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O MONAQUISMO:

UMA ANÁLISE DE SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO DA EUROPA


E PARA O ESVAZIAMENTO DO MINISTERIAL DIACONAL DA CARIDADE

Luciano Rocha Pinto

O monaquismo é um fenômeno diversificado e múltiplo. Há autores que falam de “formas


de vida monástica e ascética, no plural”.1 Os eremitas e os monges de clausura não surgiram de
repente, mas, são o resultado de um processo gradual que já na Antiguidade cristã motivava homens
e mulheres à busca de uma vida mais justa, reta e santa. A partir do século IV a procura pela ascese
vai ganhando forma e organização. Possivelmente isso ocorreu devido ao reconhecimento da Igreja
por parte do Estado Romano, o que possibilitou o aumento e a organização destes centros de vida
cristã que auxiliaram no desenvolvimento local, na promoção da cultura, na sistematização da
caridade e, por fim, no desenvolvimento da evangelização dos povos bárbaros.

Esse trabalho, escrito a pedido do professor diácono Júlio, está dividido em duas partes. Na
primeira procurei discorrer sobre a emergência e o desenvolvimento do monaquismo, assim como
apontar para sua atividade missionária, que muito contribuiu para a evangelização da Europa e
conversão dos “bárbaros”. Na segunda parte, mais breve por ser mais carente de fontes de pesquisa,
apresento como que o desenvolvimento da caridade, pelos monges, contribuiu para o esvaziamento
do diaconado. Certamente, não foi a única razão para seu posterior desaparecimento, mas, segundo
estudos atuais como de José Durán2 e Alphonse Borras3, foi um fator, dentre outros,4 que contribuiu
para a perca de sentido do diaconado depois do século IV.

Assim, o monaquismo produziu dois efeitos com seu desenvolvimento. O primeiro é


externo, tendo a atuação dos monges e das monjas contribuição singular para a conversão dos povos
bárbaros. A prática da caridade desenvolvida nos mosteiros produziu um segundo efeito, agora
interno, modificando as estruturas de caridade social desenvolvidas no interior das dioceses, à cargo
dos diáconos.

A evangelização dos povos “bárbaros”

Em meados do século IV, no Egito, uma rede de comunidades emergiu com objetivo de
uma vida santa, renunciando à mundanização que tomava a vida cristã. A solidão do deserto atraiu
monges e monges que buscavam intimidade com Cristo por meio da disciplina e da ascese. Esses
homens e mulheres atraíam muitas pessoas devido seu estilo de vida. A gênese deste movimento
situa-se no século III com os anacoretas. O termo provém de anachorein, retirar-se. Tal como o
nome eremita que deriva do grego éremos, deserto, solidão.5 Nome importante foi Antão, que

1
SCHINDLER, Alfred. “Os princípios do monarquismo”. In: KAUFMANN, Thomas (et alii). História Ecumênica
da Igreja (1): dos primórdios até a Idade Média. São Paulo: Edições Loyola: Paulus; São Leopoldo, RS: Editora
Sinodal, 2012, p. 154-155.
2
DURÁN, José Durán Y. Diaconato Permanente e Ministério da Caridade: elementos teológico-pastorais. São
Paulo: Edições Loyola, 2003.
3
BORRAS, Alphonse; POTTIER, Bernard. A graça do diaconato: questões atuais relativas ao diaconato latino.
São Paulo: Edições Loyola, 2010.
4
PINTO, Luciano Rocha. “Diaconado Latino: uma reflexão sobre seu desaparecimento a partir das relações de
poder pastoral”. In Atualidade Teológica. Ano XX, fascículo 52, 2016, p. 106-128.
5
SCHINDLER, Alfred. Op. Cit., p. 162.
procurou viver plenamente aquele ideal e tornou-se um abba, um pai do manaquismo. Termo esse
que designará os superiores dos futuros mosteiros: o abade (Pai). Atanásio escreveu sobre ele, em
sua Vida de Antão, chegando a ser lido até na Germânia. Graças à Antão, esta forma de Monaquismo
espalhou-se pelo alto Egito, Palestina, indo até à Síria e à Mesopotâmia. Experiências comunitárias
foram feitas, mas foi Pacômio (292-346) que forjou os princípios da vida cenobítica (comunitária).6

Às margens do rio Nilo, Pacômio estabeleceu a primeira comunidade organizada, inclusive,


com regra própria de vida. Os membros eram homens e mulheres que viviam em alojamentos
separados, trabalhando e desenvolvendo, como meio de evangelização, programas de educação. O
influxo do monacato egípcio espalhou-se rapidamente pelo ocidente de língua latina nos séculos IV
e V e muitos personagens importantes para o monarquismo visitaram a comunidade de Pacômio,
como Etérea da Espanha, Melânia de Roma, Jerônimo, Rufino, João Cassiano, Basílio Magno e
Bento de Núrsia. Um dos nomes mais importantes daquela tradição do deserto egípcio foi Macário,
o Grande (c. 300-390), cujo mosteiro que fundou em Scete era conhecido como importante centro
de estudo.7 A evangelização, naquele primeiro momento, constituía-se de criar condições de educar.
Numa sociedade carente de alfabetizados, educar sinonimizava-se com evangelizar.

Os mosteiros cristãos constituíam-se em centros de vida, de culto, mas também de ensino,


onde educação e evangelização combinavam-se. Não havia, portanto, um movimento de saída, de
ir ao encontro do outro, mas, de acolhida. O modo de vida dos monges chamava a atenção e atraía.
É neste movimento que ocorria o processo de evangelização. O impacto daquele método foi sentido
pelos muçulmanos que desenvolveram, sob influência dos monges, uma distinta forma de
experiência mística e extática: o sufismo. O termo sufi deriva da palavra siríaca para “lã”, uma
referência ao hábito grosseiro usado pelos monges e monjas cristãs. Os sufis, assim, adaptaram
aspectos de vida ascética às suas crenças.8

Depois de São Pacômio, o monaquismo espalhou-se pelo Ocidente, não propriamente


devido à divulgação feita pelos monges egípcios, ou coptas, mas sobretudo devido às viagens que
os padres do Ocidente efetuaram ao Oriente, após o que difundiram o exemplo egípcio que tanto os
marcou. Naquele momento, o mais significativo foi Basílio. Importa, no entanto, salientar que o
monaquismo Oriental, principalmente a corrente anacoreta, assentava-se num cristianismo popular,
“onde dominava uma mente animista que via demónios em toda a parte e que tinha tendência para
exageros”.9 Com Basílio, bispo de Cesareia, ocorre um maior desenvolveu e organização da vida
dos ascetas, tendo escrito algumas “Regras”, que ainda hoje são observadas no mundo ortodoxo, e
maior impulso à formação.

Os primórdios do monasticismo ocidental, contudo, tem origem em Agostinho. Após sua


conversão, passou a levar vida “monástica”. Com sua mãe e alguns amigos, retirou-se para uma
propriedade rural que um conhecido colocou à sua disposição em Cassiciarum. Não era
propriamente um mosteiro, mas uma escola filosófica com possibilidades de desenvolvimento para
se tornar um mosteiro. Depois de Bispo restringiu-se à orientação espiritual dos monges. Seguiu-se
novas fundações segundo aquele modelo agostiniano, inclusive mosteiros femininos. Mas o

6
IRVIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. História do movimento cristão mundial: do cristianismo primitivo a 1453
(Vol. I). São Paulo: Paulus, 2004, p. 267.
7
Ibidem, p. 268-269.
8
Ibidem, p. 355.
9
COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja: das origens ao século XV (Vol. 1). São Paulo: edições Loyola,
1984, p. 86.
monasticismo agostiniano não sobreviveu às conquistas do islamismo.10 Outro nome será
importante, no ocidente, para o crescimento do monaquismo e a evangelização: Patrício.

Na Irlanda, terra povoada pelos celtas, nasce um novo método de expansão missionária.
Patrício, bispo e líder monástico (+ 460) animava os irlandeses convertidos a aprender o latim. Para
este fim, procurou estabelecer mosteiros. No seguimento de Patrício destaca-se Brígida de Kildare
(c. 450-523). Com outras sete mulheres organizou a primeira comunidade monástica feminina na
Irlanda. Os mosteiros cresceram e cresceram em importância. Além da educação por método
missionário, ensinando ofícios diversos além da alfabetização, destacavam-se pela hospitalidade
aos viajantes. Muito cedo, tornaram-se centros de aprendizado e de acolhida.11 “Sem choques, sem
mártires, graças ao zelo e à sabedoria de Patrício, seu herói nacional, a Irlanda passara do druismo
ao cristianismo mais ardente. Desde o final do século V, o país estava coberto de mosteiros-
bispados.” 12

Nenhum outro nome foi mais fundamental para o monacato no ocidente que Bento. Nasceu
na Úmbria, Itália, no ano de 480. Era de família nobre romana. Desde pequeno manifestou um gosto
especial pela oração. Realizou os primeiros estudos na região de Murcia, próximo à cidade de
Spoleto. Depois foi morar em Roma para estudar filosofia. Um eremita chamado Romano encontrou
Bento e lhe deu um hábito de monge. Romano ensinou a São Bento tudo sobre a vida de eremita e
levando-o para uma gruta escondida, (gruta santa), no monte de Subiáco. Lá, o jovem Bento
aprofundava-se na vida de eremita e Romano o ajudava regularmente com alimentos. São Bento
ficou ali por três anos só em orações e estudos, sem receber visitas. Um dia, porém, um sacerdote
da região, fazendo seu jantar, ouviu uma voz dizendo: estás fazendo seu jantar enquanto meu servo
Bento morre de fome no deserto. O sacerdote, com muito esforço, partiu para o deserto, encontrou
a gruta em que Bento estava escondido e após uma oração, disse que era o dia da Páscoa do Senhor e
serviu-lhe a comida. Tempos depois o jovem bento foi descoberto por pastores e assim passou a
receber muitas visitas para conselhos e orações. Logo sua fama começou a crescer e ele passou a
ser visitado por mais e mais pessoas em busca de aconselhamentos e orações. Bento fundou em
poucos anos doze mosteiros e organizou a vida monástica comunitária.13 A força de Bento estava
na regulamentação dos detalhes da vida monástica bem pensada e apoiada na experiência,
relacionando teologia monástica e indicações práticas de maneira eficiente.

Os reis francos, anglo-saxões, germânicos, aos poucos, converteram-se ao cristianismo.


Isso, contudo, não significava que a população europeia ocidental abandonou suas crenças
religiosas tradicionais. Vários deuses antigos e seus cultos continuaram a existir. A tarefa de
evangelizar o povo coube aos monges e monjas, que estabeleceram comunidades em toda a Europa.
A partir do século VII a tradicional espiritualidade monástica adquiri nova prática: a peregrinatio
ou a peregrinação. Os peregrine ou caminhantes vagavam de lugar em lugar evangelizando cidades
e vilarejos. Por onde passavam buscavam constituir novos monastérios. Boa parte desses peregrini
eram irlandeses ou anglo-saxões. Destaca-se nesse momento o monge Columbano, tendo trabalhado
no sul da França e no norte da Itália.14

10
IRVIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. Op. Cit., p. 175-176.
11
Ibidem, p. 297-298.
12
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. São Paulo: Paulus, 1982, p. 57.
13
HISTÓRIA DE SÃO BENTO. In: www.cruzterrasanta.com.br/historia-de-sao-bento (Acesso em 24/5/2016).
14
IRVIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. Op. Cit., p. 428-430.
A caridade monástica e o esvaziamento do ministério diaconal da caridade

A atuação dos monges teve por efeito externo a evangelização da Europa. Atuavam por
meio da educação informal, do ensino do latim e dos mais diversos ofícios, da prática da
hospitalidade, mas, principalmente da caridade. A disseminação dos mosteiros promoveu o
desenvolvimento das localidades e produziu outro efeito, agora não mais externo, mas interno:
contribuiu para o esvaziamento do diaconado, enquanto ministério voltado à prática da caridade.
Entre os séculos I e II não se pode falar que houve uma prática caritativa, por parte dos diáconos,
que fosse mais relevante que sua atuação na liturgia e no ministério da Palavra. Contudo, a atividade
do diácono no campo da beneficência adquire maior relevo no século III. A Didascalia dos
Apóstolos coloca o diácono como responsável direto, em nome do bispo, pelos doentes e
necessitados. A organização caritativa de coleta e doações passava, então, pelas mãos dos diáconos.

Com o desenvolvimento do monaquismo do século IV vê-se uma constante e progressiva


transferência dessas atividades diaconais para as monásticas. A assistência aos pobres, doentes,
peregrinos passam das mais dos diáconos para dos monges. Isso se deve, por um lado, à atenção
constante que os monges destinaram à atividade evangelizadora. Neste sentido, fundaram escolas,
hospitais, abrigos. Posteriormente, as ordens mendicantes também assumiram práticas semelhantes
no campo da caridade social.15 Por outro lado, os diáconos, à serviço de seus bispos, ficavam
restritos em suas dioceses. Soma-se a isso a má fama que alguns desenvolveram no exercício da
caridade eclesial. Orígenes (185-283), por essa razão, critica o espírito de soberba dos diáconos,
“que não administram bem as mesas do dinheiro da Igreja, mas cometem sempre fraudes a seu
respeito”16 e “juntam riquezas para si mesmos, desviando o dinheiro dos pobres”.17

As tentações dos cargos e do acesso aos bens eclesiásticos, certamente corromperam alguns
diáconos. Escrito no século II, em Roma, o Pastor de Hermas, aponta a corrupção como um
problema, já naqueles tempos iniciais, entre alguns diáconos, que administravam mal, “roubando a
subsistência de viúvas e órfãos, enriqueceram-se com os recursos que receberam para socorrer”.18
É o caso do diácono Nicóstrato que foi descrito por Cipriano de Cartago, em meados do século III,
como criminoso e depravado por usurpar os bens da Igreja de Roma fugindo, depois, para a África.19
A partir do século V, principalmente depois das “Diaconias de beneficência”, que nasceram no
século anterior com a atuação dos monges diaconitas, verifica-se que o diácono não é mais o homem
da caridade e nem mesmo, progressivamente, o responsável pelo patrimônio eclesial. O serviço da
caridade não é mais diaconal, mas monacal. A partir do século VII as obras de caridade escapam
por completo das mãos dos diáconos.20

15
DURÁN, José Durán Y. Op. Cit., p. 88-89.
16
Comm. in Mat., 16,22; 40,552. In: COMUSSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Diaconado: evolução e
perspectivas, 2002.
17
Idem, 16,22; 40,553. In: Ibidem.
18
Pastor de Hermas, 103.
19
CARTAGO, Cipriano de. Epístola 50, 1-2. In: Cartas. Madri: Ed. Credos, 1998.
Cf.: TEJA, Jamón. Cristianismo Marginado: rebeldes, excluídos, perseguidos. I – De los Orígenes al año 1000.
Madrid: Fundatión Santa Marí ala Real, 1998.
20
BORRAS, Alphonse; POTTIER, Bernard. Op. Cit., p. 61-62.
Considerações finais

O monarquismo, desde suas origens no Egito do século III com os anacoretas até a
organização sistemática de São Bento, demonstrou contínuo vigor e força renovadora. Graças à
Antão o Monaquismo espalhou-se pelo alto Egito, mas foi com Pacômio que vemos surgir a
primeira comunidade organizada com regra própria de vida. Rapidamente, os mosteiros tornaram-
se centros de vida, de culto, de ensino, de caridade e de evangelização. Basílio, bispo de Cesareia,
escreve algumas “Regras” em renovado esforço de renovação e adaptação às múltiplas realidades.
Foi da Irlanda, contudo, que nasce um novo método de expansão a partir de São Patrício, onde o
ardor missionário espalha mosteiros pela Irlanda e, mais tarde, por toda a Europa. Nenhum outro
nome, contudo, foi mais fundamental no ocidente que São Bento. Sua regra, sistemática e minuciosa
rapidamente renovou o monacato. Graças aos peregrine as cidades e vilarejos da Europa
conheceram mais que conversão. Onde quer que se fundasse um mosteiro, logo aquela terra
prosperaria graças à atuação dos monges.

A atuação dos monges no campo da caridade e da assistência social contribuiu para o


esvaziamento do ministério diaconal da caridade. É possível que a diaconia caritatis, desenvolvida
pelos diáconos em suas dioceses, tenha se “esfriado” após a paz constantiniana. Se por um lado, o
cristianismo passa a gozar de paz e tranquilidade, por outro, a consequente promoção dos clérigos
a um status social de poder, possivelmente, promoveu efeitos perversos na qual o altruísmo deu
lugar ao usufruto indevido. Após o surgimento e a disseminação dos mosteiros pela Europa, vemos
os diáconos mais como assistentes na liturgia ou, no caso dos arcediáconos, como notários,
diplomatas ou ecônomos dos bens eclesiásticos. Boa parte deles era “carreirista”, uma vez que nos
primeiros séculos os diáconos disputavam em igualdade de condições as cátedras de seus bispos
com os presbíteros.21 A conduta dos monges, na mesma época, parecia diferenciada. No capítulo
53 da Regra Beneditina, podemos ver bem o espírito de caridade que devia acompanhar o fazer o
monge: “todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo, pois Ele
próprio irá dizer: ‘Fui hóspede e me recebestes’. Logo que um hóspede for anunciado, corra-lhe ao
encontro o superior ou os irmãos, com toda a solicitude da caridade”. É possível que os pobres,
assim, tenham encontrado mais acolhimento junto aos mosteiros que nos espaços curiais.

21
ANDRIEU, Michel. “La carrière ecclésiastique des papes et les documents liturgiques du moyen age”. In:
Revue des Sciences Religieuses, tome 21, fascicule 3-4, 1947, p. 91-93.

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