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HISTÓRIA DA IGREJA II

Era Patrística

CONHECENDO DE
PERTO ALGUNS PAIS
DA IGREJA
Aula 2

Após ter olhado de forma geral sobre os pais da igreja e entendido


a importância de estudá-los, veremos de perto a história de alguns
deles considerados muito importantes e polêmicos, e que marca-
ram a nossa história.

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São eles:
→ Inácio de Antioquia
→ Orígenes
→ Patrício

INÁCIO DE ANTIOQUIA (35- 110)


(em defesa de Cristo e da Igreja)

Nasceu, aproximadamente no ano 35, em Antio-


quia, região onde o cristianismo também nasceu.
Tinha uma preocupação muito grande com as
igrejas da Ásia Menor.

Antioquia
Fundada em 303 a.C. pelo rei Seleuco, um dos sucessores de
Alexandre, o Grande. O nome “Antioquia” é uma homenagem
a seu pai Antíoco. Foi a capital do reino dos Selêucidas por
mais de dois séculos. Sob dominação romana (53 a.c.) tornou-
-se capital da província da Síria. Era também a terceira principal
cidade do império (superada por Roma e Alexandria).
Cícero a define como célebre, rica, cheia de homens estudio-
sos, rica nas ciências e nas artes liberais.
Era conhecida pela corrupção e luxúria, consagrada ao culto de
Artemisa e Apolo.
Muitos hebreus viviam em Antioquia pela sua proximidade com
Israel. Por isso formou-se nela uma comunidade cristã, com ju-
deus e gentios convertidos.
Nos tempos de Atos, era a segunda cidade mais importante,
onde Paulo e Barnabé tinham como lugar central de suas pre-
gações, assim como Pedro.
Foi o lugar onde pela primeira vez os seguidores de Cristo fo-
ram chamados de cristãos.

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• Inácio está muito próximo da época apostólica. É muito pro-


vável que tenha conhecido grandes apóstolos como: Pe-
dro, João, Paulo e Barnabé. Por isso, é muito mais conhecido
como pai pós-apostólico.
• É um exemplo de piedade na vida de santidade, e importan-
te para as mudanças no pensamento da igreja.
• Era apelidado de “Portador de Deus”, o que demonstra seu
respeito no meio da comunidade cristã.
• Escreveu sete cartas: Policarpo de Esmirna, Efésios, Esmirnio-
tas, Filadélfos, Magnésios, Romanos e aos Trálios. Não é um
teólogo organizado, com uma teologia sistemática. Escreve
em meio às pressões da perseguição e do enfrentamento
de heresias.
• Além das heresias que rondavam a igreja na época (espe-
cialmente, o docetismo), sua maior preocupação era com
a unidade da Igreja. As heresias poderiam destruir a igreja e
despedaçá-la.
• Heresias que enfrentou:
→ Docetismo (negava que Cristo tinha um corpo físico).
→ Judaizantes (tentava fazer do cristianismo apenas uma sei-
ta do judaísmo ao encarar Jesus apenas como um profeta ou
mestre, e não como o divino Filho de Deus).
• Por causa desse contexto que o cercava, Inácio falava muito
sobre Cristo em seus escritos. Sua cristologia é elevada. Ele,
portanto, afirma a humanidade de Cristo e sua divindade.
Inácio não se deixa cair em nenhum dos extremos, se livran-
do de uma cristologia desequilibrada e herética.
• Dentre suas maiores defesas, dois temas são preponderan-
tes:
→ Cristologia – Jesus é homem e Deus:
• Jesus era da linhagem de Davi, nasceu da virgem Maria;
• Foi gerado pelo Espírito Santo;
• Sofreu na cruz como um homem, seu corpo foi ferido
(não era apenas uma “aparência” de sofrimento físico,
como os docetistas afirmavam);

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• Depois da morte e ressurreição, Jesus permanecia tendo


um corpo físico glorificado.

“Há apenas um Médico -


Própria carne, mas espírito também;
Não criado e, apesar disso, nascido;
Deus e homem, unidos em Um só;
De fato, a própria Vida na Morte,
O fruto de Deus e o filho de Maria;
Ao mesmo tempo, impassível e ferido.
Por dor e sofrimento neste mundo;
Jesus Cristo, que conhecemos como nosso Senhor.”

→ Unidade da Igreja através da obediência ao Bispo:


• Para ele, a solução para evitar sectarismo e divisões na
Igreja, frutos de heresias, é estar ligado à Igreja através da
obediência ao bispo local instituído.
• Aqui vemos uma preocupação com a vida prática e es-
trutural da igreja, típica dos pais apostólicos.
• A instituição de um bispo singular, acima dos presbíteros e
diáconos, surgiu no contexto de organização no governo
da igreja, principalmente, para proteger a igreja de divi-
sões e a entrada de heresias.
• Inácio enfatiza que só há uma ceia, um só corpo e uma
só Igreja. É aqui que a palavra “católica” aparece pela
primeira vez; alguns argumentam que ainda não é no
sentido de universal, una, “que é unida ao todo”, mas no
sentido de “inteiro”, “a igreja inteira”. Inácio, então, deve
estar fazendo um contraste com as seitas e o sectarismo.
• Nesse ponto, Inácio afirma que nada na igreja deve ser
feito sem o bispo: a eucaristia (ceia), o batismo e, até
mesmo, o casamento.
• Para ele quem não está sujeito à igreja e ao bispo, não
está sujeito a Deus.

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Sua morte

Não se sabe exatamente o que resultou em sua condenação, po-


rém, existem dois prováveis motivos:
• Algumas facções radicais, dentro da própria Igreja em Antio-
quia, foram combatidas pelo bispo e é provável que algumas
delas tenham movimentado suposições para seu julgamento;
• Algum pagão contrariado por Inácio pregar contra sua fé o
tenha levado a julgamento.
Independente do motivo, Inácio foi julgado e condenado a morrer
em Roma. No caminho para a capital do Império, o bispo recebia a
visita de muitos cristãos, e escrevia suas sete cartas, que em grande
parte foram resultado das seguintes visitas:
• Bispo Políbio de Trales;
• Bispo Onésimo de Éfeso (provavelmente o da epístola de
Filemon), que levou uma delegação;
• Bispo Damas de Magnésia.
E estando em Esmirna escreveu uma carta a cada uma dessas
igrejas.
• Outra carta, que escreveu de Esmirna, foi à igreja em Roma,
ao ficar sabendo do plano dos irmãos romanos de tenta-
rem libertá-lo. Porém, Inácio acreditava que o martírio era
um dom concedido a algumas pessoas pelo Espírito e que
ser martirizado é ser um testemunho vivo de Cristo. Escreve,
então, uma carta para desencorajá-los a seguirem com seu
plano.
Em Troas escreveu outras três cartas:
• Para a igreja de Esmirna;
• Para a de Filadélfia;
• Para Policarpo.

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Ele morre martirizado, devorado por feras, logo


após chegar a Roma.

“Sou trigo de Deus, e os dentes das feras


hão de moer-me, para que possa ser ofere-
cido como limpo pão de Cristo”.
Inácio de Antioquia

ORÍGENES (185- 253)


(sua influência no pensamento cristão)

Alexandria
Uma das cidades mais importantes do mundo nos tempos an-
tigos, fundada em 331 a.C. por Alexandre, o Grande. Um dos
dois principais centros de estudos teológicos da história da igre-
ja ao lado de Antioquia. Permaneceu como capital do Egito
durante mil anos, até a conquista muçulmana do Egito.
Muito conhecida pelo Farol de Alexandria (uma das sete mara-
vilhas do mundo antigo), pela Biblioteca de Alexandria (a maior
do mundo antigo) e pelas catacumbas de Kom el Shoqafa (uma
das sete maravilhas do mundo medieval).
É hoje a segunda maior cidade do Egito e o principal porto do
país.

Ruína da antiga biblioteca de Alexandria Nova biblioteca de Alexandria


construída em 2002

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• Orígenes nasceu em 185 dC, em Alexandria. Sua família era


cristã, sendo seu pai um mártir durante o período da dura
perseguição. A história conta que Orígenes, ainda criança,
desejou ser martirizado com seu pai, mas sua mãe o impediu.
• Desde cedo era um jovem promissor e após a morte de seus
professores, com apenas 17 anos, se tornou diretor da escola
de catequese, treinando cristãos no estudo da Bíblia.
• A época em que Orígenes viveu foi um período de persegui-
ção, período em que fazer teologia e estar preparado para o
martírio eram coisas que andavam juntas.
• Tinha uma vida de ascetismo, talvez querendo vivenciar o
martírio em vida, já que vivia fugindo da perseguição. Jejua-
va bastante, era disciplinado quanto ao estudo, andou vários
anos sem sapatos, dormia em esteira, optou pelo celibato e
alguns historiadores falam da possibilidade dele mesmo ter
se castrado.
• Orígenes era um leigo, não um bispo. Mas foi convidado para
pregar diversas vezes e feito bispo na região de Antioquia,
até que o bispo Demétrio de Alexandria foi contra. Mesmo
como leigo influenciou profundamente o pensamento cris-
tão até os dias de hoje.
• Seu pensamento influenciou fortemente a teologia cristã.
Muitos pais da igreja, posteriores a ele, beberam de sua fon-
te. É, hoje em dia, depois de Agostinho, o Pai da Igreja mais
lido.
• O restante de sua vida permaneceu em Cesareia, cuidando
de uma escola teológica, semelhante à que teve em Alexan-
dria.
• Escreveu a primeira teologia sistemática “Sobre os primeiros
princípios”, obra que tentava trazer uma interpretação siste-
mática do cristianismo.
• Foi um grande teólogo escritor e escreveu quase seis mil
obras, das quais poucas sobreviveram aos nossos dias. (Al-
guns acreditam que ele contava com uma equipe de escri-
tores que o ajudava).
• Nunca foi tido como herege em vida, porém, após a sua
morte alguns de seus ensinamentos foram formalmente con-
siderados heresias pela igreja.

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Suas maiores ênfases:


1. Uso de uma exegese alegórica para interpretar as Escrituras.
• Orígenes sempre teve muito apreço pelos textos bíblicos (é
algo comum entre os pais da igreja e, por isso, na maioria das
pinturas em que eles aparecem estão com as Escrituras nas
mãos ou as estudando).
• Escreveu muitos comentários bíblicos.
• É de uma escola de pensamento alexandrina, que faz oposi-
ção à latina. Era de tendência mais filosófica, neoplatonista.
• Em sua maior obra, “Hexapla” (“sêxtuplo”), Orígenes editou e
colocou juntas seis versões do Antigo Testamento, em colu-
nas lado a lado. Versões em grego e hebraico.
• Embora tenha deixado um legado teológico bem amplo, Orí-
genes é mais conhecido pela sua maneira de interpretar as
Escrituras, ou seja, por sua exegese alegórica.
• Para Orígenes um texto bíblico, até mesmo uma única pala-
vra, pode ter mais de um sentido; não ficava preso ao senti-
do literal (embora admitisse que este existisse), mas acredita-
va que as Escrituras estavam repletas de sentidos ocultos, de
mistérios e que era necessário descobri-los. Então, ele falava
do “sentido espiritual”.
• Orígenes vai encontrar na própria Bíblia subterfúgios para fa-
zer esse tipo de exegese ao ver que os apóstolos também
o faziam. Por exemplo: quando Paulo, na carta aos coríntios,
usa uma passagem do Antigo Testamento para afirmar que
os presbíteros precisam ser remunerados financeiramente.

“Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a


boca ao boi que trilha o grão. Porventura tem Deus
cuidado dos bois?” (1 Co 9.9)
• De certa forma, esse é um modo de exegese das Escritu-
ras possível. Contudo, Orígenes parece ir além nessa prática,
caindo em um extremismo de tentar encontrar significado
oculto em tudo, até mesmo em palavras de significado ób-
vio. Tornando, assim, as Escrituras um livro não de mensagem
clara, uma revelação, mas de um código secreto que precisa
ser desvendado por mestres habilitados.

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• O autor Justo Gonzalez trás no seu livro, Uma História do


Pensamento Cristão, uma crítica interessante de Hanson so-
bre esse estilo de trabalho de Orígenes:

“Transforma a Bíblia em um jogo divino de palavras


cruzadas cujos segredos para a solução estão tranca-
dos no seio de Orígenes.”

Ele descreve também uma lista que Hanson faz de sentidos místicos
que Orígenes teria encontrado em palavras da Bíblia:

“’Cavalo’ na Bíblia geralmente significa ‘voz’;


‘hoje’ significa ‘o tempo presente’;
‘fermento’ significa ‘ensino’;
‘prata’ e ‘trombeta’ significam ‘palavra’;
‘nuvens’… significa ‘santos’;
‘pés’ significa ‘o conselho pelo qual seguimos a jorna-
da da vida’;
‘fonte’ significa ‘o ensino da Bíblia’;
‘linho’ significa ‘castidade’;
‘coxas’ significa ‘começo’;
‘vinho não misturado’ significa ‘infortúnio’;
‘frasco’ significa ‘corpo’;
‘segredo’ e ‘tesouro’ significam ‘a razão’.”

2. Pensamentos bons e ruins sobre a Trindade


→ Outro legado de Orígenes será sobre a doutrina da Trindade.
→ Apesar de muitos pais da igreja já terem falado sobre a Trin-
dade e o termo já ser desenvolvido, ainda não existia uma te-
ologia definida e robusta sobre o assunto, mas apenas algumas
afirmações.
→ Nesse ponto, Orígenes vai afirmar:
• Existe Pai, Filho e Espírito Santo;
• A divindade e eternidade do Filho;

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• O conceito de “geração eterna” (desde que o Pai existiu


ele é pai, portanto, não teve momento que o Filho não
existiu também - eternidade do Filho);
• O Filho não tem começo, foi gerado eternamente do Pai;
• A unidade entre o Pai e o Filho;
• Ele é o primeiro a usar a afirmação: “três pessoas, mesma
substância”.
→ Contudo, ao trabalhar no campo da distinção entre o Pai e o
Filho, Orígenes não será tão ortodoxo:
• Apesar de afirmar a divindade do Filho, ele erra ao dizer
que Jesus é um pouco inferior ou um pouco menos divi-
no que o Pai;
• Vai dizer também que existe hierarquia na Trindade, ou
“subordinacionismo”, Jesus é submisso ao Pai, não apenas
em sua vida humana, mas também desde a eternidade.
→ O pensamento de Orígenes, de certa forma, vai ajudar ao
mesmo tempo os mais ortodoxos e os grupos mais heréticos.
Isso caracteriza muito a vida de Orígenes e, em menor escala,
a vida de alguns pais da igreja. Eles podem ser geniais, ter uma
vida de santidade intensa, afirmar princípios teológicos e enten-
der a Bíblia de maneira incrível, e ainda assim errarem. Por isso,
ao estudar os pais da igreja, temos que ter respeito, cuidado ao
julgar e entender que existe essa tensão sobre eles.

“Que outra coisa podemos supor que é a luz eterna


sem Deus Pai, de quem nunca se pôde dizer que, sen-
do luz, seu Esplendor não estivera presente com Ele?
Não se pode conceber luz sem resplendor. E se isto é
verdade, nunca houve um tempo em que o Filho não
fosse o Filho. No entanto, não será sem nascimento
- como dissemos da luz eterna, pois pareceria que in-
troduzimos dois princípios de luz - mas que - por assim
dizê-lo - é resplendor da luz ingênita, possuindo esta
mesma luz como princípio e fonte, verdadeiramente
nascido dela. Não obstante, não houve um tempo em
que não foi. A Sabedoria, por proceder de Deus, é ge-
rada também da mesma substância divina...”
(Orígenes)

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Curiosidades:
• Orígenes é considerado o fundador da heresia do universa-
lismo (que todos serão salvos e até os demônios poderiam
vir a se arrepender);
• Falou sobre reencarnação;
• Muitas vezes não é considerado como pai da igreja, e nem
recebe título de santo pelos católicos romanos por causa de
variedades de heresias que dizem ter se originado dele.

PATRÍCIO, DA IRLANDA (387- 461)


(um exemplo de missões entre os pais)
• Nasceu, provavelmente, no ano 387 (não se tem a data cor-
reta) na região da Britânia, que pertencia ao Império Roma-
no.
• Provavelmente morava na costa, perto do
mar. Era filho de família rica da região, da
alta sociedade britânico-romana, uma típica
família cristã da época (possivelmente uma
família cristã nominal, de forma alguma uma
família piedosa).
• Essa era uma época de muitas invasões bár-
baras ao Império Romano e, por isso, aos 16
anos, Patrício é sequestrado por navios irlandeses e levado
como escravo para a Irlanda.
• Em sua autobiografia, ele conta que foi nesse período que
conheceu a Deus, e que de fato ocorreu sua conversão.
• Depois de seis anos vivendo como escravo, longe de sua
família, consegue escapar e voltar para a Britânia.
• Contudo, algo acontece, e Patrício recebe o chamado de
Deus para voltar para a Irlanda, como missionário; voltar para
o lugar onde era escravo, cuja cultura era diferente e pagã.
• Alguns historiadores supõem que nesse período, ainda na
Britânia, ele tenha recebido treinamento teológico. Porque
antes ele fala que era um ignorante, que não sabia nada de
latim e não conhecia a Deus, mas, posteriormente, seu lega-
do teológico mostrará uma compreensão e fé na Trindade

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e outras doutrinas bíblicas. Conhecido até mesmo como “o


homem do livro” ou “o homem de um único livro”.
• Foi em 432 que ele voltou para a Irlanda e lá permaneceu
até o dia de sua morte.
• Ele demonstra uma sensação de estar pregando aos confins
da terra, próximo ao fim dos tempos.
• Teve enfrentamentos espirituais com a cultura pagã celta, a
qual era muito forte na Irlanda.
• Foi preso por mais de duas vezes.
• Era um defensor da Trindade.

Alguns textos de sua autobiografia

Sobre sua condição:

“Eu sou Patrício, um pecador, muito ignorante, o menor


de todos os fiéis e totalmente desprezado por muitos.
Meu pai era Calpornius, um diácono, filho de Pocius,
um presbítero, da vila de Bennavem Tabuniae; ele ti-
nha uma casa de campo ali perto, e lá eu fui tomado
cativo. Eu tinha cerca de 16 anos. Eu não conhecia
o verdadeiro Deus. Fui levado cativo para a Irlanda,
com muitos milhares de pessoas - e merecíamos isso,
porque nos afastamos de Deus, e não guardamos os
seus mandamentos, e não obedecemos nossos bispos,
que costumavam nos lembrar a nossa salvação. E o
Senhor “derramou sobre nós o furor da sua ira” e “nos
espalhou entre as nações”, “até aos confins da terra”,
onde agora minha insignificância é colocada entre
estranhos.”

Sobre sua conversão:

“Depois que cheguei à Irlanda - todos os dias eu tinha


de cuidar de ovelhas e orava muitas vezes durante
o dia - o amor de Deus e o seu temor vieram sobre
mim cada vez mais; e minha fé se fortaleceu. E meu
espírito era movido de tal modo, que em um único
dia eu faria centenas de orações e quase o mesmo
tanto à noite; e fazia isso mesmo quando estava nas
florestas ou nas montanhas. Eu costumava levantar

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para oração antes da luz do dia, em neve, em frio, em


chuva; e não sentia nenhum dano, nem tinha qual-
quer preguiça - como vejo agora, o Espírito em mim
era fervoroso.”

Sobre seu chamado:

“Portanto, ainda que eu desejei partir… e ir para a Bri-


tânia - e como eu teria amado ir para meu país e
meus parentes, bem como para Gália, a fim de visitar
meus irmãos e ver a face dos santos de meu Senhor!
O Senhor sabe o quanto desejei isso, mas eu estou
preso pelo Espírito, que dá evidência contra mim se
eu fizer isso, dizendo-me que serei culpado. E tenho
medo de perder o labor que comecei - não, não eu,
mas Cristo, o Senhor, que me ordenou vir e permane-
cer com eles pelo resto de minha vida, se o Senhor
quiser!”

“Eu vim ao povo da Irlanda para pregar o evangelho,


sofrer insulto dos incrédulos, suportando o opróbrio de
minha ida para outra terra e muitas perseguições, até
algemas, e dar minha liberdade em benefício de ou-
tros. E, se eu for digno, estou preparado para dar até
a minha vida sem hesitação e com muita alegria, pelo
nome dele; aqui eu desejo viver até que morra se o
Senhor me permitir.”

“Tenho de aceitar com equanimidade o que me sobre-


vier, seja bom, seja mau, e dar sempre graças a Deus,
que me ensinou a confiar nele sempre, sem hesita-
ção, e que deve ter ouvido minha oração no sentido
de que, embora sendo eu ignorante, nos últimos dias,
ousei empreender essa obra tão santa e maravilhosa
- imitando, assim, de algum modo, aqueles que, como
o Senhor predisse certa vez, pregariam o seu evan-
gelho “para testemunho a todas as nações”. Assim o
temos visto e, assim, tem se cumprido. De fato, somos
testemunhas de que o evangelho tem sido pregado
naqueles lugares além dos quais não vive ninguém.”

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