está
Íris?

- A minha princesa, se foi Graz. – Seu rosto escurece. –

152
Minha única filha, já não está entre nós.

- Meu amor…- Diz ela enquanto corre até mim enroscando-me


em seus braços como só ela sabe.
E, no exato momento, em que tive contacto com Graz, desabei.
Sim. Pela primeira vez em muito tempo eu chorei. Como um
menino indefeso buscando consolo.
- Cansei Graz, Cansei! Estou farto de seguir os parâmetros da
sociedade e fingir que não sinto. Eu estou destruído!
Eu também tenho dúvidas e inseguranças. Eu sou
simplesmente um homem e podia transformar isso numa
anáfora a fim que percebam que, eu erro, errei e errarei
muito. Mas se em troca da perfeição, Íris continuasse em vida,
eu correria atrás da mesma.
Eu abdicaria da minha vida, da minha empresa e até do meu
próprio nome se me dissessem que ao acordar, Íris estaria a
correr pela casa. Eu quero-a de volta. Eu quero o meu bebé de
volta Graz. – Digo aos prantos, tentando em vãs tentativas
secar as lágrimas que teimam cair.

- Meu amor, eu estou aqui para ti, estarei sempre. Não sairei e
sentiremos essa dor juntos. – Declara e agarra-me mais forte
fazendo com que eu sinta suas lágrimas molharem meu rosto.
Afogo a cara em seu peito e Lia, que despertou com o barulho,
delicadamente abre a porta do quarto e junta-se a nós,
Graziela cuidadosamente explica-lhe o motivo de estarmos
envoltos em lágrimas e a pequena instintivamente enroscou-
se em meu colo sem dizer nada, de alguma forma ela sabia que
a sua presença era o suficiente.

153
A vida jogou duro dessa vez, mas ultrapassarei, farei dos dias
de Íris os meus e, fazer cada um deles valer a pena.
Ela esteve no mundo com o propósito de ensinar-nos muito,
mostrou-me como amar, apreciar os pequenos detalhes, sorrir
para todos os passos dados, ainda que depois caísse e, por
último, a perdoar.
E aprendi.
Como retrospetiva, nossos momentos passam em minha
mente. Seu nascimento, o momento que chegou a casa,
primeiros sorrisos, primeira palavra, primeiros passos…
Ela viveu. Eu a conheci.
Aliás, eu a conheço.
Levará tempo, mas acabarei por aceitar e conformar-me. Pelo
menos, ela está onde já não existe dor e sofrimento. Talvez
seja boa demais para fazer parte deste mundo imundo.
A tua estadia na terra não foi em vão filha.

154
Capítulo 12

- Omar! Omar! Vamos atrasar-nos. Anda! – Diz-me Lia


enquanto puxa-me pelo braço tirando-me dos meus
desvaneios.

- É para já senhorita, a tua irmã deverá estar já a nossa


procura feito uma louca! – Respondo agarrando nas chaves do
carro e no buquê de rosas que descansava por cima da mesa.

Hoje, passados 5 meses, estava eu a caminho da cerimónia de


formatura de Graziela.
Sim, o meu amor conseguiu mesmo enfrentando gigantes
aparentemente indestrutíveis.
Consegui uma miúda rija, ao menos nisso acertei.
Semana passada, durante um almoço organizado pela minha
mãe, satisfeito, contemplava a relação que em tão pouco
tempo, construiu com a minha família.
As palavras ditas pelo meu pai nesse mesmo dia, ecoam em
minha mente todos os dias… “amar uma mulher marcada pelo
passado, é uma tarefa que somente grandes homens cumprem
superando eventuais barreiras encontradas.”
Para ser honesto, nunca enxerguei-me como um grande,
achava-me antes um homem grande.
Graziela e Lia, fazem-me todos os dias ter a certeza de que eu
consigo ser uma versão melhor.
Aos poucos, aprendo a lidar com a ausência de Íris, decidi tirar
férias e curtir a minha família ao máximo. De momento a

155
única coisa que importa-me é o bem-estar e segurança das
minhas miúdas.
Jorge, ao ser notificado fugiu do país sem deixar rastros e
assim deverá permanecer por longos anos, mas de todas as
formas, a guarda não está baixa e continuarei a ser protetor.
Lia… minha doce menina! Quando Graziela e eu finalmente
nos entendemos, disse a Lia que ela pode tratar-me
simplesmente por Omar, que eu sou como um irmão para ela
e, com algumas recaídas, conseguimos que a mesma chamasse
por mim sem vergonha e receios.
Ao chegar a universidade, encontramos os meus pais, Micaela,
Ivan, Elena e claro, Nicolas.
Eles garantiram que fariam questão de estar presentes em
todos momentos de nossas vidas, tendo em conta que somos a
única família de Graz e Lia, sinto-me feliz e realizado por
saber que não fazem por mim somente, eles de facto
aprenderam a amá-las e, Micaela inclusive, já troca
confidências com Graz.
Ivan continua o mesmo, fazendo-nos rir. Ao chegar, notei que
não parava de falar nem tão pouco tirava o olhar de Elena.
Quanto ao Nicolas, a morte de Íris serviu de aprendizado e,
decidi dar mais uma chance a nossa amizade, não tinha nada a
perder, pelo contrário! Ganhei muito mais. Tal como eu,
chorou a morte de uma filha e quase descartei esse facto. Para
quê complicar a vida? Lógico que estávamos a passar pelo
processo de reconstrução da confiança, mas tudo ficará bem.
Ivan conseguiu acelerar o processo de divórcio e o mesmo
deu-se por concluído fazem três meses. Depois do enterro e
assinar voluntariamente os papeis, Luena, ausentou-se do país
e por mais que me tenha feito mal, desejo de coração que
esteja bem.

156
- Olha Omar, lá vai a Graz! – Diz-me Lia entusiasmada e todos
começamos a gritar por ela. A mesma, ao notar a presença de
todos, sorriu emocionada.

- AMO-TE GRAZIELA GIMENEZ, MOSTRA-LHES COMO É! –


Grito chamando a atenção de todos e Graz olha para mim
sorrindo envergonhada.

Após a bonita cerimónia, levei todos a almoçar a um


restaurante a beira mar.
Boa comida e música ao vivo, fizeram com que a tarde de
sexta-feira terminasse agradavelmente bem na companhia de
todos que amo.

- Graz, achas que Lia podia passar o final de semana


connosco? – Pergunta a minha mãe a Graziela que gentilmente
sorri.

- Claro que por mim, tudo bem, porém, a última resposta é do


Gru Maldisposto. – Diz olhando para mim sorridente e senti-
me feliz por me ter concedido autoridade sobre Lia.

- Se a mocinha prometer que vai portar-se bem. – Digo e faço


cocegas simultaneamente em sua barriga fazendo-a rir e
contorcer-se.

157
- Eu prometo que sim Omar, ajudarei Micaela a arrumar o
quarto e vou pedir a Avó que compre alguns livros para
lermos. – Respondeu convencendo-me.

- Então, está feito! – Concluo.

- Agora falemos a sério Graz, eu sei que o Omar persuadiu-te a


ficar com ele. Não é possível que alguém como tu não tenha
olhado para mim, mas sim para ele. – Diz Ivan irónico e rimo-
nos.

- Só mostra que não estas pronto para rejeição, que tal treiná-
lo para isso Elena? – Pergunto e a mesma fica vermelha de
vergonha enquanto o sorriso de Ivan desaparece ficando
sério. Sorrio ironicamente por saber que consegui afetá-lo.
Vendo o lado positivo, a ida de Lia fará com que eu e Graz
fiquemos a sós. Apreciarei a companhia dela ao máximo.
Despedimo-nos de todos e cada um segue o seu caminho.
Lia vai com meus pais, por incrível que pareça, Ivan
disponibilizou-se a levar Elena a casa, Nick deve ter ido a um
bar passar o tempo, Graz e eu estamos a caminho de casa.

Ao chegar a casa, pousamos as coisas e sentamos exaustos no


sofá.

- Tenho um presente para ti amor. – Digo levantando-me e


tiro uma pequena caixa que deixei guardada numa das
gavetas da cozinha, não encontrei esconderijo melhor! – Abre.

158
- Omar!... – Diz enquanto destrói o embrulho bem elaborado. –
Amor! Não devias ter feito, para mim?

- É pouco para mostrar o meu orgulho por ti princesa, tu


mereces muito mais, vem, eu mostro qual é. – Digo segurando
a sua mão.

- É o que tem um laço vermelho. – Digo orgulhoso enquanto


olhamos para estacionamento por uma das janelas.

- Um Evoque Sicilian? Amor eu não sei como agradecer… eu …


obrigado amor. – Diz abraçando-me forte.

- Princesa, isso é o de menos, ainda não viste nada. Uma


mulher bonita, sexy, auditora em ascensão e o mais
importante, futura esposa do Omar Castiel, não merece
menos. – Digo beijando seus lábios e apertando seu corpo no
meu.

- Eu, vou tomar um banho… já volto! – Diz-me e sai disparada.

- Está bem?...- Digo confuso, ignoro. Tiro uma bebida do


frigorifico e alguns pasteis. Vou até a sala e procuro um filme
qualquer.
30 minutos depois, Graziela grita meu nome e assustado corro
até ao quarto.

159
- O que se passa Graz? – Digo procurando-a com os olhos e a
mesma vem andando do wc, somente de roupão e pede-me
para fechar a porta.
Sem perceber, obedeço e sento-me na cama, conforme sua
orientação.

- Tenho planeado isso a meses e guiei-me por tutoriais que vi


no Youtube. Mas sei que não será nada como planeei. – Disse-
me tirando o roupão, deixando-o cair ao chão trazendo
somente uma lingerie em seu corpo.
- Eu não sei bem como deve ser agora, mas, deste-me provas
suficientes do teu amor por nós. Uma casa, um carro, uma
linda família e amigos. Eu não posso dar metade do que já
deste pois não possuo as mesmas condições. Porém, mais uma
vez, dar-te-ei o que tenho de mais precioso. O meu coração,
alma, corpo e mente. Essa noite eu serei tua na certeza de que,
serei para sempre.

Impressionado com as suas palavras, agarro-a pela cintura e


beijo-a. Deito Graziela na cama e beijo cada detalhe de seu
corpo. Carinhosamente.
Ela voltou a confiar em mim. Eu consegui recuperar a sua
confiança e tudo farei para que assim as coisas sigam.
Paro por instantes, precisava contemplar seus olhos e a
nostalgia dos nossos dias surge em minha mente como se num
filme… o momento em que nos conhecemos, o nosso primeiro
almoço, quando conheci Lia e quando pela primeira vez a vi
na sua mais obscura fase.
Se os espelhos revelam-se o que meus olhos contemplam ao
encontrá-la…

160
Aprendi a amar os seus defeitos e sei que a nossa caminhada
não terminará agora… muito pelo contrário. Ela apenas
começou e quem diria! Quem diria que eu, Omar Castiel,
morreria de amores por uma rapariga da periferia, marcada
por traumas e 10 anos mais nova.
Sem dúvidas, eu nunca quis, mas, o coração é enganoso e hoje
eu, apaixonadamente, faço amor com a mulher que eu jamais
imaginei querer. Porém, ao tê-la, deixei de tolerar a ideia de
um dia querer outro alguém.

Fim.

161
sobre a autora

Cléusia Ivânia de Sousa Costa, romancista, nascida em Luanda, Angola,


descobriu seu amor pela escrita aos 11 anos de idade, limitando-se
somente a escrita de textos e crónicas. Estudante de Direito e dotada
de incalculável intensidade, pretende tocar vidas e permitir que com as
almas as pessoas viajem à medida que degustam obras por si
realizadas.

162

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