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João Crisóstomo

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de Ouro (desambiguação). Para outras pessoas de mesmo nome, veja João Crisóstomo
(desambiguação).
São João Crisóstomo

Escultura de São João Crisóstomo na Catedral de São Patrício, Nova Iorque

No oriente: Grande Hierarca;Professor Ecumênico


No ocidente: Patriarca de Constantinopla e Doutor
da Igreja
Nascimento ca. 347[1] em Antioquia, Síria
(província romana)
Morte 14 de setembro de 407[2] em Comana
Pôntica, Ponto (província romana)[2]
Veneração Igreja Católica
por Comunhão Anglicana
Igreja Luterana
Igreja Ortodoxa
Festa litúrgica No oriente: 14 de setembro (morte);[3]
13 de novembro (ascensão ao
patriarcado),[4] 30 de janeiro (Três
Grandes Hierarcas)[5] e 27 de janeiro
(traslado das relíquias)[6]
No ocidente: 13 de setembro
Atribuições Vestido como bispo, segurando um
evangelho ou rolo, mão direita
erguida abençoando. Ele é mostrado
sempre muito magro por causa dos
jejuns, uma testa alta, cabelos escuros
com sinais de calvície e uma barba
curta. Símbolos: colmeia, uma pomba
branca, uma frigideira, cálice sobre
uma Bíblia, pena e tinteiro[7]
Padroeiro Constantinopla; Educação; epilepsia;
palestrantes e pregadores[7]
Portal dos Santos

João Crisóstomo (ca. 347, Antioquia—14 de setembro de 407, Comana Pôntica) foi
um arcebispo de Constantinopla e um dos mais importantes patronos do cristianismo
primitivo. Ele é conhecido por suas poderosas homilias e por sua habilidade oratória,
por sua denúncia dos abusos cometidos por líderes políticos e eclesiásticos de sua
época, por sua "Divina Liturgia" e por suas práticas ascetas. O epíteto Χρυσόστομος
("Chrysostomos", aportuguesado como "Crisóstomo") significa "da boca de ouro" em
língua grega e lhe foi dado por conta de sua lendária eloquência. O título apareceu pela
primeira vez na "Constituição" do papa Vigílio em 553 e ele é considerado o maior
pregador cristão da história.[2] [8]

As Igrejas ortodoxas e católicas orientais veneram-no como santo e como um dos Três
Grandes Hierarcas, juntamente com Basílio, o Grande e Gregório Nazianzeno. A Igreja
Católica também o proclamou Doutor da Igreja. As igrejas de tradição ocidental,
incluindo a católica, algumas províncias da Comunhão Anglicana e partes da Igreja
Luterana comemoram sua festa em 13 de setembro. As restantes igrejas luteranas e
províncias anglicanas o fazem na data tradicional no oriente ortodoxo, 27 de janeiro. A
Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria também reconhece Crisóstomo como santo.[9]

Entre suas homilias, oito dirigidas aos cristãos judaizantes ainda geram controvérsia por
causa do impacto que provocaram no desenvolvimento do antissemitismo cristão.[10] [11]

Índice
 1 Biografia
o 1.1 Primeiros anos e educação
o 1.2 Antioquia
o 1.3 Arcebispo de Constantinopla
o 1.4 Morte e canonização
 2 Obras
o 2.1 Homilias
 2.1.1 Homilia Pascoal
 2.1.2 Demais
 2.1.3 Homilias sobre judeus e cristãos judaizantes
o 2.2 Tratados
o 2.3 Liturgia
 3 Legado e influência
o 3.1 Influência no Catecismo da Igreja Católica e seu clero
o 3.2 Música e literatura
o 3.3 A lenda da penitência de São João Crisóstomo
o 3.4 Veneração e relíquias
 4 Ver também
 5 Notas
 6 Referências
 7 Bibliografia
 8 Leitura complementar
 9 Ligações externas
o 9.1 Obras de João Crisóstomo

Biografia
Primeiros anos e educação

João nasceu em Antioquia em 349 (ou 347[1] ) de pais greco-sírios. Diferentes


estudiosos afirmam que sua mãe, Antusa, era ou pagã[11] ou cristã. Seu pai era um
oficial militar de alta patente[nt 1] de nome desconhecido e morreu logo depois do
nascimento de João.

Seu batismo ocorreu em 368 (ou 373) e ele foi tonsurado leitor (uma das ordens
menores da Igreja).[nt 2] Por conta dos contatos de sua mãe, que era influente na cidade,
João iniciou seus estudos sob a influência do famoso professor pagão Libânio.[12] Com
ele, João aprendeu muitas das ferramentas que futuramente utilizaria em sua carreira
como retórico e também adquiriu sua paixão pelo grego e sua literatura.[13]

Porém, Crisóstomo foi se tornando cada vez mais dedicado ao cristianismo conforme
crescia e, ainda jovem, foi estudar teologia com Diodoro de Tarso, o fundador da
reconstituída Escola de Antioquia. De acordo com o historiador cristão Sozomeno,
Libânio teria dito, em seu leito de morte, que João teria sido seu sucessor "se os cristãos
não tivessem roubado-o de nós".[14] João já vivia em extremo ascetismo e, por volta de
375, tornou-se eremita. Nesta época, passou dois anos continuamente em pé, dormindo
muito pouco e decorou a Bíblia. Como consequência disso, seu estômago e seus rins
foram danificados permanentemente e sua saúde se deteriorou tanto que ele acabou
sendo forçado a voltar para Antioquia.[15]

Antioquia

João foi ordenado diácono em 381 por Melécio de Antioquia, que, na época, não estava
em comunhão com Alexandria e Roma. Depois da morte de Melécio, João se distanciou
de seus seguidores, mas não se juntou a Paulino, seu adversário no cisma que dividia a
Igreja de Antioquia. Em 386, depois da morte de Paulino, foi ordenado presbítero por
Evágrio, sucessor dele.[16] Foi João que, depois disso, conseguiu reconciliar Flaviano I
de Antioquia, o indicado por Roma e Alexandria, os sucessores de Melécio e os de
Paulino, unificando novamente a sé de Antioquia sob uma única liderança depois de
quase setenta anos do chamando "cisma meleciano".[17]
Em Antioquia, num período de doze anos (386-397), João ganhou enorme popularidade
por causa da eloquência de seus discursos na "Igreja Dourada", a catedral da cidade,
especialmente suas iluminadoras aulas sobre passagens da Bíblia ou ensinamentos
morais. Sua obra mais valiosa desta época é "Homilias", que versa sobre os vários livros
da Bíblia. Ele enfatizava a caridade e se mostrava sempre preocupado com as
necessidades materiais e espirituais dos pobres. Falava também contra o abuso da
riqueza e das propriedades pessoais:


Você deseja honrar o corpo de Cristo? Não o ignore quando ele está nu.
Não o homenageie no templo vestido com seda quando o negligencia do
lado de fora, onde ele está malvestido e passando frio. Ele que disse "Este é
o meu corpo" é o mesmo que diz "Tu me vistes faminto e não me destes
comida"[18] e «quantas vezes o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes» (Mateus 25:40)... Que importa se a mesa
eucarística está lotada de cálices de ouro quando seu irmão está morrendo
de fome? Comeces satisfazendo a fome dele e, depois, com o que sobrar,
poderás adornar também o altar. ”
— João Crisóstomo, Comentário sobre Mateus[19] .

Sua compreensão simples e direta das Escrituras - contrária à tendência alexandrina de


utilizar interpretações alegóricas - implicava que os temas de seus discursos eram
práticos, explicando como a Bíblia poderia ser utilizada na vida cotidiana. Este tipo de
pregação é que tornou João tão popular. Ele fundou ainda muitos hospitais em
Constantinopla para tratar dos pobres.[20] [21]

Um incidente ocorrido durante uma de suas missas em Antioquia ilustra bem a


influência alcançada por suas homilias. Quando Crisóstomo chegou em Antioquia, o
bispo da cidade teve que intervir junto ao imperador bizantino Teodósio I em nome dos
cidadãos que, enfurecidos por um discurso de João, saíram pela cidade mutilando
estátuas do imperador e de sua família. Na mesma época, durante a Quaresma de 387,
João pregou vinte e uma homilias nas quais convidou seus ouvintes a meditarem sobre
seus próprios erros. De grande impacto na população, muitos pagãos se converteram ao
cristianismo e, por conta disso, a vingança de Teodósio, um devoto cristão, não foi tão
severa quanto poderia ter sido.[22]

Arcebispo de Constantinopla
Crisóstomo e a imperatriz bizantina Élia Eudóxia, esposa de Arcádio, uma de suas
grandes adversárias. Depois de condená-lo ao exílio, Eudóxia se arrependeu e
convenceu o marido a trazê-lo de volta com medo de uma punição divina.
ca. 1880. Por Jean-Paul Laurens.

No outono de 397, João foi nomeado arcebispo de Constantinopla sem que o poderoso
eunuco Eutrópio ficasse sabendo. Curiosamente, ele teve que deixar Antioquia
escondido porque se temia que a despedida de alguém tão popular pudesse provocar
uma revolta.[15]

Durante seu mandato como arcebispo, João teimosamente recusou participar ou realizar
festas e banquetes luxuosos, o que tornou-o muito popular entre o povo, mas também
valeu-lhe muitos inimigos na aristocracia local e no clero. Não ajudou também sua
reforma clerical, que obrigava que todos os sacerdotes regionais deixassem a corte (e
seus prazeres) e retornassem para suas igrejas, que era onde deveriam estar servindo, e,
para piorar, sem receber nada em troca.[23]

O período que Crisóstomo passou em Constantinopla foi ainda mais tumultuado que o
anterior, em Antioquia. Teófilo, o patriarca de Alexandria, queria colocar a sé de
Constantinopla sob sua esfera de influência e não apoiou a nomeação de Crisóstomo.
Num episódio local, Teófilo havia disciplinado quatro monges egípcios (que passaram a
ser chamados de "os Altos Irmãos") por apoiarem as doutrinas de Orígenes. Sentindo-se
injustiçados, eles fugiram para Constantinopla e foram recebidos por João, dando a
Teófilo o pretexto que precisava para acusar João de ser partidário de Orígenes, cuja
doutrina era condenada na época.[2]

Outro inimigo de João era Élia Eudóxia, esposa do imperador Arcádio, que assumiu
(provavelmente com razão) que a fúria do arcebispo contra a extravagância das roupas
femininas era um ataque direto a si.[22] Eudóxia, Teófilo e outros adversários realizaram
um sínodo em 403 (o chamado "Sínodo do Carvalho") para acusar João de ser um
origenista e conseguiram depô-lo e bani-lo.[24]

Não demorou muito e Arcádio teve que chamá-lo de volta, pois o povo se revoltou com
sua partida.[25] Além disso, um terremoto ocorrido na noite de sua prisão convenceu
Eudóxia da insatisfação divina e ela pediu ao marido que chamasse João de volta.[26]
Porém, a paz durou pouco. Uma estátua de prata de Eudóxia foi erigida no Augusteu,
perto da catedral. João, implacável, denunciou as cerimônias dedicatórias e acusou a
imperatriz em termos duros: "Novamente, Herodíades se regojiza; novamente se
preocupa; novamente dança; e, novamente, deseja receber a cabeça de João numa
bandeja",[27] uma alusão aos eventos da morte de São João Batista. Mais uma vez João
foi banido, desta vez para a Abecásia, no Cáucaso.[28]

Por volta de 405, Crisóstomo passou a apoiar, moral e financeiramente, os monges


cristãos que estavam aplicando as leis imperiais contra os pagãos, destruindo templos e
santuários na Fenícia e regiões vizinhas.[29]

Morte e canonização

Imagens da vida de João Crisóstomo

Exílio de São João Crisóstomo. Foi durante a sua viagem à Abecásia, para onde havia
sido exilado, que João morreu em 14 de setembro de 407.

Transporte das relíquias de São João para Constantinopla. Um discípulo de João, São
Proclo, que era então o arcebispo de Constantinopla, cuidou para que a transferência
fosse realizada durante o reinado do filho de Élia Eudóxia, Teodósio II
Iluminuras do Menológio de Basílio II

Tendo que enfrentar o exílio, Crisóstomo apelou a três grandes nomes da Igreja: o papa
Inocêncio I, o bispo de Mediolano, Venério, e o bispo de Aquileia, Cromácio.[30] [31] [32]
[33]
Inocêncio protestou contra o banimento, sem sucesso. Em 405, enviou uma
delegação que tinha por objetivo interceder em nome de Crisóstomo, liderada por
Gaudêncio de Bréscia, mas ele e seus dois companheiros enfrentaram muitas
dificuldades na viagem e não chegaram a Constantinopla.[34]

Mesmo exilado, as cartas de João ainda exerciam grande influência em Constantinopla


e, por isso, ele foi exilado para uma região ainda mais longínqua que o Cáucaso (onde
ele esteve entre 404 e 407), a cidade de Pítio (moderna Pitiunt), na Abecásia, onde um
túmulo é ainda hoje visitado por peregrinos como sendo de João. Porém, João não
chegou lá e faleceu em Comana, no Ponto, em 14 de setembro de 407, durante a
viagem. Suas últimas palavras foram δόξα τῷ θεῷ πάντων ἕνεκεν ("Glória a Deus por
todas as coisas").[26]

Obras
Homilias

Homilia Pascoal

A mais conhecida de suas muitas homilias, a famosa "Homilia Pascoal" (Hieratikon), é


bastante breve. Na Igreja Ortodoxa, ela é geralmente lida anualmente durante a
cerimônia Divina Liturgia (eucarística) da Páscoa depois das orthros da meia-noite (ou
matinas).[35]

Demais

Conhecido como o "maior pregador da Igreja primitiva", as homilias de João são, sem
dúvida, seu maior e mais duradouro legado.[22] A homilética ainda existente de João é
vasta, incluindo muitas centenas de homilias exegéticas tanto sobre o Novo Testamento
(especialmente as obras de São Paulo) quanto o Antigo (particularmente sobre o
Gênesis). Entre elas estão sessenta e sete sobre o Gênesis, cinquenta e nove sobre os
Salmos, noventa sobre o Evangelho de Mateus, oitenta e oito sobre o Evangelho de João
e cinquenta e cinco sobre os Atos dos Apóstolos.[36] Elas foram geralmente anotadas por
estenógrafos já com o objetivo de serem circuladas depois e revelam um estilo que
tendia a ser direto e muito pessoal, mas influenciado pelas convenções retóricas de sua
época e do local onde pregava.[11] De maneira geral, sua teologia homilética revela uma
característica influência da Escola de Antioquia, privilegiando uma interpretação mais
literal dos eventos bíblicos, mas Crisóstomo também utiliza, quando necessário,
interpretações alegóricas, uma técnica associada à rival Escola de Alexandria.[36]

O mundo social e religioso de João era fortemente influenciado pela contínua e


penetrante presença do paganismo na vida urbana. Por isso, um dos assuntos mais
frequentes em suas homilias era o paganismo na cultura de Constantinopla, geralmente
condenando as diversões populares ligadas aos pagãos: o teatro, as corridas de bigas e
as festas populares nos feriados.[37] Crisóstomo criticava principalmente os cristãos que
participavam destas atividades:


Se você perguntar [a um cristão] quem é Amós ou Obadias, quantos eram
os apóstolos ou os profetas, ficam mudos; mas se perguntar-lhes sobre
cavalos ou jóqueis, responder-te-ão de forma mais solene que sofistas ou
retóricos. ”
— João Crisóstomo.[37] .

As homilias de João sobre as epístolas paulinas seguem uma estrutura linear, tratando os
textos de forma metódica, verso por verso, geralmente entrando em grande nível de
detalhe. Ele se preocupava em ser compreendido por leigos, utilizando para isso
divertidas analogias ou exemplos práticos. Outras vezes, comentava em profundidade,
claramente com o objetivo de endereçar as sutilezas teológicas de uma interpretação
herética ou revelar a presença de um tema mais profundo no texto.[37]

Uma das características mais recorrentes das homilias de João é sua ênfase no cuidado
com os necessitados.[38] Ecoando temas do Evangelho de Mateus, ele exorta os ricos a
abandonarem o materialismo para ajudar os pobres, empregando todas as suas
habilidades retóricas para envergonhar os ricos e obrigá-los a abandonar o consumismo
mais conspícuo:


Honras de tal forma teus excrementos a ponto de recebê-los em vasilhas de
prata quando outro homem criado à imagem de Deus está morrendo de
frio?[39] ”
Homilias sobre judeus e cristãos judaizantes

Parte de uma série sobre

Misticismo cristão

Padres do deserto[Expandir]

Séc XI e XII[Expandir]

Séc XIII e XIV[Expandir]

Séc XV e XVI[Expandir]

Séc XVII e XVIII[Expandir]

Séc XIX[Expandir]

Séc XX[Expandir]

Estigmatizados[Expandir]
Contemporaneidade[Expandir]

v•e

Ver artigo principal: Adversus Judaeos

Durante seus dois primeiros anos como presbítero em Antioquia (386-387), João
denunciou judeus e cristãos judaizantes numa série de oito homilias que pregou aos
cristãos de sua congregação que participavam de festivais judaicos e de outras
observâncias judaicas,[40] [11] mas não se sabe ao certo qual dos dois grupos era o alvo
principal.

Um dos objetivos destas homilias era evitar que os cristãos continuassem praticando
hábitos judaicos e, assim, evitar o que Crisóstomo percebia como uma erosão de seu
rebanho. Nelas, ele criticava os "cristãos judaizantes" que participavam dos festivais ou
que observavam outros costumes, principalmente o sabá, a circuncisão e a peregrinação
aos lugares santos judaicos.[40] João afirmava que nos sabás e nos festivais, as sinagogas
se enchiam de cristãos, especialmente as mulheres, que amavam a solenidade da liturgia
judaica, gostavam de ouvir o shofar no Rosh Hashaná e aplaudiam os pregadores mais
famosos, como pedia o costume na época.[11] Uma teoria mais recente defende que ele
estaria tentando persuadir os judeo-cristãos, um grupo que, por séculos, mantinha
relações com os judeus e o judaísmo, a finalmente escolherem entre este e o
cristianismo.[41] Na língua grega, as homilias são chamadas de "Kata Ioudaiōn" (Κατὰ
Ιουδαίων), que se traduz como "Adversus Judaeos" em latim e "Contra os Judeus" em
português.[42] O primeiro editor medieval das homilias, o beneditino Bernardo de
Montfaucon, acrescenta a seguinte nota ao título: "Um discurso contra os judeus; mas
que foi pregado contra os que judaizavam e que jejuavam com eles [os judeus]".[43]

De acordo com os estudiosos patrísticos, a oposição a qualquer ponto de vista no final


do século IV era geralmente expressada de uma determinada maneira, principalmente
utilizando uma forma retórica conhecida como psogos, que vilificava os oponentes de
maneira inflexível; assim, tem-se argumentado que chamar Crisóstomo de "antissemita"
seria empregar uma terminologia anacronística de uma maneira incongruente com o
contexto e o registro histórico.[44] Porém, esta interpretação não evita que se alegue que
a teologia de Crisóstomo fosse uma forma de supersessionismo anti-judeu ou que sua
retórica fosse contrária ao judaísmo.[45]

Tratados

Além de suas homilias, diversos outros tratados de João foram muito influentes. Um
deles é um de seus primeiros e chama-se "Contra os Oponentes da Vida Monástica",
escrito quando ele ainda era um diácono (algum momento antes de 386), dirigido aos
pais, pagãos e cristãos cujos filhos contemplavam seguir a vocação monástica. O livro é
um afiado ataque aos valores da classe alta urbana antioquena escrita por alguém que
era membro dela.[46] Nesta obra percebe-se que, já no tempo de Crisóstomo, era
costumeiro para os antioquenos enviarem seus filhos para serem educados por
monges.[47]
Outros importantes tratados escritos por João incluem "Sobre o Sacerdócio" (escrito em
390/1, traz, no livro I, um relato de seus primeiros anos e uma defesa de sua fuga da
ordenação pelo bispo Melécio de Antioquia, e, nos livros seguintes, sua compreensão
sobre o sacerdócio), "Instruções ao Catecúmenos" e "Sobre a Incompreensibilidade da
Natureza Divina".[nt 3] Além disso, Crisóstomo escreveu também uma série de cartas à
diaconisa Olímpia, das quais dezessete sobreviveram.[48]

Liturgia

Além de sua pregação, o outro duradouro legado de João foi sua influência sobre a
liturgia cristã. Duas de suas obras sobre o tema são particularmente importantes. Ele
harmonizou a vida litúrgica da igreja ao revisar as orações e rubricas da Divina Liturgia
e, até hoje, a Igreja Ortodoxa e as Igrejas Católicas Orientais, que seguem o rito
bizantino, celebram a "Divina Liturgia de São João Crisóstomo" como a liturgia
eucarística normal, mesmo que a ligação exata desta com Crisóstomo seja tema de
debate entre os especialistas.[49]

Legado e influência

"O Perdão de São João Crisóstomo". Cena popular na arte cristã no início do século
XVI, retrata o perdão da princesa que teria tido o filho de João que, para se penitenciar,
teria passado anos "rastejando como um animal".
ca. 1640. Por Mattia Preti, atualmente no Museu de Arte de Cincinnati, em Cincinnati, Estados Unidos.
Urnas contendo as relíquias de São Gregório de Nazianzo e São João Crisóstomo na
Igreja de São Jorge, em Istambul.
Manuscrito iluminado de uma das homilias de Crisóstomo.
Séc. XV.

Numa época que o clero urbano era alvo de duras crísticas pelo luxuoso estilo de vida
que levava, João estava determinado a reformá-lo em Constantinopla. Seus esforços
foram recebidos com poderosa resistência e tiveram sucesso limitado. Ele era um
excelente pregador[49] cujas homilias e outras obras são ainda hoje estudadas e citadas.
Como teólogo, ele foi e ainda é muito importante para o cristianismo oriental e ele é
geralmente considerado como o mais importante doutor da Igreja Grega, apesar de sua
importância menor para o cristianismo ocidental. Suas obras que sobreviveram são
muito mais numerosas que as de qualquer outro dos Padres Gregos.[2] João rejeitava a
tendência de sua época em relação à interpretação alegórica, utilizando, em vez disso,
um estilo direto que aplicava as passagens bíblicas e suas lições à vida prática do
ouvinte. Seu exílio demonstrou a rivalidade que existia entre Constantinopla e
Alexandria pelo reconhecimento como sé mais importante do oriente, enquanto a
primazia do papa no ocidente permanecia inquestionável.[36]

Influência no Catecismo da Igreja Católica e seu clero

A influência de João nas doutrinas da igreja está presente por todo o moderno
"Catecismo da Igreja Católica" (rev. 1992), no qual ele é citado em dezoito seções,
principalmente por suas reflexões sobre o objetivo das orações e o significado do Pai
Nosso.


Considere como [Jesus Cristo] ensina-nos a sermos humildes ao ensinar
que nossa virtude não depende de nossas obras apenas, mas da graça do
Altíssimo. Ele comanda cada um dos fieis que ora que o faça
universalmente, pelo mundo inteiro. Pois ele não disse "seja feita Sua
vontade em mim ou em nós", mas "na terra", toda a terra, para que o erro ”
seja banido dela, a verdade possa se enraizar, todos os vícios sejam
destruídos nela, a virtude floresça nela e a terra não seja mais diferente do
céu.
— João Crisóstomo, Homilia sobre Mateus[50] .

Clérigos cristãos, como R.S. Storr, consideram Crisóstomo como "um dos mais
eloquentes pregadores a terem trazido, depois da era apostólica, as novas divinas de
verdade e amor" e John Henry Newman, no século XIX, descreveu João como "uma
alma brilhante, alegre e gentil; um coração sensível.".[51]

Música e literatura

O legado litúrgico de João inspirou diversas composições musicais. Particularmente


notáveis são a "Liturgia de São João Crisóstomo", Op. 31, de Sergei Rachmaninoff,
composta em 1910,[52] uma de suas duas grandes composições para corais
desacompanhados; a "Liturgia de São João Crisóstomo", Op. 41, de Pyotr Tchaikovsky;
e a "Liturgia de São João Crisóstomo" do compositor ucraniano Kyrylo Stetsenko.[53]

A novela "Ulisses", de James Joyce, inclui um personagem chamado Mulligan que fez
outro personagem, Stephen Dedalus, lembrar-se de Crisóstomo relacionando sua
obturação de ouro e seu dom de papear, que lhe valeram o mesmo título que João
recebeu, mas por sua pregação, "boca de ouro":[54] "[Mulligan] espiou de lado para
cima e assobiou longa e gravemente e então parou absorto, seus dentes iguais
brilhando aqui e ali com pontos de ouro. Crisóstomo."[55]

A lenda da penitência de São João Crisóstomo

A lenda, registrada na Croácia no século XVI,[56] apesar de não aparecer na Legenda


Áurea, relata que, quando João Crisóstomo era um eremita no deserto, foi encontrado
por uma princesa real em perigo.[nt 4] O santo, pensando que ela fosse um demônio, a
princípio se recusou a ajudá-la, mas a princesa convenceu-o de que era cristã e que seria
devorada por feras selvagens se ele não permitisse que ela ficasse em sua caverna.
Assim, ele admitiu-a, dividindo cuidadosamente a caverna em duas partes, uma para
cada um.[56]

Apesar destas preocupações, o pecado da fornicação foi cometido e, numa tentativa de


escondê-lo, o consternado santo agarrou a princesa e atirou-a de um precipício. Em
seguida, foi a Roma implorar por absolvição, que lhe foi recusada. Percebendo a
natureza atroz de seus crimes, Crisóstomo fez um voto de que não se ergueria do chão
até que seus pecados fossem expiados e, por anos, viveu como um animal, rastejando e
andando de quatro, alimentando-se de gramíneas e raízes. Depois disto, a princesa
reapareceu, viva e amamentando um filho do santo, que, milagrosamente, pronunciou
que seus pecados teriam sido perdoados.[56]

Esta última cena tornou-se muito popular no início do século XVI como tema para
gravuras e pintores e existem versões feitas por Albrecht Dürer[57] , Hans Sebald
Beham[58] e Lucas Cranach, o Velho[59] , entre outros.

Veneração e relíquias
João Crisóstomo morreu na cidade de Comana, em 407, durante a viagem que o levaria
ao ponto final de seu exílio, e passou a ser venerado como santo quase que
imediatamente. Três décadas depois, alguns de seus aliados em Constantinopla
continuavam cismáticos.[60] São Proclo, patriarca de Constantinopla (r. 434-446), numa
tentativa de reconciliação com os chamados "joanistas", pregou uma homilia elogiando
seu predecessor na Basílica de Santa Sofia que dizia: "Ó João, sua vida foi cheia de
tristezas, mas sua morte foi gloriosa. Seu túmulo e sua recompensa são grandes, pela
graça e misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, cheio de graça que conquistou os
grilhões do tempo e do espaço! O amor conquistou o espaço, a memória inesquecível
aniquilou os limites e o lugar não diminui os milagres de um santo". Estas homilias
ajudaram a mobilizar a opinião pública e o patriarca foi autorizado pelo imperador
Teodósio II, filho de Élia Eudóxia, a retornar as relíquias de Crisóstomo para
Constantinopla para serem colocadas num santuário na Igreja dos Santos Apóstolos em
28 de janeiro de 438.[61] As relíquias de João foram saqueadas pelos cruzados durante o
saque de Constantinopla em 1204 e levadas para Roma, mas alguns ossos foram
devolvidos para a Igreja Ortodoxa em 27 de novembro de 2004 pelo papa João Paulo
II.[62] Eles foram depositados num santuário na Igreja de São Jorge, em Istambul,[63] a
sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.

Porém, a caveira de São João não estava entre as relíquias saqueadas pelos cruzados,
pois estava no Mosteiro de Vatopedi, em Monte Atos, no norte da Grécia. Em 1655, a
pedido do tsar Aleixo I, ela foi levada para o Império da Rússia em troca de um
pagamento. Em 1693, depois de receber um pedido do Mosteiro de Vatopedi
requisitando a devolução da caveira de João, Pedro, o Grande, ordenou que ela deveria
permanecer na Rússia, mas que o mosteiro fosse recompensado.[64]

Ela foi mantida no Kremlin, na Catedral da Dormição da Theotokos, até por volta de
1920, quando foi confiscada pelos sovietes e levada para o Museu das Antiguidades de
Prata. Em 1988, em conexão com o milésimo aniversário do Batismo da Rússia, a
caveira, juntamente com outras importantes relíquias, foi devolvida à Igreja Ortodoxa
Russa e foi abrigada na Catedral da Epifania até que a Catedral de Cristo Salvador
terminasse sua reforma.[65]

Porém, atualmente, o Mosteiro de Vatopedi abriga uma caveira e alega ser a de São
João Crisóstomo, a qual é venerada pelos peregrinos que visitam o mosteiro. Além
disso, dois outros lugares santos na Itália reivindicam a posse da caveira de São João: a
Basílica de Santa Maria de Fiore, em Florença, e a Capela dal Pozzo, em Pisa.[66] A mão
direita de São João[67] está em Monte Atos e diversas outras relíquias menores estão
espalhadas pelo mundo.[68]

Ver também
João I Crisóstomo
(398 - 404)

Precedido por: Lista dos patriarcas grego Sucedido por:


ortodoxos de Constantinopla
Nectário 36.º Arsácio de Tarso

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