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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

A REAÇÃO MONTANISTA

A REAÇÃO MONTANISTA

FRANCIELLE NOGUEIRA GONÇALVES

UMESP

2019 São Bernardo do Campo — setembro de 2019


FRANCIELLE NOGUEIRA GONÇALVES

A REAÇÃO MONTANISTA

Trabalho Acadêmico apresentado ao Prof. José Carlos de


Souza, com vistas à aprovação em disciplina. — 1º. Ano,
Período Matutino do Curso de Bacharel em Teologia da
Faculdade de Teologia da Igreja Metodista —
Universidade Metodista de São Paulo.

São Bernardo do Campo — setembro de 2019


INTRODUÇÃO
Nos primórdios da igreja cristã surgiram alguns movimentos que criam de uma forma
diferente da igreja oficial, sendo assim, de imediato ou algum tempo depois, acabaram sendo
considerados como heréticos. Esse trabalho foca em um desses movimentos, o Montanismo.

O movimento Montanista, que também ficou conhecido como “Nova Profecia”,


segundo fontes historiográficas foi criado por Montano, mas também contava com uma
presença atuante e fundamental de algumas mulheres, inclusive em sua liderança. O
movimento foi considerado herege pela igreja oficial, por conta de uma nova teologia
apresentada e também da sua estruturação. Foi um movimento de grande relevância para a
história do cristianismo e deixou suas marcas.

No decorrer do trabalho discorreremos sobre seu fundador, Montano; sobre o


movimento em si e suas características e também sobre as mulheres que tiveram um papel
fundamental nesse movimento.
O Movimento Montanista
Também conhecido por “Nova Profecia”, o Montanismo surgiu na cidade de Frígia na
Ásia Menor, com Montano, que foi considerado o primeiro grande profeta dessa nova profecia,
por isso esse movimento passou a se chamar Montanismo.
Montanismo é o termo base utilizado pela historiografia oficial da igreja, já o termo
“Nova Profecia”, foi a expressão usada pelas primeiras pessoas que entenderam ação do
Espírito nesse novo movimento. A “Nova Profecia” foi um movimento envolvente, criativo e
dinâmico, que acreditava no derramamento do Espírito, era a crença em uma nova profecia que
traria para igreja novas exigências disciplinares.
O Montanismo, que teve início por volta de 172 d.C, sua base era envolvida pelo êxtase
e por seus ensinos, tinha como ambição se tornar um projeto para toda a igreja primitiva,
baseada na ação do Espírito. Incluía a expectativa da Parusia, isto é, da volta de Cristo imediata.
O carisma do movimento fez com que fosse espalhado, não limitando apenas à zona
rural, mas por toda a Ásia Menor. Algumas inscrições mais antigas mostram que muitas cidades
foram completamente convertidas ao Montanismo, porém, segundo o bispo de Antioquia, o
Montanismo era repudiado por todo o mundo cristão.
As mulheres tinham um papel de destaque no Montanismo. Mesmo em meio ao
cristianismo primitivo, onde não existia ação feminina, na “Nova Profecia” as mulheres tiveram
um papel muito relevante. Entre outros, esse é um dos principais motivos pelo qual o
Montanismo foi combatido, pois ia na contramão da realidade da época.
Como dito anteriormente a “Nova Profecia” cria na Parusia imediata e dizia que o reino
de mil anos de paz, harmonia, alegria, na qual não existiria morte, dor ou qualquer tipo de
sofrimento, seria na Nova Jerusalém que estava prestes a descer sobre a terra da Frígia
de Pepuza. Grupos gigantescos de pessoas se dirigiam para Pepuza para aguardar a volta de
Cristo. Devida a brevidade do tempo, a preparação para a vinda de Cristo era intensa, por este
motivo Montano e suas profetisas exigiam fé incondicional, obediência às suas ordens, moral
rígida, dura, rigorosa, jejuns severos, encorajavam ao martírio, estimulavam o celibato, entre
outras doutrinas. Ensinavam que após o batismo, os pecadores não deveriam esperar novo
perdão dos pecados e que os pecados “capitais” como adultério, homicídio, e apostasia, não
tinham perdão e que a igreja não tinha poder para isso.
O Montanismo causou uma grande desconfiança para desenvolver os escritos em
relação ao cânon do novo testamento, não só por vários apocalipses terem sido relevados em
várias partes da igreja no seu caminho para se estabelecerem, mas até o apocalipse de João foi
levado várias vezes por suspeita, devido à sua utilidade no apoio da “Nova Profecia”.
Por volta de 177, a igreja oficial entendeu que o Montanismo era um ataque a fé cristã,
por esse motivo os bispos da Ásia Menor se reuniram e excomungaram os montanistas. Com
isso o Montanismo se tornou uma seita separada com sua sede em Pepuza.

Montano
Nascido na aldeia chamada de Ardaban, localizada na cidade de Frígia, na Ásia menor
entre 155 a 160, se tornou sacerdote do deus Apolo Lairbeno. Após a sua conversão, ele, de
forma radical se entregou ao Espírito Santo. Se olharmos pelo ponto de vista de alguns
escritores que discordavam do movimento, diziam que Montano, após sua conversão, ficou na
dependência de um espírito como se estivesse possesso, na terminologia de Eusébio ele “entrou
em arrebatamento convulsivo”, em um falso êxtase, e começou então a proclamar palavras
estranhas e coisas contra a igreja primitiva. Nesta ocasião de êxtase, onde Montano começou a
profetizar, alguns o repreendiam e tentavam impedir que ele continuasse a falar, enquanto
outros ficavam fascinados por sua intrepidez e o incentivavam a continuar.

Ele acreditava que a promessa feita no livro bíblico de Joel não havia se concretizado
plenamente em pentecostes, mas que foi completamente cumprida no nascimento dele e de
outros/as profetas. Era chamado de O Iluminado e dizia ser a própria presença do Paráclito,
anunciado no livro de João no capítulo 14, versículo 26 e também no capítulo 16, versículo 7.
Montano chegou a dizer: “Vim, não como anjo ou mensageiro, mas como o próprio Deus Pai”;
“Sou o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (FRANGIOTTI, 1995, p.55). Por mais que essas
afirmações fossem tidas como heresias, pois diziam que ele queria se fazer passar pela própria
encarnação do Espírito Santo, não significa que queria tomar o lugar do Espírito, mas o uso
dessa associação da divindade e uma pessoa, era algo costumeiro.

Montano, foi um homem que se destacou, tanto por suas pregações como também por
adicionar algumas festas novas e também ritos novos aos cristãos. Um de seus feitos
que também fez com que ele tivesse destaque, consistiu em autorizar a realização do divórcio,
sob a condição que o objetivo desta separação fosse de dedicar-se ao testemunho do Espírito
Santo e a pregação da palavra de Deus. Ele era tido como um organizador impecável.

Possuía costumes severos e demasiadamente exigentes, suas pregações eram


consideradas incômodas e pesadas, por seu conteúdo desregrado e sem moderações, alguns iam
contra a sua forma de pensar, por ir contra alguns costumes e posturas da Igreja Primitiva,
dentre eles ser contra a uma igreja sistematizada. O fato de alguns considerarem suas pregações
incômodas e pesadas é por proclamarem coisas que iriam acontecer, convenciam aos receptores
sobre seus pecados e enfatizavam a indispensabilidade de dar testemunho.

Alguns escritores foram contra Montano e o movimento montanista. Um escrito


chamado de “O anônimo antimontanista”, onde o escritor se refere a Montano como um falso
profeta. Outro autor também escreveu contrapondo a Montano foi Apolônio, que, em uma de
suas obras, crítica seus ensinamentos quanto ao rompimento de matrimônios, aceitação
de ofertas, entre outros. Eusébio de Cesaréia, em um de seus livros, trata do movimento
Montanista como uma seita herege, e chega a dizer que o espirito que os conduziu era
demoníaco.

Não há registros legais sobre a morte de Montano, mas tradicionalmente, dizem que ele,
assim como outra profetiza, teriam se enforcado, tomados por um espírito que os perturbou, e
assim, terminado sua vida da mesma forma que Judas, o traidor. Apesar desta ideia ter
se difundido entre todos de sua época, até os dias atuais, não passam de rumores sem nenhum
tipo de comprovação.

As mulheres no Montanismo

As mulheres tiveram papel importantíssimo no Montanismo, mesmo com o


preconceito contra o gênero feminino sendo enorme em uma sociedade com a cultura
machista como na época, e se tratando do cristianismo primitivo, as mulheres eram excluídas,
Origenes, por exemplo, criticava mulheres que ousavam ensinar em público, pois segundo ele,
não havia base bíblica para tal ato.

Indo totalmente na contramão da realidade da época, o Montanismo surge com várias


mulheres envolvidas no movimento, e não apenas como meras adeptas, mas muitas como
protagonistas do movimento, as mulheres participavam do clero; elas presidiam assembleias e
congregações, realizavam batismos, celebravam ceia, pregavam, ensinavam,
evangelizavam, debatiam sobre as escrituras, enfim, eram atuantes e não seria exagero dizer que
eram a liderança do movimento.

Dentre as mulheres que fizeram parte do Montanismo, a história destaca algumas, mas
certamente muitas foram relevantes na “Nova Profecia” mas não foram citadas nas histórias.
Dentre as citadas, aparecem Priscila, Maximila, Perpétua, Quintila e Felicitas.
Priscila, segundo alguns pesquisadores, aparece com um papel extremamente
importante no movimento, segundo eles, o principal profeta do movimento não foi Montano,
não foi nem ao menos um profeta, e sim uma profetisa, Priscila. Se a historiografia focasse na
liderança em si, na liderança prática, na liderança carismática e não questão da forma de
liderança como uma figura masculina, tão enaltecido no cristianismo primitivo, talvez Priscila
seria reconhecida como a líder do movimento e até mesmo o nome deveria ser outro.

Priscila não focava suas pregações no ascetismo, mas sim na necessidade de crer que
Jesus veio como homem, crer na corporeidade de Cristo, combatendo a doutrina gnóstica. Suas
pregações envolviam as pessoas, atraia os interesses das pessoas que a ouvia e com isso a Ásia
Menor estava se tornando o lugar onde mais pessoas estavam se convertendo ao
cristianismo naquela época.

Maximila foi outra grande profetisa do Montanismo, de papel fundamental no


movimento. Foi ela quem atuou por mais tempo como profetisa da “Nova Profecia”, ela
pregava e focava na necessidade das pessoas que a ouviam de não desviarem a atenção para
assuntos secundários, mas que deveriam dedicar o melhor de suas vidas a Jesus. Ela se
apresentava como reveladora, interprete e parceira de Deus na história da Ásia menor.

Ela, assim como as outras pessoas do movimento, sofreu perseguições por conta da nova
doutrina que pregavam. Eusébio de Cesaréia, cita na História Eclesiástica, uma fala de Maximila
sobre as perseguições que enfrentava “Persegue-me como a um lobo longe das ovelhas;
eu não sou lobo, sou palavra e espírito e poder. ” (CESARÉIA, 2005, p.175)

Maximila morreu por volta de 179-180 d.C. Não se tem um relato concreto sobre sua
morte, mas segundo rumores que vieram dos que eram contra o movimento, que o perseguia e
via como herege, Maximila morreu enforcada, onde ela mesmo se enforcou, influenciada pelo
mesmo espírito que a guiou em toda a sua trajetória no ministério, mas como disse, isso não
passa de boatos e rumores, não se tem fontes historiográficas para comprovar essas
afirmações sobre sua morte.

Perpétua também foi uma mártir da “Nova Profecia”. Ela era de família rica, bem-
educada e visionária, ela se tornou conhecida pela defesa da justiça. Há rumores que em seu
martírio, Maximila tenha se tornado homem, mas isso se deve a tradição da época que dizia que
um homem, quando passava pelo martírio podia trazer outro ao nascimento, numa função
materna, enquanto as mulheres, se tornavam atletas, então isso também não passa de mais um
rumor.
Perpétua ficou conhecida pela coragem em seu martírio, pois ela poderia escolher ir nua
ou vestida com as vestes de sacerdotisa para sofrer a sua morte, e para contrariar a vontade de
seus acusadores, ela escolheu morrer nua.

Sobre Quintila e Felicitas não temos muitas fontes historiográficas para discorrer sobre
a vida e a atuação delas no movimento, entretanto pode-se afirmar que Felicitas também
sofreu o martírio, que é datado de 7 de março de 202 ou 203 d.C, e sobre Quintila, afirma-se
que em Pepuza havia uma igreja em homenagem a ela, pela importância que ela tinha para o
movimento do Montanismo.

É importante salientar que os fragmentos de texto que existem sobre o Montanismo, são
os mais antigos textos encontrados que trata sobre a história e teologia das mulheres nos
primórdios do cristianismo. O movimento da “Nova Profecia” rompeu com os dogmas da
exclusão das mulheres, e reconheceu a importância da mulher no cristianismo, no
Montanismo as mulheres tinham o espaço que não teriam em nenhum outro movimento
cristão daquela época, como eu disse anteriormente, elas participavam do clero, na prática, elas
eram a liderança do movimento. Grande parte das perseguições do movimento se deve a esse
fato, de terem mulheres clérigas, formalmente conhecidas, algo que era impensável para o
catolicismo em formação.

Um movimento como esse, com uma atuação ativa das mulheres, uma ação
protagonista do sexo feminino, só poderia sobreviver na marginalidade e na clandestinidade,
pois essa atuação feminina era o oposto do que a igreja oficial acreditava e pregava ser o correto.
As mulheres que tiveram grande relevância no ministério de Jesus e na igreja primitiva,
que foram esquecidas e deixadas de lado por algum tempo pela igreja oficial, encontra
lugar nesse movimento, que foi considerado herege por muitos, inclusive pela igreja oficial.
CONCLUSÃO
O Montanismo foi um movimento que teve grande destaque nos primórdios do
cristianismo, foi revolucionário quanto a presença atuante das mulheres e a inclinação a voz do
Espirito Santo. Por muitos foi visto como algo novo, dado pelo próprio Espirito do Senhor,
sendo assim várias pessoas aderiram as suas doutrinas e seus novos ensinamentos, mas para a
igreja oficial foi considerado herege, pois suas doutrinas e costumes eram totalmente diferente
dos praticados pelo clero oficial, com isso o movimento sofreu perseguições severas até ser
excomungado e se tornar uma seita.

O movimento tem características que para nós hoje não seriam impraticáveis ou
impensáveis, mas sim alguns ensinamentos que praticaríamos hoje sem algum problema, o fato
dele ser revolucionário e contrário a igreja oficial da época é que faz com que ele seja tão
combatido em algumas fontes historiográficas. Como dito anteriormente, o movimento
foi muito relevante e significativo para o cristianismo antigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica. São Paulo: Fonte editorial, 2005.


348 p.
MAGALHÃES, Antonio Carlos de Melo. Uma Igreja com teologia. São Paulo: Fonte
Editorial, 2006. 127 p.
FRANGIOTTI, Roque. História das heresias: séculos I-VII: conflitos ideológicos
dentro do cristianismo. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2004. 168 p.
ROCCO TEDESCO, Diana. Rupturas y continuidades en el cristianismo de los
primeros siglos: actividades no convencionales de las primeras mujeres cristianas. In: EL
SILBO ecumenico del espiritu: homenaje a Jose Miguez Bonino en sus 80 anos. Guillermo
Hansen. Buenos Aires: ISEDET, 2004. 454 p.
INSUELAS, Joao B. Lourenco. Curso de patrologia: História da literatura antiga da
igreja. Braga: S.C.P., 1948.

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