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HISTÓRIA DA IGREJA II

Era Patrística

VIDA E OBRA DE
AGOSTINHO
Aula 4

Sem dúvida, Agostinho é um dos mais importantes e o mais co-


nhecido entre os pais da igreja. Iremos, portanto, conhecer mais
a fundo sobre sua vida, suas principais obras e teologia. Autor
de “Confissões”, ele foi um dos que mais con-
tribuiu para o desenvolvimento das doutrinas
cristãs, mas também para o estudo da filosofia.
Agostinho está no meio de duas fases importantes
da história. Entre o fim da igreja imperial e o início
da igreja medieval. Ou seja, na transição do perío-
do antigo para o medieval.
Muito apreciado por católicos e protestantes, co-
operou para a formação do pensamento católico
medieval, mas também para o pensamento central da Reforma Pro-
testante. Teólogos católicos e reformadores beberam de Agostinho.
Para entendermos melhor sobre sua vida, precisamos entender o
contexto em que ele viveu:

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O mundo:

Era uma época de grandes transições. Estava muito próximo da


queda do Império Romano do Ocidente que não tinha mais tanto
poder e influência. Enquanto isso, diversos povos bárbaros aos pou-
cos começavam invadir o Império, como podemos ver no mapa
abaixo:

A Igreja:

O ambiente espiritual na época de Agostinho era fortemente mar-


cado por:
• LEGALISMO E ANTINOMISMO:
Desde os pais apostólicos vemos um forte legalismo, o cristianis-
mo era visto como a “nova lei” (Didaquê) ou seja, havia uma visão
legalista e moralista da vida cristã. Na espiritualidade da época de
Agostinho essa visão é percebida através da força do monasticismo.
Para os reformadores, na idade média, essa ênfase excessiva levou
a uma piedade meritória.
• CULTO, LITURGIA E DEVOÇÃO:
Nessa época o culto já é altamente litúrgico e desenvolvido, cheio
de fórmulas e perdendo toda sua espontaneidade. Na devoção
também já temos a veneração de santos e adoração a Maria.
(A adoração a Maria surgiu no meio das controvérsias cristológicas,
no ambiente teológico da discussão em dividir as naturezas de Cris-
to.)
Então, no meio desse contexto, no ano de 354, em uma cidade
chamada Tagaste, localizada no Norte da África, nasce Aurelius
Agostinho. Em seguida, observaremos a linha cronológica de sua
vida.

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A VIDA DE AGOSTINHO

• 354
Nasce em 13 de novembro Aurelius Agostinho, em Tagaste, Numí-
dia, norte da África (atual Souk Ahras, Argélia).
→ Filho de Patrício e Mônica. Toda família era cristã, porém, seu pai
permaneceu pagão até o leito de morte, quando se converteu e
foi batizado.

• 361

Faz seus primeiros estudos na sua própria cidade.

• 366
Foi para Madaura (cidade vizinha).
→ Meninos da sua época estudavam latim e os escritos clássicos
gregos. Era uma cultura literária, voltada para a gramática e retórica,
e essencialmente baseada nos clássicos.

• 369

Com 15 anos, volta para Tagaste por razões financeiras, pois dife-
rente da maioria dos pais da Igreja, sua família não era rica.

• 370

Com a ajuda de Romaniano (um patrocinador), aos 16 anos, vai


estudar em Cartago e é nessa época que ele toma uma concubina.
→ Era comum nessa época um patrono pagar os estudos de jovens
promissores com esperança que algum dia recebesse retorno (tra-
balhar para ele, etc). Sobre ter uma concubina, também era um
costume da época. Caso um jovem ainda não tivesse idade para
casar ou não tivesse encontrado a esposa ideal poderia viver com
uma concubina, sem nenhum compromisso.

• 371

Nasce seu filho Adeodato e morre seu pai.

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• 372

Lê a obra “Hortênsio”, de Cícero (105-43 ac). Este é um evento


marcante na sua vida.
→ Cícero foi muito influente entre os romanos, nas escolas era o
autor mais conhecido. Agostinho fica maravilhado com a filosofia e
com a busca pela verdade.
(*Essa obra “Hortênsio” está perdida; tudo o que se sabe a respeito
dela é através do que foi citado por Agostinho.)
→ É também nessa época que ele se candidata a uma religião que
estava muito em alta naquela época: o maniqueísmo.

• 373

Agostinho passa a ensinar retórica em Tagaste. Decide seguir a


carreira mais promissora para um jovem daquela época: ser um re-
tórico (ensinar discursos, proferir discursos, etc). Ele ensina retórica
em Tagaste e, posteriormente, Cartago, Roma e Milão.
→ Quando ainda estava em Tagaste ele ficou muito impressionado
com a morte de um amigo, que tinha sido como ele (uma vida
livre e crítica ao cristianismo). Esse amigo ao final da vida havia se
convertido.

• 379

Aos 25 anos escreve sua primeira obra, de caráter totalmente filo-


sófico, sem nenhum interesse religioso “De pulchro et apto” (Sobre
o belo e o conveniente).

• 383

Conhece Fausto de Milevis, um grande representante da seita ma-


niqueísta, no qual se decepcionou por não ter suas perguntas res-
pondidas.
→ Passa a ensinar em Roma, mas não foi uma experiência boa, pois
os alunos não pagam as aulas.

• 384

Em Roma conheceu Símaco (uma grande autoridade romana). Ele


nomeia Agostinho como orador (retórico) de Milão. Nesta época,

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Milão era a sede do Imperador.


→ É nessa época que ouve e conhece Ambrósio. Assim como Agos-
tinho, Ambrósio também teve uma vida secular forte e depois se
converteu. Ambrósio interpreta as Escrituras de forma alegórica e
isso para Agostinho foi a solução de vários problemas no entendi-
mento da Bíblia. Por exemplo, como entender as guerras e horrores
do Antigo Testamento, passou a vê-los como alegorias de princípios
morais.

• 385

Em Milão, ele recebe a visita da mãe que lhe aconselha a deixar a


concubina com quem ele vivia há 14 anos. Com isso, ele despede
sua concubina (em seu livro Confissões, demonstra que foi uma de-
cisão dolorosa “despedir a mãe de seu filho”).

• 386

Este é um ano de suma importância em sua vida, quando com 32


anos:
→ Lê obras neoplatonistas.
O Platonismo reúne as diversas abordagens da teoria de Platão: me-
tafísica, retórica, ética, estética, lógica, política, dialética e da duali-
dade (corpo e alma), sendo classificado em três períodos, a saber:
• Platonismo Antigo (século IV a.C. até a primeira metade do
século I a.C.).
• Puramente filosófico.
• Médio Platonismo (séculos I e II d.C.).
Um momento de transição entre o platonismo cético do período
helenístico e o neoplatonismo.
• Neoplatonismo (séculos III d.C. e VI d.c)
Tem um teor um pouco mais religioso em relação ao antigo. Fala
mais no “ser supremo”, no “uno”, na “realidade última”. Autores:
Plotino e Porfírio (quem traduziu e comentou Plotino em latim, foi
responsável pela popularização do neoplatonismo para o povo de
língua latina).

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→ Estuda as cartas de Paulo.


Isso acontece em Milão devido ao cristianismo neoplatônico que
havia na região. Ele chega a atribuir ao neoplatonismo o motivo de
entender várias coisas das doutrinas cristãs.

“o neoplatonismo me ajudou a entender mais da


natureza de Deus.”
→ Finalmente em agosto deste ano, ele tem a experiência do jardim.
Denominada “Tolle Lege” e descrita no livro 8 das Confissões. Este
é o momento de sua conversão espiritual e definitiva, quando se
rende totalmente a Deus. (Veremos mais detalhadamente à frente)
→ Logo após se retira para Cassicíaco (uma espécie de vila rural)
onde ele, sua mãe e seus amigos foram se dedicar aos estudos,
meditação e oração.
→ Escreve as primeiras obras filosóficas: Contra Academicos; De be-
ata vita; De ordine.
(Algo curioso deste período é que ele desenvolve mais obras filosó-
ficas do que teológicas, mesmo após sua conversão. Conseguimos
perceber que sua busca de Deus e da sabedoria andavam juntas.)

• 387

Em 24 de abril (páscoa), retorna para Milão, onde junto com seu


filho Adeodato e seu amigo Alípio, é batizado.
→ Decide voltar para a África, mas vai para Óstia onde vive a cha-
mada “experiência mística em Óstia.” Foi quando, após seu batismo,
voltando para casa com sua mãe, no porto de Óstia, os dois juntos
têm uma visão clara do céu. Nove dias depois, Mônica morre.
→ Dali vai para Roma e permanece alguns meses. Se dedica à algu-
mas obras.

• 388

Finalmente retorna a Tagaste, vende a propriedade da família e fun-


da uma comunidade monástica.

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• 389

Escreve De magistro (Do Mestre).


→ Morre seu filho ainda adolescente Adeodato (seu nome significa
“dado por Deus”) e Nebrídio.

• 391

Visita Hipona onde é ordenado presbítero.


→ Assistindo um culto celebrado pelo bispo Valério, o bispo mudou
o tema da pregação e falou sobre a necessidade de sacerdotes.
Sem querer Agostinho é ordenado presbítero.

• 393

Fala no Sínodo de Hipona e escreve diversas obras.


→ Devido a sua genialidade começa a ficar mais famoso e é chama-
do para participar de Sínodos.
(Sínodos são assembléias periódicas convocadas por bispos.)

• 395

É consagrado bispo coadjutor.


→ Isso foi algo inusitado, porque na época só era permitido um bis-
po (bispado monárquico). Mas Valério e Agostinho foram bispos ao
mesmo tempo. Valério já era velhinho e não demorou a morrer.
Agostinho o sucedeu tornando-se bispo oficial.

• 397

Depois de suceder o bispo Valério começa a escrever Confissões e


De doctrina christiana (A Doutrina Cristã).
→ Devido a sua fama como teólogo e polemista, além de seu cur-
rículo como retórico passou a ser chamado para pregar na capital,
Cartago.

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• 402

Participa do Sínodo de Milevis.

• 411

Participa em Cartago de debate com os donatistas, que acabam


condenados.

• 412

Começa a escrever “A Cidade de Deus”.


→ Participa do Sínodo de Cirta.
→ Publica o edito contra os donatistas

• 416

Vai no Sínodo de Milevis, que condena Pelágio e Celestino.

• 419

Início de uma longa confrontação desnecessária com Juliano de


Eclano.
→ Eclano era um bispo pelagiano fanático, quase que desconhecido
da Itália.
→ Eclano publicava obras e Agostinho rebatia. Isso o fez gastar muito
tempo e energia.

• 423

Acontece o episódio de Antônio de Fusala.


→ É um episódio desagradável em sua vida. Fusala era um presbíte-
ro consagrado por Agostinho. Mas havia muitas dúvidas sobre seu
caráter. Mesmo avisado sobre isso, ainda assim Agostinho o consa-
grou. Posteriormente ficou claro o problema de seu caráter e isso
foi um álibi para seus adversários (especialmente donatistas) se vol-
tarem contra ele.

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• 426

Sentindo que está próximo do fim da vida, ele escreve “Retrata-


ções”. É uma obra muito organizada que mostra a sequência crono-
lógica de suas obras, reconsidera e reavalia seu pensamento mos-
trando onde mudou.

• 430

No dia 28 de agosto, aos 76 anos, Agostinho morre durante o perí-


odo do cerco dos Vândalos em Hipona.

PONTOS IMPORTANTES DE SUA VIDA


A Conversão de Agostinho

Morando em Milão, Agostinho começou a frequentar a igreja para


ouvir Ambrósio de Milão, por este ser um famoso orador. Com o
passar do tempo começou a prestar menos atenção em como
o bispo falava, e mais no que ele falava. Muitas de suas dúvidas
acerca da Bíblia e de Deus foram respondidas pelas alegorias que
Ambrósio utilizava.
Porém, primeiro ele teve um convencimento racional do benefícios
e ideais cristãos para depois ter uma conversão espiritual de fato.
Sua maior dificuldade estava no fato de que o Cristianismo, em sua
visão, era um estilo de vida de sacrifícios e abnegação, principal-
mente devido à influência do cristianismo monástico nesse tempo.
Ser cristão era abandonar tudo, principalmente ambições e praze-
res sexuais, como vemos em sua famosa oração:

“Dá-me castidade e continência. Mas não logo.”

Agostinho queria se tornar cristão, mas antes desejava viver mais


dos prazeres que teria que abdicar. Começou a ter inveja de pes-
soas que tinham a coragem que ele ainda não tinha de largar tudo.
Assim, fugiu para o Parque de Milão onde teve sua experiência que
entenderemos nas palavras de Justo L. Gonzales:

“Toma e lê. Toma e lê. Toma e lê.” Estas palavras, que


alguma criança gritava em seus jogos infantis, flu-
tuaram sobre a grade do parque de Milão e foram
dar nos ouvidos do abatido mestre de retórica que

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clamava debaixo de uma figueira: “Até quando, Se-


nhor, até quando? Amanhã, sempre ama-
nhã? Porque não acaba com minha imundí-
cie neste exato momento?” As palavras que
o menino gritava lhe pareceram ser um sinal
do céu. Pouco antes ele jogara fora, em outro
lugar do parque, um manuscrito que estivera
lendo. Agora voltou para lá, tomou-o e leu as
palavras do apóstolo Paulo: “Nem em orgias
e bebedices, não em impudicícias e dissolu-
ções, não em contendas e ciúmes; mas re-
vesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada dis-
ponhais para a carne” (Romanos 13:13-14).
Em resposta a essas palavras do apóstolo,
Agostinho - porque assim se chamava aquele mestre
de retórica - decidiu ali mesmo o que estivera tentan-
do decidir por muito tempo. Dedicou-se totalmente à
vida religiosa, deixou sua ocupação como professor,
e em resultado a tudo isso a posteridade o conhece
como “Santo Agostinho”.”
(Quadro da Conversão de Agostinho.1756. Por Charles-Antoine Coypel, atual-
mente no Palácio de Versalhes, na França.)

Agostinho, um escritor/teólogo polemista:

Agostinho foi também um grande teólogo polemista. Ele se envol-


veu em grandes embates doutrinários e defendeu a fé cristã contra
três grupos heréticos:

1. Contra os Maniqueístas

O Maniqueísmo, era uma seita gnóstica, fundada por Mani, em 216


dc, que estava em alta na época. Agostinho foi atraído a essa filo-
sofia porque tinha profundas dúvidas sobre o problema do mal e o
mistério da condição humana.
O maniqueísmo tentava trazer respostas afirmando o dualismo
gnóstico de que há uma guerra entre luz e trevas; e mundo ma-
terial e espiritual. Segundo eles, o espírito humano é parte do di-
vino, contudo, está preso no mundo material. A jornada do ser
humano seria então voltar para o divino através de uma vida de
profunda renúncia, abnegação e perfeição. Eles acreditavam em

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reencarnação para se chegar à perfeição. E também afirmavam


que Buda, Zoroastro e Jesus eram profetas que vieram anunciar a
verdade antes do grande profeta Mani.
Agostinho esperava que o maniqueísmo respondesse suas maio-
res dúvidas. Quando fazia perguntas difíceis aos maniqueístas, eles
costumavam dizer que um dos maiores mestres, Fausto de Milevis,
responderia suas questões. Contudo, quando se encontra com ele,
Agostinho tem uma grande decepção por perceber que Fausto não
tem respostas. Isso o leva a abandonar o maniqueísmo.
Após sua conversão, Agostinho vai escrever contra os maniqueístas,
respondendo a origem do mal, não sendo Deus o autor do mal, mas
sendo mal a ausência ou corrupção do bem. Dessa forma, o bispo
de Hipona desfaz com a ideia de dois reinos opostos (bem e mal)
em conflito e estabelece a soberania de Deus.
Obras escritas contra o Maniqueísmo:
• “Sobre a Natureza do Bem”
• “Sobre o Livre-Arbítrio”

2. Contra os Donatistas

A história dos donatistas começa no período da maior perseguição


que a igreja sofreu com o Imperador Diocleciano (entre 303 a 305
dc). Neste período os decretos imperiais exigiam que os cristãos
entregassem cópia das Escrituras. Alguns morriam e não as entre-
gavam, outros entregavam falsos documentos como se fossem tre-
chos sagrados e ainda outros conseguiram escondê-las. Contudo,
um certo número de cristãos, acabou entregando as Escrituras para
o Império.
Após o fim da perseguição, aqueles líderes da igreja e bispos que
não conseguiram suportar a pressão da perseguição e entregaram
cópias das Escrituras foram chamados de “traditores”. Alguns cristãos
passaram a duvidar da autoridade desses bispos e sugerir que deve-
riam ser substituídos.
Os donatistas, que recebem esse nome por causa do padre Dona-
tus, passaram a defender a causa contra os bispos e assim negar a
legitimidade dos sacramentos feitos por eles. O maior problema do
movimento donatista foi sua introdução de forte divisão dentro da
igreja e sua definição de santidade a partir do comportamento de
alguém na perseguição.

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Agostinho será radicalmente contra os donatistas, primeiro por valo-


rizar a unidade da igreja e ser contra divisão. Ênfase na catolicidade
(universalidade) da igreja.

“Onde não há amor, não há unidade; mas também


é verdade que onde não existe unidade não existe
amor, e portanto, não existe igreja.”
Ele também irá desenvolver o conceito de:
• Igreja visível:
É a igreja institucional, com todos os que vemos, que ele
chama também de “corpo misto” (joio e trigo estão juntos;
crentes verdadeiros e falsos juntos).
• Igreja invisível:
É o corpo dos eleitos, os verdadeiros santos de todas as eras.
Com esse conceito, Agostinho queria argumentar con-
tra os donatistas que tinham uma ilusão de fazer essa di-
visão entre joio e trigo antes da consumação dos tempos.
Além disso, Agostinho defende a santidade da igreja e a le-
gitimidade dos sacramentos (a ceia, por exemplo). Não de-
vido aos bispos serem perfeitos ou de acordo com seu
comportamento no passado, mas pela obra de Cristo.
Neste ponto é importante ressaltar que Agostinho não era displi-
cente quanto à disciplina de bispos em pecado ou coisa do tipo. Ele
só estava sendo contra um movimento que estava causando fortes
divisões e que fundamentava a relevância da igreja nas obras de
um bispo. E é nesse contexto que Agostinho irá desenvolver sua te-
ologia e pensamentos sobre a doutrina da igreja que será posterior-
mente usada (e levada ao extremo) durante o período medieval.

3. Contra Pelágio e seus seguidores:

Pelágio era das ilhas britânicas, talvez tenha sido um monge. Ele
ficou horrorizado ao ler o que Agostinho escreveu na obra “Con-
fissões”:

“Dá-me o que ordenas e ordena-me o que tu queres”

Para ele, existia uma passividade muito grande na visão de Agos-


tinho a respeito da obediência de Deus. Pelágio afirmava que o
homem, mesmo após o pecado, tem o poder para não pecar “posse

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non pecare”. Ou seja, indo contra toda uma tradição de teólogos,


ele acreditava que o pecado de Adão não influenciou a raça hu-
mana.
Agostinho entra num embate com as heresias de Pelágio e seus se-
guidores, escrevendo diversas obras e desenvolvendo sua teologia
a respeito do pecado, graça e salvação.

Principais ênfases teológicas de Agostinho


• Pecado original
• Doutrina da Graça
• A igreja e os sacramentos
• Sua escatologia

• Pecado original:
• Adão pecou e toda a sua descendência nasce em pecado.
• A natureza humana é caída, propensa sempre ao pecado.
• Somos uma “massa de maldição”.
• Depois da queda não existe mais livre-arbítrio no sentido de
uma total liberdade da vontade. Nossa vontade está sujeita
ao que somos: pecadores.
• Apesar da nossa queda, temos uma certa nobreza (a razão,
por exemplo, é uma prova de nossa semelhança com Deus
que não foi completamente abolida).
• Nós temos liberdade, mas nossa liberdade nunca faz esco-
lhas boas.

Base Bíblica utilizada:

“Ó Deus, compadece-te de mim, segundo teu amor,


apaga minhas transgressões, por tuas grandes mise-
ricórdias. Lava-me completamente da minha iniqui-
dade e purifica-me do meu pecado. Pois reconheço
minhas transgressões, e meu pecado está sempre
diante de mim. Pequei contra ti, e contra ti somen-
te, e fiz o que é mau diante dos teus olhos; por isso
tua sentença é justa, e teu julgamento é puro. Eu
nasci em iniquidade, e em pecado minha mãe me

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concebeu. Tu desejas que a verdade esteja no íntimo; no


coração me ensinas a sabedoria. Purifica-me com his-
sopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais branco do
que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que se
regozijem os ossos que esmagaste. Esconde teu rosto
dos meus pecados e apaga todas as minhas iniquida-
des. Ó Deus, cria em mim um coração puro e renova
em mim um espírito inabalável. Não me expulses da
tua presença, nem retires de mim o teu Santo Espírito.
Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me
com um espírito obediente. Então ensinarei teus cami-
nhos aos transgressores, e pecadores se converterão
a ti. Ó Deus, Deus da minha salvação, livra-me dos
crimes de sangue, e minha língua cantará alegremen-
te tua justiça. Senhor, abre meus lábios, e minha boca
proclamará teu louvor. Pois não tens prazer em sacri-
fícios e não te agradas de holocaustos, do contrário,
eu os ofereceria a ti. Sacrifício aceitável para Deus é
o espírito quebrantado; ó Deus, tu não desprezarás o
coração quebrantado e arrependido. Faze o bem a
Sião, segundo tua boa vontade; edifica os muros de
Jerusalém. Então te agradarás de sacrifícios de justiça,
dos holocaustos e das ofertas queimadas; então serão
oferecidos novilhos sobre teu altar.” (Sl 51 – A21)

“entre os quais todos nós também antes andávamos,


seguindo os desejos carnais, fazendo a vontade da
carne e da mente; e éramos por natureza filhos da ira,
assim como os demais.” (Ef 2.3 – A21)

“Portanto, assim como o pecado entrou no mundo por


um só homem, e pelo pecado, a morte, assim tam-
bém a morte passou a todos os homens, pois todos
pecaram.” (Rm 5.12 – A21)

“Jesus lhe respondeu: Em verdade, em verdade te digo


que ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer
de novo. Então lhe perguntou Nicodemos: Como um
homem velho pode nascer? Poderá entrar no ventre
de sua mãe e nascer pela segunda vez? Jesus respon-
deu: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém

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não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no


reino de Deus.” (Jo 3.3-5 – A21)
Esse não é um pensamento original em Agostinho, é uma interpre-
tação das Escrituras que já vinha sendo feita por diversos pais da
igreja há séculos antes.

O pecado segundo Agostinho:

“Eu pecava, porque em vez de procurar em Deus os


prazeres, as grandezas e as verdades, procurava-os
nas suas criaturas: em mim e nos outros. Por isso preci-
pitava-me na dor, na confusão e no erro.”

“O homem é a moeda de Cristo, porém manchada e


embaçada pelo pecado… Cristo, com sua vinda, tor-
nou a esculpir sua imagem nela. E, desde então, o ho-
mem é moeda de Cristo que ostenta sua imagem, seu
nome, sua graça e porte.”

“Não temo a impureza da comida, mas a do apetite.”

“Toda corrupção leva o homem à própria destruição.


Pecar é desmoronar o próprio ser e caminhar para o
nada.”

• Doutrina da Graça:
• Já que o homem naturalmente não pode fazer bem algum,
torna-se necessário o agir total de Deus para a salvação. No
quadro apresentado pelo pecado original e os efeitos da
queda no homem, para Agostinho, a graça é totalmente ne-
cessária e tem primazia na obra de salvação. (Diferente dos
pelagianos, que viam a graça como uma ajuda externa que
entra em ação após a ação humana).
• Para ele, graça é o Espírito Santo atuando em nosso coração.
• Graça é um presente gratuito de Deus. Não há mérito ne-
nhum para recebê-la.
• A graça é irresistível. Ou seja, quando Deus opera em nos-
sa vontade, essa ação é sempre impossível de resistir,
não porque o homem seja forçado, mas ele é claramente
convencido.

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A graça segundo Agostinho:

“A graça de Deus não encontra homens aptos para a


salvação, mas torna-os aptos para recebê-la.”

“A Lei foi dada para que se implore a graça; a graça foi


dada para que se observe a lei.”

Curiosidades

• AGOSTINHO E PAULO:
Paulo é considerado o segundo fundador do cristianismo (depois
de Jesus). Foi ele quem escreveu metade das cartas do Novo Tes-
tamento. Ele tem um legado gigante como missionário, teólogo,
apologista, etc. Agostinho foi fortemente influenciado pelas Cartas
do apóstolo Paulo. Os estudiosos dizem que Agostinho teve duas
conversões: a conversão espiritual e depois que ele passou a ler
mais as epístolas de Paulo.

• AGOSTINHO E A RELAÇÃO IGREJA E ESTADO:


Quando Agostinho surge, o cristianismo já tem três séculos e tradi-
ção histórica, um “cristianismo antigo”. Quando ele converte a igreja
já tem 357 anos com uma longa carreira. Alguns historiadores veem
em Agostinho o marco da mudança do “cristianismo antigo” para a
“idade média”. Outros veem esse marco em Gregório, Magno.
Em sua época, Agostinho acha perfeitamente normal a relação Igre-
ja e Estado (que se inicia em Constantino). Ele considera e concorda
que a Igreja apele ao Estado para que intervenha nas questões dos
cismas da igreja. Segundo ele, o Estado não apenas “pode”, mas
“deve” intervir. Como no caso dos donatistas, primeiro ele fala que
os donatistas devem ser corrigidos verbalmente e depois uma coer-
ção “pela força”. Para Hans, Agostinho é precursor da Inquisição.
• AGOSTINHO E OS LIVROS:
É exatamente na época de Agostinho que os manuscritos vão dar

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lugar aos livros. Deixam-se os pergaminhos e os papiros para uso


dos códices (livros).

• AGOSTINHO E A HISTÓRIA:
Agostinho se interessava pela história. Ele escreveu “A Cidade de
Deus” desenvolvendo uma teologia e filosofia da história, na pers-
pectiva cristã. Os Visigodos haviam saque-
ado Roma e os pagãos começaram a di-
zer que isso havia acontecido porque os
romanos haviam abandonado a adoração
aos deuses. Ou seja, era um castigo dos
deuses e tudo era culpa do cristianismo.
Agostinho passou 10 anos escrevendo o
livro, onde ele traça sob uma concepção
bíblica, uma teologia cristã da história.
A história é linear, ou seja, tem princípio,
meio e fim. O que para os pagãos não era,
pois tinham uma visão cíclica da história.

(Manuscrito de “Cidade de Deus” uma das obras mais famosas de Agostinho.


Início do século XV, atualmente na Biblioteca Nacional da Holanda.)

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