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exemplo, dentro desses circuitos urbanos.

Aliás, o/a próprio/a pesquisador/a para adentrar


essescircuitos (sobretudo se realiza a pesquisa em sua cidade) acaba por agenciar sua rede de
relaçõesantes mesmo de desenvolver qualquer tipo de investigação, como cita Velho.Explicita durante o
texto sua experiência pessoal de pesquisa com o universo urbano.Caracterizando as questões da
proximidade, distância, familiaridade e estranhamento como desuma importância nas reflexões acerca
dos estudos urbanos. Narra sobre suas experiências de

pesquisa referentes a dissertação de mestrado e tese de doutorado: “Se em Copacabana e

u pesquisara uma pequena classe média espacialmente próxima, mas relativamente distanciadade meu
universo de origem, no segundo caso

, lidei com pessoas não só de grande proximidadesociológica, mas que, em significativa proporção,
faziam parte do meu cír

culo de amizades”

(p.13). No caso da pesquisa de Copacabana, no Edifício Estrela, baseou-se na observação diretae no


contato com os moradores, sentindo-se como alguém de fora daquele circuito. Já no casode

Nobres e anjos

havia uma relação de proximidade com

os “

nobres

(como relatado na notade rodapé de número 2)

e distância (principalmente geracional) com os “anjos”. No segundo

caso, grande parte da rede de relações do autor se tornara objeto de pesquisa

interessante

como nessa passagem Gilberto velho diz que isso é “[...] um movimento um tanto heterodoxo

para
os padrões tradicionais da antropologia” (p.15), o que denota como essa mudança no

escopo de interesse da antropologia trazia consigo grandes reverberações metodológicas. Nessesentido,


já havia conhecimento e informações sobre o mundo investigado. A clássica expressão[e movimento
metodológico] do autor de

estranhar o familiar

foi crucial, em suas palavras, para empreender os estudos acima citados, sendo uma tarefa árdua e
passível de erros, já queimplica desnaturalizar e colocar sob outras lentes fenômenos, noções e
situações tão comuns ao pesquisador (inclusive incrustados em sua própria visão de mundo). Quando
diz sobre a

situação ‘atual” (no período histórico em que escreve o texto aqui analisado) afirma que estudar

o próximo já não é mais algo tão excepcional, e que trabalhos sobre as camadas médias, religião,
parentesco e etc. já implicam, de alguma forma, lidar com as ideias de estranhamento efamiliaridade

acentua que isto é um traço característico da produção antropológica brasileira,especialmente da


década de 60, respondendo as questões produzidas pelo golpe de 64.

Referente à sua pesquisa de doutorado, onde se dedicou ao “[...] estudo da

s camadas médias

superiores na fronteira com as elites [...]” (p. 14). Como afirma: “Alguns membros dessa camada tinham
ligaçãocom minha família, e outros haviam sido colegas meus de curso secundário” (p. 14). Dessa forma
haviam vínculos

que precediam a própria pesquisa e reapareceram como potenciais interlocutores.

No mesmo período, diz Gilberto Velho, outra subárea dos estudos urbanos que emergiufoi o das
pesquisas sobre desvio e comportamento desviante

doença mental, prostituição, usode drogas e etc. A questão do uso de drogas foi força motora para a
aproximação do autor com
o universo das “camadas médias superiores da Zona Sul do Rio de Janeiro”, gerando umaaproximação
com a “área psi’ por interesses em comum.

Sobre a influência de tal aproximação:

“A própria tradição interacionista, forte influência em nossos trabalhos, estava ligada desde as

suas origens à psicologia social. A temática

indivíduo e sociedade

está, portanto, estreitamenteligada a boa parte das investigações em meio urbano que se multiplicaram
a partir dos anos

1970” (p. 16). Isso levou ao uso de histórias de vida, biografias e trajetórias individuais –

quesão amplamente utilizados atualmente não só nos estudos urbanos, mas em diversos eixos
ougêneros da antropologia. Os indivíduos (em sua singularidade, como assinala) se tornaram,também,
matéria da antropologia. Com a preocupação da pesquisa e análise das redes derelações e significados,
os indivíduos passaram a ser vistos como agentes, imbricados nessas

redes (ou malhas, como também viriam a ser chamadas), sendo “[...] intérpretes de mapas e

códigos socioculturais, enfatizando-se uma visão dinâmica da sociedade e procurando-seestabelecer

pontes entre os níveis micro e macro” (p. 16).

A ideia de colocar os indivíduos soba égide da análise antropológica foi fundamental para que Velho
lidasse com o universo dascamadas médias superiores já que eram indivíduos com discursos, práticas e
reflexões críticas(afirma que isso também ocorria com os pesquisados em Copacabana, como pode
ocorrer emqualquer grupo), advindos de um setor mais intelectualizado da sociedade brasileira. Como

afirma: “Alguns não só respondiam às questões feitas por mim como

também construíamrespostas nas quais estavam presentes alguns dos principais temas da

intelligentsia

, não só

brasileira, mas internacional” (p.17).

Chegando ao final do texto há pontos de extrema importância, especialmente no tocantedo


crescimento das cidades, como pontua

“[...] as mudanças e a produção

de novos valores
marcam fronteiras em relação a uma sociedade tradicional” (p. 17).

A questão do pertencimento

a vários grupos e redes é colocada aqui como “[...] um fenômeno básico a ser investigado e

compreendido na sociedade moderno-

contemporânea” (p. 18). Esse multipertencimento, que

ao mesmo tempo tornara-se fato a ser analisado também é o mesmo que permite que
o/aantropólogo/a pesquisa sua própria sociedade, sua própria cidade, sua própria camada urbana eos
circuitos e redes de relação que os compõe. Há então uma necessidade de atenção aoscontextos, e uma
tarefa de evitar as reificações nos interlocutores, uma vez que as redes quecompõe tais contextos [e o
próprio movimento da sociedade] são dinâmicos, os atores

envolvidos estão num constante dinamismo, sendo assim, tarefa do pesquisador utilizar, porexemplo, os
indivíduos como mapas para a compreensão de tais redes

atentando-se sempreaos movimentos de distanciamento, estranhamento do familiar e tendo cautela


com a proximidade. Dessa forma, as trajetórias dos/as pesquisadores/as garantirão as inclinações de
proximidade e distância de seu objeto.

Para finalizar: “Assim, cada pesquisador deve buscar suas trilhas próprias a partir do

repertório de mapas possíveis

” (p. 18).

*Utilizarei citação subsequente para tecer uma sorte de diálogo entre Gilberto Velho e Norbert Elias no
que concerne aos processos de construção de modernidade e como isso sereflete

na “sociedade moderno contemporânea” (nos termos de Velho) que o/a antropólogo/a

possa pretender pesquis

ar: “Alguns não só respondiam às questões feitas por mim como

também construíam respostas nas quais estavam presentes alguns dos principais temas da

intelligentsia

, não só brasileira, mas internacional” (p.17).


Quando Velho se refere à pesquisa com as camadas médias superiores e afirma que osindivíduos eram
de uma parcela intelectualizada da sociedade brasileira, com práticas ereflexões críticas, assinala a
noção de

intelligentsia

que me remeteu diretamente a discussão de Norbert Elias em

O processo civilizador.

Elias, ao reconstruir como os processos de civilização e cultura se desenvolveram em processos


nacionais distintos (França e Alemanha) acaba por contextualizar como um disperso

grupo de intelectuais alemães, sem acesso à corte e à ‘civilité’ (ao modo francês) engendraram

-se num cultivo do self (num mergulho no universo interior e intelectual, da erudição) opondo-se aos
aspectos do mundo externo, como era comum e predominante no comportamento decorte francês

já que para a sociedade de corte francesa os modos de agir (se portar a mesa,falar, etc.), por exemplo,
ocupavam papel central na vida cotidiana e na diferenciação com os

substratos sociais inferiores

. Essa imersão no self, esse processo de intelectualização e negaçãodos aspectos exteriores remonta à
noção de

Kultur

(que diz sobre a pluralidade do etnos e dosmundos interiores) em oposição a

Civilité

(da valorização do mundo externo, de determinadasformas de agir, por exemplo) francesa. A

kultur

alemã baseia-se na

intelligentsia
, que se tornaum traço hegemônico alemão, passando a significar o espírito nacional, não só mais o
cultivodo self, mas do espírito de um povo.Analisando o uso que Velho faz da noção de

intelligentsia

, à luz do que diz Elias, me parece que as camadas médias superiores que estudara podem ter um
paralelo

, ainda quedistante. A noção de

kultur

que viria a ser assinalada como

cultura

(ao seu modo no sensocomum, especificamente) e esse acúmulo de erudição, especialmente por uma
classe média,intelectualizada e economicamente abastada que se diferencia

de uma “superficialidade” (ao

modo francês) ainda parece, de alguma forma existir. Quando Velho diz que muitos dosinterlocutores
pertencentes a esse substrato da sociedade tinham conhecimentos de psicanálise,marxismo, história da
arte, literatura etc. demonstra como esse traço da

kultur

alemã semanifesta como parte do que Elias chama de processo civilizador, sendo um traço
damodernidade que deixa impressa sua marca na sociedade urbana brasileira

especialmenten

essas “camadas médias superiores”, utilizando da

intelligentsia

como um mecanismo dedistinção social.

O que, de maneira distinta,

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