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A MANIFESTAÇÃO DOS DONS ESPIRITUAIS

A Bíblia Sagrada revela em suas páginas a graça de Deus. Por meio desse elemento Deus proporciona aos
homens dons. Que são presentes dados para beneficiá-los. A graça é classificada de Graça Comum e
Graça Especial. A primeira é um favor de Deus dado aos homens, sejam eles ímpios ou justos, no sentido
de lhes proporcionar chuva, sol, habilidades naturais etc. A última é caracterizada pela salvação não por
meio das obras, mas, sim, somente pela fé em Cristo Jesus. O termo graça no grego é charis, significa
“favor imerecido”. O substantivo grego charisma, que significa “dom”, é cognato do substantivo graça.
No contexto do Novo Testamento, portanto, os dons podem ser considerados favores de Deus dados aos
homens. Os dons do Espírito são dádivas dadas por Deus somente às pessoas que foram alcançadas pela
Graça Especial.

Embora os dons sejam classificados sistematicamente de espirituais (1Co 12.1-5) e de ministeriais (Ef
4.11). No entanto, todos eles são espirituais pelo fato de se originarem da mesma fonte – que é o Espírito
de Deus. “O apóstolo Paulo apresenta cinco listas dos dons espirituais (Rm 12. 6-8; 1Co 12.8-10; 1Co
12.28; 1Co 12. 29; Ef 4.11), mas nenhuma delas é completa, todas são diferentes” (SOARES, 2021, p.
59). Observe que em Primeiro aos Coríntios 12.28 traz apóstolos, mestres e doutores. Efésios 4.11 lista
apóstolos, profetas, evangelistas pastores e doutores. Em Romanos 12.6-8 informa ministério, ensino,
exortação, repartição, presidente, misericórdia. Na citação demonstrada por Esequias Sorares (2021)
todos esses dons são classificados e denominados de espirituais.

A sistematização teológica em classificar determinados dons como ministérios não podem ser vistos
como para organizá-los, porque assim se estaria dizendo que a Bíblia não é organizada. Nem se pode
dizer, com efeito de clareá-los para melhor entender as suas funções, dado que se estaria afirmando que a
Bíblia não é clara o bastante para o leitor entender. O jeito certo de compreender essa classificação de
dons ministeriais é somente pela intenção de trazer uma aplicação para Igreja. Há necessidade desses dois
grupos de dons (espirituais e ministeriais) em função de manter o equilíbrio da igreja local. Elinaldo
Renovato (2021) alude que os dons espirituais caracterizam a Igreja como um organismo espiritual.

Por intermédio da morte, ressurreição e exaltação de Cristo Jesus, Deus elegeu a Igreja e lhe distribuiu
dons tanto para a sua edificação como corpo de Cristo quanto para propagação do Evangelho para a
salvação das vidas. Ao contrário da Antiga Aliança, que os dons espirituais se limitavam apenas quem
exercia o dom ministerial, a Nova Aliança, consumada em Cristo, garantiu a Deus enviar o Espírito Santo
para distribuir os dons espirituais para todos que formam a Igreja de Cristo na terra.

Os cessacionistas acreditam que os dons espirituais foram experimentados unicamente pela Igreja da era
apostólica. Depois desse período, eles dizem que não existe a atualidade desses dons. Esse movimento
pode ser classificado como filho do liberalismo teológico. O liberalismo teológico, pela ótica do Método
Histórico-Crítico, veio com a pretensão de desmitologizar a Palavra de Deus, ou seja, os milagres da
Bíblia são vistos apenas como mito. O conceito de mito é a forma de explicar a realidade das coisas. Os
teólogos liberais acreditavam que os milagres como Jesus andando sobre as águas é mito, pois, na
verdade, Ele estava andando pela praia; a multiplicação de pães e peixes, a realidade da cena é que as
multidões de pessoas concordaram em ajuntar os seus alimentos e assim todos saciaram a fome; a
ressurreição do corpo de Jesus aconteceu somente no kerygma (pregação) da Igreja. A ideia da cessação
dos dons parte do pressuposto da influência histórica da crença da Bíblia ser formada por mitos.

Historicamente, o cessacionismo erra grotescamente por esquecer a História da Igreja de Cristo. Os Pais
da Igreja vivenciaram a experiência de contemplar cristãos profetizando e pessoas orando pelos enfermos
e sendo curadas. Tertuliano, século II, disse: “visto que reconhecemos os charismata, ou dons, nós
também fomos dignos do dom profético” (HYATT, p.35, 2018). Orígenes, um Pai da Igreja do século III,
viu que pessoas foram curadas em seu tempo por crentes que invocavam o nome de Deus em oração.

Os reformadores, do mesmo modo, tiveram a experiência do charisma. Quem não se lembra da


vez quando John Hus (na pré-reforma) preste a ser queimado na fogueira da Igreja Católica, profetizou
dizendo que eles estavam queimando um ganso, mas em 100 anos Deus levantaria um cisne que ninguém
iria impedi-lo de realizar a Reforma na Igreja. E exatamente 102 anos depois dessa profecia, surgiu na
Alemanha um monge agostiniano chamado Martin Luther, ou Martinho Lutero.
Hermeneuticamente, os teólogos não pentecostais ao falarem do batismo com o Espírito Santo, erram na
parte que compete à interpretação de textos da Palavra de Deus, por não saberem diferenciar e separar a
abordagem lucana da paulina. Quando Lucas narra o Batismo com o Espírito Santo em Atos é no
contexto de revestimento de poder tendo como evidência as línguas estranhas. Por outro lado, o apóstolo
Paulo a se reportar do tema, batismo com o Espírito Santo, é da perspectiva da manifestação da salvação e
do caráter de Cristo na vida do cristão.

Não tem como deduzir precisamente a quantidade dos dons espirituais. Paulo enumera nove tipos
de dons. No entanto, não é necessariamente nove, porque quando se refere à cura há multiformes
manifestações em respeito a esse tipo dom. Soares (2021) diz que Paulo nunca esteve preocupado em
fazer uma lista de dons. Em Corinto a preocupação única era de corrigir os irmãos daquela comunidade
cristã sobre a ignorância do uso dos dons espirituais. O Novo Testamente não garante ao leitor definir
quantos dons existem.

Sem os dons espirituais a Igreja não teria chegado até aos dias de hoje. Os dons do Espírito são
necessários porque o trabalho da Igreja não se limita meramente à esfera do mundo físico, mas se estende
para um mundo invisível e espiritual, lugar onde se encontra também o seu grande arqui-inimigo – o
poder das trevas. Os dons podem ser vistos como armas para a Igreja combater os obstáculos criados e
colocados pelas forças do mal que querem a atrapalhar a obra de Deus.

A manifestação dos dons da atualidade continua sendo útil para as comunidades cristãs locais para
propagação e aceitação do Evangelho, assim como foi útil para o período apostólico. Cristo e os apóstolos
não apenas anunciaram o Reino de Deus pela pregação da Palavra, como realizavam muitos milagres. Os
milagres era uma evidência que provava que Cristo era o enviado de Deus. Ainda continua sendo
evidência para provar para o mundo que Ele é o Messias e a Igreja é enviada por Ele. Renovato (2021)
frisa muita bem que a descrença da atualidade dos dons é mesma coisa que descrer das Escrituras, pois,
Elas dizem que Jesus ainda é mesmo (Hb 13.8).

A outra função dos dons é edificar a Igreja de Cristo. Paulo aponta que na comunidade cristã de
Corinto havia divisão por vários motivos. Havia divisão por preferência de líderes (1Co 1.12), os crentes
processavam os seus irmãos na fé diante dos tribunais (1Co 6. 1-20), na celebração da Ceia do Senhor
eles faziam discriminação social ao ponto de os ricos não se misturarem com os pobres (11. 17, 18), por
último, o comportamento de alguns irmãos que se consideravam mais do que outros no que competia ao
uso dos dons espirituais, comportamento este que levou Paulo classificar os coríntios de leigos com
relação ao assunto dos dons (12.1). Enquanto isso, os crentes deveriam usá-los para edificar e beneficiar
os seus irmãos.

O apóstolo dos gentios usou a expressão “diversidade de dons, mas o Espírito é mesmo”. Fez também uso
da metáfora do corpo (12.4). Com isso, o autor da Carta de Corinto estava falando de unidade. Ao invés
dos irmãos usarem os dons para edificação e unidade da congregação, eles haviam usado para se
colocarem em superioridade aos outros. E quando, na realidade, os dons espirituais não provinham deles,
mas de um único Espírito. E os crentes por mais que sejam muitos em uma comunidade devem entender
que são membros que formam um mesmo corpo e sua edificação não se ajusta em si mesmo, mas no
cabeça, Cristo. “O Corpo de Cristo, por outro lado, não precisa estar todo no mesmo local, pois a sua
unidade é a unidade do Espírito” (TOZER, 2019, p. 172).

Semelhantemente, os dons serviam para edificar o indivíduo. Em primeiro aos Coríntios 14.2,
Paulo especifica que o dom que traz edificação particular é o falar em línguas estranhas. Não significa
que o crente em todo lugar deve falar em línguas, porém, para isso ele deve promover um culto particular
ao Senhor. Porque o falar em línguas estranhas mostra o mais íntimo momento do crente com Deus, pois,
ninguém entende o falar em línguas se não o Senhor.

Em Primeiro aos Coríntios 14.26, Paulo dá o padrão de como se cultuar a Deus em público. O texto, ao
fazer referência a salmo e doutrina como parte primária do culto, é na intenção de explicar que a pregação
da Palavra deve vir em primeiro lugar. Depois os demais elementos vêm em seguida para complementar e
somar para a edificação da igreja local. Subentende-se que a Doutrina das Escrituras Sagradas é o padrão
por onde são medidos e avaliados todos os dons.
Em nenhum momento é visto a proibição do falar em línguas estranhas no culto, o que se ver é um
incentivo, só que da maneira certa, é claro. “Eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais
que profetizeis […].” (14.5). O modelo que o apóstolo disse para o crente falar em línguas é de forma
contida que só o indivíduo (falando) e Deus (ouvindo) participam. O falar em línguas de forma exposta e
audível, em um culto público, é válido quando houver um interprete (14.5). Caso contrário, as línguas
estranhas serão apenas consideradas um sinal de condenação para os incrédulos. “De sorte que as línguas
constituem um sinal não para os crentes, mas para os incrédulos; mas a profecia não é para os incrédulos,
e sim para os que creem” (14. 22). Para corroborar o seu pensamento, Paulo havia citado uma passagem
de Isaias 28.11, 12. “Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de
outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor” (1Co 14.21). O contexto dessa passagem do livro de
Isaias era uma mensagem de Deus que seria anunciada em outro idioma para que os habitantes de Judá
não entendessem para sofrerem o juízo do Senhor. Com o uso dessa passagem o apóstolo estava dizendo
que, se os crentes continuassem falando em línguas estranhas, os incrédulos nunca iriam entender a
mensagem do Evangelho e sofreriam o juízo. A mensagem inteligível é o caminho mais correto e
proveitoso para o homem entender e crer para ser salvo e livre do terrível juízo do Senhor. Então, a
profecia seria uma mensagem proclamativa (pregação do Evangelho), quanto preditiva (sobre o futuro). O
que importa para Paulo é compreensão delas.

Os dons do Espírito não são para promover alguém, mas para glorificar a Cristo Jesus na edificação da
Igreja. Pois, o Espírito veio com o propósito primário de evidenciar o Filho de Deus. A terceira pessoa da
Santíssima Trindade é chamada por Jesus de paracleto. Termo este que as bíblias em suas versões
traduziram para “consolador” (Jo 14.26). A maneira como os tradutores resolveram traduzir deve está
baseada no contexto que os discípulos ficariam tristes com a ida de Cristo para o Pai, ou pelo motivo que
eles sofreriam perseguições (Jo 16.1-5). Se a escolha da palavra “consolador” está pautada nessas
sugestões, porém, os tradutores se esqueceram de que elas não são o ponto primário da ideia do autor,
mas o ponto chave da passagem, com relação o objetivo da vinda do Espírito, é falar e glorificar o Filho
de Deus (Jo 16.14). O significado do termo grego paracleto não se resume apenas em consolador, tem
também o sentido de “advogado”. Visto que, na Primeira Epistola de João o termo paracleto quando
usado para Jesus é traduzido justamente como “advogado” (1Jo 2.1). Se o sentido primário do Espírito é
glorificar e falar a respeito do Filho, pois, é válido afirmar que Ele seja o advogado de Cristo neste mundo
na intenção de testemunhar e testificar toda a verdade a respeito do Filho de Deus (1Jo 5.6). Portanto, os
dons do Espírito têm o mesmo escopo de apontar e evidenciar a pessoa do Filho na definição de edificar a
Igreja em Cristo.

O cristão precisa seguir a ordenança de Paulo em procurar com zelo os dons (1Co 12. 31). A igreja local
nesses últimos tempos necessita buscar incansavelmente os dons para sua própria edificação espiritual no
sentido de crescer no conhecimento de Deus e para a expansão do Reino de Cristo no coração dos ímpios.

Os dons do Espírito devem ser usados na esfera do amor. Paulo disse: “Procurai com zelo os melhores
dons; e eu vos mostrarei um caminho mais excelente” (1Co 12.31). Se os irmãos buscassem os melhores
dons, que caminho seria esse que ele mostraria para congregação? A resposta está no capítulo 13, pois,
nesse capítulo é apresentado o fruto do amor. Entende-se que os dons não podem ficar separados dos
frutos do Espirito. Caso alguém tenha todos os dons espirituais, mas se não estiver envelopado pelo amor
para Deus, nada serve. Quem exerce esses dons com amor não estará pensado no seu próprio interesse, e
sim no do próximo.

Portanto, todos os dons sejam eles espirituais e ministeriais têm o objetivo de servir. Cristo não veio para
ser servido, e sim veio para servir de todas as formas, curando, dando assistência social e se entregando a
morte de cruz com afinco de dar a vida eterna aos homens (Mt 20. 20-28). Todo cristão deve servir com
humildade.

Os dons espirituais e ministeriais mostram que o divino e o humano estão sempre envolvidos. Isso é visto
em outros contextos como Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem, a Bíblia é inspirada
por Deus e escrita por homens, a Igreja é espiritual e ao mesmo tempo física. Essa ideia parte do
pressuposto que desde princípio a imagem de Deus é refletida através dos homens para a glória do seu
nome (Gn 1.26). Os reis de Israel eram chamados de deuses. Não é que eles eram divinos no melhor
sentindo da palavra, contudo, só era uma linguagem para descrever que receberam autoridade da parte de
Deus para julgar com justiça (Sl 82.6). Os profetas representavam e refletiam a voz de Deus diante dos
homens. Em suma, os dons espirituais e os dons ministeriais são algumas das maneiras dos homens
refletirem a imagem do governo de Deus no mundo.

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