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A TEOLOGIA

BÍBLICA DO CULTO
CRISTÃO
Prof. Raul Blum
Atualizado por Clóvis Jair Prunzel

Nesta unidade temática, você vai


aprender
 A definir o que é Culto Cristão;
 A descrever o Culto Cristão como fenômeno religioso.

Introdução
Neste tema, você irá perceber a definição de culto como fenômeno
religioso presente na igreja cristã.

Vamos definir o conceito de culto e depois dar características para adjetivá-


lo como cristão.

O culto é diferente das atividades rotineiras diárias? É diferente de


educação cristã ou de outras atividades que se realizam em uma igreja? Por
exemplo, em Rm 9.4 o apóstolo Paulo chama de “culto” (latreía) os ritos do
Antigo Testamento, mas em Rm 12.1 o mesmo apóstolo chama de “culto” a
entrega física dos cristãos a Deus.

Em segundo lugar, depois de visto o que se quer dizer com “culto”, como se
determina o que o torna “cristão”? O que distingue um culto “cristão” de
outros cultos? Saber o que distingue o culto cristão de outros cultos é uma
“ferramenta prática vital” para toda pessoa que tenha que lidar com o culto
cristão. Especialmente, quando se é confrontado com muitas formas
diferentes de culto, é preciso saber distinguir com clareza o que torna um
culto “cristão”.

O Culto como fenômeno


White (p. 12) usa três métodos para esclarecer o que queremos dizer com
“culto cristão”.
1. A abordagem mais adequada para White é a fenomenológica:
é a que “simplesmente relata e descreve o que os cristãos em
geral fazem ao se reunir para o culto”.
2. “Explorar algumas definições de maior abstração” usadas por
diversos autores para expor o que é culto cristão.
3. Explorar algumas palavras-chave em diversos idiomas usadas
para expressar o que queremos dizer com culto cristão.
Para White, esta é uma das melhores maneiras de se resolver o que se quer
dizer com culto cristão: “descrever as formas exteriores e visíveis através
das quais os cristãos praticam o culto”. O fato de o culto cristão ter usado
formas estáveis e permanentes em diferentes culturas e épocas históricas
torna essa maneira fenomenológica mais fácil para se dizer o que é o culto
cristão. Essas formas podem ser designadas como estruturas – como o
calendário litúrgico – ou ofícios – como a ceia do Senhor.

Portanto, uma maneira de descrever o culto cristão é simplesmente alistar


essas principais estruturas e ofícios. Já no início do Novo Testamento vemos
uma estrutura semanal de tempo. Esta estrutura foi fixada em calendários
anuais para que se comemorassem eventos a serem lembrados na
comunidade cristã: morte e ressurreição de Cristo; mártires locais; horários
para oração pública e particular.
Ainda hoje, podemos dizer que o culto cristão baseia-se fortemente na
estruturação do tempo litúrgico.
O espaço para o ofício do culto sempre mereceu atenção no decorrer da
história do culto cristão. Apesar de terem sido experimentadas formas
diferentes para o lugar do culto cristão, no decorrer da história, há uma
constância nas exigências de espaço e mobiliário.

É muito antigo também o uso de tipos básicos de ofícios para a oração


pública diária. Oração e louvor fazem destes ofícios uma característica do
culto cristão. A Igreja Luterana tem em seus manuais de culto as Matinas e
as Vésperas para a oração pública diária, uma herança de tempos antigos.

A leitura e pregação da Escritura é também designada de “liturgia da


palavra”. É o culto protestante dominical e habitual de diversas
denominações. É também a primeira parte da eucaristia ou ceia do Senhor.
É um tipo constante que muitos cristãos diriam ser sua experiência
primordial do que seria o culto cristão. A ceia do Senhor é celebrada desde
os tempos do Novo Testamento (1Co 11.23-26). Para muitos cristãos, é o
padrão do culto cristão. Em muitas igrejas, é celebrada semanalmente.

Para distinguir membros da igreja e pessoas estranhas à ela, os cristãos


têm usado cerimônias de iniciação cristã. O rito do batismo é o mais
significativo. Mas a catequese, confirmação, primeira comunhão e ritos
semelhantes têm sido usados como afirmação ou reafirmação do
compromisso batismal.

Respondendo parte de nossa indagação sobre “que é o culto cristão?”


podemos simplesmente relacionar e descrever as formas básicas que o
culto tem assumido e dizer que essas formas o definem.

Definições de Culto Cristão


As várias maneiras como pensadores cristãos definem o culto cristão
servem para nos estimular a reflexão (Ver WHITE, p. 14-19).
Paul Hoon, metodista
 Enfatiza o centro cristológico do culto e está vinculado
diretamente com a história da salvação. O núcleo do culto cristão
é “Deus agindo para dar sua vida ao ser humano e para levar o ser
humano a participar dessa vida”. Assim, tudo o que fazemos é
afetado pelo culto; a vida cristã é uma vida litúrgica. “O culto
cristão é a autorrevelação de Deus em Jesus Cristo e a resposta do
ser humano”, ou uma ação dupla: a ação de “Deus para com a
alma humana em Jesus Cristo e a ação responsiva do ser humano
através de Jesus Cristo”.
Peter Brunner, luterano
 Usa o termo Gottesdienst, que tanto significa serviço de Deus
aos seres humanos quanto serviço dos seres humanos a Deus. É a
“dualidade” do culto; no entanto, Deus atua em ambas as partes. É
Deus sozinho que torna o culto possível. Cita Lutero, que diz a
respeito do culto “que nele nenhuma outra coisa aconteça exceto
que nosso amado Senhor ele próprio fale a nós por meio de sua
santa palavra e que nós, por outro lado, falemos com ele por meio
de oração e canto de louvor”. Os seres humanos respondem aos
atos divinos com oração e hinos “como atos da nova obediência
conferida pelo Espírito Santo”. A dualidade do culto é encoberta
por um foco único, que é a atividade de Deus tanto em se nos
autodoar quanto em instigar nossa resposta às suas dádivas.
Jean-Jacques von Allmen, reformado
 O culto deve ser compreendido dentro daquilo que Deus já fez
por nós. O culto “resume e confirma sempre de novo a história da
salvação cujo ponto culminante se encontra na intervenção
encarnada do Cristo. Nesse resumo e confirmação reiterados, o
Cristo continua sua obra salvadora por meio do Espírito Santo”.
Portanto, o culto está ligado à revelação bíblica e nos dá uma
síntese do que Deus fez e uma antecipação do que ainda virá a ser
na história da salvação. O culto é a recapitulação da história da
salvação. Allmen também afirma que o culto é a “epifania da
igreja” porque nele se manifesta a própria natureza da igreja e a
igreja é levada a confessar-se perante o mundo. O culto torna-se
uma ameaça de juízo e uma esperança para o mundo. O culto tem
três dimensões-chave: recapitulação, epifania e juízo.
Evelyn Underhill, anglo-católica
 “O culto, em todos os seus graus e tipos, é a resposta da
criatura ao Eterno”. Mas somente por meio do “movimento do
Deus permanente em direção a sua criatura é dado o incentivo
para o mais profundo culto do ser humano e é feito o apelo para
seu amor sacrifical (...). Oração e (...) ação são maneiras pelas
quais ele responde a essa manifestação da Palavra”.
Georg Florowski, ortodoxo
 “O culto cristão é a resposta dos seres humanos ao chamado
divino, aos ‘prodígios’ de Deus, culminando no ato redentor de
Cristo”. Enfatiza a natureza comunitária desta resposta ao
chamado de Deus: “A existência cristã é essencialmente
comunitária; ser cristão significa estar na comunidade, na igreja”.
Nessa comunidade, Deus atua no culto e os cultuadores, em
resposta, lhe dão louvor e adoração.
Nikos A. Nissiotis, ortodoxo
 “O culto não é primordialmente iniciativa do ser humano, mas
ato redentor de Deus em Cristo por meio do seu Espírito”. Com
Brunner, Nissiotis enfatiza a “absoluta prioridade de Deus e seu
ato”; a igreja oferece culto agradável a Deus pelo poder do Espírito
Santo.
Papa Pio X
 Descreve o culto como “a glorificação de Deus e a santificação
da humanidade”. O culto é para “a glória de Deus e a santificação e
edificação dos fiéis”.
Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II
 Fala primeiro da santificação do ser humano e então da
glorificação de Deus, invertendo a descrição de Pio X.
Odo Casel, monge beneditino
 Popularizou a descrição de culto como o mistério pascal. O
mistério pascal é o Cristo ressurreto presente e ativo em nosso
culto. Mistério é a revelação divina daquilo que ultrapassa o
entendimento humano e o elemento pascal é o ato redentor de
Cristo. O que Cristo realizou no passado volta a ser concedido à
pessoa que presta culto. Esta é uma forma de viver com o Senhor.

Termos para caracterizar o culto cristão


O linguajar que os cristãos usam sobre o culto cristão pode nos ajudar a
esclarecer o que queremos dizer com esse culto. Muitas palavras tiveram
origem secular e foram escolhidas como meio menos inadequado para
expressar o que a comunidade reunida experimentava no culto. Cada
palavra e cada idioma podem mostrar o que está sendo expresso.

Gottesdienst (em alemão) é uma palavra importante para expressar o que


é o culto cristão. Significa tanto o serviço de Deus como o nosso serviço
para Deus. Dienst pode identificar postos de gasolina na Alemanha.
“Serviço” é algo que se faz para outros. Vem do termo latino servus, que
identifica um escravo que era obrigado a servir outras pessoas. O termo
“ofício”, do latim officium, serviço ou tarefa, também é usado para designar
um serviço de culto. Gottesdienst reflete um Deus que “esvaziou-se a si
mesmo e assumiu a condição de servo” (Fp 2.7), bem como nosso serviço
para tal Deus.

O termo “culto” vem do latim colere e significa “cultivar”; é um termo


agrícola. Capta o caráter mútuo da responsabilidade entre o agricultor e
sua terra ou animais. É preciso tratar as galinhas para obter ovos; tirar o
inço para colher verdura. É uma dependência mútua de dar e receber.

O termo inglês worship também tem raízes seculares. Vem do inglês antigo
weorthscipe. Weorth = worthy (digno) e -scipe = ship (-dade), significando a
atribuição de valor ou respeito a alguém. O inglês também usa o termo
service, que significa “serviço”. Deus nos serve no culto com sua palavra e
os sacramentos do Batismo e da Santa Ceia, concedendo-nos perdão dos
pecados e salvação. Por outro lado, somos conduzidos por Deus a servir a
ele com nosso louvor e agradecimento e em amor ao nosso próximo.
Fonte: Pixabay:

As devoções pessoais geralmente ocorrem em separado do restante do


corpo de Cristo. Isso não quer dizer que estejam desligadas do culto de
outros cristãos. Mas obedecem a um ritmo mais particular onde o indivíduo
mesmo estabelece a disciplina. (“Devoção” vem de um termo latino que
designa “voto”).
Celebração é um termo bastante usado atualmente, tanto em contextos
seculares quanto eclesiásticos. É um termo um tanto vago a não ser que
seja especificado seu objetivo. Quando utilizar-se para o culto é
conveniente que seja especificado (celebração do Natal, da Santa Ceia).
Vago seria, por exemplo, celebração da vida, da alegria, de um novo dia.

Um termo básico para descrever o culto cristão é ritual. Mas também é


preciso cuidar do termo. Pode significar uma rotina de repetições sem
sentido. Ritos são as palavras que se cantam ou pronunciam em um culto,
mas pode ser usado também para designar todos os aspectos de um ofício.
Rito também é usado para definir um grupo religioso; os católicos do rito
oriental têm um padrão distinto dos católicos do rito romano, por exemplo.
Normalmente, o cerimonial está explicitado no culto através das rubricas;
são as ações executadas no culto. Rubricas são instruções para execução
do culto. Como indica o nome, as rubricas são escritas em vermelho,
embora nem sempre isso aconteça efetivamente.
Ordo ou ordem é a estrutura de cada ofício. Ordem, rito e rubricas, ou seja,
a estrutura, as palavras e as instruções são os componentes básicos da
maioria dos manuais de culto.

Em Rm 9.4 e Hb 9.6, o termo latreía (culto, serviço) refere-se ao culto judeu


no templo. Os judeus também queriam obter as promessas messiânicas
“servindo a Deus noite e dia” (At 26.7; Lc 2.37). Mas o termo também é
usado para a veneração ritual pagã, como vemos em Rm 1.25 (adoração da
criatura no lugar do Criador) e At 7.25 (adorar as estrelas do céu). O servir a
Deus no Novo Testamento tem um novo significado. A latreía dos cristãos
implica que eles já foram transportados para uma nova realidade: a
salvação já está cumprida. Eles são purificados pelo sacrifício de Cristo já
cumprido e por isso libertados para fazerem boas obras (Hb 9.14; 12.28;
Rm 12.1-2).

Proskyneîn significa prostrar-se em reverência ou submissão. Na tentação


de Jesus, este diz a Satã: “Está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás
(proskynéseis) e só a ele darás culto” (latreúseis – Mt 4.10). Jesus diz à
mulher samaritana que chegou o tempo em que os verdadeiros
“adoradores adorarão (proskynetaì) o Pai em espírito e em verdade” (Jo
4.23). Nessa passagem, proskyneîn é usado repetidas vezes sob várias
formas. Em Ap 4.10 “os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão
(proskynésousin) diante daquele que se encontra sentado no trono”. Esse
verbo enfatiza a posição do corpo prostrado para o culto.

Thysía e prosphorá são ambos traduzidos por “sacrifício” ou “oferenda”.


Thysía é usado para designar o culto pagão (“sacrifícios de demônios” em 1
Co 10.20), o culto cristão (“sacrifício vivo” em Rm 12.1), e “sacrifício de
louvor” (Hb 13.15). Paulo também usa o termo thysía para designar as
ofertas que os filipenses lhe enviaram dizendo que era “aroma suave como
um sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp 4.18), enquanto esses dons
são apresentados ao apóstolo, eles são, ao mesmo tempo, apresentados a
Deus; isso faz do ato de apresentação de Epafrodito um serviço sacerdotal.
Prosphorá significa o ato de oferecer oferta, sacrifício, como acontece em
Hb 10.10 que diz da “oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas”.

Threskeía significa “culto”, “ofício religioso”, religião. Paulo designa a


religião judaica de threskeía (At 26.5). Mas o apóstolo também usa o
mesmo termo para a prática herética de culto aos anjos em Cl 2.18. E em Tg
1.26-27 Paulo vai usar o mesmo termo para designar a prática da religião
cristã pura em visitar os órfãos e as viúvas e não se contaminar pelo
mundo.
Sébein significa “prestar culto”, “adorar”. Jesus usa o termo para dizer que
não adianta adorá-lo com doutrinas humanas: Mt 15.9; Mc 7.7. Demétrio
usa o termo para adoração à deusa Diana: At 19.27. Mas Paulo também usa
o termo para qualificar os piedosos ou tementes a Deus (13.50; 16.14;
17.4,17; 18.7).

O termo liturgia também é de origem secular. Vem do


grego leitourgía composto de érgon (trabalho) mais laós (povo). Liturgia
era um trabalho público executado em prol da cidade ou do Estado, na
Grécia antiga. Podia ser serviço doado ou pagamento de impostos. Assim,
Paulo fala de autoridades romanas como leitourgoì (“ministros” de Deus –
Rm 13.6) e chama a si mesmo de leitourgòn (“ministro de Cristo Jesus entre
os gentios” – Rm 15.16). Portanto, liturgia é um trabalho executado pelas
pessoas em favor de outras. É um serviço retribuído ao povo como uma
comunidade política mediante um trabalho que a própria comunidade
deveria fazer. Portanto, se quisermos designar um ofício como “litúrgico”
estamos indicando que esse ofício é para ter a participação de todos de
maneira ativa e conjunta. Não pode ser um culto onde a assembleia seja
meramente passiva.
Fonte: Pixabay.

Os anjos são enviados para ministrar aos que são salvos por Cristo. Por isso
também são “litúrgicos” ou “ministradores” (leitourgiká – Hb 1.14). Também
pessoas que exercem poderes governamentais e que fazem valer seus
direitos para louvor do bem e castigo do mal, em virtude de sua atividade
são chamadas “ministros de Deus”, ou seja, “liturgistas” (leitourgoì) de Deus
(Rm 13.6). Até o serviço da assistência aos necessitados de Jerusalém que
as congregações da Macedônia e Grécia prestaram é chamado de
leitourgías, e Epafrodito foi chamado por Paulo de auxiliar (leitourgóv –
“liturgista”) de suas necessidades (Fp 2.25).
É interessante notar que na Septuaginta o substantivo leitourgía e o verbo
leitourgéo nunca se referem a um serviço às pessoas, mas é usado
somente para funções de culto. E quando o Novo Testamento cita o Antigo
Testamento é constante o uso linguístico da Septuaginta. Leitourgía é o
serviço sagrado que era realizado no tabernáculo (Hb 9.21) ou o serviço
sacerdotal regular como o realizado por Zacarias no templo (Lc 1.23). Mas a
perfeita leitourgía tem lugar no céu. Aí é o “ministro do santuário e
verdadeiro tabernáculo” e “o ministério mais excelente” realizado pelo
Crucificado, exaltado à direita de Deus como o Liturgista do verdadeiro
santuário celeste (Hb 8.2,6).

O termo adequado para a reunião dos cristãos


Somos confrontados com o fato de que nenhum dos termos usados pelos
gregos ou pelo Antigo Testamento é capaz de expressar a experiência dos
cristãos reunidos para o culto. O que acontece neste culto dos cristãos é
algo novo. É radicalmente diferente dos cultos pagãos e também do culto
de Israel. Os termos descritivos do culto do Antigo Testamento são em
parte adotados para significar a obra redentora de Jesus e, despidos de seu
sentido ritualístico, são também aplicados à conduta cristã em geral ou a
serviços especiais dentro da igreja. Mas eles não são usados para designar
o culto particular no qual a congregação canta, ora, escuta a palavra e
celebra a Santa Comunhão.

O Novo Testamento nos mostra que estes encontros congregacionais para


o culto eram o ponto focal para cada pensamento e ato dos cristãos como
podemos ver nos capítulos 10 a 14 de 1Co. Se a conduta dos cristãos como
um todo é culto, isto está intimamente ligado ao fato que sua vida temporal
encontrou um ponto focal concreto, um posto poderoso, por assim dizer,
que controla e direciona toda sua existência.
Fique de olho!
Esse ponto focal é a ekklesía, a igreja na qual foram implantados por Deus
e, dentro da qual um se interessa em amparar o outro, segundo seus dons.
Assim, chegamos ao termo que no Novo Testamento expressa o que hoje
chamamos de “serviço” ou “culto” (em inglês service ou worship; em alemão
Gottesdienst). Entre os termos do Novo Testamento para expressar “estar
reunido em nome de Jesus” temos synágo (“reunir”, “juntar”) como
verificamos em Mt 18.20 e At 20.7. Para expressar o sentido de “reunir-se
na ekklesía ou como ekklesía temos o termo synérxomai (“reunir-se”, “fazer
assembleia”) como podemos verificar em 1Co 11.18 e 14.23.

Em dois lugares, o Novo Testamento apresenta o sentido de “assembleia”


para o culto: Em Tg 2.2 a reunião dos cristãos é chamada de synagogé, que
significa “lugar de assembléia” e em Hb 10.25 é designada de episynagogé,
que significa “encontro”. O termo synagogé era usado na era cristã antiga
antes do terceiro século. Mas como esta palavra também era usada para
designar a comunhão de fé dos judeus (Ap 2.9, 3.9) pode justificar o fato
dessa palavra não ter sobrevivido.

A palavra sýnaxis (“comunhão, reunião, união, eucaristia”) foi usada a partir


do quarto século e por algum tempo servia para designar a eucaristia. A
Apologia da Confissão de Augsburgo faz menção dessa palavra mostrando
que ela antigamente designava a eucaristia. Esse termo é ideal para
designar a reunião dos cristãos visto que seu significado realça
especificamente a assembleia do povo.

Reflita
Portanto, “reunir-se” está implícito no sentido de nossa palavra “culto”. Em
todos os eventos, “culto” é o evento essencial nas reuniões dos cristãos. Por
isso, o culto é ekklesía, assembleia, reunião. Portanto, culto no sentido de
assembleia da congregação cristã em nome de Jesus é a manifestação da
igreja na terra. Em tal assembleia acontece a epifania da igreja e tal
assembleia em nome de Jesus é igreja. A expressão “hoje tem igreja” (em
alemão es ist kirche heute), e não “hoje tem culto” (em alemão es ist
Gottesdienst heute) está perfeitamente correta.
É preciso também mencionar que “o partir do pão” mencionado no Novo
Testamento é designação do que entendemos por culto público. É um
termo palestino que originalmente não está relacionado ao culto
propriamente. Refere-se ao partir do pão costumeiro pelos pais de famílias
judaicas no início de cada refeição. A antiga congregação palestina valeu-se
desse termo para designar suas refeições de amizade (At 2.42,46), quando
também a ceia era celebrada. Dentro dos limites das missões paulinas,
“partir do pão” é o termo para a eucaristia. Isso é evidente nas
comparações entre At 20.7 e 1Co 10.16. As assembleias cristãs para o culto
(com exceção dos encontros nos quais o Sacramento de Iniciação era
administrado) eram, desde seu início, assembleias de Santa Comunhão que
incluíam proclamação e instrução. O termo “partir o pão” usado em At 20.7
tornou-se a designação mais antiga para o ofício cristão. Mas esse termo
também é emprestado da área cotidiana, no entanto, expressa a “novidade”
do culto cristão em relação ao culto judaico.

Mas a expressão “partir o pão” e o termo sýnaxis não se firmaram. A


palavra que definitivamente se estabeleceu no ocidente é leitourgía. Já
vimos que no Novo Testamento serviços especiais realizados na área
da ekklesía carregavam o nome de leitourgía e que o executante de tais
serviços era consequentemente denominado um leitourgós. Como
executantes de tais serviços eclesiásticos, bispos e diáconos já são
mencionados na Didachê (15.1); prestavam a toda congregação o serviço
(leitourgía) dos profetas e mestres. Até o quarto século a palavra leitourgía
é usada para expressar a atividade total de sacerdotes e diáconos. Mas o
mais importante que esses leitourgói têm a prestar ao povo de Deus
consiste cada vez mais na administração da eucaristia e isso é finalmente
rotulado exclusivamente como leitourgía. No século IX, esse
desenvolvimento histórico-linguístico é concluído.

Da história dos termos usados para “culto” na igreja latina, não se


estabeleceu nenhum termo que tivesse o sentido completo de synagogé ou
sýnaxis. A Vulgata, no Novo Testamento, usa o verbo colere para expressar
o culto a ídolos pagãos (Cf. At 17.23,25; 19.27; Rm 1.25) e o substantivo
cultus nunca é mencionado. O sentido básico da palavra “culto” é realmente
inadequado para expressar a essência do culto da igreja cristã. Cultus pode
ser a atenção e o cuidado que se dá à terra (lavrando-a e cultivando-a), ao
corpo (alimentando-o e atendendo às suas necessidades), ao modo de vida
externo (como suprimentos e conforto), à mente (educando-a através de
instrução e artes), mas também aos deuses (apresentando-lhes sacrifícios e
orações, observando ritos e festas). O Novo Testamento adverte para o fato
de que o culto pagão é carregado de realidade fatal (Cf. 1Co 8.5; 10.20; 12.2;
Rm 1.18-23). Um grande abismo separa o culto pagão do culto cristão.
Portanto, é compreensível que a palavra cultus fosse evitada para designar
o culto cristão.
Lutero e os escritos confessionais luteranos usam a palavra cultus como
sinônimo de Gottesdienst. Na explanação do Primeiro Mandamento no
Catecismo Maior, Lutero aplica a palavra Gottesdienst em sentido lato: “Eis
que aqui tens o que é a verdadeira honra e culto divino (Gottesdienst)
agradável a Deus e por ele ordenado sob pena de ira eterna, a saber, que o
coração não conheça outro consolo e confiança senão a ele”. Mas Lutero
também usa Gottesdienst no sentido restrito de uma assembleia para o
culto divino: “Acima de tudo, o fazemos para que em tal dia de descanso...
se tome lugar e tempo a fim de participar do culto divino, isto é, reúnam-se
as pessoas com o objetivo de ouvir e tratar a palavra de Deus e depois
louvar a Deus, cantar e rezar”. Nos seus escritos A Ordem de Culto na
Comunidade (1523) e Missa Alemã e Ordem do Culto (1526), Lutero usa a
palavra Gottesdienst (Na tradução portuguesa, usa-se a palavra culto) no
sentido de assembleias para o culto diário e dominical. No seu escrito
Formulário da Missa e Comunhão para a Igreja de Wittenberg (1523), Lutero
usa o termo cultus dei no mesmo sentido de Gottesdienst. A língua
francesa e especialmente a inglesa adaptaram-se a servitium (“service”).

Referências
BRUNNER, Peter. Worship in the Name of Jesus. Tradução do alemão para
o inglês por M. H. Bertram. Saint Louis/Londres: Concordia Publishing
House, 1968.

De Almeida, J. F. (Trad.) Nova Almeida Atualizada (Edição Revista e


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LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. In: Livro de Concórdia, p. 385-496.


São Leopoldo/PortoAlegre: Editora Sinodal/Editora Concórdia, 1980.
______. A ordem do Culto na Comunidade. In: Martinho Lutero, Obras
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______. Formulário da Missa e da Comunhão para a Igreja de Wittenberg.


In: Martinho Lutero, Obras Selecionadas, v. 7, p. 155-172.

______. Missa Alemã e Ordem do Culto. In: Martinho Lutero, Obras


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SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Porto


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WEIGÄRTNER, Lindolfo. Termos Teológicos. São Leopoldo: Faculdade de


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WHITE, James F. Introdução ao Culto Cristão. Tradução de Walter Schlupp.


São Leopoldo: Sinodal, 1997.

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