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RESUMO
PALAVRAS-CHAVE
INTRODUÇÃO
________________
*O autor do artigo é bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, estudante do curso de Pós-
graduação em Teologia Sistemática pela mesma instituição. Pastor evangelista pelo Presbitério de Olinda em
Pernambuco.
O autor do presente artigo após uma acurada pesquisa pôde constatar que o argumento
dos Católicos Romanos de que seus ensinamentos extrabiblicos podem ser encontrados nos
escritos da patrística é uma falácia. O catolicismo tal qual conhecemos hoje, nada tem a ver
com a igreja dos três primeiros séculos e o registro da Patrística mostra isso; é uma camisa de
força querer provar com os pais da igreja que o romanismo atual com seu papado, veneração
de imagens, incenso e padres celibatários era a pratica comum de toda a igreja primitiva. Este
trabalho mostrará com base na obra de Irineu de Lião, a Contra as Heresias, que a tradição
oral apostólica confirmará a doutrina do Sola Scriptura mantida pelos reformadores e não os
ensinamentos antibíblicos com base na tradição dos Católicos Romanos.
Em Esmirna, uma cidade da Ásia Menor, hoje a atual Turquia, nasceu Irineu no
ano 130 d.C, ele ficou conhecido como Irineu de “Lião ou Lyon” porque foi bispo da
cidade de Lião na França no ano de 170 d.C, embora se afirme que Lião era localizado
na França, existem controvérsias sobre a localização certa. 1 Irineu havia sucedido ao
bispo Fotino, martirizado por sua fé; ele que antes era um especulador da filosofia foi
ordenado bispo e ocupou tal episcopado por duas décadas na região de Lião. 2 McGrath
comenta que: “Irineu é especialmente notável por sua defesa veemente da ortodoxia
cristã”.3 Na época dele o gnosticismo era uma ameaça a fé cristã e muita confusão
estava causando com doutrinas estranhas, pois tal movimento de origem grega
ensinava que Deus era completamente distante do mundo material, que rivalizava com
outras divindades.4 Para o gnosticismo a matéria era má, apenas o espírito tinha
virtudes e era bom; os mestres gnósticos instruíam seus alunos sobre um
conhecimento oculto que diziam ter adquirido dos apóstolos. Irineu não convencido
pelos ensinamentos gnósticos escreve uma obra apologética refutando as teorias
falaciosas de tal movimento.
1
MANZANARES. Cesar Vildal. Dionário de Patrística. São Paulo: Editora Santuário, 2° Ed. 1995, p. 127.
2
GONZÁLEZ, Justo. A Era dos Mártires: Uma História ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Edições Vida Nova,
1980, p. 111.
3
MCGRATH. Alister E. Teologia: sistemática, história e filosófica. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p 45.
4
O Dicionário de Teologia organizado por Staley J. Grenz, David Guretzki e Cherith Fee, publicado pela editora
Vida, afirma que o gnosticismo é um movimento religioso e filosófico do século II muito influente na igreja,
realçavam a esfera espiritual em detrimento da material. O termo gnosticismo vem do grego gnosis que
significa conhecimento, e sua desconfiança com tudo que era material os faziam negar a encarnação de Cristo,
crendo que Cristo possuía um corpo docético, ou seja, um corpo espiritual que aparentava ser material
(docetismo).
compõe, ainda havia muitas discussões sobre a autenticidade de alguns deles. 5 O mais
influente pensador gnóstico desta época foi Valentino, mestre gnóstico que viveu em
Roma entre o ano de 135 e 165 d.C; ele tinha escolas no Egito e Chipre, o bispo de
Lião faz menção desse mestre.6
Ele afirmou:
Com efeito, a Igreja espalhada pelo mundo inteiro até os confins da terra recebeu dos
apóstolos e seus discípulos a fé em um só Deus, Pai onipotente, que fez o céu e a terra, o
mar e tudo quanto nele existe; em um só Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nossa
salvação; e no Espírito Santo que, pelos profetas, anunciou a economia de Deus; e a vinda,
o nascimento pela Virgem, a paixão, a ressurreição dos mortos, a ascensão ao céu, em seu
corpo, de Jesus Cristo, dileto Senhor nosso; e a sua vinda dos céus na glória do Pai, para
recapitular todas as coisas e ressuscitar toda carne do gênero humano; a fim de que,
segundo o beneplácito do Pai invisível, diante do Cristo Jesus, nosso Senhor, Deus,
Salvador e Rei, todo joelho se dobre nos céus, na terra e nos infernos e toda língua o
confesse; e execute o justo juízo de todos: enviando para o fogo eterno os espíritos do mal,
os anjos prevaricadores e apóstatas, assim como os homens ímpios, injustos, iníquos e
blasfemadores; e para dar em prêmio a vida incorruptível e a glória eterna aos justos, aos
santos e aos que guardaram os seus mandamentos e perseveraram no seu amor, alguns
desde o início, outros, depois de sua conversão. 7
Irineu deixa claro qual era o conteúdo da mensagem deixada pelos apóstolos de Jesus
Cristo, notemos que o conteúdo expõe muito do que há no credo dos apóstolos, credo que
mantém só que de forma resumida a doutrina cristã. A formulação do credo dos apóstolos foi
uma maneira da igreja antiga responder aos hereges de sua época. 8 O teólogo de Lião também
pontua com riqueza de detalhes em sua obra a questão da divindade e da encarnação de
Cristo, doutrina negada pelos gnósticos e combatida pelo apóstolo João (2 João, v, 7). Como
seria possível a doutrina docética dos gnósticos, ser a doutrina apostólica se João sendo um
dos apóstolos, asseverava tanto da divindade como a encarnação de Cristo?
5
O reconhecimento do Canon do Novo Testamento composto com os 27 livros, foi um processo lento. O bispo
Atanásio de Alexandria cooperou na indicação de quais livros deveriam fazer parte do Canon. Tais livros já
circulavam na igreja daquele tempo, e tal reconhecimento oficial se deu nos Concílios de Hipona (393 d.C) e
Cartago (497 d.C) em resposta as muitas publicações apócrifas e gnósticas e ao Canon de um individuo
chamado Marcião que havia rejeitado alguns livros e formado o seu próprio Canon com a intenção de defender
certas doutrinas heréticas.
6
KLEIN, Jeremias Carlos. Curso de História da Igreja. São Paulo. Fonte Editorial, p. 47.
7
PATRÍSTICA. Irineu de Lião: Contra as Heresias. São Paulo. 2° Edição, Paulus, p. 42
8
GONZÁLEZ, Justo. A Era dos Mártires: Uma História ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Edições Vida Nova,
1980, p. 102.
Mitológicos, os gnósticos tinham crenças politeístas, falavam dos Éões ou “Éons”, do
Demiurgo e do Ogdôada, divindades que emanava do Deus central ou “Pleroma”, atuando no
cosmos, eram divindades que rivalizavam entre si.
Ora, segundo a teoria deles, não é o Verbo que se fez carne, porque nunca saiu do Pleroma,
mas o Salvador que foi produzido por todos os Éões e é posterior ao Verbo. Aprendei,
portanto, ó insensatos, que Jesus, que sofreu por nós, que habitou entre nós, é ele próprio o
Verbo de Deus. Se outro Éon se fizesse homem pela nossa salvação deveríamos admitir que
o Apóstolo falava de outro. Mas se o Verbo do Pai que desceu é o mesmo que subiu, único
Filho do único Deus, que se encarnou em favor dos homens, segundo o beneplácito do Pai,
então João não fala de Outro nem da Ogdôada, mas do Senhor Jesus Cristo.9
Irineu refuta os gnósticos com o evangelho de João, que taxativamente afirma que foi
Deus que se encarnou e não uma divindade inferior gerada pelo éons. O apóstolo não fala de
éons, mas do Verbo, do λόγος que existia na eternidade como Deus, o Criador de todas as
coisas (João 1:1-3). A visão do apóstolo João era monoteísta, como judeu, ele tinha a certeza
da existência de um único Deus criador, que por meio do seu Verbo ou λόγος (logos), trouxe
todas as coisas a existência. 10 O Verbo, “Palavra de Deus” foi enviado para terra e se
encarnou, tornando-se homem para trazer salvação. Mas este não era o entendimento dos
mestres gnósticos.
De fato, segundo eles e falando com propriedade, o Logos não se fez homem, mas o
Salvador se revestiu de um corpo psíquico derivado da economia com inenarrável
providência, para ser visível e palpável. A carne é a matéria antiga, plasmada da terra por
Deus para Adão, e João indicou que é verdadeiramente esta que se tornou o Verbo de Deus.
Com isso dissolve-se a sua primeira e fundamental Ogdôada. Uma vez demonstrado que o
Logos, o Unigênito, a Vida, a Luz, o Salvador, o Cristo, o Filho de Deus que se encarnou
por nós são uma única e idêntica coisa, desfaz-se a composição da Ogdôada e, desfeita esta,
cai por terra toda a sua teoria, este sonho fantástico, em defesa da qual retorcem as
Escrituras.
10
A doutrina do “logos” como a “razão”, palavra originadora do universo e que falava pelos sábios antigos é
uma crença da filosofia antiga, tanto os estóicos como Heráclito, concebiam o Logos. Filo pensador judeu,
neoplatônico do século I já falava do Logos, embora segundo Willian Hendriksen no seu comentário do
Evangelho de João, afirma que não se sabe dizer com certeza qual era o entendimento dele sobro o Logos.
Russell N. Champlin também em seu famoso comentário de João, registra o fato de Filo falar sobre o Logos de
Deus, mas não como a concepção joanina, para ele o logos é algo impessoal, criada por Deus. Para João, o
Logos é divino e pessoal, eterno, já existia desde o principio, sendo a causa, incondicional instrumental e final
da criação.
11
MANZANARES. Cesar Vildal. Dionário de Patrística. São Paulo: Editora Santuário, 2° Ed. 1995, p. 127.
de varias outras obras. O que mais ficou marcado em seu ministério foi a apologética, sendo
ele um defensor da fé.
Falamos no inicio deste artigo sobre a defesa do Catolicismo Romano de suas praticas
litúrgicas não encontradas amparadas nas Escrituras, mas que a instituição insiste em
defender e manter com base no argumento de que tais doutrinas e praticas foram
ensinadas e deixadas oralmente pelos apóstolos, a chamada tradição oral. Apelam até para
textos paulinos onde se fala de uma tradição transmitida de forma escrita e oralmente para
a igreja (1 Co 11:2; 2 Ts 2:15). No entanto, tais textos não falam com clareza quais eram
as praticas e o conteúdo da tradição oral deixada, Paulo diz que era transmitida não só
oralmente mais por meio de epistola, dando a entender que o que se transmitia oralmente,
era o que se registrava nas epistolas. Era o ensino verbal dos apóstolos que se tornaria
Escritura, nada tinha a ver com a crença num bispo como vigário de Cristo, com queima
de incenso, com Maria como rainha dos Céus e intercessora, veneração de ícones e
imagens, com a crença num purgatório para expurgar pecados ou num limbo para receber
as almas dos infantes não batizados.
O argumento dos Católicos é parecido com a dos Gnósticos que para convencer suas
vitimas de suas doutrinas não amparadas pela Escritura, apelavam para o argumento sobre
a questão da tradição oral dos apóstolos. Se formos para a Bíblia, nada encontraremos
sobre os éons e deumirgus dos gnósticos e a veneração de ícones e imagens dos católicos.
Vejamos o que Irineu afirmou sobre esta questão da tradição oral dos apóstolos e seu
conteúdo:
Eles [os apóstolos] todos nos transmitiram que há um só Deus, Criador do céu e da terra,
anunciado pela Lei e pelos profetas, e um só Cristo, Filho de Deus. E se alguém não
acredita neles despreza os que tiveram parte com o Senhor, despreza ao mesmo tempo o
próprio Senhor, como também despreza o Pai; e ele mesmo condena-se, ao resistir e opor-
se à própria salvação. E é isto que fazem todos os hereges (...) Portanto, a tradição dos
apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda Igreja por
todos os que queiram ver a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram
estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e os seus sucessores até nós; e eles nunca
ensinaram nem conheceram nada que se parecesse com o que essa gente vai delirando. Ora,
se os apóstolos tivessem conhecido os mistérios escondidos e os tivessem ensinado
exclusiva e secretamente aos perfeitos, sem dúvida os teriam confiado antes de a mais
ninguém àqueles aos quais confiavam as próprias Igrejas. Com efeito, queriam que os seus
sucessores, aos quais transmitiam a missão de ensinar, fossem absolutamente perfeitos e
irrepreensíveis em tudo, porque, agindo bem, seriam de grande utilidade, ao passo que se
falhassem seria a maior calamidade. 12
Irineu deixa claro que os ensinamentos secretos dos gnósticos não foram deixados
pelos apóstolos e nem tão pouco ensinavam tais doutrinas os seus sucessores, que são os
pastores (bispos).13 Diferente dos gnósticos, é fato que os romanistas mantém as principais
12
PATRÍSTICA. Irineu de Lião: Contra as Heresias. São Paulo. 2° Edição, Paulus, p. 146
13
É digno de nota que os mestres do Catolicismo Romano também se utilizam da argumentação da sucessão
apostólica para querer fazer desacreditar do movimento Protestante. Acreditam que o Catolicismo Romano é o
genuíno movimento cristão porque vem de uma serie ininterrupta de sucessão de bispos que sucederam os
doutrinas cristãs resumidas no Credo dos apóstolos e no Credo niceno-constatinopolitano,
entretanto, as mantém juntamente com doutrinas bizarras, extrabíblicas. Para o
catolicismo, tanto Romano (ocidentais) como Ortodoxos (orientais), o Protestantismo é
um movimento herético e digno de anátemas, por não seguir a tradição e o magistério da
Igreja. Aí eu pergunto: que igreja? O impressionante é que o Catolicismo já é dividido, o
grande cisma de 1054 mostra esta realidade, daí fica a pergunta para os católicos: Qual
catolicismo é fiel e mantém a doutrina apostólica? Pois tantos ortodoxos como romanos
reclamam pra si a sucessão apostólicas e acusa um ao outro de desvio, se negando a uma
reconciliação.
14
Segundo os mestres católicos, a sede da igreja fica no Vaticano, situado em Roma, onde se acredita de
acordo com uma tradição, Pedro e Paulo foram sepultados nesse local. Embora haja evidencias de que Pedro e
Paulo tenham sido martirizados em Roma, fica difícil estabelecer doutrinas e dogmas partindo de pressupostos
de uma tradição incerta. Os reformadores logo falaram do Sola Scriptura (somente a Bíblia), pois nenhum
cristão pode ter sua consciência perturbada com toda sorte de doutrina se não tiver amparo nas Escrituras. Há
um entendimento estreito dos católicos romanos em relação ao texto do evangelho de Mateus que fala ter
Cristo dado as chaves do reino dos céus a Pedro (Mateus 1:19), para eles isso significa que Pedro recebeu
autoridade de chefe maior e universal da igreja, quando na realidade Pedro estava ali naquele momento em
que Cristo lhe prometia as chaves, na qualidade de representante da igreja, a mesma autoridade que Pedro
recebeu, Cristo também confere aos demais apóstolos (Mateus 18:18-20), o texto nada ensina sobre o
estabelecimento de uma Papa universal. De acordo com o Catecismo de Heidelberg na pergunta 83, diz: o que
são as chaves do reino dos céus? A pregação do santo evangelho e a disciplina eclesiástica. A igreja por meio de
seus pastores e missionários exerce as chaves quando prega o evangelho que é o meio de admitir e demitir
pessoas. As pessoas são admitidas na publica confissão de fé e batismo e são demitidas quando disciplinadas
como cabeça da igreja, está fora da verdadeira igreja de Cristo. Tantos Protestantes como
os Católicos orientais não acreditam nessa tradição. 15 Caso o catolicismo esteja correto,
somente os que pertencem a igreja Católica Romana serão salvos, as demais ramificações
cristãs mesmo que professem os credos dos apóstolos, o de Niceia e o de Calcedônia e
administrem corretamente os sacramentos como Cristo os instituiu, não valerá de nada,
pois a única instituição valida é a romana.16 Eles tomam uma expressão de Cipriano de
Cartago, que diz que: “quem não tem a igreja por mãe, não pode ter a Deus por Pai”.17
No entanto, tal expressão de Cipriano, foi citada num contexto de igreja diferente da
Romana, na época dele não havia igreja organizada como temos hoje, ligada a alguma
sede central com normas a serem seguidas. As igrejas eram independentes, se limitavam
por pecados graves e apostasia. O termo Petra no grego em Mateus 16:16-18, entendida pelos Romanistas
como dirigidas a Pedro, é uma referencia a resposta de Pedro sobre a identidade de Jesus. Cristo faz um jogo
de palavras em resposta a confissão do apóstolo que era para Jesus um “petrus” (pedra). O Senhor edificaria a
sua igreja sobre a confissão do “petrus” Pedro (pedra), a fortificada “Petra”, (a rocha), que é Cristo,o Filho do
Deus vivo. O titulo Papa surgiu no período Patrístico, quando mestres antigos da igreja eram chamados de “pai”
por serem primeiros defensores e doutrinadores da sã doutrina após o período apostólico; tal termo se
perpetuou na tradição Católica Romana, onde os párocos são chamados de padres e o bispo geral de Papa.
Interessante que Cristo em determinado sentido proibiu que seus discípulos aceitassem o titulo de pai porque
somente Deus cabia esse titulo (Mateus 23: 9). Creio que o sentido que os romanistas usam hoje é o que Cristo
proibiu. Diferente do utilizado pela patrística, que era um mero tratamento de respeito, no romanismo se
tornou um titulo oficial de autoridade e privilegio.
15
Os católicos orientais embora tenham pontos doutrinários em comum com Roma, não aceita a ideia de um
bispo universal. O sistema governamental eclesiástico das Igrejas Ortodoxas é autocéfala, cada região tem o
seu patriarca (bispo geral). Para a ortodoxia oriental, Cristo é o único Cabeça da Igreja que exerce sua
autoridade por meio de cada patriarcado com sua independência. Para os protestantes a ideia de um vigário de
Cristo como cabeça da igreja na terra, chega a ser uma blasfêmia. O termo “igreja católica” surgiu no segundo
século, e foi Inácio de Antioquia quem primeiro fez registro desse termo em sua epistola aos Romanos, e o
entendimento dele não era no sentido que os romanistas entendem, não era uma referencia a instituição
religiosa sediada no Vaticano. De acordo com o historiador Justo González em seu livro “Desafio do Século 21
para o Pensamento Cristão”, paginas 112-118, o termo católico vem de uma expressão encontrada no inicio de
cada evangelho. Na maioria das traduções e versões temos “evangelho segundo”; o termo “segundo” no grego
é “Katá”, que significa “de acordo com”, daí surgiu o termo “católico” de “katá”. O que provavelmente Inácio
queria dizer ao referir a igreja como católica, “kathólica”, era que ela era de acordo com o “todo” dos
evangelhos, que era “segundo” o que tinha nos evangelhos. Como a igreja foi se espalhando pelo mundo todo,
tal o termo foi tomando também o significado de “universal”, a igreja que prega o evangelho todo em todo
lugar. Os romanistas se apropriaram desse termo como exclusivo da sua instituição religiosa. Embora os
católicos Romanos não se sintam a vontade, a realidade é que a Igreja Romana tal qual conhecemos hoje nada
tem a ver com a igreja primitiva, o catolicismo da igreja primitiva difere em muito com a Instituição do
Vaticano. O catolicismo do Vaticano foi sendo formado a partir do século VI depois do Edito de Constantino
dando liberdade religiosa e da oficialização do Cristianismo como religião do Império Romano. Aos poucos,
gradualmente a igreja foi inventando e assimilando rituais, doutrinas novas, chegando a ser esta instituição que
hoje a conhecemos.
16
Apesar da posição fechada da Igreja Católica em relação aos cristãos de outras instituições, e dos vários
anátemas contra os protestantes registrados no Concilio de Trento, curiosamente o Papa João Paulo II em
nome de um ecumenismo elaborado por ele, passou a reconhecer os protestantes como irmãos “separados”.
O Catecismo da igreja Católica declara que abraça e reconhece fraternalmente os protestantes como irmãos e
que portanto, podem ser chamados de Cristãos (Catecismo da Igreja Católica, Art. 818)
17
KLEIN, Jeremias Carlos. Curso de História da Igreja. São Paulo. Fonte Editorial, p. 73.
ao seu bispo local, não tinham ligações com outras igrejas distantes, pois dispunham de
recursos deficientes em relação a comunicação e transporte. Cipriano já estava
combatendo um movimento que tem sido bastante popular até em nossos dias, o
movimento dos desigrejados que querem se manter cristãos sem ligação e compromisso
com igreja local (ver epistola aos Hebreus capitulo 10, verso 25).
O termo bispos e presbíteros eram títulos para uma mesma função, as diferenças de
termo no grego, indicavam apenas funções de um mesmo oficio e não hierarquias
diferentes como tem hoje tanto na igreja católica como na protestante. Ate o século 11,
com a igreja cristã já avançada em numero e influencia, até esta data, a igreja cristã era
dividida em cinco Patriarcado (pentarquia), o de Constantinopla, o de Antioquia,
Jerusalém, Alexandria e o de Roma. A igreja com sua sede em Roma era uma igreja
central, local, e não universal; a igreja de Roma apenas tinha um lugar de destaque por
pertencer a capital do império. Ela até tinha primazia, mas não supremacia sobre os outros
Patriarcados.19 Depois que Constantino transferiu a capital do império para Constantinopla
(Istambul-Turquia), o patriarcado de Roma não tinha tanta primazia quando o imperador
residia lá.
Ainda em 887, houve uma reviravolta, o novo imperador, Basilio Macedo, depôs Fócio [do
patriarcado] e elevou novamente Inácio, este organizou um novo sínodo em 869 do qual
participaram também legados do novo papa Adriano II. Fócio foi condenado, mas os
desejos do Papa, p, ex, jurisdição romana sobre os Búlgaros e pleno reconhecimento do
18
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. São Paulo. Vida Nova. 3ª
edição. 2008. p, 69.
19
O termo “patriarcado” que vem de “patriarca”, com significado de “pai”, tem o mesmo sentido de “Papa”. As
igrejas do Oriente prefere o termo patriarca, enquanto no ocidente, o chefe da igreja Romana ficou conhecido
como o papa.
primado pontifício, não foram acolhidos, salientou-se antes o principio da pentarquia,
posição dominante dos cinco patriarcas, Roma; Constantinopla; Alexandria; Antioquia e
Jerusalém, com o bispo de Roma no primeiro entre iguais.20
Engana-se quem pensa que a igreja cristã era governada apenas pelo Papa de Roma em
toda história eclesiástica. O grande cisma de 1054 por fatores linguísticos, culturais e
doutrinários, mostra que nem todos os patriarcados estavam dispostos a se submeter a
doutrina da supremacia papal sobre toda a cristandade, e até hoje a igreja católica oriental
continua separada da igreja romana.
Como já tido acima, nas paginas anteriores, assim como os gnósticos argumentavam que
os ensinamentos deles vinham de uma tradição oral deixada pelos apóstolos, a Igreja Católica
Romana tem o mesmo argumento. Percebe-se que há mais valorização na tradição e nas
decisões do clero (magistério) do que o que a Sagrada Escritura ensina. Uma das coisas que os
reformadores mais criticaram contra a igreja romana foi a super-valorização dada à tradição
da igreja em detrimento ao ensino da Sagrada Escritura.22
Os Católicos insistem em dizer que o principio da sola scriptura nunca existiu na igreja
antiga, pois na época, além do Canon do N.T não está fechado, era difícil ter um papiro ou
manuscrito dos evangelhos e das epístolas em mãos, sem contar que a população em sua
maioria esmagadora era composta de analfabetos.
Segundo os católicos, a igreja foi pastoreada por centenas de anos sem Bíblia, ela era mais
educada pela tradição oral do que a escrita. Os intelectuais católicos entendem que os 27
20
LENZENWEGER, Josef. História da Igreja Católica Romana, São Paulo. Edições Loyola. p, 176.
21
GONZÁLEZ, Justo. Introdução à Teologia Cristã. Hagno. São Paulo. 2006. p, 165,166.
22
Os Reformadores Protestantes não negavam a importância do cristianismo desenvolver certas tradições, pois
cada cristão, cada igreja de um determinado lugar tem criado sua forma de orar, posturas, maneiras de vestir,
maneiras de decoro, formas de ministrar a eucaristia, formas de batizar. Em cada região do mundo onde
houvessem cristãos, eles tinham seus rituais litúrgicos diferenciados, não havia um padrão. A questão
protestante era de não conceder mais autoridade as tradições ou coloca-las em pé de igualdade com as
Escrituras. Toda tradição surgida tinha que está abaixo da Escritura, sob a autoridade dela. Esse foi o erro dos
fariseus, criaram tradições que não só as colocavam em pé de igualdade com as Escrituras Sagradas, como tais
tradições distorciam a verdade da Palavra de Deus. Cristo reprovou a tradição dos judeus, chamando de
doutrinas de homens e não se submeteu a ela (Marcos 7:1-13).
livros existentes no Canon do N.T foram aprovados por decisão da igreja, portanto, o
magistério e a tradição deve ter o mesmo reconhecimento autoritativo da Escritura. Se o
magistério da igreja determinar um mandamento além do que a Escritura exige, e doutrinas
extrabíblica, os adeptos da Igreja Romana se submeterão, eles estão fechados para o que
realmente a Bíblia venha a dizer.
Irineu dá importância ao que se está escrito em detrimento do que era passado oralmente,
ele deixa claro que o conteúdo oral do ensino dos apóstolos, havia se tornado Escritura, não
ficou um ensinamento que foi dado oralmente e outro entregue de forma escrita. Tudo que
ficou registrado em manuscrito era o que os apóstolos ensinavam de forma oral. É verdade
que de inicio a igreja do século I não tinha ainda o Novo Testamento nas primeiras décadas,
mas citavam e utilizam o Antigo Testamento. Jesus, nosso Senhor elogiava os fariseus por
examinar as Escrituras (João 5:39). As Sinagogas tinham suas reuniões com leitura das
Escrituras e Cristo teve a oportunidade de ler em uma reunião sinagogal (Atos 15:21; Lucas
4:16-20). O Pentateuco exorta a que se lessem as Escrituras, os salmos estão recheados de
exortações para que se leia e medite na Palavra escrita de Deus (Deuteronômio 6:6-9; Salmo
119:97). Embora a produção de livros fosse lenta e difícil, notamos que as Escrituras eram
lidas nesse contexto (Neemias 8:1-5). O etíope que foi batizado por Felipe estava com uma
copia do livro de Isaias (Atos 8:27-30), este ultimo fato é a prova de que as Escrituras mesmo
com as dificuldades da época, circulavam e notamos que ia além das fronteiras judaicas. Esses
exemplos citados já destrói o argumento romanista de que não se lia a Bíblia e que tudo era
passado oralmente. Estamos aqui falando do Antigo Testamento, e mesmo quando ainda não
se tinha os livros do Novo Testamento, os apóstolos recorriam e citavam muitas passagens
das Escrituras hebraicas e com o passar do tempo foram registrando o ensino que eles
transmitiam oralmente.
Não foi, portanto, por ninguém mais que tivemos conhecimento da economia da nossa
salvação, mas somente por aqueles pelos quais nos chegou o Evangelho, que eles primeiro
pregaram e, depois, pela vontade de Deus, transmitiram nas Escrituras, para que fosse para
nós fundamento e coluna da nossa fé (...) Assim, Mateus publicou entre os judeus, na
língua deles, o escrito dos Evangelhos, quando Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí
fundavam a Igreja. Depois da morte deles, também Marcos, o discípulo e intérprete de
Pedro, nos transmitiu por escrito o que Pedro anunciava. Por sua parte, Lucas, o
companheiro de Paulo, punha num livro o Evangelho pregado por ele. E depois, João, o
discípulo do Senhor, aquele que recostara a cabeça ao peito dele, também publicou o seu
Evangelho, quando morava em Éfeso, na Ásia.23
O apologista em resposta aos gnósticos deixa claro que os apóstolos não tinham vários
conteúdos de ensinos, um conteúdo pra deixar registrado em manuscritos e outros pra ser
preservado oralmente. Havia um alinhamento no ensino de cada apóstolo, no entanto, os
gnósticos apelavam para tradição oral e rejeitavam a palavra escrita a acusando de textos
corrompidos, quando não se encaixava no que eles criam.
Irineu afirma:
Quando são vencidos pelos argumentos tirados das Escrituras retorcem a acusação contra as
próprias Escrituras, dizendo que é texto corrompido, que não tem autoridade, que se serve
23
PATRÍSTICA. Irineu de Lião: Contra as Heresias. São Paulo. 2° Edição, Paulus, p, 145-146
de expressões equívocas e que não podem encontrar a verdade nele os que desconhecem a
Tradição. Com efeito — dizem eles — a verdade não foi transmitida por escrito, mas por
viva voz.24
Esta declaração de Irineu mostra que os cristãos da época dele seguiam e pregavam o que
já estava escrito, e que ensinavam a mesma coisa onde quer que estivessem. Não existia uma
comunidade de cristãos pregando ensinos diferentes, todos professavam o mesmo ensino
apostólico, Irineu nos dá testemunho desse fato. Os gnósticos se dizia uma comunidade
detentora de ensinos ocultos, especiais, dado oralmente por alguns dos apóstolos. Irineu
desmente esta crença deles e mostra que o ensino dos apóstolos era o mesmo e que tomou
forma escrita.
Tendo, portanto, recebido esta pregação e esta fé, como dissemos acima, a Igreja, mesmo
espalhada por todo o mundo, as guarda com cuidado, como se morasse numa só casa, e crê
do mesmo modo, como se possuísse uma só alma e um só coração; unanimemente as prega,
ensina e entrega, como se possuísse uma só boca. Assim, embora pelo mundo sejam
diferentes as línguas, o conteúdo da tradição é um só e idêntico. As Igrejas fundadas na
Germânia não crêem e não ensinam de modo diferente, nem as da Ibéria, nem as dos celtas,
nem as do Oriente, nem as do Egito, nem as da Líbia, nem as estabelecidas no centro do
mundo; mas como o sol, criatura de Deus, é em todo o mundo um só e o mesmo, assim a
luz da pregação da verdade brilha em todo lugar e ilumina todos os homens que querem
chegar ao conhecimento da verdade. E nem o que tem maior capacidade em falar, dentre os
que presidem às Igrejas, dirá algo diferente, porque ninguém está acima do Mestre; nem
quem tem dificuldade em expressar-se inferioriza a Tradição. Sendo a fé uma só e a
mesma, nem quem pode dizer muito sobre ela a amplia nem quem pode falar menos a
diminui.25
Notamos nos escritos de Irineu ênfase nas Escrituras e por quê? Ele já dispunha dos
Escritos dos apóstolos em mãos e era o único material confiável sobre a verdade do
Evangelho e a maneira mais segura. Confiar em ensinamentos estranhos com argumento da
tradição oral, não era seguro. Irineu já tinha material do Novo Testamento suficiente para
analisar se determinada doutrina era autentica e tinha fundamento. Lucas registra em seu livro
sobre os atos dos apóstolos que os bereanos recorriam as Escrituras, para ver se de fato o que
Paulo ensinava tinha fundamento bíblico (Atos 17:11); e é justamente isso que a Reforma
Protestante tem feito, analisar nas Escrituras se o que a Igreja Católica Romana ou qualquer
outra entidade religiosa ensina, tem respaldo bíblico. O principio do Sola Scriptura é dizer
que “se não estiver na Bíblia”, tem que ser rechaçado, a Reforma Protestante é um movimento
bereano.26
24
Ibid, p. 146
25
Ibid, p, 42
26
Com isso os protestantes não querem defender um biblicismo radical e se fechar para outras fontes de
informação e ensino, ou que o cristão não possa se envolver com outros conhecimentos. Muitos do meio
protestante eram humanistas, advogados e filósofos, como também na época da patrística se encontrará
muitos filósofos. Ao se utilizar a expressão Sola Scriptura, os reformadores não estão negando que Deus tenha
se revelado de outras maneiras. Calvino escreveu bastante sobre a “revelação geral de Deus”, Deus falando por
meio da sua criação, a criação testemunha os atributos da deidade. Os reformadores estavam conscientes de
que Deus além da revelação geral, também falava na consciência do homem, dando a ele discernimento do
Os reformadores do século XVI tiveram o discernimento de que a Igreja Católica
Romana estava cometendo os mesmo erros dos gnósticos dos dias de Irineu, crendo em
doutrinas além do que os apóstolos deixaram, dando mais importância a certas tradições
humanas que a Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras ensinam que não necessitamos de
nenhuma tradição extrabíblica, porque ela sozinha é suficiente para corrigir, educar, exortar e
habilitar o cristão na verdade. As Sagradas letras são suficientes para nos tornar sábio para
salvação (2 Timóteo 3:14-17).
CONCLUSÃO
ABSTRACT
Study matters related to church fathers is to dig deep into the field of knowledge and
historical legacy of attachment and love of thuth. Irineu de Lyon is a pathetic character who
leaves us an example of attachment to apostolic truth. It is up to the contemporary church to
follow such an example and remain faithful to Christ and his gospel. To ignore the old
“certo” e “errado”. Quando se afirma “Sola Scriptura”, o que se quer dizer é que a Escritura é a única fonte
para se investigar a verdade do evangelho, para fundamentar liturgia e discernir sobre o conhecimento
apurado da salvação.
27
SCHWERTLEY, Bryan. Catolicismo Romano: Uma Análise Bíblica. Disponível em: www.monergismo.com
28
LINDBERG,Carter. História da Reforma. Thomas Nelson. São Paulo. 2017. p, 116.
apologists is to take a risk, they still speak against human the philosophical rudiments of the
words. The present church needs to stand in the thuth and defend it.
KEIWORDS