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Ficha de leitura

Docente: Dra. Margarida Paulo

2ºAno 2º semestre

Referência bibliográfica

Hollis, Martin. 1977. "Two Models". In: Models of Man Philosophical Thoughts on
Social Action, pp. 1-21. Cambridge: Cambridge University Press.

Hollis (1977), apresenta o comportamento inerente a uma sociedade. Este aborda em


duas vertentes onde o primeiro modelo do homem económico é o homem plástico ou
passivo e o segundo é o homem autónomo ou activo. No primeiro modelo refere-se a
um ser receptor daquilo que são as leis ou normas, é um ser dependente do lugar onde se
encontra porque é um ser natural e não racional, é homem de causa e efeito. E no
segundo modelo refere-se ao homem autónomo, diferente do passivo porque é natural e
racional cuja racionalidade permite o homem autónomo dominar, manipular e tirar
proveitos da natureza a qual se encontra inserido.

Hollis (1977), frisa que no seio das sociedades sempre foi movido há esses dois
modelos de homem que fazem parte das teorias de construção social em substituição das
teorias ortodoxas ou teorias formais. Porem dizer que não existe a ideia de
irracionalidade porque as coisas são explicadas em seu próprio contexto assim o homem
plástico pode virar autónomo.

Para terminar, de acordo com o autor não existe uma superioridade quando se refere ao
racional, pois a racionalidade não pode ser vista no âmbito dicotómico, isto é, os
modelos acima mostrados são partes do mesmo contexto onde um complementa a outro.

DAS (IM)POSSIBILIDADES DE UMA SOCIOANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO17/03/2016


CIRCUITOACADEMICO DEIXE UM COMENTÁRIOPor Vinícius Volcof AntunesAssim como outras
áreas do conhecimento, a sociologia é composta por alguns grandes temas, que parecem
render produções e debates constantemente renováveis, mas também por assuntos mais

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sazonais, que surgem diante de contingências históricas e depois arrefecem, podendo
reaparecer em momentos mais oportunos. Assim se deu com as abordagens acerca do
desenvolvimento.Neste texto passearemos, com Peter Schroder (1997; 2014), pelas origens
desse campo disciplinar, destacando seu complexo questionamento inicial. Já com Guilherme
Radomsky (2011), traçaremos uma ponte histórica, observando alguns dos principais debates
desse meio. Por fim, com Marcelo Carneiro (2012) destacaremos algumas abordagens
metodológicas, pontuando também limitações e desafios que lhe surgem diante de uma
realidade social complexificada.Começamos no pós-II Guerra Mundial, quando órgãos e
agências internacionais, como o Banco Mundial e a US-AID, surgiram para levar o
desenvolvimento a países em situação de pobreza. Essas instituições, associadas aos governos
hegemônicos, exportavam projetos modernizadores àqueles que, no jargão da época, eram
marcados pelo “atraso”, “subdesenvolvimento” ou “dependência”. A associação de cientistas
sociais a esses projetos intervencionistas, Schroder chamou de “pecado original”, enquanto
Arturo Escobar, que surgiria tempos depois como símbolo de uma virada epistemológica da
área, chamaria criticamente de “antropologia para o desenvolvimento”. Radomsky também
pontua esse período como uma continuidade do “caráter colonial da própria disciplina, que
estaria a serviço dos governos imperiais” (p. 151).Em dois artigos revisionais, Peter Schroder
retrata a importante discussão interna da socioantropologia do desenvolvimento em constituir
uma subdisciplina ou tão somente um campo de trabalho de uma “antropologia aplicada”,
empenhada na implementação desses projetos. Curioso é notar como o próprio autor modifica
sua visão sobre o assunto: em 1997, parte com ceticismo diante da escala micro analítica dessa
abordagem e de sua deficiência em constituir uma corpus teórico próprio, especialmente
quanto a uma clara definição do que seria desenvolvimento. Já em 2014, ele defende a
necessidade de posicionamento desses pesquisadores em meio à polifonia de opiniões sobre o
desenvolvimento, disputando mais notadamente com a economia a legitimidade discursiva
sobre o tema.Raymond Boudon (2000) aponta que nos anos 50 e 60 o desenvolvimento foi um
tema quente para a sociologia, esfriando a partir dos 70. O fato é que justamente nessa época
começou a virada paradigmática da área, retraindo parte de seu etnocentrismo e adicionando
elementos socioculturais na análise. No início dos anos 80, com a emergência do pós-
colonialismo, novas leituras da realidade social mudaram o olhar sobre a temática.
Notadamente, estão nesse período os antropólogos Arturo Escobar e Olivier De Sardan.
Ancorados em suas escolas de formação, ambos vocalizaram algumas das críticas em ascensão
na época às abordagens mais tradicionais do desenvolvimento, que seriam pouco
questionadoras ou “apolíticas” (Escobar, 2005). Com isso, iniciaram debates teórico-
metodológicos que revolucionariam o campo, rumo à interdisciplinaridade.A partir dos anos
80, surgiu uma antropologia não mais para o, mas do desenvolvimento. A virada, a partir de
Escobar, se deu através de uma releitura foucaultiana sobre “regularidades discursivas”, cuja
centralidade nos discursos dos atores permitiu uma ruptura a que chamamos de pós-
desenvolvimentismo (Carneiro, pp. 132-133). Dessa linha surgiriam propostas como a do
“crescimento zero”, o “slown down consumption” e até o questionável “desenvolvimento
sustentável”.Alinhado à escola franco-africana de antropologia do desenvolvimento (APAD),
Olivier De Sardan apresenta uma perspectiva interacionista, fortemente centrada no
“entrelaçamento das lógicas sociais”. Defendendo seu argumento, o autor tece fortes críticas a
abordagens da linha de Escobar, que pejorativamente classifica como “populista ideológica”,
excessivamente ancorada nos relatos dos atores, porém, desconsiderando sua agência, vendo-

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os como meros sujeitos passivos do desenvolvimento[1] (Radomsky, pp. 154-155). Também
critica o caráter prescritivo, de superação do desenvolvimento, dessa outra abordagem. Em De
Sardan, o entrelaçamento social se desenrola em espaços escalares chamados de arenas, que
para além da noção de “campos” de Pierre Bourdieu, têm atores heterogêneos em interações
eminentemente conflituosas.Ambos os autores, porém, também apresentam convergências,
como a herança da Escola de Chicago na recusa da separação disciplinar, combinando uma
abordagem antropológica (notavelmente etnográfica) com a sociologia. Além disso, também
buscaram dar maior ancoragem à teoria disciplinar, bem como negaram a prerrogativa de
mera antropologia aplicada.Ainda assim, essa socioantropologia do desenvolvimento (ora mais
socio, ora mais antro) não deixou de receber críticas. O próprio De Sardan observa que nela
existe certo “ecletismo teórico” que permitiria ao pesquisador um passeio solto por teorias
muito distintas, do holismo ao individualismo, por exemplo. Outros notaram uma simplificada
homogeneização do desenvolvimento em Escobar, que desconsiderava o gap entre como se
constrói um projeto e sua implementação, com os imponderáveis das situações concretas.
Houve também críticas sobre as limitações da microescala, superada apenas pelo refinamento
multivariado introduzido por certos autores. Por fim, outra crítica recorrente se deu pela
ausência ora de agentes políticos (o poder na perspectiva estrutural, do Estado), ora dos
econômicos (especialmente privados) nesses estudos.De Carlos Vainer (1989) a Jeffrey
Henderson (2011), fortemente focados nas variáveis econômicas e multiescalar sobre projetos
de desenvolvimento, novas abordagens dessa linha têm tido cuidado em não desconsiderar
aspectos fundamentais do complexo mundo contemporâneo, como a internacionalização do
capital, demandas ambientais e até mesmo os saberes locais. Mesmo diante dos desafios,
sabemos que o movimento interdisciplinar demanda o empenho em encontrar um terreno
comum para que epistemologias e métodos se cruzem. A socioantropologia do
desenvolvimento, reflexiva desde sua origem, parece disposta a esse esforço.[1] Conferir o
interessante debate sobre “populismo ideológico” e o “populismo metológico” feito por De
Sardan in Anthropology and Development: understanding contemporary social change.
London; New York: Zed Books, 2005.Referências:CARNEIRO, Marcelo S. Práticas, discursos e
arenas: notas sobre a socioantropologia do desenvolvimento. Revista sociologia&antropologia,
v.02. nº04, pp. 129 –158, 2012.SCHRODER, Peter. A Antropologia do desenvolvimento: é
possível falar de uma subdisciplina verdadeira? Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 1997,
v. 40, nº2.______________. Os desafios para uma antropologia do desenvolvimento no
cenário atual. Trabalho apresentado na 29º Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre
os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN, no GT 082.RADOMSKY, Guiherme F. W.
Desenvolvimento, pós-estruturalismo e pós-desenvolvimento. A crítica da modernidade e a
emergência de “modernidades” alternativas. Revista brasileira de ciências sociais. v. 26, nº 75,
fev. 2011 pp. 149-162.

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1. IntroduçãoAs discussões e os estudos sobre o desenvolvimento ao longo dos séculos XVIII e XIX, e meados
do século XX, foram amparadas por abordagens estruturalistas e genéricas, principalmente aquelas pautadas
pelas teorias da modernização e de cunho neomarxistas. Uma das principais implicações destes modelos de
análise é o fato de que os mesmos não consideravam as pessoas e concebiam o desenvolvimento como
resultado de forças externas.Long (2007) afirma que em meados da década de 1980 cresceu o interesse em
superar este debate estruturalista, bem como suas limitações teóricas e metodológicas. Uma alternativa
encontrada para isso é adotar uma abordagem centrada no ator, que considera as pessoas como
participantes ativas nos processos e com capacidade de agência.Assim, o presente ensaio busca demonstrar
como os conceitos básicos da Perspectiva Orientada ao Ator (POA) fornecem instrumentos analíticos que
podem contribuir para superar as limitações das teorias estruturalistas. Adicionalmente, procura-se refletir
sobre as possíveis contribuições da POA na análise da construção de mercados e o desenvolvimento rural.Este
ensaio encontra-se estruturado, fundamentalmente, em cinco seções. Além desta introdução, são
apresentados na segunda seção os modelos estruturais de desenvolvimento, demonstrando, com base em
diversos autores, as suas limitações. Na terceira seção procura-se apresentar os aspectos conceituais da
Perspectiva Orientada ao Ator, assentando-se principalmente no autor Norman Long. Na quarta seção, faz-se
uma breve reflexão a cerca das possibilidades de utilizar a POA para estudar a construção dos mercados da
agricultura familiar e, por fim, algumas considerações finais são apresentadas.2. As abordagens estruturais de
análise do desenvolvimentoOs estudos sobre o desenvolvimento, após a Segunda Guerra Mundial, centram
suas análises sobre os pontos de vista fundamentados nos conceitos de modernização (nos anos 1950), de
dependência (nos anos 1960), e nos anos 1970, de economia política (LONG, 2007). Nota-se assim a
predominância de dois modelos estruturais de análise, quais sejam, a teoria da modernização e as teorias
neomarxistas.De acordo com Long (2007), a teoria da modernização prega o desenvolvimento de uma
sociedade moderna por meio de um movimento progressivo rumo a formas mais complexas e integradas do
ponto de vista institucional e tecnológico. Ainda para o autor, este processo é acionado e sustentado
mediante a crescente inserção nos mercados, bem como por meio de diversas ações de intervenção que
objetivam difundir tecnologias, conhecimentos, recursos e formas de organização do mundo mais
desenvolvido para aquele menos desenvolvido ou atrasado. Desta forma, pouco a pouco a sociedade
considerada tradicional adquire os padrões econômicos e sociais da modernidade, incorporando-se assim ao
dito mundo moderno.A modernização da agricultura, segundo Ploeg (1992), segue o caminho da
externalização, criando novas relações mercantis e técnico-administrativas, ao mesmo tempo em que separa
tarefas do processo de trabalho agrícola e as designa para agentes externos, resultando em uma crescente
divisão do trabalho entre agricultura e indústria.Na agricultura brasileira, essa modernização acelerou-se na
década de 1970, muito apoiada pelo crédito rural, o qual permitiu a derrubada da subordinação ao capital
comercial-usuário e criou um mercado sólido para o setor industrial produtor de insumos, máquinas e
equipamentos para o setor agrícola (GRAZIANO DA SILVA, et al. 1983). Estes autores afirmam que para os
pequenos produtores rurais esta modernização representou mais uma imposição do que uma conquista, que
os subordinou ao sistema.A teoria da modernização defendia e pregava veementemente a certeza de que o
capital, a ciência e a tecnologia trariam efeitos benéficos às sociedades. Esta convicção sofreu seu primeiro
golpe, segundo Escobar (2005), com o surgimento da teoria da dependência, a qual afirmava que as causas do
subdesenvolvimento eram encontradas nas ligações entre dependência externa e exploração interna, e não
na carência de elementos da modernidade. Assim, para os teóricos da dependência, os problemas
encontravam-se mais no capitalismo do que no desenvolvimento em si (ESCOBAR, 2005).Desta maneira, as
teorias neomarxistas e da dependência (anos 1960 e 1970), adicionam elementos críticos às teorias da
modernização, denunciando até mesmo o caráter não comunista das políticas de desenvolvimento. A visão
marxista era de que o desenvolvimento é desenvolver do capitalismo, porém, o núcleo do desenvolvimento

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não era questionado. Neste sentido, David Booth (1985) afirma que a perspectiva da dependência está
obviamente em desacordo com o núcleo teórico do marxismo clássico e que a teoria da dependência
representa apenas uma intrusão de nacionalismo burguês no pensamento marxista. O autor evidencia ainda
que a crítica da teoria da dependência em termos de simples oposição ao marxismo tem dois efeitos
“negativos”: i) pode parecer que a crítica afeta apenas ou principalmente alguns escritores latino americanos;
ii) questiona o porquê, se teórica e empiricamente errada, a perspectiva da dependência tem presença
duradoura na tradição marxista.Long (2007) contribui afirmando que as teorias marxistas e neomarxistas da
economia política exacerbam o caráter explorador destes processos de modernização, atribuindo-os as
características de expansão intrínsecas ao capitalismo mundial e a sua necessidade constante de abrir novos
mercados e aumentar o nível de acumulação de capital.Neste contexto, a imagem é de interesses capitalistas,
estrangeiros e nacionais, que subordinam os modos e relações de produção que não condizerem com o
capitalismo, integrando-os a uma parte desigual de relações políticas e econômicas. Assim, os países se unem
a outros não porque desejam, mas porque são forçados a isso por determinação de seus parceiros mais ricos
e/ou poderosos (LONG, 2007).Neste sentido, o subdesenvolvimento decorre do tipo de entrada dos países
periféricos no sistema mundial, assim, as relações desiguais que acontecem no comércio internacional não
ocorrem entre duas classes, mas sim entre países centrais e países periféricos (BOOTH, 1985). O mesmo autor
aponta que há um problema básico com a teoria marxista: seu compromisso metateórico em evidenciar que
o que ocorre na sociedade na era do capitalismo não é apenas explicável, como também necessário em
alguns casos. Em outras palavras isto significa dizer que no regime capitalista é necessário que haja países
com estruturas e processos subdesenvolvidos.O compromisso marxista com a necessidade de padrões
socioeconômicos no capitalismo é expresso de duas formas: a primeira concebe a relação entre os conceitos
teóricos do modo de produção capitalista, a economia política nacional ou internacional e as análises sob a
formação social; já a outra forma envolve uma espécie de teleologia do sistema (BOOTH, 1985). Booth aponta
ainda que é preciso ultrapassar a metateoria marxista para assim poder avaliar se o problema dos países
periféricos encontra-se nas relações desiguais entre os países ou nas relações sociais internas e inerentes ao
próprio país.Ademais, para as teorias marxistas as ideias são expressas por meio da linguagem, porém, a
classe dominante – detentora dos meios de produção e do capital - tem a possibilidade de disseminar as
ideias que legitimam os seus interesses e a sua posição de domínio, pois tem os proletários em suas mãos
(GIDDENS, 2001).Para Long (2007), ambas as macroperspectivas teóricas seguem posições ideológicas
opostas. Enquanto a teoria da modernização tem um ponto de vista considerado liberal, acreditando nos
efeitos benéficos do capital e da tecnologia, as teorias neomarxistas enxergam o desenvolvimento como
sendo um processo desigual, que abrange a exploração dos países periféricos e das populações
marginalizadas. Além disso, o autor considera que os dois modelos adotam um certo rumo de
desenvolvimento, marcado por fases ou pela sucessão de regimes do capitalismo.Neste sentido, Escobar
(2005) complementa ao apontar que as teorias do desenvolvimento com paradigmas liberais são positivistas,
focam no mercado, nos indivíduos e no estado, veem o desenvolvimento como progresso e crescimento e
ainda, buscam adaptar seus projetos as culturas locais. Já sobre aquelas teorias de cunho marxistas, o autor
destaca que são realistas, se voltam para os modos de produção e de trabalho, adotam as transformações
sociais, o desenvolvimento das forças produtivas e da consciência de classe como critério para a mudança,
bem como, procuram observar como as pessoas resistem às intervenções.O desenvolvimento e a mudança
social que estas teorias pregam é aquele que vem de fora, de forças externas que interveem nas
comunidades. Isto para Long (2007) reduz a autonomia das pessoas e acaba com as formas locais de
cooperação e solidariedade, resultando em um aumento da distinção social e econômica e concentrando o
poder nas mãos de poucos, como grupos de empresas, políticos e instituições.É necessário romper com as
limitações destas abordagens estruturais, sobretudo pela sua incapacidade de explicar os motivos da
heterogeneidade social e pela sua tendência em ver o desenvolvimento como resultado de forças externas
aos atores sociais (LONG, 2007).Diante do exposto, nota-se que estes modelos estruturais de análise
desconhecem o poder do agente de modificar as estruturas (normas, instituições e estado). Assim, a próxima
seção discorre sobre a abordagem denominada Perspectiva Orientada ao Ator, que demonstra a influência
que os agentes têm nos processos de desenvolvimento.3. A Perspectiva Orientada ao Ator: aspectos
teóricosA partir da constatação das limitações das teorias da modernização e neomarxistas, Long (2007)
aponta que aumentou o interesse em desenvolver estudos pós-modernistas e pós-estruturalistas. A esse

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respeito, pode-se recorrer a Escobar (2005) que corrobora afirmando que as teorias pós-estruturalistas são
interpretativas e construtivistas, se preocupam com a representação, os discursos, o conhecimento e o poder
dos atores, adotam a pluralidade de discursos como elementos de mudança e, sobretudo, preocupam-se em
observar e apontar como as pessoas resistem, adaptam-se e subvertem o conhecimento dominante e criam
outro conhecimento.Neste contexto, surgem estudos tentando ultrapassar as limitações das teorias do
desenvolvimento anteriormente apresentadas. Assim, segundo Long (2007), uma maneira encontrada foi
adotar uma perspectiva orientada aos atores, que pudesse analisar como os atores sociais se enfrentam nas
várias lutas por recursos, significados, controle e legitimidade institucional.Long (2007) afirma que a
Perspectiva Orientada ao Ator parte de uma visão construcionista utilizando-se de um olhar e reolhar para a
sociedade mediante ações e percepções que, sem interferências, transformam um universo de agentes
múltiplos e entrelaçados. Cabe ressaltar que o autor esclarece as diferenças existentes entre construcionismo
e construtivismo, no qual, o primeiro termo é mais geral e abrange tanto aspectos cognitivos quanto as
dimensões de conduta e prática social, já o segundo se dedica em explicar como as pessoas aprendem e qual
a natureza do conhecimento.Deste modo, Long adota a perspectiva do construcionismo que está preocupada
em compreender os métodos pelos quais os atores individuais e as redes de atores se comprometem e juntos
criam seus mundos sociais particulares, interpessoais e coletivos. Para o autor, muito se ganha observando as
diversas formas com que as pessoas organizam e conhecem elementos novos e velhos, tem experiências e
como reagem a cada circunstância utilizando a imaginação e o conhecimento.A Perspectiva Orientada ao Ator
se baseia na convicção de que, ainda que admiráveis mudanças estruturais sejam decorrentes de
intervenções externas, não é suficiente fundamentar as análises no conceito de determinação externa. Long
(2007) argumenta que por mais que sejam intervenções e forças de fora, elas entram na vida cotidiana das
pessoas e são moldadas e transformadas a partir do olhar de cada ator social e suas estruturas.Estas análises
centradas nos atores se tornaram conhecidas nas áreas da sociologia e antropologia no final dos anos 1960 e
início dos anos 1970, apresentando a vantagem de explicar as diferentes respostas dos atores diante de
estruturas e situações semelhantes (LONG, 2007). A Perspectiva Orientada ao Ator visualiza os indivíduos
como participantes ativos dos processos, não como simples receptores de informações que apenas as acatam
sem questioná-las.Neste sentido, a agência humana se apresenta como conceito central da Perspectiva
Orientada ao Ator, a qual é apontada por Long (2007, p. 48) com base em Giddens (1984):[...] La noción de
agencia atribuye al actor individual la capacidad de procesar la experiencia social y diseñar maneras de lidiar
con la vida, aun bajo las formas más extremas de coerción. Dentro de los límites de información,
incertidumbre y otras restricciones (por ejemplo, físicas, normativas o político-económicas); los actores
sociales poseen “capacidad de saber” y “capacidad de actuar”. Intentan resolver problemas, aprenden cómo
intervenir en el flujo de eventos sociales alrededor de ellos, y em cierta medida están al tanto de lãs acciones
propias, observando cómo otros reaccionan a su conducta y tomando nota de las varias circunstancias
contingentes.A agência humana diz respeito ao fazer, isto é, a capacidade das pessoas de realizar as coisas
(GIDDENS, 2003). O autor alerta ainda que a agência não refere-se à intenção que os indivíduos têm ao agir,
mas sim ao ato de agir propriamente dito. Assim, a agência está ligada ao poder, visto que são as pessoas que
tem a capacidade de atuar e de interferir no curso dos eventos. Contudo, apesar de parecer estar ligada a
cada ator individualmente, a agência não quer dizer que as pessoas sozinhas consigam receber e processar
informações e realizar as mudanças no ambiente no qual estão inseridas.Nesse sentido, Long e Ploeg (2011)
alertam que a agência acontece quando ações particulares alteram um estado de coisas e para isso ocasiona
relações sociais e interações permanentes entre atores, podendo ser eficaz somente através de tais relações.
Complementando o conceito de agência, Long (2007) afirma que a mesma depende do surgimento de uma
rede de atores, que ao envolverem-se com mundos e projetos outros, têm a possibilidade de absorver,
mediar e construir ou reconstruir suas percepções, ideias e seus próprios projetos.Dentro deste contexto, é
necessário considerar que os atores sociais trazem para os debates as suas experiências de vida e os seus
distintos conhecimentos acumulados, moldando assim os diferentes tipos de discursos. Conforme Long
(2007), a vida social não é unitária para ser construída com base em somente um tipo de discurso. O autor
aponta também que os atores, mesmo com opções restritas, encontram maneiras distintas de formular seus
objetivos e encontrar meios para alcançá-los.Long (2007) aponta que o reconhecimento dos diferentes tipos
de discursos desafia a noção de que a racionalidade é propriedade intrínseca do ator individual, revelando
que as formas particulares e culturais como cada sociedade vive, molda a racionalidade dos seus membros,

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de modo que na busca de seus próprios objetivos eles reafirmem, conscientemente ou não, essa
característica dos discursos e da construção social de suas comunidades.Assim, é imprescindível analisar o
modo como as noções de agência são estabelecidas de forma diversa, conforme a cultura de determinada
sociedade e como afetam as relações entre as pessoas e os tipos de controle que um ator tem com o outro.
Na área do desenvolvimento, isto denota avaliar como as diferentes visões de poder, influência,
conhecimento e eficácia podem aparecer e inclusive balizar as respostas e estratégias dos diferentes atores
sociais (LONG, 2007).Desta forma, além da multiplicidade de atores sociais, Long (2007) aponta que se lida
também com a multiplicidade de realidades, onde há conflitantes interesses sociais e normativos,
conhecimentos diversos e descontínuos, e que assim, é necessário identificar de quem são e quais são os
modelos que prevalecem sobre os demais.Estas múltiplas realidades podem ser interpretadas também como
arenas de luta, na qual visões de mundo e diferentes tipos de discursos se encontram. Carneiro (2012)
destaca que uma arena não é um local geográfico, mas sim um lugar de confronto entre atores sociais
heterogêneos motivados por interesses materiais e simbólicos.O poder e o conhecimento são levados para
estas arenas de luta, os quais, para Long (2007), surgem dos próprios processos de interação social e são
resultados dos encontros e das fusões de horizonte. Em relação ao poder, Giddens (2001) aponta Weber que
o define como a probabilidade por parte de certo indivíduo de conseguir realizar seus próprios objetivos. Já
Riutort (2008) ao tratar do poder nas organizações sugere que o mesmo é produto de negociações e de
confrontações.Por fim, Long (2007) destaca que uma Perspectiva Orientada ao Ator tem como tarefa
fundamental identificar e caracterizar as distintas práticas e estratégias dos atores, as condições sob as quais
elas brotam, o modo como se organizam e sua viabilidade na resolução de problemas sociais.Ademais, ao
reafirmar que esta abordagem procura explicações para as diferentes respostas que são dadas frente a
conjunturas estruturais semelhantes, parece ser possível aplicá-la ao estudo dos mercados e das organizações
da agricultura familiar. Isto será abordado na próxima seção.4. Contribuições da Perspectiva Orientada ao
Ator para o estudo de mercados da agricultura familiarAs diferentes formas sociais que existem, nascem
devido ao fato de que os atores adotam diferentes perspectivas ao lidar, cognitiva e organizacionalmente,
com as situações, problemas e oportunidades que surgem (LONG e PLOEG, 2011). Assim, valoriza-se, na
perspectiva orientada ao ator, a forma como os próprios atores moldam seus espaços, seus mercados e o
desenvolvimento.Ao se voltar para os estudos do desenvolvimento rural, Long e Ploeg (2011) afirmam que,
mesmo diante de restrições, os agricultores não são receptores passivos, tampouco vítimas de mudanças
externas e planejadas. Os autores destacam que os agricultores procuram estabelecer ambientes nos quais
sejam possíveis atender aos seus interesses e objetivos, e ainda, defender-se de intervenções externas.Deste
modo, os agricultores se articulam e organizam-se socialmente para enfrentar os possíveis problemas, criar
alternativas e desenvolver seus próprios projetos e interesses. Esses projetos são geridos como respostas as
situações criadas por outros, situações estas que os agricultores transformam, aceitam, contestam e/ou
alteram.Segundo Long e Ploeg (2011) é exatamente neste momento, de elaborar, adaptar e reproduzir
projetos que o poder se apresenta e, se torna ainda mais notável, a partir das inter-relações que ocorrem ao
unir ou distanciar seus projetos dos de outros. Para os autores, nestas inter-relações entre projetos é que a
agência se manifesta, tornando efetivos os planos e criando, transformando ou reproduzindo variadas formas
sociais.A ideia de agência pode ser utilizada para estudar os mercados agrícolas, no sentido de analisar as
diferentes maneiras pelas quais os atores sociais criam os mercados para comercializarem seus produtos
(GAZOLLA e PELEGRINI, 2011). Ademais, para os autores, a noção de agência admite que os mercados da
agroindústria familiar sejam vistos como consequência das ações dos agricultores, bem como da constante
interação, interfaces e transformações de seus mundos e projetos.Nesta linha de pensamento, diversos
estudos vêm demonstrando como os vários atores – agricultores familiares – se organizam em torno dos
problemas de comercialização e como os resolvem, e ainda, como desconstroem muitos processos de
intervenção planejada ao revelar que os projetos podem ser os mesmos, mas cada grupo/ator reage de forma
diferente.Triches e Schneider (2012), por exemplo, realizaram um estudo que apontou as dificuldades de
operacionalização do Programa de Alimentação Escolar no município de Rolante-RS e as respectivas
estratégias de superação adotadas pelos atores sociais envolvidos. Neste sentido, os autores destacam três
grandes problemas: a burocracia dos trâmites, a organização dos agricultores e a formalização das
agroindústrias. Para superar estas dificuldades os autores relatam que, dentre outros fatores, houve muitas
discussões entre as lideranças locais e os agricultores em torno da adaptação do programa as suas realidades

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e que, nesta arena de luta, “as formas como os agricultores ou o local se organizam imprimem um papel
crucial no desenvolvimento de novos mercados” (TRICHES e SCHNEIDER, 2012, p. 83).Em outro estudo
semelhante no município de Dois Irmãos-RS, Triches, Froehlich e Schneider (2011) também constataram que
embora sob as mesmas normas e legislações de outros municípios, determinados locais alteraram a estrutura
existente, denotando que os atores sociais e o local são peças fundamentais nos processos de mudança e na
construção de mercados. Os autores defendem que os mercados são construídos de maneira fragmentada,
fortuita e combinada, ao invés de simplesmente arquitetados, planejados e impostos sobre as
sociedades.Silveira e Hillesheim (2015), em um estudo realizado com cooperativas da agricultura familiar na
região do Médio Alto Uruguai do Rio Grande do Sul/Brasil, destacaram a importância que o Fórum Regional
de Cooperativismo tem no processo de articulação e intercooperação das cooperativas que, em rede, tem
maiores condições de enfrentar os problemas de comercialização, bem como os grandes varejistas e
distribuidores que por vezes dominam os espaços.Neste sentido, a ideia destas cooperativas era de criar, com
apoio de diversas entidades, uma cooperativa central que pudesse organizar a comercialização das
cooperativas em rede (SILVEIRA e HILLESHEIM, 2015). Assim, está em processo e articulação uma Central
Virtual de Comercialização, organizada pela governança do Arranjo Produtivo Local do Médio Alto Uruguai,
que envolve agricultores, cooperativas, agroindústrias, associações, universidades, estado, enfim, uma série
de atores empenhados em criar alternativas de desenvolvimento rural para a região.Isso vem ao encontro do
que destacam Conterato et al. (2011) ao afirmar que a perspectiva orientada ao ator ressignifica o papel e o
lugar dos mercados, os quais deixam de ser estruturas rígidas e externas para significarem espaços sociais,
decorrentes das constantes trocas e diálogos entre os agricultores e os demais atores do desenvolvimento
rural, até mesmo não agricultores. Ademais, Long e Ploeg (2011, p. 37) afirmam que “As relações de mercado
são, no mínimo, mediadas, se não mesmo ativamente planejadas e construídas, pelos próprios
atores.”.Diante do exposto, parece ser possível afirmar que o poder de agência dos atores é o responsável por
fazer com que eles criem condições de subverter as imposições e dificuldades a seu favor, transformando
suas realidades e criando novos ou mais apropriados canais de comercialização e mercados.5. Considerações
finaisA teoria da modernização bem como as teorias marxistas tendem a analisar o desenvolvimento como
resultado de forças externas. A primeira concebe o desenvolvimento como progresso, entendendo que a
adoção de tecnologias e a superação do “atraso” seria a solução para todos os problemas. Já as teorias
marxistas enxergam o desenvolvimento como sendo um processo desigual, que abrange a exploração dos
países periféricos e das populações marginalizadas e que desenvolvimento é o próprio desenvolver do
capitalismo.Assim, a partir da necessidade de ultrapassar as limitações destas abordagens estruturais surge a
Perspectiva Orientada ao Ator buscando analisar como os atores sociais se enfrentam nas várias lutas por
recursos, significados, controle e legitimidade institucional. Esta abordagem visualiza os indivíduos como
participantes ativos dos processos, não como simples receptores de informações, e, apresenta a agência
humana como seu conceito central.O conceito de agência mostra-se apropriado para estudar os mercados e
as diferentes formas pelas quais os agricultores se organizam e criam seus espaços sociais. A partir dos
conceitos da Perspectiva Orientada ao Ator é possível compreender porque algumas iniciativas dão certo e
outras não, frente às mesmas características conjunturais. O sucesso ou insucesso dos projetos depende do
olhar dos atores envolvidos, e esse olhar é marcado pelas suas experiências de vida e pelas estruturas sociais
nas quais habitam.ReferênciasBOOTH, D. (1985) Marxism and development sociology: interpreting the
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