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OBJECTIVOS:
ÍNDICE:
1. Introdução
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Manuel Simões Alberto
Luís Polanah
António Rita-Ferreira
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
1. INTRODUÇÃO
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
2. ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS OFICIAIS EM MOÇAMBIQUE
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
dos muitos votos de académicos das universidades do Porto, Coimbra, Lisboa e
da Escola de Medicina de Goa, os antropólogos físicos apostavam em colocar a
investigação científica ao serviço da “revalorização das colónias”. Na sessão de
encerramento do Congresso os participantes aprovaram um programa
detalhado para a criação de institutos científicos coloniais e missões de
pesquisa no terreno para a investigação sistemática dos “indígenas” sob uma
perspectiva antropológica, psicológica e linguística (Rui Pereira 2004/2005:
213). Com efeito, este congresso preconizou, entre outros:
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
A primeira Missão a ser estabelecida foi a de Moçambique em 1936, para a
qual foi indicado António Augusto Esteves Mendes Corrêa (professor de
Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Porto), tendo este
designado o seu Assistente, o Dr. Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior
(Rodrigues 1999: 266).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
2.1.2. JOAQUIM RODRIGUES DOS SANTOS JÚNIOR E AS CAMPANHAS
DA MISSÃO ANTROPOLÓGICA DE MOÇAMBIQUE
Os campos de acção e as tarefas que lhe foram cometidas tiveram como base
as que foram consideradas prioritárias e haviam sido definidas de acordo com
as teses defendidas e aprovadas no I Congresso Colonial (Rodrigues 1999:
266). O paradigma de raça, sangue e robustez física bastante defendido pela
Escola do Porto, e que tinha no Mendes Correa um dos seus principais
defensores penetrava assim em Moçambique logo após a implantação do
Estado Novo e no seguimento das recomendações do I Congresso Colonial de
Antropologia.
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2.1.2.1. AS CAMPANHAS DA MISSÃO ANTROPOLÓGICA DE MOÇAMBIQUE
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iniciou com a recolha de informação antropológica, estudando os indígenas de
Tete, pertencentes ao grupo étnico dos Nhungues.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
A partir do material colhido na primeira e segunda campanhas foram
publicados os seguintes trabalhos:
Grupos sanguíneos nos indígenas de Tete (vale do Zambeze);
Contribuição para o estudo da Idade da Pedra em Moçambique;
Pinturas Rupestres do Chifumbázi;
Sobre Tatuagens de Relevo nos indígenas da Zambézia;
Anomalias dos membros nos negros da Zambézia portuguesa;
Relatório da Missão Antropológica de Moçambique (2a. Campanha-1937)
Alguns muzimos da Zambézia e o culto dos mortos;
Negros de Moçambique e especialmente da Zambézia.
A Terceira Campanha teve lugar em 1945, na mesma altura em que teve lugar
a reestruturação da JMGIC. Num primeiro momento, através do Decreto-Lei n o
34 478, de 3 de Abril de 1945, a JMGIC assumiu a tarefa de elaborar linhas
programáticas para a organização de “missões antropológicas e etnológicas”
enquanto missões de investigação específicas e independentes de outros
domínios de investigação, como a Geografia. Com o envio dessas missões de
investigação também para as colónias, almejava efectuar uma comparação
sistemática de resultados. De facto, o Decreto-Lei n o 34 478, de 3 de Abril de
1945, determinava que as “missões antropológicas e etnológicas” a organizar
deveriam ter por finalidade investigar as populações das colónias de uma
“perspectiva bio-étnica” e que os objectivos de investigação a cumprir seriam os
seguintes:
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Foi nesse processo de reestruturação que a Missão Antropológica e Etnológica,
através da Portaria no 10 977, de 19 de Junho de 1945, deixaria cair o
adjectivo “Etnológica” e seria sempre designada sempre Missão Antropológica
de Moçambique. Esta Missão cumpriu em termos gerais os objectivos de
investigação definidos no Decreto-Lei no 34 478 que enquadrava a organização
das missões antropológicas e etnológicas a enviar às colónias.
Uma parte dos trabalhos de terreno desta campanha decorreu também no Vale
do Zambeze (Zambézia e Tete) e no então distrito de Manica e Sofala. Durante
esta campanha para além dos estudos psico-métricos foram realizados estudos
linguísticos tanto em Tete como na Zambézia. Para o efeito foram integrados no
grupo de trabalho, oficiais da administração colonial conhecedores das línguas
locais.
No então distrito de Manica e Sofala, foram observadas muitas tribos desta
zona.
Observação e registo de caracteres descritos;
Colheita de impressões dermatológicas quer dos dedos e palma das mãos
quer da planta dos pés.
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na área das ciências coloniais por iniciativa privada ou de institutos
estrangeiros.
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e) Quinta Campanha (1948)
Ou seja, a actuação colonial nesse período gira em torno do que Serra (1997:
83) chamou de “colonização das energias musculares negras”, um processo que
partia das aldeias, local onde se fazia regularmente o recenseamento e aí
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avaliava-se o potencial de motricidade existente; aqui e acolá recorria-se
mesmo às medições antropométricas (altura dos rapazes, volume dos seios das
raparigas); estimava-se com minúcia o futuro da “raça dos trabalhadores”
(movimentos populacionais, potencial reprodutivo, períodos de ritos de
iniciação, etc.).
Mendes Correa iria mais longe. Perante a evolução dos acontecimentos sociais
e políticos em África, com os primeiros levantamentos nacionalistas como a
revolta Mau-Mau no Quénia, Mendes Correa lembrou que os britânicos, graças
à utilização de etnólogos profissionais no serviço colonial, estavam muito
melhor equipados contra esse tipo de ameaças do que os portugueses,
acrescentando que a formação desses especialistas em Portugal era desde há
muito necessária para ultrapassar o carácter de improvisação que tinha
dominado essa área até à época (Pereira 2004/2005: 233).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Não se pense, contudo, que a substituição da Antropologia Física pela
Etnologia foi imediata e que aquela perdeu influência e campo de acção. Até
aos anos 60, houve congressos internacionais (International Congresses of
Anthropological and Ethnological Sciences) que abordavam questões de
Antropologia Física e de Etnologia, embora esses domínios se fossem
separando de forma cada vez mais clara (Pereira 2004/2005: 234).
Leituras adicionais
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Rodrigues, M. Conceição 1999 “Os Primórdios da Investigação Arqueológica em
Moçambique e o Prof. Santos Júnior: Um reconhecimento arqueológico”
Portugália Nova Série, Vol. XIX-XX 1998-1999: 265-278
Thomaz, Omar Ribeiro 2001 “‘O Bom Povo Português’: Usos e costumes
d’aquém e d’além-mar” MANA 7 (1): 55-87
Thomaz, Omar Ribeiro 1977 “Introdução” in Ecos do Atlântico Sul
Representações sobre o Terceiro Império Português, São Paulo: UPS pp. 60-70
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
2.2. MISSÃO DAS MINORIAS ÉTNICAS DO ULTRAMAR (1956-1974):
SEGUNDO MOMENTO DE ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS OFICIAIS
FEITOS POR INVESTIGADORES DA METRÓPOLE
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Em 1955, foi criado em Lourenço Marques, o Instituto de Investigação
Científica de Moçambique, que considerava todas as ciências coloniais, e
também, entre outras, a Antropologia Física e a Etnologia, como
subdomínios das Ciências Humanas; e
Em 1944, Jorge Dias doutorou-se com uma tese sobre Vilarinho das
Furnas, na Universidade de Munique. Depois de terem casado, Jorge
e Margot, ainda antes do final da guerra, vão para Portugal.
Constituem então uma equipa a que se juntaram Fernando
Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Enes Pereira,
equipa esta que foi responsável por uma grande renovação nos
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
estudos etnológicos em Portugal, assim como pela criação e
organização do Museu de Etnologia (Museu Nacional de Etnologia
1997: 8).
A partir da segunda metade dos anos 50, e sob a liderança de Adriano Moreira,
o CEPS vai institucionalizar as missões ultramarinas. Destas, a mais sonante
foi a missão dirigida pelo antropólogo António Jorge Dias, que foi nomeado em
1957 pelo Ministério do Ultramar como encarregado das Missões para o Estudo
das Minorias Étnicas dos Territórios Portugueses de Ultramar. Sua mulher,
Margot Dias, de origem alemã, e Manuel Viegas Guerreiro foram, mais tarde,
nomeados como assistentes. No ano anterior, Dias já havia realizado uma
viagem de reconhecimento pela Guiné portuguesa, Moçambique e Angola
(Macagno 2002: 116).
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colecções do Museu de Etnologia de Portugal (Museu Nacional de Etnologia
1997: 8).
A escolha de Jorge Dias para estudar os Macondes de Moçambique não foi por
acaso. Com efeito, antes de ser indicado pelo Ministério do Ultramar para
liderar o estudo das minorias étnicas dos territórios portugueses de Ultramar,
das quais viria a efectuar o seu trabalho de campo entre os Macondes do norte
de Moçambique a partir de 1957, Jorge Dias havia realizado vários trabalhos
de campo em áreas rurais de Portugal. No entender de Dias, o estudo dessas
pequenas comunidades ofereceria elementos fundamentais, não só para
entender a cultura portuguesa, em geral, e o carácter nacional português, mas
sobretudo, e além disto, para entender a relação dos Portugueses com outros
povos durante a expansão colonial. Isso significa que a experiência africana de
Jorge Dias se nutre de um antecedente fundamental, isto é, da experiência
etnográfica na própria metrópole colonizadora (Macagno 2002: 98-99).
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de organização foi se perdendo e se transformando. O importante, neste caso, é
que haveria uma espécie de analogia entre o tipo de organização comunitária
da metrópole e as próprias sociedades “exóticas”, nas quais os portugueses se
instalaram. Sem dúvida, essa elaboração imaginária de Dias procura amortecer
os efeitos hierárquicos e violentos da expansão ultramarina de Portugal
(Macagno 2002: 105-106).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
É evidente que passar do conceito de “raça” para o conceito de “cultura” revela
um passo crucial na história da antropologia em Portugal. No entanto, do
ponto de vista político, as leituras a que essa noção de “cultura” se prestou
foram absolutamente conservadoras: a “cultura portuguesa” definiria um
“padrão” que tenderia a se reproduzir ao longo do tempo (da história) e do
espaço (a geografia do império). A estrutura política do Estado Novo e do
império colonial português deveria se aproximar dessa realidade do espírito e
qualquer tipo de distanciamento dessa “personalidade-base” do “bom povo
português”, como a violência expressa pelo sistema colonial, o trabalho forçado
promovido pela administração portuguesa e pelos colonos etc. — observado e
descrito por Jorge Dias nos relatórios elaborados sobre as regiões visitadas —,
deveria prontamente ser corrigido: tratava-se de algo estranho ao ser
português, naturalmente afável no trato com os povos exóticos (Thomaz 2001:
75).
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biológica, cujo impulsionador principal era Mendes Correa (Macagno 2002:
103).
Mais tarde, a partir de uma viagem aos Estados Unidos da América em 1950,
Jorge Dias sofrerá uma importante influência da antropologia cultural
americana. Neste contexto, começa a incorporar autores tais como Ruth
Benedict, Lowie, Kluckhohn, Kroeber, Murdock e uma preocupação pelos
processos de aculturação e contacto cultural que, depois procuraria plasmar
em vários textos (Macagno 2002: 103).
Quando Jorge Dias é indicado para liderar a Missão de Estudo das Minorias
Étnicas do Ultramar em 1957, já trazia consigo toda a bagagem antropológica
dos discípulos de Franz Boas nos Estados Unidos. As discussões sobre os
processos de aculturação, os estudos sobre o carácter nacional e as reflexões
sobre o etnocentrismo nos contextos de interacção cultural estavam, havia
algum tempo, na agenda de trabalho da antropologia norte-americana,
especialmente durante a Segunda Guerra Mundial (Macagno 2002: 106).
Leituras adicionais
Museu Nacional de Etnologia. 1997. Guia para os filmes realizados por Margot
Dias em Moçambique 1958/1961.
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Pereira, Rui M. 2004/2005. “Raça, Sangue e Robustez. Os paradigmas da
Antropologia Física portuguesa” Cadernos de Estudos Africanos nº 7-8: 209-
241
Thomaz, Omar Ribeiro 2001 “‘O Bom Povo Português’: Usos e costumes
d’aquém e d’além-mar” MANA 7 (1): 55-87
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Ultramar, por sugestão de João Pereira Neto e a convite de Jorge Dias
(1970-1974) (Castelo 2011).
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2.3. ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS OFICIAIS FEITOS POR FUNCIONÁRIOS
DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL RESIDENTES EM MOÇAMBIQUE
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Acto Colonial”, conferindo-lhes assim dignidade constitucional (Pereira 2001:
10).
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responsabilidades de jurisprudência, na prática, até aos anos 40 do século XX,
tais intenções, paulatinamente consolidadas ao longo de décadas por legislação
específica, falharam na redacção de um código de direito consuetudinário
(Pereira 2001: 12).
Gonçalves Cota iniciou as pesquisas no terreno logo no mesmo ano em que foi
publicado o despacho que criava a Missão, editando em 1944 o seu estudo
etnológico, Mitologia e Direito Consuetudinário dos Indígenas de Moçambique. O
seu Projecto do Código Penal dos Indígenas estaria pronto nesse mesmo ano de
1944, mas o Tribunal de mais alta instância da colónia, o Tribunal da Relação
de Lourenço Marques, só o aceitou, numa versão melhorada, dois anos depois
da data da sua publicação definitiva (Pereira 2001: 15).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Quanto aos objectivos da sua investigação no terreno, Gonçalves Cota tinha
uma premente preocupação em se demarcar de outros estudos de natureza
antropológica que em simultâneo decorriam na colónia. A Missão Antropológica
de Moçambique, instituída para Moçambique por decreto ministerial e que viria
a trabalhar por cerca de 20 anos, era, por assim dizer, uma emanação do poder
central e correspondia a uma determinada fase de desenvolvimento do modelo
económico colonial português, conforme ele era entendido no seu aspecto
global, independentemente das realizações locais; ao invés, a Missão
Etognósica era uma realização local, determinada pelo Governador-Geral de
Moçambique em resposta a uma sugestão do Chefe da Repartição Central dos
Negócios Indígenas e correspondia a uma necessidade efectiva de “gestão
social” das populações dominadas (Pereira 2001: 16).
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resultantes. No conjunto, esta “atenção antropológica” local afrontava,
portanto, as missões antropológicas instituídas em 1935 por decreto
ministerial do governo metropolitano e que foram, na altura, entregues ao
cuidado da “Escola do Porto”. Se a antropologia física desta escola, com suas
mensurações e quantificações, os seus índices de robustez e restante
parafernália de indicadores antropométricos visava dar cobertura científica à
exploração mais primitiva da força de trabalho “indígena”, correspondendo
assim a uma fase particular da economia colonial do Estado Novo, a
“etnografia administrativa” da Missão Etognósica de Moçambique e das
monografias etnográficas dos funcionários coloniais, era a resposta local e útil
a problemas levantados pela gestão social das populações colonizadas (Pereira
2001: 30).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Neste sentido, foram produzidas muitas monografias pelos então candidatos.
Medeiros (1993: 4-5) considera que salvo raras excepções as Monografias têm
um valor científico limitado, e retomam geralmente textos ou parte de textos
administrativos ou textos de missionários escritos sobre a região ou área
cultural tratada. A elaboração da Monografia etnográfica era uma imposição
administrativa sem a qual não podia haver candidatura ao Concurso; ora, nem
todos os candidatos tinham sensibilidade para estas questões, nem sequer
tinham tido, na sua grande maioria, pelo menos até à segunda metade dos
anos cinquenta, uma aprendizagem etnológica nem adquirido um mínimo de
saber metodológico e de conceitos teóricos para a pesquisa etnográfica.
Por causa dessas lacunas teóricas encontramos nos próprios títulos das
Monografias erros grosseiros de utilização do vocabulário etnográfico, como por
exemplo “sub-raças dos senas”, “tribo Achirima” ao invés dos vocábulos “povo”,
“etnia” ou “sub-etnia”. Nalgumas das monografias predominam temas da
Antropologia Física ou Antropobiologia: caracteres somáticos/caracteres
fisiológicos/ tatuagens e mutilações corporais, etc. (Medeiros 1993: 5).
Leituras adicionais
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3. A PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA INDEPENDENTE EM MOÇAMBIQUE
De Maio de 1912 a Maio de 1917 não terá sido militar, mas volta a ser
incorporado e a 24 de Setembro de 1917 parte para Moçambique
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
integrado na força expedicionária no âmbito das operações da Primeira
Guerra Mundial. Regressa a Portugal em 1919 com a medalha
comemorativa “Moçambique, 1914-1918”. Desta experiência de soldado
da I Grande Guerra em África resultou, por um lado, o livro
Condenados – A Grande Guerra vivida às portas do degredo, que ele
mesmo fez imprimir em Aveiro em 1933 e, por outro, a sua curiosidade
pelas coisas moçambicanas (Medeiros 1995: 5).
Não deve ter sido estranho a este interesse o convívio com o médico
militar do mesmo Corpo Expedicionário, Américo Pires de Lima, que era
professor da Faculdade de Ciências do Porto e que, paralelamente à
sua ocupação militar, realizou algumas pesquisas de carácter
antropobiológico, botânico e etnográfico. O que é certo é que Manuel
Simões Alberto irá voltar anos mais tarde a Moçambique e orientar os
seus interesses intelectuais para estas áreas e ter mesmo ligações com
o Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, dirigido pelo
Professor Mendes Correa, de cuja Faculdade Pires de Lima foi director
(Medeiros 1995: 5).
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espécie de manual que servisse de apoio aos funcionários
administrativos que se submetessem a concurso para provas de acesso
a chefe de posto, secretário de administração e administrador de
circunscrição. O manual foi publicado na então Lourenço Marques com
o título Elementos de Antropologia Geral, Etnografia e Etnologia (para
satisfazer ao exigido nos programas dos concursos para funcionários dos
quadros administrativos coloniais) (Medeiros 1995: 7).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
reestruturação da Sociedade de Estudos da Colónia de Moçambique,
começando a publicar regularmente no seu Boletim a partir de 1950.
No final desta década trabalha na área da etnolinguística com Vitor
Hugo Velez Grilo e na área da bioantropologia com Dionísio Barreto. De
colaboração com este último viria a estudar a mancha azul congénita
entre os negros, primeiro estudo deste género em Moçambique e o
segundo em África (Medeiros 1995: 7).
LUÍS POLANAH
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Luís António Domingues Polanah nasceu no Chinde em Junho
1921. Seu pai era mauriciano e fora contratado pela Sena Sugar como
perito provador. Após conclusão do ensino secundário, Polanah
ingressou no quadro dos Correios, Telégrafos e Telefones, onde
permaneceu de 1941-51. Desde esta última data até 1959 foi
funcionário da Câmara Municipal de Lourenço Marques, mais
precisamente como encarregado do seu Bairro Social. Entre 1950-58
participou em várias exposições artísticas promovidas pela “Casa da
Metrópole” e pelo “Núcleo de Arte” com desenhos, aguarelas,
monotipias e óleos.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Entre 1975-76 foi admitido como assistente na Universidade de
Eduardo Mondlane.
ANTÓNIO RITA-FERREIRA
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Entre 1983 e 1988 participou no Projecto de Microfilmagem de
Documentação sobre Moçambique existente em Portugal, organizado
pelo Arquivo Histórico de Moçambique.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
3.2. O PAPEL DA SOCIEDADE DE ESTUDOS DE MOÇAMBIQUE, DA
REVISTA MOÇAMBIQUE DOCUMENTÁRIO TRIMESTRAL E DO
INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DE MOÇAMBIQUE NA
DIVULGAÇÃO DA PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA
O apelo para a criação da Sociedade foi feito pelo Eng o António Joaquim de
Freitas, na altura Chefe de Repartição de Minas e que viria a ser o sócio
número 1, ao qual aderiram 102 individualidades de diversas áreas espalhados
pela colonia e que incluíam adesões de residentes de então Lourenço Marques,
Gaza, Inhambane, Zambézia, Territórios de Manica e Sofala, Tete, Moçambique
e Niassa. Do grupo inicial de entusiastas constavam oficiais da marinha e do
exército, especialistas em agronomia, medicina, veterinária, advocacia,
astronomia, arquitectura, comércio, química e professores (Machava 1990: 84).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Os principais órgãos da Sociedade de Estudos de Moçambique eram a
Assembleia Geral, o Conselho Fiscal, a Direcção e as Secções de Estudo e
Trabalho (Machava 1990: 84).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
Com a criação dos Estudos Gerais Universitários/Universidade de Lourenço
Marques, o IICM colaborou com a universidade, mas sempre se manteve como
instituição independente. Investigadores do IICM regiam cadeiras ou
ministravam palestras para estudantes da Universidade, e estes e outro
pessoal académico tinham acesso à biblioteca do IICM. O objectivo maior do
Instituto era a investigação científica, tecnológica, económica e sociológica. O
seu campo de pesquisa compreendia os ramos das ciências biológicas, ciências
da terra e as ciências sociais, sendo que, na década de 1950, era o único
organismo em Moçambique em cuja estrutura foi considerado o estudo das
ciências sociais e humanas (Fernandes 2012: 111).
Nos finais de 1960, o IICM começou a publicar os estudos nas diferentes áreas
em que estava envolvida, através de publicações na qual o IICM era editor ou
co-editor, que variavam desde as ciências da terra, passando pelas biológicas
até às ciências sociais e humanas1. De entre essas publicações destacam-se
1
Nesse conjunto de publicações podem se apontar: o Boletim do Centro de Documentação
Científica; o Memórias do Museu Álvaro de Castro; o Novos Taxa Entomológicos; o Publicações
de Informação e Divulgação; a Revista de Entomologia de Moçambique; a Revista de Biologia; e
o Trabalhos do Instituto de Investigação Científica de Moçambique.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
algumas que publicaram material relativo à antropologia, nomeadamente a
revista Memórias do Instituto de Investigação Científica de Moçambique, a
revista Boletim do Instituto de Investigação Científica de Moçambique e a revista
Boletim do Museu de Nampula. Para além dessas revistas, o IICM publicou
ainda outras pesquisas antropológicas em forma de monografias ou
colectâneas.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
argumento de desmitificação do colonialismo português em cinco
aspectos, nomeadamente: (i) uma descrição do regime de Indigenato;
(ii) as questões relativas ao controle do indígena; (iii) a educação; (iv) o
trabalho forçado; (v) o trabalho migratório e o cultivo forçado do
algodão.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
No ano seguinte, 1959, Marvin Harris publica o ensaio Labour
Emigration among the Moçambique Thonga: cultural and political
factors. Da publicação desse ensaio surge a polémica com António
Rita-Ferreira a partir de 1960 em torno da interpretação do fenómeno
do trabalho migratório em Moçambique.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
diário, pedindo auxílio a quem lhe pudesse indicar uma comunidade
acessível. Logo acorreu o pintor Malangatana que a convenceu a
estabelecer-se na sua terra natal, em Matalana, perto da capital. Martha
alugou aí uma ampla palhota, admitiu cozinheiro e um intérprete que
fora instrutor do ensino rudimentar numa missão protestante. Martha,
que já falava e compreendia o chi-ronga e já havia sido integrada na
comunidade local conseguiu assim recolher o material precioso e
abundante que serviu de base à sua tese de doutoramento.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
estabelecerem contacto com os responsáveis da administração local e
autoridades tradicionais e assim obterem autorização para que David
desenvolvesse um estudo antropológico na região conhecida como
Mucumbeni, um pouco para o interior de Inharrime. O trabalho
decorreu nas povoações de Nyakwaha, entre Nyatsiku, Mangani e Seven
Jack (Glenda Webster 2009: 417).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
O uso dos métodos de pesquisa antropológica junto das pessoas como
pesquisador expôs Webster à exploração directa dos trabalhadores
negros pelo governo e pelo mundo de negócios. Isto levou-o a integrar a
sua crítica académica às políticas públicas governamentais sul-africanas
com o activismo político da luta anti-apartheid
(http://www.sahistory.org.za/people/david-joseph-webbster).
Assim, nos anos 80, Webster era muito activo no movimento anti-
Apartheid, especialmente para a Detainees’ Parents’ Support Committee
(DPSC), uma organização advogando a libertação dos presos políticos
mantidos sem julgamento na África do Sul (wikipedia). Ele ficou
conhecido por organizar encontros sociais conhecidos como “David
Webster tea parties”, cujo objectivo era de encontrar formas criativas e
inteligentes para apoiar a luta de libertação dos detidos. Procurava
juntar as famílias dos detidos para partilhar informação relevante de
modo a obter novidades e obter rastos dos detidos e desaparecidos.
(http://www.sahistory.org.za/people/david-joseph-webbster).
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
considerado culpado em 1998 e condenado a duas penas de prisão
perpétua mais 63 anos de cadeia por um número de crimes, incluindo o
assassinato de Webster. Milhares de pessoas assistiram ao funeral de
Webster na St Mary’s Anglican Cathedral (wikipedia).
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Os interesses de David foram se afastando gradualmente das “cidades-
satélites” do trabalho migratório para se aproximarem das ‘metrópoles”
sul-africanas, em particular do Witwatersrand, em cuja universidade
continuava a ensinar. Começou a produzir uma serie de textos curtos,
que poderão ser considerados mais jornalísticos, cujo principal objectivo
era demonstrar as falhas do apartheid na África do Sul, do seu sistema
de saúde ou do provimento alimentar. Mas David continuou interessado
em Moçambique, onde viviam então muitos membros do Congresso
Nacional Africano e do Partido Comunista da África do Sul, alguns deles
na condição de exilados. Tanto as ligações de David em Moçambique
como o carácter radical da sua transformação enquanto vivia na Grã-
Bretanha alimentaram a especulação de que, a dado momento, teria sido
recrutado para o Umkhonto we Sizwe do ANC ou do SACP, ou mesmo
para ambos. Foi aproximadamente na altura em que regressou à África
do Sul que Ruth First, membro do SACP, escreveu a David manifestando
interesse no seu texto sobre o colonialismo, o subdesenvolvimento e o
trabalho migratório em Moçambique e pedindo-lhe ajuda a respeito de
fontes para o livro que então preparava sobre um tema semelhante, mais
tarde publicado como Black Gold (James 2009: 432).
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Webster, Glenda. 2009 “Dossier Fotográfico” in David J. Webster A
Sociedade Chope: Indivíduo e aliança no Sul de Moçambique – 1969-1976.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais pp. 417-418
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Montenegro e Kosovo) e Grécia (1960), Suécia e Noruega (ca. 1961).
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educacional, mas obrigava-as a ter um superior português e a cooperar na
política de assimilação dos africanos à cultura portuguesa (Baur 2014: 347).
“[...] nos anos que decorreram entre 1930 e 1940, vários Missionários
Franciscanos frequentaram as aulas de Etnografia e Etnologia coloniais,
Política Indígena, Higiene tropical e de Construções e Topografia da
Escola Superior Colonial. [...] De não menor importância social e afectiva
se revestiu a passagem dos Franciscanos pela Escola Superior Colonial.
É que os laços amigáveis, criados e mantidos, entre eles e os seus
condiscípulos leigos, futuros funcionários do Ultramar, têm produzido os
melhores frutos: nas regiões coloniais mais distantes, a cada passo, se
têm encontrado e auxiliado mutuamente, na espinhosa empresa a que se
hipotecaram, uns e outros possuídos e irmanados no mesmo espírito de
missão”.
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Antropologia em Moçambique – Texto de Apoio no 3 – 2018 - Johane Zonjo
É neste novo quadro, que muitos missionários produziram e publicaram
estudos de natureza antropológica sobre os diversos grupos etno-linguísticos
de Moçambique, cobrindo as regiões norte, centro e sul do país.
Luís Wegher que produziu a obra Um Olhar Sobre o Niassa, editada em dois
volumes. Esta obra resulta de uma convivência do sacerdote de 55 anos de
trabalho na província do Niassa. Trata-se de uma obra que se focaliza sobre os
vários grupos etno-linguísticos do Niassa, mas com maior incidência sobre os
Yao.
Essa tese viria a ser publicada em forma de obra sob o título O Povo Macua e a
sua cultura: análise dos valores culturais do povo macua no ciclo vital – Maúa,
Moçambique 1971-1985. As principais fontes utilizadas na obra são de Maúa,
um distrito da província de Niassa, onde o autor teve no povo a sua primeira
fonte, participando no seu dia-a-dia, bem como em alguns professores-
catequistas. Para além de Maúa, Lerma trabalhou no distrito de Cuamba
(1974-1980), na zona habitada pelos macuas. Trabalhou ainda noutros
distritos macuas do Niassa, nomeadamente Marrupa, Cuamba, Mecanhelas,
parte de Mandimba e parte de Majune. Um terceiro grupo de fontes de
informação é constituído por pessoas não moçambicanas que aqui trabalharam
e estudaram a língua e a cultura macua (Martínez 2009: 23).
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O trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta uma visão
geográfica e humana de Maúa. Em três capítulos retrata Maúa (Cap I), o povo
macua, sua formação, história e cosmovisão (cap. II), a organização social
(parentesco, filiação) e política (cap. III). A segunda parte, dividida em seis
capítulos, focaliza-se no ciclo vital: o nascimento (cap. I), a iniciação masculina
(cap. II), a iniciação feminina (cap. III), o casamento (cap. IV), a doença e os
ritos de cura (cap. V), a morte e os ritos fúnebres (cap. VI). A terceira parte
trata da dimensão religiosa, como o alicerce de todo o ciclo e de todos os
valores culturais, contém três capítulos, nomeadamente o Ser Supremo (cap. I),
os intermediários (cap. II), e o sacrifício tradicional (cap. III) (Martínez 2009:
24).
Referências bibliográficas
Martínez, Francisco Lerma. 2009. O Povo Macua e a sua cultura: análise dos
valores culturais do povo macua no ciclo vital – Maúa, Moçambique 1971-1985.
Maputo: Paulinas Editorial
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em Inhamízia, cidade da Beira, no Centro de Nazaré, altura em que os Padres
Brancos foram expulsos de Moçambique pelo regime colonial, por afirmarem o
direito dos povos à liberdade e se oporem à instrumentalização do cristianismo
contra esta liberdade. Passou depois 4 anos na Tanzania e regressou a
Moçambique em 1975, depois da proclamação da Independência nacional e foi
trabalhar em Inhaminga. Em 1977 deixou de ser padre e casou-se, mas
continuou em Maputo no Ministério da Educação e Cultura até inícios de
1985.
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4.3. PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA DE MISSIONÁRIOS NA ZONA SUL DE
MOÇAMBIQUE
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