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O “MONTANISMO”: Uma breve análise do movimento e seus

desdobramentos históricos

Ricardo Ferreira Nunes1

Resumo

Muitos foram os movimentos surgidos na igreja pelo correr dos séculos. Porém, poucos
tiveram os desdobramentos que podemos reconhecer no movimento Montanista. Não
queremos dizer com isso que o movimento Montanista, como movimento, pode ser
reconhecido em varias fases da história, mas que suas idéias podem ser vistas em
muitos movimentos, dentro e fora da igreja. Nos círculos protestantes vemos suas
idéias na maioria dos movimentos Pentecostais e Neo-pentecostais. Pode-se, também,
reconhecer estas idéias em alguns movimentos Apocalípticos, Milenaristas e
Messiânicos, como o movimento de Antonio Conselheiro e mesmo, segundo muitos, na
vida de profetas independentes, como o Reverendo Samuel Doctoriam2.

1
Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Conservador, Bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito de S.B.do Campo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie, Doutorando em
Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

2
Samuel Doctorian é um pastor judeu-armênio. Como todas as famílias armênias restantes, sua família sofreu o
massacre pelos turcos em 1915. Seus pai e mãe eram crianças novas neste tempo, e ambos perderam os pais, de
maneira bárbara por não negar a fé em Jesus Cristo. Os pais de Samuel escaparam do massacre, e foram trazidos mais
tarde em uma missão no orfanato.Samuel foi levado em 1930 para a cidade de Beirute. Quando tinha seis anos, seus
pais mudaram-se para Jerusalém, onde viveram até a guerra em 1948, quando pela segunda vez eles perderam tudo e
transformaram-se em refugiados. Aos nove anos de idade, Samuel converteu-se ao cristianismo quando esteve no lugar
nos lugares históricos do cristianismo. Então nesse dia prometeu que dedicaria sua vida inteira ao Senhor Jesus. Vindo
de uma família pobre, na idade de quatorze, não poderia continuar sem estudar, e começou a trabalhar na loja de um
ferreiro. Foi nessa época que ele se sentiu chamado para exercer ministério. Um ano mais tarde começou os estudos de
teologia na faculdade de Hurlet Nazarene perto de Glasgow. Após a graduação, foi ordenado pastor em 1951. Um ano
depois retornou ao Oriente Médio e começou seu ministério em Jerusalém, mudando-se mais tarde para Amã. Casou-se
em abril de 1952, com a Sra. Naomi Pashgian. Atualmente Samuel e Naomi possuem cinco filhos e quatro netos. No mês
de outubro 1952, Samuel Doctorian foi ser missionário no Oriente Médio, não sendo patrocinado por nenhuma
denominação. Pregou em Aleppo, Beirute, Chipre e Damasco, e quando foi ao Egito, diz que dez mil pessoas se
converteram ao cristianismo. Em conseqüência de uma visão, começou a "Missão da Bíblia" em 1959. Pisou no solo de
125 países do mundo em todos os sete continentes. Pregou para diversos tipos de denominações protestantes, em
muitas igrejas católicas e ortodoxas. Em duas ocasiões pregou aos membros do parlamento em Londres. Um de seus
livros mais famosos foi escrito há cerca de oito anos, no qual diz ter sido fruto de uma visão: Anjos, eu os vi, no qual fala
sobre as profecias do fim do mundo, sobre as catástrofes mundiais que estão por ocorrer. Diz ter sido lhe confiadas pelos
anjos dos 5 continentes. http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Doctorian, acessado em 14 de maio de 2007, às 10:15h
Nosso estudo pretende expor de maneira histórica e crítica o movimento Montanista
surgido no segundo século.

Palavras-chave : Montanismo, Igreja, Messianismo

1. Introdução

Não pretendemos sumariar aqui os acontecimentos históricos desde o início da igreja


cristã, mas tentar extrair destes acontecimentos a raiz do problema que causou o
surgimento do Montanismo. Algumas coisas, porém, devem ser lembradas. O início da
igreja cristã foi marcado por diversas controvérsias teológicas, que fizeram com que a
igreja fosse obrigada a uma postura extremamente apologética. As controvérsias a
respeito de Cristo obrigaram a igreja a uma sistematização de sua fé. Somado a este
fato vemos que a igreja era também forçada a hierarquizar-se. Estes, talvez, tenham
sido os dois elementos mais importantes para o surgimento do Montanismo.

Uma pessoa porém parece ser o eixo onde tudo começa a acontecer, seu nome era
Marcião. Ele foi um dos grandes promulgadores da doutrina Gnostica. O gnosticismo foi
um dos maiores problemas da igreja cristã nos primeiros séculos. A respeito de
Marcião diz Tillich (2000 p.53) “Marcião não era um filosofo especulativo, mas
reformador religioso. Fundou congregações de seguidores que duraram muito tempo”

Pelo fato de Marcião ser um reformador é que a igreja sentia-se tão ameaçada com
suas idéias. Para Marcião o Deus do Antigo Testamento não é o mesmo apresentado
pelo Novo Testamento. O Deus do antigo testamento é o Deus da lei, severo. Para
Tillich, esta afirmação apontava para muito mais que a existência de dois deuses,
apontava para a separação entre os dois testamentos, como testemunhos
independentes e isolados, como foi defendido por Harnack posteriormente.
Também não é nosso intuito descrever a doutrina gnostica, basta reconhecermos sua
nocividade para a igreja Cristã. As Idéias de Marcião foram rejeitadas. Porém, à medida
que a igreja era obrigada a posicionar-se era, também, a defender sua autoridade.

Desta forma, a igreja passa a ser dirigida com base na autoridade que tem, criando
credos e decisões que deviam nortear a igreja. Por causa deste conflito de autoridade e,
principalmente das afirmações de Marcião, a igreja também Desenvolve um Cânon para
a Escritura, o que efetivamente a igreja crê como Palavra inspirada de Deus,
contrapondo-se ao Cânon estabelecido por Marcion.

Toda essa reação da igreja forma, segundo Tillich um impressionante sistema de


autoridades: O cânon, os credos, a tradição e a hierarquia do clero.

Este é o pano de fundo para o surgimento do movimento Montanismo, que é um


movimento de reação a esse estado de coisas.

2. Origem e fundamento do Montanismo

O Movimento Montanista teve origem na segunda metade do segundo século, por volta
de (156-160). O Lugar de seu aparecimento foi a região da Frígia. Seu principal líder era
um recém convertido ao cristianismo, sacerdote pagão até sua conversão. Montano, o
fundador, deu nome ao movimento que é derivado do seu.

Porém, Montano não era o único expoente dentro do movimento. No início


compartilhavam a liderança do movimento, junto com Montano, duas mulheres de
nomes: Priscila e Maximila. Outro grande nome associado ao movimento foi o do
teólogo Tertuliano de Cartago.

Embora o movimento tenha surgido como reação à situação da igreja, que enfrentara o
grande problema chamado gnosticismo, tornou-se para a igreja um problema tão sério
quanto aquele. Cairns (1984 p.82) refere-se assim ao surgimento do montanismo:

Certas doutrinas surgem como interpretações equivocadas ou ênfases


exageradas do significado do cristianismo ou mesmo como movimento
de protesto. Prejudicam, entretanto, o cristianismo, uma vez que muito
da energia que poderia ser gasta na obra de evangelização tem de ser
dirigida para a tarefa de refutar estes erros.
A principal ênfase do movimento era a busca por uma igreja como a igreja do primeiro
século, segundo o movimento, uma igreja governada e dirigida pelo Espirito Santo.

Afirmavam que aquele era o tempo do Espirito Santo, que sucedeu o tempo do filho.
Dividiam a história em três eras, uma governada pelo Pai, outra pelo Filho, e a atual
pelo Espirito Santo.

Montano, Priscila e Maximila eram considerados profetas. Suas profecias apontavam


para um estilo de vida diferente, de moral rigorosa, tendo o sermão da Montanha em
mais alta conta. Pregavam que este novo estilo de vida era necessário, pois a volta do
Senhor estava próxima.

Sustentavam, segundo afirma Nichols (1985 p.36), que as autoridades da igreja


atrapalhavam a ação do Espirito Santo. Criam ainda que o reino celestial de Cristo seria
instaurado em breve na cidade de Pepuza na Frígia.

A união de Tertuliano ao movimento se deu por volta do ano 207 d.C, próximo a
decadência do movimento. Em 236 d.C o Sínodo de Hipona declara contrarias ao
cristianismo as idéias do movimento e finalmente em 381 d.C, no Concílio de
Constantinopla, foram definitivamente condenadas.

3 – Características do Movimento

As duas idéias fundamentais do montanismo, segundo Tillich, eram o Espirito e o Fim.


Acreditavam que a igreja organizada suprimia o Espirito Santo. Aquele era o tempo de
governo do Espirito Santo. Como outros movimentos apocalípticos, asseveravam que
aquele era o tempo do fim, e que sua expectação não seria frustrada como a dos
apóstolos, mas acabaram passando pela mesma frustração. Tillich (2000 p.59) afirma
sobre isso:

Logo depois do desapontamento a respeito da vinda iminente do fim


anunciado por Jesus e pelos apóstolos, os pais apostólicos começaram a se
estabelecer no mundo. Esse desapontamento causou enormes dificuldades
e forçou a criação de uma igreja mundana. Mas eles, também,
experimentavam a frustração do fim que não viera. Assim, também eles
tinham que se estabelecer no mundo; também eles se tornaram igreja. Mas
se transformaram em uma igreja estritamente disciplinada, antecipando, até
certo ponto, o tipo sectário de igreja aparecido mais tarde na época da
Reforma e depois. Os Montanistas acreditavam representar o período do
Paráclito, em seguimento aos períodos do Pai e do Filho.
Em sua espera pelo fim, e sob a orientação do “Espirito”, através de seus profetas o
movimento desenvolveu um modo de vida peculiar. Suas características principais
apontadas por vários autores , foram sumariadas por Walton (1986 p.09) que as
relaciona assim:

1.Eram Ascéticos; 2. Esperavam o iminente início do Milênio; 3. Praticavam a


Glossalia; 4. Eram geralmente ortodoxos na doutrina; 5. Consideravam-se
espirituais enquanto os outros eram carnais; 6. Continuação da revelação
profética; 7. Sustentavam o sacerdócio universal dos crentes; 8. Eram
contrários a arte; 9. Buscavam o martírio.

Desta forma podemos reconhecer no montanismo três linhas de conduta. Estas linhas
levavam em consideração aquilo que estava sendo abandonado pela Igreja.

A primeira dessas linhas é a que afirma ser o Espirito o poder ativo de Deus na igreja, e
que ele poderia ser exercido não exclusivamente pelo clero, mas por todo crente.
Assim, davam muita importância à revelação profética.

A Segunda Linha é a do combate a frouxidão da vida espiritual e da disciplina na igreja.


Promulgavam dias de jejum submetendo todos a este jejum e a uma vida ascética.
Tinham um alto conceito do celibato e instruções severas acerca do casamento. Uma
das características desta vida de compromisso era o da busca pelo martírio, que
Tertuliano parece ter aceito e ensinado.

A terceira linha era a verdade da Vinda do Senhor, que deveria ser iminente. A Vinda do
Senhor estava próxima e eles faziam parte desta realidade.

De certa forma estas características são suficientes para nos mostrar o caráter do
movimento.

4 - As Idéias Montanistas reconhecidas em outros movimentos

Como dissemos ao início deste trabalho, poucos movimentos exerceram um papel tão
marcante como o montanismo. Suas idéias ainda continuam a ser observadas em
movimentos diversos através da historia.

Duas eram as ênfases do montanismo, a orientação e governo do Espirito Santo e visão


Milenarista, Apocalíptica.
Essas duas ênfases aparecem geralmente separadas, porém não estão excluídas as
aparições comuns.

O Pentecostalismo e o Neo-pentecostalismo enfatizam o poder do Espirito Santo ,


sendo bastante parecidos aos montanistas no que diz respeito ao governo do Espirito
Santo.

A outra ênfase, milenarista, apocalíptica, é plenamente reconhecível em movimentos


messiânicos no correr da historia, como por exemplo, o de Antônio Conselheiro em Belo
Monte. Segundo Vasconcellos (2002) Euclides da Cunha, escritor de “ Os Sertões” ,
que narra a saga de Antonio Conselheiro , considerava o Conselheiro um novo
Montano, “Euclides não tem dúvidas quanto a ver no Conselheiro um novo Montano” A
maioria das características do movimento montanista estão presentes no movimento de
Conselheiro.

Pode-se reconhecer ainda, segundo alguns, que profetas atuais representam uma
forma de montanismo, como é o caso do Reverendo Samuel Doctoriam, um pastor
armênio líder da “Missão das Terras Bíblicas”.

A Secretaria Executiva do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil em artigo


publicado para cumprimento de determinação do Concílio faz a seguinte afirmação
sobre o Reverendo Doctorian:

Samuel Doctorian é um pastor de origem armênia, nascido em Beirute.


Obteve sua graduação em Teologia no Hurlet Nazarene College, na Escócia
e foi ordenado em 1951. Desde 1952, Samuel Doctorian tem rodado o
mundo pregando avivamento em igrejas evangélicas, católicas e ortodoxas.
Seguindo a mesma linha milenarista e apocalíptica de Montano, Samuel
Doctorian declara conversar com anjos e ter revelações quanto ao grande
julgamento que Deus exercerá sobre o mundo nos últimos dias.

Desta forma, fica claro que este é um movimento que embora, historicamente encerrado
no passado, continua a ser observado em diversas manifestações atuais.

5 – Conclusão

O movimento montanista foi um movimento considerado pela igreja cristã dos primeiros
séculos como um movimento herético. Hoje algumas denominações ou movimentos
manifestam suas idéias e também são condenados por outros ramos. O que concluímos
é que a igreja conseguiu, através de seus concílios, por fim ao movimento montanista,
porém, de maneira alguma, conseguiu sepultar suas idéias.

Debaixo de outras configurações a igreja continua enfrentando, aqui e ali, o desafio de


relacionar-se com aqueles que adotam idéias semelhantes às dos Montanistas.

Porém, é necessário notar uma coisa. Não foi por ignorância que o grande teólogo
Tertuliano aderiu ao movimento. Por certo, alguma coisa no movimento chamou sua
atenção.

Da mesma forma, a igreja hoje deve olhar para os novos movimentos, semelhantes ao
montanismo, não com um olhar de plena rejeição, mas de reconhecimento, de que
talvez, estejamos ainda, considerando hereges, àqueles que apontam algumas de
nossas falhas.

BIBLIOGRAFIA

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos Séculos. São Paulo, Ed.Vida Nova, 1984.

GONZALES, Justo L.Uma História Ilustrada do Cristianismo- A Era dos Mártires, São
Paulo, Ed. Vida Nova, 1986.

NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã, São Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, 1985.

TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. S. Paulo, ASTE, 2000

VILA, Samuel / Dário A. Santamaria. Enciclopédia Ilustrada de História de la Iglesia.


Barcelona, CLIE, 1979

WALTON, Robert Charles. Chronological And Background Charts Of Church History.


Michigam, Zondervan Corporation, 1986.

ARTIGOS:

Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, Secretaria Executiva. Artigo:


Samuel Doctorian e a heresia montanista, Belo Horizonte, 2003.

VASCONCELLOS, Pedro Lima. “Antonio Conselheiro, Montano E Outros Heresiarcas


Do Século II”, IN: Os Sertões. São José do Rio Pardo, Casa de Cultura Euclidiana,
2003.

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