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A escolha desse vocábulo bíblico com referencia à igreja como povo de Deus
é uma tentativa de resgatar o seu valor, sua relevância e o seu emprego para os dias
de hoje acerca da igreja, intencionando o retorno a uma terminologia mais plena,
pura, bíblica e ecumênica.
Esse conceito não é uma expressão a mais da realidade eclesial, entre outras
características, mas sim o ponto de partida para uma nova compreensão da Igreja, da
qual dependem muitas outras.
2
- Contribuir para a compreensão de que povo de Deus não quer dizer massa
passiva e irresponsável, mas o povo de Deus é, acima de tudo, uma associação de
3
7
Gerhard LOHFINK, Como Jesus Queria as Comunidades? A dimensão social da fé cristã, p. 43.
5
CAPÍTULO I
O QUE É POVO DE DEUS NA BÍBLIA
1. Antigo Testamento
A linha principal da tradição do Antigo Testamento revela que Deus escolhe
das muitas nações que existem no mundo um único povo, que seja sinal de
salvação 10 , pois, na medida em que cumpre sua missão, as nações circunvizinhas vão
aprendendo e assimilando os valores do povo de Deus (Is 2:1-4).
Esse fato começa com uma família: em Abraão (Gn 17:1-8), num clã, num grupo,
num povo pequeno (Dt 7:7-9).
11
John BRIGHT, História de Israel, emite uma longa argumentação e interpretação sobre o termo:
“Hapiru”, p. 118-122.
12
Georg FOHRER, História da Religião de Israel, p. 26ss.
13
Tradução da versão: Tradução Ecumênica da Bíblia, TEB.
14
Norbert LOHFINK, Grandes Manchetes de ontem e de hoje: O Antigo Testamento e os grandes
temas de nossos dias, no capítulo “Povo de Deus” defende a tese que em vez de chamar “povo de
Deus” deveria ser “família de Iahweh”. Utiliza-se da estatística para prová-lo. Afirma que no Antigo
Testamento ocorrem nada menos do que 354 amostras de “povo de Iahweh” contra somente 2 de
“povo de Deus”. Cada povo era povo de um determinado deus, ou que cada deus possuía um povo (2
Cr 32:14-17). Outro autor elabora um trabalho extenso sobre o conceito: am Iahweh - laos tou
Theou é Medard KEHL, A Igreja, uma Eclesiologia Católica, p. 271-272.
15
Gerhard von RAD, Teologia do Antigo Testamento, p. 26, afirma que “povo de Israel” é um
anacronismo. Israel é a confederação sagrada de tribos, constituída na Palestina, após a tomada da
terra. Antes disso, não se pode falar de um “povo de Israel” numa perspectiva histórica.
8
Da mesma forma que Abraão, seus descendentes (Êx 6:7; Lv 26:12; 29:12; 2
Sm 7:24; 11:4) deveriam lembrar-se constantemente de que sua eleição e chamado
não se baseavam em seus próprios méritos, mas na iniciativa de Deus em amá-los e
chamá-los dentre as nações visando um propósito (Dt 7:6-8).
Javé elegeu 16 seu povo como instrumento a seu serviço para anunciar a
salvação aos povos de toda terra e conduzir o mundo inteiro no reconhecimento da
glória de Deus. A escolha de Israel como povo de Deus tinha como objetivo
testemunhar a glória do Deus criador, libertador e redentor de todas as nações.
Todavia, ser povo (am) de Deus não deve levar ao egoísmo religioso ou à
xenofobia; somente pode haver uma configuração autêntica de obediência à fé e ao
serviço para a salvação dos povos. Não se vive para si mesmo, senão somente para
Javé e, deste modo, para outros povos (goyim). 17 Assim, esta eleição e este chamado
podem ser entendidos não como um mero privilégio, mas como uma responsabilidade
para com as nações da terra.
Por isso dize aos filhos de Israel: Eu sou o Senhor. Eu vos farei
sair das corvéias do Egito. Libertar-vos-ei da sua servidão. Eu
vos reivindicarei com poder e autoridade. Tomar-vos-ei como
meu povo, e para vós eu serei Deus. Conhecereis que sou eu, o
Senhor, que sou vosso Deus; aquele que vos faz sair das
corvéias do Egito (Êx 6:6-7 18 - grifo nosso).
16
A. R. HULST, “Pueblo”. In: C. Westermann; E. JENNI, (Ed.). Diccionario Teológico Manual del
Antiguo Testamento, p. 373-416, Tomo II, afirma que não foi a eleição, mas sim a redenção que fez
de Israel povo de Deus. A eleição é fruto de reflexão posterior, cfe Dt 7:6-8.
17
A. R. HULST, “Pueblo”. In: C. Westermann; E. JENNI (Ed.), op. cit., p. 4l2.
18
TEB.
9
aliança convosco (...) porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não
vos aborrecerá. Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv
26:9-12).
Israel, portanto, tornou-se o povo escolhido dentre todos os outros povos, era
propriedade exclusiva de Javé. Israel tornou-se o povo de Javé, com o qual Deus fez
uma eterna aliança que se assenta, do início ao fim, na fidelidade de Javé. 19 Seu
conteúdo será eternidade irrevogável (Êx 32:13; Lv 26:42; Dt 4:31). Esse povo,
segundo Stenzel, realiza “assim o seu dogma nacional, o indissolúvel complexo
étnico-religioso de ser o povo de Deus”. 20
19
Hans KÜNG, A Igreja, v. 1, p. 170-178.
20
cfe Alois STENZEL “A Igreja”. In: J. FEINER, & M. LOEHRER, A Estrutura Sacramental da
Igreja, IV/4, p. 9.
21
Russel P. SHEDD, Fundamentos Bíblicos da Evangelização, p. 19.
22
A. STENZEL, op. cit., p. 10.
10
Deus para a presença dos ídolos (Jr 5:19; 18:15; Ez 14:5-6). Seus líderes e juízes
tornaram-se corruptos, favorecendo o rico e oprimindo o pobre (Is 3:14-15; Am 2:6-
8; 5:7,10-12; Mq 3:1-4,9-11). A desigualdade econômica e social prevaleceu (Is 5:8;
Am 4:1; Mq 2:1-5). Seus pastores eram falsos (Mq 3:5-8,11).
2. Novo Testamento
Se a história do povo de Deus no AT começa com um homem, Abraão, assim
também no NT com Jesus Cristo.
com Todo-Israel.
A constituição dos doze é uma das indicações de que Jesus se dirige a Israel.
O grupo dos discípulos não foi concebido como substituto ou sucessor de Israel, mas
devia estar aberto e orientado para Israel. Ele deveria prefigurar o Israel
escatológico; ele deveria representar, como sinal, aquilo que em si deveria ter
acontecido em todo-Israel. 27
27
G. LOHFINK, op. cit., p. 112.
28
Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 153.
29
G. LOHFINK, op. cit., p. 105-6.
30
George E. LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 499; H. Küng, op. cit., V. 1, p. 162.
13
É evidente que Paulo não trata a Igreja como o verdadeiro Israel, expressa-o
indiretamente, trata-o como “Israel segundo o Espírito”, o mesmo vale para os outros
autores dos escritos do Novo Testamento (Tg 1:1). Esse passo teológico já foi dado
no século primeiro pelos autores dos evangelhos: “Por isso vos afirmo que o Reino
de Deus vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos” (Mt 21:43;
8:12; Lc 20:16).
Portanto, já não era mais necessário fazer parte da nação judaica para tornar-
se povo de Deus, apenas fé em Jesus Cristo era condição, sine qua non, suficiente
para isso. Agora, todos aqueles que crêem, quer judeus, quer gentios, fazem e podem
fazer parte do novo povo de Deus.
Reino de Deus (v. 19a). Paulo afirma que os gentios estavam separados da
comunidade de Israel, mas agora “já não sois mais estrangeiros ou peregrinos” são
considerados cidadãos do Reino. O Reino de Deus não é um reino terreno nem uma
estrutura espiritual, o Reino de Deus é o próprio Deus regendo o seu povo e
outorgando-lhe privilégios e responsabilidades. Judeus e Gentios pertencem
igualmente a esta nova comunidade inter-racial, governada por Deus, comunidade
esta que substituiu a antiga teocracia nacional do Antigo Testamento.
Família de Deus (v. 19b). Paulo muda de metáfora, passa do Reino para a
família. Em Cristo Jesus, judeus e gentios são mais do que cidadãos do mesmo
Reino, são filhos do mesmo Pai e vivem como irmãos. Mais adiante Paulo afirmará
que só existe um Deus que é Pai de todos. Porém o que Paulo enfatiza aqui não é a
paternidade de Deus, mas sim a fraternidade entre judeus e gentios.
15
Templo de Deus (v. 20-22). Paulo chega agora a sua terceira imagem
metafórica. O templo de Jerusalém era o ponto central na identidade de Israel como
povo de Deus. Agora havia um novo povo, será que haveria também um novo
templo? Sim, havia um novo templo, mas esse templo não era feito de pedras, mas de
pessoas. Qual seria a função desse novo templo? É a mesma função do velho templo:
“ser habitação de Deus” (22). Deus vive nesse povo, individualmente e também na
comunidade. Por que essa diferença sobre templo entre o velho e o novo povo de
Deus? O novo povo não era uma nação, mas uma nova comunidade inter-racial e de
alcance mundial. Um centro geográfico não seria apropriado para este novo povo. A
medida que desenvolve a sua metáfora Paulo enfatiza as partes que constituem esse
templo.
O edifício ainda não está completo, mas está sendo edificado. Mas o povo de
Deus, a Igreja, será também a sua morada nos céus. Somente depois da criação do
novo céu e da nova terra é que uma voz do trono declarará definitivamente: “Eis o
tabernáculo de Deus com os homens” (Ap 21:3).
- O fracasso de Israel serve como advertência à Igreja. Assim como Deus não
poupou a Israel, também não poupará a Igreja descrente (11:20-22);
- A Igreja pode aprender com Israel sobre a fidelidade de Deus (11:29; 11:1;
11:12; 11:26s).
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo
de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as
virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
32
Este assunto: continuidade e descontinuidade entre Israel e a Igreja é exaustivamente explorado
e desenvolvido nos opúsculos: George Eldon LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 102-103;
Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento, p. 342; Werner H. SCHMIDT, Introdução ao
Antigo Testamento, p. 353.
33
Carlos René PADILLA, Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 89.
34
Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 180-185.
18
maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado
misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1 Pe 2:9-
10).
Observa-se os vários títulos destacados pelo autor, entre eles: raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo adquirido e comprado pelo preço de sangue para cumprir uma missão:
anunciar as grandezas dos atos poderosos de Deus com alegria no coração pois, outrora não
conheciam a Cristo, eram dominados pelos falsos valores do mundo, possuíam um caráter
mau e depravado; viviam nas trevas, dominados pelo poder do mal, não tendo
discernimento espiritual. Eram, desta forma, escravos dos seus próprios interesses
diabólicos; porém, agora, se tornaram luz e luzeiros para o mundo, após a conversão,
tornaram-se cidadãos do reino da luz.
Ser Igreja é ser povo de Deus, pois todos aqueles que obedecem seus
mandamentos tornam-se filhos de Deus e seus sacerdotes. A função sacerdotal de
Israel na antiga aliança era conduzir o povo até Deus. O sacerdote era a pessoa
consagrada a Deus, o intermediário entre o povo e Deus, o que dava as instruções,
mestres da lei, eram os responsáveis pelas ofertas oferecidas em sacrifício a Deus. O
sacerdote tinha muitas responsabilidades representando o povo diante de Deus.
Deus estabelece um padrão para Igreja, para seu povo; o padrão é obedecer
seus mandamentos e cumprir sua vontade. Ter uma vida comprometida com os
valores cristãos, pois somos um povo para servir ao propósito de Deus no mundo.
Todos temos um serviço a executar. Isso significa que: todos os crentes têm acesso
direto a Deus; os cristãos são sacerdotes uns para os outros; os crentes são sacerdotes
de Deus no mundo.
Em Gálatas 3:28 e 1 Coríntios 12:13, seu autor, Paulo, elenca algumas das
características que devem nortear a Igreja, como comunidade, que toma para si o
conceito de povo de Deus:
35
Ibid., p. 155.
36
Medard KEHL, A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, p. 33-5.
37
Heinrich FRIES, “A Igreja”, In: J. FEINER & M. LOEHRER, Modificação e Evolução Histórico-
Dogmática da Imagem da Igreja, V. IV/2, p. 52.
21
Conclusão
Deus confiou uma missão ao povo de Israel, no entanto, este fracassou pela
sua desobediência e apostasia, embora, Deus havia revelado toda a sua vontade em
fazer de Israel um sinal de sua presença e bondade a todos os povos.
38
Medard KEHL, Ibid., p. 88.
39
Martinho LUTERO, Obras Selecionadas, V. 4, p. 62.
22
CAPÍTULO II
A NOÇÃO DA IGREJA NA TEOLOGIA CRISTÃ
históricas do momento em que a igreja perdeu a noção de ser para ter. O monge
Martinho Lutero percebeu o distanciamento existente entre a organização engessada e
hierarquizada e o organismo da Igreja.
Para o reformador João Calvino, a Igreja deveria ser uma comunidade onde
houvesse o estímulo e o encorajamento para o exercício da fé e da obediência, e sua
qualidade maior deveria ser norteada pela “comunhão dos fiéis”, mesmo que
implicasse uma vivência em meio à lutas, privações e perseguições. 41
Lutero, por seu turno, entende a igreja não propriamente como Povo de Deus,
mas como a comunhão dos crentes ou “comunhão dos santos”, como aparece no
terceiro artigo do Credo Apostólico, refletindo a unidade da fé, compartilhada por
todos da comunidade. Portanto, a pertença à Igreja é uma questão de fé. E essa
comunhão entre os fiéis era fruto do Espírito Santo, assim, desqualificava qualquer
conceito institucional para Igreja. Lutero entendia a Igreja como uma união mística,
espiritual e invisível. Conceito novo e revolucionário para o seu mundo.
41
Juan CALVINO, Institucion de la Religion Cristiana, IV, I, 3.
42
Juan CALVINO, op. cit., IV, I, 2,7.
25
Não obstante, Emil Brunner entende e defende que a Igreja tanto é visível
quanto invisível e discute sobre o papel da mesma na salvação e na vida comunitária.
Demonstra que a Igreja no Novo Testamento é a manifestação da presença do Cristo
e que torna-se revelação e salvação divina em ação. Não a vê como um meio para
atingir um fim; descreve-a ainda como nada mais do que um comunhão de pessoas.
Uma pessoa não crê antes da comunhão, visto que a fé vem pelo ouvir,
portanto, não podendo ser salva de forma isolada ou solitária, pois a verdade e a
comunhão são vistas como a mesma coisa. Por isso, a Igreja possui um papel
relevante nesta comunhão, tanto vertical quanto horizontal. Esta última traz o amor
do Pai como o vínculo da perfeição, que é a essência da comunhão dos que
pertencem à ecclesia.
Brunner apresenta a Igreja como povo de Deus, povo eleito que era também a
legítima descrição de Israel, ligando o velho pacto com o novo. A diferença entre os
pactos, segundo ele, do modelo da Igreja com o do povo de Deus do AT é
reconhecido sob três formas: as leis cerimoniais e rituais de Israel não são mais
válidas no NT; a clara discriminação do velho pacto entre membresia de uma nação
ou raça e membresia de uma comunidade de crentes; a última, é o fato das leis civis
prescritas para Israel como uma entidade política nacional não são mais relevantes.
43
Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, p. 197-199.
44
Emil BRUNNER, O equívoco sobre a Igreja, p. 92.
26
Por fim, o fato de Jesus ter fundado a ecclesia é vista como de pouco
importância, visto que a Igreja está em qualquer evento enraizado Nele e interpretado
por Ele. Ele é a cabeça do seu corpo que é a ecclesia. Desta forma, a comunidade de
Jesus é o verdadeiro povo do pacto, cuja história inicia do velho pacto, mas atinge
sua realidade através da presença viva do Senhor ressurrecto; por isso, a igreja nada
mais é do que o povo Deus, morada do Espírito, não sendo meramente uma
instituição, mas corpo vivo de Cristo. 45
45
Emil BRUNNER, O equívoco sobre a Igreja, p. 13-29.
46
E. BRUNNER, op. cit., p. 81-125.
47
Heinrich SCHLIER defende a tese de que a Igreja, enquanto Povo de Deus “em Cristo”, mantém
uma continuidade com o Povo de Deus, que é Israel. “Igreja”. In: Johannes FEINER & Magnus
LOEHRER, Compêndio de Dogmática Histórico-Salvífica, V. IV/1, p. 126-129.
48
John H. ELLIOTT, Um lar para quem não tem Casa, realiza uma excelente exegese sociológica,
baseada na Primeira carta de Pedro, sobre a Igreja, como comunidade dos fiéis, onde o “estranho”
não está mais isolado e alienado, mas é irmão.
27
Nesse contexto, admite-se que existe uma certa tensão entre Israel e a Igreja.
De um lado, Deus não revogou suas promessas à Israel e, a Igreja é a continuação
legítima, na história da salvação cujo processo começou na criação de Israel, que
Deus elegeu para ser seu povo; por outro lado, a Igreja é uma criação nova 49 , uma
entidade espiritual originada pelo sangue de Jesus, composta por muitos povos, na
qual participam todos, judeus e gentios, homens e mulheres, escravos e livres,
segundo a distribuição dos carismas pelo Espírito. 50
humanidade.
Este tema está tão fortemente arraigado no espírito de Paulo, que dele fez um
símbolo interpretativo do crescimento da comunidade cristã, uma realidade a ser
edificada à maneira como a Igreja é compreendida no ministério de Jesus (Ef 2:19-
22).
54
Comungam a tese de que a Igreja é continuação entre Israel e o novo Israel, a Igreja: Ênio J. da
Costa BRITO, em O Leigo Cristão no Mundo e na Igreja, referindo-se sobre as teses de Yves M. J.
CONGAR, p. 51. George E. LADD, Teologia do Novo Testamento, não concorda que a Igreja é a
continuação do povo de Israel. Sua tese é que o Reino é tirado de Israel e dado a outros - a ekklesia
de Jesus (Mc 12:9). Israel já não é mais a testemunha do Reino de Deus: a Igreja assumiu o seu
lugar, p. 108-110.
29
55
Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, O Ministério Leigo : uma perspectiva histórico-missiológica, p.
112.
56
Ibidem. Ver ainda Walter ELWELL, Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã. O
mesmo afirma que bispo significa superintendente, posição de liderança ou pastor do rebanho, p.
196.
57
Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 36. O termo ‘católica’ quer dizer universal; esta fôra uma
federação ou associação de igrejas que eram ligadas por um acordo formal com três aspectos:
Uma só forma de governo, bispos presbíteros diáconos; Pela adoção de um só credo; Por todos
reconhecerem e receberem uma só coleção de livros do Novo Testamento.
58
Yves CONGAR, Apud, Antônio José NASCIMENTO, Fides Reformata, op. cit., p. 112.
30
Sergio Paulo Lyra argumenta que a Igreja passa a chamar-se Igreja Católica
Romana, onde o bispo de Roma passa a ter supremacia sobre todos os outros bispos,
tornando o ritual da Igreja cada vez mais sofisticado, distanciado do povo,
centralizando assim o poder. 62
A partir das idéias acima não é difícil entender a importante observação que
John Driver fez da importância do clero como algo que contribuía para o bem estar
público e reforçava o imaginário simbólico da figura do religioso. 64 Até hoje
59
Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, op. cit., p. 112.
60
Earle E. CAIRNS, O Cristianismo Através dos Séculos, p. 93-94 Ver: W. WALKER, História da
Igreja Cristã, p. 124-125. Os clericos distinguira-se claramente dos leigos, cresce o valor dos
bispos, diáconos presbíteros.
61
Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, op. cit., p. 112.
62
Sérgio P. R. LYRA, op. cit., p. 112. Roma fôra o centro tradicional de autoridade para o mundo
romano; os bispos receberam poder judicial civil, além das exclusivas autoridades eclesiásticas;
seu poder é efetivo na solução de crises políticas e espirituais, levando ao leigo à tornara-se
apenas cidadão, ofertante e aprendiz submisso à Igreja.
63
M. VOLKMANN, “Teologia prática e o ministério da Igreja” In HARPPRECHT, C.S. (org).
Teologia prática no contexto da América Latina. p. 87-88.
64
John DRIVER, Contra a corrente – ensaios de eclesiologia radical, p. 34.
31
Um dos ideais da idade média era constituir um império governado por Roma
que alcançaria o mundo; neste império havia um código, cujas leis se destinavam a
regular os atos humanos e enquadrá-los em uma forma de culto, onde o sacerdócio
era exaltado. Este sistema fez do sacerdote o soberano da vida, elevando-o sobre os
demais. 67
65
Earle E. CAIRNS, op. cit., p. 94. A Igreja Católica Romana por séculos considerou o papa,
bispos, monges, padres, como uma classe diferenciada de pessoas, priorizado o clero ou
participantes do estado espiritual em detrimento dos demais, que faziam parte do estado
temporal.
66
Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 52.
67
David SCHAFF, Nossa Crença e a de Nossos Pais, p. 48.
32
3.3.1. O clericalismo
68
Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 37. Ver. R. N. CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia
Teologia e filosofia, p. 782.
69
J. Christian BEKER, Apud, Antônio José do NASCIMENTO, Fides Reformata, op. cit., p. 112.
Ver ainda R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 935-942.
70
M. VOLKMANN, Teologia prática e o Ministério da Igreja. In: C. S. HARPRECHT, Teologia
Pratica no contexto da América Latina, p. 80.
71
Peter EICHER, Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 450.
72
R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 771.
73
Walter A. ELWELL, Enciclopédia Histórico teológica da Igreja Cristã, p. 290.
74
Luiz Henrique Solano ROSSI, Libertando o Leigo para o Trabalho, p. 2. Ver: Walter ELWELL, op. cit., p.
290. Este termo era usado para referencia aos oficiais ordenados, aumentando a rivalidade das classes.
33
3.3.2. O laicato
Historicamente, o termo laicato veio a ser aplicado àqueles que não são
75
W. WALKER, op. cit., p. 124-125. Ver: R. N. CHAMPLIN. op. cit., p. 771. A palavra portuguesa clero veio a
significar o grupo inteiro de homens separados mediante ordenação, para serem os líderes da Igreja.
76
Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 112. Ver Peter EICHER, op. cit., p. 450. Ocorrera mais
dualidade entre clero e leigo, agora transferindo-se para o nível religioso e ascético moral, todo
clero torna-se homens espirituais, e o povo leigo fica conhecido como carnais.
77
Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410.
78
Luiz Henrique Solano ROSSI, “Em nosso contexto brasileiro a palavra leigo significa alguma
coisa que tem que ver com a ausência de conhecimento, ignorância em determinado assunto”, op.
cit., p. 2.
79
Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410.
80
R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 782.
34
86
Earle E. CAIRNS, op. cit., p. 224. Destituindo assim o poder que operava nas mãos da igreja.
87
Antonio José NASCIMENTO Filho. O Laicato na Teologia e Ensino dos Reformadores, p. 12.
88
Paul TILLICH, História do Pensamento Cristão, p. 227.
89
R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 926-927.
90
Paul TILLICH, op. cit., p. 241. A vida de Lutero fôra desafiando o papa, abrandando os
camponeses, intervindo em crises políticas, ensinando, pregando e debatendo assuntos eclesiais.
36
O âmago da teologia de Lutero era que “em Jesus Cristo, Deus deu-se a si
mesmo, absolutamente sem reservas, para nós. Lutero, afirmava que a Bíblia é a
Palavra de Deus, e nela está contida a mensagem de Cristo, a expiação, o perdão dos
pecados e a dádiva da salvação”. 92
Lutero luta por uma Igreja do povo, onde Deus seria acessível a todos e não
apenas ao clero, afirmava que o papado havia se apropriado indevidamente de uma
prerrogativa que pertencia apenas a Deus. Assim, a Palavra de Deus não deveria estar
cativa à um grupo distinto de homens, mas a todo povo de Deus. 95
Luta pelo direito e o dever de cada cristão para que o mesmo exercite sua
função profética. Para Lutero, nós que estamos no reino de Cristo, não estamos
confinados a uma ordem eclesial; a um lugar ou uma tribo, todos somos chamados à
91
Timothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 53.
92
Ibid, p. 61.
93
Ibid, p. 87.
94
H. BETTENSON, op. cit., p. 293. “Segue-se, portanto, que entre leigo e sacerdote, príncipes e
bispos, não mais há distinção entre estados temporais e espirituais, a única diferença é a do ofício
e função”.
95
Timothy GEORGE, op. cit., p. 89. Esclarece que todo cristão é livre para ser como Cristo e para
seguir o exemplo de Cristo, cada Cristão deveria louvar, glorificar e dar graças à Deus.
37
adoração e ao serviço. Baseando-se em I Pedro 2:9-10 afirma: “Uma vez que todos os
cristão são chamados das trevas, cada um tem o compromisso de declarar o poder
daquele que nos chamou (...). Cristo deu a cada um o direito e poder de avaliar e
decidir, exortar e pregar”. 96
Para Lutero, todos os cristãos fazem parte do ministério de Cristo e ainda que
todo serviço, todo ministério que é realizado em prol do Reino de Deus por qualquer
cristão que seja é aceito e aprovado diante de Deus, não havendo diferença em
importância, nem em classe, mas sim em serviço.
96
Martinho LUTERO, Apud: Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 128.
97
Timothy GEORGE, op. cit., p. 96. Lutero não podendo concordar com a doutrina e a existência
do clero declara que Cristo é o único mediador, e que na igreja todos são sacerdotes, todos
tinham o direito de ler, ser ensinado mesmo sem a necessidade de um sacerdote ordenado.
98
Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 117, afirma que “Porém nenhum de seus ensinos é tão
mal interpretado como este. O que Lutero deixa claro é que a essência de sua doutrina se baseia
em que todo cristão é sacerdote de alguém e somos todos sacerdotes uns dos outros”.
99
Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 113.
100
Ibid, p. 117.
101
Solano Portela NETO, A mensagem da Reforma para os dias de Hoje, p. 2.
38
Lutero luta por romper com a tradicional divisão da igreja em duas classes
“clero e laicato”, afirma que cada membro tem parte igual no sacerdócio e isto
significa que os ofícios sacerdotais “são propriedade comum de todos os cristãos, não
há prerrogativa especial de uma casta seleta de homens santos. Para Lutero, baseado
em 1 Pedro 2:9, o sacerdócio de todos os cristãos é tanto uma responsabilidade
quanto um privilégio, um serviço tanto quanto uma posição”. 102
102
Timothy GEORGE, op. cit., p. 97, alude que Lutero não rejeitou a ordenação de ministros da
palavra e suas responsabilidades sacramentais, sua grande rejeição era em assumir que um
sacerdote, missionário, bispo ou monge por estarem totalmente envolvido com atividades
religiosas, eram pessoas mais próximas de Deus e distintas das demais em autoridade e santidade.
Ver: Sérgio Paulo R. LYRA, op. cit., p. 112.
103
Vicent J. DONOVAN, apud. Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 118.
104
Leonardo BOFF, Igreja, carisma e poder, p. 218.
39
A relação entre o Reino de Deus e a Igreja pode ser demonstrada nas atitudes
de Jesus. Padilla afirma: “A ênfase central do Novo Testamento é que Jesus veio para
cumprir as profecias do Antigo Testamento e que, em sua pessoa e obra, o Reino de
Deus tornou-se realidade presente”. 109
Embora a Igreja não se eqüivale ao Reino, ela manifesta sua forma de ser
através de sua vida, e proclama a respeito de sua vinda pela evangelização. Porém, a
consumação do Reino não será pela mediação da Igreja, mas pela atuação divina que
se vale do serviço e pregação da comunidade de Cristo, e que vem em contraste com
toda a injustiça e miséria do mundo.
Diante disso, em primeiro lugar, Jesus não assumiu o seu ministério com o
propósito de iniciar um novo movimento, reconheceu a Israel, a quem o pacto e as
promessas foram dados, como os naturais “filhos do Reino” (Mt 8:12; 10:5-6). Sua
missão foi a de proclamar ao povo de Israel que Deus estava agindo naqueles dias a
fim de cumprir as suas promessas e conduzir Israel ao seu verdadeiro destino.
109
C. René PADILLA, Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 197.
110
John R. W. STOTT. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, p. 422-424.
111
Idem, p. 424.
41
discípulos foram considerados como agentes instrumentais do Reino, pelo fato de que
as obras do Reino terem sido realizadas por eles como se fossem realizados pelo
próprio Jesus. Pregavam o Reino, mas também curavam os enfermos e expulsavam
demônios (Mt 10:8; Lc 10:17).
Mais: a Igreja, como povo de Deus, dará evidencias de que o Reino de Deus
está presente histórica e concretamente no mundo na medida em que compreende que
torna-se o “corpo” onde os conceitos absolutos deste mesmo Reino - a liberdade, a
justiça, o amor, a solidariedade - possam encarnar historicamente. Os valores do
Reino de Deus precisam ser corporificados. E, essas corporificações são as
materializações da presença de Deus. “A igreja não pode dispor desta
presencialização de Deus, através de sua palavra e de sua ação humana”. 114 A Igreja,
como povo de Deus, deve manifestar e ser a manifestação corporificada da presença e
112
Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 160
113
Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 138; C. René PADILLA, afirmou: “Ela não deve ser equiparada
com o Reino, mas tampouco separada dele. Seu propósito é refletir os valores do Reino, aqui e
agora, pelo poder do Espírito Santo”, op. cit., p. 202.
114
Johannes FEINER, A presencialização da Revelação pela Igreja, p. 13
43
Conclusão
Entendemos que é totalmente válida, relevante e atual a perspectiva
eclesiológica sobre a natureza da Igreja como povo de Deus. É uma prova de que
realmente a ação conscientizadora e libertadora de Deus pode agir em qualquer lugar,
circunstâncias e em qualquer tempo, até mesmo dentro dos muros da Igreja. Aliás, os
filhos de Deus deveriam ser os primeiros a experimentar a integridade da realidade
libertadora de Deus, mediada pelo sacrifício vicário de Cristo.
Esta divisão humana entre cleros e leigos, sagrado e profano, santo e imundo,
favorece somente aqueles que detém o poder, mas uma boa teologia destrói o
pensamento desses que intitulam-se os escolhidos, eleitos e perfeitos, afirmando que
Deus age também naqueles que muitas vezes nós esquecemos e desprezamos. A
esfera da ação de Deus é o mundo e, não necessariamente, a Igreja. Somos desafiados
a proclamar essas verdades, também, a esses excluídos tendo como exemplo a vida de
Jesus, e, nele, imitarmos a sua práxis libertadora.
115
Flávio Braga FACCIO, Os sinais do Reino de Deus na História, p. 28
116
Herbert HAAG, Teologia Bíblica, p. 212.
44
1. Missio Dei
1.1. Antropocêntrica
Na primeira parte da passagem bíblica supra (v. 6) destacamos o primeiro
ponto que nos ajuda a entender e formular um parâmetro missiológico:
antropocêntrico.
uma nova etapa na história da salvação, fornecendo energia operante, força motriz, e
capacitação para realizar as intenções e propósitos de Deus. 117
O Espírito inicia e guia a missão, e fornece o poder para realizá-la. Por fim, a
iniciação e direção do Espírito na missão representam a vontade de Deus para a
salvação universal, manifestada em Cristo, e agora completada através da agência da
Igreja. Atos 1:8 estabelece isso com o anúncio do testemunho a partir dos judeus para
todas as nações da terra. 118
117
Júlio Paulo Tavares ZABATIERO, Poder e Testemunho – Missões em Atos 1 e 2. In: C. Timóteo
CARRIKER (org). Missões e a Igreja Brasileira, p. 82.
118
David J. BOSCH, Missão Transformadora, p. 113-115.
48
Jesus mostrou que o Reino de Deus era para aqueles que nada puderem fazer para
ganhar cidadania no Reino, senão depender da misericórdia de Deus, enquanto que,
os que se julgavam os administradores do Reino, eram rejeitados. Desta forma, a
missão novamente é missio Dei, pois pressupõe a ausência de qualquer mediação
humana e a soberania de Deus para sua realização, e também representa a
preocupação de Deus na integralidade de cada indivíduo. Em outras palavras, o
evangelho é integral. Representa uma proposta divina para a salvação espiritual e a
transformação material que valoriza as necessidades sociais, econômicas, físicas e
emocionais de todos.
2. Missio eclesiae
A missão da Igreja (missio eclesiae) obedece ao modelo ministerial de Jesus
na encarnação. Atos 1:8 é nada mais do que representação do agir salvífico de Jesus,
por agência humana, que ultrapassa barreiras culturais, nacionais e sócio-econômicas
para tornar o Reino de Deus universal. O testemunho dos discípulos, pelo dynámis do
Espírito, era o anúncio dos eventos histórico-salvíficos, com seus significados, em
“(...) toda a Judéia e Samaria e até aos confins do mundo”. Importância igual é dada
à evangelização de Jerusalém, Samaria, e das demais nações.
A Igreja, como povo de Deus, pode e deve ser uma comunidade de eleitos
que adora e glorifica a Deus servindo ao próximo; que vive em comunhão fraterna e
solidária com os seus, que acolhe os excluídos, que proclama a mensagem libertadora
de Cristo mediante a instrumentalização do Espírito Santo que os torna,
verdadeiramente, povo missionário de Deus.
Sejam quais forem as verdades que a Igreja proclame, o Povo de Deus deve
distinguir-se sempre como a comunidade de homens e mulheres que confessem o
Senhorio de Jesus Cristo, que vivam sob a proteção e inspiração do Santo Espírito e
se comprometam, como membros, e assumam seu compromisso e sua missão em prol
do Reino de Deus. 121 Deixará de ser Igreja quando Jesus não for mais reconhecido
como o Senhor, como o modelo-mor para a vida humana e a história. 122 A Igreja
primitiva distinguia-se por sua proclamação e confissão de que “Jesus Cristo é o
Senhor” tanto nos cultos (intra muros) quanto na sociedade (extra muros).
121
Este aspecto é especialmente desenvolvido por José Míguez BONINO no seu Livro: Ama e Fazes
o que Quiseres, 1982, onde elabora um extenso trabalho sob a ética cristã. O Povo de Deus deve
estar consciente da nova ordem, do mundo novo, em Cristo com o advento do seu Reino.
122
A literatura é muito rica sobre o assunto: Senhorio de Cristo. Veja as acertadas reflexões do Dr.
Alberto F. ROLDÁN, Señor Total, Publicaciones Alianza, 1998; Dionísio PAPE, Cristo é o Senhor.
ABU, 1976.
123
A tríade ministerial da Igreja é tratada exaustivamente por muitos tratados bíblico-teológicos.
Nosso propósito não é tratar o assunto conceitualmente, mas, tão somente, tematicamente.
124
C. H. DODD, Segundo as Escrituras, p. 7-23; Johannes FEINER, Revelação e Igreja, p. 119-134,
trabalham com competência e esmero a conceituação e aplicação do termo “querigma” na vida e na
práxis da Igreja.
53
No entanto, essa tríade não pode ser entendida como aspectos distintos,
antes, se complementam, refletindo uma única realidade: o caráter integral da obra
redentora da Igreja no desempenho de sua missão.
mensagem que a Igreja tem que proclamar: Jesus Cristo. A Boa Nova é a libertação
que Cristo trouxe e oferece aos homens e mulheres que nele crêem.
É nesta aspecto que a Igreja possui um papel fundamental, pois a ela como
povo de Deus, cabe a responsabilidade do Kerigma, ou seja, da proclamação do
evangelho e das boas novas: Cristo Jesus. Hoje ainda Jesus está pregando ao mundo,
através dos lábios dos seus seguidores.
Boff expressa isto da seguinte maneira: “(...) uma Igreja do povo, com os
valores do povo, em termos de linguagem, expressão litúrgica, religiosidade popular,
etc”. 130
Segundo Van Engen, a Igreja existe para os outros, para a humanidade, Ela
se envolve com os oprimidos, não apenas evangeliza, prega e ensina, mas também
age. A missão visa fortalecer as igrejas, é uma nova concepção que identifica a
essência da mesma. No entanto, o testemunho é algo que deve ser levado em
129
Paulo FREIRE, no seu livro: Educação como Prática da Liberdade, elabora um excelente ensaio
sobre a necessidade do ensino, como instrumento pedagógico, com o objetivo de gerar vida e não
como um veículo de ideologias alienantes que somente mantém o status quo, e a ignorância da
massa empobrecida. A igreja, também, não foge dessa responsabilidade. Fica o registro: poderia-se
destacar a didaqué (ensino) como uma das dimensões do igreja, no entanto, o assunto é tão sério que
merece um tratamento especial abordando essa temática devido a sua relevância.
130
Leonardo BOFF, Igreja: Carisma e Poder, p. 208. Outro livro do mesmo autor: Eclesiogênese,
aborda o assunto sobre a gênese de uma nova Igreja. É a mesma igreja de Jesus Cristo, mas
concretizada dentro de um outro quadro, onde não existe mais a divisão entre clérigos e leigos.
Nesse livro, Boff também demonstra que as CEBs, são Igrejas. No entanto, as CEBs apontavam para
uma renovação na Igreja Católica, mas fracassou, pois, possuía apenas um crivo ideológico
(objetividade) e, agora, substituída pelo movimento carismático (subjetividade).
55
O Cristo vai à frente, e, os filhos da Igreja não tem outra alternativa senão a
de seguir o mestre. Servi-lo é juntar-se à sua obra de libertação no mundo. A
diaconia, portanto, está envolvida no ato de tornar a Palavra de Deus em ação
libertadora. No entanto, diaconia não é meramente um serviço social, mas significa,
sobretudo, que toda a comunidade cristã é uma comunidade chamada a servir.
131
Charles van ENGEN, Povo missionário, povo de Deus: Por uma redefinição do papel da igreja,
p. 142-143.
56
Esta dimensão da vida da Igreja tem seu próprio valor intrínseco, de acordo
com o exemplo e a mensagem de Jesus, mas também em valor instrumental no
fortalecimento do Povo de Deus para seu ministério e serviço no mundo.
Paulo retrata esse princípio afirmando que a Igreja é um corpo com muitos
membros, todos vivificados pelo mesmo Espírito e cada qual com sua função. Não
existe nenhum membro não carismático, vale dizer, ocioso, sem ocupar um
determinado lugar e função na comunidade: “cada membro está a serviço do outro
membro” (Rm 12:5). Assim, o verdadeiro serviço do Povo de Deus, aflora quando
homens e mulheres colocam o que são, o que têm e o que podem a serviço de Deus,
dos irmãos, do próximo, do pobre e dos excluídos. Referem ao Espírito Santo seus
dons e talentos e os fazem frutificar como dádivas de Deus em benefício da
humanidade. 133
132
Luis MOSCONI, Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, p. 25. Em outro livro: Evangelho
de Jesus Cristo segundo Marcos, novamente vincula o discurso de Jesus com sua prática, p. 17.
133
Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 238-239.
57
Genebra onde havia muita opressão aos pobres, altos impostos, vícios, prostituição,
analfabetismo e falta de assistência por parte do Estado, Calvino, aplica e organiza o
diaconato.
A Igreja não é o que muita gente pensa, uma espécie de clube 136 filantrópico,
spa espiritual, um lugar onde as pessoas pensam do mesmo jeito ou coisa semelhante.
Os membros vão à igreja por causa de Deus. Seus interesses e motivações extrapolam
os interesses e atividades humanas. Vão para adorar a Deus em comunidade,
celebrativamente, mas ao adorar a Deus, encarnam a dura realidade do próximo
servindo-os, para a glória de Deus.
134
Earle E. CAIRNS, O Cristianismo através dos Séculos: uma história ilustrada da Igreja Cristã, p.
264 e Thimothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 239
135
Valdir STEUERNAGEL, Obediência missionária e prática histórica, p. 178.
136
Charles van ENGEN, op. cit., p. 200.
58
Enfim, a Igreja precisa resgatar esse princípio de que não pode afastar-se do
mundo, isolando-se, mas também não pode assimilar os seus valores. Sua missão é o
seu serviço no e para o mundo. Stott conclui:
141
Este movimento é da inspiração de Donald McGAVRAN. Sua obra Compreendendo o
Crescimento da Igreja é um estudo valioso sobre a evangelização eficaz, embora que sua tese de
que as igrejas locais devem crescer segundo a divisão de unidades homogêneas representa uma
tendência demasiadamente pragmática. C. René PADILLA, em sua obra Missão Integral, traz
uma refutação teológica e exegética para contrabalançar as idéias deste movimento.
142
Juan Carlos MIRANDA, Manual de Crescimento da Igreja, p. 47.
143
Manfred GRELLERT, Dimensões da Missão da Igreja no Brasil, In; C. Timóteo Carriker (org.),
Missões e a igreja Brasileira, v. 3, perspectivas teológicas, p. 97.
60
144
Apud, John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 26.
145
Idem, p. 25-28.
146
Ibidem.
147
John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 28.
61
(as) palavras (de Jesus) explicavam suas obras e suas obras eram uma
manifestação concreta de suas palavras. (...) Afinal, as palavras só
deixam de ser abstratas quando se concretizam em atos de amor; e as
obras, de igual maneira, continuam sendo ambíguas, até que sejam
interpretadas pela proclamação do evangelho. 148
148
John R. W. STOTT, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, p. 385-386.
149
David J. BOSCH, op. cit., p. 283, 319-320. Este autor elabora a tensão entre o Fundamentalismo
e o Liberalismo (evangelho social), e narra a origem e história dos dois. O frei Leonardo BOFF
também discute o tema num livro-CD com o título: Fundamentalismo. No entanto, o frei analisa o
tema sob a ótica do radicalismo Islâmico e o Protestante.
150
David J. BOSCH, op. cit., p. 316-317.
151
Idem, p. 404.
62
152
David J. BOSCH, op. cit., p. 404.
153
Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 376-379.
154
David J. BOSCH, op. cit., p. 432-438.
155
Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 248.
156
Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, Como Fazer Teologia da Libertação, p. 39-46.
63
hermenêutica recebe mais influência das ciências sociais do que da Bíblia, com
destaque principal nas teses sociais e econômicas de Marx, Hegel e Kant. As ciências
fazem com que a Bíblia fale e, também, determinam sua mensagem. 157
157
Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 250.
158
Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, op. cit., p. 38.
159
S. J. João Batista LIBÂNIO, et al. 20 Anos de Teologia na América Latina e no Brasil, p. 20.
160
Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, op. cit., p. 48-50.
161
John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 92-95.
162
Harold O. J. BROWN, What is Liberation Theology? p. 15.
64
A Igreja como povo de Deus pode e deve ser uma comunidade de eleitos para
o serviço a Deus e ao próximo; que vive em comunhão com os seus, que acolhe os
excluídos, que proclama a mensagem libertadora de Cristo mediante a
instrumentalização do Espírito Santo que os torna, verdadeiramente, povo de Deus.
Gillis comenta:
Outro aspecto que merece ser destacado, pois é o que diferencia a igreja de
outras agremiações civis e comunitárias. É a sua dimensão missiológica que expressa
a ação de Deus no mundo, no passado, hoje e no futuro.
Qualquer missionário tem que ter os princípios e valores bíblicos como seu
instrumento de fé e prática, pois qualquer outro mecanismo torna impraticável fazer
missões. Podemos perceber essa mesma verdade nas palavras e na prática de Jesus
(Jo 5:17; 4:34; 15:16; 20:21; Mt 24:14; 28:18-20).
167
J. Scott HORRELL, op. cit., p. 22-23.
168
John STOTT, A Bíblia na evangelização do mundo, p. 01.
169
Aproniano Wilson de MACEDO, Teologia de Missões, p. 26.
67
A missão da Igreja não pode ser concebida como uma atividade, mas sim,
como a própria razão de ser e existir. A igreja não é um fim em si mesma. Foi
idealizada por Deus com um propósito distinto e definido, é o seu agente. A igreja
não existe para si mesma. Só tem sentido na medida em que está a serviço de Deus
no mundo. Tudo o mais deve girar em torno deste imperativo: missionar. Os
missionários surgem dentro da própria comunidade. 171 Missionário e comunidade são
correlativos e complementares. Sua esfera de ação é o mundo. Só assim a Igreja tem
sentido. Só assim, é verdadeiramente Igreja de Jesus Cristo.
Diante disso, a Igreja não é uma estranha no mundo e nem é sua inimiga. A
missão e função dos seus filhos, leigos e leigas, nos levam a pensar na Igreja como
serva do mundo. Assim como a redenção da humanidade passou pela necessidade de
Cristo tornar-se servo, também, para continuar a missão de Cristo, a igreja deverá
tornar-se serva e, com humildade, ir ao encontro dos necessitados.
Essa verdade fez com que Shelley fosse peremptório: “Devemos reentrar no
mundo de que saímos, só que agora como embaixadores de Cristo”. 172 Como isso
pode ser realizado? É o que veremos a seguir.
170
A. W. de MACEDO, op. cit., p. 27
171
José COMBLIN, Antropologia Cristã, p. 30.
172
Bruce SHELLEY, A Igreja: o povo de Deus, p. 126.
68
Charles van Engen exprime com singular capacidade o que significa ser povo
de Deus no mundo:
177
Alfons DEISSLER, O Anúncio do Antigo Testamento, p. 12.
178
James FARRIS, O que é teologia prática, In: Caminhado: Revista da Faculdade de Teologia da
Igreja Metodista, p. 92.
179
Leonardo BOFF, Nova Evangelização: Perspectiva dos Oprimidos, p. 88-89.
70
180
Leonardo BOFF, Ibid, p. 123 e do mesmo autor: América Latina: Da Conquista à Nova
Evangelização, p. 101. Neste opúsculo aparece uma História da Salvação a favor dos oprimidos e
até, às vezes, a partir dos oprimidos. Esta investigação nos ensina a importância de ler a Bíblia a
partir dos pobres, de vincular a teologia com a práxis libertadora, de repensar e respeitar a
pedagogia bíblica. Somente assim chegaremos ao novo Reino proposto por Cristo.
181
Odilon CHAVES, A Evangelização Libertadora de Jesus, p. 62-63.
71
CONCLUSÃO
Primeiramente, como aqueles que foram eleitos e chamados para ser parte
integrante do Povo de Deus, reside apenas na ação intencional que Deus teve um dia
para conosco; temos que reconhecer que esse fato reside tão somente na graça de
Deus. Como Povo de Deus precisamos aprender acerca do sentimento de Jesus
quando ora: “Não te peço para tirá-los do mundo; e, sim, para guardá-los do
maligno” (Jo 17:15).
Assim, como Israel, fomos eleitos e chamados não apenas para ser “depósito”
das bênçãos de Deus, mas principalmente “canal” para que estas cheguem a todo
72
Em terceiro lugar, uma vez compreendido nosso papel como veículos das
bênçãos de Deus aos povos da terra precisamos reavaliar nossas atividades e
estruturas eclesiais, tendo em vista uma postura missionária mais clara e objetiva em
relação ao povo brasileiro. Assim como os discípulos foram chamados para ir e dar
frutos, e frutos que permanecessem, nós também fomos chamados por Deus e
enviados a gerar frutos em nosso contexto vivencial (Jo 15:16).
Uma Igreja que evangeliza e uma Igreja que serve. São marcas unívocas da
182
Cfe Jorge PIXLEY e Clodovis BOFF, em Opção pelos Pobres, defende a tese que a proclamação
do Evangelho e os valores do Reino de Deus devem ser feitos, preferencialmente, pelos pobres.
Segundo esta visão os pobres aparecem como verdadeiros sujeitos. Com ele procura-se ter uma
relação basicamente simétrica e igualitária. São nosso irmãos, amigos, companheiros, enfim
parceiros de uma ação conjunta, p. 250; Leonardo BOFF, Teologia do Cativeiro e Libertação,
comunga da mesma tese quando afirma: o pobre apresenta-se como Teofania e Cristofania enquanto
ele é a memória permanente da Transcendência concreta que questiona todos os nosso arranjos , p.
198.
73
Boff defende a tese que a Igreja do futuro deverá ser a Igreja do passado.
Essa concepção é articulada sob a forma de que o povo de Deus é um povo em
missão libertadora que está em oposição à qualquer teologia que aliene o ser humano
do seu meio; de seus direitos, e, por conseguinte, promotora da não-vida, mas que
seja, acima de tudo, uma Igreja missionária, solidária e fraterna, que produza uma
teologia que promova a esperança e a vida. 183 A Igreja perde seus sinais de
veracidade quando não é uma comunidade marcada por fé, esperança, amor e a
procura livre da verdade.
183
Leonardo BOFF, Igreja, carisma e poder, p. 218.
184
George Eduardo LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 501.
185
O enfoque é ecumenicamente muito fecundo, porque o tema ‘A Missão dos Leigos como Povo de
Deus’ encontra ressonância entre a maioria dos católicos, protestantes e ortodoxos.
74
Existem uma série de atividades e ministérios nas Igrejas onde o povo de Deus
exercita seus dons e ministérios. Muitos modelos de grupos pequenos, caseiros e
discipulado nos quais celebram os atos salvíficos de Deus entre as pessoas, exercita-
se a fé e serviço em prol dos irmãos e da comunidade.
Diante disso, se Jesus não for levado a sério, a Igreja pode justificar sua
passividade. Se Israel que era “considerada” a oliveira boa e, por causa da
desobediência, foi rejeitada, quanto mais não rejeitará a oliveira brava, precisamente,
nós, a Igreja de Jesus Cristo. A complacência e a indolência da Igreja não serão
toleradas.
Se a igreja for fiel ao seu chamado e a sua missão como povo de Deus, vai
criar novos odres onde o povo de Deus possa atuar e viver de forma plena e integral
todas as riquezas de uma vivência cristã sadia e saudável.
76
BIBLIOGRAFIA
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