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MATTHEW Y. EMERSON
CHRISTOPHER W. MORGAN
R. LUCAS STAMPS
OS BATISTAS
E O RESGATE DA
TRADIÇÃO CRISTÃ
Em direção a uma
catolicidade batista
14
Walter R. Strickland II
Southeastern Baptist Theological Seminary
INTRODUÇÃO
A
catolicidade batista situa a identidade batista na tradição cristã mais
ampla. Este capítulo contribui com uma unidade permanente, ex-
plorando a desarmonia racial dentro da Convenção Batista do Sul
(CBS) e sua conexão com o desenvolvimento da Convenção Batista Nacio-
nal (CBN). Essa história transmite algumas dinâmicas que têm reforçado
a divisão racial dentro e no meio desses corpos eclesiásticos. Assim, essa
consideração serve como uma lição prática para se entender e perseguir a
unidade, ao mesmo tempo que permite a diversidade que honra a Cristo
dentro da vida batista. Estudar a relação entre os batistas do Norte e Na-
cionais também renderá princípios para forjar uma conexão mais próxima
entre os batistas e o corpo diverso de Cristo em geral.
A narrativa histórica é repleta de sucessos e fracassos, demonstran-
do o poder sútil de hábitos subconscientemente adotados de geração em
geração. Padrões diários herdados de famílias e amigos informam pres-
suposições que geram expectativas para que tudo se mantenha da forma
como está. Essa herança inclui uma matriz de ideias que deveriam ser
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10 Leroy Fitts, “The Exodus of Black Baptists”, cap. 2, em A History of Black Baptists (Nashville: Broad-
man, 1985). Esse capítulo está focado na segunda categoria de Fitts, porque seu alvo é descrever a tensão
racial dentro da CBS que levou a uma nova estrutura denominacional, a CBN. As associações batistas
totalmente negras começaram a surgir nos idos de 1830, no embalo da rebelião de Nat Turner. Os
estimados 150 mil batistas negros em 1850 começaram a se diluir em associações independentes, espe-
cialmente depois que as relações entre negros e brancos começaram a se tornar mais tênues, quando os
batistas se dividiram em 1845 em relação à questão de escravidão. As primeiras igrejas batistas negras
no Sul precederam a fundação da CBS, que oferecia aos negros um precedente antes desse evento. A
primeira congregação batista negra foi fundada em 1758, sobre o aplainamento de William Byrd, em
Mecklenburg, na Virgínia, e a segunda, a Igreja Batista de Silver Bluff, foi fundada pelo famoso George
Liele em Silver Bluff, na Carolina do Sul. Embora a data de fundação da Igreja de Silver Bluff seja muito
incerta, estima-se que foi fundada entre 1773 e 1775, apesar de a pedra angular da igreja afirmar que foi
em 1750. No Oeste, as primeiras associações negras começaram a se formalizar depois, porque a tensão
racial estava muito menos pronunciada do que no Sul. Veja Anne H. Pinn e Anthony B. Pinn, Fortress
Introduction to Black Church History (Minneapolis: Fortress, 2001), p. 68-69.
11 Veja McBeth, The Baptist Heritage, p. 390. Para uma explicação ampliada ou para localizar os procedi-
mentos do Primeiro Encontro Trienal da Convenção Batista do Sul, 1846, veja a p. 22.
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Além dos textos seletivos incluídos nas Bíblias moduladas pelos es-
cravagistas e nos catecismos pró-escravidão (como um que era conhecido
como o Catecismo de Caper), algumas passagens eram comumente trans-
portadas para se apropriar da fé cristã com fins sociais. A maldição de Cam
(Gn 9.18-27) era usada para defender que Deus, e não os homens, inau-
gurara a instituição da escravidão humana. Além disso, argumentava-se
que a maldição de Noé selecionara os negros para o serviço perpétuo aos
brancos. Em Êxodo, a dependência constante de um escravo para com seu
senhor foi ilustrada por meio do retorno de Israel à servidão, depois de
sua libertação do Egito.12 Aos negros, também se ensinava que o silêncio de
Jesus a respeito da escravidão, a despeito de sua prevalência na sociedade
em que ele viveu, era uma afirmação dessa prática. A instrução do apóstolo
Paulo aos santos para que permanecessem na situação em que se encon-
travam quando Deus os chamou (1Co 7.20) foi mal aplicada à escravidão,
apesar da clara referência de Paulo à situação civil. Adicionalmente, o livro
de Filemom era uma fonte comum para defender o que era referido como
o “mandato paulino” para a escravidão. Esses ensinos eram idealizados para
se cultivar uma fé escatologicamente focada entre os negros, e eliminar o
desejo deles por equidade social e direito eclesiástico com os brancos.13
A fé cristã que os negros abraçaram não dependia do ataque da teo-
logia pró-escravidão sobre eles nas igrejas batistas do Sul. Ao mesmo
tempo que os batistas negros se agarraram aos fundamentos do pecado, do
arrependimento e da santificação, as igrejas negras independentes, especial-
mente a instituição invisível, serviram como pontos de encontro para forjar
uma tradição teológica que respondesse mais apropriadamente à condição
e às preocupações dos negros.14 Os temas teológicos do Segundo Grande
Avivamento encontraram, crescentemente, expressão única entre os afro-
-americanos. Em particular, Christopher Evans cita uma expressão mais
12 Lester Scherer, Slavery and the Churches in Early America: 1619-1819 (Grand Rapids: Eerdmans,
1975), p. 66. Alguns dos abusos foram encontrados no prédio escolar pré-Guerra Civil.
13 James H. Evans, We Have Been Believers (Minneapolis: Augsburg Fortress, 1992), p. 39.
14 Pinn e Pinn, Fortress Introduction, p. 12.
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17 Albert J. Raboteau, Canaan Land: A Religious History of African Americans, Religion in American Life
(Oxford, Reino Unido: Oxford University Press, 2001), p. 68. Desenvolvimentos paralelos estavam
ocorrendo no metodismo. A igreja AME cresceu de um número modesto de vinte mil membros no
começo da Guerra Civil para quase quatrocentos mil em 1884. Veja C. Eric Lincoln e Lawrence H.
Mamiya, The Black Church in the African American Experience (Durham, NC: Duke University Press,
1990), p. 54. Outra denominação metodista predominantemente negra, a Igreja Episcopal Africana
Metodista Sião, cresceu em membresia de vinte mil para duzentos mil de 1860 a 1870, com o grande
volume de seu crescimento ocorrendo no Sul (Raboteau, Canaan Land, p. 68). Além disso, uma terceira
grande denominação metodista negra, a Igreja Episcopal Metodista Cristã, afirmou que sua membresia
excedia 103 mil pessoas em 1890 (Lincoln e Mamiya, Black Church, p. 63).
18 Um exemplo do paternalismo batista do Sul foi a Conferência de Fortress Monroe, em 1894. Esse
encontro dos delegados batistas do Norte e do Sul deveria amenizar as tensões remanescentes depois da
Guerra Civil, conforme ambos os lados teriam continuamente violado limites geográficos estabelecidos
no plantio de igrejas e em outros esforços missionários. Dos três acordos a partir da conferência, dois
envolviam o ministério com os batistas negros. Dado que dois terços da agenda da conferência diziam
respeito a esse assunto, é razoável que os delegados das igrejas batistas negras tivessem sido convidados
— mas nenhum deles foi. Essa mentalidade de “o pai sabe mais” permeou a disposição dos batistas do
sul em relação aos batistas negros. Essa flagrante falta de representação foi um dos fatores motivadores
primários por trás da formação da Convenção Batista Nacional, em 1895.
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Desejo repetir o que disse em algumas outras ocasiões: que essa Socie-
dade [denominação] não possui má vontade em relação a qualquer outra
organização cristã no mundo. Ela busca estar em termos amigáveis com
todos, e a acusação de que essa organização objetiva traçar a linha da cor
e, assim, criar preconceitos nos cristãos “negros” contra os cristãos “bran-
cos” é desprovida de qualquer fundamento.19
FORTALECENDO A DIVERGÊNCIA
A consequência esmagadora do denominacionalismo racializado é que
cada convenção tem sido condicionada a zelar pelos interesses de seu gru-
po cultural dominante. Essas dinâmicas complicam a reconciliação racial
19 Elias Camp Morris, Sermons, Addresses and Reminiscenses and Important Correspondence, with a Picture
Gallery of Eminent Ministers and Scholars (Nashville: National Baptist Publishing Board, 1901), p. 93.
20 Paul Harvey, Through the Storm and Through the Night: A History of African American Christianity, The
African American Experience Series (Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2001), p. 72.
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Viés individual
A tensão racial começa, comumente, pelo viés individual. O racis-
mo e o viés são características distintas no panorama racial. O racismo é
22 Veja a resolução da CBS de 1995 sobre reconciliação racial.
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que o ferro afia o ferro com grande eficácia, pelos limites da diferença. E
a dinâmica do aprimoramento mútuo é mais bem-ilustrada na beleza do
casamento. Dois pecadores unem-se e são refinados e santificados ao longo
do tempo. E, apesar dos momentos difíceis, no todo os crentes prezam a
oportunidade de ser santificados e sustentar a aliança do casamento diante
de Deus. Infelizmente, muitos cristãos americanos têm comprado a ideia
da norma de segregação no país e, quando a conversa se torna descon-
fortável pelas linhas raciais, os cristãos em geral tendem a expressar seu
comprometimento com as normas culturais americanas de segregação, e
não a promover o evangelho da unidade.
A inabilidade da igreja em perseguir a reconciliação racial revela um
buraco cavernoso em nosso entendimento da santificação. Na América, a
batalha pela reconciliação racial é um primeiro teste de tornassol para a
maturidade espiritual. Um corpo de crentes que adora além das linhas ra-
ciais e expressa o “uns aos outros” do Novo Testamento esboça um quadro
maravilhoso da habilidade do evangelho em superar a divisão. Além disso,
um povo genuinamente multicultural atendeu ao chamado do apóstolo
Paulo em Filipenses 2.3-5: “Nada façais por partidarismo ou vanglória,
mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mes-
mo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também
cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus”.
As pessoas, nos espaços multiétnicos, podem colocar Cristo de uma
forma que supera a bagagem histórica, cura os ressentimentos e força os
crentes a pensar no lugar alheio. Isso requer o perdão e a paciência exem-
plificados em Cristo. Os cristãos têm um exemplo sobrenatural, nele, de
alguém que resistiu à retaliação e absorveu o golpe final do pecado, com o
propósito de encerrar o ciclo de rompimento e feridas. Altruísmo como o
de Cristo é necessário para buscar, intencionalmente, irmãos e irmãs dife-
rentes, a fim de expor os vieses e superar a tensão racial, tudo em prol do
avanço do reino de Deus.
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Insularidade estrutural
As estruturas não são neutras; elas exercem uma força moldadora e
ajudam a diagnosticar atividades que se revelam contrárias aos seus alvos
declarados. Como uma cadência no pano de fundo, alguns que aderem
intencionalmente a uma estrutura seguem uma maioria. Outros se con-
formam subconscientemente, mas é importante perceber que as estruturas
resistem a mudanças porque as pessoas que as sustentam têm investido
muito nelas. Em sentido real, as estruturas sugerem quem pode participar
alegremente de uma denominação no longo prazo. As estruturas — com-
preendendo o programa, o currículo e os ministérios — são frequentemente
construídas por aqueles que sempre têm sido os beneficiários do sistema.
Se os que tomam a decisão compartilham um conjunto quase uniforme de
preocupações que é moldado por uma experiência similar, aqueles que, da
mesma forma, compartilham essa experiência contarão com maior apoio
das estruturas montadas.
Se, por exemplo, a CBN e a CBS estiverem preparadas para servir a
um círculo mais amplo, suas estruturas terão de ser reexaminadas, pois,
conforme as instituições refinam seus objetivos, suas práticas, políticas e
seus procedimentos deverão seguir o exemplo. Assegurar que os sistemas
apoiem o escopo total de uma visão é imperativo, porque as estruturas po-
dem servir com excelência a uma simples demografia, mas de uma forma
míope, sem levar em consideração outros grupos. Além disso, as estruturas
são enganosas, e aquelas que perpetuam a miopia espiritual podem fazer
isso sem ao menos se dar conta. Isso exige um representante de um grupo
demográfico vulnerável, a fim de identificar a vulnerabilidade daquele gru-
po dentro de uma organização.
Viés teológico
Os efeitos das comunidades homogêneas se estendem à leitura da
Escritura e à formulação teológica. Os leitores da Escritura frequentemen-
te abordam essa tarefa como qualquer outra, como pessoas egoístas que
privilegiam seus achados em detrimento das percepções de outras. O re-
sultado é que ler a Bíblia e fazer teologia num grupo homogêneo limitam
a habilidade do ser humano para entender tudo que Deus está fazendo
na Escritura. O texto bíblico é bem mais rico e mais maravilhosamente
complexo do que qualquer grupo individual e homogêneo possa discernir.
Ainda assim, em seminários afiliados denominacionalmente, a homogenei-
dade dos intérpretes bíblicos é comum.1
Os batistas do Sul contemporâneos tendem a minimizar o papel do
contexto (denominacional ou qualquer outro) na leitura da Bíblia e na teo-
logia porque, historicamente, os cristãos progressivos inflaram o lugar do
contexto acima da própria Escritura. Para evitar o mesmo erro, os evangé-
licos podem insistir que a teologia e o estudo da Bíblia são realidades não
culturais. Mas as realidades contextuais sempre estiveram ali, influenciando
a leitura da Escritura e a teologia, bem como outras práticas cristãs como o
discipulado e a educação. Portanto, um contexto particular tem-se tornado
inerente a cada denominação. A pergunta é: qual contexto é o dominante?
A cultura mais popular ou influente numa denominação tende a se tornar
a linha básica ou a medida a partir da qual todas as culturas são julgadas.
Dessa forma, essa cultura dominante é considerada, de forma equivocada,
culturalmente neutra.2 Na missão de evitar o cativeiro cultural na leitura
da Escritura ou no processo de fazer teologia, pode parecer vantajoso para
cada cristão alinhar-se com a cultura dominante em sua denominação —
porque aquela cultura é tida como normal.
1 Essa observação não tem por objetivo criticar a existência de seminários denominacionais, mas, sim,
reconhecer que eles podem tornar-se, facilmente, câmaras de eco que não mais equipam os alunos a
servir a todo o povo de Deus.
2 É importante perceber que a cultura dominante não é sempre a cultura dominante dos Estados Unidos
como um todo, mas, sim, a cultura dominante dentro da instituição em questão.
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Porém, ser parte da cultura “normal” pode alimentar uma visão in-
flada de si mesmo que produz uma forma subconsciente (ou, às vezes, até
mesmo consciente) de supremacia cultural. A perspectiva cultural “normal”
é, então, afirmada na interpretação bíblica, organizacional e cultural. Uma
tentação para aqueles que incorporam a cultura “normal” é tentar julgar
a validade de culturas não dominantes. É comum para as culturas mi-
noritárias serem aceitas na medida em que suas contribuições bíblicas e
teológicas combinam com a cultura dominante. Denominacionalmente, o
efeito é variado. Primeiro, esse fenômeno gera uma teologia que interage
apenas com as inquirições de um grupo cultural dominante em particu-
lar, ao mesmo tempo que se disfarça de uma teologia “universal” de todos
os povos. Segundo, porque a formulação teológica denominacional pode
tornar-se paroquial, e a teologia pode tornar-se um meio de justificar a ati-
vidade denominacional em vez de estabelecer um curso bíblico de ação.
CONCLUSÃO
A história dá testemunho do desenvolvimento da CBN e da CBS.
Embora essas entidades paralelas tenham surgido de circunstâncias peca-
minosas, a esperança do evangelho oferece um caminho futuro para essas
denominações — e a outras que se tenham tornado insulares. Nos dias
que correm, ambos desejam enfrentar o legado de racismo na América, em
busca de vieses nos níveis individuais, estruturais e teológicos. A interconec-
tividade dessas dinâmicas exige que os líderes de ambas as denominações
não se acomodem em falar apenas a alguns, mas, sim, a todos. Enquanto o
raciocínio do mundo pela busca da unidade racial é acompanhado de um
tom punitivo carregado de culpa, os crentes são conduzidos pela oração de
Cristo por catolicidade, para que todos sejamos um ( Jo 17.21).
A Pro Nobis Editora nasceu da visão de servir à igreja
brasileira mediante a literatura cristã de qualidade.
O ministério da Pro Nobis tem por alvo especial ajudar os
batistas brasileiros na missão de edificar a igreja e anunciar
o Evangelho ao mundo. Para tanto, o conhecimento de suas
raízes históricas e herança teológica é fundamental. Existem
excelentes editoras evangélicas no Brasil, com as quais
juntamos forças nesse trabalho de servir ao povo de Deus.