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Para Tom e Kimberly Roof

Os primeiros missionários que conheci.


Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma, senão
sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio, para
conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras,
por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito
Santo; de maneira que, desde Jerusalém e
circunvizinhanças até ao Ilírico, tenho divulgado o
evangelho de Cristo, esforçando-me, deste modo, por
pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado,
para não edificar sobre fundamento alheio; antes, como
está escrito: Hão de vê-lo aqueles que não tiveram notícia
dele, e compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu
respeito.
Romanos 15.18-21
Agradecimentos

Joanna Silveira, Adam Kinunen, Carter Romo e Nicola Walsh


fizeram contribuições importantes para este livro. Sou grato por suas
contribuições e por sua amizade.
SUMÁRIO

PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 05


PREFÁCIO 07
INTRODUÇÃO - ELE ME BASTA 10
CAPÍTULO UM - O MARTÍRIO COMO UM ATO CONTÍNUO 16
CAPÍTULO DOIS - O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DA ALEGRIA 26
CAPÍTULO TRÊS - O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DO AMOR 34
CAPÍTULO QUATRO - O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DA GRAÇA
42
CAPÍTULO CINCO - MARTÍRIO E MISSÕES 55
CAPÍTULO SEIS - O MARTÍRIO E O ISLÃ 67
CAPÍTULO SETE - MARTÍRIO E MINISTÉRIO 79
CAPÍTULO OITO - MARTÍRIO E O FIM 91
CAPÍTULO NOVE - MARTÍRIO E MATURIDADE 103
CONCLUSÃO - AQUELES DE QUEM O MUNDO NÃO É DIGNO 115
APÊNDICE I - “O SOAR DA TROMBETA” 116
APÊNDICE II - “A GLÓRIA DO IMPOSSÍVEL” 123
APÊNDICE III - “NÃO COMPLIQUE O ‘CHAMADO MISSIONÁRIO” 134
SOBRE O AUTOR 137
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

“ Até à Morte” foi escrito em 2011, alguns meses antes do


nascimento da FAI – Frontier Alliance International (Aliança
Internacional Pioneira).
Desde então, muita coisa aconteceu.
A revolução síria teve início em Daraa e rapidamente evoluiu
para a guerra civil síria, que agora está próxima do seu fim. A
Primavera Árabe abalou os fundamentos do Oriente Médio. Alguns
regimes se desfizeram, outros resistiram à tempestade. O ISIS
(Estado Islâmico) entrou no cenário mundial de forma fétida, feroz e
furiosa. Seu califado degenerado surgiu e caiu (embora o espírito
continue se expandindo por meio de movimentos insurgentes
separatistas e clandestinos). A guerra no Afeganistão continua, e o
Talibã controla mais territórios hoje do que no início. O Iêmen está
em hemorragia. A Arábia Saudita está num processo evolutivo. Em
meio a todas essas mudanças, o mundo muçulmano hoje está mais
abalado, desiludido, amargurado e coberto de sangue do que em
2011, quando essas páginas foram escritas.
Nada foi alterado ou adicionado a esta segunda edição, com
exceção de uma página, na qual foram alterados alguns termos
impactantes e atualizadas algumas estatísticas. No capítulo “Martírio
e o islã”, alguns números precisaram ser atualizados. Existem hoje
mais pessoas não alcançadas e mais grupos étnico-linguísticos não
alcançados do que em 2011. Isso significa que hoje há mais
trabalho a ser feito do que naquele tempo. Precisamos permitir que
isso nos incomode.
Em face do dramático desdobramento histórico dos últimos
sete anos, do tamanho do desafio à nossa frente, da incomparável
dignidade de Jesus e da perseverante esperança que temos nele,
eu oro para que a segunda edição deste pequeno livro vá muito
além do alcance e impacto da primeira edição. O que esperar dos
próximos sete anos?

Dalton Thomas
Colinas de Golã, Israel
Setembro de 2018
PREFÁCIO

E ste livro foi escrito em memória dos mártires do passado, em


honra aos mártires da atualidade e em preparação dos mártires
do futuro. As seguintes palavras do missionário
americano Samuel Zwemer, o “apóstolo do islã”, servem como um
prefácio apropriado. O trecho foi retirado de um livro publicado
pelo Student Volunteer Movement (Movimento Estudantil Voluntário,
em 1911, intitulado “The Glory of the Impossible” A glória do
impossível.
Uma grande vitória nunca é possível sem um grande
sacrifício. Se a vitória japonesa em Port Arthur foi obtida com [a
atitude de soldados que eram verdadeiras] balas humanas, não
podemos esperar que conquistas como as de Port Arthur
e Gibraltar se concretizem no mundo não cristão sem que vidas
sejam sacrificadas.
Qual é, de fato, o valor das vidas e dos recursos que são
sacrificados para se abrir portas fechadas e ocupar os
diferentes campos, diante da convicção de que fazer missões é
travar uma guerra e de que a glória do Rei está em
jogo? Guerra sempre significa derramamento de sangue e
investimento financeiro. Nossa única preocupação deve ser
manter a luta acirrada e vencê-la, independentemente do custo
ou do sacrifício. Os campos não alcançados do mundo devem
passar pelo Calvário antes de experimentar o Pentecoste.
Raymond Lull, o primeiro missionário no mundo muçulmano,
expressou o mesmo pensamento em uma linguagem medieval,
quando escreveu: “Como um homem faminto se apressa em
buscar o alimento e, quando o encontra, come um bocado após
o outro para saciar sua grande fome, este teu servo sente um
grande desejo de morrer para que ele possa glorificar a ti. Ele
se apressa dia e noite para completar o seu trabalho, a fim de
que possa dar o seu sangue e derramar as suas lágrimas por
ti”.[1] [tradução livre]
Que o Senhor use este trabalho para despertar uma nova
geração de missionários mártires, em suas nações e no
exterior. Digno é o Cordeiro.

Dalton Thomas
Tauranga, Nova Zelândia
Novembro de 2011
[Livra-me] da oração por proteção
Dos ventos que sopram contra ti,
De temer quando devo almejar
De tropeçar quando devo alçar,
Livra da autopreservação
Este soldado que te segue, ó Capitão.

[Livra-me] da sutilidade da conveniência,


De escolhas fáceis, do enfraquecimento,
(Não é assim o espírito fortificado,
Não foi essa a escolha do Crucificado)
De tudo o que ofusca o teu Calvário
Ó Cordeiro de Deus, livra-me.

Dá-me o amor que me guia pelo caminho,


A fé que nada pode abalar,
A esperança que nenhuma decepção consome,
A paixão que arde como o fogo;
Que eu não me torne um torrão de terra:
Que eu seja combustível teu, ó Chama de Deus.
[tradução livre]

Amy Carmichael de Dohnavur[2]


INTRODUÇÃO

ELE ME BASTA

A premissa central deste livro é que o chamado para o martírio é


fundamental e indispensável ao autêntico cristianismo
apostólico.[3] Quando e onde esse chamado for fielmente exposto,
devidamente enfatizado e corretamente demonstrado, a Igreja
amadurecerá e cumprirá o grande chamado para o qual foi
inicialmente concebida. Quando e onde ele for evitado, omitido,
dispensado ou rejeitado, a Igreja deixará de refletir os propósitos de
Deus, sendo totalmente irrelevante perante os povos da terra e os
poderes do ar.
Este livro foi escrito para demonstrar que a teologia bíblica do
martírio é o chamado normativo para o cristianismo autêntico. Essa
teologia é evidente e clara tanto no Novo Testamento como
na história da Igreja.[4]
Embora nem todo crente seja chamado para dar testemunho
como mártir, cada crente é chamado para adotar uma mentalidade
de mártir, cada igreja, um mandato para o martírio e cada ministro,
uma teologia de martírio. Em última análise, se vivemos ou
morremos é uma decisão que está nas mãos do nosso Mestre, e se
não confiamos a ele essa decisão, podemos estar nos iludindo ao
declarar que somos seus servos, quando na verdade não o somos.
[5]

Enquanto vivermos sob a influência do pressuposto de


que não somos chamados a viver esse padrão, estaremos sujeitos a
viver sem “um antagonismo adequado e apropriado para o mundo,
na tentativa de evitar a possibilidade de morrer a morte de
Cristo. Nós, então, asseguraremos nossos próprios destinos como
não mártires”.[6] No entanto, essa autopreservação não convém aos
que adoram um Rei crucificado e um Cordeiro imolado.

AS DURAS PALAVRAS DE JESUS E A DEVOÇÃO DO FRACO


Ao longo dos três anos e meio de seu ministério terreno, Jesus
sempre chamou seus discípulos a esperar e aceitar o sofrimento, a
perseguição e o martírio, exortando-os com palavras como “perder a
sua vida”, “renunciar a sua vida”[7] “tomar a sua cruz” e “negar-se a
si mesmo”[8]. Ele afirmou que somos “bem-aventurados” quando
“insultados” e “perseguidos”[9] e “ai de vós quando todos vos
louvarem”[10]. Ele frequentemente dizia coisas como: “E qualquer
que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode
ser meu discípulo”[11] e “Não é o servo maior do que seu senhor. Se
me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros”[12]. Ele
fez promessas como: “tereis tribulações”[13], “vos matarão”[14]
e “sereis odiados de todos por causa do meu nome”[15].
Quando as multidões ouviram Jesus pregar palavras tão duras
e rigorosas, as reações foram as mais variadas. Alguns,
imediatamente, deixaram tudo o que tinham e se juntaram a
ele. Outros se mantiveram à distância. Alguns tentaram matá-lo e
outros, por fim, o fizeram. Não deveria ser nenhuma surpresa que,
nos nossos dias, a proclamação dessas duras palavras provoque as
mesmas reações. Para alguns, elas são libertadoras. Para outros,
elas são ofensivas. Alguns as acolhem. Outros as ignoram. Alguns
as recebem com alegria. E outros, ainda, as resistem, com
medo. Mas, seguramente, quando essas palavras santas são
fielmente ecoadas e corajosamente proclamadas, nenhum homem,
mulher ou criança pode permanecer indiferente.
Minha resposta ao chamado de Jesus para “perder a minha
vida” alterna-se constantemente. Às vezes acho isso
fascinante. Outras vezes, intimidante. E já descobri que minha
experiência não é única. Tal inconsistência é normal na vida de todo
crente. Estamos todos em uma jornada de crescimento na graça
que nos capacita a amá-lo acima de tudo aquilo que alegremente
entregamos por amor a ele. Ninguém começa a sua jornada de
forma fervorosa e madura. Como a sulamita de Salomão, estamos
constantemente sendo testados e provados para que nosso amor
pelo Noivo se aprofunde.[16] Como Pedro, estamos
sendo discipulados por um Mestre que, como um habilidoso
oleiro, nos molda como o barro, até que, com o tempo, nos
conformemos à sua imagem.
Minha oração é que este livro possa servir a uma geração de
crentes que, como a sulamita e Pedro, desejam servi-lo com
dedicação e devoção, mas encontraram dentro de si um coração
dividido diante das duras palavras de Jesus. Para essas almas
famintas, declaramos que ele vale mais do que qualquer coisa que
poderíamos ganhar, ele é mais precioso do que tudo que
poderíamos perder e plenamente capaz de
pastorear corações fracos e temerosos pelo vale da sombra da
morte.

ELE ME BASTA
A chama das minhas convicções relativas à questão do martírio se
acendeu logo após a minha conversão. Ao estudar seu lugar no
Novo Testamento, na história da Igreja e nas profecias bíblicas,
essas convicções se tornaram mais fortes a cada ano que
passava. Mas só depois de ler uma declaração de Amy Carmichael
(1867-1951), senti a necessidade de passar essa minha convicção
para o papel e desafiar abertamente essa geração a acolhê-la como
sua.
Carmichael, depois de ouvir Hudson Taylor falar em 1887
sobre o chamado relativo às missões pioneiras, convenceu-se de
que o Senhor a chamava para as nações e para uma vida dedicada
ao ministério. Em pouco tempo, na condição de mulher solteira em
seus vinte e poucos anos, ela partiu da Irlanda em um navio
com destino a uma terra distante e hostil. Ela nunca mais
voltou. Depois de passar mais de 55 anos na Ásia, sem nunca ter
retornado para casa, encontrou-se com o seu Criador, face a face,
por meio de uma morte natural, aos 83 anos de idade. Antes de
morrer, ela pediu que nenhuma pedra fosse colocada em cima de
sua sepultura. Assim ela foi enterrada em solo indiano, e acima de
sua sepultura há apenas um bebedouro para pássaros.
Entre seus escritos, encontramos o seguinte:
Na noite em que parti para a China, em 3 de março de 1893,
minha vida, do lado humano, foi quebrada para nunca mais ser
consertada. Mas ele me basta.[17]
Poucas palavras tiveram um impacto tão grande em minha
vida quanto essas. Como David Livingstone (1813-1873) que, antes
dela, após derramar sua vida na África, disse: “Eu nunca fiz um
sacrifício”.[18] Carmichael dá testemunho de uma verdade preciosa
e sublime: o chamado ao martírio não é a exaltação da morte tanto
quanto a exaltação de Cristo. O martírio é a expressão consumada
do afeto sagrado por aquele que acreditamos ser mais precioso do
que a vida e por quem vale a pena sofrer a dor da morte.
Ao dizer: “Ele me basta”, ela estava afirmando: “Valeu a
pena”. Ou melhor: “Ele é digno”. Ao longo das décadas de luta, dor,
perda, aflição, solidão, trabalho e tribulação, ela se convenceu de
que ele bastava. À luz de tudo o que tinha deixado, tudo o que tinha
perdido, tudo o que tinha suportado, ela declarou que faria tudo de
novo, porque tudo valeu a pena. Ele é digno. O Senhor era mais
valioso para ela do que a vida e muito mais digno de tudo o que ela
poderia perder com a morte. Ele era tudo para ela. Todas as suas
motivações estavam nele.[19]
Embora sua vida tenha sido “quebrada”, sua alma estava
satisfeita. Cristo era para ela como “um tesouro escondido em um
campo” pelo qual ela “venderia alegremente tudo para comprá-lo”.
[20]
É por isso que, quando um potencial candidato a missionário
questionava como era ser missionária, Amy respondia que a vida
missionária era simplesmente “uma oportunidade para morrer”.[21]
Amy Wilson Carmichael não morreu como mártir. No
entanto, viveu como mártir. Sua alegre submissão à vontade
soberana do seu Mestre, sem levar em conta a preservação da sua
própria carne mortal, expressa bem o verdadeiro
espírito do chamado do Evangelho: dar o que não se pode reter
para ganhar o que não se pode perder.[22]
Essa é a essência da chama da teologia bíblica do
martírio: alegremente “considero tudo como perda, por causa da
sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”.
[23]
Somente essa perspectiva pode colocar o tema principal e o
santo chamado em seu contexto apropriado.
A morte é um meio. Cristo é o fim. A alegria é o motivo. E
gloriosa é a jornada.
CAPÍTULO UM

O MARTÍRIO COMO UM ATO CONTÍNUO

N ossa geração testemunha e tem parte nas atrocidades


motivadas pelo fanatismo religioso e pelo extremismo
sectário. Como resultado, uma exaltação do martírio será, sem
dúvida, recebida com ceticismo, escárnio ou desprezo. Portanto,
antes de começar o nosso estudo sobre o que as Escrituras falam a
respeito desse santo chamado, devemos nos concentrar
brevemente na continuidade do martírio entre a primeira e a
segunda vinda de Jesus e observar como o martírio acompanha a
história da Igreja de Jesus Cristo. Uma breve pesquisa sobre o
martírio no passado, presente e futuro da Igreja vai ampliar a
abrangência desse assunto altamente incompreendido e
lamentavelmente negligenciado, e nos impelir a aceitá-lo como um
elemento integrante do cristianismo apostólico. Convencido de que
a perseguição aos santos é parte central da grande narrativa do
plano de redenção, John Bunyan escreveu:
Um homem, quando sofre por Cristo, é colocado
sobre um Monte, sobre um Palco, como em um Teatro, para
desempenhar um papel para Deus no mundo.[24]
Ao observarmos a proeminência do martírio ao longo da
história da Igreja, somos obrigados a aceitar essa mensagem como
o chamado normativo para a verdadeira fé em Cristo. Quando nos
lembramos daqueles que nos precederam, temos uma percepção
clara de como devemos tratar essa questão no presente e no
futuro. Quanto à memória dos mártires, Craig Hovey escreve:
Mártires são lembrados pela Igreja como aqueles que levaram
sua cruz até à morte, compartilhando assim da morte de
Cristo. Quando a Igreja assim o faz, ela não acolhe apenas
sua morte, mas muito mais, ela aceita, como parte de sua vida
contínua, aqueles que morreram pela causa de Cristo. Uma
Igreja com um mandato de martírio relembra seus membros
martirizados como seguidores de Jesus. No entanto, também
é apropriado que a Igreja identifique seus mártires como
mártires por meio de um processo de identificação em
vida. Avaliar se seus membros são verdadeiramente mártires e
a forma como devem ser lembrados requer discernimento.[25]
A lembrança dos mártires requer discernimento
porque devemos distinguir entre o verdadeiro e o falso
mártir. Contestando a busca pervertida pelo martírio em seus dias,
Agostinho escreveu:
Aqueles que buscam a glória dos mártires poderiam reivindicar
o direito de ser chamado mártir se verdadeiramente tivessem
sofrido pela causa certa. O Senhor não disse que aqueles que
sofrem serão abençoados, mas aqueles que sofrem pelo Filho
do homem, que é Jesus Cristo.
Os verdadeiros mártires são aqueles de quem o Senhor falou,
dizendo: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça”. Portanto, não são mártires aqueles que
sofrem por um propósito iníquo, pela destruição pecaminosa
da unidade cristã, mas aqueles que sofrem perseguição por
ter praticado a justiça, estes devem ser considerados
verdadeiros mártires.[26]

O MARTÍRIO DESDE O INÍCIO


Começamos nosso estudo reconhecendo a proeminência do
martírio desde o início. A Igreja primitiva nasceu e foi nutrida em
uma cultura de martírio e estava intimamente familiarizada com
Cristo através da comunhão do seu sofrimento. O historiador da
Igreja Stephen Neill escreveu: “Todo cristão [do primeiro século]
sabia que, mais cedo ou mais tarde, poderia ter que testemunhar
sua fé ao custo de sua própria vida”.[27] Como poderia ser diferente,
à luz dos mártires que os precederam? Em um curto espaço de
tempo, João Batista, Jesus e Estêvão foram mortos. As execuções
sangrentas desses três homens definiram um padrão para
os crentes do primeiro século: para seguir Cristo, é preciso estar
disposto a morrer.
O lugar de destaque do martírio na Igreja primitiva se torna
evidente pelo fato impressionante de que, logo após a morte de
Estêvão (que foi supervisionada por Saulo de Tarso, outro futuro
mártir), quase todos os primeiros discípulos foram violentamente
mortos. A história da Igreja sugere que, dos Doze, é possível que
somente João, o discípulo amado, tenha morrido de causas
naturais. O sangue de todos os outros manchou os cantos mais
distantes do Império Romano.
Tiago, filho de Zebedeu, foi o primeiro a conhecer a morte
como lucro, quando Herodes Agripa o executou pela espada, em
Jerusalém, por volta de 44 d.C.[28] Filipe foi morto na região da
Frígia, em 54 d.C., depois que sua cabeça foi presa a um pilar e
pedras foram arremessadas contra seu corpo indefeso. Em 63 d.C.,
Tiago, o irmão de Jesus, foi lançado para fora do templo,
apedrejado e depois espancado até a morte com um porrete. Em 64
d.C., Barnabé foi arrastado para fora da cidade de Salamina, no
Chipre, e queimado. Naquele mesmo ano, Marcos foi arrastado até
o madeiro pelas ruas de Alexandria, o que resultou em “todo o seu
corpo sendo rasgado, de modo que não havia um único ponto sobre
ele que não sangrasse”. Ele morreu antes de chegar ao madeiro. A
tradição sugere que Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, em
Roma, por volta de 67-68 d.C. André foi crucificado na
Grécia. Judas foi morto na região que hoje é conhecida como o
Irã. E Tomé derramou seu sangue na longínqua Índia. A morte
daqueles jovens[29] e a subsequente decapitação do apóstolo Paulo
indicaram o início de um martírio que continuou marcando a história
e que persiste até os nossos dias. Isso nos leva ao próximo ponto.

O MARTÍRIO NO PRESENTE
É fundamental reconhecermos também a proeminência do
martírio no presente. Em termos estatísticos, o assunto do martírio é
mais relevante agora do que em qualquer outro tempo, pelo fato de
que agora há maior incidência.
Na edição de 2002 da Tabela Anual de Estatística sobre
Missão Global, David Barrett estimou que “aproximadamente 164
mil cristãos [morreram] como mártires [naquele ano] e que o número
médio de mártires cristãos cresceria a cada ano até chegar a 210
mil no ano de 2025”.[30] De acordo com a pesquisa de Barrett, houve
aproximadamente 45 milhões de mártires no século 20.[31] Isso
significa que o século passado viu mais mártires do que todos os
outros séculos anteriores juntos. Em seu livro I Nuovi Perseguitati (O
Novo Perseguido), o jornalista italiano Antonio Socci argumenta
que 65% de todos os mártires cristãos foram mortos no século 20.[32]
Enquanto você estiver lendo este livro, santos serão mortos
por sua fé em algum lugar do mundo. Para os crentes em nações
como Nigéria, Indonésia, Bangladesh, Irã, Colômbia e Coreia do
Norte, a questão do martírio é uma dura e cruel realidade. Ignorar o
assunto é desonrar aqueles que, neste momento, são confrontados
com a ameaça de violência por causa de sua fé em Cristo.
Enquanto nós, no Ocidente, podemos tratar o assunto do
martírio como secundário e irrelevante para a nossa fé, o
testemunho dos mártires ao redor do mundo, em
nossa própria geração, nos exorta a reconsiderar. Em vista da
crescente violência contra os cristãos nas nações, é mais provável
que aqueles que rejeitam a questão do martírio sejam aqueles
cujas crenças são secundárias e irrelevantes, pois as estatísticas
mostram que eles são a minoria.
O MARTÍRIO NO TEMPO DO FIM
Finalmente, da mesma forma que começamos nosso estudo, é
imperativo reconhecermos a proeminência do martírio no fim desta
era.
As Escrituras proféticas são abundantemente claras ao afirmar
que a maior expressão de martírio ocorrerá com a geração que
presenciará a volta do Senhor, depois de “todo o mundo” receber
um “testemunho” do “evangelho do reino”.[33] A penetração
do Evangelho em cada nação, tribo e língua resultará numa
resposta sangrenta. Isso não quer dizer que as missões do fim dos
tempos serão infrutíferas. Pelo contrário, homens, mulheres e
crianças de todas as nações serão fiéis a Jesus. O impulso final em
direção ao evangelismo global é que será recebido com
veemente ira. Jesus disse que, à medida que o evangelho do
reino for proclamado em toda a terra, durante a época tumultuada
da tribulação, os crentes “serão odiados de todas as nações” e “os
entregarão à morte”.[34] O impacto dessa onda de perseguição sem
precedentes reivindicará a vida dos seguidores de Cristo em “todas
as nações, tribos, povos e línguas”.[35] Essa é uma realidade
profética surpreendente. Todas as nações serão tingidas de
vermelho com o sangue dos fiéis. Esses mártires do fim dos tempos
“sairão da grande tribulação” para serem contados entre o “número
completo” de mártires que, segundo Jesus, já foi determinado pela
soberania de Deus.[36]
Os textos proféticos falam de uma calamidade no fim desta
era, em que um tirano satânico terá autoridade para “pelejar contra
os santos e vencê-los”.[37] Os cristãos serão “entregues em suas
mãos” e serão “despedaçados” quando ele “fizer guerra contra os
santos” e “prevalecer contra eles”.[38] Durante o tempo final de
“tribulação”, aquele tirânico “homem da iniquidade”[39] “destruirá os
poderosos e o povo santo”[40], à medida que “sai com grande furor
para destruir e exterminar a muitos”[41]. Naquele dia, muitos “cairão
pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo”.[42]
O martírio será tão evidente na hora final que Jesus declarou
ser um dos principais sinais dos tempos, indicando a proximidade da
sua volta e o fim dos tempos.[43] Se ignorarmos ou descartamos
esse assunto agora, selamos a nossa sorte como a daqueles que
estarão despreparados para se “levantar” e “resistir” em meio à
tempestade que está por vir.

UMA PALAVRA PARA OS CRISTÃOS NO MUNDO OCIDENTAL


A proeminência do martírio no início da história da Igreja, no
presente e no fim desta era nos estimula a reconhecê-lo como um
ato legitimamente contínuo na história, bem como uma realidade
profética para a qual devemos nos preparar. Apesar do fato de que,
desde o apedrejamento de Estêvão, o martírio tem sido uma
realidade para os cristãos em muitos lugares do mundo, muitos de
nós terão dificuldade para aceitar essas realidades porque nunca
experimentaram pessoalmente a perseguição. O ambiente, a época
e o lugar em que vivem dão a sensação de segurança, por isso
muitos acham difícil aceitar o chamado ao martírio, alegando que
suas condições atuais os eximem disso. Mas desconsiderar ou
evitar a questão apenas com base nessas razões é tolice. O
chamado ao martírio é o padrão para todo crente,
independentemente da época ou do lugar onde vivem. Na tentativa
de expressar a maneira pela qual devemos abordar o assunto do
martírio, Hovey escreve:
Não aceito que recaia apenas sobre alguns o dever de refletir
no significado do martírio como um pressuposto e mandamento
do Novo Testamento. Em vez disso, assumo a
responsabilidade que acredito ser atribuída a todos os cristãos,
incluindo os que vivem no conforto do primeiro mundo: de
recusar-se a continuar restringindo a ameaça do martírio à
margem da história ou a partes remotas do globo. A Igreja pode
muito bem constatar que alguns ambientes são mais hostis do
que outros, que o mundo dispensa um tratamento ora mais ora
menos afável aos arautos de Cristo, dependendo do seu
testemunho, dos caprichos dos governantes e de uma
infinidade de outros fatores. Mas é minha convicção de que os
períodos e lugares quietos são exceções à regra e refletem
com mais frequência a disposição da Igreja de se acomodar à
cultura local do que a bondade inerente de tal cultura.[44]
Ao começarmos este estudo sobre o chamado ao martírio,
encorajo o leitor a trazer ao coração o testemunho das fiéis
testemunhas do passado, presente e futuro. Suas mortes trazem um
significado profundo às nossas vidas e engrandecem o Amado das
nossas almas. Mas, por mais importante que seja nossa herança
histórica, ela não é a principal razão pela qual devemos aceitar o
chamado ao martírio. São as Sagradas Escrituras, antes de tudo,
que bradam: “venha e morra”.

O MARTÍRIO É UMA CARACTERÍSTICA DO EVANGELHO


APOSTÓLICO
O martírio é tão proeminente na história porque é absolutamente
central e intrínseco ao Evangelho. Desde o início, foi o chamado
normativo do discipulado para todos os seguidores de Cristo.
O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo, acima
do seu senhor. Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e
ao servo, como o seu senhor. Se chamaram Belzebu ao dono
da casa, quanto mais aos seus domésticos? (Mt 10.24-25)
Se homens pecadores mataram nosso Mestre e Senhor, que
razão temos para não esperar o mesmo tratamento? Somos
"superiores" a ele nessa questão? Ou devemos esperar sofrer com
ele para com ele sermos glorificados? Não é esse o principal padrão
da obediência cristã?
O evangelho do Novo Testamento é definido pelo sacrifício de
Jesus por nós e nunca pelo nosso sacrifício por ele. Mas devemos
reconhecer que o Novo Testamento enfatiza que aqueles que
desejam se ligar ao Senhor crucificado devem primeiro “perder as
suas vidas”. Dietrich Bonhoeffer estava certo ao dizer que “o único
homem que tem o direito de dizer que é justificado apenas pela
graça é o homem que deixou tudo para seguir Cristo”.[45]
As cruzes que suportamos e as mortes que morremos nunca
podem nos salvar. A cruz de Cristo e a morte de Cristo são os
únicos fundamentos da nossa salvação. Mas nunca devemos
enfatizar essa verdade com o propósito de diminuir a ênfase de
Jesus em relação a uma atitude de abnegação e morte (o carregar a
cruz) para aqueles que desejam segui-lo. Depois de profetizar
sua própria morte na cruz, ele se voltou para os discípulos e
os desafiou a carregar as suas próprias cruzes.[46] O chamado para
“tomar a sua cruz”, “negar-se a si mesmo” e “perder a sua vida” está
no centro da pregação e ensino de Jesus. Não se pode desvinculá-
lo da mensagem de "Cristo e este crucificado".[47] Sua cruz dá
sentido à nossa cruz, e nossa cruz traz honra a ele. O martírio “é
uma parte do evangelho que é pregado ao mundo, uma qualidade
intrínseca da cruz de Cristo e, portanto, uma marca da Igreja, seja
em lembrar aqueles que morreram, seja em preparar e treinar seus
membros para a fidelidade”.[48]
A questão do martírio foi poderosamente trazida à consciência
da Igreja nos Estados Unidos em 1956, quando os missionários Jim
Elliot, Nate Saint, Ed McCully, Roger Youderian e Pete Fleming
perderam suas vidas nas selvas do Equador. No prefácio de
Shadow of the Almighty: The Life and Testament of Jim Elliot” (A
Sombra do Todo-Poderoso: A Vida e o Legado de Jim Elliot),
publicado pela primeira vez em 1958, Elisabeth Elliot escreveu
sobre a morte de seu marido e de seus amigos dizendo:
O objetivo de Jim era conhecer a Deus. Seu caminho era o da
obediência – o único caminho que poderia levar ao
cumprimento de seu objetivo. Seu fim foi o que alguns
chamariam de uma morte terrível, embora, ao encará-la, ele
tenha dito calmamente que muitos outros morreram por causa
da obediência a Deus. Ele e os outros homens que morreram
pela mesma causa foram saudados como heróis,
“mártires”. Eu não aprovo. Nem eles teriam aprovado.
Afinal, a distinção entre viver para Cristo e morrer por ele é tão
grande assim? Não é a segunda ação a conclusão lógica da
primeira? Além disso, viver para Deus é morrer ‘diariamente’,
como o apóstolo Paulo disse. É perder tudo para que
possamos ganhar Cristo. É ao entregar nossa vida a Cristo
que a encontramos.
Aqueles que querem conhecer [Cristo] devem trilhar o mesmo
caminho que ele trilhou. Esses são os “mártires”, no sentido
bíblico da palavra, o que significa simplesmente
“testemunhas”. Na vida, assim como na morte, somos
chamados a ser “testemunhas”, a “ostentar o selo de Cristo”.
Eu creio que Jim Elliot foi uma dessas testemunhas. Suas
cartas e diários são a base tangível para minha
convicção. Eles não pertencem a mim, por isso não devo retê-
los. Eles são parte da história humana, a história de um
homem em suas relações com o Todo-Poderoso. São fatos.
[tradução livre]
O chamado ao martírio é o chamado para conhecer Cristo,
seguir Cristo e testemunhar de Cristo às nações. Assim tem sido
desde o primeiro século e continuará sendo até o fim.
CAPÍTULO DOIS

O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DA


ALEGRIA

A palavra “mártir” vem da palavra grega μάρτυς, que em nossas


Bíblias é traduzida como “testemunho”. Por exemplo, em Atos
1.8 lemos: “Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como
em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”. Na época
em que o Novo Testamento foi escrito, “mártir” significava
simplesmente “testemunha”. Hoje em dia, os dicionários definem a
palavra como “o sofrimento da morte em razão da fé”. Mártires são
aqueles que escolhem ser fiéis a Cristo e não amam a própria vida,
quando o luxo de desfrutar ambos é negado.[49]

O VIVER É CRISTO
Apesar de ser predominantemente um modo de morrer, o martírio
também deve ser considerado um modo de viver. Disto devemos ter
certeza: não há morte verdadeira para Cristo que não seja o fruto de
uma vida verdadeira para Cristo. Ou seja, ninguém jamais morreu
pelo Senhor sem primeiro ter vivido por ele. É por isso que Paulo
pode dizer: “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é
lucro”.[50]
A supremacia de Cristo sobre todas as coisas na vida e na
morte é o fundamento teológico para o chamado ao martírio. Não se
pode dizer: “o morrer é lucro”, até que se possa dizer: “o viver é
Cristo”. E não se pode dizer: “o viver é Cristo” sem pensar na “morte
como ganho”. Escapar de um em detrimento do outro é deturpar o
evangelho. Eles permanecem juntos e estão interligados.
Quando andamos com a convicção de que Cristo vale mais do
que a vida, e é muito mais digno do que o momentâneo aguilhão da
morte, abraçamos o verdadeiro espírito do martírio. O mandato para
“perder as nossas vidas”[51] e “não amá-las mesmo em face da
morte”[52] baseia-se inteiramente no mandamento bíblico de
“deleitar-se no Senhor”[53]. O evento do martírio como morte é,
portanto, a expressão consumada e final da nossa alegria em
Deus, em vida.
Portanto, abraçar o chamado ao martírio não está tão
relacionado com o objetivo de morrer bem, mas sim amar bem. No
entanto, quanto mais nosso amor por Jesus amadurecer em
intensidade e fervor, mais nosso amor por nossas vidas diminuirá. À
medida que o Senhor, em sua graça, nos leva a tal amor,[54] nos
encontraremos anelando por ele com um desejo tão ardente que
seremos obrigados a dizer o que Paulo disse [parafraseado]: “Qual
dos dois escolherei [entre a vida e a morte]? Eu não posso dizer. Eu
sou duramente pressionado entre os dois”[55]. Tal é a linguagem de
amor de um mártir.
Steve Saint, filho do missionário mártir Nate Saint, explica o
que motivou seu pai:
Papai se esforçou para descobrir o que a vida realmente é. Ele
encontrou identidade, propósito e satisfação em ser obediente
ao chamado de Deus. Ele tentou, testou e se comprometeu
com isso. Eu sei que o risco que ele assumiu, que resultou em
sua morte e consequentemente separação de sua família, não
foi para satisfazer sua própria necessidade de aventura ou
fama, mas em obediência ao que ele acreditava ser a vontade
de Deus para sua vida. Creio que ele seja mais conhecido por
ter morrido por sua fé, mas o legado que ele deixou para seus
filhos foi sua disposição para, primeiramente, viver por sua fé.
[56]

Nate Saint descobriu o sentido real da vida: “o viver é Cristo”.


O resultado dessa descoberta foi que ele viveu como se a morte
fosse um ganho.

O MORRER É LUCRO
Até que consideremos a morte como um ganho, estaremos vivendo
aquém dos propósitos de Deus. É por isso que Paulo declarou que
sua maior ambição era “o conhecer, e o poder da sua ressurreição,
e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na
sua morte”.[57] O amor a Cristo que não está disposto a sofrer e a
fidelidade a ele que não seja “até à morte” são desprovidos da
natureza apostólica.[58] Tal amor e fidelidade não podem ter origem
na carnalidade. Eles são o fruto da obra da graça; o transbordar de
uma alma satisfeita. Portanto, o chamado para “sofrer” e “morrer” é,
em primeiro lugar e acima de tudo, um chamado para encontrar
aquele que nos faz ver a morte como ganho e o sofrimento como
incomparável ao peso de glória que temos nele.
Abordando a relação entre sofrimento e alegria na vida do
crente, John Piper explica:
Medimos o valor de um tesouro escondido por aquilo que
teremos prazer em vender para comprá-lo. Se vendermos
tudo, consideramos o valor como supremo. Se não o fizermos,
o que temos é mais valorizado. “O reino dos céus é
semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo
homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de
alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo”
(Mt 13.44). A extensão de seu sacrifício e a profundidade de
sua alegria mostram o valor que ele coloca no tesouro de
Deus. Perda e sofrimento, alegremente aceitos em favor do
reino de Deus, mostram mais claramente ao mundo a
supremacia da dignidade de Deus do que toda adoração e
oração.[59]
Com uma vida riquíssima em experiências, J. Hudson Taylor
(1832-1905), o famoso missionário pioneiro na China, declarou a
mesma mensagem:
É no caminho da obediência e do serviço realizado de forma
sacrificial que Deus se revela mais intimamente a seus
filhos. Quanto mais custoso, maior é a alegria. O momento
mais tenebroso se torna o mais reluzente, e a maior perda, o
maior ganho. Enquanto a tristeza dura pouco tempo e logo
passará, a alegria é muito mais elevada... é eterna.[60]
[tradução livre]

O PARADOXO DO MARTÍRIO
O martírio é um paradoxo. Perde-se tudo para ganhar tudo. No
entanto, somente porque o valor daquilo que ganhamos excede, em
muito, o valor daquilo que perdemos, é que podemos enfrentá-lo
com alegria. Aqui está o verdadeiro espírito do martírio: é a
expressão consumada da alegria dos santos em Cristo.
Paulo prefaciou sua declaração de morte como ganho,
explicando que sua maior ambição era “honrar” Cristo “pela vida ou
pela morte”. Em outras palavras, a questão não era a superioridade
da vida sobre a morte ou da morte sobre a vida, mas sim a
superioridade de Cristo sobre tudo. É por isso que Paulo também
afirmou que qualquer coisa que ele pudesse “ganhar” na vida e tudo
o que ele pudesse “perder” na morte seriam insignificantes à luz do
magnífico valor de Cristo.
Até que estejamos individualmente e coletivamente
convencidos de que Cristo é mais precioso do que a “vida” e vale
muito mais do que a dor da “morte”[61] ainda não o teremos
conhecido como deveríamos conhecer. Até que estejamos
convencidos de que vale a pena derramar o nosso sangue – se isso
for exigido de nós – para fazer Cristo conhecido entre as nações,
ainda precisamos conhecê-lo mais. Até que o nosso hino se torne “o
viver é Cristo, e o morrer é lucro”[62], ainda temos que conhecê-lo
como ele deseja ser conhecido, como “um tesouro em um campo” e
“uma pérola de grande valor” pela qual seria sensato “vender com
alegria tudo o que temos para comprá-la”.[63] Até que o testemunho
da Igreja entre as nações ecoe essa antiga glória apostólica através
das fendas de vasos de barro como você e eu, podemos e devemos
ter certeza de que ainda não testemunhamos aquilo para o qual
fomos chamados.
Os indivíduos que estão livres da assustadora prática de evitar
a morte são uma ameaça aos poderes e principados do ar e um
incômodo para os homens pecadores que odeiam aquele de quem
sua alegria testemunha. Assim, não devemos enfatizar o martírio
como um modo de vida, a ponto de subestimá-lo como um aspecto
real de morte. Quando os discípulos ouviram o chamado de Jesus,
convidando-os a segui-lo, negando-se a si mesmo, tomando a sua
cruz e perdendo a sua vida, eles não entenderam que se tratava de
uma metáfora. Depois de algumas décadas de vida com Cristo,
quase todos eles foram executados por sua lealdade ao Cordeiro. E
não foi porque procuraram a morte, mas porque sua alegria e seu
tesouro estavam em Cristo.

SOFRENDO PERSEGUIÇÃO COM ALEGRIA


G. K. Chesterton certa vez disse que Jesus prometeu aos seus
discípulos três coisas: que eles seriam completamente destemidos,
absurdamente felizes e estariam constantemente em apuros.[64] Em
meio a grande sofrimento, a Igreja primitiva desfrutava de uma
profunda e autêntica alegria. Leia, por exemplo, o registro de Lucas
de como a Igreja primitiva reagiu diante da perseguição:
Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que
não falassem em o nome de Jesus, os soltaram. E eles se
retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido
considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome. (At
5.40-41)
Observe no versículo 41 a justaposição das palavras
“regozijando-se” e “sofrer”. Não apenas ficaram alegres no meio
do seu sofrimento, mas também ficaram contentes por causa do seu
sofrimento. Como o próprio Cristo que, “em troca da alegria que lhe
estava proposta”[65], suportou o tratamento violento e injusto das
mãos de homens iníquos, a primeira geração de cristãos abraçou,
com alegria, a severa prova da aflição. Eles consideravam um
privilégio sofrer com Cristo porque sabiam que, assim, reinariam
com ele.[66] É por isso que os apóstolos falaram sobre perseguição e
sofrimento como um privilégio, uma dádiva e uma honra que nos
são “concedidas” pelo Senhor.[67]
Antes de ser crucificado de cabeça para baixo, o apóstolo
Pedro escreveu o seguinte para uma comunidade que vinha
sofrendo perseguição por sua fé:
Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de
vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa
extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário,
alegrai-vos na medida em que sois coparticipantes dos
sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua
glória, vos alegreis exultando. Se, pelo nome de Cristo, sois
injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o
Espírito da glória e de Deus. Não sofra, porém, nenhum de vós
como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se
intromete em negócios de outrem; mas, se sofrer como cristão,
não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus com esse
nome. (1 Pe 4.12-16)
No versículo 12, ele fala do sofrimento como uma “prova de
fogo”, com a qual não devemos “nos surpreender”, “como se” fosse
uma anomalia da qual Deus seria impotente para nos libertar. Ele
argumenta que o sofrimento deve ser previsto, esperado e recebido
pelo cristão como normal e até inevitável. Então, no versículo 13, ele
contrasta a palavra “surpresa” com “alegrai-vos”, dizendo que,
quando somos tratados injustamente nas mãos de homens
pecadores, estamos “compartilhando os sofrimentos de Cristo”. Na
mente de Pedro, é esse compartilhar que é considerado uma
honra. No centro da teologia do sofrimento de Pedro estava a
questão do nosso “regozijo”, “alegria” e “bem-aventurança”.
Portanto, deveria ser central à teologia do martírio.

UMA SENSAÇÃO ARREBATADORA E EXTRAORDINÁRIA


Os crentes do primeiro século não são os únicos que “se
regozijaram” com “alegria” em face do sofrimento. Os cristãos ao
longo da história da Igreja experimentaram a mesma alegria quando
passaram pela “fornalha” da aflição por causa da revelação do
Espírito sobre a dignidade de Cristo, aquele com quem os mártires
irão reinar. Os livros que seriam escritos para contar a história dos
mártires encheriam inúmeras bibliotecas. Um testemunho em
particular teve um impacto incalculável desde que foi escrito.
O fato de Richard Wurmbrand ter morrido naturalmente aos 92
anos, na Califórnia, em 2001, não diminui o fato de ele ter sido um
homem “de quem o mundo não era digno”, tendo em vista o seu
sofrimento pelo Evangelho.[68] Wurmbrand, um ministro romeno, foi
brutalmente torturado depois de plantar igrejas clandestinas e
desafiar abertamente o regime comunista na década de 1940. Ele
foi preso em 1948 e suportou 14 anos na prisão por sua fé (por dois
períodos diferentes), três deles em confinamento solitário em uma
cela de 4x4 metros, sem janelas ou iluminação.[69] No prefácio de
seu livro In God's Underground (O Porão de Deus), ele escreveu o
seguinte, lembrando-se de seu encarceramento:
Os anos de prisão não me pareceram muito longos, pois,
sozinho em minha cela, descobri que, além da fé e do amor, há
uma alegria em Deus: uma sensação arrebatadora e
extraordinária de felicidade que nada tem a ver com este
mundo. E quando saí da prisão, era como alguém que desce
do topo de uma montanha, depois de contemplar o horizonte
de beleza e paz da paisagem ao redor, e agora retorna ao pé
da montanha. [70]
O testemunho de Wurmbrand, assim como o de Carmichael
antes dele, me dá coragem para crer no que Paulo disse sobre
“nossa leve e momentânea tribulação” ser completamente
“incomparável” ao “eterno peso de glória” que experimenta aquele
que perde tudo para ganhar Cristo.[71] Foi “em troca da alegria que
lhe estava proposta”[72] que Jesus fielmente confiou o seu espírito
nas mãos de seu Pai e abraçou seu chamado à morte. E é em troca
da alegria que temos diante de nós que podemos fazer o mesmo.
CAPÍTULO TRÊS

O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DO AMOR

T endo definido o chamado ao martírio como a expressão


consumada da alegria de um cristão em Cristo, voltemos agora
a atenção para a questão do amor: a suprema virtude, o mais alto
chamado e o motivo principal de toda a verdadeira perda e morte
que exalta Cristo.
Já que “amar o Senhor” é o “maior”[73] de todos os
mandamentos, é imperativo que ele molde nosso entendimento em
relação ao chamado ao martírio. Segundo Paulo, o amor,
juntamente com a alegria, está no cerne dessa importante questão
teológica.
Apenas um coração apaixonado pode dizer com alegria: “O
viver é Cristo, o morrer é lucro”, e dizê-lo intencionalmente. Para o
homem ou para a mulher cujo coração está firmado no amor, a
morte não intimida. A morte é apenas uma ameaça à nossa alegria
mais profunda quando Cristo não é o objeto do nosso mais profundo
amor. Mas quando nosso amor por ele excede nosso amor pela
vida, nossa alegria é invencível, tanto na vida quanto na morte. Em
seu livro Torturado por amor a Cristo, Richard Wurmbrand escreveu:
Se o coração estiver purificado pelo amor de Jesus Cristo, e
se O ama, pode-se resistir a toda e qualquer tortura. Que não
faria uma noiva por seu noivo? Que não faria uma mãe por
seu filho? Se você ama a Cristo, como Maria O amava, ela
que o teve como criança em seus braços; se você, leitor, ama
a Jesus, como uma noiva ao seu noivo, pode resistir a tais
tormentos... Deus nos julgará não de acordo com quanto
pudemos suportar, mas de acordo com quanto pudemos
amar. Sou testemunha dos crentes em prisões comunistas, de
que eles puderam amar. Puderam amar a Deus e aos homens.
[74]

Wurmbrand passa a testemunhar:


Foi na prisão que encontramos esperança de que os
comunistas se salvariam. Foi lá que desenvolvemos nosso
senso de responsabilidade para com eles. As torturas que nos
infligiam ensinaram-nos a amá-los.[75]
Embora seja verdade que “aquele que perseverar até o fim
será salvo”[76], o coração humano não pode suportar o sofrimento
pelo nome de Cristo, exceto pelo poder sustentador do amor. Então
seria correto dizer: “Aquele que amar até o fim será salvo”. Pois a
perseverança é impossível sem o amor.

DISTINGUINDO O SANTO DO PROFANO


A propagação da Jihad Islâmica por meio das abomináveis
atrocidades do terrorismo suicida tornou a questão do martírio uma
das maiores crises sociais, religiosas e geopolíticas do nosso
tempo. É essencial, portanto, que possamos distinguir entre o santo
e o profano em relação à morte para Deus.
Para aqueles que são servos de Jesus, o martírio é o ato
de dar a vida, em amor, por causa da salvação, não matar vidas, em
fúria, com o intuito de destruição. Acreditamos que a principal
motivação por trás do martírio islâmico (que rejeita Cristo) é
corrompida. Acreditamos que tal violência é sinistra e totalmente
desprovida de virtude. Portanto, afirmamos sobriamente que o fim
inevitável de tal brutalidade é o castigo eterno e a vergonha eterna.
Nós sinceramente rejeitamos o martírio islâmico, bem como toda e
qualquer forma de martírio que busque tirar a vida dos outros
através da violência. Piper identifica corretamente a “diferença
fundamental” entre o chamado do Novo Testamento para “perder as
nossas vidas” e o do islã, dizendo:
Primeiro, a vida de um mártir cristão é tomada por aqueles a
quem ele quer salvar. Ele não cai em sua própria espada e não
a usa contra seu adversário. Em segundo lugar, os mártires
cristãos não perseguem a morte; eles perseguem o amor. Os
cristãos não avançam a causa do Evangelho de Cristo pelo uso
da espada: “Pois todos os que tomam a espada perecerão pela
espada” (Mt 26.52). Jesus disse: “O meu reino não é deste
mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros
se empenhariam por mim... mas agora o meu reino não é
daqui” (Jo 18.36). O cristianismo não avança pelo derramar do
sangue dos outros, ainda que misturado ao nosso.[77]
Neste momento, cabe a nós reconhecer que um espírito
profano de martírio não é exclusivo do islã. De acordo com o Novo
Testamento, isso ocorre se abraçarmos o chamado ao martírio, e
até mesmo o próprio sacrifício, desprovidos de uma virtude que
honre a Deus – algo que Pedro descobriu da maneira mais difícil. A
passagem que torna isso mais claro é 1 Coríntios 13.

SE EU NÃO TIVER AMOR


Em 1 Coríntios 13.3, o apóstolo Paulo (que no fim da vida se tornou
um mártir) falou sobre o martírio dizendo: “E ainda que eu distribua
todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu
próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me
aproveitará”. As implicações dessa afirmação são impressionantes.
Paulo enfatiza a perda de bens materiais através da
generosidade (“se eu distribuir todos os meus bens”) e a perda da
vida mortal através do martírio (“se eu entregar meu próprio corpo
para ser queimado”). Então ele explica que nenhuma dessas coisas
honra o Senhor nem traz benefício ao que se sacrificou, se a
motivação não for o amor. O martírio, então, em sua essência mais
pura, deve ser definido como uma expressão exterior de uma
realidade interior de afeto.
Atos de sacrifício, por si mesmos, não têm virtude
inerente. Assim é com o martírio, o sacrifício supremo. É a
motivação do ato que determina se o sacrifício agrada ou não a
Cristo e se o martírio tem algum valor.[78] Isto significa que abraçar o
chamado ao martírio pode ser tão ofensivo ao Senhor quanto a sua
rejeição, se a expressão exterior for motivada pela mesma
corrupção interior. Se o nosso sacrifício não brota do transbordante
amor, então ele não tem valor, e “nada disso nos
aproveitará, mesmo se entregarmos tudo. Não é a entrega do
sacrifício em si que importa, mas sim a motivação interior do
coração que dá origem a ele.
A última estrofe do hino clássico de Isaac Watts, When I
Survey the Wondrous Cross (Quando eu contemplo a maravilhosa
cruz),[79] articula com pungência o verdadeiro espírito do martírio.
Watts escreveu:
[Se] todo o reino da natureza fosse meu,
Seria uma oferta muito pequena.
Amor tão maravilhoso, tão divino,
Exige minha alma, minha vida, meu tudo.
[tradução livre]
A questão do sacrifício pode ser avaliada à luz dessas
palavras. Ainda que toda a dimensão natural nos pertencesse, no
final, não seríamos considerados tolos, se perdêssemos tudo para
ganhar Cristo. Alguns considerariam tal extravagância um
desperdício e um ato ofensivo, à luz de toda a glória e riqueza
contida no universo. Mas para aqueles que amam o Cordeiro –
aquele que nos amou com um amor tão “maravilhoso” –, a oferta de
tal glória e riqueza é insignificante e desprezível.
Um episódio narrado nos evangelhos ilumina
consideravelmente a sabedoria do sacrifício extravagante em prol
do amor.

UM LINDO DESPERDÍCIO
Antes de descer a Jerusalém para a Páscoa, ocasião em que seria
morto, Jesus parou em Betânia – um dos poucos lugares em Israel
onde o nosso Senhor podia descansar e estar entre amigos.
Uma noite, no jantar, exatamente uma semana antes da
crucificação,[80] uma jovem chamada Maria se aproximou de
Jesus. Em sua mão, ela trazia um vazo cheio com um óleo precioso.
Embora o frasco fosse pequeno, o conteúdo (óleo ou perfume)
correspondia ao salário de um ano de trabalho.[81] Compelida por um
irresistível senso de necessidade, ela abriu seu alabastro e
despejou o conteúdo sobre a cabeça e sobre os pés de Jesus, antes
de “secá-los com seus cabelos”. Ao fazê-lo, “encheu-se toda a casa
com o perfume do bálsamo”.[82]
Em um momento único e sagrado, essa jovem mulher se
desfez do que hoje seria o equivalente a 40 mil dólares. Uma
expressão tão generosa de devoção era fruto de sua convicção de
que o valor de seu precioso perfume era ofuscado pelo valor do
Deus-Homem, diante de quem ela estava.
Assim que o óleo foi derramado, a atmosfera na sala mudou, e
as tensões começaram a aparecer. Alguns indivíduos se
apressaram para interromper o que acreditavam ser um episódio
constrangedor e embaraçoso. Judas, o traidor que mais tarde
vendeu Jesus às autoridades por 30 shekels, foi o primeiro a
levantar a voz em protesto, declarando publicamente a tolice de tal
ato. Buscando humilhar a jovem mulher, ele informou àqueles na
sala que seu perfume valia um ano de salário e que poderia ter sido
mais bem gasto em empreendimentos ministeriais.
Movidos pela sua aparente compaixão pelos pobres, os outros
discípulos começaram a olhar para ela com o mesmo olhar de
desprezo (é preocupante que os futuros líderes da Igreja fossem tão
facilmente influenciados por tal enganador). Quando a fragrância do
óleo encheu a casa, os ânimos começaram a esquentar. Mateus
registrou a cena da seguinte maneira:
Vendo isto, indignaram-se os discípulos e disseram: Para que
este desperdício? Pois este perfume podia ser vendido por
muito dinheiro e dar-se aos pobres. (Mt 26.8-9)
Os que estavam presentes na sala julgaram excessiva,
desnecessária e tola a demonstração de devoção de Maria. E isso
os deixou furiosos.
Imagine a cena. A família da mulher, observando de forma
distante e horrorizada o que ela acabara de fazer; Judas, de pé,
apontando-lhe o dedo com desdém; e o resto dos discípulos
murmurando suas objeções presunçosas enquanto aguardavam
uma reação de Cristo. Diante de tudo isso, Maria estava
trêmula. Com lágrimas de amor ainda escorrendo em seu rosto e
com o óleo de devoção de seus cabelos, seu coração batia com o
medo da incerteza, pois como poderia ela saber como Jesus
reagiria? Ele demonstraria o mesmo desprezo dos demais? Ou ele
se sentiria honrado por seu gesto?
Seu coração foi logo tranquilizado quando Jesus,
sensivelmente, validou o seu sacrifício diante de todos, dizendo:
Mas Jesus, sabendo disto, disse-lhes: Por que molestais esta
mulher? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os pobres,
sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me
tendes; pois, derramando este perfume sobre o meu corpo, ela
o fez para o meu sepultamento. Em verdade vos digo: Onde for
pregado em todo o mundo este evangelho, será também
contado o que ela fez, para memória sua. (Mt 26.10-13)
Maria de Betânia foi dominada pela devoção amorosa. E
resultou na renúncia espontânea de sua estabilidade financeira para
os próximos anos. O que quer que os 300 denários pudessem
representar para ela, Jesus valia mais. Ela abriu mão de qualquer
benefício social que esse dinheiro pudesse lhe trazer, pois preferia
ocupar o lugar que Jesus lhe assegurava. Seja qual for o privilégio
que essa herança lhe pudesse trazer, Jesus valia mais.
Jesus ficou profundamente comovido com sua atitude. Para
silenciar seus críticos e consolar seu coração temeroso, ele falou.
Sua atitude foi “linda”. Foi sábia. Foi virtuosa. E foi pura. Ele
declarou que a atitude dela era fruto de uma revelação de sua morte
iminente. Sua extravagância foi uma resposta à extravagância dele.
Sabendo que ele logo derramaria seu sangue das veias sagradas,
Maria sentiu que nada seria mais adequado naquele momento do
que derramar aquele óleo precioso de seu vaso de alabastro.
Finalmente, ele disse que sua atitude deveria ser eternamente
lembrada e contada em todas as nações onde o Evangelho fosse
anunciado. Jesus queria que os discípulos se lembrassem desse
momento para sempre. Além disso, ele queria que todas as nações
se lembrassem disso para sempre.
Amigos, eu lhes pergunto: A herança que é sua em Cristo é
mais valiosa do que tudo que você tem? Ah, que graça é poder
amá-lo com tamanho desprendimento! Você derramará a seus pés
aquilo que considera mais precioso? Você se entregará totalmente a
ele e não se importará quando o mundo desprezar sua atitude: “Veja
como ele está simplesmente jogando fora a sua vida” ou “Que
desperdício de tempo e energia”. Vamos perseverar diante da
vergonha terrena e abrir mão de tudo por causa de uma
recompensa celestial maior.

O MARTÍRIO COMO A FRAGRÂNCIA DA DEVOÇÃO


EXTRAVAGANTE
Embora ela não tenha morrido como mártir (pelo que sabemos),
Maria de Betânia exemplifica o espírito de mártir mais claramente do
que qualquer outro personagem do Novo Testamento (é por isso
que Jesus ordenou aos discípulos que contassem sua história a
todos os povos e nações para os quais seriam enviados). A
fragrância de sua devoção profetizou o sacrifício dos futuros
mártires presentes na sala naquela noite. Por meio desses jovens,
“o aroma de Cristo” seria difundido[83] entre as nações nas quais,
mais tarde, eles derramariam seu sangue.
Os discípulos jamais esqueceriam o perfume daquele óleo. A
lembrança de sua fragrância e a devoção que representava
permaneceram com eles até o dia em que eles derramaram seus
próprios vasos na mesma santa devoção que arrebatou essa
preciosa mulher de Betânia.
Maria derramou seu óleo. Os discípulos derramaram seu
sangue. E, aos olhos do Senhor, ambas as ofertas foram belas, não
simplesmente porque custavam muito, mas porque eram motivadas
pelo amor. Esse é o verdadeiro espírito do martírio.
CAPÍTULO QUATRO

O MARTÍRIO COMO UMA EXPRESSÃO DA


GRAÇA

A lém de ser uma expressão da nossa alegria em Deus e do


transbordar do nosso amor por Deus, o martírio é um
dom de Deus. O sacrifício do martírio é um dom da graça.
O verdadeiro martírio que exalta Cristo não nasce do mundo,
da carne ou do diabo. É um fenômeno operado pelo Espírito. É por
essa razão que Paulo foi tão enfático em sua declaração de que
sofrer pelo nome de Jesus, especialmente quando é para a morte, é
uma “obra” de Deus no coração de seu povo. Para os filipenses que
estavam sendo fustigados pela perseguição, ele escreveu:
Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra
em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus. Aliás, é
justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago no
coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e
confirmação do evangelho, pois todos sois participantes da
graça comigo. (Fp 1.6-7)
A evidência da “obra” de Deus “nos” filipenses estava em seu
sofrimento, por terem abraçado e “defendido” o “Evangelho”. Essa
“graça” da qual todos eles estavam “participando” era uma graça
para suportar a afronta e o abuso com paciência, gentileza e
profunda alegria. Mais tarde, ele reitera isso em termos mais
explícitos dizendo que:
Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e
não somente de crerdes nele. (Fp 1.29)
O sofrimento – como o dom da fé – é “concedido” por Deus.
Isso inclui o martírio. É imperativo entendermos que o martírio
nunca deve ser idealizado. Não deve ser forçado ou induzido pela
carne, e nunca deve ser planejado. O sofrimento deve ser recebido
e celebrado, como na perseguição que recaiu sobre os discípulos da
Igreja primitiva: “E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se por
terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome”.
[84]

Quando Jesus chamou seus discípulos para “tomar” as suas


“cruzes” e “perder as suas vidas”, ele não estava pedindo a eles que
procurassem a morte por meio de uma decisão carnal. Em vez
disso, ele os estava chamando para entregar suas vidas nas mãos
dele e permitir que ele escrevesse suas histórias. Era apenas dele a
prerrogativa de determinar se eles morreriam ou não como
mártires. Assim, a Igreja primitiva encarou seu sofrimento,
perseguição e martírio que lhe sobrevieram como presentes
recebidos pela graça.

A TRANSFORMAÇÃO DE SIMÃO PEDRO


Um dos exemplos bíblicos mais claros do martírio como dom da
graça pode ser visto na vida de Simão Pedro. É geralmente
aceito pelos historiadores da Igreja que Pedro foi executado em
Roma, tendo sido crucificado de cabeça para baixo. Por volta de 80-
98 d.C., Clemente de Roma escreveu:
Por causa da inveja e do ciúme, os maiores e mais justos
pilares [da Igreja] foram perseguidos e mortos. Vamos colocar
diante dos nossos olhos os ilustres apóstolos. Pedro, por iníqua
inveja, não suportou uma ou duas, mas muitas lutas e, quando
finalmente sofreu o martírio, partiu para o lugar de glória que
lhe estava reservado.[85] [tradução livre]
Contra as expectativas de Satanás e, sem dúvida, de muitos
dos discípulos, Pedro pagou o preço máximo e sofreu a perda
máxima no martírio. O homem covarde que negou Jesus três vezes
na véspera da crucificação se ergueu pela graça e foi encorajado
pelo Espírito a permanecer fiel em sua devoção a Jesus, até à
morte. A transformação de Simão Pedro, de pescador pecador para
apóstolo e mártir do Cordeiro, terminou em violência, pois a sua vida
foi brutalmente tirada.
É uma alegria celebrar o triunfo da graça no final de sua
história, quando ele morreu como seu Mestre. Mas Pedro não
começou a sua história no mesmo estado de fervor e fidelidade que
vemos no fim. Muito pelo contrário, o martírio de Pedro foi fruto de
uma longa jornada na graça que o preparou para esse sacrifício
consumado.
As Escrituras registram, em detalhes vívidos, o conflito dentro
de Pedro quando Jesus o chamou para “perder a sua vida”. A
resposta de Pedro a esse chamado foi tão inconsistente quanto a
nossa (o que torna seu testemunho tão relevante). Neste capítulo,
vamos acompanhar a vida de Pedro através dos evangelhos,
verificando suas várias respostas ao chamado de Jesus ao
sofrimento e à morte. Veremos Pedro rejeitando esse chamado,
abraçando-o, pervertendo-o, desejando-o, desprezando-o e tudo
mais. E em relação a seu tropeço, veremos a questão do martírio
como uma expressão da graça brilhando como o sol em todo seu
esplendor.
Então, somos beneficiados ao olhar mais de perto a vida de
Pedro e considerar quão radicalmente diferentes eram suas reações
quando confrontadas com a questão do martírio. Esses episódios
nos dão uma visão profunda do verdadeiro espírito do martírio,
principalmente ao ver sua distorção nos erros de Pedro e o triunfo
final da graça.

O CHAMADO INICIAL AO MARTÍRIO – MATEUS 16


A primeira vez que Pedro lidou com a questão do martírio foi em
Mateus 16, após Jesus falar de sua própria execução. Antes de
Jesus descer para Jerusalém para ser crucificado, ele reuniu os
discípulos e disse claramente a eles que seria “morto e ressuscitaria
no terceiro dia”.[86] Ele enfatizou esse evento como a principal razão
pela qual tinha sido enviado. Ao ouvir isso, Pedro se encolheu e
recuou. Mateus registra que Pedro:
...chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem
compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá.
(Mt 16.22)
A visão de Jesus sangrando, sofrendo e morrendo era difícil
demais de suportar. Ele nunca havia considerado um Messias
maltratado e derrotado. Para a mente carnal de Pedro, isso era uma
ofensa. Sua reação? Aqui, em uma das maiores demonstrações de
arrogância humana na história, Simão Pedro chama o Senhor da
glória de lado e o repreende. Ele sequer lhe fez qualquer pergunta
ou demonstrou estar confuso. Pedro o repreendeu. Na tentativa de
resolver a situação antes que ela saísse de controle, Pedro
exclamou: “Isso de modo algum te acontecerá”, como dizendo:
“Agora não, amanhã não, nem na próxima semana, nem nunca".
Mateus registrou o que aconteceu em seguida:
Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és
para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de
Deus, e sim das dos homens. (Mt 16.23)
A resposta de Jesus a Pedro foi tríplice. Primeiro, ele se dirigiu
a Satanás como a fonte da paixão de Pedro. Segundo, ele declarou
que Pedro era um obstáculo para ele, que Pedro era um
impedimento a seus propósitos soberanos. E, terceiro, ele disse que
as convicções de Pedro tiveram sua origem na carne, como
acontece com todos os homens caídos. Não seria exagero afirmar
que essa experiência foi devastadora e humilhante para Pedro: ser
repreendido por seu Rabino diante de seus companheiros.
Jesus percebeu que o antagonismo de Pedro não se limitava a
uma ameaça de perder o melhor amigo. Jesus entendeu que esse
episódio da arrogância de Pedro era o fruto amargo de um sistema
de ofensas profundamente arraigado, relacionado à questão do
sofrimento e da morte. Em vez de decepar o fruto da estupidez de
Pedro e seguir em frente, Jesus então se voltou para seus
discípulos e procurou atingir a raiz, dizendo:
Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após
mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem
perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará
o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou
que dará o homem em troca da sua alma? (Mt 16.24-26)
Esse foi o primeiro chamado público ao martírio nos
evangelhos. Embora Jesus tenha chamado seus discípulos para
suportar sofrimento, perseguição e reprovação diversas vezes
antes, essa foi a primeira vez que Jesus lhes pediu que dessem a
vida da mesma maneira que ele estava prestes a dar a sua. Jesus
estava cobrando deles que se solidarizassem com ele em seus
sofrimentos. Mas perceba a maneira como Jesus articulou esse
chamado. Sofrimento e morte não eram um fim, mas um meio. A
declaração central nessa passagem é: “Siga-me”. Se alguma vez
preconizarmos o chamado para “tomar a cruz” antes do chamado
para “seguir Jesus”, deturpamos nosso Senhor e suas palavras.
Jesus colocou a ênfase primária em segui-lo e não na morte. Ele
estava pedindo que buscassem por ele, não pelo suicídio. No
entanto, em sua onisciência, sabia que isso resultaria em morte para
quase todos eles. Suas mortes não foram fruto da busca pelo
martírio, mas de seguirem Cristo. Hovey diz com razão que:
Não é possível se tornar um mártir buscando diretamente isso
ou, de alguma forma, matando a si mesmo. O martírio é
diferente do suicídio. Buscar o martírio é sucumbir à tentação
de separar “tome a sua cruz” de “siga-me”.[87]
Esse apelo fundamental à renúncia, à crucificação e à perda
da vida foi um momento decisivo na vida de Pedro. Até esse ponto,
Pedro não tinha um modelo de sofrimento, crucificação ou
martírio. A própria menção disso foi uma ofensa ao seu triunfalismo
carnal. De muitas maneiras, particularmente em relação à
compreensão e à aceitação do chamado de Cristo ao martírio, foi
aqui que a jornada de Pedro começou. Da mesma forma, é
onde nossa jornada começa. Nenhum de nós acha, de imediato,
que o chamado à morte é agradável. Nós o consideramos
profundamente ofensivo. Frequentemente, como Pedro, nós
também estamos tão seguros de que nossas convicções são sábias
e têm exatidão teológica que não sentimos vergonha de rejeitar o
chamado atrevidamente diante de Jesus. Eu acredito que todos nós
podemos ser culpados disso em algum momento ou outro. Faríamos
bem, como fez Pedro, em começar nossa jornada com a dolorosa
percepção de que a nossa mente está cheia dos pensamentos
humanos e não dos pensamentos de Deus. Se não nos
arrependermos, essa mentalidade passa a ser um “impedimento”
para Jesus e um perigo para nós mesmos.

O CENÁCULO – MATEUS 26 E JOÃO 13


Na véspera da crucificação, Jesus reuniu seus discípulos e procurou
informá-los sobre o que estava para acontecer. Suas palavras
naquela noite tiveram um profundo impacto em Pedro. Mateus 26 e
João 13 registram a interação:
Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco; buscar-me-eis,
e o que eu disse aos judeus também agora vos digo a vós
outros: para onde eu vou, vós não podeis ir. Novo mandamento
vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos
amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão
todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos
outros. Perguntou-lhe Simão Pedro: Senhor, para onde vais?
Respondeu Jesus: Para onde vou, não me podes seguir agora;
mais tarde, porém, me seguirás. Replicou Pedro: Senhor, por
que não posso seguir-te agora? Por ti darei a própria vida.
Respondeu Jesus: Darás a vida por mim? Em verdade, em
verdade te digo que jamais cantará o galo antes que me
negues três vezes. (Jo 13.33-38)
Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser um tropeço para
todos, nunca o serás para mim. Replicou-lhe Jesus: Em
verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo
cante, tu me negarás três vezes. Disse-lhe Pedro: Ainda que
me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te
negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo. (Mt 26.33-
35)
Compare a linguagem usada por Pedro nessas duas
passagens com a linguagem usada por Jesus em Mateus 16. Jesus
diz: “Siga-me” e “Perca a sua vida”. Então, em João 13, depois de
dizer: “Para onde vou, não me podes seguir agora”, Pedro diz: “Por
que não posso seguir-te agora?” e “Por ti darei a própria vida”. No
registro de Mateus, Pedro diz: “Ainda que me seja necessário
morrer contigo, de nenhum modo te negarei!”.
As declarações de Pedro em João 13 e Mateus 26 foram suas
tentativas de abraçar o chamado de Jesus, narrado em Mateus 16.
Enquanto Pedro estava convencido da nobreza de sua lealdade ao
seu Mestre, Jesus percebeu que algo estava errado no coração de
seu amigo. Em vez de honrar o voto de lealdade de Pedro, o Senhor
aproveitou a situação para humilhá-lo diante de seus colegas,
dizendo: “Você me negará três vezes”.
Essa interação no cenáculo é profundamente relevante para
nossa consideração do chamado ao martírio. Em Mateus 16, Pedro
rejeita o chamado à morte. Em Mateus 26 e João 13, ele o
aceita. Mas em ambos os episódios Jesus o repreende. Tanto a
rejeição como a aceitação de Pedro ao chamado para tomar a cruz
e morrer foram ofensivas para Jesus.
A disposição de Pedro, no cenáculo, de morrer com Jesus,
representa o segundo estágio que cada um de nós deve percorrer
na jornada de perder as nossas vidas por amor a ele. Inicialmente,
todos nós, como Pedro, reagimos com ofensa e rejeição ao
chamado (Mateus 16). No entanto, mesmo quando o aceitamos,
como fez Pedro, fazemos isso de maneira ofensiva ao Senhor, por
causa do nosso orgulho, elitismo, competitividade e arrogância
(Mateus 26).
Podemos acreditar que ambos os estágios são necessários e,
até certo ponto, inevitáveis. Ninguém chamado por Jesus começa
sua jornada como um seguidor maduro. Todos nós começamos
como pobres seguidores de um Grande Líder que nunca nos
deixará ou nos abandonará, mesmo quando nós, como Pedro,
passamos de um extremo ilegítimo a outro.

O JARDIM – JOÃO 18, MATEUS 26 E LUCAS 22


O espírito profano de martírio de Pedro atinge sua expressão
máxima horas depois, no Jardim do Getsêmani, quando Judas
chega com os guardas para prender Jesus. João 18, Mateus 26 e
Lucas 22 descrevem isso de diferentes perspectivas:
Então, Simão Pedro puxou da espada que trazia e feriu o servo
do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita; e o nome do
servo era Malco. Mas Jesus disse a Pedro: Mete a espada na
bainha; não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu?
(Jo 18.10-11)
Diante da violência, Pedro usou de força para evitá-la. Porque
não entendia o propósito da morte de Jesus tampouco a
necessidade de seu sofrimento, Pedro procurou impedir de vez a
situação por meio de uma agressão física. No entanto, ao mesmo
tempo, Pedro estava expressando seu desejo sincero, mas não
santificado, de morrer com Jesus. Quando ele sacou a espada
contra o guarda, presumivelmente em uma tentativa de golpear seu
pescoço, Pedro estava colocando sua vida em risco. O problema, no
entanto, era que esse não era o tipo de morte para a qual Jesus o
chamara. A morte para a qual Cristo chamara Pedro era uma morte
de humilde submissão aos perseguidores que injustamente
infligiriam violência contra ele por sua lealdade a Jesus.
Infelizmente, Pedro ainda não entendia isso e, aparentemente, nem
os outros discípulos.
Os que estavam ao redor dele, vendo o que ia suceder,
perguntaram: Senhor, feriremos à espada? Um deles feriu o
servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a orelha direita. Mas
Jesus acudiu, dizendo: Deixai, basta. E, tocando-lhe a orelha, o
curou. (Lc 22.49-51)
O verdadeiro espírito do martírio é manifesto no doloroso
contraste entre a disposição dos discípulos de “atacar com a
espada” e a rendição voluntária de Jesus a seus inimigos. A
manifestação se torna ainda mais radiante quando Jesus estendeu
a mão para tocar e curar a ferida de seu adversário, antes de ser
arrastado para o seu próprio julgamento. Ao repreender Pedro e
curar o guarda, Jesus declarou publicamente sua desaprovação ao
golpe rancoroso desferido por seu covarde seguidor.
Esse episódio esclarece de forma maravilhosa a teologia do
martírio que glorifica a Deus. As repreensões de Jesus a Pedro e
aos discípulos nos mostram o que ele não esperava [deles ou de
nós]. E seu toque amoroso no guarda a quem Pedro havia ferido
é um exemplo do que ele esperava de seus discípulos.

AS NEGAÇÕES – JOÃO 18
Logo depois que Jesus curou o guarda, repreendeu Pedro e foi
levado pelos guardas, Pedro foi novamente confrontado com a
questão do martírio. Quando Jesus foi levado à corte do sumo
sacerdote, Pedro ficou do lado de fora, aguardando notícias do que
estava por vir naquela noite trágica. Lá, foi abordado por uma criada
encarregada de vigiar a porta da corte e, mais tarde, por um parente
do homem que ele havia atacado. Esse foi o cenário da famosa
tripla negação de Pedro ao seu Senhor. Perguntaram-lhe se era um
seguidor de Jesus e se era o homem que havia desembainhado a
espada no jardim contra o soldado, ao que Pedro respondeu: “Não
sou eu”. Na terceira vez que disse isso, o galo cantou, exatamente
como Jesus havia profetizado. Isso deu início às 72 horas mais
sombrias já experimentadas por Pedro.

A PRAIA – JOÃO 21
Em Mateus 16, Pedro rejeita o chamado ao martírio. Em João 13,
ele o aceita, mas de maneira pecaminosa. Em Lucas 22, ele
manifesta sua rejeição ao chamado e o espírito corrompido com o
qual ele o aceitara no cenáculo. Finalmente, em João 18, ele se
retira em covardia e publicamente nega a Jesus por três vezes.
No entanto, a história chega ao seu clímax redentor em João
21, onde Jesus aparece na praia ao amanhecer e chama Pedro,
Tomé, Natanael, Tiago e João, que decidiram voltar a pescar após a
morte do seu Rabino.
É difícil imaginar a agonia mental de Pedro nesse momento da
história. Pode-se argumentar que os outros discípulos haviam
permanecido fiéis ao seu Senhor até o fim. No entanto, Pedro não o
havia negado apenas uma vez, mas três vezes e, portanto, havia
quebrado a comunhão com Cristo. Alguns comentaristas sugerem
que foi em confusão, desânimo e humilhação que Pedro voltou para
a sua ocupação anterior, talvez sentindo a sua própria falta de valor
para um chamado superior.
Em um dos episódios mais belos dos evangelhos, Jesus
recompõe o cenário em que ele se apresentou a Pedro e o chamou
para segui-lo. Jesus se aproximou de Pedro pela primeira vez na
praia, em Lucas 5, depois de os pescadores passarem uma longa
noite sem sucesso. Aqui, em Lucas 21, o Senhor se aproxima de
Pedro novamente sob as mesmas circunstâncias – outra longa noite
sem peixes. Em ambas as passagens, Jesus ordena aos homens
que lancem suas redes no lado direito do barco. Na primeira
ocasião, em Lucas 5, as redes se partiram. No entanto, aqui em
João 21, é dito que “não obstante serem tantos [peixes], a rede não
se rompeu” (v. 11).
Na segunda vez em que estão na praia, a resposta de Simão
Pedro ao Senhor ressurreto é profundamente comovente. Apenas
alguns capítulos antes, lemos sobre ele se encolhendo, se
distanciando e negando a Cristo; aqui, vemos o mesmo homem,
com o coração partido, saltando na água, desejando
desesperadamente diminuir a distância que o separa de seu
Senhor. Em essência, Jesus estava oferecendo um recomeço a
Pedro. Ele estava lhe concedendo a chance de entregar sua vida
novamente. Sim, Pedro tropeçou [e caiu], mas não para permanecer
caído, e Jesus não permitiu que esse fosse o fim da sua
história. Aqui, “ao clarear da madrugada” (v. 4), anunciando um novo
dia depois de uma noite improdutiva, Jesus provaria ternamente que
suas misericórdias são de fato “novas a cada manhã” e “grande é a
sua fidelidade”.[88] Olhando nos olhos tão envergonhados de Pedro,
Jesus perguntou calmamente:
Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro:
Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele
respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse:
Apascenta os meus cordeiros. Tornou a perguntar-lhe pela
segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe
respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus:
Pastoreia as minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus lhe
perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro
entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me
amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu
sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas
ovelhas. Em verdade, em verdade te digo que, quando eras
mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde
querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e
outro te cingirá e te levará para onde não queres. Disse isto
para significar com que gênero de morte Pedro havia de
glorificar a Deus. Depois de assim falar, acrescentou-lhe:
Segue-me. (Jo 21.15-19)
No final da história da transformação de Pedro, com a
comunhão restaurada, encontramos Jesus profetizando a Pedro
sobre sua futura execução. Depois de exortá-lo a abraçar o
chamado à liderança com a ordem de “apascentar os meus
cordeiros”, “pastorear as minhas ovelhas” e “apascentar as minhas
ovelhas”, Jesus o encarregou mais uma vez de abraçar o chamado
ao martírio. Ele revelou que as mãos de Pedro estariam
“estendidas” quando ele estivesse “sendo vestido” e fosse “levado
para onde ele não queria ir”. Ele derramaria sua vida como uma
oferta ao homem mais bondoso que ele já conhecera. E essa oferta
“glorificaria grandemente a Deus”.

REVISTAM-SE COM ESSA MESMA MANEIRA DE PENSAR


A jornada de Pedro começou com uma resistência fervorosa à ideia
de crucificação, e terminou em uma execução que glorificou a
Deus. O propósito de Deus foi cumprido. A graça havia triunfado, e
Cristo foi honrado tanto na vida como na morte de Pedro.
É importante para nós considerarmos e compreendermos cada
um dos diferentes estágios do crescimento de Pedro na graça do
martírio, pois eles representam os mesmos estágios de crescimento
pelos quais nós também devemos passar. A jornada de Pedro traz à
luz as formas pelas quais os seguidores de Jesus redimidos, mas
imaturos, respondem aos seus mandamentos de perder a vida pelo
amor de seu nome. Se ignorarmos essas verdades, também
poderemos ser repreendidos por Jesus por causa de nossa
conformidade com Satanás, exercendo força de forma violenta ou
recuando em covardia e apostasia, quando somos confrontados
com a ameaça de morte por nossa lealdade ao Mestre.
Diante da perseguição, a Igreja é forçada a: rejeitar o chamado
ao martírio, deturpá-lo ou aceitá-lo. Aceitá-lo requer uma
compreensão do sofrimento dentro dos propósitos de Deus e uma
renovação de nossa mente de acordo com a sua Palavra. Depois de
ser transformado, foi Pedro quem chamou os outros para aceitar o
mesmo chamado, dizendo:
Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do
mesmo pensamento... (1 Pe 4.1a)
Claramente, essa exortação vem de um homem que de uma
vez por todas “compreendeu”, de alguém que resistiu e lutou, lutou e
tropeçou, mas que, no final, se rendeu e abraçou essa mentalidade
transformadora. Para Pedro, a questão do sofrimento era a questão
da graça. Foi uma obra do Espírito Santo na vida de um homem
fraco e quebrado. Considere a tradução literal das seguintes
palavras de 1 Pedro 2.19-20:
Isto, portanto, é graça: se, por uma questão de consciência
para com Deus, um homem persevera diante do sofrimento
quando sofre injustamente. Pois que glória há se, quando você
pecar e for severamente tratado, você suporta com
paciência? Mas se, quando você faz o que é certo e sofre, você
persevera pacientemente, isso é graça diante de Deus.[89]
Irmãos e irmãs, vamos também decidir juntos “nos armar do
mesmo pensamento” demonstrado por Jesus por meio de sua
submissão ao sofrimento e à morte, de acordo com a vontade de
Deus. Esse é o padrão para o qual somos chamados, esse é o
caminho no qual somos chamados a andar. Certamente nós
também podemos abraçar essa comissão, tendo confiança de que o
caminho é percorrido somente pela graça, somente pela fé, somente
em Cristo e somente para a glória de Deus.
Seja no viver seja no morrer, podemos render a adoração
àquele que é o único digno de tudo.
CAPÍTULO CINCO

MARTÍRIO E MISSÕES

O chamado ao martírio é, ao mesmo tempo, parte integrante do


evangelho e indispensável para o exercício das missões
globais. A teologia do martírio não é apenas uma questão de
discipulado pessoal, mas está associada à Grande Comissão. Como
seguidores de Cristo, devemos ser fiéis e consistentes ao falar
sobre isso, especialmente no que diz respeito à difícil tarefa da
evangelização global, em uma época cada vez mais hostil. O
“sangue dos mártires é como uma semente”[90] que deve ser
semeada no campo das nações, antes de brotar do solo a salvação.
O avanço do Evangelho entre os povos não alcançados da
terra sempre foi custoso. A história mostra que, tradicionalmente, as
raízes da Igreja crescem melhor nos solos encharcados com o
sangue dos missionários – aqueles que consideraram mais precioso
fazer Cristo conhecido entre as nações do que preservar suas
próprias vidas. Somos tão tolos a ponto de acreditar que tal preço
não será exigido de nós em nossa própria geração, uma geração
em que mais de seis mil grupos étnicos ainda não ouviram o
Evangelho?
Da mesma forma que a ressurreição de Jesus foi precedida por
sua morte e sepultamento, a vitória do Evangelho entre as nações
também deve ser precedida pelo sacrifício de servos
abnegados. Em João 12, Jesus deixou isso claro ao declarar que
sua morte deveria ser um modelo e um exemplo para aqueles que o
seguiriam e serviriam.
Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora de ser glorificado o
Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão
de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se
morrer, produz muito fruto. Quem ama a sua vida perde-a; mas
aquele que odeia a sua vida neste mundo preservá-la-á para a
vida eterna. Se alguém me serve, siga-me, e, onde eu estou, ali
estará também o meu servo. E, se alguém me servir, o Pai o
honrará. (Jo 12.23-26)
A menos que os missionários caiam na terra e morram, eles
permanecerão sozinhos; mas se morrerem, darão muito fruto. Foi
assim com Jesus, o maior missionário de todos. E, segundo ele,
deve ser assim com todos os que o servem e o seguem nos campos
prontos para a colheita entre os grupos não alcançados e não
engajados.

O EVANGELHO DO REINO E O FIM DA PRESENTE ERA


Muitos dos principais missiólogos acreditam que, apesar do fato de
existir mais de seis mil grupos étnicos não alcançados no planeta,
não só é possível que eles sejam alcançados pela geração
de nossos filhos,[91] alguns até estão dizendo que é provável que
eles de fato o sejam. Isso é empolgante, mas também deveria nos
levar a refletir, por vários motivos.
Em primeiro lugar, Jesus disse que quando “o evangelho do
reino for proclamado em todo o mundo como um testemunho
para todas as nações... então o fim virá” [paráfrase].[92] Isso significa
que as missões globais e a consumação desta era se entrelaçam
nos propósitos soberanos de Deus. Se estamos prestes a ver todas
as nações receberem um testemunho, então também estamos no
limiar do fim desta era e da inauguração da próxima.
Em segundo lugar, significa que nossa geração recebeu o
privilégio sublime de engajar as nações e os grupos étnicos que
foram relegados ou esquecidos nos últimos dois mil anos da história
da Igreja. Amigo, eles foram relegados ou esquecidos por um
motivo. Lembrar-se deles e relacionar-se com eles requer uma
mentalidade de mártir.

A DIFERENÇA ENTRE O MINISTÉRIO LOCAL E AS MISSÕES


PIONEIRAS
O chamado ao martírio não é reservado exclusivamente aos santos
que vivem em nações hostis e enfrentam a ameaça de violência por
sua fé em Jesus. É algo que todo crente é chamado a abraçar. No
entanto, sem minimizar ou negar essa realidade, vamos agora
considerar a importância de abraçar uma mentalidade de mártir
especificamente dentro de missões pioneiras. Para tanto, é
essencial primeiro distinguir entre o ministério local e as missões
pioneiras.
No Novo Testamento, há uma distinção clara entre o trabalho
do evangelista em um local onde o Evangelho já penetrou e em um
local onde o nome de Jesus nunca foi falado. Uma comparação
entre duas passagens torna essa distinção bastante clara. Em 2
Timóteo, lemos as palavras de Paulo a um jovem que estava
estabelecido em uma cidade (possivelmente Éfeso) onde Paulo já
havia trabalhado anteriormente.[93] Ele escreveu para Timóteo
dizendo:
Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições,
faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu
ministério. (2 Tm 4.5)
O “trabalho de um evangelista” e o “ministério” para os quais
Timóteo fora chamado estavam centralizados em uma cidade onde
o Evangelho já havia sido pregado e uma igreja já havia sido
plantada. Isso é o que queremos dizer com “ministério local”. Ele
estava trabalhando em um local onde o Evangelho já havia
chegado. Ele trabalhava arduamente em uma comunidade na qual
as sementes da verdade do Evangelho já estavam sendo
espalhadas por uma igreja já plantada. Vamos comparar essa
realidade com a realidade de Romanos 15, onde Paulo explica seu
próprio chamado:
...esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não
onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre
fundamento alheio... (Rm 15.20)
Timóteo estava cumprindo um ministério
de evangelismo local. Paulo estava cumprindo um ministério
de evangelismo pioneiro. Timóteo estava “construindo sobre um
fundamento” estabelecido por “outro”. Paulo foi motivado pela
paixão de plantar igrejas em regiões onde elas não existiam.

ABRAÇANDO O CHAMADO ÀS MISSÕES PIONEIRAS


Tanto as missões pioneiras como o evangelismo local são
chamados legítimos e indispensáveis para o avanço dos propósitos
de Deus nas nações. Por isso, é importante não priorizarmos um em
detrimento do outro. Ambos devem ser honrados, proclamados e
aceitos. Alguns são chamados a derramar-se em “Éfeso”, onde o
Evangelho já criou raízes; alguns são chamados a derramar-se na
“Macedônia”, onde o nome do Senhor ainda não foi confessado pela
língua de um indivíduo sequer. Devemos ter o cuidado de nunca
considerar um mais importante do que o outro. No entanto, dito isso,
é evidente que a Igreja precisa realizar missões pioneiras de forma
consideravelmente mais ampla do que vem sendo realizado
atualmente.
Em nossos dias, as missões pioneiras simplesmente não são
uma prioridade para a maioria das igrejas ocidentais, e isso é
trágico. Investimos menos de 1% dos nossos recursos em
ministérios para os povos não alcançados. Isso significa que: ou
Deus não está preocupado com a questão (o que o
torna responsável pela maneira como a maioria desses povos são
relegados), ou nós temos sido indiferentes (recaindo sobre nós tal
negligência). O site de uma organização de missões coloca desta
forma:
Se todos estão obedecendo ao “chamado” de Deus para ser
um missionário onde quer que estejam, então Deus está
chamando 99,9995% das pessoas para trabalhar entre os
44,3% da população mundial que já tem o Evangelho, e
chamando quase ninguém (0,0005%) para deslocar-se entre os
outros 53,7% da população mundial que não são cristãos. A
probabilidade de você sofrer um acidente de avião é maior do
que você ser um dos dois bilhões de cristãos no mundo que
são missionários entre os povos não alcançados (UPG –
Unreached People Groups).[94]
O fato de nós, no Ocidente, estarmos tão despreocupados e
não nos envolvermos com os povos não alcançados é uma injustiça
de proporções épicas. Ainda assim, depois de dois mil anos, metade
da população da terra nunca encontrou um embaixador de Cristo!
No livro O segredo espiritual de Hudson Taylor, o filho e a nora
do missionário pioneiro lembram a história de uma interação entre
Taylor e um novo e profundamente grato convertido na China. O
novo crente confrontou-o e:
...inesperadamente, levantou a questão: “Há quanto tempo as
boas novas são anunciadas em seu país?”. “Algumas centenas
de anos”, foi a resposta relutante [de Taylor]. “O quê? Centenas
de anos? Meu pai procurou a verdade”, continuou ele com
tristeza, “e morreu sem encontrá-la. Oh, por que você não veio
antes?” Foi um momento difícil, uma dor que Hudson Taylor
nunca mais poderia esquecer, e que aprofundou sua seriedade
na busca de levar Cristo àqueles que ainda não haviam sido
alcançados.[95]

LIVRE DO MEDO DA MORTE


A pergunta dirigida a Taylor permanece como uma acusação contra
a Igreja de nossa geração e como um desafio para todo
crente. Por que tão poucos foram? Por que ainda existem tantos
povos não alcançados? Por que não há trabalhadores em tantos
campos maduros para a colheita? A resposta a essas perguntas é
simples: medo. Medo da perda, medo da dor, medo da morte. Para
abraçar o chamado às missões pioneiras, devemos primeiro nos
libertar da escravidão do medo. Uma das maneiras pelas quais
Deus liberta seus obreiros de tal opressão é através do testemunho
daqueles que foram antes de nós e descobriram que Cristo é mais
precioso do que a vida e vale mais do que a dor momentânea da
morte. Entre essa companhia de mártires missionários está John G.
Paton (1824-1907).
Paton era um missionário escocês em Vanuatu (uma das ilhas
do Pacífico conhecida como as Novas Hébridas). Ele pagou um
preço imensurável abraçando o mandato para as missões pioneiras.
Ele enterrou cinco filhos e sua primeira esposa no campo e viu
muito pouco fruto de seu custoso ministério. Por meio de tudo isso,
a revelação da dignidade de Cristo o sustentou, a compaixão pelos
povos não alcançados o motivou e a realidade do martírio o
inspirou. Embora tenha morrido de causas naturais, aos 82 anos,
Paton merece ser contado entre os mártires. Ele era um homem
morto.
Antes da chegada da família Paton, John Williams e James
Harris, da Sociedade Missionária de Londres, desembarcaram nas
margens de Vanuatu, em novembro de 1839. Eles foram os
primeiros cristãos a pisarem nas ilhas. Seu ministério foi de curta
duração. Poucos minutos depois de chegarem à ilha de Erromango,
ambos foram brutalmente mortos e devorados por
canibais. Quarenta e oito anos depois, John Paton entendeu que
essa era razão para seguir seus passos dizendo:
As Novas Hébridas foram batizadas com o sangue dos
mártires; dessa forma, Cristo está afirmando a todo o mundo
cristão que ele reivindicou essas ilhas para si.[96]
Paton não foi intimidado pela morte dos missionários. Ele foi
inspirado e encorajado. Ele sabia que o derramamento do sangue
deles garantiria uma colheita de vidas para Cristo. E então ele foi
colher.

O SERVIÇO MAIS NOBRE DE TODOS


O fim do ministério de Paton é tão comovente quanto o começo.
Olhando para os anos de trabalho entre os canibais de Vanuatu, ele
escreveu:
Deixe-me registrar minha convicção inabalável de que esse é o
serviço mais nobre ao qual qualquer ser humano pode dedicar-
se ou deixar-se consumir; e que, se Deus me permitisse viver
minha vida novamente, sem hesitar, eu a ofereceria no altar de
Cristo, para que ele pudesse usá-la como antes, em ministérios
semelhantes de amor, especialmente entre aqueles que nunca
ouviram o nome de Jesus. Nada do que suportei, e nada que
possa acontecer comigo agora, me causa medo. Pelo contrário,
me regozijo profundamente quando faço uma oração de
entrega agradável ao bendito Senhor, pedindo que converta o
coração de todos os meus filhos para o trabalho no campo
missionário e que abra as portas para o serviço, de forma que
eles possam ter orgulho e alegria de viver e morrer por levar
Jesus e seu Evangelho ao coração do mundo dos pagãos![97]
Ah! Que Deus levante uma geração de jovens missionários
que são livres do medo da morte! A colheita ainda é abundante e os
trabalhadores ainda são poucos!

O DESEJO DE ED MCCULLY
Muitos missionários na segunda metade do século passado
encontraram coragem para abraçar o chamado pioneiro após o
assassinato dos “cinco no Equador”. Em uma carta datada de 22 de
setembro de 1950, quase seis anos antes de sua morte, Ed McCully
escreveu para Jim Elliot explicando como Deus o havia chamado
para dedicar sua vida entre os povos não alcançados:
Desde que assumi esse trabalho, algumas coisas aconteceram.
Eu tenho passado meu tempo livre estudando a Palavra. Todas
as noites o Senhor parece se apoderar um pouco mais de mim.
Duas noites atrás, eu estava lendo Neemias. Eu terminei o livro
e o li novamente. Ali estava um homem que deixou tudo no que
dizia respeito à posição para fazer um trabalho que ninguém
mais poderia fazer. E porque ele assim o fez, todo o
remanescente em Jerusalém se voltou ao Senhor. Os
obstáculos e os impedimentos desapareceram e uma grande
obra foi feita. Jim, eu não poderia fugir disso. O Senhor estava
falando comigo. No caminho de casa ontem de manhã, fiz uma
longa caminhada e cheguei a uma decisão que sei que é do
Senhor. Com toda honestidade diante do Senhor, digo que
ninguém ou nada além dele mesmo e da sua Palavra tem
qualquer influência sobre o que decidi fazer. Eu tenho um único
desejo agora: de levar uma vida de total renúncia para o
Senhor, colocando toda a minha energia nisso.
Talvez ele me envie para algum lugar onde o nome de Jesus
Cristo não seja conhecido. Jim, eu estou crendo em sua
Palavra e colocando-a à prova. É como se tivéssemos de
assinar um documento em branco, assim como já o fizemos
quando nos convertemos e lhe entregamos nosso coração.
Então por que não estender isso para toda a nossa vida? Se a
vida eterna não é real, então não nos resta mais nada; teremos
desperdiçado toda a nossa vida, sem a esperança de uma vida
futura. Mas se a vida eterna é real, então tudo o que o Senhor
diz é verdadeiro também. Ore por mim, Jim.[98]
Entre aqueles que foram impelidos às missões pelo martírio de
Ed McCully e seus companheiros encontra-se David Sitton. David
investiu a maior parte de sua vida adulta ao trabalho de levar o
Evangelho ao povo tribal de Papua-Nova Guiné. Em seu
livro Reckless Abandon (Abandono Total) (inspirado na carta acima),
ele escreve sobre como o Senhor o chamou para o ministério
pioneiro. Sua perspectiva de “risco” é profunda:
Aqui está minha justificativa para enviar regularmente
missionários com o Evangelho para um ambiente hostil: o risco
assume a possibilidade de perda e é sempre determinado pelo
valor da missão. O Evangelho é tão valioso que nenhum risco é
irracional. Ganhamos a vida ao perdê-la pelo Evangelho. Se eu
viver, estou no lucro e continuo a pregar a mensagem de
Cristo. Se eu morrer, ganho ainda mais, pois estarei
diretamente com Cristo e ainda posso levar algumas tribos
comigo.
Concluo que “perder minha vida” pelo Evangelho é literalmente
impossível, porque meus anos na terra têm menos valor em
comparação ao Evangelho eterno... Se isso for verdade, não há
risco significativo para mim como portador do Evangelho de
Cristo. Se algum chefe tribal cortar a minha cabeça, ele estará
me fazendo um favor. Pense nisso. Se eu puder (não por
obrigação) entregar minha vida em algum pântano remoto na
floresta, e Deus usar a minha morte como um testemunho para
que algumas pessoas, entre algum povo não alcançado, em
algum lugar do mundo, voltem seus olhos para Cristo e para
sua mensagem, isso não é um “risco” ruim para mim. Eu não
perdi; eu venci! Terá sido a barganha de toda uma vida, porque
Jesus vale muito mais do que minha pequena vida.[99]
Se, como embaixadores do Evangelho, não estamos dispostos
a sofrer tanto quanto sofrem soldados e bombeiros, será que é por
que não valorizamos Cristo e o Evangelho o suficiente para nos
sacrificarmos significativamente por seu avanço nas regiões não
alcançadas? Jesus simplesmente não vale o risco para muitos de
nós? Qual é o limite a partir do qual não vale mais a pena seguir
pregando o Evangelho?

INVESTIR NOSSO TUDO PARA FAZER CRISTO CONHECIDO


ENTRE AS NAÇÕES
Para aqueles que desejam contribuir para a conclusão do trabalho
que os apóstolos começaram em Jerusalém há dois mil anos, a
teologia do martírio é essencial. Foi essencial no início e será
essencial no fim. É o padrão para o qual nós, como missionários,
somos chamados, e é o padrão para o qual devemos chamar
outros. Se a questão do martírio não for enfatizada, a Igreja nas
nações não estará preparada para as pressões associadas à
Grande Comissão. O empreendimento da evangelização mundial
exigirá o investimento de tudo o que temos, até mesmo o nosso
sangue.
Apelando à Igreja ocidental para que abrace o risco do martírio
em prol das missões pioneiras, o Dr. Michael L. Brown conta a
história de um evangelista indiano que considerou a morte como um
ganho:
Em 1984, depois de ouvir K. P. Yohannan, do ministério O
Evangelho para a Ásia, pregar uma mensagem desafiadora,
um cristão chamado Samuel abriu mão de seu bom emprego
no sul da Índia e mudou-se com a sua família para a região de
Karnataka. Lá ele começou a pregar aos hindus não
alcançados, conhecidos por sua hostilidade ao Evangelho. O
Senhor abençoou a obra e até mesmo um sacerdote hindu
experimentou o novo nascimento.
Isso era mais do que os extremistas podiam aceitar. Em um
domingo, eles invadiram a reunião e bateram severamente em
Samuel com barras de ferro, quebrando sua mão, braço, perna
e clavícula. Quando seu filho de sete anos de idade correu e
gritou: “Por favor, não mate nosso papai!”, eles atingiram o
menino na espinha, quebrando suas costas. Então eles foram
embora, avisando Samuel que se ele pregasse lá novamente,
eles o matariam. O espancamento foi tão grave que Samuel e
seu filho ficaram hospitalizados por vários meses.
Após ter alta, Samuel participou de uma reunião de
colaboradores com K. P. Yohannan. Na primeira noite, durante
um período de oração, seu braço foi sobrenaturalmente curado
da paralisia que ele estava sofrendo como resultado da
surra. Na noite seguinte, ele testemunhou o que havia sofrido
recentemente pelo Senhor.
K. P. perguntou a Samuel: “O que você vai fazer agora?”. Com
uma determinação pacífica, o jovem respondeu: “Estou
voltando. Mesmo se eu for morto, meu sangue será o alicerce
de muitas outras igrejas”.
Ele voltou e continuou a pregar. Seu filho também voltou a
frequentar a escola e também está indo bem. E Samuel batizou
muitos outros convertidos, e foi espancado novamente.[100]
O Cristo crucificado é mais fielmente representado no mundo
através de uma Igreja crucificada. Somos chamados a “preencher o
que resta das aflições de Cristo”.[101] Cristo sangrou para redimir os
homens de todas as tribos e línguas. E embora ele não possa sofrer
na frente deles pessoalmente e visivelmente como fez no monte do
Gólgota, nós podemos. Quando o fazemos, podemos estar certos
de que a sua dignidade é exibida e a sua cruz é magnificada de
forma mais poderosa do que de qualquer outra forma.[102]

CONCLUSÃO
A nossa proclamação do “evangelho do reino para todo o mundo”[103]
será minada se o nosso desejo de preservar nossa vida competir
com o nosso desejo de “completar o [nosso] chamado e ministério, o
qual recebemos do Senhor Jesus, para testificar do evangelho da
graça de Deus”.[104] Ou, para dizer de forma positiva, nossa
contribuição para o cumprimento da Grande Comissão por meio das
missões globais será na mesma medida da nossa convicção de que
vale a pena fazer Cristo conhecido entre aqueles que estão
perecendo, oferecendo o investimento de nossas vidas
mortais. Sem essa convicção, simplesmente não poderemos
contribuir.
CAPÍTULO SEIS

O MARTÍRIO E O ISLÃ

O ministério Joshua Project[105] fez uma extensa pesquisa sobre o


avanço do Evangelho nas nações, entre os povos não
alcançados e não engajados. Essa pesquisa avalia as iniciativas de
missões pioneiras.[106] Em setembro de 2018, foram apresentadas
as seguintes estatísticas sobre o avanço do Evangelho por grupos
étnicos e por população global.

Avanço por grupos étnicos


Total de grupos étnicos: 17.014
Povos não alcançados: 7.079
% de povos não alcançados: 41,6%

Avanço por população


População mundial: 7,5 bilhões
População entre os povos não alcançados: 3,1 bilhões
% da população entre os povos não alcançados: 41,5%

O maior bloco religioso no mapa dos povos não alcançados e


não engajados é o islã. O Joshua Project divulga essas estatísticas
preocupantes.
- A população do mundo muçulmano é de 1.794.938.000.
- Eles representam 23,6% da população mundial.
- Dentro dessa população de mais de 1,7 bilhão de pessoas,
existem 3.618 grupos diferentes de povos não alcançados.
- 84,9% desses 1,7 bilhão de pessoas ainda não ouviram o
Evangelho.

Embora cada bloco religioso constitua um desafio substancial


para a Igreja global, o islã é claramente o mais assustador. É o
maior e o mais hostil. Consequentemente, o número de missionários
no campo é tragicamente pequeno.
Joshua Lingel é o diretor executivo do i2 Ministries (M3 –
Missão Mundo Muçulmano). Ele treina estudantes e missionários
em todo o mundo em apologética cristã ao islamismo. Logo após os
ataques de 11 de setembro, ele explicou o nível de atividade
missionária dentro desse bloco, dizendo que:
Apenas um por cento de todos os missionários cristãos vai
trabalhar entre os muçulmanos (1.800 missionários no
total). Isso significa 1 missionário para cada 550 mil
muçulmanos! Para cada mórmon que você já conheceu,
existem 130 muçulmanos no mundo. Isso seria equivalente a
ter cerca de 5 igrejas e 150 pastores para cobrir toda a América
do Norte. Dito de outra maneira, seria como ter a opção de ir à
igreja no Texas (se você tiver sorte de estar tão perto) ou talvez
em Boston, e em outros três locais nos EUA nas manhãs de
domingo.[107]
Isso deveria nos tirar o fôlego, especialmente considerando
que o desafio de engajar o mundo muçulmano não é
novo. Escrevendo do Bahrein, em 1902, Samuel Zwemer, o
missionário americano, historiador e “apóstolo do islã”, fez um apelo
a uma geração emergente de cristãos dizendo que:
...o século 20 deve ser preeminentemente um século de
missões entre os muçulmanos.[108]
O século 20 passou e a maioria do mundo muçulmano
permanece não alcançada e não engajada. Embora o número de
trabalhadores tenha aumentado consideravelmente desde os dias
de Zwemer, o mesmo ocorreu com a população muçulmana. Em
outras palavras, não estamos mais perto agora, do que há cem
anos, de cumprir a missão de estabelecer um testemunho fiel do
Evangelho entre aqueles cuja lealdade agora pertence a Maomé. As
conhecidas fronteiras do campo se expandiram, e a Igreja no
Ocidente não expandiu proporcionalmente seus esforços para fazer
a colheita. Assim, é uma colheita que permanece pronta, mas em
grande parte não engajada.

A ÚLTIMA FRONTEIRA PARA AS MISSÕES GLOBAIS: O ISLÃ


O desafio de servir o mundo muçulmano exige uma resposta
ponderada e sóbria. Trata-se da última fronteira para as missões
mundiais e o maior desafio da Igreja. Não será o único desafio, mas
será o maior e o mais custoso.
A Igreja está muito atrasada em sua resposta para assumir a
responsabilidade de engajar o mundo muçulmano. Os perigos que
nos acompanham são reais. Mas o mesmo acontece com
os mandamentos bíblicos de pregar o Evangelho a todos os povos e
com as promessas de uma colheita de toda tribo e língua. No
momento em que exaltamos os perigos acima dos mandamentos e
das promessas que os acompanham, nós nos desviamos. Assim,
embora seja tolice ignorar os perigos, devemos ter o cuidado de
enxergá-los à luz de tudo o que Jesus nos ordenou e prometeu.
A maneira pela qual nós, como embaixadores de Cristo,
entraremos em tais regiões hostis do globo é por meio da renúncia
de nossos direitos e expectativas de sairmos vivos delas. Isso não
quer dizer que devemos procurar o martírio, mas sim renunciar a
nossa prerrogativa de evitá-lo a todo custo. Os perigos associados à
missão de evangelizar o mundo muçulmano são reais.
Precisamos entendê-los e, pela graça de Deus, enfrentá-los. O
preço do trabalho para colocar Cristo acima de Maomé, e a lua
crescente e a estrela [símbolos do islã] abaixo da cruz, certamente
será aprisionamento e martírio para muitos. No entanto, para que o
século 21 seja diferente do anterior, devemos estar dispostos a
pagar esse preço.
Então, a pergunta a ser feita pela Igreja é se tal
empreendimento vale ou não o investimento. A julgar pelo fato de
que essas nações recebem tão poucos missionários, podemos
assumir que a maioria da Igreja considera que não. Mas Paulo diria
que sim, independentemente do que consideramos o “sucesso” do
empreendimento. Ser bem-sucedido não era o objetivo de Paulo.
Dar testemunho, sim, e o testemunho ocasionalmente exige o
sangue. Considere sua resposta àqueles que tentaram convencê-lo
a evitar Jerusalém por causa do perigo iminente:
E, agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém,
não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito
Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam
cadeias e tribulações. Porém em nada considero a vida
preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha
carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para
testemunhar o evangelho da graça de Deus. (At 20. 22-24)
Em Atos 21, Paulo responde à mesma advertência que
recebeu no capítulo 20. Mas dessa vez ele não falou de “cadeias” e
“tribulações”, mas de “morte”. Lucas registra a transição dizendo:
Demorando-nos ali alguns dias, desceu da Judéia um profeta
chamado Ágabo; e, vindo ter conosco, tomando o cinto de
Paulo, ligando com ele os próprios pés e mãos, declarou: Isto
diz o Espírito Santo: Assim os judeus, em Jerusalém, farão ao
dono deste cinto e o entregarão nas mãos dos gentios. Quando
ouvimos estas palavras, tanto nós como os daquele lugar,
rogamos a Paulo que não subisse a Jerusalém. Então, ele
respondeu: Que fazeis chorando e quebrantando-me o
coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até
para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus. (At
21.10-13)
Preservar a vida não era a maior ambição de Paulo, e sim
proclamar Cristo por meio da “demonstração do Espírito e de
poder”.[109] Paulo entendeu o que isso exigia. Assim, “preencho o
que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu
corpo, que é a igreja”.[110] Ele entendeu esse mandato desde o dia
de sua conversão, quando Jesus lhe disse o “quanto lhe importa
sofrer pelo meu nome”.[111] Assim, vemos que Paulo é a
personificação de um missionário pioneiro. Ele não considerou sua
vida mais importante do que o Evangelho.
Mais de dois mil anos depois, nosso impacto no mundo
muçulmano depende de abraçarmos essa mesma mentalidade
paulina de valorizar o Evangelho mais do que a vida. Enquanto
permanecermos relutantes em sangrar pela causa de Cristo no
mundo muçulmano, podemos ter a certeza de que haverá pouco
impacto. Felizmente, o fracasso da Igreja em servir essas pessoas
preciosas está sendo de certa forma compensado pelo número de
muçulmanos que estão se convertendo todos os anos por meio de
sonhos e visões. Embora devamos celebrar, isso não deve ser
usado como justificativa da nossa relutância ao chamado para esse
importante campo missionário. George Otis Jr. explica a importância
de um testemunho de mártir em nações muçulmanas:
A Igreja em ambientes que impõem dificuldades políticas ou
sociais deve permanecer encoberta para evitar uma possível
erradicação por forças hostis ao cristianismo? Ou o confronto
mais aberto com a insistente ignorância e privação espiritual
provavelmente geraria, mesmo que produzisse mártires
cristãos, mais avanços evangelísticos? Os fundamentalistas
islâmicos afirmam que sua revolução espiritual é alimentada
pelo sangue dos mártires. É concebível que o fracasso do
cristianismo em prosperar no mundo muçulmano se deva à
notável ausência de mártires cristãos? A comunidade
muçulmana poderia levar a sério as reivindicações de uma
Igreja escondida?... A questão não é se é sábio, às vezes,
manter o culto e o testemunho discretos, mas sim quanto
tempo isso pode continuar antes de sermos culpados de
“colocar a candeia debaixo do alqueire”... O registro mostra
que, tanto em Jerusalém e Damasco como em Éfeso e Roma,
os apóstolos foram espancados, apedrejados, enredados e
presos por causa de seu testemunho. Eles não proclamavam o
Evangelho onde eram convidados e essa nunca foi a premissa
para suas missões.[112]
Devemos abraçar o chamado ao mundo muçulmano com a
convicção de que o martírio não é apenas uma possibilidade, mas
um requisito. Aqueles que estão sendo escravizados pelo
islã precisam de um testemunho de mártir para despertá-los para o
valor superior de Cristo. Ao não sofrer para proclamar o Evangelho,
nosso silêncio grita que não vale a pena morrer pelo nosso
Evangelho. Um Evangelho pelo qual não vale a pena os cristãos
morrerem é um Evangelho pelo qual não vale a pena os
muçulmanos viverem. Como o preço para os muçulmanos
renunciarem Alá por causa de Cristo, em grande parte do mundo
muçulmano, é rejeição, oposição, perseguição, alienação ou morte,
eles precisam saber que tal preço vale a pena. Eles precisam saber
que ele vale a pena. Isso representa um desafio significativo para o
movimento de missões no mundo ocidental. Temos que decidir
como responderemos ao fato de que existem 1,3 bilhão de
muçulmanos não alcançados no mundo muçulmano que, ao nunca
terem sido servidos por uma Igreja crucificada, perecerão sem ouvir
sobre o nosso Cristo crucificado e ressurreto.
O martírio cristão é motivado pelo desejo, gerado pelo Espírito,
de passar a eternidade com seu inimigo a quem ele ama o suficiente
para servir através do sofrimento – até à morte. Até que a Igreja
mostre esse tipo de desejo às nações, particularmente às nações
muçulmanas, seu testemunho não será ouvido, isso se chegar até
eles.
A VIDA E O LEGADO DE RAYMUND LULL
O principal exemplo desse ministério de mártir para o mundo
muçulmano nos registros da história da Igreja é o de Raymund Lull.
Samuel Zwemer chamou-o de “o primeiro missionário [entre os
muçulmanos]”. Ele prefaciou a única biografia sobre Lull existente
na língua inglesa dizendo:
Stock, o secretário editorial da Church Mission Society,
declarou que “não há figura mais heroica na história da
cristandade do que a de Raymund Lull, o primeiro e talvez o
maior missionário entre os maometanos”. Não existe uma
biografia completa de Lull no idioma inglês; e uma vez que o
século 20 deve ser preeminentemente um século de missões
para os muçulmanos, devemos resgatar do esquecimento a
memória deste pioneiro. Suas especulações filosóficas e seus
muitos livros desapareceram, pois ele sabia apenas em parte.
Mas seu amor abnegado nunca falhou e sua memória não
pode desaparecer. Sua biografia enfatiza seu próprio lema:
“Aquele que vive pela vida não pode morrer”. É essa parte da
vida de Lull que tem uma mensagem para nós hoje e nos
chama a reconquistar o mundo maometano para Cristo.[113]
Lull nasceu em 1232, em uma abastada família católica, na ilha
mediterrânea de Maiorca. Ele cresceu e se tornou um homem
perverso e pecador, totalmente dado à imoralidade. Então, em 1265,
sua vida mudou para sempre e a história mudou com isso. Enquanto
escrevia uma canção “vulgar” e “erótica” em seu quarto, ele teve
uma visão clara de Jesus sendo crucificado. Como Saulo no
caminho para Damasco, Lull foi arrebatado por uma visão gloriosa e
vencido pelo vislumbre do Deus-Homem. Zwemer explica o impacto
desse encontro dizendo que:
A imagem do Salvador sofredor permaneceu durante 50 anos
como a principal fonte do seu ser. O amor pelo Cristo pessoal
encheu seu coração, moldou sua mente, inspirou sua caneta e
fez sua alma ansiar pela coroa do martírio.[114]
Ao longo desses 50 anos, Lull se dedicou à causa do
evangelismo aos muçulmanos. Suas paixões eram únicas. Ninguém
jamais havia tentado iniciar um movimento missionário entre os
muçulmanos. Ele foi o primeiro. E ele estava sozinho. Falar sobre
amar os muçulmanos era impensável em seus dias, assim como a
ideia de ganhá-los para Cristo. Sua geração estava muito mais
preocupada em subjugá-los com a espada.
Os exércitos islâmicos haviam tomado a Terra Santa pela força
e estavam empenhados em ganhar o domínio de toda aquela região
estratégica. “Com a velocidade da luz”, escreve J. Herbert Kane,
“eles conquistaram Damasco (635), Antioquia (636), Jerusalém
(638), Cesareia (640) e Alexandria (642)”. Ao contrário dos bárbaros
saqueadores que haviam derrubado o Império Romano mais de dois
séculos antes, os muçulmanos frequentemente traziam consigo a
cultura. Foi uma época em que “a civilização árabe estava no auge”.
[115]

Em resposta, uma sucessão de papas investiu os recursos de


Roma em sangrentas conquistas militares, na tentativa de segurar a
mão pesada do islã. Por dois séculos (1095-1291), a batalha foi
feroz, com uma série de cruzadas. Dezenas de milhares de vidas
foram perdidas. E a animosidade entre cristãos e muçulmanos foi
acirrada. Essa animosidade persiste até hoje, pois as feridas
sofridas durante aqueles séculos nunca foram curadas.
No contexto turbulento da convulsão social, conflitos étnicos e
guerras religiosas, Lull foi forjado como trabalhador e articulador de
missões entre os muçulmanos. Ele corajosamente proclamou que a
guerra contra o islã não deveria ser travada com a espada, mas por
meio da oração, da pregação e do martírio. Contestando as
campanhas militares patrocinadas pela Igreja contra os
muçulmanos, Lull escreveu:
Eu vejo muitos cavaleiros indo para a Terra Santa, além dos
mares, e pensando que eles podem conquistá-la pela força das
armas, mas no final todos são destruídos antes de conquistar o
que eles pensam ter. Parece-me que a Terra Santa deveria ser
conquistada... por meio do amor e das orações e do
derramamento de lágrimas e sangue.[116]
Essas convicções motivaram fervorosas orações pela
consagração dos missionários mártires.
Não encontro ninguém, ó Senhor, que, por amor a ti, esteja
pronto para sofrer o martírio como tu sofreste por nós. Parece-
me aceitável pensar que um decreto pudesse obrigar os
monges a aprender várias línguas para então sair e entregar
suas vidas em amor a ti... Ó Senhor da glória, se naquele
abençoado dia eu pudesse ver teus santos monges, tão
influenciados pelo zelo de te glorificar, indo às terras
estrangeiras para testificar do teu santo ministério, da tua
abençoada encarnação e dos teus sofrimentos amargos, esse
seria um dia glorioso, um dia em que esse resplendor de
devoção seria visto na entrega dos santos apóstolos que
encontrariam a morte por seu Senhor Jesus Cristo.[117]
Motivado pelo amor pelo mundo muçulmano e pelo desejo de
uma coroa de mártir, Lull planejou a criação de centros de
treinamento nos quais os missionários poderiam ser equipados e
comissionados. Ele foi tomado pela visão de enviar trabalhadores de
língua árabe às nações para “colocar o ousado monoteísmo do islã
face a face com a revelação do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Como outros pioneiros que o antecederam, ele “via os mosteiros
como o campo de treinamento ideal para os evangelistas. Ele viajou
muito, apelando à Igreja e aos líderes políticos que apoiassem sua
causa. O rei Jaime II da Espanha foi um dos que captaram sua
visão; e em 1276, com o apoio entusiasta e as contribuições
financeiras do rei, Lull inaugurou um mosteiro em Maiorca com 13
monges franciscanos e um currículo que incluía cursos de língua
árabe e “geografia das missões”. Seu sonho era estabelecer centros
de treinamento em toda a Europa, mas para isso ele tinha que
convencer a hierarquia católico-romana do seu valor – tarefa nada
fácil. Quando visitou Roma em várias ocasiões, suas ideias foram
ridicularizadas ou ignoradas por uma hierarquia da Igreja que estava
mais interessada em prazeres mundanos e engrandecimento
pessoal do que em missões. Ele teve sucesso, no entanto, em
influenciar uma decisão no Conselho de Viena de ter o árabe
oferecido nas universidades europeias, um passo que ele acreditava
“abrir o diálogo entre os cristãos e os muçulmanos”.[118]
Consumido de zelo pelo avanço do Evangelho em todo o
mundo muçulmano, Lull fez numerosas viagens a Túnis (um
poderoso centro do pensamento islâmico), onde pregou
publicamente a superioridade de Cristo sobre Maomé. Lá, ele
implorou amorosamente aos muçulmanos que abandonassem os
ensinos enganosos do Alcorão. Durante esses anos de trabalho, ele
enfrentou feroz perseguição, prisão e expulsão. Tal oposição não o
deteve, apenas despertou sua paixão a cada ano que passava.
Como um homem faminto se apressa em buscar o alimento e,
quando o encontra, come um bocado após o outro para saciar
sua grande fome, este teu servo sente um grande desejo de
morrer para que ele possa glorificar a ti. Ele se apressa dia e
noite para completar seu trabalho, a fim de que possa dar o seu
sangue e derramar suas lágrimas por ti.[119]
Em outro lugar ele orou:
Os homens costumam morrer, ó Senhor, de velhice, de alguma
insuficiência decorrente do calor natural ou do excesso de
frio; mas, se for a tua vontade, assim teu servo não desejará
morrer; ele preferiria morrer no resplendor do amor, assim
como tu estiveste disposto a morrer por ele.[120]
Em 1315, assim como Pedro, se cumpriu o desejo do seu
coração. Zwemer escreveu:
Lull estava agora com 79 anos, e os últimos anos de sua vida
devem ter sido pesados, mesmo com um corpo tão forte e um
espírito tão valente como os seus. Seus alunos e amigos
naturalmente desejavam que ele terminasse seus dias na
busca pacífica do aprendizado e no conforto da companhia dos
amigos. Esse, no entanto, não era o desejo de Lull. Sua
ambição era morrer como missionário e não como professor de
filosofia. Até sua favorita “arte maior” teve de dar lugar à
“grande arte”, expressa no lema do próprio Lull: “Aquele que
vive pela vida não pode morrer”[121].
Naquele ano, ele retornou a Bugia (uma cidade na Argélia, na
qual ele havia sido preso por seis meses por pregar). “Cansado da
reclusão e ansiando pelo martírio”, Lull apresentou-se no mercado
público e começou a pregar. Foi lá que ele alcançou a coroa pela
qual tanto ansiava. Entre uma multidão frenética, ele foi silenciado
quando os muçulmanos, amargurados, o apedrejaram até a
morte. Assim Zwemer escreveu:
Lull foi verdadeiramente um mártir na vontade e na prática. Não
somente em Bugia, quando ele adormeceu, mas em todos os
anos de sua longa vida após sua conversão, ele foi uma
testemunha da Verdade, sempre pronto a “preencher o que
resta das aflições de Cristo” em sua carne "a favor do seu
corpo, que é a Igreja”.[122]
Recebamos o testemunho desse missionário mártir como um
convite para percorrer o mesmo caminho estreito. E oremos para
que o Senhor levante uma geração de trabalhadores que entreguem
suas vidas em amor e serviço ao mundo muçulmano.
CAPÍTULO SETE

MARTÍRIO E MINISTÉRIO

N o capítulo anterior, abordamos a questão do martírio em


relação às missões pioneiras. Neste capítulo, voltamos nossa
atenção para o martírio em relação ao ministério local; ou seja, o
ministério realizado em uma área geográfica na qual já existe uma
igreja estabelecida (em contraste com o ministério realizado em uma
cidade que nunca tenha recebido o Evangelho). 2 Timóteo será
nossa referência.

UMA INTRODUÇÃO A 2 TIMÓTEO


Com relação à prática do ministério local, 2 Timóteo é o livro mais
importante da Bíblia. Nenhum outro livro dá tanta atenção a esse
ministério e aos custos associados a ele. É um presente incrível
para o Corpo de Cristo e deve ser valorizado por cada ministro.
Uma das razões pelas quais esta carta é tão preciosa é o fato
de ter sido a última epístola escrita por Paulo antes de sua
execução. Encarcerado por Roma, preso às correntes e confrontado
com a realidade da morte iminente, ele escreveu a um jovem
chamado Timóteo. Como um apóstolo idoso e experiente, Paulo
escreveu suas últimas palavras a um companheiro e parceiro na
batalha, exortando-o a “cumprir o seu ministério”. Suas palavras
serviram como um prumo para o jovem pastor que lutava com as
dificuldades do ministério ao Corpo de Cristo e os inacreditáveis
desvios da comunidade.
Paulo, como missionário e apóstolo, foi chamado a trabalhar
principalmente em regiões sem a presença de uma comunidade
cristã, entre aqueles que nunca ouviram o Evangelho. Ouça Paulo
descrever os custos associados a esse importante ministério de
estabelecer fundamentos entre os não alcançados. Por causa do
chamado, ele experimentou:
...em trabalhos... prisões; em açoites, sem medida; em perigos
de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma
quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com
varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma
noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas
vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em
perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na
cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos
entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas
vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e
nudez. Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim
diariamente, a preocupação com todas as igrejas. (2 Co 11.23-
28)
O chamado de Timóteo foi diferente. Ele foi escolhido para
trabalhar com uma igreja estabelecida (que provavelmente havia
sido plantada por Paulo anos antes). Enquanto ele, assim como
Paulo, também tinha sido chamado para pregar aos incrédulos, o
trabalho de Timóteo não estava entre aqueles
que nunca tinham ouvido falar, mas entre aqueles que, ouvindo,
haviam rejeitado a mensagem do Evangelho. As exortações de
Paulo a Timóteo foram dadas à luz das pressões, perigos e
dificuldades associadas a esse ministério tão importante.
Enquanto todos somos chamados para valorizar as missões
pioneiras entre os não alcançados e não engajados, a maioria
dos crentes é chamada a ministrar entre os incrédulos no contexto
de uma igreja já estabelecida. Uma minoria viajará a nações
distantes para testemunhar àqueles que nunca ouviram em uma
língua que não é a deles. A maioria permanecerá em casa e
testemunhará a seu próprio povo em sua própria língua. É essencial
valorizarmos esses dois chamados e reconhecermos que Deus
distribui vários dons àqueles que recebem o chamado para o
serviço. E como reconhecemos a importância de ambos, devemos
entender as dificuldades, o sofrimento, a perseguição e o martírio no
contexto de ambos. Portanto, antes de olharmos para 2 Timóteo,
ofereço o que acredito ser a perspectiva apostólica sobre a
perseguição e o martírio relacionados ao ministério local.

OS PERIGOS DO MINISTÉRIO LOCAL


Alguns podem estar inclinados a acreditar que as missões pioneiras
são, de alguma forma, mais perigosas que o ministério
local. Dependendo do país onde estamos, pode ser. Mas a história
da Igreja sugere que o perigo é mais uma declaração da fraqueza
do testemunho da Igreja do que a natureza dos perigos associados
ao evangelismo local. Historicamente falando, a maioria dos
mártires foi assassinada por seu próprio povo, em suas próprias
terras, por causa de sua resposta ao ministério revolucionário dos
missionários pioneiros. Por exemplo, mais crentes indonésios foram
mortos na década de 1990 do que missionários estrangeiros.
Uma vez que o Evangelho entrou [numa cultura] por causa de
um missionário [transcultural], o nível de perigo aumentou, não
diminuiu. Por quê? Porque os crentes nativos estavam agora
testemunhando entre o seu próprio povo. No início, as famílias
missionárias estavam sendo esfaqueadas enquanto dormiam, à
noite. Mais tarde, igrejas inteiras estavam sendo queimadas e seus
membros nativos atacados até a morte. Em dezembro de 2011,
notáveis agências de notícias em todo o mundo relatavam os
ataques violentos contra cristãos na Nigéria e no Iraque. Em ambos
os casos, os assassinos atacaram a igreja como resultado do
ministério local.
Assim, torna-se evidente que testemunhar o Evangelho num
contexto em que há uma proximidade espacial com uma igreja já
estabelecida nem sempre será uma atividade segura. Às vezes, é
exatamente o oposto. Nações ocidentais, como os Estados Unidos,
Canadá e Inglaterra (locais onde o testemunho da igreja está
enfraquecendo e a membresia diminuindo) são exceções à regra. O
ministério local fiel em nações como Síria, Indonésia, Colômbia e
Bangladesh é tão perigoso quanto as missões pioneiras nessas
mesmas nações, pelo fato de que todo crente que declara
publicamente sua lealdade a Jesus de Nazaré pagará o preço de
ser desprezado por essas sociedades. Uma coisa é um missionário
estrangeiro ser rejeitado por uma comunidade que não é a sua;
outra coisa é um crente nativo ser rejeitado por sua própria
comunidade. Quem vai dizer qual é a mais custosa? Eu, por
exemplo, não saberia dizer.
A perseguição mais feroz registrada no livro de Atos foi
experimentada pela Igreja estabelecida em Jerusalém. O mesmo se
aplica às execuções dos primeiros mártires. Estêvão e Tiago foram
mortos em sua cidade natal por aqueles que falavam sua própria
língua. Curiosamente, essa perseguição deu origem às missões
pioneiras. Atos 8 deixa isso claro. Depois de descrever a morte de
Estêvão, Lucas registra que:
E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se
grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos,
exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e
Samaria. Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e
fizeram grande pranto sobre ele. Saulo, porém, assolava a
igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres,
encerrava-os no cárcere. Entrementes, os que foram dispersos
iam por toda parte pregando a palavra. Filipe, descendo à
cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. (At 8.1-5)
“Naquele dia”, Estêvão foi morto em sua cidade natal,
enquanto participava do ministério local entre seu próprio povo (ele
estava servindo aos pobres, fazendo a distribuição de alimentos),[123]
“grande perseguição” irrompeu “contra a igreja em Jerusalém”. A
comunidade foi “devastada”, “suas casas assoladas” e “homens e
mulheres” foram presos. A perseguição de um homem foi o pavio
que desencadeou uma explosão de perseguição contra os crentes
em toda uma cidade. Esse foi o resultado do ministério local de
Estêvão e dos crentes em Jerusalém.
Ainda assim, observe o fruto. “Naquele dia” em que a
perseguição irrompeu, “os que estavam dispersos pregavam a
palavra”. “Filipe foi a Samaria” pregar a mensagem de Cristo, e este
crucificado. Essa passagem marca um momento significativo na
história da Igreja primitiva. Marca o início das missões pioneiras, da
forma como Jesus havia ordenado em Atos 1.8: “em Jerusalém, na
Judéia, Samaria e até os confins da terra”. Atos 11 revela os frutos
da perseguição que irrompeu em Jerusalém depois da morte de
Estêvão:
Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que
sobreveio a Estêvão se espalharam até à Fenícia, Chipre e
Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão
somente aos judeus. Alguns deles, porém, que eram de Chipre
e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos
gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão
do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram
ao Senhor. A notícia a respeito deles chegou aos ouvidos da
igreja que estava em Jerusalém; e enviaram Barnabé até
Antioquia. Tendo ele chegado e, vendo a graça de Deus,
alegrou-se e exortava a todos a que, com firmeza de coração,
permanecessem no Senhor. Porque era homem bom, cheio do
Espírito Santo e de fé. (At 11.19-24)
Observe a mudança de estratégia entre os versículos 19 e 20
de Atos 11. Aqueles que estavam sendo dispersos para novas
fronteiras além de Jerusalém ainda dirigiam a mensagem apenas
aos judeus. O Evangelho ainda não havia penetrado o véu de outra
cultura. “Mas” Lucas registra: “alguns deles, porém,... que foram até
Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o
evangelho do Senhor Jesus”. Assim se deu o nascimento das
missões pioneiras. A causa? A perseguição contra uma igreja
estabelecida por causa do ministério local. O catalisador? O martírio
de um homem – um ministro local que trabalhava entre seu próprio
povo.
Se modelarmos nossos esforços de ministério de acordo com
os precedentes estabelecidos pela Igreja primitiva no livro de Atos,
então devemos concluir:
1. O ministério local não é menos perigoso do que o ministério
pioneiro.
2. A perseguição contra o ministério local (incluindo o martírio)
é o maior catalisador para as missões pioneiras.
3. Se somos chamados ao ministério local ou ao ministério
pioneiro, a perseguição e o martírio devem ser esperados.
Além disso, devemos encarar a perseguição e o martírio como
mais do que apenas a reação natural ao ministério local e às
missões pioneiras, desenvolvidos com fidelidade e
coragem. Devemos também reconhecê-los como uma estratégia
divina empregada por Deus para amadurecer a Igreja e avançar seu
testemunho entre povos, culturas e regiões não alcançadas e não
engajadas. Se pensarmos que o apedrejamento de Estêvão foi
apenas um movimento baseado na raiva islâmica contra a Igreja e
deixarmos de ver a mão providencial de Deus em sua morte, assim
como na perseguição que se seguiu, então não teremos entendido
corretamente. Com esse paradigma teológico e missiológico
estabelecido, a mensagem de 2 Timóteo fará muito mais sentido.

A MENSAGEM CENTRAL DE 2 TIMÓTEO


A mensagem central de 2 Timóteo é encontrada no capítulo 1,
versículos 6 a 8. Esses três versos enquadram a mensagem desta
epístola tão importante.
Por esta razão, pois, te admoesto que reavives o dom de Deus
que há em ti pela imposição das minhas mãos. Porque Deus
não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor
e de moderação. Não te envergonhes, portanto, do testemunho
de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo
contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do
evangelho, segundo o poder de Deus. (2 Tm 1.6-8)
A frase “participa comigo dos sofrimentos, a favor do
evangelho, segundo o poder de Deus” é o principal impulso do apelo
de Paulo a esse jovem trabalhador local. Existem três razões pelas
quais acredito nisso.
Primeiro, podemos ver que um fio de sofrimento redentor em
prol do Evangelho se estende por todo o livro. Paulo menciona a
questão do sofrimento não menos que 14 vezes. Esse é um número
bastante incrível, considerando que o livro tem apenas quatro
capítulos. O tema de 2 Timóteo é sofrimento. As 14 passagens
seguintes deixam isso claro:
Onesíforo... nunca se envergonhou das minhas algemas (1.16).
Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo
Jesus (2.3).
Pelo qual [o evangelho] estou sofrendo até algemas, como
malfeitor (2.9).
Tudo suporto por causa dos eleitos (2.10).
Se perseveramos, também com ele reinaremos (2.12).
Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não
tem de que se envergonhar (2.15).
E ao servo do Senhor não convém contender, mas, sim, ser ...
sofredor (2.24 – ARC).
Nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis (3.1).
Tu, porém, tens seguido... as minhas perseguições e os meus
sofrimentos (3.10-11).
Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo
Jesus serão perseguidos (3.12).
Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições
(4.5).
Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo
da minha partida é chegado (4. 6).
Combati o bom combate (4.7).
Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes,
todos me abandonaram (4.16).
Em segundo lugar, quando Paulo estava trancado em uma cela
imunda, aguardando sua execução, ele estava incorporando e
demonstrando a exortação para “reavivar” o fogo da consagração e
da coragem. Quando Paulo disse a Timóteo para “participar dos
sofrimentos, a favor do evangelho”, no versículo 8, ele estava
pedindo que seu companheiro de ministério abraçasse o mesmo
tipo de oposição que ele mesmo estava experimentando por dar um
testemunho fiel do Evangelho. É profundo que esse verso sobre o
sofrimento venha logo após a exortação para “reavivar” o fogo do
fervor.
A conjunção “portanto” aparece entre as sentenças para
indicar o fim para o qual as chamas foram primeiramente inflamadas
e destinadas a serem reavivadas: (1) para Timóteo superar a
vergonha ao testificar do Senhor Jesus e (2) para Timóteo dar a vida
para sofrer com Paulo. Coloque os dois juntos e você tem esta
mensagem: “Timóteo! Receba a coragem que está disponível para
você por meio da habitação do Espírito Santo e venha sofrer
gloriosamente comigo!” [parafraseado]. O resultado de uma exegese
de 2 Timóteo é o sofrimento.
Terceiro, todos os conselhos, admoestações e exortações de
Paulo visam preparar Timóteo para permanecer firme diante da
pressão. O fim para o qual Paulo está trabalhando é a edificação de
Timóteo. Se Timóteo permanecesse fiel diante da oposição, aqueles
a quem ele foi chamado para servir também permaneceriam. Para
Paulo, tratava-se de uma questão corporativa. Paulo estava
encorajando esse jovem a olhar para as pressões e aflições que
haviam recaído sobre ele como um exemplo do que ele deveria
esperar e antever por causa de sua alta vocação. O objetivo da
carta a Timóteo não era apresentar a doutrina explicativa de Paulo,
como ele o fez em Romanos ou Efésios, mas chamar Timóteo a um
estilo de vida sacrificial, que estava sendo modelado através das
aflições de Paulo quando ele escrevia da prisão. Se isso fosse
fielmente modelado por Timóteo, a Igreja prosperaria. Em termos
pastorais, 2 Timóteo fala sobre o sofrimento.

ABRAÇANDO A TEOLOGIA BÍBLICA DO SOFRIMENTO PELO


EVANGELHO
Nesta carta, nos foi apresentado um paradigma por meio do qual
podemos ver a necessidade de sofrer pelo Evangelho. Essa
estrutura teológica é essencial para entender a carta de Paulo a
Timóteo. A palavra “sofrer” é usada seis vezes. Mas a realidade do
“sofrimento” ocorre cerca de 14 vezes. Esses 14 versículos nos
proporcionam uma perspectiva do chamado de “participar comigo
dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus”.
Timóteo só poderia “participar” do tipo de sofrimento ao qual foi
chamado “segundo o poder de Deus” (1.8). Esse é um ponto
importante. Com muita frequência, o poder de Deus é exaltado
como o meio pelo qual devemos escapar do sofrimento. Mas essa
ideia é contraditória para a mente apostólica. Paulo entendeu que
Deus concede poder para a cura das doenças e também para
enfrentar a morte. Então, se ele demonstrou o poder de Deus
expulsando demônios e ressuscitando os mortos,
ele também demonstrou o poder de Deus suportando os sofrimentos
e, finalmente, abraçando o martírio. Nós também devemos afirmar
ambos.
Quando analisamos o trecho correspondente aos versículos 6-
8 do capítulo 1 como o tema principal da carta, uma quantidade
de verdades contextualmente importantes sobressai. Primeiro,
Paulo estava escrevendo para um jovem tímido, atolado por suas
próprias fraquezas e inseguranças, que recebera um grande
chamado para o serviço. Isso torna esta carta especialmente
importante e relevante para os jovens. E, segundo, Paulo estava
escrevendo para preparar Timóteo para viver corajosamente diante
das pressões que estavam sobre ele, bem como das pressões que
ainda estavam por vir. Jovens que desejam completar sua carreira
com perseverança e dar um testemunho fiel devem guardar as
palavras de Paulo em seus corações.
Onde estão os rapazes e as moças desta geração que
desperdiçarão suas vidas e serão fiéis até à morte? Onde estão
aqueles que perderão suas vidas por causa de Cristo,
lançando-se à causa por amor a ele? Onde estão aqueles que
viverão perigosamente e serão imprudentes em seu
serviço? Onde estão seus amantes, aqueles que o amam e
amam as almas dos homens mais do que sua própria
reputação, conforto ou vida?
Onde estão os homens que dizem "não" ao eu, que tomam a
cruz de Cristo para segui-lo, que estão dispostos a ser
pregados nela na faculdade ou no trabalho, em casa ou no
campo missionário, que estão dispostos, se necessário, a
sangrar, sofrer e morrer nela?
Onde estão os aventureiros, os exploradores, os pioneiros de
Deus, que consideram uma alma humana de muito mais valor
do que a ascensão ou queda de um império? Onde estão os
homens que estão dispostos a pagar o preço da visão?[124]
[tradução livre]
Talvez você esteja desanimado por inseguranças, tentando
desajeitadamente administrar o chamado de Deus em sua vida
(como eu). Por causa de nossa imaturidade e falta de tenacidade,
nós, como Timóteo, podemos sentir que é mais fácil nos afastar
daquilo para o qual fomos chamados. Isso faz com que 2 Timóteo
tenha um valor inestimável para mim. Como um jovem que está
enfrentando as dificuldades de ser fiel no ministério do Evangelho,
eu a recebo como um prumo. Além disso, creio que essa geração
de jovens trabalhadores deve abraçar a teologia do sofrimento do
Novo Testamento, se realmente desejamos ser fiéis em nosso
ministério. Infelizmente, esse é um dos assuntos mais
negligenciados na pregação e no ensino contemporâneos, e grande
parte da Igreja (particularmente no Ocidente) está definhando por
causa disso. Juntos, devemos recuperar a glória dessa valiosa
mensagem.
Para concluir este capítulo sobre o papel do sofrimento,
perseguição e martírio dentro do contexto do ministério fiel ao
Evangelho, compartilho um trecho do sermão de John G. Lake
intitulado A Trumpet Call (O soar da trombeta), que foi pregado em
um culto de envio de missionários sul-africanos no início do século
20. Lake estava se dirigindo a uma geração de jovens missionários
mártires, chamando-os para aquilo que Paulo chamava Timóteo. O
sermão pode ser lido em sua totalidade no Apêndice I.
Amados, perdemos o caráter da consagração... Deus está
tentando restaurá-lo em nossos dias.
Você sabe por que Deus derramou o seu Espírito na África do
Sul como em nenhum outro lugar do mundo? Há um motivo
para isso. Esse exemplo irá ilustrar isso. Contávamos com 125
homens no campo missionário. Fazíamos parte de uma
instituição muito jovem e não éramos conhecidos no mundo. A
África do Sul fica a 11 mil quilômetros de qualquer país
europeu. São 16 mil quilômetros dos Estados Unidos, via
Inglaterra. Nossas finanças haviam diminuído muito, por causa
do terrível ataque que nos sobreveio, a ponto de chegar uma
hora em que eu não podia nem mesmo enviar para esses
trabalhadores, no final do mês, uma nota de dez
dólares. Depois, eu não consegui enviar nem dois dólares. A
situação era desesperadora. O que eu deveria fazer? Nessas
circunstâncias, eu não queria ser responsável pela
permanência desses homens e suas famílias no campo sem
saber realmente quais eram as condições.
Alguns de nós, na sede, em determinadas situações,
vendíamos nossas roupas, vendíamos certos móveis,
vendíamos qualquer coisa que pudéssemos vender, para trazer
aqueles 125 missionários do campo para participar de uma
conferência.
Certa noite, no decorrer de uma dessas conferências, fui
convidado por uma comissão para sair da sala por um ou dois
minutos. Eles queriam ter um tempo a sós. Então eu saí para
um restaurante para tomar uma xícara de café e voltei. Quando
voltei, descobri que haviam disposto as cadeiras em formato
oval, com uma pequena mesa em um dos cantos, sob a qual
estavam o pão e o vinho. O velho ministro Vanderwall, falando
em nome do grupo, disse: “Irmão John, durante sua ausência
chegamos a um consenso. Nós tomamos uma decisão. Nós
queremos que você sirva a Ceia do Senhor. Estamos voltando
para nossos respectivos campos. Vamos voltar ainda que
nossas esposas morram por causa disso. Vamos voltar para
morrer de fome, se for preciso. Vamos voltar, mesmo se
tivermos de voltar a pé. Vamos voltar ainda que nossos filhos
morram por causa disso. Vamos voltar mesmo se isso resultar
em nossa morte. Nós temos apenas um pedido. Se morrermos,
queremos que você venha e nos enterre.”
No ano seguinte, enterrei 12 deles, juntamente com suas
esposas e filhos.
Na minha opinião, nenhum deles, se tivesse alguma coisa que
um homem branco precisa comer para sobreviver, teria
morrido. Amigos, se quiserem descobrir o porquê de o poder de
Deus ter descido do céu sobre a África do Sul como nunca
antes se viu, desde o tempo dos apóstolos, essa é a resposta.
[125]
CAPÍTULO OITO

MARTÍRIO E O FIM

N este capítulo (e em grande parte do próximo), vamos nos


concentrar no chamado para o martírio no fim dos tempos.
A geração da Igreja que testemunhará a volta do Senhor será
confrontada com a questão do martírio de forma dramática e global,
em meio a um “tempo de angústia, tal qual nunca houve”.[126] O
alcance e a magnitude desse tempo final de perseguição ofuscarão
todos aqueles que os precederam. O impacto dessa violência sem
paralelo será tal que os crentes de “todas as nações, tribos, povos e
línguas” sofrerão e perderão suas vidas durante a última “grande
tribulação”.[127] Nunca houve um período na história em que os
crentes foram mortos em todas as nações ao mesmo tempo.
A ênfase do Novo Testamento no martírio durante os anos que
antecederão a volta de Cristo é incrível. Na maioria dos capítulos
em que as principais tendências e eventos relativos ao final dos
tempos são apresentados, a questão do martírio é
mencionada. Entender a centralidade dessa questão em relação aos
propósitos escatológicos de Deus será indispensável para a Igreja
enquanto ela se prepara para “permanecer firme” diante da
tempestade que se aproxima.

INTRODUÇÃO A MATEUS 24-25


Embora existam inúmeras passagens que demonstram a
proeminência do martírio no final dos tempos, vamos nos limitar a
Mateus 24.9-14. Esses versículos contêm várias declarações
relevantes para o nosso estudo. Mas, primeiro, precisamos fazer
algumas observações preliminares sobre Mateus 24-25.
Apesar de o conteúdo de Mateus 24 e 25 se dividir em dois
capítulos em nossa Bíblia, trata-se de um único sermão, que deve
ser lido e entendido como um todo e de forma
unificada. Frequentemente chamado de “sermão profético”, foi
proferido no Monte das Oliveiras, que dá vista para a cidade de
Jerusalém. A mensagem central de Mateus 24-25 é sobre “os sinais
do fim dos tempos e do retorno [de Jesus]” (24.3). Ele foi
proclamado a jovens adultos[128] que desejavam entender a
consumação da história natural.
Nos versículos 1-2, Jesus declarou que o templo seria
destruído. Segundo o Antigo Testamento, a destruição do templo
deveria ser o grande evento[129] sinalizando o “tempo do fim” (Daniel
11.31; 12.1-13) e o “tempo de angústia, qual nunca houve” (Daniel
12.1-7; Jeremias 30.5-7; Mateus 24.15-31). Essa tribulação virá logo
antes da salvação (Jeremias 30.5-7), e da libertação de Israel e da
ressurreição dos mortos (Daniel 12.1-3). Como os discípulos
estavam cientes dessas profecias e entenderam que a destruição do
templo e o “tempo do fim” estavam inextricavelmente unidos (Daniel
12.1-13), eles responderam no versículo 3 perguntando “quando”
esses eventos iriam acontecer e “quais seriam os sinais” de sua
proximidade. De 24.4 até o final do capítulo 25, Jesus responde a
essa pergunta.
A resposta de Jesus pode ser dividida em duas partes:
ensinamento profético (24.1-31) e ensinamento pastoral (24.32-
25.46). Em termos proféticos, Jesus declara tendências e eventos. E
em termos pastorais, explica como devemos viver à luz dessas
tendências e eventos. Para Jesus, a questão do fim dos tempos era
claramente uma questão pastoral. Infelizmente, grande parte da
Igreja ocidental não concorda com ele.
Na primeira parte (profética), não observamos o uso de
metáforas, parábolas ou ensinamentos enigmáticos encontrados em
outras passagens nos evangelhos. Em Mateus 24.1-31, Jesus fala
em linguagem clara sobre eventos literais que teriam seu início de
forma violenta na “Judeia” e chegariam a “todas as nações”, antes
do “fim”. Esses 31 versículos não requerem interpretação. Eles são
literais. A segunda parte é muito diferente.
Na segunda parte (pastoral) (Mateus 24.32-25.46), Jesus fala
em parábolas e metáforas dizendo: “o reino dos céus é semelhante
a…”. Ele afaz alusão a figueiras, aos dias de Noé, servos, virgens,
ovelhas, cabras e muito mais. Essas parábolas foram elaboradas
para complementar as informações proféticas dadas em Mateus
24.1-31.
Quando o significado claro da profecia na primeira metade do
sermão de Jesus não é devidamente compreendido, o poder e o
propósito das parábolas igualmente se perdem. Não devemos ler
esses capítulos como ensinamentos distintos que ocorrem em duas
ocasiões diferentes. Além disso, devemos ter o cuidado de não
enfatizar pontos que não honram ou harmonizam com o sermão
todo. Infelizmente, isso acontece com muita frequência em relação a
essa preciosa passagem, na medida em que os ministros isolam
uma parábola e a aplicam de maneira geral. Portanto, pregadores e
professores devem abster-se de pregar sobre as parábolas e
enfatizar suas mensagens se não entenderem e reconhecerem bem
o seu contexto.
Poucas passagens sofreram tanto abuso nas mãos de
ministros quanto Mateus 24-25. Isso se dá especialmente pelo fato
de que, muitas vezes, o texto é enfatizado de forma inadequada, por
ignorar-se a mensagem geral. As parábolas e exortações pastorais
foram todas dadas no contexto do “então” (25.1) e “naqueles dias”
(24.29) das “dores do parto” (24.8) e da “grande tribulação” (24.1) no
“final dos tempos” (24.3). Essa estrutura escatológica deve ser
fielmente enfatizada.
Abaixo está um esboço com três partes de Mateus 24-25. Essa
perspectiva ampla é essencial para termos uma compreensão
correta dos versos 9-14 e da questão do martírio.

1. A declaração de Jesus sobre o templo e a pergunta dos


discípulos (24.1-3)
a. Jesus profetiza a destruição do templo (24.1-2)
b. Os discípulos perguntam sobre os sinais do fim (24.3)

2. A resposta de Jesus: ensinamento profético


Tendências e eventos que precederão a volta de Jesus (24.4-
31):
a. Distúrbios sociais e ecológicos globais, chamados dores de
parto (24.4-8)
b. Pressões sociais que correspondem às dores de parto (24.9-
14)
c. O início da grande tribulação (24.15-20)
d. A severidade inigualável da grande tribulação (24.21-
28)
e. O fim da grande tribulação (24.29-31)

3. A resposta de Jesus: ensinamento pastoral


Sete parábolas sobre preparação (24.32-25.46)
a. A figueira (24.33-35)
b. Os dias de Noé (24.36-41)
c. O ladrão (24.42-44)
d. O servo fiel e sábio (24.45-51)
e. As dez virgens e o noivo que está chegando (25.1-
13)
f. Os talentos (25.14-30)
g. O menor dos irmãos de Jesus (25.31-46)
A CENTRALIDADE DO MARTÍRIO NO SERMÃO PROFÉTICO
Agora, tendo esclarecido o contexto, vamos nos concentrar em
Mateus 24.9-14, onde Jesus enfatiza a centralidade e a
proeminência do martírio na geração que testemunhará a sua
volta. Depois de descrever terremotos, conflitos militares, fome e
distúrbios sociais como os sinais preliminares que sinalizariam os
estágios iniciais da crise do fim dos tempos (“...porém tudo isto é o
princípio das dores” [24.8]), Jesus diz:
Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de
todas as nações, por causa do meu nome. Nesse tempo,
muitos hão de se escandalizar, trair e odiar uns aos outros;
levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E,
por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase
todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será
salvo. E será pregado este evangelho do reino por todo o
mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim.
(Mt 24.9-14)
A palavra “então” no versículo 9 é importante (veja também
24.29 e 25.1). Isso nos dá uma visão do tempo e da natureza da
perseguição final aos santos. “Então” refere-se às pressões que
estarão se intensificando nas nações, já que a frequência e a
intensidade das “dores de parto” agarram a terra como a uma
mulher que entra em trabalho de parto (“...a tribulação daqueles
dias” [24.29]). “Então” refere-se à época considerada o clímax da
história, que desencadeia o início violento da “grande tribulação”
(24.21-22) na “Judeia” (24.15-16) e, finalmente, o retorno físico de
Jesus ao planeta Terra.
“Então”, naquele tempo turbulento de crescente crise,
“tribulação”, “morte”, “ódio”, “apostasia”, “traição” e “engano” serão
os principais “sinais” dos tempos. Mas, amado, lembre-se dessas
duas verdades cruciais: (1) essa grande violência está centrada no
nome de Jesus (“…por causa do meu nome”) e (2) essa grande
violência terá impacto em todas as nações (“…vocês serão odiados
por todas as nações”). É imperativo observarmos e afirmarmos
essas duas realidades. A natureza do conflito final e da perseguição
que dará fim a esta era é centrada em Cristo. E sua abrangência
será sem precedentes. Nessa observação, é importante abordar um
potencial obstáculo em relação à natureza do sermão profético.
Há muitos que argumentam que Mateus 24-25 se cumpriu em
torno de 70 d.C., com a invasão romana de Jerusalém e a
destruição do templo. Muitos homens e mulheres piedosos
acreditam nisso. Eles ensinam que o sermão profético no Monte das
Oliveiras não fala sobre o futuro no que diz respeito ao fim desta era
presente, mas sim do passado, referindo-se ao fim da era judaica.
Todo crente que deseja honrar a Palavra de Deus deveria rejeitar de
todo coração esse ensinamento. É uma doutrina falsa que terá
sérias consequências para a geração que testemunhará a volta do
Senhor.
A queda de Jerusalém em 70 d.C. não foi um ato de
perseguição contra a Igreja. Foi uma campanha militar contra Israel.
Na verdade, grande parte da população cristã da Judeia fugiu para
as regiões desertas vizinhas, quando as invasões começaram, para
escapar da violência. Jesus ensinou que uma das tendências e
eventos mais notáveis que distinguem a inigualável tribulação final
(24.21-22) da tribulação como um evento histórico contínuo (Atos
14.22; Apocalipse 1.9) será a perseguição focada nos crentes por
causa do “[seu] nome”. A perseguição mencionada em Mateus 24-
25 impactará “todas as nações”. A desonestidade intelectual exigida
para aplicar tal profecia como cumprida e encerrada em 70 d.C. é
surpreendente. Considerando que a Grande Comissão havia
acabado de começar, três décadas antes da queda de Jerusalém,
deveríamos estranhar quando um pregador afirma que as
tendências e eventos descritos no sermão profético no Monte das
Oliveiras tiveram seu cumprimento no primeiro século.[130] Isso
certamente não ocorreu.
TRÊS SINAIS EXTRAORDINÁRIOS RELACIONADOS A
MISSÕES E MARTÍRIO PARA A GERAÇÃO QUE
TESTEMUNHARÁ A VOLTA DO SENHOR
Esses seis versículos (24.9-14) contêm três sinais extraordinários
que a Igreja entre as nações precisa entender. Embora todos os três
já tenham sido introduzidos de forma limitada, quero identificá-los
individualmente como verdades proposicionais e expor mais adiante
seu significado. Vamos analisar essa passagem de trás para frente,
do verso 14 ao verso 9.

1. A proclamação do evangelho em todas as nações (24.14)


Mateus 24.14 é uma profecia incrível que deve nos fortalecer
com grande coragem e ousadia. Jesus afirma: “E será pregado este
evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as
nações...”. E será! Com certeza! Chegará o dia em que toda tribo,
língua, nação e grupo étnico terá ouvido o nome de Jesus e a
maravilha do Evangelho. Amado, considere Mateus 24.14. O
“mundo inteiro” ouvirá o Evangelho. E “todas as nações” receberão
um testemunho.
Além do mais, Jesus declarou que a proclamação do
Evangelho em todas as nações é uma das poucas condições para
“o fim”. Ele relacionou a questão da sua volta ao destino dos não
alcançados. Os dois são inseparáveis – um depende do outro. De
acordo com a própria palavra de Cristo, ele não voltará até que toda
tribo, povo e língua tenha ouvido “este evangelho do reino”.
Como foi dito no capítulo cinco, embora o número de povos
não alcançados neste momento não seja pequeno (mais de sete
mil), líderes de muitas das maiores organizações de missões estão
afirmando com confiança que a tarefa pode e provavelmente será
cumprida durante a geração dos nossos filhos. Pense no significado
disso. Seus filhos poderiam viver para ver o restante dos grupos
étnicos não alcançados sendo engajado com o Evangelho. Nós
podemos ser a geração que vai completar o que os discípulos
começaram em Jerusalém, há dois mil anos (Atos 1.8). Se não nós,
então quase certamente nossos filhos. Mas de qualquer forma, de
acordo com Mateus 24.14, estamos no limiar da “tribulação” final
(24.4-31) que cobrirá a terra assim que o Evangelho for proclamado
nessas nações atualmente não alcançadas e não engajadas. Meu
amado irmão, isso não é um assunto insignificante!

2. A provocação do ódio global em todas as nações (24.9)


Embora a ideia de engajar cada tribo, povo e língua com o
evangelho do reino durante a nossa vida deveria nos deixar
revigorados e animados, é importante observar o contexto no qual a
profecia de Mateus 24.14 foi dada. A proclamação do Evangelho a
todas as nações resultará na provocação de todas as nações ao
ódio. Enquanto muitos de cada tribo, povo e língua se arrependerão
e se converterão a Cristo antes da sua volta, nós devemos entender
que essa grande colheita de almas ocorrerá em meio à fúria de
todas as nações da terra.
Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de
todas as nações, por causa do meu nome. Nesse tempo,
muitos hão de se escandalizar, trair e odiar uns aos outros;
levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E,
por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase
todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será
salvo. (Mt 24.9-13)
Pondere essas afirmações individualmente: “sereis
atribulados”, “vos matarão”, “sereis odiados por todas as
nações”. Note a expressão “todas as nações”. A perseguição final
contra a Igreja será uma realidade mundial. “Todas as nações” vão
“atribular” os crentes e “matá-los”.
Essas não são ideias ambíguas. São proclamações enfáticas
de ira de todas as nações, violência mundial e perseguição sem
precedentes. Enquanto alguns podem achar isso improvável,
considerando a medida de segurança desfrutada pelos cristãos em
grande parte da terra neste momento, a Palavra de Deus nos
compele a confiar plenamente no cumprimento da palavra profética
e não no nosso raciocínio baseado nas atuais circunstâncias. O
alcance e a magnitude do sofrimento da Igreja no fim dos tempos,
conforme descrito em passagens como essas, são
impressionantes. Esse pensamento desafia a mente
moderna. Achamos difícil acreditar que tal brutalidade e injustiça
pudessem realmente cobrir nessa medida a terra, uma vez que as
nações nas quais vivemos são progressistas, sofisticadas e
tolerantes. Mas lembre-se, caro leitor, que o berço de uma das mais
terríveis atrocidades da história humana foi a Alemanha das
décadas de 1930 e 1940. Indiscutivelmente, as nações mais cultas e
socialmente impressionantes da terra sonharam com a aniquilação
sistemática dos judeus na Europa. O fato de que a extrema injustiça
imposta pelo Holocausto teve início na culta sociedade alemã do
século 20 serve de argumento apologético contra aqueles que
descartariam apressadamente a ideia de uma perseguição global no
futuro.

3. A perseguição dos crentes em todas as nações (24.9)


O Evangelho será anunciado em todas as nações antes que
Jesus volte. É provável que isso ocorra durante a sua vida [geração]
ou durante a vida [geração] dos seus filhos. E quando isso
acontecer, a maior perseguição que a Igreja já enfrentou se
manifestará contra os crentes em todas as nações. Jesus foi claro:
seremos odiados por todas as nações. Como resultado, seremos
perseguidos em todas as nações. Devemos entender, proclamar e
nos preparar para isso. As consequências de não nos preparar para
isso serão severas para nós e para aqueles que amamos.
O impacto da violência descrita em Mateus 24.9-14 será
“apostasia” e “esfriamento do amor”. À medida que o Evangelho é
proclamado entre as nações e os povos não alcançados, muitos,
pela graça, pela fé, se unirão a Jesus. No entanto, em meio a essa
grande calamidade, também fomos avisados que muitos se
afastarão, em apostasia, em decorrência da intensa perseguição.
Com a perseguição contra os cristãos irrompendo em “todas as
nações” por causa do avanço do Evangelho “por todo o mundo”,
aqueles que se voltarem para Cristo, naquele tempo, farão isso sob
o risco do martírio. Assim como foi no início, será no final: que o
chamado para seguir Jesus será literalmente um chamado para
morrer. Seria difícil exagerar a seriedade dessas realidades e sua
relevância para a Igreja formada pela geração que testemunhará a
volta do Senhor.

INCONTÁVEIS MARTIRES SAIRÃO DA GRANDE TRIBULAÇÃO


Enquanto estava na ilha de Patmos, João viu a magnitude desse
tempo de perseguição durante a grande tribulação. A visão foi de
tirar o fôlego:
Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém
podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas,
em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de
vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em
grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono,
e ao Cordeiro, pertence a salvação. Todos os anjos estavam de
pé rodeando o trono, os anciãos e os quatro seres viventes, e
ante o trono se prostraram sobre o seu rosto, e adoraram a
Deus, dizendo: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as
ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao
nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém! Um dos
anciãos tomou a palavra, dizendo: Estes, que se vestem de
vestiduras brancas, quem são e donde vieram? Respondi-lhe:
meu Senhor, tu o sabes. Ele, então, me disse: São estes os
que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as
alvejaram no sangue do Cordeiro. (Ap 7.9-14)
A cena é incrível. Homens, mulheres e crianças de todas as
nações, tribos, povos e línguas juntos, em uma só voz, declarando
seu grande amor por aquele que os redimiu com seu precioso
sangue. Como um mar de rostos que se estendia até onde os olhos
do apóstolo podiam ver, a congregação era inumerável. João nunca
tinha visto tantas pessoas em um lugar e certamente nunca de
origens étnicas tão diversas. Enquanto ele estava admirado com a
visão sublime diante dele, um dos 24 anciãos se aproximou e
perguntou se ele sabia de onde esses santos vestidos [de branco]
tinham vindo. O ancião sabia a resposta, mas queria ter certeza de
que João soubesse. E ele queria ter certeza de que nós também
soubéssemos. Então ele respondeu sua própria pergunta, dizendo:
“Estes são os que vêm da grande tribulação”.
A “grande tribulação” não é o mesmo evento que a “tribulação”
histórica mencionada em Apocalipse 1.7 ou em 2.9, aquele histórico
de sofrimento contínuo que a Igreja tem enfrentado desde o
princípio. A tribulação da qual emergirá essa multidão inumerável é
a mesma “grande tribulação” da qual Jesus falou em Mateus 24.9-
31; é essa tribulação que começa com as “dores de parto” globais e
com a “desolação” de Jerusalém, e culmina no abalo do cosmos e
no retorno físico de Jesus ao planeta Terra. Observe
cuidadosamente como Jesus descreveu isso:
...porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o
princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá
jamais. Não tivessem aqueles dias sido abreviados, ninguém
seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, tais dias serão
abreviados. (Mt 24.21-22)
Esse tempo de tribulação será totalmente sem precedentes,
em escopo e magnitude. Isso exigirá a intervenção física de
Jesus. Ainda assim, a Igreja de Jesus Cristo dará o maior
testemunho de martírio que ela já teve o privilégio de dar. A Igreja
não será uma espectadora passiva daquele tempo, tendo escapado
de antemão em um arrebatamento secreto. Não. A Igreja emergirá
da tribulação dando um testemunho fiel de martírio.
CONCLUSÃO
O martírio será um sinal dos tempos muito importante para a
geração que testemunhará a volta do Senhor. Como Igreja,
devemos declarar isso fielmente e nos preparar adequadamente. No
próximo capítulo, nos aprofundaremos mais no assunto do martírio
em um contexto escatológico, a fim de mostrar como Deus pretende
levar seu povo à maturidade por meio da “fornalha” da perseguição
e do sofrimento.
CAPÍTULO NOVE

MARTÍRIO E MATURIDADE

A té aqui, consideramos o chamado ao martírio quase que


totalmente em termos individuais, expondo a declaração de
Paulo em Filipenses 1.21, onde ele escreveu: “Porquanto, para mim,
o viver é Cristo, e o morrer é lucro”. Focamos nas implicações da
mensagem no que se refere a “mim”, isto é, o crente de forma
individual. No entanto, neste capítulo final, vamos lidar com
os termos corporativos e coletivos com os quais o martírio é
enfatizado no Novo Testamento e assim considerar como essa
mensagem se aplica a nós, comunitariamente, como Igreja. Existem
poucas passagens nas quais esses termos corporativos são usados
mais explicitamente do que Apocalipse 12.11, onde lemos:
Eles, pois, o venceram [Satanás] por causa do sangue do
Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e,
mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. (Ap
12.11)
Para entender corretamente o significado dessa declaração
profética sobre a vitória corporativa da Igreja sobre o maligno,
precisamos entender o contexto. Os santos em Apocalipse 12.11,
que têm a oportunidade de não amar suas vidas até à morte, são
aqueles que sofrerão sob a mão pesada de um governante tirânico
a quem João se refere como “a besta”.[131] Em uma de suas
epístolas, João o chama de “o anticristo”.[132] Paulo se refere a ele
como “o homem da iniquidade” e “o filho da perdição”.[133] Na visão
de Daniel, ele foi chamado de “um homem cruel e vil”.[134] Embora
ele ainda tenha que ser revelado, esse homem de quem se
fala é uma pessoa real (como anunciado, Cristo o destruirá
pessoalmente pela manifestação de sua vinda), que suscitará uma
violenta perseguição contra os santos de Deus. Os mártires de
Apocalipse 12.11 são aqueles contra os quais a besta “fará guerra”
durante a “grande tribulação” descrita em Apocalipse 13.5-7:
Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e
autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em
blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o
tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado,
também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-
se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação.
(Ap 13.5-7)
Observe a palavra “vencer” tanto em 13.7 como em 12.11. Em
Apocalipse 13.7, Satanás vence os santos ao matá-los. Em
Apocalipse 12.11, os santos vencem Satanás sendo mortos por
ele. Nós vencemos ao sermos vencidos por ele. O verdadeiro
caminho para a maturidade é abraçar corporativamente o
martírio. É por meio da morte que a sabedoria de Deus é revelada e
os poderes e principados do ar são confundidos e
derrotados. Embora essas realidades raramente sejam enfatizadas
na pregação e no ensino contemporâneos, elas são profundamente
bíblicas e, portanto, devem ser declaradas como tais.

O CHAMADO AO MARTÍRIO E A IGREJA CORPORATIVA


O chamado de Jesus para “perder a sua vida” é fundamental não
apenas para o discipulado pessoal e para o cumprimento da Grande
Comissão, mas é indispensável para a função e para o chamado da
Igreja corporativa. No Novo Testamento, a questão da semelhança
com Cristo e da maturidade na vida do cristão era quase sempre
moldada pela visão da “perfeita varonilidade” em um “corpo”
unificado.[135] Se não entendermos, abraçarmos e praticarmos essa
santa mensagem tornando-nos um povo unido, estaremos vivendo
aquém dos propósitos de Deus.
Em Apocalipse 2, em uma das cartas às sete igrejas, Jesus se
dirigiu a toda a congregação em Esmirna sobre a questão do
martírio:
Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas coisas diz o
primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver: Conheço
a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia
dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo,
antes, sinagoga de Satanás. Não temas as coisas que tens de
sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns
dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de
dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem
tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O vencedor
de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte. (Ap 2.8-
11)
Depois de declarar-se como alguém que “esteve morto e
tornou a viver”, ele os chamou profeticamente, como Igreja, para
abraçar a morte como um meio de viver diante dele em fidelidade e
devoção. Primeiro, Cristo reconheceu seus sofrimentos no presente
(“tribulação”, “pobreza” e “difamação”) para lembrá-los de que as
injustiças que estavam enfrentando não passaram despercebidas de
seu olhar amoroso e atento. Ele estava ciente do que estava
acontecendo e estava com eles no meio daquela situação, não
como um espectador de braços cruzados, mas como alguém que
havia bebido profundamente do mesmo cálice amargo. Depois
disso, ele ordenou-lhes que “não temessem” esse “sofrimento”,
alertando-os ainda de um tempo futuro de perseguição que incluiria
prisão e até mesmo execução. No fim, deu-nos a principal exortação
da carta: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida”. Por quê?
Porque “o vencedor de nenhum modo sofrerá o dano da segunda
morte”. Eles viverão para todo o sempre!
Cada linha desta carta para a igreja em Esmirna é incrível e
merece ser contemplada com toda sobriedade. Mas quero enfatizar
uma questão específica que julgo importante considerarmos. Ou
seja, que Jesus chamou a Igreja em sua totalidade, em uma cidade
específica, para abraçar uma visão de fidelidade até à morte. Muitos
de nós, especialmente aqueles que vivem no Ocidente, consideram
difícil imaginar Jesus exortando uma congregação inteira a abraçar
o martírio. Mas como podemos ver, ele fez exatamente isso.
Sabendo que nosso Senhor é o mesmo “ontem, hoje e
eternamente”, podemos ter certeza de que sua estima por esse
caminho sagrado não mudou, e essa mensagem é tão relevante
para nós, corporativamente, como foi naquela época. Além disso,
embora reconheçamos que Jesus não exortou todas as
sete igrejas em relação ao martírio, isso de modo algum diminui a
seriedade de sua exortação a Esmirna. Se ele chamou uma igreja
para abraçar a visão de fidelidade até à morte, seria insensato
presumir que ele não chama a Igreja, de uma forma muito real, para
abraçar essa mesma visão.
Nossa confissão pessoal e individual de que “o viver é Cristo e
o morrer é lucro” é um propósito de Deus a ser expresso
coletivamente, particularmente no fim dos tempos, quando Deus
pretende levar a Igreja à “plenitude”, em meio à maior oposição que
ela já enfrentou. Diante das pressões associadas ao fim dos tempos
e da ênfase do Novo Testamento na maturidade escatológica da
Igreja, é imperativo integrarmos a teologia do martírio à estrutura de
nossa eclesiologia. Deus planejou que a Noiva de Cristo fosse uma
Igreja mártir. Portanto, afirmamos que essa mensagem sobre ser
“fiel até à morte” é fundamental para a vida cristã e essencial para a
saúde e para o desenvolvimento da Igreja de forma corporativa.
Sem essa visão de maturidade do Corpo de Cristo como um
todo, que se dá por meio da fidelidade até à morte, invariavelmente
perderemos muito daquilo que Deus deseja realizar no meio do seu
povo por meio da “fornalha” do sofrimento, da perseguição e da
tribulação. Antes da volta do Senhor, essas coisas se tornarão cada
vez mais relevantes em todas as nações.[136]
A JORNADA PARA A MATURIDADE E A COMUNHÃO DOS
SOFRIMENTOS
O Novo Testamento está repleto de declarações sobre a maturidade
corporativa da Igreja. Jesus pregou sobre isso[137] e orou por isso.[138]
Paulo ensinou sobre isso.[139] O autor de Hebreus considerou esse
assunto muito importante.[140] E Pedro ansiava por isso.[141] Na
mente dos apóstolos, a questão era parte integrante da fé
apostólica. Somos o “corpo de Cristo” e, como tal, estamos
destinados à “perfeita varonilidade”. Os jovens a quem foram
confiados o Evangelho e a tarefa de iniciar a Grande Comissão
conceberam essa visão de maturidade. Esse foi o padrão sobre o
qual as epístolas foram escritas e, dois mil anos depois, elas ainda
nos desafiam a alcançar a maturidade: a Igreja foi designada a
participar da comunhão dos sofrimentos de Cristo, sendo
conformada à imagem daquele que derramou o sangue de forma
sacrificial e morreu.
Em Filipenses 3, Paulo define isso como o padrão apostólico
para o qual a Igreja foi chamada, dizendo que ele “havia perdido
todas as coisas e as considerava como refugo” para “ganhar a
Cristo” e que seu desejo era “o conhecer e o poder de sua
ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-
se com ele na sua morte”. Então, nos versículos 14-15, depois de
enfatizar as questões de perda, sofrimento e morte, ele disse que
“prosseguia para o alvo, para o ‘prêmio’ da soberana vocação de
Deus em Cristo Jesus”. Além disso, Paulo exorta os filipenses
dizendo: “Todos os que são perfeitos tenham esse sentimento”.
Para Paulo, a jornada para a maturidade passava pelo caminho da
morte e ressurreição. Encontrava-se na comunhão dos sofrimentos.
Cristo era a sua vida, e a morte era lucro. Essas não eram apenas
palavras ou hipérboles; eram convicções que, por fim, lhe custaram
a vida. Pouco tempo depois que essas palavras foram escritas, ele
foi brutalmente executado por um golpe de espada romana.
Enquanto alguns podem ver isso como um fim trágico para uma vida
feliz, Paulo declara que esse é o padrão da maturidade cristã.
Portanto, eu concordo com Hovey, que escreveu:
A vida cristã é uma aventura de fé que está enraizada no
testemunho da Igreja para o mundo. Como tal, o martírio não é
um testemunho que deu terrivelmente errado, mas seu
paradigma final. Os mártires não falharam em sua
proclamação; suas mortes são encontradas dentro do próprio
teor do Evangelho proclamado. Esse é o Evangelho
proclamado por todos os cristãos que incluem em sua
proclamação a lembrança daqueles que morreram como
testemunhas. Participar dessa obra e testemunho é, portanto,
reconhecer que a “Igreja mártir” aponta para o posicionamento
correto da vida cristã para todos os que seguem a Cristo.[142]
[tradução livre]
Embora esse paradigma teológico seja recebido com escárnio
por alguns, ele é, no entanto, inteiramente bíblico. Muitas das
epístolas (e pelo menos um dos evangelhos) foram escritas com o
propósito de fortalecer os santos em suas batalhas como uma Igreja
mártir sofredora e perseguida. Em face dessa luta, Pedro também
ordenou à Igreja primitiva (ecoando Paulo), dizendo: “Tendo Cristo
sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento”.
[143]
A ordem de “armar-se do mesmo pensamento”, exemplificada
por Cristo e seu “sofrimento voluntário na carne”, deve ser
proclamada para que a Igreja “seja edificada” na “perfeita
varonilidade” e “à medida da estatura da plenitude de Cristo”, como
somos exortados em Efésios. Como Jesus, em Apocalipse 2, Pedro
queria que a Igreja adotasse uma teologia do martírio e o chamado
para ser fiel até à morte. Acredito que isso seja parte integrante da
teologia bíblica da maturidade cristã e essencial para a Igreja contra
a qual as portas do inferno não prevalecerão.
Independentemente se nós estamos ou não dispostos a
abraçar aquele “mesmo pensamento” que Cristo demonstrou
quando sofreu em carne e osso, é evidente que a Igreja do primeiro
século estava. Foi uma marca registrada daqueles que seguiram “o
Caminho”[144] enquanto consideravam um privilégio poder expressar
sua devoção a Jesus na “fornalha” da perseguição. Com o chamado
de Jesus para “perder a sua vida” soando em seus ouvidos e a
revelação de sua glória queimando em seus corações, eles
alegremente obedeceram ao seu Mestre “até à morte”. Dois mil
anos depois, podemos reconhecer que esse chamado continua
inalterado, e que nós também somos chamados a trilhar esse
mesmo caminho estreito?

UMA NOIVA PREPARADA


Embora essa teologia tenha desempenhado um papel central na
vida comunitária da Igreja ao longo de toda a sua história, ela terá
sua expressão mais completa no fim dos tempos. A história está se
movendo em direção à sua consumação, na qual a esposa do
Cordeiro “já se preparou”. Enquanto João estava na ilha de Patmos,
ele teve um vislumbre da maturidade da Igreja no tempo do fim, no
contexto dessa grande consumação. Ele explicou o que viu dizendo:
Então, ouvi uma como voz de numerosa multidão, como de
muitas águas e como de fortes trovões, dizendo: Aleluia! Pois
reina o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso. Alegremo-nos,
exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as
bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou, pois
lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro.
Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos. (Ap
19.6-8)
Quer saibamos ou não, a história está se movendo em direção
a esse evento cataclísmico daquele Dia maravilhoso – a união da
noiva com seu Noivo celestial. Tão certo como esse Dia virá, assim
também a Igreja cumprirá seu destino de se tornar madura, para
que possa ser apresentada como uma noiva que se preparou. Como
a rainha Ester, a noiva de Cristo estará preparada até que ela esteja
resplandecente e pura, “sem mácula nem ruga”, perfeitamente
adequada ao seu Rei.
Quão glorioso é o pensamento de que o livro do Apocalipse
termina com um casamento e uma alegre celebração,
especialmente quando consideramos que três dos assuntos mais
dominantes ao longo do livro sejam: (1) a ira de Satanás, (2) os
juízos temporais de Deus e (3) a violenta perseguição aos santos.
Aqui encontramos um paradigma essencial do fim dos tempos. No
fim dos tempos, no contexto da maior expressão da ira de Satanás e
dos juízos de Deus, a Igreja experimentará o seu maior sofrimento.
No entanto, o resultado dessa grande e terrível crise será a cena
gloriosa descrita por João no capítulo 19: a noiva estará pronta para
encontrar seu Criador e seu Marido. E os dois para sempre serão
um.
Assim como devemos celebrar o final triunfante da história,
devemos igualmente entender o que a precede, pois isso é
exatamente o que prepara a noiva para aquele Dia glorioso. Por
essa razão, o livro do Apocalipse é uma leitura essencial para a
Igreja do fim dos tempos. Em detalhes vívidos, ele descreve como
os santos que estarão vivos na geração que testemunhará a volta
de Jesus serão perseguidos e como deverão reagir. Essa
mensagem deve ser proclamada universalmente antes da tribulação
final, para preparar o povo de Deus para ser depurado.

O SANGUE DO CORDEIRO E O SANGUE DOS SANTOS


Com isso em mente, voltemos novamente a Apocalipse 12.11 e
consideremos como devemos nos preparar para reagir à
perseguição que está por vir. Descrevendo os santos na fornalha
ardente da “grande tribulação”, João escreveu que:
Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por
causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face
da morte, não amaram a própria vida. (Ap 12.11)
A passagem tem quatro partes, e é importante entender as
quatro e como elas se relacionam umas com as outras. Primeiro,
temos a proposição central: os santos vencerão Satanás. Em
segundo, vemos como eles o vencerão: pelo sangue do Cordeiro.
Terceiro, vemos outra maneira pela qual eles o vencerão: pela
palavra do seu testemunho. E em quarto lugar, temos a cláusula
fundamental: mesmo em face da morte, não amaram a própria vida.
Para entender corretamente e aplicar os quatro componentes desse
texto, precisamos analisar a palavra recorrente: “eles”. Essa palavra
enfatiza a expressão corporativa do espírito de martírio e nos dá
uma ideia do que Jesus queria dizer no capítulo 2, quando exortou
Esmirna a ser “fiel até à morte”.
A vitória sobre Satanás e a fidelidade a Deus (especialmente
na geração que testemunhará a volta do Senhor) podem requerer o
derramamento de sangue. Se isso não fosse verdade, não seria um
ponto de ênfase recorrente no livro do Apocalipse. O “sangue” está
no coração desse livro incrível: o sangue do Cordeiro e o sangue
dos santos. A salvação é encontrada apenas no sangue do
Cordeiro. E sobre essa verdade repousa a palavra do nosso
testemunho. Mas a maturidade – que deve seguir a salvação – é
encontrada em não amar nossas vidas até à morte. Jesus tem uma
visão mais elevada para a Igreja do que simplesmente a salvação
por meio do seu sangue (por incrível que seja). Ele nos comprou
com o seu sangue para que pudéssemos expressar nossa devoção
a ele pelo derramamento do nosso (caso nos fosse concedido).
Podemos e devemos dar evidência de que o andar de forma
digna do chamado pelo qual fomos salvos está centrado em torno
do chamado para entregar nossos espíritos nas mãos daquele que
derramou seu sangue por nós e submeter nossas vidas à sua
vontade a qualquer custo, mesmo “até à morte”. É assim que a
Igreja do fim dos tempos seguirá Cristo, sendo “conformada à sua
imagem”[145] e “conformando-se com ele em sua morte”.[146]
O triunfo final da Igreja sobre Satanás é certo. Esse propósito
não pode falhar. Nosso grande inimigo em breve será
derrotado. Quando Jesus derramou seu sangue, ele assegurou a
vitória final sobre o nosso inimigo. Mas existe algo mais nessa
história. Na nossa submissão ao propósito sacrificial de Deus, na
medida em que radicalmente não amamos nossas vidas até à
morte, é que a nossa vitória sobre o acusador se materializa no fim
desta presente era maligna. Eu creio que pode ser provado por uma
simples exegese de Apocalipse 12.7-11 que, naquele tempo, a
postura da Igreja em relação a Satanás, por meio da aceitação do
martírio, será um ato de guerra espiritual que desempenhará um
papel decisivo em sua expulsão do céu[147] e desencadeará sua
explosão final de amargura cáustica contra os santos.[148]
Alguns se contentam em enfatizar a mensagem de uma Igreja
vitoriosa desconectada do Evangelho baseado no sangue
derramado por Jesus e de seu chamado à fidelidade até à morte.
Eles evitam assuntos como a ira de Deus, o pecado do homem, a
necessidade do sofrimento vicário de Cristo e a questão do martírio.
Mas essa mensagem é deficiente. Precisamos desesperadamente
de “todo o desígnio de Deus”.[149] O evangelho apostólico se baseia
nessas realidades centrais, e desde que o Novo Testamento está
impregnado delas, devemos ser fiéis para proclamá-las. Nossa
vitória sobre o diabo depende disso. Mas proclamar essas
realidades não é suficiente; elas devem ser demonstradas. Nossa
vitória sobre Satanás será determinada, em grande parte, pelo fato
de termos ou não entregado nossa vida nas mãos de nosso Senhor.
Para muitos, tal entrega pode ser até à morte. Leia o que João ouviu
Jesus dizer em resposta aos mártires da geração final, que
clamavam por sua intervenção diante do aumento das atrocidades.
Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas
daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus
e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em
grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e
verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que
habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma
vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por
pouco tempo, até que também se completasse o número dos
seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como
igualmente eles foram. (Ap 6.9-11)
É uma imagem incrível. “Aqueles que tinham sido mortos”
estão diante de Jesus no lugar de intercessão pedindo que seu
sangue seja “vingado”. Cheios de santa paixão, João os viu em pé
diante do rei, clamando por um ato de sua parte que colocasse um
fim à perseguição sangrenta que tomou suas vidas. Para isso, Jesus
responde dizendo: “Ainda não” [paráfrase]. Isto é, não até que se
complete o “número” de santos que serão “mortos como igualmente
eles foram”. Apocalipse 6.9-11 nos oferece uma das imagens mais
claras da Igreja crescendo em maturidade corporativa por meio do
martírio. Quando o diabo liberar sua fúria final no fim dos tempos, o
sangue dos santos jorrará, uma vez que eles serão mortos em
massa. Mas assim como aconteceu na crucificação de Jesus, ao
tomar a vida dos santos, Satanás estará tão somente
acelerando sua própria destruição.[150]

FIÉIS ATÉ À MORTE


A maturidade e a vitória final da Igreja sobre o maligno dependem
de nós abraçarmos o chamado ao martírio: de sermos “fiéis até à
morte”, juntos. Se, por acaso, ignorarmos essa questão, tratando-a
como um assunto secundário ou irrelevante, estaremos ignorando
uma multidão de exortações e profecias sobre o chamado para
considerar todas as coisas como refugo – até mesmo nossas vidas
– para que possamos ganhar Cristo. Essa mensagem não é apenas
parte integral do evangelho apostólico, ela é indispensável para que
a Igreja seja “edificada” na “perfeita varonilidade” e “à medida da
estatura da plenitude de Cristo”.
CONCLUSÃO

AQUELES DE QUEM O MUNDO NÃO É DIGNO

A Igreja do fim dos tempos será semelhante à Igreja do início, que


expressa sua devoção a Jesus e dá o seu testemunho de mártir
às nações. Diante do chamado ao martírio no Novo Testamento, sua
proeminência na história da Igreja e seu lugar nos propósitos de
Deus para o fim desta era, o fundamento teológico bíblico dessa
afirmação é inegavelmente firme, independentemente do que nossa
cultura cristã contemporânea possa nos dizer.
Aqueles cujas vidas e ministérios são movidos por essa
convicção mudarão o mundo. Mais importante do que isso, eles
serão contados entre aquela nobre companhia de santos que, “pela
graça” e “pela fé”, viveram de tal maneira que foram estimados
como homens “dos quais o mundo não era digno”.[151]
Portanto, Igreja, pela alegria que nos está proposta,
depositemos nossas vidas no altar de sua vontade e levantemos
nossas vozes para declarar com aqueles no Paraíso: “Digno é o
Cordeiro!”,[152] para que “com toda a ousadia, como sempre,
também agora, seja Cristo engrandecido em nossos corpos, quer
pela vida, quer pela morte. Para nós, o viver é Cristo, e o morrer é
lucro”.[153]
APÊNDICE I

“O SOAR DA TROMBETA”

POR JOHN G. LAKE[154]

O 13º capítulo de Atos nos conta a história da ordenação e envio


do apóstolo Paulo, sua consagração ao apostolado. Paulo
nunca escreve sobre si mesmo até o 13º capítulo de Atos. Ele havia
se dedicado ao trabalho de evangelista e mestre por 13 anos
quando o 13º capítulo de Atos foi escrito e ele foi ordenado, como ali
registrado. Homens que têm um chamado autêntico não têm medo
de passar por períodos de aprendizagem.
Observamos um avanço em sua experiência com o
ministério. No início, Paulo recebeu um chamado categórico da
parte de Deus, e o próprio Deus lhe garantiu, por meio de Ananias,
que não seria um trabalho fácil, mas geraria um resultado fantástico.
Deus disse a Ananias:
Dispõe-te, e vai à rua que se chama Direita, e, na casa de
Judas, procura por Saulo, apelidado de Tarso; pois ele está
orando. Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido
para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como
perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe
importa sofrer pelo meu nome.
Foi isso que Jesus Cristo, o Filho de Deus, crucificado e
glorificado, ordenou que Ananias dissesse ao apóstolo Paulo. Ele
não viveria em santo êxtase, com uma bela auréola sobre a cabeça,
tampouco viveria às mil maravilhas, tendo uma limusine à sua
disposição. Ele viveria de forma radical, passaria por lutas
angustiantes e teria uma experiência incrível. E nenhum homem na
história bíblica jamais experimentou coisas tão terríveis como o
apóstolo Paulo. Ele apresenta uma lista, em sua segunda carta aos
Coríntios, dos sofrimentos que ele havia suportado.
Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites
menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez,
apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia
passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em
perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre
patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em
perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos
irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em
fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez.
Eles o despiram, e o carrasco o espancou com um flagelo
terrível, até sangrar, dilacerar e quebrar; ele caiu desamparado e
inconsciente, depois o encharcaram com um balde de água salgada
para afastar os vermes, e o jogaram em uma cela para
se recuperar. Esse foi o preço do apostolado! Esse foi o preço do
chamado de Deus e do seu serviço. Mas Deus disse: “Ele levará o
meu nome diante dos gentios e dos reis e dos filhos de Israel”. Ele
qualificou-se como mensageiro de Deus.
Amados, perdemos a noção do tipo de consagração manifesto
nesse exemplo. Deus está tentando restaurá-lo em nossos dias. É
como se Deus não visse progresso algum entre os pregadores, de
forma geral, no que diz respeito a esse tipo de
consagração. Frequentemente ouvimos deles: “A dona fulana disse
isso e isso, e eu não aceitarei isso!”. Esse é o tipo de pregador com
outro tipo de chamado, que não é o chamado celestial, não é o
chamado de Deus; não é o chamado à morte, se necessário. Esse
não é o tipo de apóstolo que Paulo foi ou foi chamado para ser.
Você sabe por que Deus derramou o seu Espírito na África do
Sul como em nenhum outro lugar do mundo? Há um motivo para
isso. Esse exemplo irá ilustrar isso. Contávamos com 125 homens
no campo missionário. Fazíamos parte de uma instituição muito
jovem e não éramos conhecidos no mundo. A África do Sul fica a 11
mil quilômetros de qualquer país europeu. São 16 mil quilômetros
dos Estados Unidos, via Inglaterra. Nossas finanças haviam
diminuído muito, por causa do terrível ataque que nos sobreveio, a
ponto de chegar uma hora em que eu não podia nem mesmo enviar
para esses trabalhadores, no final do mês, uma nota de dez dólares.
Depois, eu não consegui enviar nem dois dólares. A situação era
desesperadora. O que eu deveria fazer? Nessas circunstâncias, eu
não queria ser responsável pela permanência desses homens e
suas famílias no campo sem saber realmente quais eram as
condições.
Alguns de nós, na sede, em determinadas situações,
vendíamos nossas roupas, vendíamos certos móveis, vendíamos
qualquer coisa que pudéssemos vender, para trazer aqueles 125
missionários do campo para participar de uma conferência.
Certa noite, no decorrer de uma dessas conferências, fui
convidado por uma comissão para sair da sala por um ou dois
minutos. Eles queriam ter um tempo a sós. Então eu saí para um
restaurante para tomar uma xícara de café e voltei. Quando voltei,
descobri que haviam disposto as cadeiras em formato oval, com
uma pequena mesa em um dos cantos, sob a qual estavam o pão e
o vinho. O velho ministro Vanderwall, falando em nome do grupo,
disse: “Irmão John, durante sua ausência chegamos a um
consenso. Nós tomamos nossa decisão. Nós queremos que você
sirva a Ceia do Senhor. Estamos voltando para nossos respectivos
campos. Vamos voltar ainda que nossas esposas morram por causa
disso. Vamos voltar para morrer de fome, se for preciso. Vamos
voltar, mesmo se tivermos de voltar a pé. Vamos voltar ainda que
nossos filhos morram por causa disso. Vamos voltar mesmo se isso
resultar em nossa morte. Nós temos apenas um pedido. Se
morrermos, queremos que você venha e nos enterre.
No ano seguinte, enterrei 12 deles, juntamente com suas
esposas e filhos.
Na minha opinião, nenhum deles, se tivesse alguma coisa que
um homem branco precisa comer para sobreviver, teria
morrido. Amigos, se quiserem descobrir o porquê de o poder de
Deus ter descido do céu sobre a África do Sul como nunca antes se
viu, desde o tempo dos apóstolos, essa é a resposta.
Jesus Cristo incluiu o espírito de martírio ao cumprimento do
ministério. Jesus instituiu seu ministério fazendo o compromisso de
ser fiel até à morte. Quando ele estava com os discípulos na última
noite, “tomou o cálice, dizendo”. Amados, o que ele “disse” é muito
significativo. Jesus Cristo se comprometeu com os Doze que
estavam com ele: “Este cálice é a nova aliança no meu
sangue”. Então ele disse: “Bebei dele todos!”.
Amigos, aqueles que estavam lá, e beberam do compromisso
de Jesus Cristo, entraram na mesma aliança e propósito que ele. É
isso que significa comprometer-se com ele. Os homens têm firmado
um compromisso bebendo desse cálice, desde os tempos
remotos. Os generais têm se comprometido com os seus exércitos
até à morte. Tem sido uma prática adotada pela raça humana. Jesus
Cristo santificou esse compromisso para a Igreja para sempre,
bendito seja Deus!
“Meu sangue na nova aliança... Beba!” Vamos nos tornar
um. Vamos nos tornar um em nosso propósito de morrer pelo
mundo. Seu sangue e o meu, juntos. “Meu sangue é a nova
aliança.” Esse é o meu mandamento para vocês. Seu grande
privilégio!
Queridos amigos, não há um registro original que possa nos
dizer se algum deles morreu de morte natural. Sabemos que pelo
menos nove deles foram mártires, possivelmente todos. Pedro
morreu em uma cruz, Tiago foi decapitado. No caso de Tomé, nem
esperaram fazer uma cruz, o pregaram a uma oliveira. João foi
condenado a ser executado em Éfeso, em um caldeirão de óleo
fervente. Deus o livrou, e quando seus carrascos se recusaram a
repetir a operação, ele foi banido para a ilha de Patmos. João não
deu tanta importância e sequer mencionou o incidente. Ele diz:
“Achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus
e do testemunho de Jesus Cristo”. Essa explicação foi
suficiente. Ele havia se comprometido com Jesus Cristo na vida e na
morte.
Amigos, o grupo de missionários que me seguiu ficou sem
comida, e ficou sem roupa, e uma vez, quando um dos meus
pregadores teve insolação e se perdeu na mata, eu o segui pelas
marcas de sangue de seus pés. Outra vez, eu estava procurando
por um dos meus missionários, um jovem inglês de 22 anos de
idade. Ele vinha de uma linhagem de 500 anos de pregadores da
Church of England (Igreja da Inglaterra). Quando cheguei à tribo, o
velho líder tribal me disse: “Ele não está aqui. Ele seguiu em direção
às montanhas, e você o conhece, ele é um homem branco que não
aprendeu a andar descalço”.
Esse é o tipo de consagração que precedeu o Pentecoste na
África do Sul. É por isso que temos cem mil convertidos entre os
nativos da África do Sul. Essa é a razão pela qual temos 1250
pregadores nativos. Essa é a razão pela qual temos 350 igrejas de
brancos na África do Sul. Essa é a razão pela qual, hoje, somos a
igreja que mais cresce na África do Sul!
Eu não estou persuadindo vocês, queridos amigos, a esperar
que o caminho seja fácil. Eu estou chamando vocês, no nome de
Jesus Cristo. Vocês, queridos, que aguardam o momento de sua
consagração ao Evangelho de Jesus Cristo, nesta noite, sigam o
caminho que Jesus trilhou. O caminho que a Igreja primitiva
tomou. O caminho da vitória, seja pela vida seja pela morte. Os
historiadores declaram: “O sangue dos mártires foi a semente da
Igreja”. Amados, essa é a dificuldade em nossos dias, temos tão
poucas sementes. A Igreja precisa de mais sangue de
mártires.
Se eu pudesse chamar homens e mulheres a comprometer-se
com o Evangelho do Filho de Deus, como estou me esforçando para
fazer esta noite, não seria com a promessa de desfrutar de uma boa
igreja, de um ambiente harmonioso e de uma boa e agradável
folga. Eu os convidaria para estarem prontos para morrer. Esse foi o
espírito que marcou a origem do movimento metodista. John Wesley
estabeleceu um chamado heroico. Ele exigiu que todo pregador
metodista estivesse “pronto para orar, pronto para pregar, pronto
para morrer”. Esse é sempre o espírito do cristianismo. Há outro
espírito que entrou na Igreja, e não é o espírito do cristianismo. É
um espírito estranho. É um substituto fraco.
Por muitos anos, eu e minha família nos alimentávamos de
polenta, e nenhum de nós jamais reclamou, e, apesar da dieta
pobre, eu preguei para milhares de pessoas; não me refiro a
pessoas negras, mas pessoas brancas. Quando meus missionários
estavam no campo, vivendo à base de polenta, eu não conseguia
comer torta. Meu coração estava unido ao deles. Essa é a razão
pela qual nunca tivemos divisões em nosso trabalho na África do
Sul. É um país onde o movimento pentecostal nunca se
dividiu. Esse negócio de divisão começou a aparecer anos depois,
quando missionários pentecostais, amantes de torta de abóbora,
infestaram o país. Homens que estão prontos para morrer pelo Filho
do homem não causam divisão! Eles não gritam na primeira vez que
têm dor de barriga.
Bud Robinson conta uma de suas experiências. Ele tinha ido
pregar na região das montanhas do sul. Era a primeira vez em sua
vida que ele não recebera um convite para se hospedar na casa de
alguém após o culto. Então ele dormiu no chão, uma, duas noites
seguidas. Depois de cinco dias e cinco noites, sem comer, seu
estômago começou a roncar terrivelmente por comida, e de vez em
quando ele interrompia o sermão e dizia: “Fique quieto, seu
grosso!”, e então retomava de onde parara. E foi isso o que
prevaleceu. Isso é o que vai prevalecer todas as vezes. É disso que
precisamos hoje. Precisamos de homens dispostos a sair da
estrada. Quando comecei a pregar o Evangelho, caminhava 30
quilômetros nas manhãs de domingo para chegar ao local da
reunião e caminhava outros 30 quilômetros de volta para casa
durante a noite. Eu fiz isso durante anos, por Jesus e pelas almas.
No início do movimento metodista, um velho pregador local
começava sua caminhada no sábado, que durava a noite toda, e
depois caminhava a noite toda do domingo para voltar ao seu
trabalho. Era uma prática comum. Peter Cartwright pregou por 60
dólares ao ano e batizou dez mil novos convertidos.
Amigos, falamos sobre consagração, e pregamos sobre
consagração, mas esse é o tipo de consagração que meu coração
está pedindo esta noite. Esse é o tipo de consagração que obterá
respostas do céu. Esse é o tipo de promessa que Deus
honrará. Esse é o tipo de consagração que se compromete com o
Pentecoste. Eu quero desmistificar o Pentecostes de seus floreios e
de sua insensatez.
Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo, nos chama, hoje à
noite, não para uma mansão terrena e um carro de dez mil dólares,
mas para apresentar nossa vida, corpo, alma e espírito no altar do
serviço. Salve, salve! Vocês que estão prontos para morrer por
Cristo e pelo glorioso evangelho pentecostal. Nós os
saudamos! Vocês são irmãos conosco e com o seu Senhor.
APÊNDICE II

“A GLÓRIA DO IMPOSSÍVEL”

POR SAMUEL ZWEMER[155]

O desafio em relação aos campos não alcançados do mundo


requer uma grande fé e, portanto, um grande sacrifício. A
disposição de nos sacrificar por uma iniciativa é sempre
proporcional à medida da nossa fé nessa iniciativa. A fé tem a
genialidade de transformar o quase impossível em realidade. Uma
vez que os homens são dominados pela convicção de cumprir sua
missão, nada poderá lhes deter até que sua missão seja cumprida.
Já temos nossa “ordem de marchar”, como disse o Duque de Ferro
[Arthur Wesley, Duque de Wellington], e porque nosso Comandante
não está ausente da batalha, mas marcha conosco, o impossível,
além de possível, se torna indispensável.
Charles Spurgeon, pregando a partir do texto: “Toda autoridade
me foi dada no céu e na terra. E eis que estou convosco todos os
dias”, usou estas palavras: “Vocês dispõem de um elemento que é
absolutamente infinito, e diante do qual todos os demais fatores
perdem o valor. Alguém pode dizer: “Eu farei o máximo que puder”.
Qualquer idiota pode fazer isso. Aquele que acredita em Cristo faz o
que não pode, tenta o impossível e alcança o impossível”.
Retrocessos frequentes e falhas aparentes nunca
desanimaram o verdadeiro pioneiro. Os martírios ocasionais são
apenas um novo incentivo. A oposição é um estímulo para agir
ainda mais. Uma grande vitória nunca é possível sem um grande
sacrifício. Se a vitória japonesa em Port Arthur foi obtida com [a
atitude de soldados que eram verdadeiras] balas humanas, não
podemos esperar que conquistas como as de Port Arthur
e Gibraltar se concretizem no mundo não cristão sem que vidas
sejam sacrificadas. Qual é, de fato, o valor das vidas e dos recursos
que são sacrificados para se abrir portas fechadas e ocupar os
diferentes campos, diante da convicção de que fazer missões é
travar uma guerra e de que a glória do Rei está em jogo? Guerra
sempre significa derramamento de sangue e investimento
financeiro. Nossa única preocupação deve ser manter a luta
acirrada e vencê-la, independentemente do custo ou do sacrifício.
Os campos não alcançados do mundo precisam passar pelo
Calvário antes de experimentar o Pentecoste. Raymond Lull, o
primeiro missionário no mundo muçulmano, expressou o mesmo
pensamento em uma linguagem medieval, quando escreveu: “Como
um homem faminto se apressa em buscar o alimento e, quando o
encontra, come um bocado após o outro para saciar sua grande
fome, este teu servo sente um grande desejo de morrer para que ele
possa glorificar a ti. Ele se apressa dia e noite para completar o seu
trabalho, a fim de que possa dar o seu sangue e derramar as suas
lágrimas por ti”.

“UMA SAUDADE INVERTIDA”


Os campos não ocupados do mundo aguardam aqueles que estão
dispostos a suportar a solidão por causa de Cristo. Para o
missionário pioneiro, as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo aos
apóstolos, quando ele lhes mostrou suas mãos e seus pés, têm
força especial: “Como meu Pai me enviou, eu também vos envio”
(Jo 20.21). Ele veio ao mundo, um grande campo missionário não
ocupado. “Ele veio para os seus e os seus não o receberam” (Jo
1.11). Ele veio e foi recebido com escárnio; sua vida foi um
sofrimento e seu trono, a cruz. Assim como ele veio, ele espera que
façamos o mesmo. Nós devemos seguir os seus passos.
O missionário pioneiro, na superação de obstáculos e
dificuldades, tem o privilégio não apenas de conhecer Cristo e o
poder da sua ressurreição, mas também de tomar parte na
comunhão de seu sofrimento. Para o povo do Tibete ou da
Somalilândia, Mongólia ou Afeganistão, Arábia ou Nepal, Sudão ou
Abissínia, o missionário pioneiro pode ser chamado para declarar
assim como Paulo: “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por
vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne,
a favor do seu corpo, que é a igreja” (texto grego, Cl 1.24; cf. Lc
21.4 e Mc 12.44). O que é isso, senão a glória do impossível? Quem
naturalmente preferiria deixar o calor e o conforto do lar e o amor da
convivência com o círculo familiar para ir atrás de uma ovelha
perdida, cujo grito ouvimos fracamente no uivo da tempestade? No
entanto, essa é a glória da missão, e nem os laços nem as
necessidades do lar podem conter aqueles que entenderam a visão
e o espírito do Supremo Pastor. E ele nos fez seus pastores, e não
mercenários, por isso devemos trazer os perdidos, suas ovelhas, de
volta ao aprisco.
Embora o caminho seja difícil e custoso, vou ao deserto para
encontrar minhas ovelhas, [meu povo]. [poesia popular –
tradução livre]
“Não há nada mais distinto nem mais comovente para mim”,
diz o Dr. Forsyth, “do que a maneira pela qual os missionários
desaprendem a amar seu antigo lar, morrem para sua terra natal e
criam fortes laços com as pessoas a quem serviram e ganharam
[para Cristo], de modo que, quando morrem, seus corpos não
repousam na Inglaterra; seus ossos retornam para o lugar onde eles
derramaram seu coração para Cristo. O patriotismo comum se torna
vulgar quando comparado a essa saudade invertida, essa paixão
por um reino sem fronteiras e sem raça favorita, a paixão de um
Cristo sem lar!”
James Gilmour, na Mongólia; David Livingstone, na África
Central; Grenfell, no Congo; Keith Falconer, na Arábia; Dr. Rijnhart e
Sra. Annie Taylor, no Tibete; Chalmers, na Nova Guiné, Morrison, na
China; Henry Martyn, na Pérsia; e muitos outros que como estes
tinham essa “saudade invertida”, essa paixão que os levava a
chamar de “lar” aquele país que tanto necessitava do Evangelho. A
essa paixão, todas as outras demais paixões se renderam; diante
dessa visão, todas as outras visões se desvaneceram; e esse
chamado abafou todas as outras vozes. Eles foram os pioneiros do
reino, os líderes de Deus, ansiosos por cruzar as fronteiras e
descobrir novas terras ou adentrar novos impérios.

O ESPÍRITO PIONEIRO
Esses líderes de Deus não foram armados com machadinhas e
sinetes, mas com a espada do Espírito e com o cinturão da
verdade. Eles foram e abriram caminho para aqueles que vieram
depois. Suas cicatrizes foram o selo de seu apostolado, e eles
também se gloriaram nas tribulações.
Como apóstolos pioneiros, eles “levavam sempre no corpo o
morrer de Jesus, e recomendavam-se a si mesmos como ministros
de Deus nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nas vigílias, nos
jejuns”.
Thomas Valpy French, bispo de Lahore, a quem o Dr. Eugene
Stock chamou de “o mais distinto de todos os missionários da
Church Mission Society”, tinha o verdadeiro espírito pioneiro e
conhecia a glória do impossível. Após 40 anos de trabalhos
abundantes e frutíferos na Índia, ele renunciou o seu episcopado e
planejou alcançar o interior da Arábia com o Evangelho. Ele era um
gigante intelectual e espiritual. “Viver com ele era beber de uma
atmosfera espiritualmente estimulante. Como o ar de Engadina
(destino favorito dos turistas na Suíça) é para o corpo, assim era
sua intimidade para a alma. Foi um aprendizado estar com ele. Para
ele, não havia nada de que um homem não devesse abrir mão –
casa, esposa ou saúde – se o chamado de Deus fosse claro. Mas,
de fato, todos sabiam que ele só exigia deles aquilo que ele próprio
já havia feito e estava sempre fazendo.” E quando Mackay, de
Uganda, fez o extraordinário apelo por uma missão direcionada aos
árabes de Omã, pedindo “meia dúzia de jovens, escolhidos das
universidades inglesas, para empreender a fé”, esse veterano
coração de leão, aos 66 anos de idade, foi o único a se candidatar.
Era a glória do impossível se manifestando. No entanto, quando
estava em Muscat, pouco antes de sua morte, ele escreveu:
Se eu não conseguir encontrar um ajudante e guia fiel para a
jornada ao interior, capacitado para lidar com os árabes e obter
suprimentos básicos e necessários (e desejo pouquíssimo),
posso tentar ir para o Bahrein ou para Hodeida e Saná [no
Iêmem], e se não der certo, posso retornar para o norte da
África novamente, em alguma região serrana; pois sem uma
casa para nos abrigar, o clima seria insuportável para mim –
pelo menos durante os meses mais quentes – e o trabalho
ficaria parado. Mas eu não vou desistir, por favor, Deus, mesmo
que temporariamente, dos meus planos de ir para o interior; a
menos que todas as estradas e rodovias estejam fechadas,
seria pura loucura tentar executá-los.
"Eu não vou desistir" – e ele não desistiu até morrer. Nem a
Igreja de Cristo desistirá do trabalho pelo qual ele e outros como ele
entregaram suas vidas em Omã. O trabalho continua.

A AMBIÇÃO APOSTÓLICA
As províncias não alcançadas da Arábia e do Sudão aguardam os
homens com o espírito do bispo francês. Então a ambição de
alcançar outras regiões, a partir de centros já alcançados, mesmo
quando esses mesmos centros enfrentam problemas de ordem
social e precisam de apoio, não é utópica ou fictícia, mas
verdadeiramente apostólica. “Tenho, pois, motivo de gloriar-me”,
disse Paulo, “pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado,
para não edificar sobre fundamento alheio; antes, como está escrito:
Hão de vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, e compreendê-lo
os que nada tinham ouvido a seu respeito” (Rm 15.20-21). Ele
escreveu isso ao deixar uma cidade tão importante quanto Corinto,
e continua afirmando que essa é a razão pela qual ele ainda não
tinha visitado Roma, mas que ele esperava fazê-lo a caminho da
Espanha! Se os confins mais extremos do Império Romano faziam
parte de seu itinerário, pois já havia pregado Cristo de Jerusalém ao
Ilírico no primeiro século, certamente, no início do século 20, nossa
ambição deveria ser a de entrar em todos os campos não ocupados,
para que: “Possam vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, e
compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito”.
“Não conhecemos um apóstolo sequer que tenha ido às nações
mediante a imposição de um simples comando. Cada um deles
foi movido pelo amor ao que lhe foi prometido quando recebeu
sua missão. Tudo era instintivo e natural. Eles eram igualmente
controlados pela visão comum, mas tinham várias visões
pessoais que os atraíram para onde eram necessários.
Nos primeiros dias do cristianismo, havia uma ausência do
espírito individualista. A maioria dos apóstolos morreu fora da
Palestina, embora a lógica humana os proibisse de deixar o
país até que fosse cristianizado. O instinto individualista é
morte para a fé, e se os apóstolos permitissem que isso
controlasse seus motivos e ações, teriam dito: “A necessidade
em Jerusalém é tão profunda, nossas responsabilidades para
com as pessoas de nosso próprio sangue tão óbvias, que
devemos nos dedicar ao princípio de que a amor começa em
casa. Depois de termos conquistado o povo de Jerusalém, da
Judeia e da Terra Santa em geral, então teremos tempo
suficiente para ir às nações; mas nossos problemas políticos,
morais e religiosos são tão grandes aqui nesse lugar, que é
manifestamente absurdo inclinar nossos ombros para receber
uma nova carga.”
Foi a grandeza da tarefa e sua dificuldade que motivou a Igreja
primitiva. Sua aparente impossibilidade foi a sua glória; seu caráter
mundial, sua grandeza. Isso continua sendo verdade nos dias de
hoje.
“Fico satisfeita”, escreveu Neesima, do Japão, “quando penso
no maravilhoso crescimento do cristianismo no mundo, e acredito
que se esse movimento encontrar algum obstáculo, ele avançará
com uma velocidade cada vez maior, assim como as águas de um
riacho, que correm mais rápido quando existem obstáculos no seu
curso.”

ESPERANÇA E PACIÊNCIA
Aquele que ara o solo virgem deve arar em esperança. Deus nunca
desaponta seus lavradores. A colheita sempre segue o tempo da
semente. “Quando chegamos ao nosso campo pela primeira vez”,
escreveu o missionário Hogberg, da Ásia Central, “era impossível
reunir algumas poucas pessoas para ouvir as boas novas do
Evangelho. Não podíamos chamar as crianças para a escola
dominical. Nós não podíamos distribuir evangelhos ou folhetos. Ao
construir a nova base, também construímos uma pequena capela.
Então nos perguntamos: ‘Será que um dia essa sala ficará cheia
com muçulmanos ouvindo o Evangelho?’. Nossa pequena capela
ficou cheia de ouvintes e ainda precisamos de uma sala maior! Dia
após dia pregamos o quanto permitem nossas forças, e os
muçulmanos não mais se opõem a ouvir a verdade do Evangelho.
‘Antes de vocês chegarem aqui, ninguém havia falado ou pensado
em Jesus Cristo; agora em toda parte se ouve o seu nome’, disse-
me um maometano. No início do nosso trabalho, eles jogaram fora
os evangelhos, os queimaram ou os devolveram; agora eles os
compram, beijam, levam-no à testa e ao coração, demonstrando a
mais alta estima que um muçulmano tem por um livro.”
Mas o lavrador pioneiro deve ter muita paciência. Quando
Judson estava preso a correntes, em um calabouço birmanês, um
colega de prisão perguntou, com um sorriso de desprezo, pela
perspectiva da conversão dos pagãos. Judson respondeu
calmamente: “As perspectivas são tão brilhantes quanto as
promessas de Deus”. Atualmente, não há outro país tão inacessível
ou onde as dificuldades sejam maiores do que a Birmânia dos dias
de Judson, quando ele as enfrentou e prevaleceu.

O DESAFIO DA PORTA FECHADA


As perspectivas de evangelização de todos os campos não
alcançados são “tão brilhantes quanto as promessas de Deus”. Por
que deveríamos esperar mais para evangelizá-los? “A
evangelização do mundo nesta geração não é brincadeira”, diz
Robert E. Spencer. “Não é um lema a ser usado de maneira
descuidada. A evangelização do mundo nesta geração é a
convocação de Jesus Cristo de cada um dos discípulos para tomar
a sua cruz e seguir os passos daquele que, embora fosse rico, se
fez pobre por nós, para que nós, por meio de sua pobreza,
possamos nos tornar ricos. É um chamado para não nos apegarmos
à nossa vida, mas para que possamos gastá-la como Cristo gastou
a sua, para a redenção do mundo.” Quem vai fazer isso pelos não
alcançados? Os alunos voluntários de hoje não devem se dar por
satisfeitos até que o lema, particularmente o seu, encontre aplicação
prática nos campos mais negligenciados e difíceis, bem como nos
países onde os campos estão brancos e a necessidade de
trabalhadores é cada vez maior.
O apelo ao desapego é ainda mais forte que o da
oportunidade. Oportunismo não é a última palavra em missões. A
porta aberta nos atrai; a porta fechada desafia quem tem o direito de
entrar. Os campos não alcançados do mundo têm, portanto, uma
reivindicação de peso e urgência peculiares. “Neste vigésimo século
da história cristã, não deveria haver campos não alcançados. A
Igreja está obrigada a remediar essa condição lamentável com o
menor atraso possível.”

CONSTRUA UMA VIDA, NÃO UMA FORMA DE GANHAR A VIDA


Os campos não ocupados são, portanto, um desafio para todos os
cristãos cujas vidas não se ocupam com aquilo que é considerado
superior e melhor, mas unicamente com as coisas fracas ou
básicas, que têm pouca importância. Há olhos que nunca foram
iluminados por uma grande visão, mentes que nunca foram
dominadas por um pensamento altruísta, corações que nunca se
entusiasmaram com a paixão pelo problema do outro, e mãos que
nunca se cansaram ou se fortaleceram ao levantar um grande fardo.
Para esses cristãos, o conhecimento desses milhões de pessoas
sem Cristo que vivem em terras ainda não alcançadas deve ser
percebido como um novo chamado da Macedônia, como uma visão
surpreendente da vontade de Deus para suas vidas. Como observa
o bispo Brent: “Não temos como saber qual é a nossa medida de
capacidade moral [humanidade] até que tentemos expressá-la em
ação. A sensação de uma aventura, muitas vezes, é tudo o que um
jovem precisa para afirmar e equilibrar sua masculinidade”.
Existe um teste mais grandioso para os poderes da
masculinidade do que o trabalho pioneiro no campo missionário?
Aqui está a oportunidade para aqueles que em casa talvez nunca
encontrem o espaço para desenvolver suas capacidades latentes e
para aqueles que talvez nunca encontrem o escopo adequado em
outros lugares para descobrir todos os poderes de suas mentes e
almas. Existem centenas de universitários cristãos que esperam
passar a vida praticando o direito ou desenvolvendo alguma
atividade comercial para ganhar a vida, mas que têm força e talento
suficientes para entrar nesses campos não alcançados. Há jovens
médicos que, numa nova base missionária, poderiam cuidar da
saúde de milhares de pessoas que “sofrem os horrores do
paganismo e do islã” e levantar seu fardo de dor, mas que agora
limitam seus esforços a uma “cidade confinada”, em que a arte da
cura está sujeita à lei da competição e é frequentemente medida
apenas em termos contábeis. Eles estão ganhando a vida; eles
poderiam estar vivendo a vida.
O bispo Phillips Brooks certa vez lançou o desafio de uma
grande tarefa com estas palavras: “Não orem por vidas fáceis; orem
para que se tornem homens mais fortes. Não orem por tarefas
correspondentes às suas competências; orem por competências
correspondentes às suas tarefas. Então a realização de seu trabalho
não será um milagre, mas você será um milagre”. Ele não poderia
ter escolhido palavras mais adequadas para falar da
evangelização dos campos não alcançados do mundo, com todas
as suas dificuldades desconcertantes e suas gloriosas
impossibilidades. Deus pode nos dar poder para a tarefa. Ele foi
suficiente para aqueles que saíram ao campo no passado e é
suficiente para aqueles que saem hoje ao campo.
Diante desses milhões de pessoas que permanecem em um
estado de trevas e degradação, conhecendo a condição de suas
vidas pelo testemunho irrepreensível daqueles que visitaram esses
países, essa grande tarefa inacabada, essa tarefa sem solução,
clama hoje por aqueles que estão dispostos a perseverar e a sofrer
para realizá-la.

NÃO É UM SACRIFÍCIO, MAS UM PRIVILÉGIO


Quando David Livingstone visitou a Universidade de Cambridge, em
4 de dezembro de 1857, fez um apelo sincero para o trabalho no
continente africano, que na época era quase totalmente não
alcançado. Suas palavras, que eram em certo sentido seu
testamento para os universitários, em relação à África, podem muito
bem concluir este livro:
De minha parte, nunca deixei de me alegrar por Deus ter me
designado para tal ofício. As pessoas falam do sacrifício que fiz
ao dedicar grande parte da minha vida ao trabalho na África.
Poderíamos chamar isso de sacrifício, o que é tão somente
uma pequena parte de uma grande dívida devida ao nosso
Deus, algo que nunca poderíamos pagar? Seria um sacrifício
aquilo que lhe proporciona a melhor recompensa por exercer
uma atividade saudável, ter a consciência de fazer o bem e
receber a paz de espírito e uma brilhante esperança de um
destino glorioso no futuro? Fora com essa palavra, com tal
ponto de vista e com tal pensamento! Enfaticamente não é um
sacrifício. Ao invés, dizemos que é um privilégio. A ansiedade,
a doença, o sofrimento ou o perigo, de vez em quando, com o
precedente das conveniências e caridades comuns desta vida,
podem nos fazer parar, fazer o espírito vacilar e a alma afundar,
mas deixe que isso seja apenas por um momento. Tudo isso
não é nada quando comparado com a glória que será revelada
em nós e para nós. Eu nunca fiz um sacrifício. Eu imploro que
direcionem sua atenção para a África. Sei que daqui a alguns
anos serei cortado daquele país, que agora está aberto; não
deixem que suas portas se fechem! Volto para a África para
tentar abrir caminho para o comércio e para o cristianismo;
vocês continuarão o trabalho que eu comecei? Pensem nisso.
APÊNDICE III

“NÃO COMPLIQUE O ‘CHAMADO


[156]
MISSIONÁRIO’”

POR DAVID SITTON[157]

E u rio quando ouço missionários dizerem que “se renderam ao


chamado” do ministério. E sempre quero perguntar: “Depois
que se rendeu, você foi torturado ou simplesmente arrastado com
algemas e preso pelas pernas?” É realmente necessário que você
seja tomado por uma visão celestial antes de cumprir, com alegria, o
ministério do Evangelho em lugares não alcançados?
O chamado missionário não é como um cão policial, capaz de
nos rastrear, farejar e amarrar pelas nações. Esse tipo de conversa
me incomoda! É uma teologia ruim. As Escrituras não apresentam
um “chamado misterioso (sobrenatural)” como um pré-requisito para
o cumprimento da Grande Comissão. De fato, é o contrário.

NÃO ESPERE RECEBER UM CHAMADO


Nenhum aspecto da missão está mais atolado com bagagem
extrabíblica do que o “chamado missionário”. O claro mandamento
de Cristo “ide” [ou “indo] deveria ser, por si só, suficiente para nos
levar às regiões não alcançadas.
Não pense duas vezes para ir. Seja assertivo no ir. O Senhor
dirigirá seus pés enquanto você se move.
Você sabe como 99% dos missionários transculturais do
Evangelho no livro de Atos chegaram aos lugares não
alcançados? O detalhado estudo missiológico sobre o livro de Atos
de Bob Sjogren nos explica:
- 99% dos missionários em Atos atravessaram barreiras
transculturais por uma razão: a perseguição.
E quanto aos outros 1%? Nesse grupo:
- 74% serviram transculturalmente porque o apóstolo Paulo os
desafiou a ir.
- 18% foram enviados por suas igrejas locais.
- 7% foram simplesmente por causa de seu zelo e do desejo de
fazê-lo![158]
Os chamados dramáticos para o ministério são a exceção. Se
você tem em seu coração o desejo de ir, então vá. Confie em Deus
para que, segundo a sua soberana vontade, ele o conduza a uma
parte específica da seara.

TENTE IR
Paulo tentou entrar na Ásia, mas o Senhor não permitiu. Ele então
tentou ir para Bitínia, mas “o Espírito Santo o impediu”. Ainda assim,
ele continuou tentando ir. Há pelo menos seis cidades em Atos 16.1-
6 às quais Paulo tentou levar o Evangelho. Somente depois dessas
tentativas foi que o Senhor lhe concedeu a visão do macedônio. Ele
acordou na manhã seguinte e foi imediatamente para as regiões do
norte. O que isso nos diz? Seja radical ao abraçar o “ide” e Deus
será radical ao conceder-lhe uma orientação específica.
Eu nunca fui chamado para ser missionário. Eu não fui
convocado. Eu me ofereci. Nenhum chamado especial foi
necessário. Eu escolhi ir. Eu quero ir. Eu sou obrigado a ir. Para
onde eu vou é uma questão determinada por uma Bíblia aberta
(Romanos 15.20-21) e um mapa aberto das regiões não alcançadas
onde Jesus ainda não é conhecido. Ir para representar Jesus e com
Jesus até os confins da terra é o privilégio ao qual se dedicar por
toda uma vida.
SOBRE O AUTOR

Dalton Thomas é fundador e presidente da Frontier Alliance


International (Aliança Internacional Pioneira). Ele e sua esposa,
Anna, têm quatro filhos e atualmente vivem em Israel.
Porque a vida é um sopro. Porque o morrer é lucro. Por
causa da obediência. Por causa do mandamento “não
tome o meu nome em vão”. Porque o viver é Cristo. Por
causa da fé. Por causa do Evangelho. Porque é para a
sua glória. Porque o Rei voltará. Porque “o maior destes é
o amor”. Por causa do Salmo 72. Por causa de Apocalipse
21. Por causa da esperança. Porque a história ainda não
acabou. Porque espadas serão transformadas em arados,
e lanças, em foices. Porque bombas não deveriam ser
lançadas. Porque ele se fez carne e sangue. Porque ele
disse “vão e anunciem a todos”. Porque ele continua
dizendo isso. Porque não há nada mais importante do que
isso. Porque todas as nações precisam de um
testemunho. Porque os não alcançados merecem isso.
Porque muitos ainda não ouviram. Por causa da
manjedoura. Porque ele se ajoelhou para lavar os nossos
pés. Por causa da graça. Porque o seu sangue continua a
interceder por nós. Por causa das profecias. Por causa de
Jerusalém e porque “bendito é o que vem”. Porque não é
porque ele precisa de nós. Por causa de Sião.
Por causa de Jesus!
[1]
ZWEMER, S. M. The Unoccupied Mission Fields of Africa and Asia. The
Student Volunteer Movement; 1st. ed. 1911.
[2]
CARMICHAEL, A. Make Me Thy Fuel. Mountain Breezes: The Collected
Poems of Amy Carmichael. Ft. Washington: CLC Publications, 1999, p. 223.
[3]
Por “cristianismo apostólico” me refiro “ao tipo de cristianismo que os apóstolos
adotaram, ensinaram e praticaram”. Em Judas 3, somos exortados a “batalhar,
diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, desde o
início, para e por meio dos apóstolos.
[4]
E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu
discípulo (Lc 14.27).
[5]
Lc 14.27.
[6]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 18.
[7]
Lc 14.26.
[8]
Mc 8.35.
[9]
Mt 5.10-12.
[10]
Lc 6.26.
[11]
Lc 14.27.
[12]
Jo 15.20.
[13]
Jo 16.33.
[14]
Mt 24.9.
[15]
Mt 10.22.
[16]
João Batista e os apóstolos referem-se a Jesus [e o próprio Jesus o faz] como
um noivo e ao clímax da história, como um casamento. Veja Jo 3.29; Mt 9.14-15;
25.1-10; Ef 5.29-32; 2 Co 11.1-3; Ap 19.7; 22.17.
[17]
ELLIOT, E. A Chance to Die: The Life and Legacy of Amy Carmichael.
Grand Rapids, MI: Fleming H. Revell, 23rd printing, June 2003, 64.
[18]
ZWEMER, S. M. The Glory of the Impossible. In: WINTER, R. D. AND
HAWTHORNE, S. C. Perspectives on the World Christian Movement. 3rd.
Edition. Pasadena, Calif.: William Carey, 1999, 315.
[19]
Sl 87.7.
[20]
Mt 13.44.
[21]
ELLIOT, E. A Chance to Die: The Life and Legacy of Amy Carmichael,
Grand Rapids, MI: Fleming H. Revell, 23rd printing, June 2003, 176.
[22]
Aqui estou parafraseando o mártir Jim Elliot que disse: “Não é bobo o que dá o
que não pode reter para ganhar o que não pode perder”. ELLIOT, E. Shadow of
the Almighty: The Life and Testament of Jim Elliot, 1958, 108. Embora muitas
vezes atribuída a Elliot, é provável que a citação tenha se originado da biografia
de Matthew Henry, de seu pai, o clérigo inglês inconformista Philip Henry (1631-
1696), como “Não é tolo aquele que se separa daquilo que não pode manter,
quando tem certeza de que será recompensado com aquilo que não pode perder”.
HENRY, M. The Life of the Rev. Philip Henry. AM, Matthew Henry, ed. Sir J. B.
Williams. W. Ball, 1839, 35.
[23]
Fp 3.7-8.
[24]
CHAPLIN, J. The Riches of Bunyan. United Kingdom: Echo Library, 2007,
156.
[25]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 18.
[26]
SHERMAN, J. E. The Nature of Martyrdom. Paterson, NJ: St. Anthony Guild
Press, 1942, 61.
[27]
NEILL, S. A History of Christian Missions. Penguin, 1964, 43.
[28]
At 12.12.
[29]
Os detalhes das execuções podem ser encontrados no primeiro capítulo do
livro: O Espelho dos Mártires, traduzido da língua inglesa para a língua
portuguesa por Charles David Becker.
[30]
BARRETT, D. Annual Statistical Table on Global Mission: 2002. In:
International Bulletin of Missionary Research 26, no. 1, January 2002, 23.
[31]
BARRET, D; KURIAN, G. T; and JOHNSON, T. M. World Christian
Encyclopedia: A Comparative Survey of Churches and Religions—AD 30 to
2200, vol. 1. Oxford: Oxford University Press, 2001, 11.
[32]
EWTN. Twentieth Century Saw 65% of Christian Martyrs. Disponível em:
<http://www.ewtn.com/vnews/getstory.asp?number=26402>. Acesso em: nov.
2011,
[33]
Mt 24.14.
[34]
Mt 24. 9-14.
[35]
Ap 7.9-14.
[36]
Ap 6.9-11.
[37]
Ap 13.7.
[38]
Dn 7.21-25.
[39]
“Homem da iniquidade e filho da perdição” é o título dado por Paulo a esse
homem, comumente referido como “anticristo” ou “besta”.
[40]
Dn. 8.24.
[41]
Dn 11.44.
[42]
Dn 11.33-34.
[43]
Mt 24.3-14.
[44]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 14-15.
[45]
BONHOEFFER, D. The Cost of Discipleship. New York: Macmillan, 1967, 55.
[46]
Mc 8.35-36.
[47]
1 Co 1.18-2.5.
[48]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 19.
[49]
Em seu livro sobre Raymund Lull, o mártir missionário entre os muçulmanos
do século 14, Samuel Zwemer escreveu: “A Igreja medieval ensinou que existem
três tipos de martírio: o primeiro tanto na vontade como na ação, que é o mais
elevado; o segundo, na vontade, mas não na ação; o terceiro em ação, mas não
em vontade. São Estêvão e todo o exército dos que foram martirizados pelo fogo
ou pela espada por seu testemunho são exemplos do primeiro tipo de martírio.
São João Evangelista e outros como ele, que morreram no exílio ou na velhice
como testemunhas da verdade, mas sem violência, são exemplos do segundo
tipo. Os santos inocentes, mortos por Herodes, são um exemplo do terceiro tipo”.
ZWEMER, S. M. Raymund Lull: First Missionary to the Moslems. Diggory
Press, 2008, Kindle Edition.
[50]
Fp 1.21.
[51]
Mc 8.34-36.
[52]
Ap 12.11.
[53]
Sl 37.4.
[54]
Jo 17.24-26.
[55]
Fp 1.22-23.
[56]
SAINT, S. A Cloud of Witnesses. In: BERGMAN, S. Martyrs: Contemporary
Writers on Modern Lives of Faith. Maryknoll, NY: Harper San Francisco, 1996,
142-154.
[57]
Fp 3.10.
[58]
“...através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At
14.22).
[59]
PIPER, J. Let the Nations Be Glad! Grand Rapids, MI: Baker Book Group,
2010, Kindle Edition, 93.
[60]
TAYLOR, H. China’s Millions. London: Morgan & Scott, 1884, 102.
[61]
Fp 3.7-11.
[62]
Fp 1.21.
[63]
Mt 13.44-45.
[64]
BARCLAY, W. The Gospel of Luke. Louisville, KY: Westminster John Knox
Press, 2001, 92.
[65]
Hb 12.2.
[66]
2 Tm 2.8-13; Rm 8.17.
[67]
Fp 1.29.
[68]
Hb 11.38.
[69]
Recomendo muitíssimo o livro Torturado por Amor a Cristo, de Richard
Wurmbrand.
[70]
WURMBRAND, R. In God’s Underground. Portland, OR: Living Sacrifice
Book Company, 2011, Kindle Edition.
[71]
2 Co 4.17.
[72]
Hb 12.2.
[73]
Mt 23.37-39.
[74]
WURMBRAND, R. Torturado por Amor a Cristo. Ed. Missão A Voz dos
Mártires.
[75]
Ibidem.
[76]
Mt 24.9-14.
[77]
PIPER, J. Let the Nations Be Glad. Cultura Cristã, 97.
[78]
Em Mateus 16 e Marcos 8 Jesus apelou aos discípulos para que abraçassem
o autossacrifício e a morte, fundamentados no fato de que isso traria ganho para
eles.
[79]
O título original desse hino era: Crucifixion to the World by the Cross of Christ
(Crucificação para o mundo pela cruz de Cristo).
[80]
Jo 12.1-6.
[81]
Em João 12.5, Judas diz que valia 300 denários. Naquele tempo isso era
equivalente ao salário de um ano de trabalho.
[82]
Jo 12.3.
[83]
2 Co 2.14-17.
[84]
At 5.41.
[85]
CLEMENTE. Letter to the Corinthians (Chapter 5). In: KIRBY, P. Early
Christian Writings (website). Disponível em:
<http://www.earlychristianwritings.com/text/1clement-roberts.html>. Acesso em:
nov.2011.
[86]
Mt 16.21.
[87]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 50-51.
[88]
Lm 3.22-23.
[89]
TON, J. Suffering, Martyrdom, and Rewards in Heaven. Wheaton, IL: The
Romanian Missionary Society, 1997, 258-259.
[90]
Essa famosa afirmação vem do quinquagésimo capítulo da obra clássica de
Tertuliano, Apologeticus, publicada em 197 a.C. Uma tradução contextualizada
desta afirmação seria: “Quanto mais somos moídos, mais crescemos em
números; o sangue dos crentes é como uma semente”.
[91]
“Embora muitos povos continuem não alcançados, o número é apenas uma
fração do que era há 100 anos. O objetivo pode ser alcançado em nossa
geração...” (JOHNSTONE, P. The Church Is Bigger Than You Think, Ross-shire,
UK: Christian Focus, 1998, 105–107).
[92]
Mt 24.14.
[93]
Veja At 19.
[94]
THE TRAVELING TEAM (website). Disponível em:
<http://www.thetravelingteam.org/node /186/generalstatistics>. Acesso em: out.
2011.
[95]
TAYLOR, H. Hudson Taylor’s Spiritual Secret. Chicago, IL: Moody
Publishers, 1955, 81.
[96]
PATON, J. G. John G. Paton: Missionary to the New Hebredes, An
Autobiography Edited by His Brother. Edinburgh: The Banner of Truth Trust,
1965, orig. 1889, 1891, 75.
[97]
Ibidem, 444.
[98]
SITTON, D. Reckless Abandon. Greenville SC: Ambassador International,
2011, Kindle Edition, Introduction.
[99]
Ibidem.
[100]
BROWN, M. L. The Gospel of Martyrdom vs. the Gospel of Success. Voice
of Revolution (website). Disponível em:
<http://www.voiceofrevolution.com/2008/12/13/the-gospel-of-martyrdom-vs-the-
gospel-of-success>. Acesso em: nov. 2011.
[101]
Cl 1.24.
[102]
Comentando sobre Colossenses 1.24, John Piper escreve: “As aflições de
Paulo preenchem as de Cristo, não acrescentando nada ao seu valor, mas
estendendo-as ao povo que deveria abençoar. O que falta das aflições de Cristo
não é que elas sejam deficientes em valor ou mérito, como se não pudessem
cobrir suficientemente os pecados de todos os que creem. O que falta é que o
infinito valor das aflições de Cristo não é conhecido no mundo. Elas ainda são um
mistério (oculto) para a maioria dos povos. E a intenção de Deus é que o mistério
seja revelado, estendido a todos os gentios. Assim, as aflições estão faltando no
sentido de que não são vistas e conhecidas entre as nações. Elas devem ser
levadas pelos ministros da Palavra. E esses ministros da Palavra preenchem o
que falta das aflições de Cristo, estendendo-as aos outros”. (PIPER, J. Called to
Suffer and Rejoice: To Finish the Aim of Christ’s Afflictions . In: Desiring God
[website]. Disponível em: <http://www.desiringgod.org/resource-
library/sermons/called-to-suffer-and-rejoice-to-finish-the-aim-of-christs-afflictions>.
Acesso em: dez. 2011.)
[103]
Mt 24.9-14.
[104]
At 20.24.

[105]
Acesse joshuaproject.net para mais informações.
[106]
Esse tipo de estatística varia dependendo de quem e como as informações
estão sendo coletadas. O Joshua Project é a fonte mais confiável em virtude da
extensão de suas pesquisas.
[107]
LINGEL, J. Consider Again Your Vocation. i2 Ministries (website).
Disponível em: <http://www.i2ministries.org/index.php?
option=com_content&view=article&id=13:consider-again-your-
vocation&catid=27:articles-category&Itemid=72>. Acesso em: nov. 2011.
[108]
ZWEMER, S, M. Raymund Lull: First Missionary to the Moslems. Diggory
Press, 2008, Kindle Edition, Prefácio.
[109]
1 Co 1-3.
[110]
Cl 1.24.
[111]
At 9.16.
[112]
OTIS JR, G. The Last of the Giants: Lifting the Veil on Islam and the End
Times. Grand Rapids, MI: Chosen, 1991, 261, 263.
[113]
ZWEMER, S. M. Raymund Lull: First Missionary to the Moslems.
Introdução.
[114]
Ibidem, cp. 3.
[115]
TUCKER, R.From Jerusalem to Irian Jaya: A Biographical History of
Christian Missions. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2010, Kindle Edition, cp. 2.
[116]
Ibidem.
[117]
ZWEMER, S. M. Raymund Lull: First Missionary to the Moslems. cp. 5.
[118]
TUCKER, R. From Jerusalem to Irian Jaya: A Biographical History of
Christian Missions, cp. 2.
[119]
ZWEMER, S. M. Raymund Lull: “First Missionary to the Moslems, cp. 9.
[120]
Ibidem.
[121]
Ibidem.
[122]
Ibidem.
[123]
Veja At 6-7.
[124]
GUINNESS, H. Sacrifice. Chicago: IVP, 1947, 59-60.
[125]
LAKE, J. G. JOHN G. LAKE ANTHOLOGY: THE COMPLETE COLLECTION
OF HIS LIFE TEACHINGS. LIARDON, R. (ORG.). NEW KENSINGTON, PA:
WHITAKER HOUSE, 1999, 36-41.
[126]
Dn 12.1-7; Jr 30.5-7; Mt 24.9-31.
[127]
Ap 7.9-14.
[128]
Tradicionalmente os doze discípulos têm sido representados em trabalhos
artísticos como homens mais velhos. Isso é muito improvável. Quando Jesus os
chamou, ele estava agindo de acordo com os costumes rabínicos de chamar e
treinar jovens para o ministério. Os doze discípulos eram provavelmente jovens
adultos na faixa dos vinte anos.
[129]
Veja Is 63.18; Dn 8.13-14; 9.26-27; 11.30-12.13; Mt 24.15-31; 2 Ts 2.1-11; Ap
11.1-2.

[130]
Alguns citam Colossenses 1.23 e Romanos 1.8 como evidência de que o
evangelho já havia sido proclamado a todas as nações no primeiro século. Este
autor acredita que se trata de um manuseio pobre do texto e recomenda o artigo
de PIPER, J. Has the Gospel Been Preached to the Whole Creation Already?
In: Desiring God (website). Disponível em:
<http://www.desiringgod.org/blog/posts/has-the-gospel-been-preached-to-the-
whole-creation-already>.

[131]
Ap 13.
[132]
1 Jo 2.
[133]
2 Ts 2.
[134]
Dn 7; 8; 11.
[135]
Ef 4.11-13.
[136]
Mt 24.9-14; Ap 6.9-11; 7.9-14; 12.7-12.
[137]
Mt 16.18-19.
[138]
Jo 17.20-26.
[139]
Ef 4.11-15.
[140]
Hb 6.1-3.
[141]
1 Pe 2.1-3.
[142]
HOVEY, C. To Share in the Body: A Theology of Martyrdom for Today’s
Church. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2008, Kindle Edition, 18-19.
[143]
1 Pe 4.1.
[144]
“Os do Caminho” foi o nome adotado pela comunidade cristã primitiva para se
referir a eles mesmos (At 9.2; 18.26; 19.9, 23; 22.4; 24.14,22).
[145]
Rm 8.29.
[146]
Fp 3.10-11.
[147]
Jó 1 e Zacarias 3 nos dizem que Satanás tem acesso às cortes do céu. Paulo
falou dele como “o príncipe do poder do ar” (Efésios 2.2) e “o deus desta era” (2
Coríntios 4.4). Atualmente ele mantém uma posição temporária de autoridade em
“lugares celestiais” (Efésios 6.12). Durante a tribulação final, ele será deslocado
dessa posição antes de sua derrota final.
[148]
Alguns ensinam que Apocalipse 12 descreve o despejo histórico de Satanás
do céu, afirmando a ideia de que esse evento já aconteceu. No entanto, o texto e
seu contexto deixam claro que se trata de um evento escatológico futuro que
ocorre durante a “Grande Tribulação” (Apocalipse 7.14; Mateus 24.15-31; Daniel
12.1-7). Observe a relação entre Satanás sendo lançado para baixo e os santos o
vencendo: “Houve peleja no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o
dragão. Também pelejaram o dragão e seus anjos; todavia, não prevaleceram;
nem mais se achou no céu o lugar deles. E foi expulso o grande dragão, a antiga
serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi
atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos. Então, ouvi grande voz do céu,
proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a
autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo
que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus. Eles, pois, o venceram por
causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e,
mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por isso, festejai, ó céus, e
vós, os que neles habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós,
cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (Ap 12.7-12).
[149]
At 20.27.
[150]
Ap 12.11.
[151]
Hb 11.32-40.
[152]
Ap 5.9-10.
[153]
Fp 1.20-21.
[154]
LAKE, J. G. John G. Lake: The Complete Collection of His Life Teachings.
LIARDON, R.(org.). New Kensignton PA: Whitaker House, 1999, 36-41.
[155]
ZWEMER, S. The Unoccupied Mission Fields of Africa and Asia. The
Student Volunteer Movement; 1st. ed. 1911.
[156]
SITTON, D. Don’t Complicate the Missionary Call. In: To Every Tribe
(website). Disponível em:
<http://66.132.241.23/uploads/Dont_Complicate_the_Call.pdf>. Acesso em: 2011.
[157]
Para mais informações sobre David Sitton e o ministério Every Tribe
Ministries, visite: http://www.toeverytribe.com.
[158]
STEARNS, B. and A. Run With The Vision. Bethany House Publishers, 125-
126.

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