Durante o primeiro ano curso, o foco estará em recolher toda a
bibliografia necessária sobre os assuntos de interesse de cada aluno, determinando em cada etapa da ida intelectual os temas de estudo, e, assim, “cavando onde se está” (Jean Guiton). Dentro do escopo do estudo, na vida intelectual, existem dois tipos de atitude a se tomar: 1. Quando a pessoa se coloca a cima da realidade, como se não participasse do fluxo de emoção e de impulsos humanos, se retira, imaginariamente, do raio das desgraças e das ações emocionais que assola qualquer ser humano, e analisa esse ideal como sendo superior a todos, sobe a “suprema beatitude do conhecimento” (Jacob Burckhardt). Há ainda os que vão além, que se colocam em um patamar superior, e querem moldar a sociedade a partir desta visão superior, moldar a sua imagem e semelhança, do jeito que eles querem e não como de fato as coisas deveriam ser, nesse andar mais baixo, encontram-se os marxistas. (É importante ressaltar, que, para um bom proveito da vida intelectual, é preciso, em alguns momentos, se colocar a cima dos sentidos, mas saber que é uma condição temporária e que, na realidade a vida acontece em terra firme) 2. A atitude mais aceitável do estudo, é reconhecer a nossa posição na realidade, saber onde está (e para onde se vai), e então, aceitar a submissão a um observador onisciente, pois é apenas Ele que está a cima de tudo, e enxerga as coisas como realmente são, nós enxergamos como que um espelho que esteja sujo, não se é possível ver realmente quem somos, por isso, o diálogo deve ser sincero com esse observado, para aprendermos mais sobre nós mesmo, e, consequentemente, sobre a realidade. Como exemplo desta atitude, temos Santo Agostinho, que faz a sua confissão como forma de reconhecer as suas atitudes, desde as que mais agradaram a Deus, até as que mais O desgostaram, conhecendo, assim, mais de se. Quem introduziu no pensamento moderno essa ideia de se colocar a cima, foi René Descartes, com a teoria da “consciência da consciência”, assumindo como sendo isso o próprio Ser, mas a “consciência da consciência” é apenas um papel que o Eu, histórico e real, assume temporariamente, portanto, essa condição de Descartes é meramente ilusória, já que o único Ser que possui, de fato, a “consciência da consciência” de forma permanente, é o próprio Deus. Esse papel que assumimos é temporário, pois, o nosso lugar é na realidade, em meio ao fluxo de experiências, boas e más, e a verdade, é entender que estamos onde sempre estivemos (como Minas). E este sim é o “solo duro da realidade” (Louis Lavalle), é aqui que devemos cavar, como diz Jean Guitton. Aquilo que fez Agostinho: reconhecer a sua posição diante de um Observador Onisciente, a superioridade Dele, e a sua posição concreta e aí cavar. Eis, então, a grandeza do pensamento de Agostinho, reconhecer aquilo que é a sua vida, quem você é, não algo que foi inventado por você ou pelo seu pensamento, mas aquilo que é. E a partir disso, tudo aquilo que for estruturado pelo pensamento é real, e o que não for, é falso. Isso dá um ponto de apoio na realidade que é fundamental para a prática filosófica. Quando a pessoa sobe a “beatitude do conhecimento”, acaba por confundir a ideia idealizada do mundo, que ela mesmo inventou, pelo mundo de verdade, e isso é exatamente o oposto do que faz Santo Agostinho, ela faz uma anticonfissão. Isso acontece porque a pessoa não foi forte suficiente para encarar a realidade como ela é, e acaba entrando nesse teatro mental, e coloca os seus planos como a solução para todos os problemas da humanidade. E quando esse teatro mental, que a princípio era pessoal, se torna público e iludi outras pessoas, se torna um crime do pensamento. “O movimento ideológico de massas é exatamente isso: é uma pessoa maligna, doente, incapaz de suportar a realidade de sua própria miséria, que escapa para um mundo idealizado, teatral, e desempenha aquele papel com tal intensidade, com tal devoção, que faz os outros representarem aquilo mesmo, fugindo, portanto, da realidade de suas vidas”.
O cenário atual da vida intelectual brasileira, sobretudo nas
universidades, convida as pessoas a serem arrebatadas ao sétimo céu da beatitude do conhecimento, fazendo com que a classe intelectual dominante do país tenha a mesma linguagem, todos padronizados, nada do mundo real, mas sempre em um mundo hipotético do que deveria ser. Quando o sujeito acredita que o eu real dele está a cima da realidade ele está delirando, no suprassumo da beatitude, ele nega a própria substância da sua história pessoal. A recusa da condição real da pessoa, é uma inspiração gnóstica, ela sai de onde ela está, e se coloca a cima, ela quer apagar aquilo que ela é de verdade e se colocar em outro patamar.