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⚜︎ Escola de História da Igreja – História Universal da Igreja

Material de Apoio – Aula 78

Os últimos Padres Gregos: o fim da Era Patrística

Introdução

➢ Nos séculos VII e VIII, no Oriente, assim como no Ocidente, a literatura Patrística produziu
seus últimos frutos. No instante em que o Império Bizantino era agitado por aquelas querelas
religiosas tormentosas estudadas nas aulas anteriores, e no momento em que o Islã avançava
(como se verá nas próximas), a Igreja Oriental deu à luz alguns mestres cuja obra e
influência seriam profundas e permanentes.
➢ Como diz Daniel-Rops (p. 367) “nos piores momentos das guerras religiosas e civis, havia
almas que elevavam a Deus os mais válidos protestos, orando-lhe, invocando-o e meditando
os seus mistérios: ‘Crede-me, meus filhos, dizia um monge, nenhuma outra coisa na Igreja
tem causado os cismas e as heresias senão o fato de que nós não amamos plenamente a
Deus e a nosso próximo’”.
➢ Todos estes últimos Padres da Igreja grega, foram monges. Os relatos de suas vidas estão
repletos de descrições de ascese prodigiosa, e nos narram existências completamente
abnegadas e desapegadas das coisas deste mundo. Tal os possibilitará, ademais, lançarem-se
contra as novas heresias com uma coragem típica dos
mártires: afinal, os monges são, por essência, aqueles
cristãos que optaram pelo martírio em vida.
➢ Estes últimos Padres do Oriente se dedicaram, em seus
escritos, a dois temas: vida espiritual e combate às heresias.

São João Clímaco (ca. 579-649)

➢ Dentre os autores do Oriente, talvez nenhum jamais tenha


feito a síntese ascético-mística como a de São João Clímaco
em sua obra mais famosa: a “Escada do Paraíso” ou a
“Santa Escada”. É uma obra fundamental da história da
espiritualidade católica, e define de tal modo seu autor que
lhe valeu o epíteto “Clímaco” (em grego “clímax” significa “escada”).

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➢ Sabemos muito pouco de sua vida. Sua data de nascimento podemos apenas estimar, e nada
sabemos de sua naturalidade. Sabe-se que ele se retirou do mundo muito cedo para se
entregar à vida eremítica. Aos 16 anos entrou no mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai,
aos 20 anos abraçou a vida eremítica ao pé da montanha na qual Deus falou a Moisés e
apenas 40 anos depois, ou seja, quando tinha mais de 60 anos, foi escolhido abade daquele
mosteiro. Lá ele morreu, com cerca de 70 anos, em 649.
➢ Como dito, a obra que fez entrar na história o nome de São João Clímaco é a “Santa
Escada”. Nela, a vida espiritual é comparada a uma escada, semelhante à de Jacó, que liga a
terra ao céu, e aos trinta anos da vida oculta de Jesus. O santo explica que na vida espiritual
se ascende por trinta degraus, e que cada degrau corresponde a uma virtude a praticar ou um
vício a corrigir.
➢ A Santa Escada de São João Clímaco teve imensa repercussão no Ocidente, tendo sido seus
especiais leitores São Bernardo de Claraval e Santo Inácio de Loyola.
➢ São João Clímaco escreveu ainda um livro, ou uma carta, “ao Pastor”, no qual descreve os
deveres do abade de um mosteiro e indica a maneira com que devem ser cumpridos, para o
bem dele e para a edificação da comunidade.

São Doroteu de Gaza (ca. 505-565 ou 620)

➢ Pouco sabemos da vida pregressa de São Doroteu até sua


entrada, ainda muito jovem, em um mosteiro perto de Gaza,
na Palestina. Por volta de 540 fundou seu próprio mosteiro
nas proximidades da cidade, onde foi abade.
➢ Foi aos monges deste mosteiro que ele dedicou seus
“Ensinamentos Espirituais”. Sua única intenção nestes
ensinamentos, afirma, é edificar aqueles que o lerão. Ele
não está interessando em elegância de expressão ou estilo.
Suas palavras são espontâneas, claras e simples.
➢ Assim como São João Clímaco, ele não apresenta seus
ensinamentos de modo meramente teórico, mas com base
na realidade cotidiana de seu mosteiro e em sua experiência
como monge sem, é claro, deixar de embasar seus ensinamentos tanto na teologia quanto nas
Escrituras, da qual faz várias citações.

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São Sofrônio de Jerusalém (560-638)

➢ As obras espirituais daqueles séculos, no Império


Bizantino, não nasceram apenas da meditação
solitária. Nas aulas passadas percebemos que os
monges estiveram a todo tempo mergulhados nas
querelas doutrinárias, sendo, em razão de sua vida
ativa, elevados a altos cargos na hierarquia do
Oriente. Isso é algo notável: estes monges não
estavam preocupados apenas com sua salvação
pessoal: quando percebiam que algo ia mal na
Igreja, desciam de seus eremitérios, de seus
cenóbios, de suas lauras para defender a verdade
que viam ameaçada.
➢ Isso é perceptível desde as origens da vida
monástica, no tempo do arianismo: Santo Antão foi
mais de uma vez à Alexandria pregar contra a
heresia, e os monges do Egito foram os grandes sustentáculos de Santo Atanásio durante
suas grandes lutas pelo Credo de Niceia. Isso se manteve nos séculos V, VI e ao chegar-se
ao VII, quando da querela monotelista, desponta São Sofrônio.
➢ Já falamos dele nas aulas sobre o monotelismo.1 Sofrônio era um monge corajoso, o
primeiro a denunciar o monotelismo e a combatê-lo. Foi elevado ao patriarcado de
Jerusalém em 634. Era, além disso, um grande escritor, pregador e poeta.
➢ Seus escritos e discursos contra o monotelismo são numerosos: (a) uma carta sinodal, ou
carta de entronização, de 634, um documento teológico de grande valor, na qual expõe de
modo acurado a doutrina católica sobre Cristo contra aquela heresia; (b) um “dossiê”
patrístico contendo 600 testemunhos dos Santos Padres contra a heresia monotelista, que
infelizmente se perdeu; (c) uma dúzia de discursos sobreviventes sobre Cristo, a Virgem
Maria, sobre os santos e sobre o Batismo.

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Ver aulas 74 e 75.

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➢ Escreveu ainda obras disciplinares, como (a) um escrito sobre a confissão; (b) e outro sobre
o batismo. Escreveu ainda a vida de São Ciro e São João, mártires no tempo de Diocleciano,
e a vida de Santa Maria do Egito.
➢ São Sofrônio foi autor de 23 cânticos a serem entoados nas festas litúrgicas.
➢ Foi a doutrina católica contra o monotelismo, tal como enunciada por São Sofrônio, que
décadas após sua morte, em 680, o VI Concílio Ecumênico reconheceria como a fé da Igreja.

São Máximo, o Confessor (580-662)

➢ Também já falamos de São Máximo,2 abade que, depois de São Sofrônio, foi a cabeça da
oposição ao monotelismo no Oriente. Permaneceu fiel à doutrina enunciada pelo Papa São
Martinho I no concílio de Roma de ca. de 648, opondo-se às invenções monotelistas do
imperador Constante II. Este o perseguiu, prendeu e o levou a Constantinopla em 658. Foi
acusado de sedição e insubordinação à política religiosa do imperador e condenado ao
desterro. No exílio, chegaram a arrancar sua língua para que parasse de pregar contra o
monotelismo e sua mão direita para que ele parasse de escrever contra a heresia. Morreu em
662.
➢ Diz Tixeront que São Máximo é, antes de São João Damasceno, o último grande teólogo da
igreja grega. Sua doutrina é influenciada pela filosofia de Aristóteles, da qual era vasto
conhecedor, e era dotado de um rigor de pensamento e de
uma precisão de termos que não encontramos em nenhum
outro autor de seu tempo. Escreveu contra os monofisistas
e monotelistas uma série de opúsculos, ou antes pequenos
tratados de uma profundidade ímpar.
➢ Escreveu ainda obras exegéticas, como (a) As “Questões
a Talássio”, uma grande coleção de respostas a 65
perguntas feitas pelo abade Talássio; (b) A “explicação
do salmo LIX”; (c) A “explicação do Pai Nosso”; (d) O
“escrito a Teopompo”, na qual responde a três objeções
feitas por este a alguns versículos do Evangelho.
➢ Escreveu ainda muitas obras de teologia mística, obras de

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Ver aula 75.

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moral e ascética, obras disciplinares e litúrgicas como (a) a “mistagogia”, explicando os


simbolismos na Igreja e suas cerimônias; (b) e uma cronologia resumida da Vida de Cristo.
➢ Sobraram dele, ademais, 45 cartas.
➢ São Máximo escreveu, ainda, a “Vida da Virgem”, a mais antiga biografia de Nossa
Senhora.

São Germano de Constantinopla (+740)

➢ Na aula passada tratamos de São Germano,3 patriarca de


Constantinopla durante o início da controvérsia iconoclasta,
que preferiu renunciar ao seu patriarcado antes de concordar
com as medidas iconoclastas do imperador Leão III.
➢ Foi sobretudo um grande orador e grande devoto da
Santíssima Virgem, cujas grandezas proclamou em 7 dos 9
seus discursos que sobreviveram.
➢ Escreveu obras de caráter dogmático, como (a) um livro sobre as
heresias e os concílios; (b) cartas dogmáticas, muito importantes para a história da
controvérsia iconoclasta; (c) uma carta aos armênios, para explicar os decretos do Concílio
de Calcedônia contra o monofisismo.
➢ Sabemos ainda ser de São Germano (a) uma obra sobre o fim da vida; (b) uma explicação
mística da liturgia; (c) alguns hinos; (d) e uma obra perdida que ele escreveu para defender
São Gregório de Nissa da acusação de origenismo.

São João Damasceno (ca. 675-749)

➢ A Era Patrística se encerra com São João Damasceno.


➢ Nasceu em Damasco, em cerca de 675, quando a cidade já se encontrava sob poder dos
muçulmanos, de uma família profundamente cristã, que gozava de grande prestígio e
influência política.
➢ Seu pai, Sérgio, santo homem, dotado de um coração magnânimo, deu-lhe uma excelente
formação, e aproveitou as magníficas qualidades de João para destiná-lo a algum cargo civil.

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Ver aula 77.

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➢ Seu nome entrou na história depois de 726 quando, como que no exato instante do início do
iconoclasmo, publicou sua primeira apologia das imagens contra o edito do imperador Leão
III.
➢ Pouco depois disso, fez-se monge. Foi ordenando
padre em 735 no mosteiro de São Sabas, perto de
Jerusalém. Foi um monge e sacerdote amante da
perfeição, repartindo o seu tempo entre a oração, o
estudo e a composição de numerosas obras, que são o
arremate da Patrística Grega.
➢ Antes de tratarmos da principal obra de São João
Damasceno, vamos passar em revista de sua vasta
bibliografia:
o Obras dogmáticas: (a) o livrinho sobre
a doutrina ortodoxa, que não é mais do
que uma profissão de fé que ele
escreveu, a pedido de um bispo,
suspeito de heresia, que desejava justificar-se perante o seu metropolita; (b)
uma introdução elementar aos dogmas; (c) um pequeno Tratado da Santíssima
Trindade; (d) Uma carta sobre o hino do Triságion, um hino grego muito
comum no qual se invoca a Deus como Sanctus Deus, Sanctus Fortis, Sanctus
Immortalis, miserere nobis, para demonstrar que o tríplice Sanctus deste hino
se dirige às três pessoas da Trindade, não só ao Filho.
o Obras polêmicas: (a) contra os maniqueus ele escreveu um “Diálogo”, no
qual refuta o dualismo; e uma “Discussão do ortodoxo João com um
maniqueu”; (b) escreveu contra os muçulmanos uma “Discussão de um
sarraceno e um cristão”; (c) nos dois fragmentos “sobre os dragões e sobre os
vampiros”, ataca as superstições de muçulmanos e judeus; (d) contra os
nestorianos escreveu dois tratados; (e) contra os monofisistas outros dois; (f)
contra os monotelistas compôs uma “Dissertação sobre as duas vontades em
Cristo”.
o Obras contra o iconoclasmo: Escreveu seus três discursos apologéticos
“contra os que rejeitam as sagras imagens”. Neles, estabelece que as imagens
constituem um elemento muito valioso para a instrução religiosa dos
ignorantes e, ainda, dos fiéis menos esclarecido, um memorial dos mistérios de

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Cristo e uma recordação sugestiva das virtudes dos santos. A questão foi posta
por ele de forma tão magistral, com base tanto na Escritura quanto na
Tradição, que sua argumentação seria a incorporada pelo II Concílio de Niceia
e por quem quer que no futuro quisesse defender o culto das imagens.
o Obras ascéticas: (a) A mais importante das obras ascéticas dele é conhecida
como “Sacra Parallela”, “os Paralelos Sagrados”, uma coleção de textos da
Sagrada Escritura e dos Santos Padres divididos em três livros. O nome de
“Paralelos” vem do fato de São João Damasceno contrapor neste livro vícios e
virtudes; (b) “Sobre os santos jejuns”, uma cara que ele escreveu a certo
monge sobre o jejum quaresmal; (c) “Sobre os oito espíritos maus”, carta
escrita a um monge sobre os oito vícios capitais que ele chama de “espíritos
maus”; (d) “Sobre as virtudes e os vícios”.
o Outros gêneros: (a) Exegese: um comentário das Epístolas de São Paulo; (b)
Homilias: foram-lhe atribuídas treze, das quais nem todas lhe pertencem,
sendo que as mais importantes são as que tratam da morte e da Assunção de
Nossa Senhora; (c) muitas poesias e cânticos.
➢ A obra mais importante de São João Damasceno é a “Fonte da Ciência”, por ele assim
intitulada. Nela, condensou toda a sua teologia e dividiu-a em três grandes partes:
o Parte filosófica – “Da Dialética”: explica as categorias de Aristóteles e os
cinco universais de Porfírio.
o Parte histórica: consta de uma breve exposição das heresias, que apareceram
na Igreja até o iconoclasmo.
o Parte teológica: é a parte mais importante, dividida em 100 capítulos, que a
posteridade chamou de “Tratado da Fé ortodoxa”. Esse tratado ficou
conhecido como “A Suma da Teologia Grega”.
➢ São João Damasceno morreu em 4 de dezembro de 749 e foi o maior espírito do seu tempo.
Filósofo, teólogo, orador, autor ascético e poeta, a sua vastíssima cultura permitiu-lhe tratar,
com rara competência, dos mais variados assuntos. Aproveitou os elementos da Tradição,
resumiu os autores e fez uma síntese que do pensamento teológico do Oriente Católico
desde as origens.
➢ Ele foi o último Padre da Igreja, e o último autor oriental que todo o mundo cristão,
inclusive o Ocidente (como com Santo Tomás de Aquino), pôde beber. No momento em que
iria começar a era das rupturas, concretizada trezentos anos depois de sua morte com o
Cisma do Oriente, a obra de São João Damasceno, sobretudo o “Tratado da Fé Ortodoxa” é

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como que um presente que os setecentos anos de catolicismo oriental ofereceram ao


Ocidente para que seguisse em frente sem jamais abandonar as lições dos Padres Gregos,
que foram, como sabemos, católicos.

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