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Orígenes, De Princ. IV, 1,2
2
Gregório de Nissa, Sobre a divindade do Filho e do Espírito Santo, V, citado por Comby, J., Para
ler a história da Igreja,Tomo I, São Paulo, Loyola, 1993, p. 95.
1
Temos que afirmar mais: diante de um paganismo empobrecido pela usura do
tempo ou comprometido pelas suas complacências com o ocultismo, tocará ao
cristianismo representar o seu setor ativo, o elemento ascendente, o princípio diretor da
atmosfera cultural do século. Temos que sublinhar por outro lado o laço que se estreita
sempre entre sociologia e cultura: estatisticamente falando, o cristianismo é o dado
crescente; como pois estranhar que o ideal novo da cultura cristã reúna a maioria dos
melhores espíritos3?
A idade de ouro do período patrístico foi a época em que viveram os maiores entre
os escritores da antiguidade cristã. Grandes homens marcam este período de ouro:
Atanásio, os três Capadócios (Basílio Magno, Gregório Naziazeno e Gregório de Nissa)
e João Crisóstomo no lado oriental; Hilário de Portiers, Ambrósio, Jerônimo e Agostinho
no lado ocidental. Neste período a Igreja assumiu uma organização estável e estabeleceu
a ortodoxia como fórmula de fé. Verifica-se ainda o desenvolvimento da vida heremítica
e cenobítica na Igreja cristã.
Os Padres do século IV e do início do século V representam um momento de
equilíbrio particularmente precioso entre uma herança antiga, ainda pouco atingida pela
decadência e perfeitamente assimilada, e de outra parte uma inspiração cristã, também ela
chegada a sua plena maturação.
São eles, todos, grandes e fortes personalidades por mais claramente
individualizadas que sejam; seus destinos apresentam tantos pontos comuns, que
podemos arriscar-nos a esboçar deles uma imagem global, um tipo ideal do Padre da
Igreja:
a) Frutos que são dos progressos realizados pelo cristianismo dentro da sociedade
romana, os Padres da Igreja pertencem por sua origem à elite desta sociedade
e por vezes destas camadas mais elevadas da sociedade: Santo Ambrósio é
filho de um prefeito do pretório, São João Crisóstomo de um mestre de milícia,
os dois cargos mais elevados, civil e militar, da hierarquia imperial. A exceção
notável é a de Santo Agostinho, nascido numa família de curiales ou seja, de
notáveis municipais, esmagados pelo fisco impiedoso do Baixo-Império meio
social que já definiram, em termos modernos, como pequena burguesia em
vias de proletarização.
b) Mesmo essa exceção é reveladora: a ambição e a dedicação de seus pais
permitiram ao moço genial que recebesse a educação de qualidade que era da
elite; Santo Agostinho pôde desta forma aceder à carreira professoral que lhe
abria o caminho da ascensão social: este “novo rico” da cultura subiu pela
cultura. Por aí entra ela na categoria geral: oriundos da aristocracia ou mais
geralmente de boa família provincial, os Padres da Igreja todos fizeram sólidos
e bons estudos. São Basílio e seu amigo São Gregório de Nazianzo deixaram
a Capadócia natal e foram seguir por longos anos de ensino dos mais célebres
professores da Universidade de Atenas; São Jerônimo, nascido na Dalmáticia,
em algum lugar ao norte de Trieste, ouvirá em Roma as lições do gramático
Donato; Crisóstomo em Antioquia as do retor Libânio, – mestres pagãos, sem
3
Cf. Daniélou, J., Nova história da Igreja, Tomo I, Petrópolis, Vozes, 1984, p. 307.
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dúvida, porem, ilustres: por mais que proteste Juliano Apóstata, o ensino
superior nesta época é mesmo neutro, os estudantes escolhem os mestres sem
se importarem da religião de uns e outros.
Esta educação é essencialmente literária e tem por coroa o estudo paciente,
obstinado, de técnica oratória: estamos na época da “segunda Sofística”, que atinge o
apogeu da retórica clássica. Todos os Padres da Igreja serão grandes escritores, sobretudo
se os julgarmos em função do ideal de sua época; todos, em todo caso, saberão pôr a
serviço de seu pensamento o domínio insuperável da sua língua4.
Jerônimo, especialista em filologia sagrada e estudo bíblicos, aprenderá melhor o
grego do que maior parte de seus contemporâneos latinos; Santo Agostinho, por exemplo
acrescentará a isso, proeza mais rara, o hebraico. Todos os letrados deste tempo vinham
mais ou menos envernizados de filosofia, apenas São Gregório de Nissa entre os gregos
foi autêntico filósofo, tanto de temperamento quanto de cultura; Santo Agostinho, entre
os latinos, tem certamente o direito de reivindicar para si o primeiro destes títulos, mas
sua vocação excepcional de pensador não pôde aproveitar-se de uma formação de base
que ombreasse coma de Gregório: em filosofia, santo Agostinho foi autodidata.
4
Idem, p. 309
3
como consularis, quer dizer, governador civil da província de Ligúria de
Milão, residência imperial, era a capital5.
5
Idem.
6
Idem, p. 310.
4
à santidade de vida, ocupa lugar preponderante: estes bispos foram também, e
em primeiro lugar, escritores, oradores, pregadores, pensadores religiosos.7
Estes homens, cujas características foram apresentados, além de homens dotados
de uma inteligência singular, eram homens sábios, isto é, místicos, homens de oração;
pessoas que deixavam-se guiar pelo Espírito Santo sempre na busca da verdade revelada
e interpretada na fidelidade da sagrada tradição. Depararam-se com grandes heresias que,
não fosse a inspiração desta luz divina buscada na mística da oração e no espírito de
unidade, o cristianismo teria se esfacelado.
Neste período tão controverso da história do cristianismo, em que a religião
revelada pelo Deus criador, semeada por Jesus de Nazaré, o Verbo de Deus encarnado na
ação do Espírito Santo é ameaçada pela mudança de época provocada pela “virada
constantiniana” e pelas grandes heresias cristológicas, os Padres da Igreja, nessa busca de
mais clareza, erraram e acertaram, como todo homem que busca, mas o Espírito Santo os
acompanhou para que chegassem a proposições fiéis à verdade revelada.
Os Padres desta época, colheram toda a verdade que ao longo dos séculos foi
experimentada, celebrada na liturgia, professada com convicção pelos mártires que
derramaram seu sangue por ela e elaboraram sistematicamente as bases da teologia que
foi sancionada nos grandes concílios ecumênicos da antiguidade cristã, que
providencialmente foram instigados pelos hereges. Esta fé se perpetuará como luz a
iluminar os cristãos de todos os tempos.
7
Idem, p. 313.
5
VIII – Os Padres capadócios
6
melhores elementos da doutrina origenista e traçado as linhas mestras para a
evolução futura da patrística grega8.
8
Cf. Gilson, Etiene, História da filosofia cristã, 9ª edição, Petrópolis, Vozes, 2004, p.80.
9
http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&source=hp&q=a+capad%C3%B3cia&btnG=Pesqui
sa+Google&meta=&aq=f&oq= acesso 01 de novembro de 2009 às 13:55h.
7
Basílio, seu irmão Gregório de Nissa, e o amigo de Basílio. Gregório de
Nazianzo.
8.2.2 – Um monge
8
servo de Deus João Paulo II, falando do monaquismo, escreveu: «muitos
opinam que essa instituição tão importante em toda a Igreja, a vida
monástica, ficou estabelecida, para todos os séculos, principalmente por São
Basílio ou que, ao menos, a natureza da mesma não teria ficado tão
propriamente definida sem sua decisiva contribuição» 10 .
Por volta de 362 foi chamado para Cesaréia pelo bispo Eusébio, que
lhe conferiu a ordenação sacerdotal e o tomou por auxiliar na administração
da diocese. Em 370 foi eleito sucessor de Eusébio. Feito assim metropolita
da Capadócia e exarca imperial da província do Ponto.
Como bispo e pastor de sua estendida diocese, Basílio se preocupou
constantemente pelas difíceis condições materiais nas quais os fiéis viviam;
denunciou com firmeza o mal; comprometeu-se com os pobres e os
marginalizados; interveio ante os governantes para aliviar os sofrimentos da
população, sobretudo em momentos de calamidade; velou pela liberdade da
Igreja, enfrentando os potentes para defender o direito de professar a
verdadeira fé11. Deu testemunho de Deus, que é amor e caridade, com a
construção de vários hospitais para necessitados12 , uma espécie de cidade
da misericórdia, que tomou seu nome, «Basiliade» 13. Nela fundem suas
raízes os modernos hospitais para a atenção dos doentes.
Havia aí um albergue, um abrigo para pessoas idosas, um hospital,
com uma ala reservada às doenças contagiosas; uma igreja erguia-se no meio
das construções. Alojamento para os empregados e operários vieram a ser
acrescentados depois. Finalmente, a obra transformou-se em uma verdadeira
cidade operária onde havia até a sopa popular. Basílio escreve aos prelados
do campo, pedindo-lhes que façam o mesmo nas regiões rurais.
Basílio é o modelo de pastor, constantemente preocupado em discernir
o aspecto prático da mensagem cristã. É, no sentido nobre do termo, um
moralista, sempre disposto a abrir luta contra os vícios individuais e sociais,
e de forjar costumes cristãos na escola do Evangelho.
10
carta apostólica «Patres Ecclesiae» 2.
11
cf. Gregório Nazianzeno, «Oratio 43, 48-51 in laudem Basili»: PG 36, 557c-561c
12
cf. Basílio, Carta 94: PG 32, 488bc
13
cf. Sozomeno, «História Eclesiástica». 6, 34: PG 67, 1397ª
9
A atividade de Basílio não se limita à cidade de Cesaréia. Apesar de
sua saúde precária, ele visita as paróquias afastadas, isoladas na montanha.
Zala pela disciplina de seus padres, corrige os abusos e as excentricidades
dos monges.
Em seu amor por Cristo e seu Evangelho, o grande capadócio se
comprometeu também por sanar as divisões dentro da Igreja, 14 buscando
sempre que todos se convertessem a Cristo e à sua Palavra15.
14
cf. Carta 70 e 243,
15
cf. «De iudicio» 4: PG 31, 660b-661c
16
Hom.7,3)
17
Hom. tempore famis: PG 31, 325a
18
Gregório Nazianzeno, Oratio 43, 63; PG 36, 580b
19
Audiência pública, 29 de dezembro de 2008.
10
argumentação; observa ele: “Todos os ouvidos estão abertos para escutar
falar de teologia, e, nunca se satisfazem plenamente com esta espécie de
discurso20. O bispo trata de questões teológicas com clareza, perspicácia e
precisão.
Basílio se entregou totalmente ao fiel serviço da Igreja no multiforme
serviço do ministério episcopal. Segundo o programa que ele mesmo traçou,
converteu-se em «apóstolo e ministro de Cristo, dispensador dos mistérios
de Deus, arauto do reino, modelo e regra de piedade, olho do corpo da
Igreja, pastor das ovelhas de Cristo, médico piedoso, pai, cooperador de
Deus, agricultor de Deus, construtor do templo de Deus»21.
No ano 379, Basílio, sem ter completado os cinqüenta anos, esgotado
pelo cansaço e a ascese, voltou para Deus, «com a esperança da vida eterna,
através de Jesus Cristo, nosso Senhor»22. “Foi um homem que viveu
verdadeiramente com o olhar dirigido a Cristo, um homem do amor pelo
próximo. Repleto de esperança e da alegria da fé, Basílio nos mostra como
ser realmente cristãos.
8.2.4 – O teólogo
20
Hom 15,1.
21
cf. «Moralia» 80, 11-20: PG 31, 846b-868b
22
«De Batismo» 1, 2, 9
23
cf. Basílio, Ep. 9, 3: PG 32, 272a; Ep. 52, 1-3: PG 32, 392b-396a; Adv. Eunomium 1, 20: PG 29,
556c
24
cf. De Spiritu Sancto: SC 17bis, 348
11
No seu amor a Cristo e ao seu Evangelho, o grande Santo da
Capadócia comprometeu-se também em recompor as divisões dentro da
Igreja25 , empenhando-se para que todos se convertessem a Cristo e à sua
Palavra26, força unificadora à qual todos os crentes devem obedecer27.
25
cf. Epp. 70 e 243
26
cf. De iudicio 4: PG 31, 660b-661a
27
cf. ibid., 1-3: PG 31, 653a-656c citado por bento XVI em audiência de 29 de dezembro de 2008.
28
cf. Oratio 14-24: SC 384, 146-180
29
Oratio 43, 16.20: SC 384, 154-156.164
30
cf. Carmina [historica] 2, 1, 11 De vita sua 340-349: PG 37, 1053
12
uma certa resistência, porque sabia que depois teria que ser Pastor, ocupar-
se dos outros, das suas coisas, e portanto já não podia recolher-se só na
meditação. Contudo aceitou depois esta vocação e assumiu o ministério
pastoral em total obediência, aceitando, como com freqüência lhe aconteceu
na sua vida, ser guiado pela Providência aonde não queria ir (cf. Jo 21, 18).
Posteriormente orientou-se para uma vida monástica: a solidão, a
meditação filosófica e espiritual fascinavam-no. Ele mesmo escreverá:
"Nada me parece maior do que isto: fazer calar os próprios sentidos, sair da carne do
mundo, recolher-se em si mesmo, não se ocupar mais das coisas humanas, a não ser das
que são estritamente necessárias; falar consigo mesmo e com Deus, levar uma vida que
transcende as coisas visíveis; levar na alma imagens divinas sempre puras, sem misturar
formas terrenas e erróneas; ser verdadeiramente um espelho imaculado de Deus e das
coisas divinas, e tornar-se tal cada vez mais, tirando luz da luz...; gozar, na esperança
presente, o bem futuro, e conversar com os anjos; ter já deixado a terra, mesmo estando
na terra, transportado para o alto com o espírito "31.
31
Oratio 2, 7: SC 247, 96
32
Publicado em Os Padres da Igreja e a Questão Social – Basílio Magno, Gregório de Nissa,
Gregório de Nazianzo, João Crisóstomo.- Petópolis, Vozes, 1986,PP.35-63.
33
Cf. Hamman A., Os Padres da Igreja, São Paulo, Paulinas, 1980, p. 147.
13
correto" e considerado pelos imperadores útil sob o ponto de vista político.
Deste modo ele encontrou-se em condições de minoria, circundado por
hostilidades.
Na pequena igreja de Anastasis pronunciou cinco Discursos
teológicos34, precisamente para defender e tornar também inteligível a fé
trinitária, a habilidade do raciocínio, que faz compreender realmente que esta
é a lógica divina. E também o esplendor da forma os torna hoje fascinantes.
Gregório recebeu, devido a estes discursos, o apelativo de "teólogo". Assim
é chamado na Igreja ortodoxa: o "teólogo". E isto porque para ele a teologia
não é uma reflexão meramente humana, ou muito menos apenas o fruto de
especulações complicadas, mas deriva de uma vida de oração e de santidade,
de um diálogo assíduo com Deus. E precisamente assim mostra à nossa razão
a realidade de Deus, o mistério trinitário. No silêncio contemplativo,
imbuído de admiração diante das maravilhas do mistério revelado, a alma
acolhe a beleza e a glória divina.
Enquanto participava no segundo Concílio Ecumênico de 381, Gregório foi
eleito Bispo de Constantinopla, e assumiu a presidência do Concílio. Mas
desencadeou-se imediatamente contra ele uma grande oposição, e a situação
tornou-se insustentável. Para uma alma tão sensível estas inimizades eram
insuportáveis. Repetia-se o que Gregório já tinha lamentado anteriormente
com palavras ardentes: "Dividimos Cristo, nós que tanto amávamos Deus e
Cristo! Mentimos uns aos outros devido à Verdade, alimentamos
sentimentos de ódio devido ao Amor, dividimo-nos uns dos outros!"35 .
Chega-se assim, num clima de tensão, à sua demissão. Na catedral apinhada
Gregório pronunciou um discurso de despedida com grande afeto e
dignidade36. Concluía a sua fervorosa intervenção com estas palavras:
“Adeus, augusta basílica... Adeus, Santos Apóstolos... Adeus, cátedra pontifical.
Adeus, cidade célebre, distinguida pelo fulgor de sua fé e de seu amor a Jesus Cristo.
Adeus Oriente e Ocidente, por quem tanto combati e que me foi confiado. Lembrai-vos
dos meus sofrimentos; que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo permaneça
convosco”.37.
34
Orationes 27-31: SC 250, 70-343
35
Oratio 6, 3: SC 405, 128
36
cf Oratio 42: SC 384, 48-114
37
cf. Oratio 42, 27: SC 384, 112-114
14
Nazianzo, para o cuidado dos pobres, que são da alçada da Igreja”. Por
cerca de dois anos dedicou-se ao cuidado pastoral daquela comunidade
cristã. Depois retirou-se definitivamente em solidão na vizinha Arianzo, a
sua terra natal, dedicando-se ao estudo e à vida ascética. Nesse período
compôs a maior parte da sua obra poética, sobretudo autobiográfica: o De
vita sua, uma releitura em versos do próprio caminho humano e espiritual,
um caminho exemplar de um cristão sofredor, de um homem de grande
interioridade num mundo cheio de conflitos. É um homem que nos faz sentir
a primazia de Deus e por isso fala também a nós, a este nosso mundo: sem
Deus o homem perde a sua grandeza, sem Deus não há verdadeiro
humanismo. Por isso, ouçamos esta voz e procuremos conhecer também nós
o rosto de Deus38. Numa das suas poesias escrevera, dirigindo-se a Deus: "Sê
benigno, Tu, o Além de tudo" 39. E em 390 Deus acolheu nos seus braços este
servo fiel, que com inteligência perspicaz tinha defendido nos escritos, e com
tanto amor o tinha cantado nas suas poesias.
38
Bento XVI, audiência de
39
Carmina [dogmatica] 1, 1, 29: PG 37, 508
15