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Megaprojectos versus Conflito social em Cabo Delegado: os filhos dos “esquecidos” vivem ou

morrem?

Fernando André Muzime1

Neste ensaio discute-se “o papel do Estado no impacto dos megaprojectos” localizados na zona
norte do país, sobretudo, em regiões habitadas por Macondes “esquecidos2” e o abrupto retorno
ao conflito de 2017, após a guerra de destabilização (1976-1992). Parte-se do pressuposto de que
este conflito, de origem étnica, motivado por desigualdades sociais e económicas, tem alicerces
no modus operandi do terrorismo internacional. Este estudo é conduzido sob o ponto de vista
Necropolítico de Mbembe (2018), isto é, sobre a soberania, a que é percebida como expressão
máxima de poder e capacidade de decisão de quem deve viver e quem deve morrer. Pautou-se
por esta corrente política, por julgá-la fecunda para a compreensão do conflito localizado em
Cabo Delegado, relacionando-o aos conceitos de guerra, vingança, sacrifício, terror, etc. Não se
traz soluções categóricas para este conflito, no entanto, sugere-se, principalmente, duas
perspectivas de intervenção, a primeira das quais consistiria numa negociação interna inclusiva,
na base do diálogo franco, sem o envolvimento da comunidade internacional, e a segunda, em
que olhando para o recrudescimento do conflito e das estratégias de operação dos “insurgentes”,
uma “inteligência” ofensiva militar teria lugar, com o apoio da comunidade internacional.

Palavras-chave: Necropolítica, Megas Projectos, Conflito, Estado.

1
Doutorando em Educação na Universidade Eduardo Mondlane
2
Princípio de exclusão étnico, em que os nativos são privados do direito de uso e aproveitamento dos recursos
naturais, fonte de renda
Contextualização

Moçambique é um país da África Austral limitado à Norte pelo rio Rovuma que o separa da
República Unida da Tanzânia, a Sul pela República da África do Sul, a Este pelo Oceano Indico,
Oeste esta limitado pelo Zimbabwe e África do Sul, a Noroeste é limitado por Malawi e Zâmbia
e a Sudoeste é limitado por África do Sul e Swazilândia, (vide o mapa1).

Mapa 1: limites geográficos de Moçambique

lagoas pântanos, (Ministério de Educação e


Desenvolvimento Humano, 2017). Das 11
províncias que constituem o País, neste
ensaio, olha-se de forma específica a
Província de Cabo delegado, principalmente,
por duas razões: (i) a concentração de
O país é constituído por11 províncias
megaprojectos e (ii) desenvolvimento
distribuídas numa superfície total de 788.38
económico e social retrógrado acompanhado
km2, sendo que, 786. 380 km2 correspondem
pelo conflito social. A capital, cidade de
a terra firme e 1300 km2 são ocupados por
Pemba localiza-se a 2600 km a norte de
água interiores constituídos pelos rios, lagos,
Maputo, capital do país (vide mapa 2).

Mapa 2: Província de Cabo Delegado

Estende-se numa área de


82 625 km2 e tinha até ao
ano de 2017 uma
população de 2.333.278
habitantes, distribuída em
17 distritos e, por sua vez,
5 municípios,
nomeadamente: Chiúre,
Mocimboa da praia,
Montepuez, Mueda e
Pemba4.

Fonte: Governo da Província de Cabo Delegado3


4

Pt.wikipedia.rg/wiki/Cabo_Dele
3
https://www.cabodelgado.gov.mz/por/A-Provincia/Geografia gado_ (província)
Desde o final da guerra dos 16 anos com assinatura dos Acordos Geral de Paz, pelas partes
beligerantes, o governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a Resistência
Nacional de Moçambique (Renamo) em Roma, no ano de 1992, o país vinha registando
melhorias, (Mussagy, 2013). Só para se ter uma ideia, Mussagy (12013), apresenta uma variação
nominal da produção global do país de 8.1% ao ano desde 1993.

Em seguida, na década de 2000, os megaprojectos ganharam espaço no território moçambicano,


no caso da descoberta de extensas reservas de gás natural, sob égide da Anadarko Petroleum,
mais tarde a petrolífera Italiana Ente Nazionale Idrocarburi SpA o que de certo modo colocou o
país no ranking dos países com maiores reservas de gás natural, depois da Rússia, Irão e Qatar,
(Mussagy, 2013).

Sem dúvida, o país vinha conhecendo um novo progresso social e económico, todavia, na
província de Cabo delegado, onde se encontram localizados os megaprojectos vive-se um clima
de medo, terror, vingança, senão vejamos: em Outubro de 2017, houve a destruição de três
postos da polícia em Mocimboa da Praia, em Dezembro do mesmo ano, houve ataque nas aldeias
de Mitumbate, Makulo e em Mocimboa da Praia. No primeiro semestre de 2018, houve ataque
no distrito de Palma, onde dez pessoas morreram e algumas decapitadas. No segundo semestre,
do mesmo ano, dezenas de aldeias incendiadas, inúmeras pessoas mortas e centenas gravemente
feridas. Em 2019, nada mudou, o grupo terrorista ficou cada vez mais intenso e coeso nos seus
ataques com mais elementos e muitos deles vindos da Tanzânia e da Somália5.

Diante do cenário acima descrito, surgem as seguintes inquietações: porquê o terror nesta
província? Com a presença dos megaprojectos esperava-se um desenvolvimento social e
económico sustentável. No entanto, acontece o contrário, o que falhou? Que possíveis passos
possam ser avançados para mitigar o conflito?

A partir da Necropolítica de Mbembe (2818), este estudo busca reflectir sobre o papel do Estado
na regulação das parcerias com as transnacionais, olhando, aos megaprojectos localizados na
zona norte do país, sobretudo em regiões habitadas por Macondes “esquecidos 6” e o abrupto
retorno ao conflito de 2017, após a guerra de destabilização (1976-1992). De forma histórica e

5
https//p.dw.com/p/3BDIJNoticia/Moçambique, 09.01.2019.
6
Princípio de exclusão étnico, em que os nativos são privados do direito de uso e aproveitamento dos recursos
naturais, fonte de renda
etnográfica analisa-se a sucessão dos factos que colocam a população, em particular, da
província de Cabo Delegado, em situação de vulnerabilidade, fome, desespero, incerteza, etc.
acarretando, não só, as somas avultadas nos cofres do Estado, assim como, a perca do tecido
social (militares e civis).

O Estado e Necropolítica de Mbembe

Para a melhor compreensão e avaliação das políticas púbicas sociais implementadas por um
governo é fundamental a concepção do Estado e de política social que sustentam tais acções e
programas de intervenção, (Hofling, 2001). A sociedade, às vezes, tem-se equivocado na
distinção entre Estado e Governo. Neste caso, recorre-se a distinção feita por Hofling (2001).
Esta autora entende que governo7 refere-se a um conjunto de programas e projectos que políticos,
técnicos, organismo da sociedade civil e outros propõe para a sociedade como um todo,
configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as
funções do Estado por um determinado período ao passo que Estado refere-se conjunto de
instituições permanentes- como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam
um bloco monolítico, necessariamente, que possibilitam a acção do estado.

As definições clássicas do Estado são as de Webber (2002), Marx & Engels (2002). O primeiro
considera o Estado como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do
uso legítimo da força física dentro de um determinado território (p.56) ”. Marx e Engels definem
o Estado “como comité executivo para administrar os assuntos comuns da burguesia”. Olhando-
se para as duas concepções denota-se o Estado com o poder de decisão e resolução dos assuntos
que embaraçam a sociedade.

Sendo que o Estado encontra-se revestido do poder, segurança e defesa do país, elaboração das
políticas sociais de desenvolvimento, qualquer falha que for a cometer lhe é atribuída a
consequência dado a sua soberania. Mbembe (2018) aborda sobre a soberania, a qual é percebida
como expressão máxima de poder e capacidade de decisão quem deve viver quem deve morrer.
A partir das proposições foucaultiana sobre a governamentalidade, em particular do
neoliberalismo, Mbembe desenvolve sua epistemologia sobre a produção e reprodução
capitalista.

7
O Governo da República de Moçambique é o conselho de Ministros, (art. 200 da Constituição da República, 2004)
Acredita-se que a Necropolítica de Mbembe (2018), nos possibilita a reflectir sobre as técnicas e
dispositivo da mentalidade de governos contemporâneos, relacionando-as ao conceito de guerra,
resistência, sacrifício e terror. Mbeme aponta os exemplos de terror durante a revolução francesa,
do regime da escravidão e o apartheid na África do Sul e, especificamente, fornece-nos lentes
epistemológicas para reflectir sobre o conflito social/ terrorismo internacional localizado em
Cabo Delegado.

O Estado moçambicano e a globalização.

Historicamente, a África foi um destino ideal para a expansão europeia, mas um pouco antes, os
Árabes já se encontravam em alguns pontos estratégicos da áfrica, no caso concreto de
Moçambique na zona costeira, norte do país para fins comerciais. Este cenário influenciou o
desenvolvimento de hábitos culturais, religiosos islâmicos, aliás, a comunidade islâmica
simboliza o panorama social e histográfica da província de Cabo Delegado através dos seus laços
remotos de cooperação.

De acordo com Silva et al (2015), as rotas costeiras do Índico africano veiculam e cruzam
culturas distintas permitindo, não só, a difusão, mas também, a osmose de saberes ancestrais e
sempre foram caracterizados, por um lado, como espaços de conflitos e rivalidades ideológicas,
económicas e por outro, como vias de entradas para poderes hegemónicos (ocidente).

Foi de facto, por estas rotas que facilitaram a chegada dos europeus à Moçambique e, assim,
começava o processo da colonização do país. O processo da libertação do país culminou com a
vitória da Frelimo. Neste sentido, a Frelimo assumiu o poder em 1975 e, por ocasião do seu III
Congresso, realizado em 1977, definiu o Estado-nação moçambicano deveria ser socialista: uma
sociedade livre da exploração do homem pelo homem, sustentado nos princípios universais do
marxismo-leninismo, (Gonçalves, 2005).

Já em 1980, o país entra em crise devido, a fome e a guerra de destabilização, isto é, “entre 1981-
1986, a produção geral caiu por cerca de 30% e as exportações por cerca de 75% […] forçando o
país a um pesado fardo de endividamento” o que parece ter influenciado ao Estado moçambicano
a abandonar a visão inspirada no socialismo, da modernização forçada e do desenvolvimento
económico, Abrahamsson (2001 apud Taimo, 2010, p.128).
Durante o processo de libertação da África, o governo de Moçambique desempenhou um papel
importante na luta pela independência da Rodésia (Zimbabwe) sob a dominação da Grã-Bretanha
em 1979. Foi neste processo que o estadista moçambicano (Samora Machel) e a estadista
britânica (MargarethTatcher) passaram a ter relações privilegiadas o que condicionou a ajuda do
governo moçambicano considerado comunista a ser admitido nas instituições financeiras
internacionais. Dado este facto, o Estado foi admitido ao FMI no dia 24 de Setembro de 1984 e
concedido o primeiro empréstimo pelo BM no valor de 45.5 milhões de dólares americanos no
dia 18 de Junho de 1985 para a reabilitação da sua economia, (Taimo, 2010).

O discurso de Gonçalves, mostra as diversas metamorfoses de influência da política externa


dentro das directrizes políticas do Estado, portanto, a partir da década de 1980, a influência
externa, já na vertente económica passou a ser o volante das políticas sociais em Moçambique
sob égide do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Seriam os sinais da política
externa em Moçambique (Globalização)?

Quanto a globalização Carnoy (2002, p.29), questiona-se “Será que o poder do Estado fica
enfraquecido pela globalização?” Sim, porque a concorrência económica mundial incita os
Estados a promover uma política económica que favoreça a competitividade globalizada em
detrimento de uma política que estabilize a configuração da economia nacional, inclusive a
coesão social (Castells, 1997).

Para Carnoy (2002) com a globalização, o Estado é obrigado a tornar sua própria economia
atraente para a grande quantidade de capitais em circulação pelo mundo no espaço dos fluxos, o
que pode conduzir uma reformulação do orçamento e da política monetária com medidas menos
favoráveis à população economicamente activa e aos consumidores do que aos beneficiários de
juros de aplicações financeiras. O autor salienta ainda que, a globalização obriga aos Estados a
desempenhar um papel de promotores de crescimento em prol da economia nacional e não de
promotores da identidade nacional ou de um projecto nacionalista. O projecto de Estado-nação
tem tendência a limitar-se a garantir o crescimento do lucro material total avaliado na escala
nacional, ao mesmo tempo que presta muito menos atenção à promoção da igualdade de
tratamentos entre diferentes grupos étnicos implantados no interior das fronteiras nacionais ou
das regiões.
Portanto, pode-se afirmar, que a globalização, na vertente económica, no Estado moçambicano
dá seus primeiros sinais na década de 1980 sob direcção do estadista moçambicano, primeiro
presidente da República Popular de Moçambique e que, seus impactos revelam-se com grande
magnitude a partir da década de 2000 até aos dias de hoje.

Os Megaprojectos e o desenvolvimento local (quem foi esquecido?)

Constata-se um debate aceso sobre a nomenclatura destes projectos. As empresas


“transnacionais” (Amin, 1998 apud Carnoy, 2002) não são transnacionais, mas sim
“multinacionais” (Cranoy, 1993). Para Carnoy (2002), o qualificativo transnacional significa que
tais empresas vão além do território nacional, enquanto, o termo multinacional indica que elas
conservam uma parcela bastante ampla de seu activo no circuito da respectiva economia
nacional. Para este autor, a questão das multinacionais é tributária da política económica
nacional. Neste trabalho, não se entra em debate sobre as designações, portanto, privilegia-se a
designação de megaprojectos, por ser a nomenclatura vigente e que dá titulo a esta conferência.

Megaprojectos são actividades de investimentos e produção complexa que geram várias


incertezas e com características muito especiais (Mussagy, 2013). Para Castelo-Branco (2008),
refere-se aos projectos de grande magnitude e que criam impacto nos negócios próximos,
residências e ambiente. O seu orçamento é definido por montante de investimento (acima de
US$500milhoes) e o impacto na produção e no comércio é enorme.

Tanto Mussagy (2013), assim como, Castelo-Branco (2008) referem que os megaprojectos são
de grande rendimento, o que pressupõe mão-de-obra qualificada. Se olharmos a população nativa
de Cabo Delegado a maioria vive de agricultura de pequena escala, comércio, artesanato, pesca e
apresenta um nível de informação e formação insustentável no mercado de emprego
internacional. De acordo com Conceição (2006) esta população é formada por
pescadores/marinheiros, armadores, construtores de barcos, mas também, por mercadores.
Porém, possuem uma riqueza de recursos minerais no seu território onde as transnacionais
buscam rentabilizar o capital financeiro, facilitados pelo Estado (moçambicano).

Se as transnacionais adoptam as modalidades internacionais de recrutamento de capital humano


(recrutamento via emails, pedido de especialização em área de formação, experiência de ter
trabalhado em empresas internacionais, etc) certamente, por falta, primeiro de informação e
segundo, por falta de formação os nativos serão esquecidos a favor dos que já pelo menos já tem
essa noção, a maioria proveniente da cidade capital para não falar dos estrangeiros.

Sobre este ponto, Carnoy (2002) refere que a globalização marginaliza ainda mais numerosos
grupos que não estão preparados para um desenvolvimento económico, fundado no saber. Por
seu turno, Castelo-Branco, acrescenta que os megaprojectos são vistos como uma causa de
desenvolvimento, isto é, não criam emprego em correspondência com a magnitude dos projectos,
apresentam pouco impacto no alívio da pobreza, assim como, marginalizam as empresas
nacionais. Esses “marginalizados”, “esquecidos” podem apesentar perigo a paz no país e,
geralmente, podem ser instrumentalizados por facções ligadas ao terrorismo internacional, dado,
o seu acto de vulnerabilidade, associado à vingança em defesa da igualdade de benefícios.

A globalização e a tendência de internacionalização do conflito em Cabo Delegado.

O terrorismo intensificou no século XX, quando houve maior expressão da prática do terrorismo,
acompanhada pela primeira guerra mundial desencadeada pelo bloco capitalista e socialista. De
acordo com Gabriel et al (s/d), surgiram diversas organizações financiadas por estes blocos, no
caso da Al Qaeda que outrora teve membros financiados pelo serviço secreto dos EUA para
enfrentar o exército soviético no Afeganistão durante a guerra fria. Portanto, no século XXI, a
própria Al Qaeda reivindicou-se contra os EUA, em 2001, dando uma nova cara ao terrorismo
mundial.

Para Gabriel estes autores, dentro desse novo terrorismo surgem organizações que têm como
objectivo substituir a forma do governo de seus países por formas de governos mais ligados a
religião, principalmente, nas regiões do Oriente Médio, por exemplo, o caso, da revolução
iraniana, em 1979 que marca o surgimento do terrorismo religioso.

Existe uma bifurcação de opiniões quanto a concepção do terrorismo, sendo que depende muito
mais de como cada país o define. Visacro (2009) salienta que “o facto de qualificar os seus
oponentes como terrorista, por si só já é uma vitória” (p.281). Para Gabriel et al (s/d) trata-se de
uma guerra irregular. De acordo com Visacro (2009) guerra irregular “é todo o conflito
conduzido por uma força que não dispõe de uma organização militar formal e sobretudo de
legitimidade jurídica institucional” (p.13).
Se tomarmos em consideração os factos que se sucedem na província de Cabo delegado, a
definição de Visacro (2009) é assertiva para qualificarmos de uma guerra irregular de dimensão
internacional, isto é, o modus operandis deste conflito, pode-se qualificar como actos de terror e,
por envolver individualidades fora do país, pode-se também qualificar como terrorismo
internacional. Ora vejamos, segundo o estudo efectuado pelas Nações Unidas, as operações em
Moçambique são planeadas e comandadas a partir da República Democrática do Congo. Os
estudos apontam ainda que nos finais de 2019, o Ansar Al Suura8 em Moçambique foi acrescido
ao Estado Islâmico da província da África Central, um ramo de Madina Tawheed Wal
Muhahedeen (MTM) que continuou a evoluir nas ameaças. Ainda em Julho de 2019, o MTM
reformulou-se através da mudança do seu logótipo com o Estado Islâmico do Iraque e Síria
(ISIS). Trata-se de um grupo que conta com 2000 membros, localmente, recrutados e terroristas
estrangeiros de Burundi, Chade, República democrática do Congo, Eritreia, Quénia,
Moçambique, Ruanda, Somália, Tanzânia e Uganda9.

Estes dados, evidenciam a dimensão internacional deste terror, assim como, ocaso de 11
tanzanianos julgados em conexão com o conflito e um sul-africano (Andre Hanekom) também
suspeito no fornecimento das condições logísticas aos terroristas.

Nestes tipos de guerra, a população é vista como um trampolim para revindicação das falhas nas
lideranças governamentais, onde a morte constitui o saldo a destacar. Os insurgentes passaram a
sustentar o trabalho da morte, o que Hegel (2002) define a vida do espírito. Para Hegel, a vida do
espírito não é aquela vida que tem medo da morte e se poupa da destruição, mas aquela que
pressupõe a morte e vive com isso (suicidas), daí a metáfora do luxo e do “carácter luxuoso da
morte” (Mbembe, 2018 p.14).

Para Arendt a política da raça esta relacionada com a política da morte “A raça é, do ponto de
vista político, não o começo da humanidade mas o seu fim […] não o nascimento natural do
homem mas a sua morte antinatural” (p,232). Lógico, Estado Islâmico, parece-nos que esteja
muito relacionado com a política da morte.

8
Grupos de militantes islâmicos activo em Cabo Delegado
9
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Para Zygmunt Bauman (1999) as guerras de globalização não visam a conquista, aquisição e
gerência de um território, são ataque relâmpago. Procuram forçar o inimigo a submissão
ignorando os efeitos e consequências imediatas de suas acções militares, principalmente, sobre a
vida dos civis, criando “mundo de morte”.

Megaprojectos, conflitos. Que possíveis meios alternativos à resolução

De acordo com Costa (2015, p.4), conflito “é um embate, uma discussão, uma luta, pode ainda
simbolizar elementos de oposição em um jogo de forças, mas ele é, antes de tudo, uma relação
interpessoal, consistindo em uma forma de interacção social”. Para Jares (2001, p.43), o conflito
“é um tipo de situação em que as pessoas, ou grupos, buscam ou idealizam metas opostas,
afirmam valores antagónicos ou tem interesses divergentes”.

Dos conceitos de conflito apresentados percebe-se que alguns associam o conflito com marcas de
violência (embate, luta e jogo de força) exemplos retirados do conceito de Costa (2015) ao passo
que Jares (2001) o associa a incompatibilidade de interesses. Nesta reflexão vê-se o conflito
como “jogo de forças” devido a valores ou interesses (poder) antagónicos.

Qualquer conflito deve-se resolver. Para Oliveira (2007), resolução de conflitos trata-se de uma
corrente inovadora, assente na própria resolução de conflitos, de forma pacífica e não violenta,
em que, o principal objectivo, é produzir resultados positivos para ambas as partes. Para
GIRARD & KOCH (1997) apud Oliveira (2007:52), a resolução de conflitos é vista como um
conjunto de procedimentos que empregam técnicas de comunicação e de pensamento criativo
para que consigam construir soluções aceitáveis para as partes envolvidas. Para estes autores, o
processo de resolução abrange a, negociação10, mediação e a conciliação.

Para o caso de Cabo Delegado, onde regista-se o recrudescimento do conflito à escala mundial e,
por sua vez, uma das partes conflituantes não se identifica, sugerimos as seguintes alternativas
para a resolução:

(i) Inclusão social e profissional local

10
É um processo de resolução de conflitos mediante o qual duas ou mais partes em conflito procuram chegar a
algum tipo de acordo. Esse acordo pode ser totalmente satisfatório para ambas as partes, ou chegar-se a um consenso
em que ambas as partes cedem algo para chegarem a um ponto que não será exactamente, o que queriam, mas que
basta para solucionar o conflito” ao passo que mediação consiste na intervenção de uma terceira parte, o mediador,
aceites pelos intervenientes e sem qualquer poder de decisão sobre as partes envolvidas no conflito (Jares, 2001).
Se dentro de um país existem grupos ou pessoas que se sentem marginalizados ou “esquecidos”
pelo governo, logicamente, estes servirão como ponto de contacto com o grupo terrorista de
escala internacional, conforme defendem Gabriel et al (s/d) ao referir que os alvos de
recrutamento são sujeitos em crise ou com conflitos internos que muitas das vezes não se
enxergam inseridos na sociedade.

Conforme o que anteriormente foi descrito, a população de Cabo delegado precisa de uma forte
política de desenvolvimento social, de modo que todos os extractos sociais se sintam dono de
terra. Uma vez esta colaboração com a comunidade, por sua vez, esta comunidade fica vigilante
a qualquer indivíduo que se manifeste contra as políticas do Estado.

Quanto a inclusão profissional, o Estado deve não só sensibilizá-los que a vida faz-se nos
megaprojectos, mas sim, desenvolver acções concretas, tangíveis segundo as habilidades desta
população e que ganhem de forma visível pelas suas acções, no caso de desenvolvimento da
agricultura mecanizada em todos territórios aráveis da província, desenvolvimento da pesca
industrial que por suas habilidades muitos nativos estariam enquadrados e formação obrigatória
para a comunidade.

O desenvolvimento destas actividades com rigor profissional seria também extensivos para a
área da construção civil, electricidade entre outras áreas de actividade. Estas políticas podem
permitir a circulação interna do capital financeiro.

(ii) Estrutura flexível para a negociação sem a inclusão da comunidade internacional

Acreditamos que desde o início deste conflito as autoridades policiais já entregaram alguns
indivíduos associados nestes conflitos às instituições de justiças. Provavelmente, ao recurso de
algumas estratégias de pressão, estes já divulgaram alguns cabecilhas a nível interno. Através
destes nomes, que podem não ser simples indivíduos, mas sim indivíduos com informações úteis
ao Estado e, que por sua vez, sentem-se “marginalizado” dever-se-ia a nível local encontrar-se
meio-termo, não para julgá-los, mas sim, para encontrar alternativas de compartilha do poder.
Tendo em conta que algumas forças externas estão preocupados também pela rentabilidade deste
fenómeno, colocamos a hipótese de não enquadrá-las logo às primeiras negociações.

(iii) Inteligência na ofensiva militar, com apoio externo.


Esgotadas todas alternativas possíveis, pode-se recorrer inteligência militar ofensiva. Inteligência
aqui refere-se o uso da ofensiva militar com material bélico de alta tecnologia e que os militares
devem estar também, suficientemente, preparados para o maneio de tal equipamento tecnológico,
dado que, a nova cara do terrorismo, mostra-se muito avançado no uso deste material, alais, o
recrutamento, treinamento, passou a ser realizado no espaço cibernético, (Gabriel, et al , s/d).

Nesta fase, considerando que a inteligência militar do Estado moçambicano pode não estar
preparado para defrontar-se com este tipo de terrorismo, aconselha-se a cooperação do Estado ou
ainda aliar-se aos países com experiência deste tipo de conflito e a uma indústria militar,
tecnologicamente, avançada para não só, dar assistência aos recursos humanos, mas também,
através da sua força militar e tecnológica operar no terreno. Neste ponto chama-se uma
responsabilidade ao Estado, assim como, aos aliados em observar seus acordos bilaterais para
que as ambas partes saiam satisfeitos.

Considerações finais

O conflito localizado em Cabo delegados tem origem étnica devido ao papel enfraquecido do
Estado, sobretudo, em duas linhas de análise: (i) políticas de desenvolvimento sociais, que
permitiram uma má distribuição equitativa dos recursos naturais a nível nacional e (ii) regulação
das políticas internacionais no contexto nacional. Sendo que o Estado apresenta a expressão
máxima do poder, associa-se na necropolítica, em que este deve decidir quem deve morrer quem
deve viver.

No que diz respeito a fragilidade do Estado na regulação da política internacional, no contexto


nacional, emergem conflitos étnicos ao plano local, que por sua vez, os “marginalizados” ou
“esquecidos” ligam-se às redes sociais do terrorismo internacional, caso concreto, da situação
dramática localizada em Cabo Delegado.

Assumindo o conflito, como terrorismo internacional, ele não visa conquistar o território, mas
sim, (i) provocar uma instabilidade social, económica e política de modo a forçar o Estado a
ceder a fiscalização e a circulação de produtos dificilmente traficáveis por um grupo de
magnatas, detentores de poder, distribuídos pelo mundo todo, que provavelmente, não se deram
bem nas negociações com o Estado; (ii) demostrar o poderio militar e estratega do Estado
islâmico, (iii) criar clientes para a rentabilização da indústria militar, dado o envolvimento das
potências externas.

Como consequência, os estados de fornecimento de material bélico “fabricam” somas avultadas


de capital financeiro, por isso, este conflito parece-nos que já será difícil de terminá-lo, tendo em
conta, as suas implicações de rentabilidade para a indústria militar, isto é, onde as melhores
potências económicas do mundo estão directa ou indirectamente envolvidas.

Acredita-se que a vontade do Estado existe para mitigar este conflito, no entanto, não basta
limitar-se em discursos teóricos, mas sim, em acções visíveis onde a sociedade moçambicana é
integrada e informada. Não estamos a amputar a responsabilidade do conflito ao Estado, mas
sim, chamar atenção ao seu papel regulador, não só em desdobramento teórica das políticas de
desenvolvimento sociais em realidade tangíveis para o povo moçambicano, mas também, na
regulação dos interesses internacionais com vista a frear a marginalização provocada pelas
políticas de desenvolvimento.

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