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TEMA I: A PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA EM MOÇAMBIQUE NO PERÍODO

ANTERIOR À CONFERÊNCIA DE BERLIM

OBJECTIVOS:

 Compreender as contribuições antropológicas anteriores à Conferência


de Berlim em Moçambique;
 Identificar as linhas de produção antropológica que marcam este período;
 Identificar os principais representantes dessas linhas; e
 Compreender as temáticas e as metodologias que dominam nessa
produção antropológica.

ÍNDICE:

1. Introdução

2. Contribuição antropológica dos missionários católicos

 Padre Francisco Monclaro


 Frei João dos Santos

3. Descrições etnográficas “acidentais” de viajantes, militares, exploradores


e governantes

 Francisco José de Lacerda e Almeida


 Albino Manoel Pacheco

4. Conhecer para evitar conflitos: a codificação dos usos e costumes


africanos como embrião da produção antropológica oficial em
Moçambique

 Joaquim d’Almeida Cunha

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1. INTRODUÇÃO

As pessoas sempre tiveram curiosidade sobre os seus vizinhos e sobre


desconhecidos mais distantes. Se nos restringirmos à antropologia como
disciplina científica, alguns estudiosos remontariam suas origens ao
Iluminismo europeu durante o século dezoito; outros sustentariam que ela só
surgiu como ciência na década de 1850; outros ainda afirmariam que as
pesquisas antropológicas no sentido actual começaram depois da I Guerra
Mundial (Eriksen e Nielsen 2007: 1).

Inúmeras questões que mais tarde se destacariam na antropologia já haviam


sido temas de muitos debates desde a Antiguidade. Povos exóticos haviam sido
descritos normativamente (etnocentrismo) ou descritivamente (relativismo
cultural). Também fora retomada repetidamente a dúvida de se as pessoas em
toda a parte e em todos os tempos são basicamente semelhantes
(universalismo) ou profundamente diferentes (relativismo). Haviam sido feitas
tentativas de definir as diferenças entre animais e seres humanos, natureza e
cultura, congénito e aprendido, corpo sensual e mente consciente. Muitas
descrições detalhadas de povos estrangeiros também haviam sido publicadas,
algumas delas baseadas em estudos meticulosos (Eriksen e Nielsen 2007: 17).

Apesar desses desenvolvimentos históricos antigos e contínuos, a antropologia


como ciência só apareceu num estágio posterior. Todo o trabalho que foi sendo
produzido pertence a um de dois géneros: escritos de viagem e filosofia social.
Só quando esses dois aspectos da investigação antropológica se combinam, isto
é, quando dados e teoria se integram, é que surge a antropologia (Eriksen e
Nielsen 2007: 17-18).

O período que antecede a Conferência de Berlim caracteriza-se primeiro, por


dois momentos fundamentais de contribuição etnográfica: um primeiro de
produção da imagem de alteridade que é produzida por autores não europeus,
ou seja, por árabes; e um segundo momento, que resulta da contribuição dos
autores portugueses com a penetração mercantil portuguesa que a partir do
séc. XV.

Assim, os autores portugueses começaram por ver a África Oriental através dos
olhos dos muçulmanos do litoral. A apropriação de certas expressões pelos
narradores portugueses é particularmente reveladora da sua adesão aos
conceitos e apelos swahili. Por exemplo, a costa ocidental e sul do Índico foram
descritas como sendo habitadas por “negros”, e os muçulmanos, embora
descritos como “negros”, foram chamados “mouros”. Os africanos não-
muçulmanos, que foram chamados “negros” nas primeiras descrições da costa
leste africana, rapidamente se tornaram “cafres”, uma versão ligeiramente
aportuguesada da palavra swahili de derivação árabe, “kafiri”, ou “não-
crentes”. Isto é, os portugueses compreendiam a zona costeira da África

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Oriental como sendo povoada por crentes e não-crentes muçulmanos (Meneses
2008: 164).

Entre o Séc. XVI e XVII encontramos documentos portugueses contendo


indicações de carácter antropológico sobre África: informações sobre as
populações locais, usos e costumes, conselhos sobre o comportamento a
adoptar, etc. São informações de carácter acidental e não resultam de uma
prática antropológica (Loforte 1987: 62).

Desse modo, no período em referência encontramos a seguinte informação de


natureza antropológica:

1. Descrições etnográficas independentes, feitas por:

 Missionários, sobretudo católicos; e por


 Viajantes, militares, exploradores e governantes.

2. Descrições etnográficas oficiais feitas sob orientações das autoridades


coloniais.

Leituras adicionais

Eriksen, Thomas Hylland; Nielsen, Finn Sivert. 2007. História da Antropologia.


Petrópolis: Editora Vozes

Loforte, Ana 1987 “Trabalhos realizados no âmbito da Antropologia em


Moçambique” Trabalhos de Arqueologia e Antropologia nº 2, Maputo: DAA pp.
61-65

Meneses, Maria Paula G. 2008 “Corpos de violência, linguagens de resistência:


As complexas teias de conhecimentos no Moçambique contemporâneo” Revista
Crítica de Ciências Sociais, 80: 161-194

2. CONTRIBUIÇÃO ANTROPOLÓGICA DOS MISSIONÁRIOS CATÓLICOS

No período compreendido entre os séculos XVI e XIX encontramos escritos de


natureza etnográfica referentes a Moçambique, produzidos por missionários
que demandaram por estas paragens. Com efeito, no intervalo entre o período
em referência, há um movimento do cristianismo que se assiste em África, sob
o patrocínio de Portugal (Baur 2014: 36).

Quando Portugal tomou a iniciativa de encontrar um novo caminho marítimo


para a Índia, praticamente iniciou a evangelização da África subsaariana, uma

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vez que as actividades missionárias estavam estritamente ligadas e eram
inteiramente dependentes das referidas expedições (Baur 2014: 39).

É assim que a missão de Conquista da Coroa Portuguesa viria a receber a


confirmação por autoridade papal, ou seja, a jurisdição eclesiástica sobre os
territórios conquistados. Na prática, isso significava que eram confiados ao rei
a fundação e dotação das sés episcopais, capelanias e conventos. Os
missionários desfrutavam de transportes gratuitos e o clero secular recebia um
salário. Por sua vez, o rei tinha o direito de apresentar candidatos episcopais,
de nomear vigários (priores de paróquias) e capelães, bem como o de cobrar
dízimos. Nenhum missionário desprovido de passaporte real podia viajar para
os territórios submetidos (Baur 2014: 42-43).

Este padroado concedido pelo Papa deu origem à convicção dos pioneiros
portugueses de que estavam investidos de um mandato divino, e inspirou a
sua política em África até 1974 (Baur 2014: 43).

Na sua missão de conquista durante o período em referência, os portugueses


supunham que o interior de África estava dividido entre três reis,
nomeadamente, o Rei Preste João da Etiópia, o Rei Manicongo a oeste e o Rei
Monomotapa, a leste. Assim, se o Preste João se reunisse à Igreja ocidental, e
Manicongo e Monomotapa se convertessem à fé cristã, toda a África situada
para lá da faixa islâmica se tornaria cristã (Baur 2014: 36).

E porque parte substancial do território que hoje constitui Moçambique fazia


parte do Império do Monomotapa, assistem-se neste espaço a várias acções dos
missionários portugueses, e não só, desde Jesuítas, Dominicanos,
Combonianos, Beneditinos, etc. com vista a conversão dos Monomotapas
reinantes bem como das populações nos novos territórios conquistados. Deste
conjunto de missionários que andaram por estas terras durante esse período,
chegaram até nós escritos de natureza etnográfica que constituem
contribuições para o conhecimento da evolução da disciplina em Moçambique.
São exemplos disso as contribuições do Padre Francisco Monclaro, do Frei
João dos Santos.

2.1. A RELAÇÃO DE VIAGEM DO PADRE FRANCISCO MONCLARO

Acompanhado pelo Padre Estevam Lopes e mais dois irmãos leigos, seguiu com
Francisco Barreto à conquista das minas do Monomotapa, em fracassada
expedição, tendo preparado um Relação da Viagem, feita, Zambeze acima em
1571, embora organizada a partir de 1569 e de Lisboa (Gonçalves 1994: 140).

Essa Relação veio a ser publicada só em 1883, no Boletim da Sociedade de


Geographia, de Lisboa, onde o apelido MONCLARO vem grafado MONCLARO.
As informações que esta Relação nos proporciona distribuem-se,

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principalmente, pela Antropologia Cultural e pela antropologia Religiosa (nesta
um tanto pela negativa, uma vez que concluiu que os cafres eram “incapazes
de receberem o Cristianismo”) (Gonçalves 1994: 140).

Leituras adicionais

Baur, John. 2014 2000 Anos de Cristianismo em África: uma história da Igreja
Africana. Maputo: Paulinas

Gonçalves, José Júlio. 1994 “Contribuição dos missionários para o


desenvolvimento da Antropologia” STVDIA, 53, Lisboa pp. 103-146

2.2. A OBRA ETHIOPIA ORIENTAL DO FREI JOÃO DOS SANTOS

FREI JOÃO DOS SANTOS E A OBRA ETHIOPIA ORIENTAL

Filho de Bartolomeu dos Santos e de Beatriz Ferreira, João dos Santos


nasceu em Évora no início da década de 1560. Nesta cidade, completou, em
1584, os seus estudos humanísticos e teológicos no Colégio de São
Domingos. Ainda jovem, integrou o grupo de missionários que, em Abril de
1586 partiu para o Oriente com o objectivo de dar apoio às igrejas do litoral
africano e do vale do Zambeze. Este grupo de religiosos respondia ao apelo
de D. João Ribeiro Gaio, o então Bispo da Diocese de Malaca, para reforçar
a presença de missionários na região (Nobre de Carvalho 2013: 2-3).

Na época, os dominicanos desempenhavam trabalho de evangelização ao


longo do Zambeze e no litoral, desde Sofala até às Ilhas Quirimbas. Em
meados do ano, o frade estanciou na Ilha de Moçambique, onde a Ordem
possuía um convento. Seguiu depois para a região de Sofala, onde
permaneceu até 1590 (Nobre de Carvalho 2013: 3). Viajando através do
Zambeze, o religioso visitou entre outras, a região de Tete e Sena, assim
como as Ilhas Quirimbas (Nobre de Carvalho 2013: 2).

Nos anos que se seguiram, o religioso desempenhou as múltiplas


actividades associadas à vida missionaria por todo o território atribuído à
Ordem dos Pregadores. A facilidade de contacto com as populações, o
conhecimento das línguas locais, o apurado sentido de observação e a
curiosidade relativamente a fenómenos da natureza ou à diversidade do
mundo natural com que se deparou, cederam ao religioso um conhecimento
cabal da região (Nobre de Carvalho 2013: 3).

As importantes funções diplomáticas desempenhadas pelo frade atestam a

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confiança dos seus superiores hierárquicos na sua capacidade de diálogo
com as elites locais. Em 1595 retornou à Ilha de Moçambique, onde
permaneceu no Convento de São Domingos até à sua partida para Goa,
onde chegou em meados do ano. No início do século XVII, o missionário
aportou a Lisboa. Em 1607 o dominicano rumava já ao Alentejo onde
passou a desempenhar as funções de Superior do Convento de São
Domingos de Évora (Nobre de Carvalho 2013: 3).

Munido das observações e notas que recolheu durante a sua passagem por
terras africanas e beneficiando do livre acesso às bibliotecas conventuais
por onde passou, o dominicano pôde tirar partido do seu trajecto para
aperfeiçoar, enriquecer e fundamentar o seu testemunho o que resultou em
1609 na obra Ethiopia Oriental (Nobre de Carvalho 2013: 3-4).

Por volta de 1611, por solicitação do Provincial da ordem, o dominicano


regressou ao Sudeste Africano. Até 1616, o religioso desenvolveu intensa
actividade missionária na Igreja de Sena, data em que a pedido de Diogo
Simões Madeira1, se dirigiu à Fortaleza de São Miguel de Chicova, para
assistir e administrar sacramentos aos muitos portugueses que por lá
pereciam. Durante esta segunda passagem pelo território, o religioso redigiu
outros tratados que são hoje dados como perdidos, tais como A Relação do
descobrimento das minas de prata de Chicova e os Comentários da Região
dos Rios de Cuama (Nobre de Carvalho 2013: 4).

A ESCRITA DA OBRA ETHIOPIA ORIENTAL

A obra Ethiopia Oriental e Vária História de Cousas Notáveis do Oriente é uma


obra singular. Está dividida em duas partes distintas. A primeira parte
apresenta uma temática coerente, organizada em cinco livros. A informação
encontra-se organizada de acordo com a geografia dos territórios que o religioso
visitou. A segunda parte, Vária História de Cousas Notáveis do Oriente revela-se
bastante desordenada. Não se lhe encontram preocupações de unidade interna
ou encadeamento narrativo. Estruturada em quatro livros, esta segunda parte
tem características bem diversas sugerindo tratar-se de uma compilação
apressada de notas dispersas (Nobre de Carvalho 2013: 4).

Na primeira parte, Ethiopia Oriental, reúne 5 Livros: Livro Primeiro, composto


por 28 capítulos: Terras de Sofala e de toda a sua costa; Livro Segundo,
composto por 23 capítulos: Trata do Monomotapa e do seu grande Reino; Livro
Terceiro, composto por 20 capítulos: Que se dá a relação da ilha, e fortaleza de
Moçambique, e do Mauruça, e das Ilhas Quimba; Livro Quarto, composto por 9

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Diogo Simões Madeira desempenhou, entre 1611 e 1612, as funções de Governador interino
de Moçambique, Sofala, Rio Cuama e Monomotapa. Em 1612 foi incumbido de conquistar as
Minas de Monomotapa (Nobre de Carvalho 2013: 4).

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capítulos: em que se dá a relação dos Reinos, e províncias que há pólo sertão; e
Livro Quinto, composto por 21 capítulos: em que se dá a relação da costa de
Melinde e suas ilhas e de toda a costa até ao Mar Roxo (Nobre de Carvalho
2013: 4).

Quanto à sua contribuição para o desenvolvimento da Antropologia, podem


referir-se os seguintes fenómenos, que não escaparam a Frei João dos Santos,
e ainda hoje axilares no contexto desta ciência: cerimonial político, direito
consuetudinário, vigente nos fins do século XVI em Quiteve, crenças religiosas
tradicionais, ordálios, práticas divinatórias, vestuário, ornamentos e ritos de
passagem (nascimento, casamento, morte), alimentação, artes da caça e da
pesca, guerras tribais, praças na áfrica Oriental (Zimbos, fome, gafanhotos,
bexigas), superstições, etc.. (Gonçalves 1994: 110).

Por outro lado, a obra Ethiopia Oriental é uma obra indispensável para uma
reconstrução histórica de culturas tribais cujos estilos de vida tradicionais
sofreram um desgaste muito grande ao longo dos séculos e que a Antropologia
Política, a Antropologia Histórica, a Antropologia Religiosa, a Antropologia
Cultural, etc. ganharão em não ignorar (Gonçalves 1994: 110).

Referências bibliográficas

Gonçalves, José Júlio. 1994 “Contribuição dos missionários para o


desenvolvimento da Antropologia” STVDIA, 53, Lisboa pp. 103-146

Nobre de Carvalho, Teresa. 2013. “Registos da Biodiversidade Africana


anotados por Frei João dos Santos em ‘Etiópia Oriental’ (Évora, 1609)” in Actas
do Congresso Internacional Saber Tropical em Moçambique: História, Memória e
Ciência pp. 1-16

3. AS VIAGENS EXPLORATÓRIAS A MOÇAMBIQUE NO SÉCULO XVIII

3.1. VIAGEM FILOSÓFICA DE MANOEL GALVÃO DA SILVA

As viagens filosóficas e as expedições científicas do setecentos português


inserem-se no conjunto de acções articuladas pela coroa portuguesa,
juntamente com Universidade de Coimbra e a Academia Real de Ciências de
Lisboa, visando o re-conhecimento dos territórios do reino e do ultramar à luz
das modernas ciências matemáticas e da natureza.

No início da década de 80 do século XVIII, foram organizadas as primeiras


viagens filosóficas em territórios do ultramar. As viagens filosóficas foram
empreendimentos paradigmáticos do século das Luzes. De caráter
eminentemente enciclopedista, essas expedições envolviam uma multiplicidade

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de interesses. Exigiam dos naturalistas as tarefas de descrever o ambiente
(clima, topografia, cartografia, etc), de coletar e catalogar espécimes da flora,
fauna e minerais e também de fazer observações de caráter etnológico sobre as
populações autóctones, entre outras. Vandelli e seus discípulos luso-brasileiros
escreveram diversos manuais para orientar o olhar dos naturalistas em campo.
Em 1780, dando continuidade ao processo de definição das fronteiras ibéricas
na América, chegaram a Belém os engenheiros e matemáticos da expedição
portuguesa da Terceira Partida de Demarcação. Diferentemente das anteriores,
esta expedição trazia recém graduados pela Universidade de Coimbra
Reformada. Os profissionais ilustrados mobilizados para as demarcações, além
de produzirem informações geográficas e cartográficas mais precisas, usaram
seus conhecimentos científicos para praticar também observações próprias dos
filósofos da natureza.

Ainda no âmbito dos empreendimentos ilustrados do setecentos e da


construção da territorialidade portuguesa no ultramar, inscreve-se a viagem à
contra-costa africana, de Moçambique para Angola. Com objetivos a um só
tempo políticos, científicos e de concretização da presença portuguesa em solo
africano, a viagem foi iniciada, em 1798, pelo matemático astrônomo brasileiro
Francisco José de Lacerda e Almeida. Acometido pelas febres endêmicas dos
sertões africanos, Lacerda e Almeida morreu sem realizar seu intento.
http://www.cedope.ufpr.br/viagens_&_expedicoes.htm

O movimento cultural gerado pela ilustração portuguesa tem sua trajetória


marcada por instituições e empreendimentos que foram de importância
fundamental para a produção, promoção e divulgação do conhecimento
científico.

A Universidade de Coimbra, com a Reforma de 1772, passou a ser concebida


como centro de excelência científica. Para formação de uma elite profissional
dedicada aos serviços da coroa, foram feitos altos investimentos com a
contratação de professores estrangeiros, a atualização da biblioteca e a
construção de edifícios específicos para abrigar o ensino experimental. A
Academia Real de Ciências de Lisboa, criada sob o influxo da intelectualidade
de Coimbra e a proteção régia, promovia e divulgava o conhecimento científico,
estimulando a produção de memórias temáticas. O “memorialismo” mobilizou a
comunidade científica para a resolução dos pequenos e grandes problemas
econômicos de Portugal e suas colônias. Também sob o patrocínio estatal, foi
instalada a Tipografia do Arco do Cego, projeto editorial de divulgação do
pensamento ilustrado através da publicação de obras de caráter técnico e
científico voltadas, especialmente, à modernização das atividades econômicas
da colônia da América.

O movimento em direção ao crescimento da cultura científica do setecentos


português expressava-se também nos investimentos com as expedições de

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investigação científica feitas nos territórios do reino e do ultramar. Eventos
como a criação do jardim botânico e museu de história natural da Ajuda, as
viagens filosóficas, as expedições demarcadoras de fronteiras, o
comissionamento de investigadores para realizar estudos específicos em várias
regiões do império e a viagem à contra-costa africana dão mostras do esforço
de atualização científica empreendido por Portugal.

http://www.cedope.ufpr.br/lugares_&_acontecimentos.htm

A Reforma da Universidade

A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas da Europa. Criada em


1290, esteve ora em Lisboa, ora em Coimbra, até ser definitivamente instalada
na cidade do Mondego em 1537.Um dos marcos de referência da história da
instituição é a reforma pombalina de 1772, que acontece na esteira do
reformismo ilustrado do reinado de D. José I. A profunda remodelação
curricular trazida pela Reforma revela o notável esforço de atualização do
ensino universitário diante do movimento das Luzes e em direção à
modernidade científica.

A Universidade de Coimbra foi fundamental na formação da geração de


cientistas brasileiros do setecentos português. Com a proibição da abertura de
cursos superiores em terras da colônia, as famílias mais abastadas do Brasil
acabavam por enviar seus filhos para estudar na metrópole. Um reduzido
número de estudantes brasileiros chegou a buscar outras universidades
européias, como as de Edimburgo e Montpellier, mas Coimbra continuaria, por
todo o século XVIII, a ser o principal destino acadêmico para os jovens do
ultramar.O século XVIII, mais especificamente a partir do reinado de D. José I,
marca um período de reformas nas estruturas do estado português.
Capitaneado pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, o processo de
reformas perpassou o conjunto das instituições políticas, econômicas e
administrativas de Portugal, culminando com a reforma da Universidade, em
1772.

Nunca dantes o estado havia se imiscuido de forma tão direta e incisiva na


gestão da Universidade. O próprio Pombal encarregou-se de dirigir e
supervisionar os trabalhos de elaboração dos Estatutos que refundavam a
Universidade, como se esta jamais houvesse existido. Tal procedimento visava,
por um lado, neutralizar a influência ancestral dos jesuítas na academia,
tornando a Universidade uma instituição pública e secular e, por outro, criar
uma universidade voltada para os interesses do estado. Em outras palavras, o
Portugal moderno ideado por Pombal devia livrar-se da nobreza parasitária e
despreparada que ocupava postos no governo e investir na formação de uma
elite de profissionais qualificados para servir ao estado.

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A crise política, econômica e administrativa por que passava o Império em
meados do século XVIII expressava-se também, em termos culturais, através
de uma relativa defasagem científica em relação aos países mais desenvolvidos
da Europa. Eruditos da metrópole e portugueses radicados no exterior
discutiam, desde as primeiras décadas do século, o atraso das instituições
portuguesas e buscavam alternativas para seu desenvolvimento. Entre estes,
nomes como o de Luis Antonio Verney, autor do Verdadeiro Método de Estudar
(1746), um libelo contra o ensino jesuítico, e de Antonio Ribeiro Sanches, autor
de Cartas sobre a educação da Mocidade (1760), Método para Aprender a
Estudar a Medicina e Apontamentos para Fundar-se uma Universidade Real,
tornaram-se emblemáticos da oposição à pedagogia praticada na Universidade
de Coimbra.
O sistema de ensino e os curriculos acadêmicos mereceram a atenção desses
intelectuais, cujas críticas e propostas foram levados em conta na elaboração
dos novos Estatutos instituídos pela Reforma de1772.

Tradicionalmente a Universidade oferecia os cursos de Teologia, Leis e


Medicina. Com a Reforma, foram criadas as Faculdades de Filosofia e de
Matemática que, juntamente com a de Medicina, compunham a Congregação
Geral das Ciências e suas disciplinas de História Natural, Física, Química e
Geometria passaram a ser pré-requisitos obrigatórios para todos os alunos dos
demais cursos. Para além de instituir o aprendizado das ciências da natureza
como indispensável na formação de todos que passassem pela Universidade, a
instalação das novas faculdades significou, também, a obrigatoriedade da
formação de nível superior para os matemáticos e determinou o surgimento de
um novo profissional: o naturalista.

Duas vertentes orientaram a mudança pedagógica e curricular instituída pelos


Estatutos da Reforma: a introdução do ensino das modernas ciências
matemáticas e da natureza e a adoção do método experimental como processo
de aprendizado.

Para o ensino das novas disciplinas foi criada uma série de estabelecimentos
que visavam, sobretudo, instituir a prática do método experimental. Os futuros
médicos passaram a contar um Hospital Escolar, com o Teatro Anatômico, com
um Dispensário Farmaceutico, e também com o Jardim Botânico, ligado ao
curso de Filosofia, onde aprendiam a conhecer as plantas medicinais. Para a
Faculdade de Matemática foi criado o Observatório Astronômico. A Faculdade
de Filosofia, além do Jardim Botânico, contava com o Gabinete de História
Natural, o Gabinete de Física Experimental e o Laboratório Químico.

Para ocupar a cátedra das recém criadas disciplinas, foram convidados


professores estrangeiros. O naturalista italiano Domingos Vandelli, chamado
para lecionar no Colégio dos Nobres, encontrava-se em Lisboa desde finais de
1760, onde, por atribuição régia, veio a criar o Jardim Botânico e Museu da

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Ajuda. Com a Reforma, Vandelli deslocou-se para Coimbra onde passou a
lecionar História Natural e Química. Vandelli foi o idealizador das viagens
filosóficas em terras do reino e no ultramar, e também um dos impulsionadores
da criação da Academia Real de Ciências de Lisboa. O matemático Miguel
Antonio Ciera, chamado para participar da organização das Expedições de
Demarcação de Limites entre Portugal e Espanha na América Portuguesa, foi
convidado para lecionar Astronomia. Giovanni Antonio Dalla Bella, também
chamado para lecionar no Colégio dos Nobres, veio a ocupar a cadeira de Física
Experimental em Coimbra, onde colaborou com Vandelli na elaboração do
projeto do Jardim Botânico. Dalla Bella figura como um dos membros
fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Da geração de brasileiros que passou pelos bancos da Coimbra pós Reforma,


alguns fizeram o curso de Filosofia, tornando-se os naturalistas que a coroa
empregou no reconhecimento científico das suas colônias, muitas vezes os
mesmos acumularam cargos administrativos com missões científicas. Outros
brasileiros, mesmo tendo escolhido carreira diferente, acabaram por envolver-
se em atividades ligadas às do filósofo da natureza, dedicando-se a estudos
sobre aclimatação de espécimes vegetais, inovação de métodos de exploração
mineral, técnicas de cultivo e desenvolvimento de novas culturas,
reconhecimento territorial sob bases científicas, tradução e publicação de
obras científicas e de divulgação de conhecimentos para público não
especializado, legislação relativa à exploração vegetal, mineral e animal, entre
outras. Alguns graduados brasileiros seguiram a carreira universitária como
docentes em Coimbra. Ao tempo da Reforma, a reitoria era exercida por D.
Francisco de Lemos, nascido no Brasil.

A Universidade de Coimbra e seus mestres, citados em muitos dos textos


produzidos pela geração de cientistas brasileiros do setecentos, permaneceriam
como referenciais fundamentais na formação desses profissionais.

A Universidade de Coimbra como centro de formação profissional, a Academia


Real de Ciências de Lisboa e a Casa Literária do Arco do Cego, como indutoras
da produção e divulgação de saberes técnicos e científicos, compõem a tríade
de instituições basilares do pensamento cultural e econômico do Portugal
setecentista.

http://www.cedope.ufpr.br/reforma_universidade.htm

 Contexto do Marques de Pombal e a reforma na educação


(Universidade de Coimbra)
 Vinda de professores estrangeiros
 Organização da expedição e entrada de Manoel Galvao da Silva
 Tendencia geral da recolha de informação das expedições

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Manoel Galvão da Silva nasceu na Bahia, em 1750. Aos 22 anos, seguiu para a
metrópole, ingressando na Universidade de Coimbra às vésperas da Reforma.
Entre 1770-1771, cumpriu o período preparatório, chamado Instituto,
matriculando-se, a seguir nos cursos de Matemática e de Filosofia. Em 1776,
recebeu o grau de bacharel em Filosofia, juntamente com o mineiro Joaquim
Veloso de Miranda. Após a graduação, Galvão, Alexandre Rodrigues Ferreira,
seu conterrâneo, e outros naturalistas nascidos no Brasil, trabalharam,
durante cinco anos, na organização do acervo do Museu e Jardim Botânico da
Ajuda. Nesse período, Domingos Vandelli já planejava a realização de uma
grande expedição científica ao Brasil, na qual tomariam parte seus pupilos da
Ajuda, sob a chefia de Ferreira. No último momento, a grande equipe de
naturalistas que comporia a viagem filosófica ao Brasil foi fracionada. Em 1783
Ferreira seguiu para a Amazônia, José Joaquim da Silva para Angola, João da
Silva Feijó para o arquipélago de Cabo Verde e Manoel Galvão da Silva para
Moçambique.

Nomeado secretário de governo daquele distrito colonial, o naturalista partiu de


Lisboa acompanhado de seus dois assistentes, um jardineiro e um desenhador.

Nesse período, os navios que partiam de Portugal para as colônias africanas


faziam escala obrigatória em portos do Brasil. Assim, antes de seguir para seu
destino, Galvão teve oportunidade de passar pela Bahia, e visitar seus pais que
não via há treze anos, desde que fora para Coimbra. O naturalista trazia a
incumbência do Ministro Melo e Castro de avaliar e dar seu parecer sobre a
exploração de cobre que então se fazia na região de Cachoeira. Além disso, em
sua incursão pelo interior baiano, ele ocupou-se também de observar a flora
nativa e de coletar alguns peixes para remeter a Lisboa.

Antes de dirigir-se para Moçambique, Galvão passou, ainda, cerca de dois


meses em Goa, onde realizou observações e coletas de espécimes da flora, da
fauna e de minerais, preparando o envio de amostras para a Ajuda. Suas
atividades em território indiano foram relatadas sob o título de Observações
sobre a história natural de Goa feitas no anno de 1784 por Manoel Galvão
da Silva.

Em finais de 1784 o naturalista chegou a Moçambique. Assim como outros de


seus colegas naturalistas, Galvão enfrentou dificuldades de toda ordem para
realizar as atividades próprias de sua profissão. Desde logo, a
incompatibilidade das funções burocráticas com as atividades itinerantes
próprias do naturalista se fez sentir. Cerca de nove meses após chegar, Galvão
ainda não conseguira iniciar suas explorações científicas, ocupado com as
atribuições da secretaria de governo. Ademais, no esforço para fazer valer sua
autoridade, ele acabou por ver-se envolvido em conflitos hierárquicos com
outros funcionários coloniais. Por outro lado, o clima de monção, caracterizado
por chuvas constantes, dificultava as herborizações e o trabalho de campo do

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naturalista. Galvão e seus companheiros foram vitimas também das
recorrentes febres e doenças tropicais, das quais veio a morrer um de seus
assistentes. O outro, segundo Galvão, “caindo de vício em vício” tornou-se
incorrigível e imprestável para o trabalho. Quatro anos após deixar Lisboa,
Galvão encontrava-se sozinho para dar conta dos encargos que a função de
naturalista exigiam. Tais obstáculos contribuíram, em muito, para reduzir os
resultados da missão científica atribuída a esse funcionário ilustrado. Contudo,
durante os dez anos em que esteve a serviço da coroa na África oriental, Galvão
realizou algumas incursões pelo território, colhendo várias informações,
sobretudo, acerca dos recursos minerais da região. As atividades de Galvão em
Moçambique podem ser acompanhadas pelas cartas que ele enviou ao
jardineiro da Ajuda, Júlio Matiazzi. Galvão deixou dois pequenos diários de
viagem, intitulados respectivamente Diário ou relação das viagens
filosóficas, nas terras da jurisdição de Tete e em algumas dos
Maraves e Diário das viagens feitas pelas terras de Manica por Manuel
Galvão da Silva em 1790.

Após deixar de servir a coroa como secretário de governo, ele continuou na


região da África oriental, atuando como comerciante, provavelmente traficando
escravos entre Moçambique e as colônias francesas do Índico. A partir de
então, a documentação disponível torna-se silenciosa sobre Galvão.

In http://www.cedope.ufpr.br/manoel_silva.htm

Expedições científicas coloniais Portuguesas: Moçambique (1783-1793)


Nuno Leitão

Galvão da Silva e uma das primeiras expedições científicas na África


selvagem, nas antigas colónias portuguesas. O naturalista estudou os
recursos naturais do interior africano numa aventura atribulada.

Manuel Galvão da Silva foi colega na Universidade de Coimbra do naturalista


Alexandre Rodrigues Ferreira que tinha como missão uma expedição ao Brasil,
mas ao contrário do seu colega que, influenciado pelo professor Alexandre
Vadelli, seguiu o curso de ciências naturais, Silva estava mais inclinado para
as matemáticas.

Galvão da Silva foi nomeado como membro da Expedição de História Natural,


que nos planos iniciais de Vandelli, seria realizada no Brasil e liderada por
Ferreira. Ferreira, Galvão da Silva e mais dois colegas (Joaquim José da Silva e
João da Silva Feijó), instalaram-se no Palácio da Ajuda para se prepararem
para a expedição durante o período de 1778 - 1783. Nos fins de 1782, os
planos de Vandelli foram alterados pelo Ministro das Colónias Martinho de
Melo e Castro, e Galvão da Silva, José da Silva e Feijó são designados
Secretários do Governo em Moçambique, Angola e Cabo Verde, ficando Ferreira

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
com o Brasil para explorar acompanhado de outros assistentes. Na altura,
havia a necessidade de enviar Oficiais com educação superior para as colónias.
A maioria da população que ia para as colónias era constituída por soldados,
padres e colonos que eram condenados com pena perpétua, não podendo
regressar ao país de origem.

Galvão da Silva segue para Moçambique, em Abril de 1783, com dois


assistentes (um pintor e um jardineiro), mantendo as funções de naturalista.
Durante a viagem, Galvão da Silva passa pela Baía para visitar família,
realizando no Brasil alguns trabalhos científicos. Antes de chegar a
Moçambique, Galvão da Silva e os seus assistentes tinham também como
missão, uma visita a Goa para procederem a algumas viagens científicas, para
examinarem a fauna, flora e recursos minerais, que foram realizadas entre 4 de
Dezembro de 1783 e Janeiro de 1784. O naturalista prepara em Goa o primeiro
carregamento de espécimes acompanhado do relatório para ser enviado ao
Ministro Melo e Castro para os Jardins do Palácio da Ajuda. Quando Saint-
Hilaire recolheu parte considerável da colecção de História Natural do Palácio
da Ajuda em 1808, levou o Herbário de Goa com 35 plantas elaborado por
Galvão da Silva segundo a doutrina de Lineu.

Em Fevereiro de 1784, Galvão da Silva estava na Ilha de Moçambique para


cumprir os seus deveres oficiais. Doente desde Goa, ocupado com as funções
de Secretário do Governo e com problemas burocráticos, foi impedido de
proceder a visitas ao território de Moçambique, com excepção de Sancul, até
1785.

Em Junho de 1785 realiza uma pequena expedição de 26 dias à Serra de


Mutipa e à Serra de Utigulo a NW da Ilha de Moçambique. O maior propósito
da viagem era a recolha de minerais, sendo uma má altura para a recolha de
flora. Galvão da Silva referiu que as serras apresentavam uma grande
diversidade de aves, mas não envia nenhuma por ter tido grandes dificuldades
em capturá-las. Não envia também nenhuns peixes, anfíbios ou invertebrados,
por não ter recebido notícias de Vandelli, relativamente às condições do
carregamento de Goa.

No seguinte ano e meio, Galvão da Silva permanece na Ilha de Moçambique.


Em 1787, parte para uma extensa jornada em Rios de Sena. Um dos objectivos
de Galvão da Silva era ajustar o pagamento de impostos com os numerosos
chefes de tribos que tinham uma aliança com a Coroa portuguesa. Esta região
era agitada, e ocorriam várias guerras civis desde há muitos anos. Em Maio de
1787, a expedição decorria com trabalhos de campo na região de Tete, mas de
forma limitada. Galvão da Silva não estava acompanhado dos seus assistentes,
e tinha falta de material para mapear a bacia do Rio Zambeze. Veio a saber
mais tarde que o seu artista, António Gomes, tinha falecido com febre, e como

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
o seu outro assistente tinha sido dispensado, Gomes da Silva encontrava-se só
no interior de Moçambique.

No final de 1787 realiza um percurso triangular na região de Tete (Tete -


Cabrabaca Maxinga - Chicorongo), tendo realizado um diário desta viagem.
Esta viagem foi realizada quando deveria efectuar o seu inventário das
propriedades das tribos, como seguimento das instruções de Melo e Castro,
que referiam que a melhor altura para realizar as viagens científicas seriam na
Primavera e Verão, podendo depois dedicar-se ao inventário. Tal não tinha sido
possível porque na época que deveria ter viajado, Galvão da Silva estava doente
em Tete. Desta forma, devido às condições climáticas, por ser a altura das
queimadas da agricultura itinerante e por falta de assistente, o naturalista não
recolheu amostras botânicas na viagem triangular. Galvão da Silva viajava
todos dias por percursos terrestres. Concentrou-se na recolha de minerais e
examinou as explorações de ouro. Quando regressou a Tete, estava doente com
sucessivas febres que o impediram mais uma vez de fazer uma recolha
botânica na Primavera de 1788.

A 19 de Agosto de 1788, parte de Tete para Sena, tendo produzido dois diários
relativos a esta viagem. No primeiro faz observações da agricultura e do
inventário do território, e o segundo cobre um mês (19 de Agosto a 14 de
Setembro) de viagem, através de Sena e Sungue até Manica, na fronteira
portuguesa. Mais uma vez o naturalista acaba por conduzir a expedição na
época das queimadas, não recolhendo amostras botânicas. Nesta viagem o
naturalista teve que negociar, por vezes com dificuldade, a passagem por rios,
fugiu de um ataque quando viajava com o Capitão Mor de Manica, e teve que
fugir das terras de um Chefe de tribo, quando descobriram que Galvão da Silva
as explorava.

Em Fevereiro de 1790, já regressado a Ilha de Moçambique, e com poucos e


muito espaçados carregamentos, Galvão da Silva era comentado pelas suas
aventuras. Na sua viagem de regresso à Ilha de Moçambique numa
embarcação, o naturalista trouxe consigo amostras de minerais, conchas, 2
barris de peixes conservados em álcool e uma cabeça de um hipopótamo.
Retoma as suas actividades de Secretário do Governo até 1793, tendo sido em
1791 nomeado "Procurador da Coroa e da Fazenda".

A maior contribuição desta expedição para a História Natural de África,


resultou principalmente da colecção de minerais de Galvão da Silva, dos mapas
que preparou e do exame de minas. Virtualmente esquecido em Lisboa por não
ter realizado uma recolha que se equiparasse à da expedição de Ferreira ao
Brasil, devido à complicada burocracia, funções acrescidas como membro do
Governo e doenças sucessivas, Galvão da Silva representa um Portugal
renovado, ao ser formado pela reestruturada Universidade de Coimbra, que lhe

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
permitiu observar a importância dos recursos naturais, que iriam contribuir
para o desenvolvimento do território dois séculos mais tarde.
Bibliografia

Simon, W. J. (1983). Scientific Expeditions in the P

http://naturlink.pt/article.aspx?menuid=23&cid=8172&bl=1&viewall=true#Go_1

3.2. EXPEDIÇÃO DE ANTÓNIO SILVA PORTO (REFERÊNCIA APENAS)

3.3. EXPEDIÇÃO DO DR. FRANCISCO JOSÉ DE LACERDA E ALMEIDA


E O DIÁRIO DA VIAGEM DE MOÇAMBIQUE PARA OS RIOS DE
SENNA: 1797

No conjunto da literatura etnográfica que é produzida neste período, podemos


destacar dois exemplos, o Diário da Viagem de Moçambique para os Rios de
Senna, escrito por Francisco José de Lacerda e Almeida e o Relatório Uma
Viagem de Tete ao Zumbo da autoria de Manoel Albino Pacheco.

Francisco José de Lacerda e Almeida talvez seja o maior exemplo do explorador


científico polivalente engendrado ao longo do século XVIII. Brasileiro de São
Paulo, nasceu em 1750 e formou-se em Matemática (1777) por uma
Universidade de Coimbra. Seus Diários e mapas, onde narra suas viagens
desde sua partida de Lisboa em 1781, constituem um trabalho de fôlego pelo
qual veio a ser aceite como membro pela Academia Real de Ciências em 1790.
No ano de 1797 foi nomeado Governador dos Rios de Sena, com amplos
poderes para organizar e dirigir a primeira tentativa de travessia científica da
África, pelo Ministro das Colónias D. Rodrigo de Souza Coutinho.

Lacerda e Almeida é autor de Diário da viagem de Moçambique para os rios de


Sena e Instruções e diário de viagem da Vila do Tete, capital dos rios da Sena
para o interior da África (1797-98), onde narra a primeira tentativa de travessia
terrestre da África austral, partindo de Moçambique na direcção de Angola.

Lacerda e Almeida assumiu suas tarefas em África munido “dos mais


modernos instrumentos destinados a observações e medidas exactas. Entre
eles, um cronómetro, um teodolito, um óculo, uma bússola, barras magnéticas,
um sextante, um globo celeste pequeno e um telescópio.” Ao longo da viagem,
simultaneamente procura ocupar-se tanto de observações astronómicas e
geográficas, como de colocar a ciência em prática, como por exemplo ao
ensinar a fabricar sabão e anil e a tratar o açúcar. Suas observações de
carácter antropológico e sociológico tanto sobre os indígenas como dos
portugueses residentes em África, para além de revelar um certo “relativismo”,
mostra que passados 40 anos desde o relato de Inácio Caetano Xavier (1758),

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
continuavam a decadência e oposição aos governantes recém-chegados por
parte dos colonos e a “barbárie” dos africanos – embora esta seja vista como
algo fruto da ignorância, até mesmo do fato de serem irracionais 2.

Filho do capitão português José António de Lacerda e da luso-brasileira de Itu, D. Francisca de Almeida
Pais, Francisco José de Lacerda e Almeida nasceu em São Paulo, por volta de 1753. Não se sabe onde
fez seus primeiros estudos e nem em que data teria deixado a cada paterna. Entre os anos de 1771 e
1772, Lacerda e Almeida matriculou-se na Universidade de Coimbra, onde fez os cursos de Matemática
e de Filosofia. Em 1777, aos vinte e quatro anos, recebeu o grau de doutor em Matemática.

No ano seguinte, o jovem iniciou sua vida profissional como professor de Matemática da Real Academia
dos Guardas da Marinha.

Lacerda e Almeida retornaria ao Brasil, em 1780, nomeado pela coroa para integrar a equipe técnica da
Expedição de Demarcação, que tinha por objetivo principal estabelecer os limites entre as terras de
Portugal e Espanha na América. Junto com ele veio um outro jovem brasileiro, também formado em
Coimbra, o mineiro Antonio Pires da Silva Pontes. Nessa missão os dois matemáticos astrônomos
estiveram envolvidos por cerca de dez anos, período em que navegaram os principais rios dos sertões
da Amazônia e do Mato Grosso, em sucessivas jornadas de reconhecimento. Na última etapa desta
jornada, Lacerda e Almeida partiu de Vila Bela, à época capital da província do Mato Grosso, em direção
a São Paulo e, seguindo o curso dos rios pela rota das monções, alcançaria sua terra natal em janeiro de
1789.

O astrônomo-viajante deixou uma série de diários relativos a cada uma das etapas de sua grande
viagem pelo interior do Brasil, além de mapas e tabelas de latitudes e longitudes. Este tipo de informação
científica tinha como destino principal a Secretaria da Marinha e do Ultramar, à qual cabiam as decisões
estratégicas nos assuntos relativos às colônias. Porém, muitos desses registros de viagem, como os
mapas e diários dos integrantes das expedições de demarcação, chegariam também à Real Academia
de Ciências de Lisboa, núcleo de produção e promoção de estudos e informações de interesse para o
desenvolvimento econômico e científico de Império. Lacerda e Almeida ainda itinerava pelo Brasil, mas
seus documentos de viagem já teriam chegado a Lisboa quando, em 1787, foi admitido como sócio da
Real Academia.

Em 10 de junho de 1790, Lacerda e Almeida deixou o porto de Santos com destino a Lisboa, onde
retomou suas atividades de magistério na Academia da Marinha.

Em 1797, este matemático nascido em São Paulo receberia da coroa a importante missão estratégica de
realizar a travessia da África, à contra costa, partindo de Moçambique até alcançar Angola. Nomeado
governador dos rios de Sena, ele deixou Lisboa para aquela que seria uma viagem sem volta.

A expedição pelo interior africano, tinha por objetivo descobrir uma suposta rede fluvial que permitisse a
ligação continental entre as costas oriental e ocidental da África. O estabelecimento de um caminho
fortificado através dos reinos do interland africano apresentava-se como um passo importante para
marcar a presença portuguesa em solo africano, bem como a conquista de uma rota alternativa de
comercio com o oriente.

O projeto não se cumpriu de todo. Em condições extremamente adversas, Lacerda e Almeida percorreu
apenas parte do itinerário previsto, vindo a morrer vítima das febres que grassavam nos sertões

2
http://www.pr.anpuh.org/resources/anpuhpr/anais/ixencontro/
comunicacao-individual/JoseRBPortella.htm consultado a 25 de Abril de 2016

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
africanos. Os diários relativos às jornadas africanas revelam muito do olhar desse viajante brasileiro
sobre as populações africanas e sobre a presença portuguesa naquela longínqua região do Império.
Embora o objetivo principal da viagem de Lacerda e Almeida tenha malogrado, as informações que ele
produziu sobre as regiões por onde passou permaneceram, por mais de meio século, a serem as únicas
que os europeus dispunham sobre aquela parte da África.

http://www.cedope.ufpr.br/francisco_almeida.htm

4. PANORAMA DO SÉCULO XIX ANTES DA CONFERÊNCIA DE BERLIM

4.1. ALBINO MANOEL PACHECO: O PRIMEIRO ETNÓGRAFO DA


REGIÃO DO ZAMBEZE - 1861

Em 1861 o Governador do então Distrito de Tete organizou uma expedição


oficial com o objectivo de reocupar o local da antiga Feira do Zumbo. O homem
indicado para ser o capitão-mor e líder da expedição foi Albino Manoel
Pacheco. A decisão de restabelecer o controlo de Zumbo tinha sido tomada por
volta de 1854. Contudo, a eclosão da guerra no Zambeze adiou o envio de
qualquer expedição (Newitt 2013: 1).

Já em 1856, David Livingstone havia visitado da antiga Feira na sua viagem ao


longo da África, vindo de Angola. Em 1858 Livingstone retornou ao local com
uma expedição bem equipada e em 1859, ele e mais o seu companheiro
Richard Thornton tinham de novo visitado Zumbo. Livingstone havia enviado
relatórios bastante hostis a Londres sobre as actividades dos portugueses e as
autoridades portuguesas decidiram que era necessário evitar possíveis
actividades hostis por parte dos britânicos na área de Zumbo. Foi nesse
sentido que Pacheco foi enviado com um destacamento de 20 soldados a 27 de
Novembro de 1861 (Newitt 2013: 1).

Pacheco alcançou Zumbo em Março de 1862 e formalmente restabeleceu a


Feira e continuou capitão-mor de Zumbo até 1864. Foi novamente indicado em
1867 e morreu em 1870, aparentemente numa expedição comercial a Kafue.
Pacheco escreveu um relatório intitulado Uma Viagem de Tete ao Zumbo, que só
se tornou conhecido em 1883 quando foi publicado no Boletim Official do
Governo de Moçambique e como separata impressa na Ilha de Moçambique
(Newitt 2013: 2).

Neste Relatório, Pacheco procede ao registo diário dos movimentos da


expedição, incluindo extensas passagens sobre a flora, fauna, etnografia,
língua, história e muitos outros tópicos (Newitt 2013: 2).

UMA VIAGEM DE TETE AO ZUMBO

A importância do Relatório reside no facto de ter proporcionado novas


informações sobre as sociedades falantes do Shona situadas ao Sul do Rio

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
Zambeze que até então eram desconhecidas. Com efeito, durante o Século XVII
os portugueses mantiveram extensos contactos com os reinos Shona e desses
terem sido escritos muitas histórias que providenciaram detalhes sobre a
etnografia da região. No entanto, as sociedades falantes do Shona situadas ao
Sul do Rio Zambeze, ao longo da estrada seguida pelos comerciantes na sua
rota ao Zumbo, foram menos descritas. A Viagem assume assim a importância
de trazer essa descrição (Newitt 2013: 2).

Pacheco era um homem educado, conhecia as línguas africanas locais da


região de Tete e tinha uma mentalidade de inquirição. Contudo, Pacheco não
era um etnógrafo ou cientista profissional e por isso não estava livre dos
prejuízos do seu tempo, considerando muito do que observava como a barbárie
primitiva (Newitt 2013: 2).

Desde a sua publicação, a Viagem permitiu providenciar:


 Informação detalhada acerca da geografia do médio Zambeze e das
condições da viagem;
 A riqueza dos termos linguísticos africanos que constituem um dos mais
antigos registos das línguas africanas da região;
 Uma história do estabelecimento dos portugueses no Zumbo e suas
relações com as sociedades africanas circunvizinhas, aparentemente a
partir de fontes orais;
 O mais importante, que é a descrição mais antiga dos cultos do espírito
mhondoro e dos detalhes sobre como eles operavam; e
 A história oral das dinastias reinantes da capital do velho Império do
Monomotapa (Newitt 2013: 2-3).

MHONDOROS

Apesar de os escritores portugueses no Século XVII tenham se referido sobre os


espíritos possessos nas crenças religiosas e nas estruturas sociais dos
africanos vivendo na região do Zambeze, a Viagem de Pacheco constitui a mais
antiga descrição do espírito possesso mhondoro (Newitt 2013: 3).

Pacheco inicialmente escrevia sobre os africanos que habitavam Chedima e


Dande, duas regiões que estavam no centro do Estado de Monomotapa. Este
estado caracterizava-se pelas dinastias imigrantes reinantes que controlavam
as populações que já lá se encontravam, parcialmente através da conquista e
parcialmente através do estabelecimento de um ritual de legitimação aos olhos
dos conquistados. Havia ainda com complexo sistema de instituições e rituais
religiosas e de observação (Newitt 2013: 3).

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
Os Mhondoros (sempre referidos por Pacheco como pondoros) são os espíritos
míticos dos ancestrais e antigos chefes, e os médiuns através dos quais eles
falam são poderosas figuras na terra. Quando um chefe morre acredita-se que
o seu espírito passa a habitar o corpo de um leão (Newitt 2013: 3) e vive na
floresta como guardião do seu território. Quando ele quer comunicar com os
seus descendentes, fá-lo através de um médium que é seleccionado e treinado
para ser o seu porta-voz. Os médiuns dos mhondoros podem ser bastante
influentes

Referências bibliográficas

Newitt, Malyn. 2013. “Albino Manoel Pacheco – Pioneer ethnographer of the


Zambesi region” Actas do Congresso Internacional Saber Tropical em
Mocambique: História, Memória e Ciência, pp. 1-7

4.2. CONHECER PARA EVITAR CONFLITOS: A CODIFICAÇÃO DOS


USOS E COSTUMES DOS AFRICANOS COMO EMBRIÃO DA
PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA OFICIAL EM MOÇAMBIQUE

A segunda metade do Séc. XIX marca o surgimento em Moçambique, embora


de forma tímida, dos primeiros estudos oficiais etnográficos de carácter
descritivo sobre os usos e costumes das populações nativas. Esse processo é
consequência do movimento de codificação dos usos e costumes das
populações colonizadas por Portugal, que para a sua materialização vai
requerer a informação de natureza etnográfica das populações nativas,
constituindo-se deste modo como o embrião que irá impulsionar estudos de
natureza etnográfica em Moçambique. Estavam dados os primeiros passos
para uma antropologia em Moçambique com raízes locais a partir daquele
momento.

Desde meados do Século XIX, começou a se perceber um conjunto de


incompatibilidades entre o direito civil e penal português e a sua realização nas
colónias. Como resultado disso, havia nas colónias a preocupação por parte
das autoridades coloniais locais de procurar adoptar pontualmente, ou por
iniciativa própria, ou em obediência a instruções esparsas provindas do
Ministério da Marinha e Ultramar, uma atitude de contemporização com os
usos e costumes indígenas. Esta contemporização incidia apenas os factos
jurídicos de natureza civil, isto é, dizia respeito quase que exclusivamente às
relações entre indígenas e, como seria de esperar, só muito excepcionalmente
abrangia as questões contra esses mesmos indígenas (Pereira 2001:3).

Neste sentido, em 18 de Novembro de 1869, em execução do artigo 9º da Carta


de Lei de 1 de Julho de 1867, é emanado pelo poder metropolitano um decreto
mandando aplicar no espaço colonial o Código Civil Português. Este decreto

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
inaugura, pelo menos ao nível das disposições legislativas emanadas pelo
poder central, uma nova fase de intervenção da política colonial portuguesa. O
legislador do decreto de 1869 determinava que os governos coloniais
procedessem, de imediato, “à codificação dos usos e costumes indígenas”
(Pereira 2001:3-4).

Como resultado dessa orientação, vão surgir, aos poucos, estudos de natureza
etnográfica em Moçambique (Pereira 2001:6). E um dos primeiros estudos
sobre os usos e costumes que surgiu nesta altura foi efectuado por Joaquim
d’Almeida Cunha e visava dar a resposta em relação a orientação de 1869.
Assim, o documento intitulava-se “Estudo Acerca dos Usos e Costumes: para
cumprimento do que dispõe o artigo 8º, 1º do decreto de 18 de Novembro de
1869”.

4.3. A CRIAÇÃO DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA E A


INSTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE ÁFRICA: 1875

 Expedições de Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto,


entre 1877 e 1885
 Reforço de instruções às autoridades coloniais para estudos de
foro antropológico
 Directivas aos viajantes, comerciantes, missionários, entre outros
para recolherem partes de corpo, fazerem mensurações ou
preencherem questionários enviados da Metrópole
 Circular de envio de crânios em 1885: funcionários administrativos
e militares responsáveis pela recolha
 Antropometria pelos médicos militares: Américo Pires de Lima no
Norte de Moçambique durante a Primeira Guerra Mundial

4.4. CRIAÇÃO DA COMISSÃO DE CARTOGRAFIA: 1883

ESTUDO ACERCA DOS USOS E COSTUMES DE JOAQUIM D’ALMEIDA


CUNHA POR MEIO DE INQUÉRITO ETNOGRÁFICO

Joaquim d’Almeida Cunha, o mentor do “estudo”, era, à época, Secretário-


Geral do Governo-Geral da Colónia e fora incumbido de tal tarefa por Portaria
de 21 de Setembro de 1883, sendo Governador-Geral de Moçambique o Juiz
Conselheiro Agostinho Coelho (Pereira 2001:4-5).

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
Avisado que estava dos insucessos que o precederam, estabeleceu uma nova
metodologia: formulou um questionário circunstancialmente etnográfico e
remeteu-o a diferentes pessoas. Sendo Secretário-Geral na Sede do Governo
Almeida Cunha beneficiou, por força do poder desse lugar executivo, da
colaboração de elementos activos da administração colonial: 5 governadores
distritais, 4 comandantes militares, 1 director de alfândega. Para além desses
incluem-se Romualdo de Raphael Patrício, professor primário em Quelimane e
Guilherme Hermenegildo Ezequiel da Silva, com idêntica função em Chiloane
(Pereira 2001:6).

O Estudo estabeleceu, de toda a forma, um primeiro quadro comparativo do


direito consuetudinário de alguns, poucos, grupos étnicos de Moçambique:
macua, maconde, swahili, bitonga, tsonga, Maganja, sena, wanhai e pouco
mais. E, mesmo assim, assinale-se um enorme desfasamento na quantidade de
dados facultados sobre os bitongas e, por exemplo, os esparsos dados
adiantados sobre os macondes (Pereira 2001:6).

O CÓDIGO DOS MILANDOS INHAMBENSES DE 1889

Apesar de versão final ter sido publicada em 1889, o Código de Milandos de


Inhambane data de um tempo anterior. Com efeito, uma Portaria de 9 de Julho
de 1855, emanada pelo Governador-Geral, mandava observar um “código de
milandos” no distrito de Inhambane que, entretanto, nunca fora até então
publicado, não obstante tal regulamento baixar a portaria, assinado pelo
“official maior servindo de Secretário-Geral”. Tratava-se de um código de usos e
costumes dos povos bitongas – população circundante de Inhambane –
elaborado em 1852 por um conjunto de “moradores versados nos usos e
costumes cafreais” daquele distrito, “com o auxílio dos régulos bitongas Tembe
e Inhampossa habitantes da vila, Inhampeta, Inhamotitima e Saranga
habitantes da outra banda” (Pereira 2001:3).

Em 1884 este mesmo “Códigos dos Milandos Inhambanenses” chegou ao


conhecimento do Governador Geral da província que o devolveu ao Governador
de Inhambane para ser justificada a questão de nunca ter sido aprovado pelo
Governo-Geral da província, pois nunca fora enviado para a Secretaria-Geral.
Este mesmo despacho de 1884 nomeava nova comissão para o ordenamento de
um outro Código, o qual só ganharia letra de forma ao ser publicado em 1889
sob a designação de Código dos Milandos Inhambaenses (Litígios e Pleitos),
agora devidamente sancionado pela Portaria Provincial n o 269 de 11 de Maio de
1889. Não seria de todo a última elaboração do Código. Em 1908 conheceria
ainda uma outra versão, mais completa, sob a designação de Projecto de
Regimento de Justiça Cafreal ou “Código de Milandos” do Districto de
Inhambane (Pereira 2001:4).

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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 1 – 2018 - Johane Zonjo
Se analisarmos em detalhe os sucessivos Códigos de Milandos inhambanenses
produzidos, depressa constataremos que são versões, acrescentadas e
anotadas, de uma matriz original, o Código Cafreal do Distrito de Inhambane
de 1852. Nas três primeiras décadas do século XX, a codificação
inhambanense ter servido de matriz a uma grande parte das iniciativas
produzidas no domínio da codificação dos usos e costumes da colonia,
sobretudo pela intervenção de um tal António Augusto Pereira Cabral (Pereira
2001:6-7).

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