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Introdução à
Vida Espiritual
BRANT PITRE
Autor de O Caso de Jesus
Introdução à
Vida Espiritual
TRILHANDO O CAMINHO DA ORAÇÃO COM JESUS
BRANT PITRE
I
Image | Nova York
Copyright © 2021 por Brant Pitre
Todos os direitos reservados.
Publicado nos Estados Unidos pela Image, uma marca da Random House,
uma divisão da Penguin Random House LLC, Nova York.
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Imprimatur: +Reverendíssimo Shelton J. Fabre
Bispo de Houma-Thibodaux
Nihil Obstat: Rev. Josué Rodrigues, STL
Censor Librorum
O Nihil Obstat e o Imprimatur são declarações oficiais de que um livro ou
panfleto está livre de erros doutrinários ou morais. Não há nenhuma implicação
de que aqueles que concederam o Nihil Obstat ou Imprimatur concordam com o
conteúdo, opiniões ou declarações expressas.
Salvo indicação em contrário, todas as citações das Escrituras são da
Versão Padrão Revisada da Bíblia (RSV), copyright © 1946, 1952 e 1971
Conselho Nacional das Igrejas de Cristo nos Estados Unidos da América. Usado
com permissão. Todos os direitos reservados no mundo inteiro. Nota: Toda a
ênfase nas citações das Escrituras é do autor, e a maior parte do inglês arcaico
(“ti”, “tu”, “teu”, etc.) foi atualizada.
INTRODUÇÃO
Se alguém tem sede, venha a mim e beba.
—Jesus de Nazaré (João 7:37)
HÁ MUITOS ANOS, UM AMIGO se ofereceu para me dar alguns livros
gratuitos de sua biblioteca teológica pessoal. Na época, eu era um jovem professor
com um novo doutorado e uma montanha de dívidas estudantis. Escusado será
dizer que aceitei. Mal sabia eu que por “alguns” ele queria dizer bem mais de mil.
No final, ele me enviou mais de cinquenta caixas grandes, cheias de livros sobre
o Antigo Testamento, o judaísmo antigo, o Novo Testamento e o cristianismo
primitivo — todos tópicos que estudei durante meu programa de doutorado na
Universidade de Notre Dame.
Várias caixas, no entanto, continham livros sobre teologia espiritual – um
assunto sobre o qual eu não sabia quase nada. Estes incluíam obras de antigos
escritores cristãos como João Cassiano e João Clímaco; místicos medievais como
Catarina de Siena e Tomás de Kempis; e mestres espirituais modernos como
Inácio de Loyola, Teresa de Ávila e João da Cruz.
Depois que comecei a ler os clássicos espirituais, não consegui parar. Era
como beber água de um poço depois de passar anos no deserto. Comecei a
aprender pela primeira vez sobre meditação, contemplação, os sete pecados
capitais, suas virtudes opostas e outros temas. Naquele ano, quando me pediram
para ministrar uma disciplina eletiva, soube imediatamente que s eria sobre
teologia espiritual. Contudo, como minha pesquisa de doutorado foi em estudos
bíblicos, optei por focar nas raízes bíblicas da espiritualidade cristã.
Até hoje, esse curso continua sendo a experiência mais poderosa que já tive
em sala de aula. 1 Estudar os fundamentos bíblicos da vida espiritual não era
apenas informativa; foi transformador. Isso me mudou. Também pareceu ter um
impacto semelhante em meus alunos. Mais de uma vez eles perguntaram: “Por
que nunca ouvimos isso antes?” Juntos, percebemos que estávamos provando algo
precioso, que o próprio Jesus chama de “a única coisa” que é “necessária” (Lucas
10:42).2 Durante esse tempo, fiz várias descobertas que lançaram as bases para
este livro.
TRÊS TIPOS DE ORAÇÃO
A primeira coisa que aprendi foi que existem diferentes tipos de oração.
Crescendo como católico, sempre presumi que a oração envolvia simplesmente
dizer as palavras de certas orações memorizadas, como o Pai Nosso. Porém, assim
6
Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Aquele que crê em mim, como diz
a escritura: “Do seu coração fluirão rios de água viva”. Ora, isto ele disse
sobre o Espírito que aqueles que nele cressem deveriam receber. (João 7:37–
39)
À primeira vista, a mulher samaritana pode parecer uma candidata
improvável ao dom do Espírito Santo. Por um lado, ela não é judia. Os
samaritanos descendiam de pagãos que haviam invadido a Terra Santa séculos
antes (ver 2 Reis 17:24–41). Embora aceitassem o Deus de Israel, os samaritanos
rejeitaram o Templo de Jerusalém (ver João 4:19–24). Por outro lado, a mulher
samaritana está num estado de pecado grave. Ela não apenas foi casada cinco
vezes, mas atualmente mora com um homem que não é seu marido (ver João 4:17–
18). Num antigo contexto judaico, isto a colocaria num estado público e
permanente de fornicação. No entanto, nada disto impede Jesus de lhe oferecer o
dom do Espírito Santo.
Aparentemente, o pecado dela não é uma barreira ao chamado de Jesus.
Com certeza, assim que ela pedir a ele que lhe dê essa água, a primeira coisa que
ela precisará fazer é abordar o pecado em sua vida. É por isso que Jesus diz: “Vá,
chame o seu marido e venha aqui” (João 4:16). No entanto, é Jesus quem espera
por ela junto ao poço. É ele quem primeiro lhe pede uma bebida. A razão para isto
é simples: o convite de Jesus à santidade – a sua oferta do dom do Espírito Santo
– é universal. Não é apenas para alguns, mas para todos. Em outras palavras, não
importa quem você é ou o que você fez, se você está espiritualmente sedento,
então Jesus está convidando você a ir até ele e beber.
ORAÇÃO
1- ORAÇÃO VOCAL
Ao orar, dizei: “Pai, santificado seja o teu nome”.
—Jesus de Nazaré (Lucas 11:2)
O CORAÇÃO PULSANTE DA vida espiritual é a oração. Ao longo dos
séculos, os escritores espirituais cristãos frequentemente destacaram três formas
principais: oração vocal, meditação e contemplação. 1 Antes de começarmos a
percorrer o caminho espiritual que Jesus ensinou aos seus discípulos, é necessário
primeiro definir os nossos termos e esclarecer o que a Bíblia ensina sobre cada
um deles. Começamos com oração vocal.
No seu nível mais básico, a oração vocal pode ser definida como o uso de
palavras para comunicar-se com Deus. Ao longo dos séculos, os escritores
espirituais cristãos enfatizaram frequentemente o uso de palavras faladas na
oração. Considere, por exemplo, as seguintes declarações dos tempos antigos,
medievais e modernos:
A oração é por natureza um diálogo... com Deus.
—João Clímaco (século VII)2
Na oração vocal, a mente e o coração devem estar atentos ao que você diz.
—Teresa de Ávila (século XVI)4
Visto que os seres humanos têm alma e corpo, a tradução de pensamentos
e sentimentos interiores em palavras exteriores é uma forma natural de
comunicação. Por esta razão, a oração vocal sempre foi considerada uma parte
essencial da vida espiritual. No século XVI, a grande mística espanhola Ter esa de
Ávila descreveu certa vez a oração vocal – quando proferida do coração – como
“a porta de entrada” para a vida interior da alma. 5
Por que orar com palavras é tão importante? Por que não simplesmente
pular a oração vocal e ir direto para a meditação ou contemplação silenciosa? A
resposta: o próprio Jesus, seguindo as Escrituras Judaicas, usava palavras quando
orava. Além disso, quando seus discípulos pediram que os ensinassem a orar,
13
Jesus deu-lhes palavras específicas para dizerem na Oração do Pai Nosso (ver
Lucas 11:1–4). Neste capítulo, dedicaremos alguns momentos para examinar
Jesus e as raízes judaicas da oração vocal.
De acordo com a Bíblia Judaica, a oração vocal é algo que deve ser feito
todos os dias. Cada dia deve começar e terminar oferecendo a “alma” de volta ao
Deus que a deu em primeiro lugar (Salmo 86:3-4).
estavam pesados. Então, deixando-os novamente, foi e orou pela terceira vez,
dizendo as mesmas palavras. (Mateus 26:36, 39–40, 42–44)
Observe bem que Jesus usa palavras para orar, mesmo quando está sozinho.
Obviamente, ele não precisa fazer isso, mas escolhe fazê-lo. Observe também que
Jesus até se repete quando ora, “dizendo as mesmas palavras” (Mateus 26:44).
Sua oração é plenamente humana. Na agonia do Getsêmani, Jesus molda
para seus discípulos a importância da oração vocal espontânea e persistente ao
Pai, feita com o coração.
Jesus Ensinou A Seus Discípulos Uma Oração Vocal
Finalmente, quando os seus discípulos pedem a Jesus que os ensine a rezar,
ele lhes dá certas palavras para dizer, na forma do Pai Nosso:
Ele estava orando em determinado lugar, e quando terminou, um dos seus
discípulos disse-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou aos seus
discípulos”. E ele lhes disse: “Quando vocês orarem, digam: ‘Pai, santificado
seja o Teu nome. Venha o Teu reino. Dá-nos cada dia o pão nosso de cada
dia; e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós mesmos perdoamos a todo
aquele que nos deve; e não nos deixe cair em tentação.” (Lucas 11:1–4)
Examinaremos mais de perto a versão mais longa da oração do Pai Nosso
mais tarde (ver Mateus 6:9–13). Por enquanto, o ponto principal é que quando os
discípulos de Jesus lhe pedem para ensiná-los a orar, ele lhes dá certas palavras
para dizerem – a primeira das quais é “Pai”. Ao fazer isso, ele está começando a
ensiná-los a orar como ele ora. Ao proferir o Pai Nosso, Jesus mostra que é ao
mesmo tempo o mestre e o modelo da oração vocal.
O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu mestre;
basta que o discípulo seja como seu mestre e o servo como seu mestre.
(Mateus 10:24–25)
Em outras palavras, os seguidores de Jesus deveriam começar imitando a
oração do seu mestre espiritual. Algumas pessoas se sentem muito confortáveis
recitando orações memorizadas, mas praticamente nunca falam com Deus com
suas próprias palavras.
Outros ficam muito confortáveis em fazer orações espontâneas, mas
desprezam as orações memorizadas como palavras vazias. Nenhum dos extremos
é bíblico. Por um lado, se vamos falar com Deus Pai da mesma forma que Jesus,
precisamos orar usando as nossas próprias palavras. Por outro lado, se nunca
orarmos as palavras dos Salmos ou do Pai Nosso, então estaremos escolhendo não
orar como o próprio Jesus orou. Se Jesus é verdadeiramente o modelo e mestre da
oração cristã, então devemos seguir o seu exemplo, escrevendo as palavras dos
Salmos e do Pai Nosso nos nossos corações, para que possam nos ensinar como
orar e o que dizer.
Falando do Coração
Quaisquer que sejam as palavras que usemos, devemos sempre nos esforçar
para falar com Deus de coração. Em outras palavras, precisamos dizer o q ue
queremos dizer e dizer o que dizemos.
Mas e quanto ao problema da distração durante a oração vocal? Como
evitamos dizer as palavras da oração enquanto pensamos em algo completamente
diferente? Como salientou há séculos atrás o grande teólogo medieval Tomás de
Aquino: “Mesmo os homens santos às vezes sofrem de uma divagação mental
quando rezam”. 9
Por esta razão, o primeiro passo prático é sempre começar as nossas orações
reservando um momento para nos colocarmos na presença de Deus. Nas palavras
do escritor cristão do século XVII, Francisco de Sales: Comece todas as suas
orações, sejam mentais ou vocais, na presença de Deus. Mantenha esta regra sem
nenhuma exceção e você verá rapidamente como ela será útil. 10
O segundo passo é este: quando você começar a falar, lembre-se de que
você não está apenas dizendo palavras, mas falando com alguém – Deus. Como
escreve Teresa de Ávila:
Quando você se aproxima de Deus, então, tente pensar e perceber a quem
você está prestes a se dirigir e continue a fazê-lo enquanto se dirige a ele….
18
2 MEDITAÇÃO
Amarás o Senhor teu Deus...com todo o teu entendimento.
—Jesus de Nazaré (Marcos 12:30)
A SEGUNDA FORMA PRINCIPAL DE Oração – meditação – pode ser
definida como orar com a mente, especialmente lendo e ponderando em espírito
de oração a palavra de Deus. Assim como a oração vocal usa palavras para se
comunicar com Deus, a meditação usa pensamentos para refletir sobre Deus. E
assim como a oração vocal envolve o corpo, a meditação envolve a mente. (Por
esta razão, alguns escritores espirituais referem-se à meditação como “oração
mental”). E assim como a verdadeira oração vocal é proferida com o coração,
também o objetivo da meditação não é apenas o crescimento no conhecimento,
mas a transformação do coração.
Na história da espiritualidade cristã, a importância da meditação -
especialmente a meditação nas Escrituras – tem sido repetidamente enfatizada.
Considere as seguintes citações de escritores cristãos antigos, medievais e
modernos:
Meditar nas [Escrituras] deve consumir todos os dias e noites de nossa vida. —
João Cassiano (século V)1
em sua palavra. E observe aqui que Moisés está falando a todo o povo de Israel –
incluindo pais e famílias. De acordo com as Escrituras Judaicas, lembrar, discutir
e ponderar a palavra de Deus deveria ser uma parte diária da vida familiar comum.
O Livro dos Salmos e a Meditação Diária
O segundo grande exemplo de meditação nas Escrituras Judaicas vem das
primeiras linhas de um dos livros mais populares e conhecidos da Bíblia:
Abençoado é o homem
que não anda segundo o conselho dos ímpios,
nem trilha o caminho dos pecadores,
nem se assenta na roda dos escarnecedores;
mas o seu prazer está na lei do Senhor,
e na sua lei medita dia e noite.
(Salmo 1:1–2)
De acordo com o livro dos Salmos, qual é a chave para ser “abençoado” –
ou, mais literalmente, “feliz” (hebraico ‘asher)? Não apenas lendo a “lei”, mas
“deleitando-se” e meditando nela. Significativamente, a palavra “meditar”
(hebraico hagah) vem de uma palavra hebraica que também significa “suspirar”
ou “gemer” de saudade. 5 Na antiga versão grega da Bíblia, foi traduzida como
“pensar sobre” ou “meditar” (grego meletaō) (Salmo 1:2 LXX).6 De qualquer
forma, a meditação envolve a mente. E observe bem quantas vezes a Bíblia diz
que a meditação deve ser praticada: “dia e noite” (Salmos 1:3).
Finalmente, observe seus efeitos positivos. Uma pessoa que medita
regularmente é como uma “árvore” que não apenas dá frutos, mas cujas folhas
nunca secam porque suas raízes bebem constantemente (Salmo 1:3). De acordo
com as Escrituras Judaicas, a meditação é o antídoto para a secura espiritual.
JESUS E A MEDITAÇÃO
Quando passamos do Antigo Testamento para os ensinamentos de Jesus,
descobrimos rapidamente que Jesus em nenhum lugar usa a palavra “meditar”.
No entanto, em duas ocasiões importantes, Jesus usa exatamente as mesmas
passagens das Escrituras Judaicas que acabamos de estudar para ensinar aos seus
discípulos a importância de amar a Deus com a mente, guardando a sua palavra
no coração.
22
O Maior Mandamento
O primeiro ensinamento de Jesus que enfatiza a importância da meditação
nas Escrituras chega até nós na sua famosa resposta à pergunta de um escriba
judeu sobre qual dos mandamentos bíblicos é o maior:
Aproximou-se um dos escribas e ouviu-os discutir entre si e, vendo que lhes
respondia bem, perguntou-lhe: “Qual mandamento é o primeiro de todos?”
Jesus respondeu: “O primeiro é: ‘Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus, o
Senhor é o único; e amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças.’”
(Marcos 12:28–30)
Observe aqui que Jesus responde à pergunta citando o Shemá: “Ouve, ó
Israel…” (Deuteronômio 6:4). À primeira vista, sua resposta parece o
ensinamento judaico padrão. Contudo, como qualquer judeu do primeiro século
teria notado, Jesus também fez algo notável. Ele acrescenta uma nova ordem:
“Amarás o Senhor teu Deus… com todo o teu entendimento” (Marcos 12:30).
Esta linha não está presente nas Escrituras Hebraicas.7 A palavra que Jesus usa
para “mente” (grego Dianoia) refere-se à “inteligência” ou “entendimento”8 de
uma pessoa.
Em outras palavras, Jesus espera que seus discípulos amem a Deus não
apenas com o coração, a alma e a força, mas também com o intelecto. Ele espera
que seus discípulos amem a Deus pensando nele. Além disso, como o próprio
Shemá está especificamente focado em amar a Deus, escrevendo suas “palavras”
no “coração” (Deuteronômio 6:6), Jesus dá a entender que seus seguidores
também devem amar o único Deus do universo, lembrando-se e ponderando sua
palavra -todo dia e toda noite.
A Parábola do Semeador
Outro importante ensinamento de Jesus que enfatiza a meditação vem da
sua famosa Parábola do Semeador. Embora a parábola seja bem conhecida, é
importante lê-la com atenção, concentrando-se nos quatro diferentes tipos de solo:
Quando uma grande multidão se reuniu e pessoas de cidade em cidade
vieram até ele, ele disse numa parábola: “O semeador saiu para semear a sua
semente; e enquanto semeava, uma parte caiu à beira do caminho e foi
pisada, e as aves do céu a devoraram. E uma parte caiu na rocha; e à medida
que crescia, secou, porque não tinha umidade. E algumas caíram entre
espinhos; e os espinhos cresceram com ela e a sufocaram. E algumas caíram
23
em solo bom e cresceram, e renderam cem vezes mais.” Ao dizer isso, ele
gritou: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. (Lucas 8:4–8)
Qual é o significado desta parábola? E o que isso tem a ver com meditação?
Se tudo o que tivéssemos fosse a própria parábola, talvez não
conseguíssemos ver nenhuma conexão. Felizmente, Jesus também dá aos seus
discípulos uma explicação da parábola. Para maior clareza, organizei a explicação
de Jesus de acordo com cada um dos quatro diferentes tipos de solo:
Agora a parábola é esta: A semente é a palavra de Deus.
[1] Os que estão no caminho são aqueles que ouviram; então vem o diabo
e tira a palavra dos seus corações, para que não creiam e sejam salvos.
[2] E os que estão sobre as rochas são aqueles que, ao ouvirem a palavra, a
recebem com alegria; mas estes não têm raiz, creem por um tempo e na hora da
tentação desistem.
[3] E quanto ao que caiu entre os espinhos, esses são aqueles que ouvem,
mas ao seguirem seu caminho são sufocados pelos cuidados, riquezas e prazeres
da vida, e seus frutos não amadurecem.
[4] E quanto ao solo bom, são aqueles que, ouvindo a palavra, a retêm com
um coração honesto e bom, e produzem frutos com paciência. (Lucas 8:11–15)
De acordo com Jesus, toda a Parábola do Semeador trata de quatro respostas
diferentes à “palavra de Deus” (Lucas 8:11). 9
Quatro Respostas À Palavra
O primeiro grupo de pessoas ouve a palavra de Deus, mas o diabo vem e a
tira “dos seus corações” (Lucas 8:12), então eles param de acreditar.
O segundo grupo de pessoas ouve a palavra de Deus e fica feliz no início,
mas porque a sua fé é tão superficial – não tem “raiz” (Lucas 8:13) – eles
acreditam apenas por um tempo. Assim que surge a tentação, eles acabam se
afastando.
O terceiro grupo de pessoas ouve a palavra de Deus e até começa a produzir
alguns “frutos” espirituais. No entanto, com o passar do tempo, a palavra de Deus
é sufocada até a morte pelos “cuidados” e pela busca de “riquezas” e “prazeres”
terrenos (Lucas 8:14). Observe que Jesus não diz nada sobre pecados como
adultério ou assassinato. A ansiedade em relação aos cuidados mundanos e a
busca de riqueza e prazer são mais que suficientes para sufocar a vida da alma.
24
Teremos mais a dizer sobre a meditação nas Escrituras mais adiante neste
livro, quando examinarmos a antiga prática cristã conhecida como lectio divina.
Por enquanto, precisamos nos voltar para a terceira forma principal de oração, que
é especialmente focada no coração: a contemplação.
29
3 CONTEMPLAÇÃO
Uma coisa é necessária. Maria escolheu a boa parte.
—Jesus de Nazaré (Lucas 10:42)
A TERCEIRA FORMA PRINCIPAL DE Oração – contemplação – deriva
seu nome do verbo latino contemplor, que significa “olhar”, “contemplar” ou
“olhar atentamente.”1 Enquanto a oração vocal utiliza palavras exteriores para
falar com Deus, e a meditação utiliza pensamentos interiores para pensar em
Deus, a contemplação, na sua forma mais básica, é um “olhar de amor” entre a
alma e Deus. Na oração contemplativa, a pessoa reserva um tempo para ficar a
sós com Deus pelo simples desejo de estar na sua presença, de ouvir a sua voz e
de procurar a sua “face”.
Ao longo dos séculos, os escritores espirituais cristãos forneceram uma
variedade de descrições da oração contemplativa.2 Considere, por exemplo, as
seguintes descrições de clássicos espirituais antigos, medievais e modernos:
de tudo é que quando Moisés entra na tenda, Deus fala com ele de uma forma
única: “face a face” (Êxodo 33:11). No contexto, isso não significa que Moisés
veja a face invisível de Deus com seus olhos humanos. Apenas alguns versículos
depois, o próprio Deus diz a Moisés: “Você não pode ver meu rosto; porque o
homem não me verá e viverá” (Êxodo 33:20). O que isso significa é que quando
Moisés ora, ele entra na presença de Deus. Em hebraico, as palavras para “face”
(hebraico panim) e “presença” (hebraico panim) são as mesmas. “Face a face”,
portanto, também pode significar “presença a presença”. 9 Por outras palavras, a
comunicação de Moisés com Deus é íntima e pessoal, mais como a de um amigo
do que de um súdito ou servo. Na verdade, a oração de Moisés é tão poderosa que
até muda a sua aparência: “A pele do seu rosto brilhava porque falava com Deus”
(Êxodo 34:29). Segundo a Bíblia, Moisés não fala apenas com Deus; ele fala com
Deus de uma forma que o transforma.
O único desejo do Rei David
O segundo exemplo clássico de oração contemplativa nas Escrituras
Judaicas vem do livro dos Salmos. 10 No Salmo 27, o Rei Davi declara que seu
único anseio – seu desejo mais profundo – é estar com Deus no Templo, ver sua
face, ouvir à sua voz:
Uma coisa pedi ao Senhor,
isso buscarei;
para que eu habite na casa do Senhor
todos os dias da minha vida,
contemplar a beleza do Senhor,
e para perguntar em seu templo….
Ouve, Senhor, quando clamo em voz alta,
tenha misericórdia de mim e me responda!
Você disse: “Busque minha face”.
Meu coração diz para Vós,
“Tua face, Senhor, eu procuro.”
Não esconda seu rosto de mim.
(Salmo 27:4, 7–9)11
32
No centro deste salmo está o desejo amoroso de Davi por “uma coisa”: estar
na presença de Deus no Templo para sempre. Ali, Davi deseja tanto “contemplar”
ou “contemplar” Deus quanto “perguntar” a ele (Salmos 27:4). 12 A primeira
expressão refere-se ao desejo de David de contemplar a beleza de Deus, enquanto
a segunda refere-se ao seu desejo de ouvir a voz de Deus. Assim como Moisés
entrava regularmente na tenda do encontro para ficar a sós com Deus “face a
face”, Davi também deseja habitar na “casa do Senhor” — para sempre. Observe
aqui que Davi não quer apenas pedir coisas a Deus usando palavras (como na
oração vocal) ou apenas pensar em Deus usando sua mente (como na meditação).
Seu desejo mais profundo é ver a “face” de Deus – isto é, a “presença” santa
e misteriosa de Deus (hebraico panim) (Salmo 27:8). Este é o cerne da oração
contemplativa: o desejo amoroso de estar com Deus para sempre, face a face.
Elias E A Voz Mansa E Delicada De Deus
Um terceiro grande exemplo de contemplação vem da figura de Elias. Mais
uma vez, embora muitos leitores contemporâneos da Bíblia pensem em Elias
principalmente como um milagreiro ou profeta, na história da espiritualidade
cristã, ele foi amplamente considerado, antes de mais nada, como um homem de
oração.13 Em nenhum lugar isto é mais claro do que no famoso relato de Deus
falando com Elias em silêncio no Monte Sinai:
Lá ele chegou a uma caverna e ali se hospedou; e eis que a palavra do Senhor
veio a ele…. “Saia e fique no monte diante do Senhor.” E eis que o Senhor
passou, e um grande e forte vento rasgou as montanhas e quebrou as rochas
diante do Senhor, mas o Senhor não estava no vento; e depois do vento um
terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto; e depois do terremoto um
fogo, mas o Senhor não estava no fogo; e depois do fogo uma voz mansa e
delicada. E quando Elias ouviu isso, envolveu o rosto no manto, saiu e ficou
à entrada da caverna. (1 Reis 19:9, 11–13)
Dois aspectos deste encontro são importantes para a compreensão da oração
contemplativa. Primeiro, observe que Elias, assim como Moisés e Davi, sobe o
Monte Horebe para ficar a sós com Deus. Isto é diferente dos tipos de orações
oferecidas pelo povo de Israel a Deus como uma comunidade quando se reúnem
em adoração. Segundo, quando Deus fala com Elias, ele não o faz de uma forma
visível e tangível através do vento, do terremoto ou do fogo, mas em “uma voz
mansa e delicada” (1 Reis 19:12). Em hebraico, esta expressão pode ser traduzida
como “uma vozinha silenciosa”. 14 Em outras palavras, Deus “fala” com Elias em
absoluto silêncio. A troca entre eles transcende as palavras humanas.
33
JESUS E A CONTEMPLAÇÃO
Com este contexto bíblico em mente, podemos agora voltar-nos para a vida
de Jesus.
Embora o próprio Jesus nunca tenha usado a palavra “contemplação”, desde
os tempos antigos, um episódio em particular foi apontado repetidamente ao longo
dos séculos como o exemplo clássico de oração contemplativa.15 Estou falando
aqui do famoso relato de Marta, Maria e “a única coisa… necessária” (Lucas
10:38–42).16
Marta, Maria E A Única Coisa Necessária
Embora a história de Jesus, Marta e Maria seja muito conhecida,
precisamos examiná-la com atenção para entender por que é tão frequentemente
interpretada como um excelente exemplo de vida contemplativa:
Enquanto seguiam seu caminho, ele entrou em uma aldeia; e uma mulher
chamada Marta o recebeu em sua casa. E ela tinha uma irmã chamada Maria,
que se assentava aos pés do Senhor e ouvia os seus ensinamentos. Mas Marta
estava distraída com muito serviço; e ela foi até ele e disse: “Senhor, tu não
te importas que minha irmã me tenha deixado para servir sozinha? Diga a ela
então para me ajudar. Mas o Senhor lhe respondeu: “Marta, Marta, você está
ansiosa e preocupada com muitas coisas; uma coisa é necessária. Maria
escolheu a boa parte, que não lhe será tirada”. (Lucas 10:38–42)17
Para ver a relação entre Maria e a oração contemplativa são necessários
vários pontos.
Quando Maria se senta aos pés de Jesus, ela assume a postura de um
discípulo judeu ouvindo atentamente o ensinamento de um rabino. 18 Considere,
por exemplo, as palavras de uma antiga tradição judaica fora da Bíblia:
Deixe sua casa ser uma casa de reunião para os Sábios e sente-se no meio da
poeira de seus pés e beba suas palavras com sede.
(Mishná, Ambo 1:4)19
Num contexto judaico do primeiro século, o ato de Maria sentar-se aos pés
de Jesus não é um relaxamento negligente. Pelo contrário, Maria está concentrada
em olhar para Jesus e em ouvir as suas palavras, com atenção bebendo-os. Pelo
próprio ato de ficar quieta, Maria está fazendo o “trabalho” de uma estudante e
trilhando o “caminho” de um discípulo.
34
é necessário é olhar para ele. Como diz o livro dos Salmos: “Aquietai-vos e sabei
que eu sou Deus” (Salmo 46:10).
O Poder Transformador Da Contemplação
Por último, mas certamente não menos importante, a última razão pela qual
a oração contemplativa é tão importante é porque ela tem o p oder de realmente
nos mudar – e para melhor. Quando Moisés desce da montanha depois de estar
com Deus por quarenta dias, sua própria face se altera; está radiante com a luz de
Deus (ver Êxodo 34:29). Da mesma forma, se concentrarmos regularmente a
nossa oração na face de Cristo, nós também seremos transformados. Como diz o
próprio apóstolo Paulo:
Todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor,
estamos sendo transformados à sua semelhança, de um grau de glória para
outro. (2 Coríntios 3:18)
Quando amamos alguém e passamos tempo com ele ou ela, tendemos a nos
tornar cada vez mais parecidos com essa pessoa. Nas palavras de João da Cruz:
A contemplação…é um conhecimento infundido e amoroso de Deus, que ilumina
a alma e ao mesmo tempo a inflama de amor, até que ela se eleve, passo a passo,
até Deus, seu Criador.26
Com efeito, na medida em que a contemplação está enraizada no desejo do
coração de “ver” a face de Deus, a oração contemplativa é uma espécie de
antecipação ou “vislumbre” da vida eterna. Como o próprio Jesus diz no Sermão
da Montanha: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”
(Mateus 5:8).
É claro que antes de podermos ver a face de Deus, nossos corações
precisarão ser purificados do pecado. Para que isso aconteça, pr ecisamos
realmente começar a trilhar o caminho espiritual indicado pelo próprio Jesus. O
primeiro passo nesse caminho é o arrependimento.
37
O CAMINHO ESPIRITUAL
4 O PRIMEIRO PASSO
Há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.
—Jesus de Nazaré (Lucas 15:10)
SE HÁ UMA COISA com a qual os clássicos espirituais concordam é que
uma pessoa não irá muito longe no caminho espiritual de Jesus sem tomar uma
decisão consciente de se arrepender – isto é, de se afastar do pecado e se voltar
para Deus. Considere, por exemplo, as seguintes palavras de escritos espirituais
antigos, medievais e modernos:
O início do arrependimento é o início da salvação.
—João Clímaco (século VII)1
Mas por que o arrependimento é tão necessário? E será que alguém que
viveu uma vida de pecado realmente tem o poder de mudar tão radicalmente?
Para responder a estas perguntas, precisamos examinar cuidadosamente o
que a própria Bíblia diz sobre o arrependimento. Como veremos, o conceito de
arrependimento nas Escrituras Judaicas é muito mais rico do que a palavra inglesa
sugere, e o próprio Jesus começa a sua proclamação do evangelho convidando as
pessoas a abandonarem o pecado e a regressarem a Deus.
assim como o pastor se alegra com os seus amigos quando encontra a ovelha
perdida, também há “alegria no céu” quando até mesmo “um pecador” se
arrepende e retorna para Deus.
A Parábola Da Moeda Perdida
A segunda parábola de arrependimento de Jesus é a história da moeda
perdida:
Que mulher, tendo dez moedas de prata, se perder uma moeda, não acende
uma lâmpada, varre a casa e procura diligentemente até encontrá-la? E
quando a encontra, ela reúne seus amigos e vizinhos, dizendo: “Alegrai-vos
comigo, pois encontrei a moeda que havia perdido”. Da mesma forma, eu
lhe digo, há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se
arrepende. (Lucas 15:8–10)
Mais uma vez, a chave para a compreensão desta parábola é a última linha,
onde Jesus revela que a mulher representa Deus, os seus amigos são os anjos e a
moeda é “um pecador que se arrepende”. Uma vez que isto fica claro, várias
verdades emergem: assim como “uma moeda” é valiosa para a mulher, mesmo
que ela tenha outras nove, também o “único pecador” é precioso para Deus.12 E
assim como a mulher procura diligentemente até que ela encontre a moeda
perdida, assim também é Deus quem busca o pecador perdido e não irá parar até
encontrá-lo.
Finalmente, assim como a mulher se alegra com os seus amigos e vizinhos,
também o próprio Deus se alegra quando até mesmo “um pecador… se
arrepende”.13
A Parábola Do Filho Pródigo
A terceira parábola de Jesus sobre o arrependimento é a mais famosa de
todas: a história do filho pródigo. Por uma questão de espaço, focarei aqui apenas
na primeira metade da parábola:
Havia um homem que tinha dois filhos; e o mais novo deles disse ao pai:
“Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe”. E ele dividiu seus bens entre eles.
Poucos dias depois, o filho mais novo reuniu tudo o que tinha e partiu para
um país distante, onde desperdiçou sua propriedade vivendo de maneira
desregrada. E quando ele gastou tudo, surgiu uma grande fome naquele país,
e ele começou a passar necessidade. Então ele foi e juntou-se a um dos
cidadãos daquele país, que o enviou aos seus campos para alimentar porcos.
E ele teria se alimentado de bom grado das vagens que os porcos comiam; e
42
ninguém lhe deu nada. Mas quando voltou a si, disse: “Quantos empregados
contratados por meu pai têm pão suficiente e de sobra, mas eu morro aqui de
fome! Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e lhe direi: ‘Pai, pequei contra
o céu e diante de ti; Já não sou digno de ser chamado de teu filho; trata-me
como um dos teus empregados.’” E ele se levantou e foi para seu pai. Mas
estando ele ainda longe, seu pai o viu e teve compaixão, e correu, abraçou-o
e beijou-o. E o filho lhe disse: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; não
sou mais digno de ser chamado de seu filho.” Mas o pai disse aos seus servos:
“Trazei depressa a melhor roupa e vesti-o; e pôs-lhe um anel na mão e
sapatos nos pés; e trazei o bezerro cevado e matai-o, e comamos e nos
alegremos; porque este meu filho estava morto e reviveu; ele estava perdido
e foi encontrado.” (Lucas 15:11–24)
Embora Jesus não use a palavra “arrependimento”, quando olhamos para o
Filho Pródigo à luz da Ovelha Perdida e da Moeda Perdida, a realidade do
arrependimento e do perdão está no seu cerne.
Longe de o fazer feliz, o pecado do filho pródigo isola-o, contamina-o e
enche-o de vergonha. Isso o isola, levando-o para “um país distante” — isto é, um
território pagão. Isso o contamina, levando-o a viver entre “porcos”, que as
Escrituras Judaicas identificam como um animal “impuro” (Levítico 11:7-8).14 E
isso o enche de tanta vergonha que ele nem mesmo se sente “digno” de ser
chamado filho de seu pai.
O arrependimento do filho pródigo envolve mudar de ideia, voltar para o
pai e confessar o que fez. Observe que o momento do seu arrependimento ocorre
quando “ele voltou a si” e se lembrou de quem ele realmente era (Lucas 15:17).
Essa compreensão é o início de seu arrependimento. 15 É claro que não basta
apenas mudar de ideia. Ele tem que se levantar e começar a caminhar para casa.
Ao chegar, faz a sua confissão de forma simples, sem desculpas nem explicações:
“Pai, pequei contra o céu e diante de ti” (Lucas 15:21).
O mais importante de tudo é que o pai responde ao arrependimento do filho
com compaixão e alegria. Não só o pai o vigia enquanto ele ainda está distante,
mas assim que vê o filho voltar, o pai não espera, mas corre, abraça -o e beija-o.
Por que tanta alegria? Porque aos olhos do pai, o filho pródigo fez muito mais do
que apenas arrepender-se. Ele voltou à vida. Ele voltou para casa. “Este meu filho
estava morto e voltou à vida; ele estava perdido e foi achado” (Lucas 15:24).
No final, é por isso que Jesus coloca a pregação do arrependimento no
centro do seu evangelho. Porque se o pecado realmente mata, se realmente leva à
43
Francisco está certo sobre isso? Como ele pode dizer que a resolução de
nunca cometer um “pecado mortal” é realmente o “fundamento da vida
espiritual”?
A resposta é simples: se você quebrou algum dos Dez Mandamentos e ainda
não se arrependeu, então você nem sequer começou a jornada de volta para a casa
do Pai. Você está preso no caminho ou (mais provavelmente) retrocedendo. Com
certeza, não importa o que você tenha feito, você ainda é filho dele e ele ainda é
seu pai. Mas, tal como o filho pródigo, você tem que “cair em si” e mudar de ideia
sobre quem você é e quem é Deus. Você tem que se levantar e começar a caminhar
para casa, para o Pai. Ele já está observando e esperando por você. E quando você
fizer isso, como Jesus disse, haverá “alegria no céu” (Lucas 15:7).
Claro, isso nos deixa com a questão de saber exatamente o que é um pecado
mortal e de onde ele vem na Bíblia. Para responder a esta pergunta, temos que nos
voltar para o nosso próximo tópico: os Dez Mandamentos.
45
5 OS DEZ MANDAMENTOS
Se você quiser entrar na vida, guarde os mandamentos.
—Jesus de Nazaré (Mateus 19:17)
APÓS A NECESSIDADE DE SE Afastar do pecado, talvez o segundo
ponto mais amplamente aceito seja que a pessoa que deseja seguir o caminho
espiritual de Jesus não pode fazê-lo sem guardar os Dez Mandamentos. Se o
arrependimento é o fundamento da vida espiritual, os mandamentos são a porta
de entrada. Considere as seguintes palavras de escritores espirituais antigos,
medievais e modernos:
O primeiro passo da humildade é dado quando um homem obedece a todos os
mandamentos de Deus.
—Bento de Núrsia (século VI)1
Bendita a simplicidade que... segue o caminho claro e seguro dos mandamentos
de Deus.
— Tomás de Kempis (século XV)2
Por que os Dez Mandamentos são tão importantes? Não são apenas um
conjunto de regras? E, além disso, não pertencem ao Antigo Testamento? Por que
os seguidores de Jesus e da nova aliança deveriam guardá-los?
Neste capítulo, focaremos no papel dos Dez Mandamentos na vida
espiritual. Embora muitas pessoas provavelmente estejam familiarizadas com
listas memorizadas dos mandamentos, se quisermos realmente compreender o
ensino de Jesus, precisamos olhar cuidadosamente para a forma bíblica dos Dez
Mandamentos nas Escrituras Judaicas. Como descobriremos, longe de serem
apenas um conjunto de regras, os Dez Mandamentos são um caminho espiritual
que leva ao amor e não ao ódio, à vida e não à morte.
46
Não tema, pois Deus veio para provar você... para que você não peque
[hebraico chata’]. (Êxodo 20:20)
Aquele que se apressa com os pés perde [hebraico chata’] o seu caminho.
(Provérbios 19:2)
Por outras palavras, na Bíblia Hebraica, pecar ao quebrar um dos
mandamentos é “errar o caminho” – desviar-se do caminho de Deus que conduz
à vida.
Nas Escrituras Judaicas, esta ligação entre guardar os Dez Mandamentos e
ter vida era bastante literal. Quebrar um dos Dez Mandamentos era, literalmente,
um pecado “mortal”: era punível com a morte. Embora os leitores modernos às
vezes presumam que nos tempos do Antigo Testamento uma pessoa poderia ser
condenada à morte por praticamente qualquer coisa, isso não é verdade. De acordo
com a Bíblia, apenas as violações graves dos Dez Mandamentos – como
sequestro, assassinato ou adultério – eram crimes capitais.11 Em suma, aqueles
que quebram os mandamentos “pecam” porque literalmente “erram o caminho”
que leva à vida. Em vez de agirem de maneira amorosa e vivificante, eles agem
de maneira egoísta e que traz a morte.
Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.”
Mas eu vos digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os
perseguem, para que vocês sejam filhos de seu Pai que está nos céus; porque
ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e
injustos. Pois se você ama aqueles que o amam, que recompensa você terá?
Os cobradores de impostos não fazem o mesmo? E se você saúda apenas
seus irmãos, o que mais você está fazendo do que os outros? Os gentios não
fazem o mesmo? Você, portanto, deve ser perfeito, assim como seu Pai
celestial é perfeito. (Mateus 5:43–48)
Em outras palavras, a essência de guardar os mandamentos — e o cerne do
caminho espiritual ensinado por Jesus — é aprender a amar nossos inimigos como
o Pai celestial ama.
6 AS TRÊS TENTAÇÕES
Quando o diabo acabou com todas as tentações, ele se afastou dele.
— O Evangelho de Lucas (4:13)
NOS DOIS ÚLTIMOS CAPÍTULOS, consideramos o arrependimento
como o fundamento da vida espiritual e os mandamentos como a porta de entrada.
Mas assim que começamos a trilhar o caminho, surge um problema: mesmo
depois de nos arrependermos e decidirmos guardar os mandamentos, a tentação
de pecar permanece. Porque isto é assim? Por que é tão fácil pecar, mesmo depois
de decidir se afastar do pecado?
Para responder a esta pergunta, precisamos olhar para a origem da
pecaminosidade humana e compreender exatamente como o próprio Jesus vence
a tentação e dá o poder para vencê-la aos seus discípulos. Como veremos, é
impossível compreender plenamente as boas novas da salvação sem primeiro
compreender as más notícias da tentação de pecar.
Quando se trata das causas profundas do pecado humano, os escritores
espirituais ao longo dos séculos apontaram três tentações específicas. Desde os
tempos antigos, os cristãos notaram que Adão e Jesus são tentados por três
tentações que parecem corresponder uma à outra. Considere os seguintes
exemplos:
[Jesus] teve que ser tentado pelas mesmas paixões pelas quais Adão também
foi tentado…. Por estes três vícios, então, lemos que o Senhor, o Salvador,
também foi tentado.
—João Cassiano (século V)1
Assim como o livro de Gênesis diz que o fruto proibido era agradável ao
paladar, uma delícia aos olhos e desejável para tornar Adão e Eva “como deuses”
(Gênesis 3:5), agora o diabo tenta Jesus com o prazer de comer, o desejo de
possuir a “glória” de todas as riquezas e poder deste mundo, e o orgulho de se
exaltar realizando um milagre onde todos pudessem ver. Considere o gráfico na
página oposta.
Desde os tempos antigos, os escritores cristãos reconheceram que os
paralelos entre a queda de Adão e as tentações de Jesus no deserto mostram que
ele não é apenas o Messias. Ele também é o novo Adão. 6 Enquanto Adão cedeu
às tentações do prazer, das posses e do orgulho, e trouxe o pecado e a morte ao
mundo, Jesus triunfou sobre todos os três. Por outras palavras, as tentações de
Jesus no deserto mostram que a sua missão não é apenas salvar a humanidade do
pecado, mas também vencer o poder das próprias tentações que, para começar,
mergulharam a humanidade no pecado.
Como esses paralelos deixam claro, Jesus não venceu a tentação para que
seus seguidores não precisassem fazê-lo. Ele venceu a tentação para que possamos
vencê-la também.
Para ver isso claramente, entretanto, teremos que examinar com mais
cuidado, nos próximos três capítulos, cada um desses remédios espirituais.
Começaremos com o antídoto para a concupiscência da carne: o jejum.
60
7 JEJUM
Quando você jejuar... lave o rosto, para que o seu jejum não
seja visto pelos homens, mas por seu Pai que está em segredo.
—Jesus de Nazaré (Mateus 6:17–18)
NO SERMÃO DA MONTANHA, Jesus dá aos seus discípulos três
exercícios espirituais – oração, jejum e esmola – como antídotos para “a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João
2:16). Neste capítulo, vamos nos concentrar no jejum como remédio para “a
concupiscência da carne” – o desejo desordenado de prazer físico. Como veremos,
Jesus ensina seus discípulos a desenvolver o hábito do jejum secreto – abster-se
da comida em particular para se aproximarem do Pai.
Nos tempos contemporâneos, a prática do jejum não é algo que muitas
pessoas identificariam como essencial ao Cristianismo. No entanto, ao longo dos
séculos, muitos escritores espirituais descreveram-no como uma parte central da
vida cristã:
Você descobrirá que o jejum guiou todos os santos a um estilo de vida piedoso.
—Basílio, o Grande (século IV)1
Esta ênfase na importância do jejum não deveria ser uma surpresa. Afinal,
no Sermão da Montanha, Jesus assume que o jejum será uma parte regular da vida
espiritual dos seus seguidores: “Quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto”
(Mateus 6:17). É significativo que Jesus diga: “Quando você jejuar...”, e não “Se
você jejuar...” Jesus não considera o jejum opcional.
61
Muito antes de Deus dizer: “Não matarás” (Êxodo 20:13), ele diz: “Não
comereis” (Gênesis 2:17). 5 Por outras palavras, Adão comete o primeiro pecado
ao não controlar o seu desejo de comer. Se ele tivesse “jejuado” da árvore do
conhecimento, não teria sido expulso do Éden. No entanto, porque a árvore é “boa
para alimento”, ele cede ao seu desejo e come (Gênesis 3:6). Como resultado, não
apenas Adão e Eva foram banidos do Éden (Gênesis 3:22-23), mas todos os seres
humanos nasceram neste mundo caído com um desejo desordenado pelo prazer
da comida, que o apóstolo João chama de “a concupiscência da carne” (1 João
2:16). Vista sob esta luz, a prática bíblica do jejum trata, em primeiro lugar, de
reverter os efeitos da Queda, treinando os desejos do corpo para obedecer à
vontade da alma. Se uma pessoa aprender a controlar o desejo por coisas boas,
como comida, é mais provável que seja capaz de controlar o desejo por coisas
más, como o pecado.
62
[Moisés] esteve ali com o Senhor quarenta dias e quarenta noites; ele não
comeu pão nem bebeu água…. Quando Moisés desceu do Monte Sinai, …
Moisés não sabia que a pele do seu rosto brilhava porque ele estava
conversando com Deus. (Êxodo 34:28-29)
Na mesma linha, o profeta Elias jejua por “quarenta dias e quarenta noites”
(1 Reis 19:8) antes de subir o Monte Horebe e encontrar-se com Deus:
Ali [Elias] chegou a uma caverna e se hospedou ali…. E eis que o Senhor
passou, e um vento forte e forte rasgou as montanhas… mas o Senhor não
estava no vento; e depois do vento um terremoto, mas o Senhor não estava
no terremoto; e depois do terremoto um fogo, mas o Senhor não estava no
fogo; e depois do fogo uma voz mansa e delicada. (1 Reis 19:9, 11–12)
Em ambos os casos, o jejum de comida e bebida prepara Moisés e Elias
para encontrarem Deus e ouvirem a sua voz.
Um Sinal De Arrependimento Interior
Finalmente, nas Escrituras Judaicas, o jejum também é praticado como um
sinal exterior de arrependimento interior. Considere as palavras do profeta Joel:
Por isso, agora ainda – oráculo do Senhor –, voltai a mim de todo o vosso
coração, com jejuns, lágrimas e gemidos de luto. Rasgai vossos corações e
não vossas vestes; voltai ao Senhor, vosso Deus, porque ele é bom e
compassivo...
Tocai a trombeta em Sião: publicai o jejum, convocai a assembleia, reuni o
povo;16santificai a assembleia, agrupai os anciãos, congregai as crianças e
os meninos de peito; saia o recém-casado de seus aposentos, e a esposa de
sua câmara nupcial. (Joel 2:12–13, 15–16)
Observe aqui que todos os israelitas – homens, mulheres e crianças – são
chamados a participar do jejum como forma de se afastarem do pecado e
retornarem a Deus de todo o coração (Joel 2:12). Esta ligação entre o jejum
exterior e o arrependimento interior era muitas vezes representada por ações
exteriores, como usar “saco” e “cinzas” (Isaías 58:3–5). Na verdade, uma vez por
63
ano, no Dia da Expiação, todo o povo de Israel “se afligiria”, uma expressão
hebraica para abster-se de comida e bebida (Levítico 16:29). 6 Em suma, a prática
bíblica do jejum tem tudo a ver com afastar-se do pecado e voltar-se para Deus. 7
Quando você jejuar, não pareça desanimado, como os hipócritas, pois eles
desfiguram o rosto para que o jejum seja visto pelos homens. Em verdade
vos digo que eles receberam a sua recompensa. Mas quando você jejuar, unja
a cabeça e lave o rosto, para que o seu jejum não seja visto pelos homens,
mas por seu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará. (Mateus 6:16–18)
Observe aqui que Jesus está se referindo ao jejum privado de seus
discípulos, e não ao jejum público do povo judeu como um todo. Como vimos
acima, a própria Bíblia ensina o povo de Israel a usar cinzas em dias solenes de
jejum e arrependimento em toda a comunidade (ver Isaías 58:3–9). Aqui, Jesus
está ensinando seus discípulos a fazer mais do que observar os dias anuais de
jejum público, como o Dia da Expiação. Ele os está ensinando a desenvolver o
hábito do jejum secreto. Esta ênfase no sigilo visa salvaguardar os discípulos
contra fazer a coisa certa (jejuar) pela razão errada (buscar elogios humanos). 11
Além disso, porque só Deus pode ver isso, o jejum secreto ajuda a
aproximá-los do “Pai que está em segredo”. Em suma, Jesus exorta os seus
discípulos a fazerem da abstinência privada de alimentos uma parte regular das
suas vidas espirituais.
8 ESMOLA
Quando você der esmola, não deixe a sua mão esquerda saber o que
tua mão direita está fazendo, para que a tua esmola esteja em segredo.
—Jesus de Nazaré (Mateus 6:3–4)
“esmola” (do grego eleēmosynē) vem da palavra “misericórdia” (do grego eleos).
Também é importante enfatizar que quando Provérbios diz que quem dá aos
pobres “empresta” (lei em hebraico) ao Senhor (19:17), este é o termo técnico
para dar um “empréstimo” que será reembolsado. 7 Por outras palavras, de acordo
com a Bíblia Judaica, quando você dá esmolas aos pobres, você na verdade os
“empresta” a Deus, que acabará por lhe “retribuir” pela bondade demonstrada aos
necessitados.8
para fazer exercícios espirituais que deveriam ser remédios (não causas) pelo
pecado.
A Esmola E O “Tesouro” No Céu
Além disso, assim como o livro de Provérbios descreve a esmola como um
“empréstimo” a Deus, Jesus também descreve a esmola como o armazenamento
de um “tesouro” num banco celestial:
Venda seus bens e dê esmolas; munii-vos de bolsas que não envelheçam, de
um tesouro nos céus que não se acabe, onde nenhum ladrão se aproxima e
nenhuma traça destrói. Pois onde estiver o seu tesouro, aí estará também o
seu coração. (Lucas 12:33–34)
Segundo Jesus, a forma como uma pessoa acumula “tesouros nos céus” é
precisamente doando tesouros na terra. Para este fim, Jesus descreve a prática da
esmola usando a impressionante imagem de encher uma “caixa do tesouro” ou
“arco do tesouro” celestial (grego thēsauros) (Lucas 12:33).9 Por que ele faz isso?
Para mostrar que a esmola tem o poder de mudar o coração humano. Afinal, as
pessoas colocam apenas coisas que lhes são preciosas em baús de tesouro. Ao
ordenar aos seus discípulos que deem aos pobres, ele os ensina a amar o próximo
mais do que os seus bens.
A Parábola Das Ovelhas E Dos Cabritos
Finalmente, e mais importante de tudo, o próprio Jesus ensina claramente
que dar aos pobres é necessário para a salvação. Em nenhum lugar isso fica mais
claro do que em sua famosa parábola das ovelhas e dos bodes (ver Mateus 25:31–
46). Esta parábola é uma descrição detalhada da Segunda Vinda de Jesus e do
Julgamento Final da humanidade.
Embora a parábola das ovelhas e dos cabritos seja demasiado longa para
ser citada na íntegra aqui, o ponto principal para nós é que a principal diferença
entre as ovelhas e os cabritos é se deram aos pobres. Considere as seguintes
palavras de Jesus:
As ovelhas (= Aqueles que dão As cabras (= aqueles que não o
Esmolas) fazem)
Eu estava com fome e me deste de Eu estava com fome e não me deste
comer de comer
Eu estava com sede e me deste de Eu estava com sede e não me deste de
beber beber
71
Observe aqui que Paulo espera que todos – não apenas os ricos – reservem
“alguma coisa” para “os santos” – que é o termo de Paulo para “os pobres” que
vivem em Jerusalém (Romanos 15:26; Gálatas 2:10).
A Fé Sem Esmola Está Morta
Talvez ainda mais impressionante seja o ensino da carta de Tiago. Embora
muitas pessoas estejam familiarizadas com a famosa passagem em que Tiago
declara que a “fé” sem “obras” está “morta” (Tiago 2:17), o que muitas vezes
passa despercebido é que quando Tiago fala sobre “obras”, ele está falando
principalmente sobre a esmola:
Se um irmão ou uma irmã estiver mal vestido e carente do alimento diário, e
um de vós lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e sacie-se”, sem lhe dar as coisas
necessárias para o corpo, que aproveita isso? Assim, a fé por si só, se não
tiver obras, está morta. (Tiago 2:15–17)
No contexto, Tiago está ensinando claramente que a fé sem “obras” de
caridade está morta (Tiago 2:17). O tipo de “fé” que fecha os olhos aos pobres –
especialmente aos irmãos e irmãs cristãos – não tem o poder de “salvar” (Tiago
2:14). Por outras palavras, se dissermos que temos fé, mas não damos aos pobres,
então a nossa fé está morta.
A Esmola E O Lar Cristão
Também importante: se a esmola é realmente necessária para a salvação,
então não deveria ser algo ocasional, mas sim uma parte regular da vida espiritual
dos seguidores de Jesus. Considere, por exemplo, as palavras do escritor João
Crisóstomo, do século IV:
Portanto… vamos arrecadar dinheiro em casa com o propósito explícito da
esmola…. Desta forma, portanto, que a casa de todos se torne uma igreja que
terá dinheiro sagrado armazenado dentro dela. Onde quer que o dinheiro seja
guardado para os pobres, esse lugar é inacessível aos demônios; e o dinheiro
arrecadado para a esmola fortalece os lares cristãos mais do que um escudo,
uma lança, armas, força física e multidões de soldados.10
Ao cultivarmos o hábito de reservar dinheiro para os pobres, as nossas casas
serão verdadeiramente transformadas naquilo que Crisóstomo chama noutros
lugares de “pequena igreja” (em grego mikra ekklēsia) e naquilo a que Agostinho
se referiu como “igreja doméstica” (em latim, Ecclesia domestica). 11
73
9 A ORAÇÃO DO SENHOR
Quando você orar, vá para o seu quarto e... ore então, assim: Pai Nosso…
—Jesus de Nazaré (Mateus 6:6, 9)
O TERCEIRO E ÚLTIMO exercício espiritual que Jesus dá aos seus
discípulos no Sermão da Montanha é a oração. Dos três, Jesus dedica mais atenção
à oração. Assim como Jesus ensina os seus seguidores a jejuar e a dar esmolas
secretamente, também lhes ordena que pratiquem a oração secreta – entrando no
seu “quarto” e falando com o seu “Pai que está em secreto” (Mateus 6:6). Além
disso, Jesus não só ensina aos seus discípulos como orar, mas também lhes diz o
que dizer, dando-lhes as palavras da Oração do Pai Nosso, comumente conhecida
como Pai Nosso (latim Pater Noster) (Mateus 6:9-13).
Por mais de mil anos, os escritores espirituais cristãos têm trabalhado para
desvendar o significado da Oração do Senhor. Considere as seguintes palavras de
comentaristas ao longo dos séculos:
Um resumo de todo o Evangelho pode ser encontrado na oração [do Pai Nosso].
—Tertuliano de Cartago (século III)1
O Pai Nosso é a mais perfeita das orações…. Nela pedimos não apenas todas as
coisas que podemos desejar corretamente, mas também na sequência em que
devem ser desejadas.
—Tomás de Aquino (século XIII)2
No Pai Nosso o Senhor nos ensinou todo o método de oração…. Nas suas poucas
palavras estão consagradas toda a contemplação e perfeição, de modo que, se o
estudarmos, nenhum outro livro parece necessário.
—Teresa de Ávila (século XVI)3
Estas são afirmações impressionantes. Segundo esses escritores, o Pai
Nosso nada mais é do que o resumo do Evangelho e a maior de todas as orações.
Mas o que realmente significam as palavras do Pai Nosso? Além disso, por
que Jesus insiste que seus discípulos entrem em seu “quarto” para orar a Deus, o
Pai, “em segredo”? Para responder a estas perguntas, precisaremos examinar mais
de perto a única oração feita aos seus discípulos pelo próprio Jesus.
75
insistência em dirigir-se a Deus como “Pai” (Mateus 6:9; Lucas 11:2). Embora a
oração a Deus como “Pai” não seja inédita nas Escrituras Judaicas,
definitivamente não é a norma. No entanto, só no Sermão da Montanha, Jesus
refere-se a Deus como “Pai” dezessete vezes. 7 E nos quatro Evangelhos como um
todo, Jesus refere-se a Deus como “Pai” mais de 170 vezes!
Claramente, uma das primeiras coisas que Jesus quer que os seus discípulos
aprendam é a falar com Deus não apenas como o “Senhor” do universo, mas como
o seu “Pai” (Mateus 6:9; Lucas 11:2). Desta forma, Jesus enfatiza a intimidade
com que devem falar com Deus na oração.
correto, as implicações são enormes, uma vez que Jesus mais tarde se identificará
– em particular, a sua “carne” – como o verdadeiro “pão que desceu do céu” (João
6:48-51). Vista sob esta luz, a primeira coisa que Jesus ensina os discípulos a pedir
na oração do Pai Nosso é o dom do “pão” que Ele “dará pela vida do mundo”
(João 6:51).
Na quinta petição, Jesus ensina seus discípulos a pedir ao Pai que perdoe
suas “dívidas” – uma antiga forma judaica de se referir aos “pecados” (Mateus
6:13; compare com Lucas 11:4).13 Curiosamente, esta é a única petição na Oração
do Pai Nosso que é condicional. Este ponto é tão importante que Jesus o repete
imediatamente:
Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai
celestial vos perdoará; mas se vocês não perdoarem aos homens as suas
ofensas, também o seu Pai não perdoará as suas ofensas. (Mateus 6:14–15)
Estas podem muito bem ser as palavras mais aterrorizantes do Evangelho.
Pois Jesus afirma aqui em termos inequívocos que o perdão de Deus depende
inteiramente de seus discípulos perdoarem os outros. 14
Na sexta petição – “não nos deixeis cair em tentação” – Jesus ensina os seus
discípulos a pedir ao Pai que não os deixe ser provados além das suas forças. Ao
contrário do que muitas pessoas supõem, esta frase não significa que Deus tenta
as pessoas a pecar. Por um lado, no hebraico antigo, um verbo causal pode ser
usado com um significado permissivo: assim, “Não nos deixe cair em tentação”
significa “Não nos permita cair em tentação”. 15 Além disso, o Novo Testamento
afirma claramente que “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a
ninguém tenta” (Tiago 1:13). No entanto, em grego, as palavras para “tentação” e
“prova” são as mesmas (grego peirasmos).
Aqui, Jesus está instruindo seus discípulos a pedir ao Pai que seja
misericordioso diante de sua própria fraqueza, não permitindo que caiam em
tentação.
Na sétima petição – “livra-nos do mal” – Jesus ensina os seus discípulos a
pedir a Deus que os liberte do poder de Satanás. No original grego, a palavra
“mal” significa literalmente “o maligno” (grego ho ponēros).
Vista sob esta luz, a linha final não é uma oração por proteção contra o
sofrimento e a morte, mas contra o poder do mal. Para Jesus, a oração não é apenas
um exercício espiritual; faz parte de uma grande batalha espiritual entre o bem e
o mal.
80
Que paralelos impressionantes! Como eles deixam bem claro, o Pai Nosso
não é uma oração comum. Com as suas palavras, Jesus torna-se verdadeiramente
“o mestre e o modelo da nossa oração”. 16
queria que seus discípulos orassem sozinhos precisamente para que pudessem
cultivar um relacionamento com Deus como seu Pai. Como disse um antigo
escritor cristão: “A oração é intimidade com Deus”.19 Da mesma forma, Teresa
de Ávila destacou há muito tempo:
Quando você nunca se comunica com uma pessoa, ela logo se torna um
estranho para você e você se esquece de como falar com ela; e em pouco
tempo, mesmo que ele seja um parente, você sente como se não o
conhecesse, pois tanto o parentesco quanto a amizade perdem sua influência
quando a comunicação cessa. 20
Em outras palavras, se a única vez que falamos com Deus é em público,
então provavelmente não temos um relacionamento real com ele. Por outro lado,
quando conversamos frequentemente com ele em particular, iremos realmente
conhecê-lo. Esta intimidade com Deus que se desenvolve naturalmente durante a
oração secreta é essencial para a vida espiritual.
Como Evitar Distrações
Ao mesmo tempo, é fácil recitar as palavras do Pai Nosso de maneira
mecânica. Todos nós nos distraímos. Então o que nós podemos fazer? Por um
lado, devemos resistir à tentação de nos apressarmos. Como escreve Francisco de
Sales:
Não tenha pressa... procure falar com o coração. Um único Pai Nosso dito com
sentimento tem maior valor do que muitos ditos rápida ou apressadamente.21
Em seguida, também precisamos lembrar com quem estamos falando.
Como diz Teresa de Ávila:
Se quiseres recitar bem o Pai Nosso, uma coisa é necessária: não deves sair
do lado do Mestre que te ensinou…. O melhor remédio que encontrei para
[a distração] é tentar fixar minha mente na Pessoa por quem as palavras
foram ditas pela primeira vez. Tenha paciência, então, e tente transformar
essa prática necessária em um hábito. 22
Ao desenvolver este hábito de fixar a mente em Jesus antes de começar a
dizer o Pai Nosso, tomamos o lugar do discípulo que primeiro lhe pediu
humildemente: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lucas 11:1).
Um Remédio Para O Orgulho Da Vida
Finalmente, assim como o jejum é um remédio para a “concupiscência da
carne” e a esmola é um remédio para a “concupiscência dos olhos”, também a
82
oração secreta é um remédio para a “orgulho da vida” (1 João 2). :16). Pois é
preciso humildade para um ser humano se ajoelhar quando está sozinho e implorar
a ajuda de Deus:
A humildade é a base da oração. Somente quando reconhecemos
humildemente que “não sabemos orar como convém”, estamos prontos para
receber gratuitamente o dom da oração. “O homem é um mendigo diante de
Deus.” 23
Em outras palavras, se lutamos contra um amor desordenado por nós
mesmos, o melhor antídoto é a oração humilde. Ao escrever as palavras do Pai
Nosso em nossos corações, aprenderemos a rezar como o próprio Jesus rezou,
desde as profundezas infinitas de sua própria humildade divina. Nas palavras de
um antigo escritor cristão, “Quando fizermos a nossa oração, deixe o Pai
reconhecer as palavras do seu próprio Filho. Que aquele que vive dentro do nosso
coração esteja também na nossa voz.” 24
Agora que examinamos atentamente as três tentações que todo ser humano
caído experimenta e os três remédios espirituais dados por Jesus no Sermão da
Montanha, é hora de examinar mais de perto algumas maneiras pelas quais essa
“tríplice concupiscência” se manifesta na vida humana. Na próxima secção,
começaremos a analisar atentamente como identificar e erradicar os sete pecados
capitais e como desenvolver as suas virtudes opostas.
83
VÍCIOS E VIRTUDES
10 OS SETE PECADOS
Então ele vai e traz consigo outros sete espíritos mais malignos do que ele.
—Jesus de Nazaré (Mateus 12:45)
COMO VIMOS NOS últimos quatro capítulos, de acordo com a Bíblia, a
queda da humanidade foi provocada por três tentações que mais tarde vieram a
ser conhecidas como a “tripla concupiscência”: o desejo humano desordenado de
prazer, posses e orgulho (cf. (Gênesis 3:6; 1 João 2:16). Agora que esclarecemos
as origens da pecaminosidade humana, precisamos nos voltar para exemplos
específicos de pecados que precisam ser remediados por aqueles que estão
começando a trilhar o caminho espiritual de Jesus.
Desde os tempos antigos, os escritores cristãos destacaram sete pecados
específicos que precisam ser erradicados, especialmente nos estágios iniciais da
vida espiritual.1 Por exemplo, no século VI, o Papa Gregório, o Grande, escreveu
sobre os “sete vícios principais”. 2 Na época medieval, Tomás de Aquino
padronizou a lista dos “sete vícios capitais”. 3 No período moderno, o escritor
espanhol do século XVI, Inácio de Loyola, considerava que evitar os “Sete
Pecados Capitais” era um componente essencial da primeira fase do crescimento
espiritual. 4
A razão pela qual estes sete vícios ou pecados são chamados de “capital” é
porque eles estão na “cabeça” (latim caput) ou origem de muitos outros pecados.
Eles podem ser listados da seguinte forma:
1. Orgulho
2. Inveja
3. Ira
4. Avareza (também conhecida como ganância)
5. Luxúria
6. Gula
7. Preguiça
Definiremos cada um deles com mais detalhes posteriormente. Por
enquanto, vale ressaltar que existem diferentes formas de contar e identificar os
pecados capitais.
84
Se o seu inimigo implorar com grande voz, não fique persuadido; pois sete
vícios estão em sua alma. (Provérbios 26:25 LXX)7
Nas Escrituras Hebraicas, a palavra “abominação” (em hebraico to‘ebah) é
frequentemente usada para se referir a algo ritual ou moralmente ofensivo a Deus.8
No contexto, Provérbios aqui usa o sentido moral da palavra para se referir aos
85
sete pecados do coração. Pelo menos foi assim que a antiga tradução grega de
Provérbios interpretou a expressão. Existem “sete vícios” ou “sete males” (grego
hepta ponēriai) dentro da “alma” humana (Provérbios 26:25 LXX). 9
Significativamente, foi precisamente esta passagem de Provérbios que
levou o escritor cristão do século IV, João Cassiano, a falar da “fonte sétupla do
vício” na alma humana. 10
Os Sete Pecados em Provérbios
Notavelmente, o livro de Provérbios também contém ensinamentos
detalhados sobre todos os sete vícios principais – bem como sobre suas virtudes
opostas. Considere o seguinte gráfico:
Os Sete Pecados Capitais e as Sete Virtudes Opostas em Provérbios
1. Orgulho 1. Humildade
(Provérbios 6:16–17; 21:24) (Provérbios 15:33; 29:23)
2. Inveja 2. Misericórdia
(Provérbios 24:19–20; 27:4) (Provérbios 14:21, 31; 19:17)11
3. Ira 3. Mansidão
(Provérbios 15:18; 19:19; 27:4) (Provérbios 16:32; 19:11; 29:8, 11)
4. Avareza 4. Generosidade
(Provérbios 11:1; 15:27; 20:10, 23; (Provérbios 19:6, 17; 28:27)
25:14)
5. Luxúria 5. Castidade
(Provérbios 6:24–29) (Provérbios 5:15–20)
6. Gula 6. Temperança
(Provérbios 20:1; 23:19–21, 29–35) (Provérbios 23:1–3, 6–8)
7. Preguiça 7. Diligência
(Provérbios 6:9–11; 24:30–34; 26:13– (Provérbios 6:6–8; 10:4–5; 13:4–5;
16) 28:19; 31:27)
dos sete pecados capitais – bem como as suas virtudes opostas. Considere o
seguinte gráfico:
1. Orgulho 1. Humildade
(Marcos 7:22; Lucas 18:9–14) (Mateus 5:3; 18:1–4; Lucas 14:7–
11)
2. Inveja 2. Misericórdia
(Lucas 15:25–32) (Mateus 5:7; Lucas 6:32–36)
3. Ira 3. Mansidão
(Mateus 5:21–26) (Mateus 5:5; 5:38–40)
4. Ganância 4. Generosidade
(Mateus 6:19–24; Lucas 12:13–21) (Mateus 5:42; Lucas 6:30–31; 14:12–
14; Atos 20:35)
5. Luxúria 5. Castidade
(Mateus 5:27–30) (Mateus 5:8; cf. 5:28)
6. Gula 6. Temperança
(Mateus 24:45–51; Lucas 16:19– 31; (Mateus 5:6; 6:25–33)
21:34–35)
7. Preguiça 7. Diligência
(Mateus 25:14–30) (Mateus 24:44–46; Marcos 13:33–
36)
Quando atacados por algum vício devemos praticar o máximo que pudermos
a virtude contrária e referir a ela todas as outras. Desta forma venceremos o
nosso inimigo e ao mesmo tempo avançaremos em todas as virtudes. 21
Em outras palavras, não basta tentar esvaziar nossos corações de qualquer
vício contra o qual mais lutamos. Também precisamos começar a preenchê-lo
com a virtude oposta. Com isto em mente, podemos agora começar o nosso estudo
de cada um dos pecados capitais e das suas virtudes contrastantes. Começaremos
com o principal pecado de todos: o orgulho.
90
Não há outro vício… que reduza a nada todas as virtudes e despoje e empobreça
um ser humano de toda a justiça e santidade, como faz o mal do orgulho.
—João Cassiano (século V)3
Não importa qual seja o seu estado de vida, é essencial matar esse amor egoísta
que existe em você.
—Catarina de Siena (século XIV)6
(Isaías 14:13 –14). Deste ponto de vista, o pecado do orgulho não é apenas a razão
da queda dos primeiros humanos. É também a razão da queda de Satanás.11
O Pecado do Orgulho em Provérbios
O terceiro e último exemplo de orgulho nas Escrituras Judaicas vem de dois
ditos bastante chocantes:
Todo aquele que é arrogante é abominável ao Senhor; tenha certeza, ele não
ficará impune. (Provérbios 16:5)12
JESUS E O ORGULHO
Quando nos voltamos das Escrituras Judaicas para Jesus, encontramos a
mesma oposição radical ao pecado do orgulho. Como já vimos, Jesus alerta
repetidamente seus discípulos para não realizarem exercícios espirituais “para
serem vistos” por outros (Mateus 6:1–2, 5, 16, 18). A razão é simples, mas
importante: se uma pessoa ora, jejua ou dá aos pobres para ser exaltada aos olhos
dos outros, então ela acaba cometendo o pecado do orgulho no próprio ato de fazer
obras que deveriam ser remédios para o pecado.
Além desta advertência básica, há duas passagens principais nos
Evangelhos nas quais Jesus identifica explicitamente o orgulho como pecado.
O Mal do Orgulho
Para começar, quando Jesus dá uma lista dos principais vícios, o orgulho
está bem no centro:
De dentro, do coração do homem, vêm os maus pensamentos, a fornicação,
o roubo, o assassinato, o adultério, a cobiça, a maldade, o engano, a
94
elogia a si mesmo enquanto ora sobre duas coisas – jejum e esmola – que Jesus
insiste que seus discípulos façam em segredo, para evitar elogios (ver Mateus 6:1–
18).
Com estes pontos em mente, podemos ver que Jesus está us ando esta
parábola para derrubar as expectativas comuns sobre a virtude e o vício e para dar
um exemplo de orgulho espiritual. Ao focar na diferença entre as orações dos dois
homens, ele mostra que um é orgulhoso e o outro humilde:
tem algo de bom, acredite que os outros têm melhor; desta forma, você
permanece humilde. Não lhe fará mal nenhum considerar-se o pior de todos,
mas lhe fará mal preferir-se a qualquer outra pessoa. Os humildes vivem em
paz contínua. 20
Embora possa ser um pouco mais fácil ser humilde para com Deus – afinal,
ele é o Criador do universo – pode ser muito difícil praticar a humildade para com
o próximo. No entanto, é o único caminho para a paz e a felicidade.
Felizes São Os Pobres De Espírito
Finalmente, precisamos pedir a Deus que nos dê a virtude da humildade.
Esta virtude é tão fundamental que logo no início do Sermão d a Montanha é a
primeira coisa de que Jesus fala:
Ele subiu na montanha…. E ele abriu a boca e os ensinava, dizendo: “Bem-
aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. (Mateus
5:1–3)
Para compreender esta bem-aventurança, é importante perceber que a
palavra traduzida como “bem-aventurado” significa literalmente “feliz” (do grego
makarios).21
Além disso, quando Jesus fala de ser “pobre de espírito”, esta é uma antiga
forma judaica de se referir à humildade. 22 Considere o seguinte:
É melhor ser humilde de espírito com os pobres do que dividir o despojo com
os orgulhosos. (Provérbios 16:19)
O orgulho de um homem o abaterá, mas aquele que é humilde de espírito
obterá honra. (Provérbios 29:23)
Por outras palavras, Jesus começa o Sermão da Montanha ensinando aos
seus discípulos que a virtude da humildade – o oposto do orgulho – não é apenas
necessária para entrar no reino dos céus, mas é também a chave para a felicidade.23
Embora os orgulhosos pensem que serão felizes exaltando-se acima dos outros e
diante de Deus, estão redondamente enganados. No final, o orgulho isola -nos de
Deus e dos outros e torna-nos infelizes.24 Assim, cultivar a virtude da humildade
é um dos primeiros passos no caminho espiritual que Jesus deu aos seus discípulos
quando os ensinou a ser felizes.
Infelizmente, o pecado do orgulho não se contenta em ficar sozinho. O amor
próprio desordenado muitas vezes dá origem a outros vícios, outros pecados. No
98
Nenhuma alegria por si só agrada a alma angustiada, ferida pela sua própria dor;
a felicidade de outra pessoa o atormenta…. Uma vez que a inveja infecta a
mente, ela elimina todas as boas obras que encontra.
—Gregório, o Grande (século VI)2
A inveja…é totalmente contrária à caridade, que, como diz São Paulo, se alegra
com o bem.
—João da Cruz (século XVI)4
Os escritores espirituais estão corretos? A inveja é realmente tão mortal?
Por que os seres humanos muitas vezes respondem à felicidade ou à prosperidade
de outras pessoas ficando tristes e procurando tirar o que não lhes pertence?
100
apresentado a Deus uma oferta aceitável, Deus teria ficado satisfeito (Gênesis
4:7). Além disso, a tristeza de Caim provém do seu orgulho – da sua falta de
vontade de se culpar pela sua própria incapacidade de agradar a Deus. Ele fica
irritado com Abel porque a bondade de Abel faz Caim ficar mal.
Em vez de sentir tristeza pelo seu próprio pecado, o que o teria levado ao
arrependimento, Caim sente tristeza pela boa sorte de Abel – a própria definição
de inveja. Por fim, a tristeza de Caim o leva a cobiçar os elogios que Abel possui.
Se Caim não puder receber o louvor de Deus, então ele roubará o louvor de Abel
tirando a vida de seu irmão. No final, a inveja de Caim leva diretamente ao ódio
por Abel – um ódio que resulta no primeiro assassinato da Bíblia. Por tais razões,
desde os tempos antigos, os intérpretes cristãos reconheceram que “foi a inveja
que corrompeu Caim” e o levou a matar aquele “que ele odiava por ser melhor do
que ele”. 8
O Mandamento Contra A Cobiça
O segundo ensinamento chave sobre a inveja nas Escrituras Judaicas vem
das palavras finais dos Dez Mandamentos. Ali, Deus proíbe o seu povo de cobiçar
os cônjuges ou os bens uns dos outros:
Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo,
nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem
qualquer coisa que seja do teu próximo. (Êxodo 20:17)
Neste mandamento, a palavra “cobiçar” ou “desejo” (hebraico chamed)
refere-se a um “desejo desordenado, desgovernado e egoísta de adquirir” o que
pertence por direito a outra pessoa. 9 Note que a cobiça é um pecado interior.
Todos os outros mandamentos envolvem ações externas, como idolatria,
blasfêmia, assassinato e assim por diante. Por outro lado, o mandamento contra a
cobiça concentra-se no que acontece no coração. Embora a inveja possa levar a
ações externas, como adultério ou roubo, ela começa como um desejo que vem de
dentro.
Talvez essa seja uma das razões pelas quais o livro de Provérbios descreve
o “ciúme” dos outros como um tipo de doença que causa o apodrecimento dos
ossos:
A mente tranquila dá vida à carne, mas o ciúme apodrece os ossos.
(Provérbios 14:30)10
Na antiga tradução latina de Provérbios, a palavra “ciúme” (hebraico
qin’ah) foi traduzida como “inveja” (latim invidia) (Provérbios 14:30 Vulgata).
102
Foi este mesmo versículo que levou um antigo escritor cristão a descrever
a inveja como uma doença interior da alma: “Salomão disse corretamente: ‘Um
coração saudável significa a vida da carne, mas a inveja significa ossos podres.”11
A Inveja Do Diabo
O terceiro e último exemplo de inveja no Antigo Testamento vem da
Sabedoria de Salomão. Embora este livro não esteja nas Bíblias judaicas ou
protestantes contemporâneas, desde os tempos antigos ele foi reconhecido como
Escritura pelos cristãos católicos e ortodoxos. Como vimos no capítulo anterior,
segundo Isaías, foi o orgulho que levou “Lúcifer” a cair do céu (Is aías 14). De
acordo com o livro da Sabedoria, foi a “inveja” (grego phthonos) que levou o
diabo a tentar Adão e Eva:
Deus criou o homem para a incorrupção e o fez à imagem de sua própria
eternidade, mas através da inveja do diabo a morte entrou no mundo, e
aqueles que pertencem ao seu partido a experimentam. (Sabedoria de
Salomão 2:23–24)
Com estas palavras, a Sabedoria de Salomão reflete a antiga tradição
judaica de que o diabo inveja Adão e Eva porque possuem o estado de “justiça” e
“incorrupção” que ele próprio perdeu. 12 Embora o diabo já não possa possuí-la
para si mesmo, ele ainda cobiça os dons da graça de Deus que Adão e Eva
receberam. Tal como aconteceu com Caim, esta inveja espiritual leva o diabo a
cometer assassinato – provocando a morte espiritual do primeiro homem e da
primeira mulher.
JESUS E A INVEJA
Quando abrimos os Evangelhos em busca do que Jesus diz sobre a inveja,
duas passagens se destacam: sua inclusão da “inveja” e da “cobiça” na lista dos
males que vêm do coração de uma pessoa (Marcos 7:21-23), e a história da inveja
do irmão mais velho na segunda metade da parábola do filho pródigo (Lucas
15:25–32). Vamos dedicar alguns momentos para examinar cada um.
O Mal Da Inveja
Tal como acontece com o orgulho, o mesmo acontece com a inveja: Jesus
inclui-o numa pequena lista de vícios especialmente malignos:
De dentro, do coração do homem, vêm os maus pensamentos, a fornicação, o
roubo, o assassinato, o adultério, a cobiça, a maldade, o engano, a licenciosidade,
103
a inveja, a calúnia, o orgulho, a tolice. Todas essas coisas más vêm de dentro e
contaminam o homem. (Marcos 7:21–23)
Nesta passagem, a palavra “cobiça” (grego pleonexia) pode ser definida
como “o estado de desejar ter mais do que é devido”. 13 A palavra “inveja”
significa literalmente “mau-olhado” (grego oftalmos ponēros) – uma antiga
expressão judaica que se refere a “uma atitude de inveja, ciúme ou mesquinhez”.14
Ambos os termos estão intimamente relacionados à avareza (também conhecida
como ganância), que discutiremos em um capítulo posterior. Por enquanto, o
ponto principal é que Jesus, tal como as Escrituras Judaicas antes dele, identifica
tanto a “cobiça” como a “inveja” como pecados especialmente interiores, que
saem do coração de uma pessoa. A inveja não é apenas prejudicial; ela é má.
A Inveja Do Filho Mais Velho
Assim como o principal exemplo de inveja nas Escrituras Judaicas envolve
a história de dois irmãos – Caim e Abel – o mesmo ocorre na Parábola de Jesus
do Filho Pródigo. No capítulo 4, concentramo-nos na primeira metade da
parábola, que conta como o filho mais novo tomou a sua parte na propriedade do
pai e desperdiçou-a numa “vida dissoluta” antes de se arrepender e voltar para
casa (ver Lucas 15:11–24). Passamos agora para a segunda metade, que descreve
a resposta do filho mais velho:
O filho mais velho estava no campo. Ao voltar e aproximar-se da casa, ouviu
a música e as danças. Chamou um servo e perguntou-lhe o que havia. Ele lhe
explicou: Voltou teu irmão. E teu pai mandou matar um novilho gordo,
porque o reencontrou são e salvo. Encolerizou-se ele e não queria entrar, mas
seu pai saiu e insistiu com ele. Ele, então, respondeu ao pai: Há tantos anos
que te sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um
cabrito para festejar com os meus amigos. E agora, que voltou este teu filho,
que gastou os teus bens com as meretrizes, logo lhe mandaste matar um
novilho gordo! Explicou-lhe o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o
que é meu é teu. Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava
morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado”. (Lucas 15:25–32)
Qualquer judeu do primeiro século que ouvisse esta parábola de Jesus
captaria facilmente os ecos da história de Caim e Abel: um irmão mais velho que
fica zangado com o irmão mais novo porque o irmão mais novo recebe o favor do
pai. 15 Não é de admirar que, na parábola de Jesus, a resposta do filho mais velho
exemplifique o pecado da inveja de várias maneiras.
104
Por um lado, o filho mais velho recusa-se a alegrar-se com a boa sorte do
arrependimento do seu irmão. Assim como Caim, em vez de ficar feliz, ele está
“zangado” com seu irmão mais novo (Lucas 15:28). Ele tem inveja da matança
do bezerro cevado e da comemoração feita pelo pai. Além disso, assim como
aconteceu com Caim, a inveja do filho mais velho é irracional. Afinal, o filho mais
novo ficou com apenas “a parte da propriedade” que era dele por direito (Lucas
15:12).
Ele não levou nada que pertencesse ao irmão mais velho. No entanto, o
filho mais velho vê o favor do pai para com o filho mais novo como uma ameaça
para ele – embora isso também não lhe tire nada. Como diz seu pai: “Tudo o que
é meu é seu” (Lucas 15:31). Finalmente, observe como a inveja do filho mais
velho está enraizada no orgulho. Ele está totalmente focado em si mesmo, em suas
realizações e em seus desejos. Ele se exalta acima de seu irmão mais novo,
divulgando como ele é muito melhor: quantos “anos” ele serviu e “nunca
desobedeceu” ao seu pai (Lucas 15:29). Ele nem se importa que seu próprio irmão
— que estava espiritualmente morto e perdido em pecado — foi restaurado à vida.
Ele está totalmente entregue a si mesmo. A inveja encheu seu coração de raiva e
amargura.
Em suma, de acordo com as Escrituras Judaicas e com Jesus, o pecado da
inveja ou da cobiça, embora profundamente escondido no coração de uma pessoa,
é tão mortal e destrutivo como outras violações mais visíveis dos Dez
Mandamentos. O que começa como tristeza pela boa sorte de outra pessoa pode
eventualmente se transformar em ódio – o desejo de que coisas ruins aconteçam
com ela. Da mesma forma, os feios vícios de fofoca, calúnia e difamação – revelar
desnecessariamente as falhas de outra pessoa – estão frequentemente enraizados
na inveja.
Finalmente, quando a boa sorte dos outros nos deixa tristes ou zangados em
vez de alegres, o único “prazer” que nos resta é a nossa capacidade de lhes infligir
dor, destruindo as suas reputações.16
Por esta razão, como diz o escritor espiritual medieval Tomás de Aquino:
“Os invejosos não têm misericórdia… nem o homem misericordioso é
invejoso”.19 (Pense aqui no filho mais velho, que certamente não mostrou
misericórdia para com o irmão mais novo.) Com esta ideia básica em mente,
podemos agora fazer a pergunta: O que faremos se a nossa culpa predominante
for a inveja?
Livre-Se De Toda Inveja
A primeira coisa a fazer se lutamos contra a tristeza pela boa sorte de outras
pessoas é, como acontece com todos os vícios, fazer um esforço consciente e
concertado para expulsar a inveja dos nossos corações.
Por exemplo, o apóstolo Pedro ordena aos cristãos que “deixem de lado
toda... inveja” (1 Pedro 2:1). O verbo grego para “pôr de lado” aqui também pode
ser traduzido como “livrar-se de”.20 Implica a remoção completa de algo da vida
de alguém. A razão para desenraizar radicalmente a inveja do coração é simples:
o apóstolo Paulo lista a “inveja” (em grego, phthonos) como uma das “obras da
carne” que excluirão uma pessoa do “reino de Deus” (Gálatas 5:19, 21). Tal como
acontece com os outros Dez Mandamentos, quando a inveja envolve assuntos
graves – como cobiçar o cônjuge ou o sustento do próximo – é um pecado mortal.
O que começa como tristeza pela boa sorte de outra pessoa (inveja) pode
facilmente se transformar no desejo de que coisas ruins aconteçam a essa pessoa
(ódio).
106
Afirmo absolutamente e não faço exceção, não fique zangado se isso for
possível. Não aceite nenhum pretexto para abrir a porta do seu coração à
raiva…. Aqueles que aparecem em público como anjos, mas são demônios
em suas próprias casas, falham muito.
—Francisco de Sales (século XVII)6
108
JESUS E A IRA
Quando passamos das Escrituras Judaicas para a vida de Jesus,
encontramos imediatamente exemplos de ira justa (que o próprio Jesus
demonstra) e ira pecaminosa (que Jesus rejeita completamente).
110
Irai-vos, mas não pequeis; não deixe o sol se pôr sobre a sua raiva e não dê
oportunidade ao diabo…. Sejam afastados de vós toda a amargura, e cólera,
e ira, e clamor, e calúnia, bem como toda a malícia, e sede bondosos uns para
com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como Deus vos
perdoou em Cristo. (Efésios 4:26–27, 31–32)
Observe aqui que Paulo não proíbe toda ira (“Irai-vos”) – apenas a ira
pecaminosa (“mas não pequeis”). Como podemos saber a diferença? Se o dia
terminou e ainda estamos furiosos, então provavelmente é do tipo pecaminoso. Se
isso leva à amargura e ao “clamor” da discussão, então é definitivamente mau.
Seja Lento Para Se Irritar
Então, qual é o remédio? Escolhendo perdoar aqueles que nos feriram –
assim como Deus nos perdoou em Cristo. 13 Na verdade, quem somos nós para
ficarmos furiosos com os outros quando o próprio Deus foi paciente conosco e
nos perdoou tantas vezes? Como ensina a carta de Tiago:
Que todo homem seja rápido para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar,
pois a ira do homem não opera a justiça de Deus. Portanto, deixem de lado
toda vulgaridade e malícia excessiva e recebam com mansidão a palavra
implantada, que é capaz de salvar suas almas. (Tiago 1:19–21)14
Tal como os outros pecados capitais, a raiva é uma porta de entrada para
outros vícios, tais como brigas, xingamentos, abuso verbal, abuso físico e até
mesmo derramamento de sangue. 15
Qualquer pessoa que tenha sofrido abusos nas mãos de alguém consumido
pela ira saberá muito bem o dano causado por este pecado em particular.
Felizes São Os Mansos
Outra coisa que precisamos fazer é pedir a Deus que nos dê a virtude da
brandura, também conhecida como “mansidão”. 16 Mais uma vez, é o próprio Jesus
quem coloca a mansidão na vanguarda do Sermão da Montanha:
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. (Mateus 5:5)
Para compreender esta bem-aventurança, três pontos são necessários.
Primeiro, como observado acima, a palavra comumente traduzida como
“abençoado” significa literalmente “feliz” (grego makarios). Em segundo lugar,
a palavra “manso” (do grego praus) não significa “fraco”. 17 Refere-se, em vez
disso, aos “gentis” – isto é, aqueles que se recusam a ser vencidos pela raiva
113
porque confiam em Deus. Considere, por exemplo, como o livro dos Salmos
descreve os mansos:
Abstenha-se da raiva e abandone a ira! …
Porque os ímpios serão exterminados;
mas aqueles que esperam no Senhor possuirão a terra.
Ainda um pouco, e os ímpios não existirão mais...
Mas os mansos possuirão a terra.
(Salmo 37:8–11)
Terceiro, quando Jesus diz que os mansos herdarão “a terra” – ou “a terra”
(grego gē) – ele não está falando sobre a terra prometida terrena.
Em vez disso, ele está falando sobre a terra prometida celestial da nova
criação (ver Mateus 19:28).
Por outras palavras, Jesus começa o Sermão da Montanha mostrando aos
seus seguidores que a virtude da mansidão – o oposto da raiva – é outra chave
para a felicidade neste mundo e para a vida eterna no próximo. Embora os irados
pensem que ficarão satisfeitos infligindo punição para aqueles que os feriram, a
realidade é que a raiva apenas gera mais de si mesma. Por outro lado, aqueles que
se recusam a ceder à ira pecaminosa neste mundo um dia experimentarão a paz
da vida no mundo vindouro. Começar a erradicar o vício da raiva e a cult ivar a
virtude da gentileza é mais um passo crucial no caminho espiritual que Jesus deu
aos seus discípulos e a nós.
Agora que analisamos os três pecados capitais que estão enraizados num
desejo desordenado de poder – orgulho, inveja e raiva – podemos em seguida
voltar a nossa atenção para o pecado capital enraizado num desejo desordenado
de posses – a avareza.
114
Isso não é um pouco forte demais? Afinal, os seres humanos não precisam
de dinheiro e bens para sobreviver? Por que a avareza é tão perigosa? E é
realmente semelhante à idolatria e “a raiz de todos os males”?
115
invejosa que olha com um “olho” cobiçoso para o que pertence a outros, ou (2)
uma pessoa gananciosa que desvia o seu “olho” dos pobres e se recusa a dar -lhes
qualquer coisa. Aqui em Deuteronômio, o último tipo de ganância não é apenas
pouco atraente; é explicitamente chamado de pecado.
A Avareza Nunca Consegue o Bastante
A terceira passagem, do livro de Provérbios, também utiliza a imagem do
“mau-olhado” para descrever alguém cuja avareza o leva a passar a vida correndo
atrás de dinheiro e negligenciando a própria família:
Um homem com mau-olhado corre atrás da riqueza,
e não sabe que a necessidade virá sobre ele….
Aquele que rouba seu pai ou sua mãe
e diz: “Isso não é transgressão”,
é o companheiro de um homem que destrói.
Um homem ganancioso provoca conflitos,
mas aquele que confia no Senhor será enriquecido.
(Provérbios 28:22, 24–25)
JESUS E A AVAREZA
Ao abrirmos as páginas dos Evangelhos, encontramos duas passagens
clássicas em que Jesus aborda o pecado da avareza: seu ensino sobre o dinheiro
no Sermão da Montanha (Mateus 6:19-24) e a Parábola do Rico Insensato (Lucas
12:13–21). Vamos dedicar alguns momentos para examinar cada uma.
117
Na sua terceira frase, Jesus revela por que o amor de “mamom” (uma
palavra aramaica para “dinheiro”) é tão perigoso. A avareza expulsa o amor a
Deus do coração. De acordo com Jesus, uma pessoa amará o dinheiro e odiará a
Deus ou será devotada a Deus e desprezará o dinheiro. Não há meio termo. É por
isso que Jesus em outro lugar lista explicitamente “cobiça” ou “avareza” (grego
pleonexia; latin avaritia) como uma das “coisas más” que saem do coração
humano e o contaminam (Marcos 7:22-23). Não podemos amar a Deus e amar o
dinheiro ao mesmo tempo.
A Parábola Do Rico Insensato
Jesus também usa a parábola do rico insensato para ilustrar quão irracional
e espiritualmente perigosa é a ganância:
[Jesus] disse a [seus discípulos]: “Tende cuidado e guardai-vos de toda a
cobiça; pois a vida de um homem não consiste na abundância dos seus bens.”
E contou-lhes uma parábola, dizendo: A terra do rico produziu
abundantemente; e ele pensou consigo mesmo: ‘O que devo fazer, pois não
tenho onde armazenar minhas colheitas?’ E ele disse: ‘Eu farei isto:
derrubarei meus celeiros e construirei outros maiores; e ali armazenarei todos
os meus cereais e os meus bens. E direi à minha alma: Alma, tens em
depósito muitos bens para muitos anos; relaxe, coma, beba e divirta-se.’ Mas
Deus lhe disse: ‘Insensato! Esta noite sua alma é exigida de você; e as coisas
que preparaste, para quem serão?’ Assim é aquele que para si ajunta tesouros
e não é rico para com Deus.” (Lucas 12:15–21)
É importante notar que a palavra “cobiça” (do grego pleonexia) refere-se a
um desejo insaciável de adquirir bens. 11 Foi eventualmente traduzida para o latim
como “avareza” (latim avaritia) – o nome padrão para o quarto pecado capital.
No contexto, também se refere a um desejo irracional de acumular riquezas
terrenas. É por isso que Deus chama o homem rico de “tolo” ou “insensato” (grego
aphrōn) (Lucas 12:20). Mesmo do ponto de vista terreno, não faz sentido dedicar-
se a acumular tantas riquezas quando sua vida pode acabar a qualquer momento.
Do ponto de vista eterno, sua avareza é ainda mais tola, pois ao acumular tesouros
terrenos “para ele mesmo”, ele falhou em ser “rico para com Deus” (Lucas
12:21).12 Quando se trata de sua “conta bancária” celestial – que nada mais é do
que a caixa do “tesouro” de seu “coração” (Lucas 12 :34) - o homem rico está
espiritualmente falido.
119
É vaidade ceder aos desejos da carne e envolver-se em coisas pelas quais mais
tarde será severamente punido.
—Thomas de Kempis (século XV)4
JESUS E A LUXÚRIA
Com tudo isso em mente, estamos em melhor posição para entender o que
Jesus tem a dizer sobre a luxúria em duas passagens principais: sua descrição da
125
Afinal, ele é judeu. Não deveria nos surpreender que os Dez Mandamentos
estabeleçam o contexto para tudo o que Jesus dirá sobre a luxúria no coração. 14
Segundo, algumas traduções em inglês referem-se a todos que olham para
uma mulher “com luxúria” (Mateus 5:28, RSV) ou “com desejo” (NAB).
Contudo, no original grego, Jesus está na verdade citando o mandament o contra
a cobiça.15 Uma tradução mais literal seria “Todo aquele que olhar para uma
mulher com o objetivo de cobiçá-la [grego epithymēsai] já cometeu adultério com
ela em seu coração” (Mateus 5:28). 16 Esta é a mesma palavra usada na antiga
tradução grega conhecida como Septuaginta: “Não cobiçarás [grego epithymēseis]
a mulher do teu próximo” (Êxodo 20:17 LXX).
Por outras palavras – e isto é importante – Jesus não está a falar sobre
experimentar sentimentos involuntários de atração por causa da beleza física de
outra pessoa. Em vez disso, ele está falando sobre olhar deliberadamente para
alguém com o desejo de cometer pecado com ela. (Pense aqui no olhar de Davi
para Betsabeia).
Terceiro, caso haja alguma dúvida sobre isso, basta olharmos para a
imagem de Jesus de cometer “adultério” no “coração” (Mateus 5:28). Nas
Escrituras Judaicas, o “coração” é mais do que apenas a sede da emoção humana.
É o lugar da decisão, onde a pessoa escolhe fazer o bem ou o ma l.17 O
coração decide quem ou o que vamos amar. Como diz a Bíblia: “Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração” (Deuteronômio 6:5). Assim, Jesus não
está falando sobre sentir um desejo desordenado de prazer ilícito, mas sobre
escolher consentir com ele. É precisamente porque a luxúria entra tão facilmente
no coração humano que Jesus insiste que ela não tem absolutamente nenhum lugar
na vida dos seus discípulos: eles devem “arrancar” e “cortar” completamente
qualquer coisa nas suas vidas que os faça pecar através da luxúria. (Mateus 5:29–
30). Caso contrário, segundo Jesus, correm o risco de ficarem para sempre
separados de Deus na Geena. Em suma, Jesus leva o pecado da luxúria muito,
muito a sério.
Gula denota não qualquer desejo de comer e beber, mas um desejo desordenado.
—Tomás de Aquino (século XIII)5
JESUS E A GULA
Quando passamos das Escrituras Judaicas para os ensinamentos de Jesus,
três passagens envolvendo gula e embriaguez se destacam.
Jesus É Acusado De Ser “Glutão E Bêbado”
Por um lado, durante o seu ministério público, o próprio Jesus é falsamente
acusado de ambos os vícios:
[Jesus disse:] “João veio sem comer nem beber, e dizem: ‘Ele tem demônio’;
veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: ‘Eis aqui um glutão e
um beberrão, amigo de publicanos e pecadores!’” (Mateus 11:18–19; cf.
Lucas 7:34)
Num contexto judaico do primeiro século, a dupla acusação de ser “um
glutão e um bêbado” evoca diretamente a descrição bíblica do “filho rebelde”
133
JESUS E A PREGUIÇA
Quando passamos das Escrituras Judaicas para a vida e os ensinamentos de
Jesus, duas passagens lançam luz sobre o vício da preguiça: a Parábola dos
Talentos (Mateus 25:14-30) e a sonolência dos apóstolos no Getsêmani (Marcos
14:32). – 42). Vamos dedicar alguns momentos para examinar cada um deles de
perto.
140
Como mostra este gráfico, não basta receber o presente. O senhor espera
que o servo multiplique o que recebeu para que o senhor possa obter o retorno do
seu investimento quando for “acertar contas”.
Com tudo isto em mente, lembre-se que a Parábola dos Talentos, como a
maioria das parábolas de Jesus, é realmente sobre o reino dos céus. O mestre
representa Deus, enquanto os servos nos representam. Os talentos são as dádivas
de graças incrivelmente caras que recebemos, e o dia do acerto de contas é o Juízo
Final.
Embora não tenhamos que fazer nada para ganhar os dons iniciais da graça,
uma vez que eles são nossos, Deus exige que trabalhemos para multiplicá-los. Se
nos recusarmos a fazê-lo porque somos “preguiçosos” ou “ociosos”, seremos
lançados fora do reino e nas “trevas exteriores” (Mateus 25:30). 14 De acordo com
Jesus, se formos preguiçosos – por exemplo, se não multiplicarmos os dons
142
Feliz daquele servo que o senhor achar procedendo assim, quando vier!
(Lucas 12:43)
Mais uma vez, a virtude da diligência não consiste apenas em evitar o
julgamento divino. É mais um segredo dado por Jesus a quem deseja ser “bem-
aventurado” ou “feliz” (do grego makarios).
Trabalho Manual e Lectio Divina
Talvez seja por isso que o pai do monaquismo cristão ocidental do século
VI, Bento de Núrsia, especifica o trabalho manual e a meditação nas Escrituras
como o duplo remédio para a preguiça:
A ociosidade é inimiga da alma. Portanto, os irmãos devem ocupar-se em
determinados momentos no trabalho manual, e novamente em horas fixas na
leitura sagrada. 22
Observe aqui que Bento insiste em determinados horários fixos para
trabalho e oração. Isto é absolutamente crucial. Não se engane: nunca faremos
progresso na vida espiritual se não reservarmos consistentemente tempo para
ambos.
“Não podemos orar ‘em todos os momentos’ se não orarmos em momentos
específicos, desejando isso conscientemente.” 23 Observe também que quando
Bento fala de oração vigilante, ele se concentra em particular na “leitura sagrada”
(latim lectio divina) – isto é, meditação nas Escrituras. 24 Examinaremos mais de
perto a lectio divina no capítulo 20. Por enquanto, a questão é que a meditação
nas Escrituras requer tempo e esforço.
Em suma, a batalha contra a preguiça significa escolher todos os dias
acordar do sono e trabalhar em silêncio, com fidelidade e sem reclamar. Também
significa fidelidade absoluta em passar algum tempo todos os dias tanto na oração
vocal quanto na meditação. Se, pela graça de Deus, continuarmos a trabalhar e a
orar diligentemente – mesmo quando estamos cansados – então nós também um
dia ouviremos as palavras “Muito bem, servo bom e fiel” (Mateus 25:21).
145
A tristeza deve ser igualmente rejeitada como algo mundano e mortal, e deve ser
imediatamente expulsa de nossos corações.
—João Cassiano (século V)6
Finalmente, o próprio Jó é atingido por uma doença que cobre seu corpo com
“feridas repugnantes, desde a planta do pé até o alto da cabeça” (Jó 1:13 –2:7).
Imagine perder quase todos os seus bens. Se você é pai ou mãe, imagine
perder não apenas um dos seus filhos, mas todos eles – no mesmo dia.
Por fim, imagine viver com a dor constante dos furúnculos que cobrem todo
o seu corpo. Como você responderia? Eis como Jó e sua esposa respondem:
Então Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e raspou a cabeça, e prostrou-
se por terra, e adorou. E ele disse: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu
voltarei; o Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor.”
Em tudo isso Jó não pecou nem acusou Deus de algo errado. (Jó 1:20–22)
Então sua esposa lhe disse: “Você ainda mantém firme a sua integridade?
Amaldiçoe a Deus e morra.” Mas ele lhe disse: “… Receberemos o bem das
mãos de Deus e não receberemos o mal?” Em tudo isso Jó não pecou com os
seus lábios. (Jó 2:9–10)
Observe aqui que Jó experimenta profunda tristeza. Nas Escrituras
Judaicas, rasgar as roupas e raspar a cabeça são sinais habituais de extremo pesar.9
Ao mesmo tempo, a tristeza de Jó não o leva a pecar. Ele nunca acusa Deus de
fazer algo “errado” (Jó 1:22). Em vez disso, a tristeza de Jó o leva a orar. Jó
agradece a Deus por suas bênçãos e aceita humildemente o sofrimento que Deus
permitiu. Em total contraste, a tristeza da esposa de Jó a leva à blasfêmia. Suas
palavras infames – “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2:9) – podem ser a descrição
mais clara da tristeza pecaminosa em qualquer lugar da Bíblia.10 A esposa de Jó
não está apenas tomada pela tristeza; ela também desistiu de Deus. Sua tristeza a
levou ao desespero e ao ódio a Deus.
Tristeza Pecaminosa em Provérbios
Uma vez clara a distinção bíblica entre a tristeza segundo Deus e a tristeza
maligna, podemos entender melhor por que o livro de Provérbios adverte contra
esta última:
Um coração alegre torna um rosto alegre,
mas pela tristeza do coração o espírito fica quebrantado.
(Provérbios 15:13)
JESUS E A TRISTEZA
Quando nos voltamos para a vida e o ensino de Jesus nos Evangelhos, dois
exemplos-chave da diferença entre a tristeza segundo Deus e a tristeza mundana
se destacam: a tristeza de Jesus no Getsêmani (Mateus 26:36-44) e a tristeza do
jovem rico que escolheu não seguir Jesus (Marcos 10:19–22).
A Tristeza Piedosa De Jesus No Getsêmani
Durante sua agonia no Getsêmani, Jesus experimenta tristeza diante de seu
próprio sofrimento e morte:
Jesus foi com eles para um lugar chamado Getsêmani e disse aos seus
discípulos: “Sentem-se aqui, enquanto eu vou lá orar”. E levando consigo
Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se.
Então ele lhes disse: “Minha alma está profundamente triste até a morte; ficai
aqui e vigiai comigo.” E indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o
rosto em terra e orou: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; no
entanto, não como eu quero, mas como Tu queres. E, chegando aos
discípulos, encontrou-os dormindo; e ele disse a Pedro: “Então, você não
poderia vigiar comigo por uma hora? Vigiai e orai para que não entreis em
tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.”
149
Novamente, pela segunda vez, ele foi e orou: “Meu Pai, se isto não pode
passar a menos que eu beba, seja feita a tua vontade”. E novamente ele veio
e os encontrou dormindo, pois seus olhos estavam pesados. Então, deixando-
os novamente, foi embora e orou pela terceira vez, dizendo as mesmas
palavras. (Mateus 26:36–44)
Quando Jesus diz que sua alma está “entristecida [no grego, perilypos], até
a morte” (Mateus 26:38), está muito próxima da palavra que mais tarde será usada
para o pecado capital da “tristeza” (no grego lypē). Então, por que a tristeza de
Jesus não é pecaminosa? Por causa de como Jesus responde – orando. Compare
isso com as ações dos discípulos no Getsêmani: eles estavam “dormindo de
tristeza” (Grego lypē) (Lucas 22:45). Enquanto a tristeza de Jesus o leva a orar
com tanto fervor que ele sua sangue, a tristeza dos discípulos os domina e eles
deixam de orar. 12 Além disso, apesar da sua tristeza, Jesus aceita humildemente
qualquer sofrimento que seja necessário para a salvação: “Meu Pai, se isto não
pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mateus 26:42). Desta
forma, a dor de Jesus aproxima-o realmente do Pai.
A Tristeza Mundana Do Jovem Rico
Compare a tristeza orante de Jesus com a tristeza mundana do jovem rico.
As duas são completamente diferentes. Num capítulo anterior, examinamos a
primeira metade do encontro de Jesus com este jovem, enquanto ele o instruía
sobre a necessidade de guardar os Dez Mandamentos (ver Mateus 19:17–19; cf.
Marcos 10:17–19). Agora considere a segunda metade:
E ele disse a [Jesus]: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha
juventude”. E Jesus, olhando para ele, amou-o e disse-lhe: “Falta-te uma
coisa; vá, venda o que você tem, e dê aos pobres, e você terá um tesouro no
céu; e venha, siga-me. Desanimado com a palavra, ele foi embora triste; pois
ele tinha grandes posses. (Marcos 10:20–22)13
Observe a mudança dramática que ocorre quando Jesus o convida a
renunciar aos seus bens. O jovem não apenas fica “desanimado” ou “triste”, mas
ele se vira e vai embora “triste” ou “entristecido” (grego lypoumenos) (Marcos
10:22). Por que? Porque ele tinha “grandes posses”. Este é um exemplo perfeito
de como a tristeza mundana está enraizada num amor desordenado pelas coisas
deste mundo.14 Em outras palavras, a razão pela qual o jovem está triste é porque
ele ama mais os seus bens do que ama Jesus. Tal como os outros pecados capitais,
a tristeza é um problema do coração. No final, isso leva o jovem rico a se afastar
150
Não é por acaso que foi o jovem rico que se afastou triste de Jesus. A razão
é porque ele amou as coisas deste mundo mais do que amou o Deus que as deu a
ele. Ele não percebeu que tudo o que possuía não era nada em comparação com a
“vida eterna” (Marcos 10:17).
Uma Oração Por Paciência
Assim, para superar a tristeza pecaminosa, devemos lembrar que tudo nesta
vida, por melhor que seja, inevitavelmente passará.
Considere a famosa e bela oração de Teresa de Ávila:
Não deixe nada te incomodar
Não deixe nada te assustar
Tudo passa
Deus nunca muda
A Paciência Obtém tudo
Quem tem Deus
Não quer nada
Só Deus basta. 23
Somente quando nos apaixonarmos pelo Deus que não passa seremos
capazes de suportar todas as coisas, acreditar em todas as coisas, esperar todas as
coisas e suportar todas as coisas – com paciência.
153
FAZENDO PROGRESSO
19 EXAME DO CORAÇÃO
Cada árvore é conhecida pelo seu fruto.
—Jesus de Nazaré (Lucas 6:44)
AGORA QUE CONCLUÍMOS nossa pesquisa sobre vícios e virtudes, o
que fazemos com o que aprendemos? Cada um de nós experimenta tentações de
todos os pecados capitais uma vez ou outra. No entanto, não afetam todas as
pessoas da mesma forma ou no mesmo grau. Numa pessoa, o orgulho ou a raiva
podem predominar, enquanto em outra, a luxúria ou a gula podem ser mais fortes.
O objetivo dos últimos oito capítulos foi aprofundar a nossa compreensão de cada
um dos pecados capitais e das suas virtudes opostas, para que pudéssemos vê-los
mais claramente em nós mesmos, identificar a nossa falha predominante e crescer
no autoconhecimento.
Nestes capítulos finais, vamos nos concentrar em vários passos importantes
para progredir na vida espiritual. O primeiro passo é o exame regular das
inclinações ao vício ou à virtude em nossos corações.
Ao longo da história da Igreja, vários clássicos espirituais usaram a imagem
de uma árvore e seus frutos para representar o coração humano e seus desejos de
vício ou virtude. Considere as palavras dos seguintes escritores cristãos antigos,
medievais e modernos:
Estes [pecados capitais] devem ser combatidos…. Pois uma árvore cuja
largura e altura são prejudiciais murchará mais facilmente se as raízes que a
sustentam forem expostas e cortadas previamente.
—João Cassiano (século V)1
Pense na alma como uma árvore feita para o amor e que vive apenas pelo
amor…. Esta árvore, tão deliciosamente plantada, produz flores de virtude com
muitas fragrâncias.
—Catarina de Siena (século XIV)2
Nossos corações são árvores, afetos e paixões são galhos, e obras ou ações são
frutos.
—Francisco de Sales (século XVII)3
154
Em outras palavras, assim como uma árvore enraizada em solo pobre com
galhos doentios produzirá frutos podres, também um coração enraizado no
orgulho que cultiva desejos malignos produzirá vícios. E assim como uma árvore
enraizada em solo rico e com galhos fortes produzirá bons frutos, também um
coração enraizado no amor a Deus e ao próximo que cultiva bons desejos
produzirá virtudes.
Neste capítulo, exploraremos brevemente as raízes bíblicas desta antiga
tradição de comparar a alma e os seus vícios ou virtudes a uma árvore e os seus
frutos. O objetivo final é fornecer um método de exame de consciência útil e
baseado nas Escrituras, a fim de nos ajudar a erradicar o pecado e crescer no amor.
Como veremos, a imagem de duas árvores – uma boa e uma má – vem diretamente
das Escrituras Judaicas. Na verdade, o próprio Jesus usa as duas árvores para
ensinar aos seus discípulos a necessidade do autoconhecimento e do exame do
coração.
Estas não são árvores comuns, pois a escolha entre elas é uma questão de
vida ou morte sobrenatural. De acordo com Gênesis, a árvore da vida não fornece
apenas alimento corporal comum. Quem comer do seu fruto viverá para sempre.
Da mesma forma, a árvore do conhecimento não traz apenas a morte física.
Quem comer do seu fruto será separado de Deus e perderá a imortalidade
que poderia ter sido obtida ao provar o fruto da árvore da vida. 4 Como Adão e Eva
escolheram comer o fruto proibido, foram afastados da presença de Deus no Éden.
Em vez de se tornarem sábios como Deus, eles simplesmente tomaram
consciência do seu próprio pecado. Tendo conhecido uma vez o que era ser “bom”
– pois foi assim que Deus os criou (Gênesis 1:31) – eles agora ganham um
conhecimento em primeira mão do mal, precisamente quebrando a ordem de Deus
e agindo como se tivessem o poder de decidir para si o que é bom e o que é mau. 5
A Árvore da Vida em Provérbios
Fora do livro de Gênesis, a árvore do conhecimento não é mencionada nas
Escrituras Judaicas. O livro de Provérbios, porém, menciona a árvore da vida,
quando a utiliza como símbolo de sabedoria e entendimento:
Feliz é o homem que encontra a sabedoria,
e o homem que entende….
Ela é uma árvore de vida para aqueles que a alcançam;
aqueles que a seguram firmemente são chamados de felizes.
(Provérbios 3:13, 18)
seu próprio fruto” (Lucas 6:44), ele está enfatizando a necessidade de reconhecer
os movimentos do próprio coração em direção ao vício ou à virtude. 8
Em suma, ele está usando a imagem das duas árvores para falar sobre
autoconhecimento espiritual.
O Poder De Escolher O Bem Ou O Mal
Da mesma forma, na sua advertência àqueles que o acusaram de estar
possuído (Mateus 12:22-34), Jesus também usa as duas árvores para enfatizar que
cada indivíduo tem o p oder de escolher livremente o bem ou o mal:
Ou dizeis que a árvore é boa e seu fruto bom, ou dizeis que é má e seu fruto,
mau; porque é pelo fruto que se conhece a árvore. Raça de víboras, maus
como sois, como podeis dizer coisas boas? Porque a boca fala d o que lhe
transborda do coração. (Mateus 12:33–34)
Também aqui há ecos do Éden. Jesus não apenas fala mais uma vez de uma
árvore boa e de uma árvore má, mas até usa a imagem de uma “raça de víboras”.
Isto traz à mente o misterioso oráculo de Gênesis sobre a guerra futura entre a
“semente” ou “descendência” da serpente e a “descendência” da “mulher”
(Gênesis 3:15).9 De acordo com Jesus, assim como Adão e Eva, cada ser humano
tem o poder de escolher livremente – de coração – fazer o bem ou fazer o mal.
Você Vai Conhecê-Los Pelos Seus Frutos
Finalmente, no Sermão da Montanha, Jesus usa a imagem das duas árvores
para enfatizar a necessidade de reconhecer virtudes e vícios nos outros.
Especificamente, ele adverte contra ser enganado por pessoas que parecem
virtuosas por fora, mas que por dentro são viciosas:
Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas
por dentro são lobos arrebatadores. Pelos seus frutos os conhecereis.
Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abro-lhos? Toda
árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos. (Mateus 7:15–17)
À primeira vista, pode parecer que Jesus se contradiz com estas palavras.
Apenas alguns versículos antes, ele ordenou a seus discípulos: “Não julgueis, para
que não sejais julgados”, e os adverte contra verem o “cisco” no “olho de seu
irmão” enquanto não percebem a “trave” em seus próprios olhos (Mateus 7:1–5).
Na realidade, porém, os dois ensinamentos se encaixam perfeitamente. Pois
são precisamente aqueles que carecem de autoconhecimento que muitas vezes são
rápidos em condenar os outros e são facilmente enganados por charlatões
158
O EXAME DO CORAÇÃO
Com tudo isto em mente, podemos agora colher os frutos do nosso estudo
e aplicá-los na forma como nós também podemos crescer no autoconhecimento,
especialmente através da prática conhecida como “exame de consciência”. 11 À luz
das palavras de Jesus sobre a “árvore” do coração humano, também podemos nos
referir a isso como o “exame do coração”. No que diz respeito a esta prática, vários
pontos são importantes.
O Exame de Consciência
A primeira coisa que precisa ser dita é que a prática básica do auto exame,
especialmente antes de participar da Ceia do Senhor, remonta aos tempos do Novo
Testamento.12 Por exemplo, o apóstolo Paulo adverte:
Portanto, quem comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será
culpado de profanar o corpo e o sangue do Senhor. Examine-se o homem a
si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice. (1 Coríntios 11:27–28)
Seguindo o exemplo de Paulo, os escritores espirituais cristãos ao longo da
história têm insistido que os seguidores de Jesus desenvolvessem o hábito de
examinar frequentemente as suas consciências.13 Considere as seguintes palavras
dos tempos antigos, medievais e modernos:
Ao examinar a nossa consciência, examinando o nosso pensamento e
considerando o que fizemos de certo neste dia e o que fizemos naquele dia…
[descobriremos] quanta melhoria alcançamos em nossas paixões.
—João Crisóstomo (século IV)14
159
De manhã tome uma resolução e à noite examine como você se saiu. Veja o que
você disse, fez ou pensou para descobrir se ofendeu a Deus ou ao próximo.
—Thomas de Kempis (século XV)15
Peça [ao Espírito Santo] luz e visão para que você possa alcançar um
conhecimento perfeito de si mesmo…. O conhecimento do nosso progresso
espiritual depende de um exame deste tipo.
—Francisco de Sales (século XVII)16
Como auxílio a este tipo de exame, os sete vícios e as suas virtudes opostas
(juntamente com a oitava acrescentada por alguns escritores espirituais) são
representados no diagrama das “Duas Árvores”. 19
160
Observe neste diagrama que os três ramos principais da árvore do mal são
idênticos aos três desejos desordenados da tripla luxúria. Se decidirmos cultivar
nossos desejos desordenados de exaltação própria, produziremos os frutos da
inveja, da ira e do orgulho. Se cultivarmos nossos desejos desordenados de prazer
físico, produziremos os frutos da luxúria, da gula e da preguiça. Finalmente, se
cultivarmos os nossos desejos desordenados por posses mundanas, produziremos
os frutos da avareza e da tristeza.
Observe também que os três ramos principais da boa árvore são idênticos
aos três exercícios espirituais dados por Jesus no Sermão da Montanha: oração,
jejum e esmola. Se perseverarmos na oração secreta ao Pai, cresceremos nas
161
Estes [degraus da lectio divina] constituem uma escada para os monges, pela
qual eles são elevados da terra ao céu.
—Guigo, o Cartuxo (século XII)7
Esta escada de contemplação…é prefigurada por aquela escada que Jacó viu
enquanto dormia.
—João da Cruz (século XVI)8
De longe, o exemplo mais famoso é o do antigo escritor cristão João
Clímaco – isto é, “João da Escada” (grego klimakos). Sua obra clássica sobre a
vida espiritual, A Escada da Ascensão Divina, consiste em trinta e três “degraus”
baseados na imagem bíblica da escada de Jacó. 9
À primeira vista, a ligação entre a lectio divina e a história da escada de
Jacó pode não ser aparente. No entanto, quando interpretamos este episódio
misterioso no seu antigo contexto judaico e à luz das palavras de Jesus,
descobriremos uma ligação profunda entre as duas. Como veremos, a
interpretação que Jesus fez da escada de Jacó lançará as bases para a prática cristã
de meditação nas Escrituras e nos fornecerá uma ilustração útil dos passos
envolvidos no aprendizado de como praticar a lectio divina.
É por isso que Jacó chama o lugar de “casa de Deus” (Gênesis 28:17) – um
nome padrão para o Templo. É também por isso que, quando Jacó olha para cima,
ele vê o próprio “Senhor” parado no topo da escada (Gênesis 28:13).
Jacó não está apenas tendo uma visão do céu; ele está tendo uma visão de
Deus.
Finalmente, quando Jacó acorda, ele fica tão impressionado com o encontro
que também chama o lugar de “porta do céu” (Gênesis 28:17). Em suma, a visão
de Jacó é a de uma escada sagrada que não só liga o céu e a terra, mas também
lhe permite experimentar um encontro pessoal com o Deus do universo.
Jesus viu Natanael vindo até ele e disse dele: “Eis um verdadeiro israelita,
em quem não há dolo!” Natanael lhe perguntou: “Como você me conhece?”
Jesus respondeu-lhe: “Antes de Filipe te chamar, quando você estava
debaixo da figueira, eu te vi”.
Natanael respondeu-lhe: “Rabi, tu és o Filho de Deus! Tu és o rei de Israel!”
Jesus lhe respondeu: “Porque eu te disse: te vi debaixo da figueira, você
acredita? Você verá coisas maiores do que estas.” E ele lhe disse: “Em
verdade, em verdade te digo que você verá o céu aberto e os anjos de Deus
subindo e descendo sobre o Filho do homem”. (João 1:47–51)
Para entender esta conversa, dois pontos são cruciais para enfatizar.
Primeiro, nas Escrituras e na tradição judaica, a imagem de “sentar -se”
debaixo de uma “figueira” estava associada tanto à vinda do Messias 12 como à
prática da meditação nas Escrituras. 13 Se esta antiga tradição judaica está por trás
do ato de Natanael sentar-se “debaixo da figueira” (João 1:48), isso pode sugerir
que ele também estava lendo as Escrituras quando Jesus o viu. Se assim for, isto
forneceria uma explicação plausível de como Natanael é capaz de passar tão
rapidamente do ceticismo ao discipulado, identificando Jesus não apenas como
seu “Rabi”, mas também como o “Filho de Deus” e “Rei de Israel” (João 1:49).
A resposta: o estudo das Escrituras por Natanael preparou-o para receber a
revelação da identidade de Jesus. 14
Jesus, A Escada Viva Para O Céu
Em segundo lugar, Jesus responde a esta confissão de fé declarando que
Natanael verá coisas muito maiores do que isto: ele verá “o céu aberto, e os anjos
de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem” (João 1:51).
Quando recordamos a história da escada de Jacó e o fato de Jesus usar
frequentemente a expressão “o Filho do homem” para se referir a si mesmo (João
9:35-37), a implicação destas palavras é simplesmente impressionante. Assim
como Jacó viu os anjos “subindo e descendo” pela escada para o céu (Gênesis
28:12, 17), também Natanael um dia verá os anjos “subindo e descendo” sobre o
próprio Jesus (João 1:51). Em outras palavras, Jesus está revelando que ele mesmo
é a verdadeira “escada” para o céu. Você pode imaginar desta forma:
166
Uma razão pela qual a identificação de Jesus como a Escada de Jacó é tão
importante é porque Jacó descreve o lugar onde ele teve a visão como a “casa de
Deus” – isto é, a morada de Deus na terra (Gênesis 28:17). Outra razão é porque
o Evangelho de João nos diz que Jesus não é apenas o Messias, mas o “Verbo”
(grego logos) feito “carne” (João 1:14). Em suma, o próprio Jesus é o verdadeiro
Templo – a morada de Deus na terra. Ele é a escada viva do Paraíso.
Se tudo o que fizermos for conversar com Deus sem parar para pensar no
que ele disse em sua Palavra, então nossas orações provavelmente acabarão sendo
monólogos mornos, em vez de uma conversa vinda do coração. Finalmente, se
passarmos todo o nosso tempo ponderando as Escrituras sem nunca pedir a Deus
que nos dê os dons espirituais que descobrimos nas suas páginas, então a nossa
meditação nunca produzirá frutos espirituais.
Em suma, se a nossa vida de oração parece estéril, morna ou infrutífera,
então precisamos praticar a lectio divina. Se a meditação orante nas Escrituras é
realmente uma “escada” para o céu e um encontro pessoal com o Verbo feito
carne, então deveria ser uma parte diária da vida espiritual de cada cristão.
Lectio Divina e a Liturgia
Finalmente, gostaria de encerrar o nosso capítulo sugerindo um paralelo
entre os quatro passos da lectio divina e a liturgia.
Desde os tempos antigos, o culto cristão consiste em quatro partes básicas:
(1) a leitura das Escrituras, (2) a explicação das Escrituras na homilia, (3) a oração
eucarística e (4) comunhão. Considere, por exemplo, uma das descrições mais
antigas do culto cristão primitivo que possuímos (para maior clareza, enumerei as
etapas):
No dia que chamamos de dia do sol, todos os que moram na cidade ou no
campo se reúnem no mesmo lugar.
(1) As memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas são lidos, tanto
quanto o tempo permite.
(2) Quando o leitor termina, aquele que preside os reunidos os adverte e os
desafia a imitar essas coisas belas.
(3) Então todos nos levantamos juntos e oferecemos orações por nós
mesmos….
Terminadas as orações trocamos o beijo.
(4) Então alguém traz pão e um copo de água e vinho misturados ao que
preside os irmãos.
Ele os acolhe e oferece louvor e glória ao Pai do universo, através do nome
do Filho e do Espírito Santo e por um tempo considerável dá graças (em
grego: eucharistian) por termos sido julgados dignos desses dons.
Terminadas as orações e as ações de graças, todos os presentes dão voz a
uma aclamação dizendo: “Amém”.
170
Quando aquele que preside deu graças e o povo respondeu, aqueles que
chamamos diáconos dão aos presentes o pão, o vinho e a água “eucaristados”
e os levam aos ausentes.
—Justino Mártir (século II)24
Com esta estrutura quádrupla básica em mente, consideremos os seguintes
paralelos entre a liturgia cristã e a lectio divina:
Que paralelos notáveis! Se pararmos para pensar sobre isso, entretanto, eles
não deveriam ser uma surpresa. Afinal, se Jesus é realmente a verdadeira “escada”
para o céu (ver João 1:51) e se a “comida” e “bebida” que ele nos dá é realmente
“o pão vivo que desceu do céu” (João 6: 51, 55), então faz sentido que o ato
supremo da lectio divina seja aquele que acontece na liturgia. Vista sob esta luz,
a prática da meditação orante nas Escrituras deveria naturalmente levar-nos a uma
fome mais profunda do alimento espiritual dado por Cristo na Eucaristia. 25
Em suma, mesmo que nunca tenhamos praticado a lectio divina em privado,
se tivermos participado com atenção e oração na liturgia eucarística, então já
começamos a subir a Escada do Paraíso. Na verdade, se tanto Jesus como as
Escrituras são verdadeiramente a Palavra de Deus, então cada vez que lemos e
meditamos nas Escrituras, encontramos a pessoa do próprio Cristo – a escada viva
para o céu.
171
21 A BATALHA DA ORAÇÃO
Ele lhes contou uma parábola, no sentido de que deveriam orar sempre e não
desanimar. —O Evangelho de Lucas (18:1)
ALÉM DO exame REGULAR do coração e da meditação diária nas
Escrituras, uma terceira chave para progredir na vida espiritual é a perseverança
na oração, mesmo em meio a dificuldades e distrações.
Repetidamente, os clássicos espirituais testemunham em uma só voz que a
oração é tanto um dom da graça de Deus quanto uma batalha que exige esforço. 1
Considere o seguinte:
A oração é uma guerra até o último suspiro.
—Abba Agathon do Egito (século IV)2
Não pode haver lugar para a vitória sem a adversidade de uma luta.
—João Cassiano (século V)3
Por que a oração é uma batalha? E contra quem e contra o que exatamente
é a luta? Por que travar esta batalha é tão importante para progredir na vida
espiritual?
Já analisamos a batalha contra o vício no nosso estudo dos pecados capitais
e das suas virtudes opostas. Neste capítulo, vamos nos concentrar em uma batalha
diferente, na qual o adversário às vezes somos nós mesmos, às vezes o inimigo e
às vezes — aparentemente — Deus. Longe de estar livre de todas as dificuldades,
como descobriremos: “A ‘batalha espiritual’ da nova vida do cristão é inseparável
da batalha da oração…. Não há santidade sem renúncia e batalha espiritual.”5
história da luta noturna de Jacó com um misterioso “homem” que também parece
ser Deus.
Jacó Luta Com Deus
O episódio acontece durante a viagem de Jacó da casa de seu sogro Labão
em Harã (localizada na atual Turquia) de volta para casa, até a terra prometida de
Canaã (ver Gênesis 31). Antes de cruzar o rio Jaboque, localizado a leste de
Canaã, Jacó vivencia uma luta misteriosa e transformadora:
Foi, pois, o presente adiante dele, e ele ficou aquela noite no acampamento.
Naquela mesma noite, ele se levantou com suas duas mulheres, suas duas
servas e seus onze filhos e passou o vau do Jaboc. Tomou-os, e os fez passar
a torrente com tudo o que lhe pertencia. Jacó ficou só; e alguém lutava com
ele até o romper da aurora. Vendo que não podia vencê-lo, tocou-lhe aquele
homem na articulação da coxa e esta deslocou-se, enquanto Jacó lutava com
ele. E disse-lhe: “Deixa-me partir, porque a aurora se levanta”. “Não te
deixarei partir – respondeu Jacó – antes que me tenhas abençoado.” Ele
perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?”. “Jacó.” “Teu nome não será mais Jacó
– tornou ele – mas Israel, porque lutaste com Deus e com os homens, e
venceste.” Jacó pediu-lhe: “Peço-te que me digas qual é o teu nome”. “Por
que me perguntas o meu nome?” – respondeu ele. E abençoou-o no mesmo
lugar. Jacó chamou àquele lugar Fanuel, “porque – disse ele – eu vi a Deus
face a face, e minha vida foi poupada”. O sol levantava-se no horizonte,
quando ele atravessou Fanuel. E coxeava de uma perna. (Gênesis 32:22–31)
Vários aspectos desta passagem são importantes.
Primeiro, observe que todo o encontro ocorre à noite. Na verdade, a
impressão é que Jacó passa a noite inteira lutando com o homem - até o
amanhecer. A luta retratada entre os dois é extremamente intensa. Na verdade, a
palavra hebraica para “lutar” (hebraico ’abaq) é a mesma palavra que “pó”
(hebraico 'abaq), o que implica que eles lutaram no chão a noite inteira. 6
Segundo, observe que a identidade da pessoa com quem Jacó lut a é
ambígua. Por um lado, as Escrituras dizem que é “um homem”. Por outro lado, o
próprio Jacó identifica a pessoa com quem ele luta como “Deus” (hebraico
‘elohim). É por isso que ele chama o lugar de Fanuel (em hebraico para “face de
Deus”), porque ele “viu Deus face a face” (Gênesis 32:30). 7 Se assim for, isso
ajudaria a explicar por que o oponente de Jacó exige que ele o deixe ir antes do
amanhecer. Enquanto for noite, o rosto do oponente de Jacó estará (pelo menos
um pouco) velado. Como Deus declara em outro lugar, “o homem não me verá e
173
viverá” (Êxodo 33:20). Ainda assim, Jacó tem uma experiência “face a face”, na
medida em que encontra a presença de Deus.
Por último, quando Deus vê a recusa obstinada de Jacó em deixá-lo ir, Deus
o fere, desmembrando sua “coxa”. 8 Assim, Jacó sai do encontro com Deus tendo
recebido uma bênção e uma ferida. A bênção parece ser que Deus lhe deu um
novo nome.9 Em vez de ser conhecido como Jacó (que significa “suplantador” em
hebraico), ele agora será conhecido como Israel (que significa “aquele que luta
com Deus”).10 Em ambos os sentidos, Jacó deixa a luta noturna com Deus um
homem mudado. Ele foi exaltado pela dádiva do nome e humilhado pela ferida
permanente que recebeu, que o deixa mancando pelo resto da vida.
Em suma, porque Jacó é o pai das doze tribos de Israel, ele é também um
modelo para o povo de Israel que leva o seu nome. Sob esta luz, segue-se que
aqueles que levam o seu nome – os israelitas – também serão definidos de alguma
forma, não apenas pelo fato de terem sido escolhidos por Deus para receber a
bênção divina, mas também pelo fato de que eles também irão “lut ar com Deus”
na oração.11 Na verdade, todo o livro dos Salmos consiste em oração após oração
do coração que se esforça e muitas vezes luta com Deus.
eleitos, que clamam a Ele dia e noite? Ele vai demorar muito com eles? Eu
lhe digo, ele os justificará rapidamente. Contudo, quando o Filho do homem
vier, encontrará fé na terra?” (Lucas 18:1–8)
Vários aspectos desta parábola precisam ser destacados.
Primeiro, neste caso, o evangelista Lucas começa contando-nos exatamente
do que se trata o resultado da parábola: a oração que é ao mesmo tempo contínua
e persistente. Os seguidores de Jesus devem orar “sempre” ou “em todos os
momentos” (grego pantote) e não “perder o entusiasmo”, “desanimar” ou
“desistir” (grego engkakeō).12
Em segundo lugar, a parábola gira em torno de dois personagens: um juiz
injusto que não guarda os mandamentos nem mostra qualquer preocupação pelos
outros, e uma viúva persistente, que continua vindo ao juiz para exigir que ele lhe
faça justiça. Num antigo contexto judaico, tal juiz seria considerado
especialmente perverso, uma vez que estava violando a Lei de Moisés, que ordena
o cuidado das viúvas: “Não afligirás nenhuma viúva ou órfão. Se você os afligir,
e eles clamarem a mim, certamente ouvirei o seu clamor” (Êxodo 22:22–23).13
A Viúva “Socadora”
Terceiro, embora o juiz injusto se recuse a responder aos apelos da viúva
“por um tempo” (Lucas 18:4), ele eventualmente cede. Embora seja difícil de ver
em inglês, no original grego, não é apenas a persistência da viúva que leva o juiz
injusto a agir. É também a possível ameaça de levar um soco dela. O verbo grego
traduzido como “desgastar” (RSV) significa literalmente “bater sob o olho” – um
termo retirado do boxe antigo. 14 Assim, uma tradução mais literal seria esta:
Porque esta viúva me incomoda, vou justificá-la, para que no final ela não venha
e me dê um olho roxo! (Lucas 18:5)15
Vista sob esta luz, esta história talvez devesse ser chamada de Parábola da
Viúva que Soca! Ela não é apenas persistente; ela é pugilista. Ela não irá parar
diante de nada, incluindo bater no rosto do juiz, até que sua petição seja atendida.
E este, claro, é o objetivo da parábola. Jesus não está apenas ensinando seus
discípulos a serem persistentes na oração. Ele não está apenas ensinando-os a orar
constantemente. Ele os está ensinando a orar com desespero e tenacidade. Ele os
está ensinando a orar como a viúva que dá um soco, que se recusa
terminantemente a desistir – não importa quão impotentes ou infrutíferas possam
parecer suas tentativas. Ele os está ensinando, como Jacó, a se recusarem a
175
abandonar Deus em oração até que recebam uma bênção, mesmo que sejam
feridos no processo.
Para fazer isso, Jesus usa um antigo argumento judaico padrão de “do
menor para o maior”. 16 Se até mesmo um juiz perverso fizer justiça à oração
persistente de uma viúva humilde, então quanto mais o bom Deus ouvirá as
orações do seu povo amado, que “clama a ele dia e noite” (Lucas 18:7)? Na
verdade, de uma perspectiva judaica antiga, se Deus não respondesse às orações
de uma viúva, ele estaria violando a sua própria lei sobre cuidar das viúvas nas
suas aflições. Assim, Jesus declara: “Eu vos digo que ele os justificará
rapidamente” ou “em breve” (Lucas 18:8). 17
Dito isto, Jesus termina com uma nota um tanto sinistra quando afirma: “No
entanto, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lucas 18:8).
Estas palavras revelam que toda a Parábola da Viúva Persistente trata, em última
análise, da virtude da fé. Embora tendamos a usar a palavra “fé” em inglês para
nos referirmos principalmente à “crença” de que algo é verdadeiro, no grego
antigo, “fé” (grego pistis) também significa “fidelidade”. 18 Por outras palavras,
Jesus está a usar a viúva como modelo de fidelidade à oração – mesmo quando
parece que Deus, tal como o juiz, é surdo ou indiferente.
A BATALHA DA ORAÇÃO
Tanto as Escrituras Judaicas como Jesus são bastante claros: na medida em
que a oração envolve um relacionamento com Deus, envolve muito mais do que
apenas palavras, gestos ou mesmo experiências de consolação e iluminação. No
fundo, como todos os relacionamentos, a oração é uma luta. É uma batalha contra
nós mesmos e contra os outros, a colisão de duas vontades que se amam, mas
cujos desejos e planos nem sempre correspondem exatamente. Com isto em
mente, encerraremos este capítulo destacando vários aspectos da batalha da
oração que são cruciais para o progresso espiritual.
A Batalha Para Levantar E Orar
Não é por acaso que Jacó lutou com Deus durante a noite, quando estava
sozinho — e não quando estava com sua família viajando no caminho. A primeira
batalha que terá de ser travada todos os dias, dia após dia, envolve o compromisso
absolutamente infalível de se levantar todas as manhãs a uma hora fixa, não
importa o que aconteça, e de passar algum tempo em oração. Nas palavras de João
Clímaco:
176
Em outras palavras, não pare de orar! Mesmo que as nossas petições exatas
nunca nos sejam atendidas nesta vida, o próprio fato de que a oração não
respondida nos leva a passar mais tempo nos aproximando de Deus e implorando-
178
22 A NOITE ESCURA
De noite a minha mão se estende sem se cansar; minha alma se recusa a ser
consolada.
—O Livro dos Salmos (77:2)
UMA QUARTA CHAVE PARA progredir nos primeiros estágios do
crescimento espiritual é estar ciente de duas experiências espirituais muito
diferentes, mas muito comuns.
Por um lado, os clássicos espirituais concordam que, após a conversão, os
iniciantes muitas vezes experimentam doçura espiritual, luz e um forte sentimento
da presença de Deus durante a oração. Por exemplo, um antigo escritor cristão
descreve o momento logo após a conversão como “aquele calor inicial e feliz” 1.
Da mesma forma, um místico medieval fala do “dom” da “doçura sensível”
ou do “consolo espiritual” que Deus muitas vezes dá àqueles que estão apenas
começando o caminho.2 Por fim, os escritores espirituais modernos enfatizam que
“todos os que começam a servir a Deus” comumente experimentam “o sabor doce
da devoção sensata” e “a luz agradável que os convida a avançar apressadamente
no caminho que leva a Deus”. 3
Por outro lado, os clássicos espirituais também concordam que depois de
uma alma ter vivido fielmente uma vida de oração, exame do coração, meditação
e evitação de vícios, normalmente acontece que as luzes espirituais “se apagam”.
Em algum momento, essas experiências de consolação são eliminadas e
substituídas por secura espiritual, escuridão e um sentimento de ausência de Deus
durante a oração. 4 Considere as seguintes citações:
Às vezes ele os torna secos e estéreis, lentos na oração, sonolentos e pouco
iluminados... fazendo-os pensar... que estão apenas regredindo.
—João Clímaco (século VII)5
A noite dos sentidos é comum e chega a muitos: estes são os iniciantes…. Quando
eles realizam esses exercícios espirituais com o maior deleite e prazer, e quando
acreditam que o sol do favor divino está brilhando mais intensamente sobre eles,
Deus transforma toda essa luz deles em trevas.
—João da Cruz (século XVI)7
Na sua obra clássica, Noite Escura da Alma, o grande místico espanhol João
da Cruz refere-se a esta experiência como a “noite escura dos sentidos”. 8 Ele
destaca três sinais desta noite escura: (1) secura na oração; (2) desejo de servir a
Deus, mas falta de prazer em fazê-lo; e (3) dificuldade crescente em continuar a
meditar. 9 Observe que esta “noite” não é o mesmo que depressão, doença ou
tragédia. Nem deve ser confundido com aquele vazio que surge quando caímos
novamente no pecado ou porque relaxamos na oração por causa da acídia (ver
capítulo 17). Pelo contrário, a noite escura dos sentidos é algo que acontece
quando um cristão vive fielmente uma vida espiritual, mas começa a perder todo
o consolo ao fazê-lo.
Por que Deus permite que isso aconteça? Qual é o propósito desta “noite
escura”? E onde é que os escritores espirituais encontram esta ideia na Bíblia?
Neste capítulo, examinaremos mais de perto o que as Escrituras dizem sobre essa
experiência comum de desolação espiritual e como se comportar em meio a ela.
ele me fez sentar nas trevas como aqueles que morreram há muito tempo.
Por isso o meu espírito desfalece dentro de mim;
meu coração dentro de mim está desolado….
Eu medito em tudo o que fizeste….
Estendo minhas mãos para Vós;
minha alma tem sede de Vós como uma terra seca.
Apressa-te em responder-me, Senhor!…
Não esconda de mim seu rosto,
para que eu não seja como os que descem à cova.
Deixe-me ouvir pela manhã sobre seu amor inabalável,
pois em Vós eu coloquei minha confiança.
(Salmo 143:1, 3–8)13
Observe mais uma vez que a “escuridão” (hebraico machshak)
experimentada por Davi está diretamente ligada à sua “meditação” (hebraico
hagah) (Salmo 143:3, 5). Quando ele fala de um “inimigo” (Salmo 143:3), ele
não parece estar se referindo à perseguição externa, mas sim ao sofrimento interior
– um “entorpecimento do coração” que o deixa esp iritualmente esmagado e nas
trevas. 14 Além disso, durante esse período, Davi também experimenta tal secura
que compara sua alma a um deserto sem água. Finalmente, há também o
sentimento da ausência de Deus: parece que Deus desviou o seu “rosto” (panim
em hebraico) de David – uma palavra hebraica que também significa “presença”.
Em vez disso, ele confia em Deus de que as trevas acabarão por dar lugar à luz da
“manhã” (Salmo 143:8).
para fazer uma declaração solene — “Eu vos digo” — Jesus dá aos seus discípulos
três ordens (Lucas 11:9):
1. Peça: “e isso lhe será dado”
2. Procure: “e você encontrará”
3. Bata: “e será aberto para você”
Estas não são sugestões. Jesus ordena aos seus discípulos que orem com
confiança em serem ouvidos. Esta confiança não está enraizada no seu próprio
esforço ou mérito, mas na promessa solene de Jesus e na bondade de Deus.
Afinal, se um ser humano pecador dá ao seu amigo tudo o que ele precisa
porque ele quer voltar a dormir, e um pai humano pecador dá bons presentes aos
seus filhos, então quanto mais o Pai celestial – que nunca dorme que é
perfeitamente bom – responderá às orações dos discípulos que oram com fé?
Finalmente – e isto é importante – Jesus termina relacionando tudo o que
acabou de dizer sobre a oração ao “dom supremo, o Espírito Santo”. 19 A
experiência mostra que os seres humanos muitas vezes pedem a Deus presentes
materiais – como dinheiro, bens, saúde física e sucesso — isso não
necessariamente os ajudará no caminho para a vida eterna. 20 Jesus não dá
nenhuma garantia de que o Pai atenderá a tais pedidos mundanos. Ele não está
ensinando aos seus discípulos que o Pai lhes dará tudo o que quiserem, mas que
lhes dará tudo o que precisarem. Não importa quão profunda seja a escuridão, eles
podem estar completamente confiantes de que, se pedirem a Deus o dom do
Espírito Santo, certamente o receberão. 21 Pois Jesus, que não mente, dá a sua
palavra solene: “Eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á” (Lucas 11:9).
entrem nesta noite de sentidos; e a grande maioria deles de fato entra nele,
pois geralmente serão vistos caindo nesta aridez. 22
Ou seja, a noite escura dos sentidos não é uma experiência rara, reservada
a poucos. É algo comum, vivenciado por muitos.
Portanto, não há razão para que isso nos pegue desprevenidos.
Não Pare De Orar
Igualmente importante: se começarmos a sentir secura e escuridão
espirituais durante a oração, devemos continuar seguindo o caminho espiritual.
Não devemos voltar atrás. Como ensina Francisco de Sales:
A devoção não consiste na doçura, no deleite, no consolo e na ternura
sensível… [que acontecem] quando realizamos vários exercícios
espirituais…. Muitas almas experimentam esses sentimentos ternos e
consoladores, mas ainda permanecem muito cruéis…. A verdadeira devoção
consiste numa vontade constante, resoluta, pronta e ativa de fazer tudo o que
sabemos ser agradável a Deus. 23
Em outras palavras, fazer progresso espiritual não significa sentir-se bem
durante a oração; trata-se de crescer em virtude. Muitas pessoas partilham o
equívoco generalizado de que as consolações espirituais são o cerne da oração e
da adoração. Por isso, como lamenta João da Cruz, muitas almas abandonam
tragicamente o caminho espiritual assim que a sua oração seca:
Estas almas voltam atrás nesse momento se não há quem as compreenda;
abandonam o caminho ou perdem a coragem; ou, pelo menos, são impedidos
de ir mais longe pelo grande esforço que enfrentam para avançar no caminho
da meditação e do raciocínio. 24
Como Asafe no salmo, quando a oração se torna árida e sombria,
rapidamente presumimos que algo está errado ou, pior, que Deus nos abandonou.
Mas nada poderia estar mais longe da verdade. Tal como o Rei Davi, devemos
continuar a orar, mesmo no meio da noite.
Fique Quieto E Saiba Que Ele É Deus
Terceiro, se continuarmos a sentir dificuldades crescentes na meditação,
não devemos forçá-la. A este respeito, João da Cruz dá instruções cruciais:
A maneira como devem se comportar nesta noite dos sentidos é não se
dedicarem de forma alguma ao raciocínio e à meditação, já que este não é o
momento para isso, mas sim permitir que a alma permaneça em paz e
186
sossego, embora possa Parecer-lhes claro que não estão fazendo nada e
desperdiçando seu tempo, … contentando-se apenas com uma atenção
pacífica e amorosa em direção a Deus. 25
Em outras palavras, se tentarmos meditar, mas acharmos que é impossível,
não deveríamos insistir em “fazer alguma coisa”. Agora é a hora de permitir que
Deus faça sua obra na alma. Como diz o livro dos Salmos:
“Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Salmos 46:10).
O Propósito Da Noite Escura
Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, a razão pela qual Deus
permite que a noite escura dos sentidos aconteça é para que possamos crescer em
virtude. 26
Por exemplo, a experiência da aridez na oração ajuda-nos a crescer em
diligência, ensinando-nos a orar não porque nos faz sentir bem ou porque tiramos
algum proveito disso, mas porque amamos a Deus. Da mesma forma, a
experiência de dificuldade em meditar ajuda-nos a crescer em diligência,
ensinando-nos a fazer o que é certo, mesmo quando isso exige esforço. A
experiência da desolação ajuda-nos a crescer em paciência à medida que sofremos
voluntariamente e esperamos que Deus nos liberte. 27 Acima de tudo, a experiência
da escuridão espiritual ajuda-nos a crescer em humildade, fazendo-nos perceber
quão fracos realmente somos e que tudo o que recebemos é um dom da graça de
Deus.28
Com efeito, segundo João da Cruz, é precisamente durante a noite escura
dos sentidos que a alma “adquire as virtudes opostas” aos pecados capitais 29 e
começa a produzir os “frutos do Espírito Santo” 30 mencionados pelo apóstolo
Paulo:
O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, domínio próprio. (Gálatas 5:22–23)
Em suma, se quisermos que as árvores dos nossos corações cresçam nas
virtudes capitais e comecem a dar o fruto sobrenatural do Espírito Santo, devemos
estar dispostos a deixar Deus nos transformar enquanto passamos pela secura e
desolação da noite escura dos sentidos. Jesus deu-nos a sua promessa solene: se
nós, como o amigo da meia-noite, formos persistentes na nossa oração, Deus nos
dará tudo o que precisamos – acima de tudo, o dom do Espírito Santo. Pois depois
do inverno chega a primavera. Depois da escuridão, o amanhecer surge.
187
23 A ÁGUA VIVA
Senhor, dá-me desta água, para que eu não tenha sede.
—A Mulher Samaritana (João 4:15)
A QUINTA CHAVE PARA progredir na jornada espiritual — e aquela
com a qual encerraremos este livro — é a compreensão de que, no final, até a
própria oração é uma dádiva de Deus. Sendo o encontro do coração humano com
o Deus infinito do universo, a oração não é apenas algo que escolhemos fazer; é
algo que Deus faz em nós, através da graça do Espírito Santo.
Ao longo dos séculos, os santos e doutores da vida espiritual tiveram plena
consciência de que a própria oração – especialmente a oração contemplativa – é
um dom.
Considere, por exemplo, as palavras de escritores cristãos antigos,
medievais e modernos:
A palavra Espírito é o nome que Paulo dá a [este] tipo de graça e à alma que a
recebe…. O homem espiritual…tem o dom da oração.
—João Crisóstomo (século IV)1
Quando Deus lhe der consolação espiritual, receba-a com ação de graças, mas
reflita que é uma dádiva de Deus e não fruto do seu mérito.
—Thomas de Kempis (século XV)2
Deus não nos permite beber desta água da contemplação perfeita sempre que
quisermos: a escolha não é nossa; esta união divina é algo bastante
sobrenatural, visto que pode purificar a alma.
—Teresa de Ávila (século XVI)3
Como isso pode ser? Depois de tudo o que aprendemos sobre a batalha da
oração e o esforço necessário para progredir espiritualmente, como pode s er que
a oração também seja algo que Deus faz em nós?
Para responder a estas perguntas, terminaremos o nosso estudo voltando ao
ponto de partida: o encontro de Jesus com a mulher samaritana junto ao poço. Ao
longo da história, muitos escritores espirituais apontaram esta passagem como
uma espécie de ícone do que acontece na alma durante a oração. 4 Como veremos,
188
Jesus dá-nos a chave para compreender a oração como um dom da graça quando
se oferece para dar à mulher samaritana o misterioso “presente” da “água viva”.
(Salmo 42:1–2)7
Uma vez que sabemos que nas Escrituras Judaicas o próprio Deus é
identificado como a “fonte de águas vivas” (Jeremias 2:13), então a oferta de Jesus
de “água viva” à mulher samaritana começa a fazer sentido. Em suma, Jesus
convida-a a acreditar nele para que possa receber o dom da vida eterna através da
habitação do Espírito de Deus, o único que é capaz de satisfazer a sede espiritual
do coração humano. 12 Mais tarde, durante a Última Ceia, Jesus revelará
explicitamente aos seus discípulos que lhes vai dar “o Espírito da ver dade”, que
não só habitará “com” eles, mas também estará “dentro” deles (João 14). :16–17).
Embora a mulher samaritana claramente ainda não compreenda plenamente
o que Jesus lhe oferece, as suas palavras, no entanto, levam-na a pedir-lhe que lhe
dê este presente: “Senhor, dá-me desta água, para que não tenha sede, nem venha
aqui tirar”. (João 4:15). 13
A Água Viva e a Crucificação
Mas quando exatamente Jesus dá o dom da água viva? Com certeza, é
somente depois da Ressurreição que Jesus sopra sobre os discípu los e diz
explicitamente: “Recebei o Espírito Santo” (João 20:22). No entanto, se olharmos
para a Crucificação à luz das Escrituras Judaicas, descobrimos que a água viva da
salvação começa a fluir pela primeira vez no dia da morte de Jesus:
Jesus, sabendo que tudo estava consumado, disse (para cumprir a Escritura),
"Tenho sede." Uma tigela cheia de vinagre estava ali; então colocaram uma
esponja cheia de vinho sobre o hissopo e levaram-na à boca dele. Quando
Jesus recebeu o vinho, disse: “Está consumado”; e ele inclinou a cabeça e
entregou o seu espírito….
Mas um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança e imediatamente
saiu sangue e água…. Estas coisas aconteceram para que se cumprisse a
Escritura: “Olharão para aquele a quem traspassaram”. (João 19:28–30, 34,
36–37)14
Assim como Zacarias predisse que no dia em que o Messias fosse
“transpassado”, uma fonte de “águas vivas” seria aberta em Jerusalém para
purificar o mundo do “pecado” (Zacarias 12:10–14:8), também agora o sangue e
a água purificadores fluem do lado trespassado de Jesus crucificado. E assim
como o profeta Ezequiel predisse que um dia uma corrente de água vivificante
fluiria do lado do novo Templo (Ezequiel 47:1–2), agora uma corrente de sangue
e água flui do lado de Jesus— cujo “corpo” é o “templo” de Deus (João 2:21). E
assim como Jesus se levantou no Templo e declarou que a “água viva” fluiria de
192
seu “coração”, agora, em seu último suspiro, ele inclina a cabeça e entrega “seu
espírito” (João 7:38; 19:30). 15
Em suma, é aqui, aqui no Calvário, que Jesus finalmente responde ao
pedido da mulher samaritana: “Dá-me desta água” (João 4:15). Em apoio a este
ponto, observe três paralelos marcantes entre as duas cenas:
Jesus ao lado do poço A crucificação
“a hora sexta” “a hora sexta”
“Dê-me de beber” "Tenho sede"
"água Viva" “água” flui do coração de Jesus
(João 4:6–7, 10) (João 19:14, 28, 34)
sede; seu pedido surge das profundezas do desejo de Deus para nós. Quer
percebamos ou não, a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa.
Deus tem sede para que tenhamos sede dele. 18
É verdade: Jesus ainda espera junto ao poço. Hoje, agora mesmo. Neste
exato momento, Jesus está esperando ao lado do poço do seu coração – e do meu.
Ele está esperando que venhamos até ele, nos sentemos com ele e conversemos
com ele em oração. Ele está esperando que levemos a ele nossa sede, que levemos
a ele nossas tristezas, que levemos nossos corações a ele. Ele espera que
simplesmente olhemos para ele, no mistério silencioso do amor.
Acima de tudo, espera que lhe peçamos, como fez uma vez a mulher
samaritana, que nos dê a água viva que nos dará forças para continuar no caminho
que conduz à vida eterna. Pois, como nos ensina Teresa de Lisieux, Jesus ainda
tem sede:
O mesmo Deus que declara que não precisa nos avisar quando está com
fome, não teve medo de pedir um pouco de água à mulher samaritana. Ele
estava com sede. Mas quando Ele disse: “Dá-me de beber”, era o amor da
Sua pobre criatura que o Criador do universo procurava. Ele estava sedento
de amor. 19
Teresa tem razão. Jesus ainda está com sede. Ele tem sede do teu amor e do
meu, da tua salvação e da minha, e a sua sede não será saciada até ao último dia,
quando a última alma na terra lhe disser: “Senhor, dá-me esta água, para que eu
não tenha sede”.
195
AGRADECIMENTOS
Devo começar agradecendo ao Pe. Dennis Dinan, por seu ato extremamente
generoso de esmolas teológicas para comigo quando eu era um jovem professor
que estava apenas começando. Este livro não existiria se ele não estivesse disposto
a doar-me tantos volumes de teologia espiritual numa fase tão formativa da minha
vida. Sou eternamente grato.
Eu também não poderia tê-lo escrito sem o feedback dos alunos que
participaram daquele primeiro curso que ministrei sobre a Bíblia e a vida
espiritual há tantos anos no Colégio Nossa Senhora da Santa Cruz (hoje
Universidade de Santa Cruz), bem como versões posteriores do curso no
Seminário Notre Dame em Nova Orleans e na Escola de Pós -Graduação em
Teologia do Augustine Institute. Obrigado a todos por me ajudarem a refletir
sobre as raízes bíblicas da espiritualidade cristã e por compartilharem ideias de
suas próprias jornadas.
Também sou profundamente grato aos meus editores da Image Books,
Keren Baltzer e Ashley Hong. Seu entusiasmo, incentivo e apoio a este projeto
desde o início me deram coragem para continuar e concluir o livro em tempo hábil
em meio ao ano infame que foi 2020! Da mesma forma, estou muito grato ao meu
querido amigo Gary Jansen, que foi o primeiro a pensar que este livro seria uma
boa ideia. Obrigado, irmão, por tudo que você fez por mim nos últimos dez anos.
Também quero agradecer de coração a vários amigos e colegas que leram
vários rascunhos do livro e discutiram comigo os detalhes mais sutis da teologia
espiritual: Dr. Michael Barber, Pe. Michael Champagne, CJC, Irmã Julia
Darrenkamp, FSP, Dr. Josh Johnson, Matthew Leonard, Pe. Jeffrey Montz, Dr.
Mitch Semar e Dr John Sehorn. Seu feedback foi absolutamente inestimável.
Uma palavra especial de gratidão vai para o Arcebispo Alfred C. Hughes
por generosamente reservar tempo para ler o manuscrito e partilhar a sua
sabedoria adquirida em décadas de ensino e de vivência da vida espiritual cristã.
Obrigado por ser um bom pastor para mim e minha família. Mais uma vez, estou
profundamente grato aos amigos – clérigos, religiosos e leigos – que me apoiaram
com as suas orações.
Em particular, quero agradecer às Carmelitas Descalços de Lafayette,
Louisiana, que prometeram rezar por mim enquanto eu escrevia este livro.
Obrigado pelo seu testemunho de Cristo, pela sua alegria e por serem minhas
irmãs. Espero ter citado carmelitas suficientes para fazê-las felizes!
197
Não posso terminar sem expressar minha gratidão e amor por minha esposa,
Elizabeth, e por nossos filhos: Morgen, Aidan, Hannah, Marybeth e Lillia.
Elizabeth, que é uma escritora muito melhor do que eu, lê (e critica!) tudo
o que escrevo e sempre me ajuda a melhorar. Mas nunca tivemos tantas conversas
maravilhosas sobre um manuscrito como tivemos sobre este livro. Obrigado, Liz,
por percorrer o caminho de Jesus comigo todos esses anos. Por fim, de forma
muito especial, este livro é dedicado à minha filha Hannah. Em hebraico, seu
nome significa “graça”. Que você seja cheia da graça de Deus todos os dias da
sua vida para que você também possa cantar o antigo cântico de Hannah: “Meu
coração exulta no Senhor” (1 Samuel 2:1).
15 de outubro de 2020
Memória de Santa Teresa de Ávila,
Virgem e Doutora da Igreja
198
NOTAS
Introdução
1. Ver Brant Pitre, Spiritual Theology: Christian Prayer and the Three Stages of
the Spiritual Life (disponível em www.brantpitre.com) para uma gravação de
áudio editada das palestras originais.
2. Salvo indicação em contrário, todas as traduções de Lucas 10:42 aqui contidas
são traduções do autor.
3. Em relação a ambas as passagens, Orígenes de Alexandria escreveu: “Penso
que ninguém pode duvidar que João aqui usa os termos 'crianças', 'jovens' ou
'jovens' e 'pais' de acordo com a idade da alma e não do corpo…. E [Paulo] usa a
expressão ‘bebê em Cristo’ sem dúvida, segundo a idade da alma e não segundo
a da carne”. Orígenes, Comentário ao Cântico dos Cânticos, Prólogo, em Uma
Exortação ao Martírio, Oração e Obras Selecionadas, trad. Rowan A. Greer,
Clássicos da Espiritualidade Ocidental (Mahwah, NJ: Paulist, 1979), 221.
4. No antigo cristianismo oriental, veja Orígenes de Alexandria, que liga os livros
de Provérbios, Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos com a “infância”, “juventude”
e “masculinidade madura” espiritual (Orígenes, Comentário sobre o Cântico dos
Cânticos , Prólogo 2). Dionísio, o Areopagita, é o primeiro a falar explicitamente
de três estágios de “purificação, iluminação e perfeição” (Dionísio, o Areopagita,
Hierarquia Celestial, 3.2). João Clímaco também descreve a vida espiritual em
termos de três estágios: “o começo”, “o estágio intermediário” e “perfeição” (João
Clímaco, Ladder of Divine Ascent, 28). No Ocidente de língua latina, Agostinho
fala de “caridade” como sendo “nutrida” na infância, “fortificada” na adolescência
e “aperfeiçoada” na idade adulta (Agostinho, Homilias sobre 1 João, 5.4), e
Gregório, o Grande, fala de “três etapas de conversão”: “o começo, o meio e a
perfeição” (Gregório, o Grande, Morals in Job, 24.11.28).
No cristianismo oriental medieval, Niketas Stethatos fala de “três estágios”: “o
purgativo, o iluminativo e, finalmente, o místico, que é a própria perfeição”
(Niketas Stethatos, Capítulos Gnósticos, 41).
No cristianismo ocidental medieval, Boaventura de Bagnoregio escreve um
tratado inteiro sobre os três estágios de “purgação, iluminação e perfeição”
(Boaventura, O Tríplice Caminho, prólogo 1), e Tomás de Aquino fala de t rês
“graus de caridade”: que de “iniciantes”, que estão principalmente ocupados em
“evitar o pecado”, “os proficientes”, cujo objetivo principal é fazer “progresso no
199
Prefácio de Avery Dulles, SJ, trad. Luís J. Puhl, S.J. (Nova York: Vintage Books,
2000), 7 (salvo indicação em contrário, todas as traduções dos Exercícios
Espirituais aqui contidas são desta edição);
As Obras Coletadas de São João da Cruz, trad. Kieran Kavanaugh, O.C.D., e
Otilio Rodriguez, O.C.D., 3ª ed. (Washington, DC: ICS Publications, 1991), 477;
Papa João Paulo II, Memória e Identidade: Conversas no Amanhecer de um
Milênio (Nova York: Rizzoli, 2005), 28–29.
5. Ver, por exemplo, Jordan Aumann, O.P., Spiritual Theology (London:
Continuum, 1980), 116: “Os três estágios ou graus da caridade nada mais são do
que divisões que caracterizam de maneira geral a infinita variedade de aspectos
da caridade. Vida cristã. O caminho da vida sobrenatural é sinuoso e seus estágios
oferecem uma variedade de transições e níveis que variam de acordo com cada
indivíduo. Nunca devemos pensar que os três estágios básicos são
compartimentos independentes e que aqueles que estão num determinado
momento em um estágio nunca participarão das atividades de outro estágio.”
6. Ver Frederick William Danker, ed., Um Léxico Grego-Inglês do Novo
Testamento e Outra Literatura Cristã Primitiva, 3ª ed. (Chicago: University of
Chicago Press, 2000), 609–10. A palavra hebraica para “discípulo” (talmid em
hebraico), também derivada do verbo “aprender” (lamad em hebraico), ocorre
uma vez nas Escrituras Judaicas (ver 1 Crônicas 25:8). Veja Richard N.
Longenecker, ed., Patterns of Discipleship in the New Testament (Grand Rapids,
Michigan: Eerdmans, 1996), 2.
7. Para mais informações sobre a identidade messiânica de Jesus, ver Brant Pitre,
The Case for Jesus: The Biblical and Historical Evidence for Christ (Nova Iorque:
Image, 2016).
8. Por exemplo, entre os cristãos antigos, João Clímaco escreve: “Alguém
envolvido nos assuntos do mundo pode progredir, se estiver determinado. Mas
não é fácil” (Escada da Ascensão Divina, 1.20). Na Idade Média, Tomás de
Aquino argumentou que a essência da santidade cristã consiste em guardar os dois
maiores mandamentos: o amor a Deus e ao próximo, algo que pode ser feito por
leigos que não fizeram votos de pobreza, castidade ou obediência. Ver Tomás de
Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 184, art. 3-4. No século XVII, Francisco de
Sales insistia que “É um erro, ou melhor, uma heresia, querer banir a vida devota
do regimento de soldados, da oficina mecânica, da corte dos príncipes, ou do lar
dos casados… . Onde quer que estejamos, podemos e devemos aspirar a uma vida
perfeita” (Introdução à Vida Devota, 1.3). Finalmente, e talvez o mais
201
1 Oração Vocal
1. Para uma discussão sobre oração vocal, meditação e os vários graus de oração
contemplativa, ver Aumann, Spiritual Theology, 316–57.
Para o uso de uma tríade semelhante na espiritualidade cristã oriental, ver Tomas
Spidlik, S.J., The Spirituality of the Christian East: A Systematic Handbook, trad.
Anthony P. Gythiel (Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 2008), 317: “De
acordo com o que foi dito sobre a oração em geral, há três graus distintos para esta
oração [a oração de Jesus]: oral, mental e do coração” (cf. ibid., 311–12).
Ver também O Catecismo da Igreja Católica (2ª ed.; Cidade do Vaticano: Editora
Vaticano, 1997) (doravante citado como CCC) no. 2699: “A Tradição Cristã
manteve três expressões principais de oração: vocal, meditativa e contemplativa.”
2. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 28.1.
3. João Damasceno, A Fé Ortodoxa, 3.24. Citado no CCC nº. 2559.
4. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição, 21.10. Nas Obras Completas de
Santa Teresa de Ávila, trad. Kieran Kavanaugh, OCD, e Otilio Rodriguez, OCD,
vol. 2 (Washington, DC: Publicações ICS, 1980), 121.
5. Teresa de Ávila, Castelo Interior, 1.1.7. Em Teresa de Ávila, Castelo Interior,
trad. e Ed. E. Allison Peers (Nova York: Image, 2004), 7.
6. Ver F. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of
the Old Testament (2ª ed.; Oxford: Clarendon, 1977), 524–25.
7. É importante notar aqui que as orações vocais podem ser cantadas, e não apenas
recitadas.
O maior exemplo disso é o próprio Saltério, que é uma coleção de 150 cânticos
de oração, chamados “louvores” (hebraico tehillim) ou “salmos” (grego psalmoi).
O próprio nome do Saltério é baseado diretamente na palavra para “harpa” (grego
psaltērion) porque os salmos foram originalmente concebidos para serem orações
cantadas, acompanhadas por instrumentos de cordas.
8. Ver Judith H. Newman, “Psalms, Book of”, em The Eerdmans Dictionary of
Early Judaism, ed. John J. Collins e Daniel C. Harlow (Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 2010), 1105–7, que afirma que o livro dos Salmos é às vezes descrito
como “o ‘Cancioneiro do Segundo Templo’”.
9. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 83, art. 14. Tomás de Aquino
prossegue estabelecendo uma distinção importante entre a falta deliberada de
203
atenção e a distração não intencional que ocorre quando a mente de alguém “vaga
pela fraqueza”.
10. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 2.1.5 (grifo nosso). Francisco
imediatamente prossegue apresentando algumas maneiras específicas de fazer
isso (ver ibid., 2.2).
11. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição, 22.7, 8 (grifo nosso).
Salvo indicação em contrário, todas as traduções desta obra são de Teresa de
Ávila, The Way of Perfection, trad. e Ed. E. Allison Peers (Nova York: Imagem,
2004).
12. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição 30.7 (grifo nosso). Nas Obras
Completas de Santa Teresa de Ávila, Volume 2, 152.
2 Meditação
1. João Cassiano, Conferências, 11.15. Salvo indicação em contrário, todas as
traduções das Conferências de Cassiano aqui contidas são de João Cassiano o, As
Conferências, trad. Boniface Ramsey, OP, Ancient Christian Writers 57
(Mahwah, NJ: Paulist, 1997).
2. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 1.1.
3. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição, 16.3. Nas Obras Completas de Santa
Teresa de Ávila, trad. Kieran Kavanaugh, OCD, e Otilio Rodriguez, OCD, vol. 2
(Washington, DC: Publicações ICS, 1980), 94.
4. Ver Kim Huat Tan, “Jesus and the Shemá”, em Handbook for the Study of the
Historical Jesus, ed. Tom Holmén e Stanley E. Porter, 4 vols. (Leiden, Holanda:
Brill, 2011), 3:2677–707; E. P. Sanders, Judaísmo: Prática e Crença, 63 aC-66
d.C. (Minneapolis: Fortress, 2016), 321: “Os rabinos mishnaicos simplesmente
consideravam isso um dado adquirido, como algo que não exigia debate ou prova,
que todo judeu dizia o Shemá ' (juntamente com orações diárias) duas vezes por
dia.” Para uma descrição do primeiro século dos judeus orando “duas vezes por
dia” que provavelmente se refere ao Shemá, consulte Josefo, Antiquities, 4.212–
13. Em Josefo, Antiguidades Judaicas, Livros IV-VI, trad. H. St. J. Thackeray e
Ralph Marcus (Loeb Classical Library 490; Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1930), 103. Nos séculos posteriores, o Shemá se expandiu e se
desenvolveu para incluir Deuteronômio 6:8–9; 11:13–21; e Números 15:37–41.
Veja Mishná, Berakoth 2:2.
204
20. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 3.48.5: “Estou onde quer que esteja
o meu pensamento, e isso tantas vezes é onde quer que esteja aquilo que amo.”
21. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 104 (ênfase adicionada).
3: Contemplação
1. Charlton T. Lewis e Charles Short, Um Dicionário Latino (1879; repr., Oxford:
Oxford University Press, 1998), 445.
2. Ver, por exemplo, Gregório de Nissa, The Lord’s Prayer, 1.7: “A oração é
intimidade com Deus e contemplação do invisível”. Em São Gregório de Nissa,
O Pai Nosso, as Bem-Aventuranças, trad. Hilda C. Graef, Ancient Christian
Writers 18 (New York: Newman, 1954), 24. Salvo indicação em contrário, todas
as traduções de Gregório de Nissa aqui contidas são deste volume.
3. João Cassiano , As Conferências, 1.8.1.
4. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 180, art. 3.
5. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 31.1.
6. Francisco de Sales, Sobre o Amor de Deus, 6.6. Tradução em São Francisco de
Sales, Sobre o Amor de Deus (2 vols .; trad. John K. Ryan; Nova York: Image,
1963), 1.283–84.
7. CIC nº. 2724 (ênfase adicionada).
8. Para Moisés como modelo bíblico clássico de contemplação, ver Gregório de
Nissa, The Life of Moses, trad. Abraham J. Malherbe e Everett Ferguson
(Mahwah, NJ: Paulist, 1978).
9. Ver William H. C. Propp, Exodus, 2 vols., The Anchor Bible 2–2A (New York:
Doubleday, 2006), 2:600: “Face a face” significa um “encontro direto”.
10. Ver, por exemplo, Agostinho, Sobre os Salmos, Segundo Discurso sobre o
Salmo 26.9: “Agora você vê, diz o salmista, por que desejo habitar na casa do
Senhor todos os dias da minha vida. Eu já te contei o motivo: para que eu possa
contemplar as delícias do Senhor…. Contemplá-lo será minha felicidade.” Em
Santo Agostinho, Sobre os Salmos, trad. Scholastica Hebgin e Felicitas Corrigan,
antigos escritores cristãos 29 (Westminster, Maryland: Newman, 1960), 269. Ver
também Francisco de Sales, On the Love of God, 6.1, que cita o Salmo 27:7 como
um exemplo de contemplação ou “teologia mística”.
11. RSV, ligeiramente alterado.
206
12. Ver Artur Weiser, Os Salmos, trad. Herbert Hartwell, The Old Testament
Library (Philadelphia: Westminster, 1962), 248–49, que aponta que a linguagem
de “contemplar” descreve uma espécie de “teofania” – uma aparição de Deus –
que assume a forma da “experiência e certeza da proximidade e realidade do Deus
Vivo”. Na antiga tradução grega dos Salmos, este versículo foi traduzido como o
desejo de “contemplar [grego theōreō] as delícias do Senhor” (Salmo 27:4 LXX),
que vem da mesma raiz daquela que era frequentemente usada pelos antigos
escritores cristãos para “contemplação” (grego theōria).
13. Ver Jane Ackerman, Elias: Profeta do Carmelo (Washington, D.C.: Instituto
de Estudos Carmelitas, 2002).
14. Ver Mordechai Cogan, 1 Kings, Anchor Bible 10 (New York: Doubleday,
2001), 453, que favorece a tradução “som de puro silêncio” (NRSV).
15. Veja Orígenes, Fragmentos sobre Lucas, no. 171: “Você pode razoavelmente
considerar Marta como representante da ação e Maria como contemplação.” Em
Orígenes, Homilias sobre Lucas, trad. Joseph T. Lienhard, SJ, Padres da Igreja 94
(Washington, DC: Universidade Católica da América, 1996), 192.
16. RSV, ligeiramente adaptado.
17. RSV, ligeiramente adaptado.
18. Joseph A. Fitzmyer, S.J., O Evangelho segundo Lucas, 2 vols., Anchor Bible
28–28A (Nova York: Doubleday, 1983–85), 2:893: “Sua posição é a de uma
discípula que escuta.” Compare o apóstolo Paulo, que é descrito como sendo
criado “aos pés” do Rabino Gamaliel (Atos 22:3).
19. Herbert Danby, The Mishnah (Oxford: Oxford University Press, 1933), 446
(ligeiramente adaptado).
20. Compare, por exemplo, o famoso exemplo de hospitalidade demonstrado aos
três convidados por Abraão e Sara (ver Gênesis 18:2–8; Josefo, Antiquities,
1.196).
21. François Bovon, Lucas 2, trad. Donald S. Deer, Hermeneia (Minneapolis:
Fortress, 2013), 71: “Qualquer crítica que possa ter havido a Martha não foi
dirigida nem a ela nem a hospitalidade dela ou seu desejo de servir, mas sim seu
excesso de atividade e as preocupações que o ocasionaram”. Ver também Teresa
de Lisieux, História de uma Alma 11 [C 36r]: “Não são nas obras de Marta que
Jesus critica…. Foi apenas a inquietação de Sua ardente anfitriã que Ele quis
corrigir.”
207
Jejum, 7, 9: “O jejum envia a oração ao céu…. O jejum é uma arma usada na luta
contra os demônios.”
11. W. D. Davies e D. C. Allison, Jr., O Evangelho segundo São Mateus, 3 vols.,
International Critical Commentary (Londres: T&T Clark, 1988–97), 1:617: “O
que conta não é a exibição externa, mas a humildade.”
12. Ver Craig S. Keener, Atos: Um Comentário Exegético, 4 vols. (Grand Rapids,
Michigan: Baker Academic, 2012–15), 2:1991, que aponta que a palavra para
“adoração” (grego leitourgeō) usada em Atos 13:2 é usada nas Escrituras para se
referir a “adoração sacerdotal, cúltica” como aquela que ocorre no Templo
Judaico (por exemplo, 1 Crônicas 6:32; 16:4; 2 Crônicas 31:2 LXX). Com relação
ao jejum judaico e à Páscoa, veja Mishná, Pesahim 10:1: “Na véspera da Páscoa,
por volta da hora da Oferenda Vespertina, o homem não deve comer nada até o
anoitecer.” Em Danby, Mishná, 150.
13. “Você deve jejuar na quarta e na sexta” (Didaquê 8:1). Em Michael W.
Holmes, trad., The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations, 3ª
ed. (Grand Rapids, Michigan: Baker Academic, 2007), 355. “'Os jejuns
canônicos', [Abba Apollo] disse, 'não devem ser quebrados, exceto sob extrema
necessidade. Pois o Salvador foi traído numa quarta-feira e crucificado numa
sexta-feira.’” Em The Lives of the Desert Fathers, trad. Norman Russell
(Kalamazoo, Michigan: Cistercian Publications, 1981), p. 78. “Ele [Jesus]
ordenou-nos que jejuássemos no quarto e sexto dias da semana; o primeiro por ter
sido traído, e o segundo por sua paixão” (Constituições Apostólicas 5.15; cf.
também 5.18). Em Alexander Roberts e James Donaldson, eds., Ante-Nicene
Fathers, 12 vols. (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1994), 7:445.
14. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 2.11.1.
15. CIC nº. 540.
16. Basílio, o Grande, Segunda Homilia sobre o Jejum, 5.
8 Esmola
1. João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de João #23. Em Gary A.
Anderson, Caridade: O Lugar dos Pobres na Tradição Bíblica (New Haven: Yale
University Press, 2013), frontispício.
2. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 32, art. 5.
3. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 3.15.
214
3. Tomás de Aquino, Summa Theologica, I–II, q. 84, art. 3, 4: “Um vício capital
é aquele do qual surgem outros vícios... [Existem] sete vícios capitais, a saber,
vanglória, inveja, raiva, avareza, tristeza, gula, luxúria” (latim vã glória, inveja,
raiva, avareza, tristeza, gula, luxúria).
4. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 18: “Que lhe seja dado durante meia
hora todas as manhãs o método de oração sobre os Mandamentos e sobre os
Pecados Capitais.” Cf. ibid., não. 245: “Para melhor compreender as faltas
cometidas que se enquadram nos Sete Pecados Capitais, consideremos as virtudes
contrárias.”
5. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 22.1: “[Alguns] afirmam que
existem oito pecados capitais. Mas contra isto está a opinião de Gregório, o
Teólogo, e de outros professores, de que na verdade o número é sete. Eu também
defendo essa opinião” (grifo nosso).
6. Ver, por exemplo, CIC nº. 1866.
7. Ken M. Penner, ed., The Lexham English Septuagint (Bellingham, Washington:
Lexham Press, 2019), 763.
8. F. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs, Um Léxico Hebraico e Inglês do Antigo
Testamento (Oxford: Clarendon, 1977), 1073. Cf. Levítico 18:22, 26–29;
Provérbios 3:32; 8:7; 13:19; 16:12; 21:27; 28:9; 29:27; Isaías 1:13.
9. Veja Albert Pietersma e Benjamin G. Wright, eds., A New English Translation
of the Septuagint (Nova York: Oxford University Press, 2007), 644: “Há sete
iniquidades em sua alma” (Provérbios 26:25 LXX) .
10. João Cassiano, Conferências, 25.2: “No Livro dos Provérbios, Salomão
também fala desta fonte sétupla de vício desta forma: 'Se o seu inimigo lhe
perguntar em voz alta, não ceda a ele, pois há sete males em sua alma.'”
11. Embora as traduções inglesas de Provérbios usem palavras diferentes para
misericórdia ou compaixão, na antiga tradução grega conhecida como
Septuaginta, todos esses três versículos traduzem o verbo hebraico que significa
“ser misericordioso” ou “compassivo” (hebraico chanan) como “tende piedade”
(grego eleeō) (Provérbios 14:31; 19:17). Veja Brown, Driver e Briggs, Hebrew
and English Lexicon, 335–36; Frederick William Danker, ed., Um Léxico Grego-
Inglês do Novo Testamento e Outras Literaturas Cristãs Primitivas, 3ª ed.
(Chicago: University of Chicago Press, 2000), 315.
12. Agostinho, Perguntas sobre os Evangelhos, 1.8: “O homem não terá apenas
aqueles sete vícios que são contrários às próprias sete virtudes espirituais.” Em
218
Livro de Jó, Volume 1, 384. Ver também Tomás de Aquino, Summa Theologica,
II–II, q. 36, art. 4: “Quando o diabo nos tenta à inveja, ele está nos seduzindo para
aquilo que tem o lugar principal em seu coração.”
13. Frederick William Danker, ed., Um Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento
e Outra Literatura Cristã Primitiva, 3ª ed. (Chicago: University of Chicago Press,
2000), 824.
14. Adela Yarbro Collins, Mark: A Commentary, Hermeneia (Minneapolis:
Fortress, 2007), 360. Ver, por exemplo, Eclesiástico 14:8–10.
15. François Bovon, Lucas 2, trad. Donald S. Deer, Hermeneia (Minneapolis:
Fortress, 2002), 422.
16. Ver Gregório, o Grande, Morals in Job, 31.45: “Da inveja brotam o ódio, os
sussurros, a difamação, a exultação pelos infortúnios de um próximo e a aflição
pela sua prosperidade.” Em Gregório, o Grande, Moralia in Job, 3:453. Veja
também Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 36, art. 4.
17. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 36, art. 3: “A inveja…é
contrária à caridade…. Ora, o objeto tanto da caridade como da inveja é o bem do
próximo, mas por movimentos contrários, visto que a caridade se alegra com o
bem do próximo, enquanto a inveja se aflige com ele.” Veja também João da Cruz,
Noite Escura da Alma, Livro 1.7.1: “Com respeito à inveja, muitos [iniciantes]
estão acostumados a experimentar movimentos de descontentamento com o bem
espiritual dos outros…. Tudo isto é totalmente contrário à caridade, que, como diz
São Paulo, “alegra-se no bem” (1 Cor 13, 6).
18. Ver especialmente Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 36, art. 3:
“A inveja [latim invidia] … é diretamente contrária à misericórdia [latim
misericordiae], sendo seus principais objetos contrários um ao outro, uma vez que
o homem invejoso sofre p elo bem do próximo, enquanto o homem misericordioso
sofre pelo mal do próximo, de modo que o invejoso não tem piedade, como afirma
na mesma passagem, nem o homem misericordioso é invejoso” (tradução
ligeiramente adaptada). Veja também Gregório de Nissa, As Bem-aventuranças,
Sermão 5, que diz que se a “misericórdia” reinasse na sociedade humana, “a inveja
seria fútil” e todos os vícios que são “produtos da cobiça” desapareceriam.
19. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 36, art. 3. Por uma questão de
clareza, traduzi o latim misericordes como “misericordioso” em vez de
“lamentável”.
224
20. O verbo grego para “retirar” é apotithēmi. Veja Danker, Léxico Grego-Inglês,
123.
21. Danker, Léxico Grego-Inglês, 316.
13 Ira vs. Mansidão
1. Ver CIC nºs. 1767, 1772: “Em si as paixões não são boas nem más. Elas são
moralmente qualificadas apenas na medida em que efetivamente envolvem a
razão e a vontade…. As principais paixões são amor e ódio, desejo e medo,
alegria, tristeza e ira.”
2. Ver Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 158, arts. 1–2: “Ficar com
raiva nem sempre é um mal…. Se alguém deseja que a vingança seja realizada de
acordo com a ordem da razão, o desejo de raiva é louvável e é chamado de 'raiva
zelosa' ordem da razão, por exemplo, se desejar a punição de quem não a mereceu,
ou além dos seus merecimentos, ou ainda contrária à ordem prescrita pela lei, ou
não para o devido fim, nomeadamente a manutenção da justiça e a correção de
inadimplência, então o desejo de raiva será pecaminoso, e isso é chamado de raiva
pecaminosa.”
3. Gregório, o Grande, Morals in Job, 5.82. Em Gregório, o Grande, Reflexões
Morais sobre o Livro de Jó, Volume 1, 382.
4. João Cassiano, Institutos, 8.1.1.
5. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 8.14.
6. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 3.8.
7. A mesma expressão é usada para descrever a resposta de Potifar quando José é
(falsamente) acusado de ter feito uma proposta à sua esposa: “sua ira se acendeu”
(hebraico charah) (Gênesis 39:19). Veja também Sabedoria de Salomão 10:3, que
afirma que Caim abandonou a sabedoria “em sua ira” e “em fúria ele matou seu
irmão”.
8. Ver também Michael V. Fox, Provérbios, 2 vols., The Anchor Bible 18–18A
(New Haven: Yale University Press, 2000–2009), 2:584, que aponta que a palavra
hebraica traduzida como “paciente” significa literalmente “narinas compridas”!
Eventualmente, a palavra hebraica neste provérbio é traduzida como “ira” (grego
orgē) ou “ira” (latim ira) (Provérbios 14:29 LXX e Vulgata), que são os nomes
clássicos gregos e latinos para o pecado capital.
225
9. Observe que esta é exatamente a mesma palavra usada por escritores cristãos
posteriores para descrever o pecado capital da “raiva” (grego orgē; latim ira)
(Marcos 3:5 Vulgata).
10. RSV, ligeiramente adaptado. Vale a pena notar aqui que muitos manuscritos
antigos dizem “todo aquele que se zanga com seu irmão sem causa (grego eikē)”
(Mateus 5:22), deixando assim espaço para “indignação justa”. Ver W. D. Davies
e D. C. Allison, Jr., O Evangelho segundo São Mateus, 3 vols., International
Critical Commentary (Londres: T&T Clark, 1988–97), 1:512; Bruce M. Metzger,
Um Comentário Textual sobre o Novo Testamento Grego, 2ª ed. (Estugarda:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), 11.
11. Frederick William Danker, ed., Um Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento
e Outra Literatura Cristã Primitiva, 3ª ed. (Chicago: University of Chicago Press,
2000), 903.
12. Considere, por exemplo, as seguintes tradições rabínicas: “O julgamento dos
injustos na Gehenna durará doze meses” (Mishna, Eduyoth 2:10). Da mesma
forma, “A Casa do [Rabino] Shammai diz: ‘Existem três grupos, um para a vida
eterna, um para “vergonha e desprezo eterno” (Dan. 12:2) – estes são aqueles que
são completamente maus. Um grupo intermediário desce para a Geena e grita e
sobe novamente e é curado’” (Tosefta, Sinédrio 13:3). Em Danby, Mishná, 426;
Jacob Neusner, O Tosefta, 2 vols. (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 2:1188–
89. Veja também Joachim Jeremias, “géenna”, no Dicionário Teológico do Novo
Testamento, ed. Gerhard Kittel, trad. Geoffrey W. Bromily, 10 vols. (Grand
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1964), 1:657–58, que reconhece que a Geena tem
“um caráter purgatorial e também penal”.
13. Ver Gregório, o Grande, Morals in Job, 5.81: “[Uma] maneira de manter um
temperamento calmo é que, quando notamos as transgressões dos outros,
possamos nos lembrar de nossos próprios pecados e transgressões contra eles….
Assim como o fogo se apaga com a água, quando a raiva surge na mente, todos
devem lembrar-se da sua própria culpa, porque deveríamos ter vergonha de não
perdoar pecados quando nos lembramos que muitas vezes pecamos contra Deus
ou contra o próximo e necessitamos de perdão.” Em Gregório, o Grande,
Reflexões Morais sobre o Livro de Jó, Volume 1, 381–82.
14. RSV, ligeiramente adaptado.
15. Gregório, o Grande, Morals in Job, 31.88: “Da ira são produzidas brigas,
comoção, abusos, gritos, insultos, blasfêmias” (tradução do autor).
226
“rico” para com Deus envolve “o uso adequado dos bens materiais para outros” –
isto é, dar esmolas.
13. A palavra grega usada aqui é pleonexia; mais tarde é traduzido para o latim
como “avareza” (latim avaritia) (Colossenses 3:5 Vulgata).
14. Gregório, o Grande, Morals in Job, 31.88: “Da avareza brotam a traição, a
fraude, o engano, o perjúrio, a inquietação, a violência e a dureza de coração
contra a compaixão.” Em Gregório, o Grande, Moralia in Job, 3:453.
15. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 3.14 (grifo nosso).
15 Luxúria vs. Castidade
1. Ver, por exemplo, João Cassiano, Institutes, 6.1–23; João Clímaco, Escada da
Ascensão Divina, 15; Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 153, art. 1:
“Luxúria [latim luxuria] é definida ‘como o desejo de prazer desenfreado’”; e
ibid., II-II, q. 154, art. 1: “O pecado da luxúria consiste em buscar prazeres
venéreos que não estão de acordo com a razão correta.” Veja também CIC nº.
2351: “A luxúria é o desejo desordenado ou o gozo excessivo do prazer sexual. O
prazer sexual é moralmente desordenado quando buscado por si mesmo, isolado
de seus propósitos procriativos e unitivos”.
2. João Cassiano, Institutos, 6.1.
3. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 15.83.
4. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 1.4.
5. William H. C. Propp, Exodus, 2 vols., Anchor Bible 2–2A (New York:
Doubleday, 2006), 2.180: “O décimo mandamento aborda o desejo como a raiz
emocional do crime, mais obviamente do adultério.”
6. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 154, art. 2: “A fornicação é
contrária ao amor ao próximo.”
7. Compare a liderança militar do Rei Saul em 1 Samuel 14–15. Sobre a guerra
no antigo Israel, ver Roland de Vaux, Ancient Israel: Its Life and Institutions
(Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1997), 250–54.
8. Ver Provérbios 2:16–19; 5:1–23; 6:23–35; 7:1–5.
9. Michael V. Fox, Provérbios, 2 vols., Anchor Bible 18–18A (New Haven: Yale
University Press, 2000–2009), 1:227.
10. RSV, ligeiramente adaptado.
228
11. Ver Aline Rousselle, Porneia: Sobre o Desejo e o Corpo na Antiguidade, trad.
Felicia Pheasant (Londres: Basil Blackwell, 1988).
12. Ver Adela Yarbro Collins, Mark: A Commentary, Hermeneia (Minneapolis:
Fortress, 2007), 358: porneiai refere-se a “atos de relações sexuais ilegais” ou
“imoralidade sexual”. Para exemplos de formas proibidas de atividade sexual,
consulte o escrito judaico do primeiro século, Pseudo Phocylides 175–206. Em
James H. Charlesworth, ed., The Old Testament Pseudepigrapha, 2 vols., Anchor
Bible Reference Library (Nova York: Doubleday, 1983, 1985), 2.580–81.
13. RSV, ligeiramente adaptado.
14. Para antigas proibições judaicas semelhantes à luxúria, consulte W. D. Davies
e D. C. Allison, Jr., The Gospel segundo Saint Matthew, 3 vols., International
Critical Commentary (London: T&T Clark, 1988–97), 1:522, citando o
Testamento de Isaque 4:53: “Não olhe para uma mulher com olhos lascivos”, e
Pesiqta Rabbati 24:2: “Mesmo aquele que se visualiza no ato de adultério é
chamado de adúltero”.
15. Ver Jonathan T. Pennington, O Sermão da Montanha e o Florescimento
Humano: Um Comentário Teológico (Grand Rapids, Michigan: Baker Academic,
2017), 187.
16. Tradução do autor.
17. Frederick William Danker, ed., Um Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento
e Outra Literatura Cristã Primitiva, 3ª ed. (Chicago: University of Chicago Press,
2000), 508: o “coração” (do grego kardia) é o “centro e fonte de toda a vida
interior, w. seu pensamento, sentimento e volição” (grifo nosso). Veja também
Pennington, Sermão da Montanha, 93: “É o que sai do coração que revela a
qualidade de toda a pessoa interior…. A kardia bíblica se sobrepõe à ‘alma’, ao
‘raciocínio’ e à ‘mente’ e está definitivamente intimamente associada à sede das
faculdades mentais, muito mais amplas e profundas do que meras emoções”
(ênfase adicionada).
18. Ver João Cassiano, Institutas, 6.3: Uma pessoa com uma “mente doentia” deve
evitar “imagens” lascivas.
19. Agostinho, Confissões, 8.7.17. Nas Confissões de Santo Agostinho, trad. John
K. Ryan (Nova York: Imagem, 2014), 156.
20. Ver, por exemplo, CIC nº. 2390: “O ato sexual deve ocorrer exclusivamente
dentro do casamento. Fora do casamento constitui sempre um pecado grave e
exclui a pessoa da comunhão sacramental”.
229
31. Gregório, o Grande, Morals in Job, 31.89: “É claro para todos que a luxúria
brota da gula.” Em Gregório, o Grande, Moralia in Job, 3:454.
32. A experiência mostra que é quase impossível encher a nossa imaginação com
pensamentos lascivos e meditar regularmente nas Escrituras ao mesmo tempo.
Um dos dois vai embora.
16: Gula vs. Temperança
1. Tradução do autor.
2. Sobre a gula, veja João Clímaco, Ladder of Divine Ascent, 14 (On Gluttony);
Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 148, arts. 1–6.
3. Gregório, o Grande, Morals in Job, 30.18.58. Citado em Tomás de Aquino,
Summa Theologica, II–II, q. 148, art. 1. Veja também João Cassiano, Institutes,
5.3: “A primeira competição na qual devemos entrar é contra a gula.”
4. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 18.
5. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 148, art. 1. Ver também ibid.,
II–II, q. 148, art. 6.
6. Sobre a terminologia hebraica de “glutão” e “bêbado”, ver F. Brown, S. R.
Driver e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament
(Oxford: Clarendon, 1977), 272–73, 684– 85.
7. RSV, ligeiramente adaptado.
8. Michael V. Fox, Provérbios, 2 vols., Anchor Bible 18–18A (New Haven: Yale
University Press, 2000–2009), 2:735–36: “Esses vícios reforçam-se
mutuamente… [e] caracterizam os filhos rebeldes em Dt 21.20 (que usa as
mesmas palavras aqui) e parece representar comportamento dissoluto em geral”.
9. No que diz respeito às bodas de Caná, é importante sublinhar que a quantidade
de vinho que Jesus produz – cerca de 180 galões (ver Jo 2, 6) – não pretende
promover a embriaguez, mas ser um sinal da superabundância do vinho do
banquete messiânico (ver Amós 9:11–13; Joel 3:18; cf. 2 Baruque 29:1–5). Para
discussão, ver Brant Pitre, Jesus the Bridegroom: The Greatest Love Story Ever
Told (Nova Iorque: Image, 2014), 42–43. Ao mesmo tempo, as Escrituras
Judaicas também deixam claro que Deus dá “vinho” para “alegrar o coração” dos
seres humanos (Salmo 104:15).
10. RSV, ligeiramente adaptado.
231
11. A palavra “dissipação” (grego kraipalē) pode ser definida como “indulgência
desenfreada em uma festa com bebidas”. Frederick William Danker, ed., Um
Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento e Outras Literaturas Cristãs Primitivas,
3ª ed. (Chicago: University of Chicago Press, 2000), 564. Fitzmyer também a
define como “intoxicação”. Joseph A. Fitzmyer, SJ, O Evangelho segundo Lucas,
2 vols., Anchor Bible 28–28A (Nova York: Doubleday, 1983–85), 2:1355.
12. Ver, por exemplo, João da Cruz, A Ascensão do Monte Carmelo, 3.25.5: “A
alegria nas delícias da comida gera diretamente a gula e a embriaguez... e a falta
de caridade para com o próximo e os pobres, como para com Lázaro por parte do
homem rico que comia suntuosamente todos os dias.”
13. RSV, ligeiramente adaptado.
14. Fitzmyer, Evangelho segundo Lucas, 2:1132, citando 1 Reis 1:21; 20:10;
11:21.
15. Fitzmyer, Evangelho segundo Lucas, 2:1131, salienta que quando Lucas diz
que Lázaro “ansiava por ser alimentado” (grego epithymōn chortasthēnai) (Lucas
16:21), é a mesma expressão usada para descrever como o filho pródigo filho
“ansiava por ser alimentado” (grego epethymei chortasthēnai) (Lucas 15:16).
16. RSV, ligeiramente adaptado.
17. Ver Walter Burkert, Greek Religion, trad. John Raffan (Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 1985), 99–107, 161–67.
18. Não é coincidência que a palavra “folia” (grego kōmos) usada por Pedro e
Paulo seja o verdadeiro nome de Komos, o deus grego da festa. Veja Danker,
Léxico Grego-Inglês, 580: “Orig. uma procissão festiva em homenagem a
Dionísio (cp. nosso festival de Mardi Gras) … num mau sentido, festa
excessiva… farra, folia Ro 13:13; Gálatas 5:21.”
19. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 14: “Devemos em todos os lugares
e em todos os momentos cultivar a temperança.” Veja também Tomás de Aquino,
Summa Theologica, II–II, q. 141, art. 2.
20. João Cassiano, Institutos, 14.3.
17 Preguiça vs. Diligência
1. J. Lust, E. Eynikel e K. Hauspie, Um Léxico Grego-Inglês da Septuaginta, 2
vols. (Estugarda: Deutsche Bibelgesellschaft, 1992), 1:15. Por exemplo, CIC nº.
1866 fala de “preguiça” (latim pigritia), em vez de “acedia”.
232
15. Ver Joel Marcus, Mark, 2 vols., Anchor Bible 27–27A (New Haven: Yale
University Press, 2009), 2:920: “Já que a Páscoa é chamada de noite de vigília
(lit. 'noite de vigília') em Êxodo 12:42, … pelo menos na época dos Tannaim,
alguns judeus tinham o hábito de ficar acordado a noite toda para comemorar.”
Veja, por exemplo, Tosefta, Pesahim 10:12. Compare também a tradução da
Vulgata de “manter acordado” (latim vigiar) (Marcos 14:34).
16. RSV, adaptado.
17. Ver João Clímaco, Ladder of Divine Ascent, 13.11, que descreve a acídia
como “o mais grave” de todos os “vícios capitais”. Em São João Clímaco, A
Escada da Ascensão Divina, rev. Ed. (Boston: Mosteiro da Sagrada
Transfiguração, 2019), 133.
18. Ver João Cassiano, Institutas, 10.7.1: “O abençoado Apóstolo, como um
médico verdadeiro e espiritual, há muito tempo viu esta doença, que brota do
espírito de acídia, se insinuando.” A maior parte do famoso tratado de João
Cassiano sobre a acídia é dedicada a uma exposição linha por linha das palavras
de Paulo em 2 Tessalonicenses 3. Ver ibid., 10.7-19.
19. RSV, ligeiramente adaptado.
20. Ver Nathan Eubank, First and Second Thessalonians (Grand Rapids,
Michigan: Baker Academic, 2019), 186: “A ordem de Paulo não é dirigida aos
‘desempregados’, aqueles que desejam trabalhar mas não conseguem encontrá-
lo…. É dirigido àqueles que poderiam ter um emprego remunerado, mas optam
por não o ter, aqueles que “não estão dispostos” a trabalhar…. [O] mandamento
de alimentar os famintos é uma obrigação grave à qual Jesus não faz exceções”
(ver Mateus 5:42).
21. Cf. Danker, Greek-English Lexicon, 148: “A maneira específica pela qual o
comportamento irresponsável se manifesta é descrita no contexto:
aproveitamento, esponja.”
22. Bento de Núrsia, A Regra, 48.1. Na Regra de São Bento, trad. Leonard J.
Doyle, O.S.B. (Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 2001), 109 (ênfase
adicionada).
23. CIC nº. 2697.
24. Para o original em latim, ver Georg Holzherr, O.S.B., The Rule of Benedict:
An Invitation to the Christian Life, trad. Mark Thamert, O.S.B. (Collegeville,
Minnesota: Liturgical Press, 2016), 363.
234
7. Tomás de Aquino, Summa Theologica, I–II, q. 35, art. 7; Q. 37, art. 4. Para
maior clareza, traduzi o latim tristitia como “tristeza” em vez de “melancolia”.
8. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.12.
9. Veja Gênesis 37:34; Isaías 22:12; Jeremias 7:29.
10. Embora o original hebraico aqui leia literalmente “Bendito seja Deus e morra”
(Jó 2:9), a palavra hebraica “abençoar” (hebraico barak) é usada como um
eufemismo para “amaldiçoar”, assim como é no início do livro, quando Jó se
preocupa que seus filhos possam ter “pecado e amaldiçoado [Hebraico barak]
Deus em seus corações” (Jó 1:5). Veja Marvin H. Pope, Job, Anchor Bible 15
(Nova York: Doubleday, 1965), 22.
11. Tradução do autor. Embora este versículo esteja faltando nas antigas cópias
hebraicas de Provérbios, eu o incluo aqui porque está presente na antiga
Septuaginta grega e teve um impacto direto sobre a tristeza nos escritores
espirituais cristãos orientais. Veja Albert Pietersma e Benjamin G. Wright, eds.,
A New English Translation of the Septuagint (Nova York: Oxford University
Press, 2007), 644.
12. Bovon aponta para uma expressão na Septuaginta grega: “Você adormecerá
em tristeza” (Isaías 50:11 LXX), como possível pano de fundo. François Bovon,
Lucas 3, trad. James Crouch, Hermeneia (Minneapolis: Fortress, 2012), 203. Ele
também aponta corretamente que, embora a tristeza às vezes possa levar à insônia,
o sono também pode se tornar “um refúgio e uma última proteção” contra a “dor”
profunda ou o “infortúnio” extremo.”
13. RSV, ligeiramente adaptado.
14. Adela Yarbro Collins, Mark: A Commentary, Hermeneia (Minneapolis:
Fortress, 2007), 480: “Faltava-lhe… o autodomínio para abandonar a sua riqueza
e escolher um bem maior.”
15. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.12. Um pouco mais adiante,
na mesma seção, Francisco escreve: “Em último lugar, entregue-se nas mãos de
Deus e esteja pronto para sofrer pacientemente esta tristeza angustiante…. Não
duvide que depois que Deus o julgar, ele o livrará deste mal.”
16. Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 136, art. 1: “'A paciência de
um homem é pela qual ele suporta o mal com uma mente igualitária', isto é, sem
ser perturbado pela tristeza”; e II-II, q. 136, art. 4: “Pertence à paciência ‘sofrer
com igual mente os males infligidos pelos outros’”. Na primeira passagem, Tomás
236
14. João Crisóstomo, Homilias sobre Gênesis, 11.7. Em São João Crisóstomo,
Homilias sobre Gênesis 1–17, trad. Robert C. Hill, Padres da Igreja 74
(Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 1986), 146 (ênfase
adicionada).
15. Thomas à Kempis, A Imitação de Cristo, 4.7.1.
16. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 5.3; 7.1. Toda a seção sobre
este método de exame (ibid., 5.3-9) é extremamente útil.
17. Talvez o método mais famoso seja o de Inácio de Loyola, Exercícios
Espirituais, nos. 24–43.
18. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 244–25 (ênfase adicionada); cf.
não. 18.
19. Para um diagrama um pouco diferente das duas árvores de vícios e virtudes,
ver Reginald Garrigou-Lagrange, O.P., The Three Ages of the Interior Life:
Prelude of Eternal Life, Volume 2, trad. Irmã M. Timothea Doyle, OP (Londres:
B. Herder, 1948), 365–66.
20. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.10.
21. João da Cruz, A Subida do Monte Carmelo Livro 1.12.5. Tradução em The
Collected Works of St. John of the Cross, 147 (ênfase adicionada).
20 Lectio Divina e a Escada de Jacó
1. Ver Duncan Robertson, Lectio Divina: The Medieval Experience of Reading,
Cistercian Studies 238 (Collegeville, Minn.: Liturgical Press, 2011).
2. João Cassiano, Conferências, 14.10.2. Cassiano continua dizendo: “Mas à
medida que nossa mente é cada vez mais renovada por este estudo, a face das
Escrituras também começará a ser renovada, e a beleza de uma compreensão mais
sagrada crescerá de alguma forma com a pessoa que está progredindo” (ibid..,
14.11.1).
3. Guigo II, A Escada do Paraíso, 13. Em Guigo II, “A Escada da Terra ao Céu”,
trad. Jeremy Holmes, em Letter and Spirit 2 (2006): 175–88 (aqui 186).
4. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição, 16.3. Nas Obras Completas de Santa
Teresa de Ávila, trad. Kieran Kavanaugh, OCD, e Otilio Rodriguez, OCD, vol. 2
(Washington, DC: Publicações ICS, 1980), 94.
239
Da mesma forma, o profeta Zacarias prediz que quando o rei messiânico chamado
“o Renovo” finalmente chegar, “cada um de vocês convidará o seu próximo para
debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira” (Zacarias 3:8–10).
13. Ver Rudolf Schnackenburg, O Evangelho segundo São João, trad. Kevin
Smith, vol. 1 (Nova York: Herder & Herder, 1968), 317: “A explicação usual
apela à frase rabínica 'sentar-se debaixo da figueira' e ao costume dos doutores da
lei, de sentar-se debaixo de uma árvore para estudar as Escrituras.” Veja, por
exemplo, Gênesis Rabbah 62:2: “Rabi Akiba e seus discípulos costumavam
sentar-se e estudar debaixo de uma figueira.” Em Gênesis Rabbah, trad. H.
Freedman, 2 vols. (Londres: Soncino, 1983), 2:551.
Veja também Talmud de Jerusalém, Berakoth 2:8: “Uma vez…R. Aqiba e seus
associados estavam sentados discutindo a Torá sob uma certa figueira”, e
Eclesiastes Rabbah 5.11.2: “R. Akiba e seus discípulos estavam sentados e
estudando debaixo de uma figueira.” Em Jacob Neusner, ed., The Jerusalem
Talmud: A Translation and Commentary (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2008),
loc. cit., e Ecclesiastes Rabbah (L. Rabinowitz; Londres: Soncino, 1983), 151.
Para essas referências, ver Craig S. Keener, The Gospel of John: A Commentary,
2 vols. (Peabody, Massachusetts: Hendrickson, 2003), 1:486.
14. Schnackenburg, Evangelho segundo São João, 317: “Natanael, então,
escondido dos olhos dos outros sob uma figueira protetora, estaria estudando as
Escrituras, especialmente as profecias messiânicas. Se assim for, a sua reação à
revelação de Jesus, o seu reconhecimento como o Messias, é ainda mais
compreensível” (ênfase adicionada).
15. Ver Mariano Magrassi, Orando a Bíblia: Uma Introdução à Lectio Divina,
trad. Edward Hagman, O.F.M. Boné. (Collegeville, Minnesota: Liturgical Press,
1998).
16. Os vários manuscritos do tratado de Guigo têm múltiplos títulos, como
“Escada do Paraíso” (latim Scala Paradisi) e “Escada dos Monges” (latim Scala
Claustralium). Aqui utilizarei o primeiro para enfatizar que os quatro passos da
lectio divina não são apenas para monges de clausura, mas pode ser usado por
todos os cristãos. Por exemplo, ver Bento XVI, Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Verbum Domini (A Palavra do Senhor), n. 86-87, que se refere a estes quatro como
“os passos básicos” da lectio divina.
17. Robertson, Lectio Divina, 224, descreve a Escada de Guigo como “um resumo
didático de toda a tradição da lectio divina”.
241
15. Danker, Greek-English Lexicon, 1043: “Golpe sob o olho” ou “dar um olho
roxo”, “golpe no rosto”. Compare o uso que Paulo faz da mesma palavra em 1
Coríntios 9:26–27.
16. A expressão hebraica para este modo de argumentação é qal va chomer; o
latim, a fortiori.
17. Cirilo de Alexandria, Comentário sobre Lucas, Homilia 119: “A presente
parábola [da viúva persistente] assegura-nos que Deus inclinará os seus ouvidos
para aqueles que lhe oferecem as suas orações, não descuidadamente nem
negligentemente, mas com seriedade e constância.” Em Arthur A. Just Jr., ed.,
Luke, Ancient Christian Commentary on Scripture, New Testament III (Downers
Grove, Illinois: InterVarsity, 2003), 276.
18. Ver Danker, Léxico Grego-Inglês, 818–19.
19. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 26.104. Na mesma passagem,
Clímaco afirma que a batalha espiritual contra o mal começa ao acordar pela
manhã: “Há um demônio chamado precursor. Ele se apodera de nós assim que
despertamos e contamina nosso primeiro pensamento.” Em 19.2, Clímaco afirma:
“Assim como beber demais vem do hábito, também do hábito vem o excesso de
sono. Por esta razão, é preciso lutar contra isso, especialmente no início da vida
religiosa, porque um hábito antigo é difícil de corrigir”.
20. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 1.20.2 (ênfase adicionada).
21. Efrém, o Sírio, Comentário sobre Gênesis, 30.3: “[Jacó] aprendeu quão fraco
ele era e quão forte ele era.” Em Sheridan, Gênesis 12–50, 223.
22. João Cassiano, Conferências, 9.3.3. Veja também ibid., 1.13.2: “Quando o
tivermos perdido de vista, mesmo que brevemente, voltemos a nossa atenção para
ele, dirigindo os olhos do nosso coração como se fosse uma linha muito reta.”
23. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 4.92.
24. CIC nº. 2729 (ênfase adicionada).
25. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 19.7: “Ninguém deve realizar
qualquer tarefa adicional, ou melhor, distração, durante o tempo de oração.”
26. CCC nº. 2728.
27. Evágrio do Ponto, Sobre a Oração, no. 34. Citado no CIC nº. 2737 (ênfase
adicionada). 28. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 2.9.
244
22 A Noite Escura
1. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 1.12.
2. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 2.9.3.
3. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.15. Ver também Inácio de
Loyola, Exercícios Espirituais, n. 315: durante o caminho purgativo, é
“característica” do Espírito Santo dar “consolações” e “inspirações”, “facilitando
tudo... para que a alma prossiga na prática do bem”.
4. Ver, por exemplo, João Cassiano, Conferences, 4.2–6; João Clímaco, Escada
da Ascensão Divina, 4,58; Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.15:
“Quando Deus ordena que lhes seja tirada a alegria espiritual… pensam que não
estão nem no céu nem na terra e que permanecerão sepultados na noite eterna…
subitamente deixados num estado de aridez, privado de qualquer consolação e
mergulhado nas trevas interiores”; João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio
Ineunte no. 33: “A grande tradição mística da Igreja do Oriente e do
Ocidente…mostra como a oração pode progredir…. É um caminho totalmente
sustentado pela graça, que exige, no entanto, um intenso compromisso espiritual
e não é estranho a purificações dolorosas (a ‘noite escura’)”.
5. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, 4.58. Embora o sujeito nesta frase
a que “ele” se refere seja “o diabo”, Cassiano imediatamente deixa claro que na
verdade é Deus quem permite a “retirada providencial” dos bens espirituais “que
parecem ser” para aumentar a humildade da alma.
6. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 2.9.4.
7. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.8.1, 3 (ênfase adicionada).
8. Em Noite Escura da Alma, João da Cruz fala na verdade de duas “noites
escuras”, ambas com dimensões ativas e passivas.
A primeira noite, que João chama de “a noite dos sentidos”, acontece com muitos
iniciantes à medida que fazem a transição do primeiro estágio de crescimento
espiritual (que João chama de “caminho purgativo”) para o segundo (que ele
chama de “caminho iluminativo”). Para uma discussão completa da noite escura
dos sentidos em suas formas ativas e passivas, veja João da Cruz, A Subida do
Monte Carmelo, Livro 1.1–15 e Noite Escura da Alma, Livro 1.1–14. A segunda
noite, que João chama de “a noite do espírito”, acontece para aqueles que estão
mais avançados na vida espiritual, na transição entre a segunda etapa (o caminho
iluminativo) e a terceira (que ele chama de “o caminho unitivo”). Para uma
245
18. Joseph A. Fitzmyer, S.J., O Evangelho segundo Lucas, 2 vols., Anchor Bible
28–28A (Nova York: Doubleday, 1983–85), 2:910: “A palavra grega de Lucas
para 'persistência' na verdade significa ' falta de vergonha.'” O termo vem de
“respeito próprio” ou “respeito” (do grego aidōs). O cenário idealizado é uma casa
de um único cômodo com todos os membros da família dormindo no mesmo
espaço, de modo que levantar-se para mostrar hospitalidade a um hóspede
inesperado perturbaria toda a família (ibid., 2:912).
19. Fitzmyer, Evangelho segundo Lucas, 2:914.
20. Ver Cirilo de Alexandria, Comentário sobre Lucas, Homilia 79: “Às vezes
oramos sem discernimento ou qualquer exame cuidadoso do que realmente é
vantajoso para nós e que, se concedido por Deus, seria uma bênção ou seria
prejudicial para nós se o recebêssemos…. Quando pedimos a Deus algo deste tipo,
de modo algum o receberemos.”
21. Fitzmyer, Evangelho segundo Lucas, 2:914.
22. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.8.1, 4.
23. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.13.1.
24. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.10.2 (ênfase adicionada).
25. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.10.4. João esclarece mais tarde
que a pessoa só deve parar de meditar quando “não for mais possível”, pois
momentos de aridez podem alternar-se com momentos de consolação. Veja ibid.,
Livro 1.10.6; 1.14.5.
26. Ver João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.13.5: “Todas as virtudes…
são praticadas pela alma nestes tempos de aridez.” Veja também o Livro 1.11.4:
“Esta noite extingue dentro dela todos os prazeres, sejam de cima ou de baixo, e
torna toda meditação escura para ela, e concede-lhe inúmeras outras bênçãos na
aquisição das virtudes.”
27. Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, 4.15: “Nunca devemos perder
a coragem durante estas angústias interiores…. Durante a noite devemos esperar
pela luz.”
28. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.12.2.
29. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.13.7.
30. João da Cruz, Noite Escura da Alma, Livro 1.13.11.
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23 A Água Viva
1. João Crisóstomo, Homilias sobre Romanos, 14 (sobre Romanos 8:27). Em
Gerald Bray, ed., Romanos, Comentário Cristão Antigo sobre as Escrituras, Novo
Testamento VI (Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1998), 230–31.
2. Thomas de Kempis, A Imitação de Cristo, 2.9.4.
3. Teresa de Ávila, O Caminho da Perfeição, 19.6.
4. Ver, por exemplo, Gregório de Nissa, Homilias sobre o Cântico dos Cânticos,
9: “O Senhor diz à mulher samaritana: 'Se conhecesses o dom de Deus...' Ela
contém o influxo dentro do poço da sua alma e assim se torna o depósito daquela
água viva.” Em Gregório de Nissa, Homilias sobre o Cântico dos Cânticos, trad.
Richard A. Norris, Jr., Writings from the Greco-Roman World 13 (Atlanta:
Society of Biblical Literature, 2012), 307, 309. Ver também Guigo II, The Ladder
of Monks, 13: “[Jesus] exigiu oração dela: 'Se conhecesses o dom de Deus... talvez
lhe pedisses águas vivas.'... Cheia de desejo, ela recorreu à oração, dizendo:
'Senhor, dá-me esta água'”; Teresa de Ávila, Vida, 30.19: “Oh, quantas vezes me
lembro da água viva de que o Senhor falou à mulher samaritana! Gosto muito
desse Evangelho. Eu o adoro desde que era criança… e costumava implorar ao
Senhor que me desse aquela água. Eu tinha uma imagem do Senhor junto ao poço,
que estava pendurada onde sempre pudesse vê-la, e trazia a inscrição: ‘Domine,
da mihi aquam’ [latim, ‘Senhor, dá-me desta água’].” Em Teresa de Ávila, A Vida
de Teresa de Jesus: A Autobiografia de Teresa de Ávila, trad. e Ed. E. Allison
Peers (Nova York: Imagem, 2004), 257–58.
5. Baruch A. Levine, Números 1–20, Anchor Bible 4 (New York: Doubleday,
1993), 468: “Mayîm hayyîm significa, com efeito, água doce de uma fonte, não de
uma cisterna ou algo semelhante (cf. Gn 26:19; Jr 17:13).
6. RSV, ligeiramente adaptado.
7. RSV, ligeiramente adaptado. Veja Johannes Beutler, SJ, Um Comentário sobre
o Evangelho de João, trad. Michael Tait (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
2017), 116.
8. Artur Weiser, Os Salmos, trad. Herbert Hartwell, The Old Testament Library
(Philadelphia: Westminster, 1962), 348: “O que ele deseja é única e
exclusivamente que lhe seja permitido aparecer diante da 'face' de Deus e,
entrando em contato próximo com ele, possa ter a comunhão mais íntima com
ele.”
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9. Ver Jack R. Lundbom, Jeremias 1–20, Anchor Bible 21A (New Haven: Yale
University Press, 1999), 268.
10. Ver, por exemplo, John J. Collins, The Scepter and the Star: Messianism in
Light of the Dead Sea Scrolls, 2ª ed. (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2010),
39.
11. Para uma discussão mais completa, ver Brant Pitre, Jesus the Bridegroom:
The Greatest Love Story Ever Told (Nova Iorque: Image, 2014), 55–81.
12. Como Marianne Meye Thompson, John: A Commentary, New Testament
Library (Louisville, Ky.: Westminster John Knox, 2015), 175–76, corretamente
aponta, o grego é ambíguo em relação exatamente a qual “coração” Jesus está se
referindo. aqui: o seu ou o do crente.
13. Beutler, Evangelho de João, 117.
14. RSV, ligeiramente adaptado.
15. Veja Beutler, Evangelho de João, 492.
16. Ver Beutler, Evangelho de João, 115: “No contexto de outros textos do Quarto
Evangelho, o pedido de Jesus pode ser visto como a expressão da sua sede pela
salvação do homem. Relevantes aqui são as palavras de Jesus imediatamente antes
de sua morte na cruz: “Tenho sede” (João 19:28). Eles também não são apenas
uma expressão da sede física de Jesus”.
17. CIC nº. 1995 (ênfase adicionada); cf. ibid., não. 2672: “O Espírito Santo… é
o Mestre interior da oração cristã.”
18. CIC nº. 2560, citando João 4:10 (ênfase adicionada).
19. Teresa de Lisieux, História de uma Alma, 9 1v (ênfase alterada).
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SOBRE O AUTOR
DR. BRANT PITRE é distinto professor pesquisador
das Escrituras no Instituto Agostinho. Obteve seu doutorado
em teologia pela Universidade de Notre Dame, onde se
especializou no estudo do Novo Testamento e do Judaísmo
antigo.
Ele é o autor dos Best Sellers O Caso de Jesus, Jesus e
as Raízes Judaicas da Eucaristia, Jesus e as Raízes Judaicas
de Maria e Jesus, o Noivo. Dr. Pitre também produziu dezenas de estudos bíblicos
em vídeo e áudio nos quais explora as raízes bíblicas do cristianismo. Ele mora
na Louisiana com sua esposa, Elizabeth, e seus cinco filhos.
Mais informações sobre o trabalho do Dr. Brant Pitre podem ser
encontradas em:
www.BrantPitre. com.