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FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA

4ᵒ Ano, 1ᵒ semestre, 2021

Cadeira: Antropologia da Saúde e da Doença

Cap. 12 FATORES CULTURAIS EM EPIDEMIOLOGIA

A epidemiologia deve ser conceituada como “a ciência que estuda o processo saúde doença”
na comunidade, analisando a distribuição de fatores mais comumente examinados são idade,
sexo, estado civil, ocupação, posição socioeconômica, dieta, ambiente e comportamento das
vítimas sendo assim determinantes das enfermidades e dos agravos à saúde coletiva
sugerindo medidas especificas de prevenção de controlo ou de erradicação. A epidemiologia
e a antropologia que ambas enfocam o estudo a saúde, “os antropólogos lançam mão de
princípios universais para chegar a questões específicas, enquanto os epidemiológicos
toleram os pontos específicos em sua busca universal ”.

Ambas tratam o estudo de populações ao invés de indivíduos. Tanto os antropólogos quanto


os sociólogos têm feito importantes contribuições para a compreensão de como esses fatores
complexos estão relacionados à doença, os insights antropólogos têm sido especialmente
úteis para decifra às doenças exóticas, como a doença de Kuru (uma doença degenerativa
progressiva do cérebro), se descobriu que a doença era causada por uma Infecção viral lenta
no cérebro, transmitida pelo ritual de canibalismo de parentes mortos praticados apenas por
algumas mulheres e crianças naquela área
Tratamento e cura: as alternativas de assistência à saúde

HELMAN, C.G. Cultura, saúde e doença. Trad. Eliane Mussnich. 2. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994. Cap. 4, p. 70-99.

Cap. 4 CUIDADO E CURA: OS SETORES DA ASSISTÊNCIA A SAÚDE

As pessoas, quando estão com problemas de saúde, têm várias maneiras de se auto-ajuda ou
ainda de ajudar outras pessoas. Segundo HELMAN (1994), os grupos e indivíduos que dão
assistência de saúde seguem as etapas de explicar, diagnosticar e tratar as doenças. Nas
sociedades modernas há um pluralismo médico, que corresponde ao conjunto de alternativas
de assistência de saúde disponíveis e/ou procuradas. Os indivíduos, com problemas de saúde,
em busca de explicações, diagnóstico e tratamento, anseiam por alívio de seu sofrimento e
recorrem às diversas alternativas existentes.

Considerando as diversas alternativas de assistência, surgem os vários sistemas. Para o autor


além deste sistema médico oficial - que inclui as profissões de médico e enfermeiro -
geralmente existem sistemas menores, alternativos, tais como a homeopatia, o herbalismo e a
cura espiritual no Reino Unido, que podem ser denominados de subculturas médicas.
(ibidem, p.71).

Esse pluralismo médico é uma gama de factores que existe para responder os desconfortos,
portanto esses itinerários terapêuticos reflete a “cosmovisão” do individuo, ou seja, reflete na
forma como o individuo vê o mundo e a assistência também reflete essa realidade. E o autor
chama atenção de que esses sectores de atenção a saúde não estão totalmente separados, pode
cruzar-se. Efeito plossemo é uma acção desesperada para curar as enfermidades numa
perspectiva psicológica, basta a pessoa acreditar na eficácia do remedio, é capaz de aliviar a
doença.

Para tratar das diversas alternativas de assistência, o autor recorreu o trabalho de A.


Kleinman, que sugeriu uma classificação de três alternativas: a alternativa informal, a
alternativa popular e a alternativa profissional.

A ALTERNATIVA INFORMAL

Todas as alternativas terapêuticas não-pagas podem ser consideradas informais. A família do

Indivíduo doente é a sede primeira de uma assistência de saúde e os principais agentes são as
mulheres. A automedicação é um recurso informal e pode ser orientada por amigos, vizinhos
e pacientes que já fizeram uso de tais medicamentos em situações semelhantes. Segundo o
autor, o armazenamento e a troca de medicamentos industrializados e prescritos são hábitos
comuns no Reino Unido. Há inúmeros estudos que apontam percentuais elevadíssimos de tal
consumo por-trás-do muro das unidades de saúde.

Uma outra modalidade informal de assistência de saúde são os grupos de auto-ajuda. O autor
aponta que em 1982 foram listados 335 grupos denominados de auto-ajuda no Reino Unido e
Irlanda. Alguns exemplos são: Associação Britânica da Enxaqueca, Depressivos Associados,
Associação de pais de crianças danificadas por Vacinas, Alcoólatras Anônimos, Comando
Gay, Organização pela saúde da Mulher, dentre muitas outras. Tais grupos são constituídos
de acordo com um determinado problema central e comum aos seus membros.

As atividades de tais grupos são as de informação e encaminhamento, orientação e consulta,


educação escolar e profissional, atividade política e social, angariamento de fundos para
pesquisas e serviços, serviços de apoio terapêutico com supervisão profissional e atividades
de apoio mútuo em pequenos grupos, segundo Levy apud HELMAN (1994).

Para o autor há certos indivíduos que são considerados fontes de aconselhamento à saúde
mais do que os demais em uma determinada comunidade. São eles aqueles com muita
experiência em certo tipo de tratamento ou em alguma atividade, os demais profissionais da
área da saúde, que são consultados informalmente ou seus maridos/esposas e membros de
grupos de ajuda ou de igrejas. Suas credenciais são, principalmente, suas próprias
experiências, mais do que instrução, status social ou poderes" (ibidem, p.73).

A ALTERNATIVA POPULAR

Todas as alternativas desenvolvidas por certos indivíduos que tornam-se especialistas em


métodos de cura podem ser consideradas populares. O autor utiliza-se do termo curandeiro
para referir-se a todos aqueles envolvidos em ações que visam a cura. Tais curandeiros
populares são de várias áreas e/ou atividades.

Identifica-se nesta modalidade de assistência que há um conceito de saúde como algo fruto do
equilíbrio entre o homem e seus meios social, natural e sobrenatural, que se aproxima ao que
denomina-se holismo e visão sistêmica

.Apontam-se muitas vantagens de tais alternativas como a proximidade entre paciente e


curandeiro, o afeto e a informalidade, o uso de linguagens coloquiais, o tratamento no
ambiente do paciente, ou seja, no âmbito de sua família e amigos, o reforço que é dado aos
valores culturais da comunidade onde vive e a possibilidade de se darem explicações
culturalmente familiares e aceitas sobre as causas das doenças.

Segundo o autor, os curandeiros populares adquirem tal posição a partir de várias maneiras:
por herança de sua família, por sua posição dentro da família, como o caso do sétimo filho na
Irlanda, por ter recebido sinais ou presságios ou ter marcas de nascença, por revelação ou
vocação surgida num momento especial de suas vidas, por aprendizado com outro curandeiro
ou ainda por aquisição pessoal de tais saberes.

A OMS, em 1978, em documento oficial, recomendou a integração das práticas tradicionais


ou populares de cura à medicina oficial e moderna. O autor aponta ainda que a OMS
recomendou a necessidade de se garantir o respeito, o reconhecimento e a colaboração entre
os praticantes dos diversos sistemas de tratamento e cura.

Assim como nas sociedades não-ocidentais, a medicina complementar visa obter uma noção
holística do paciente, o que inclui dimensões psicológicas, sociais, morais e físicas, bem
como enfatiza a ideia de saúde como um equilíbrio. (ibidem, p. 89).

Os tipos de alternativas populares são: o herborismo ou fitoterapia, que é a cura pelas ervas e
plantas; as curas religiosas; o ofício de parteira; a homeopatia; os clarividentes, astrólogos,
curandeiros psíquicos, quiromantes, médiuns celtas, tarólogos, ciganos e profetas.

Segundo o autor, há vários estudos que tratam de esclarecer as atividades destas alternativas
de assistência de saúde. Aponta que a primeira descrição de remédios herbórios data de 1260
d.C. O ofício de parteira, no Reino Unido, foi absorvido pelo setor profissional e a
homeopatia ocupa uma posição especial no país como método alternativo de cura. Há
hospitais homeopáticos espalhados por todo o território, com serviços ambulatórias e de
internação.

Os curandeiros sagrados e seculares também são considerados e associam-se em federações


nacionais. Segundo seus integrantes, a cura espiritual é todas as formas de cura do doente no
corpo, mente e espírito, através do poder das mãos, preces ou meditações, com ou sem a
presença do paciente. (National Federation of Spiritual Healers Apud HELMAN, 1994).

o autor aponta que os diversos sistemas começam a se integrar e começam a emergir de tais
integrações órgãos especiais como o Conselho de Medicina Complementar, o Conselho de
Pesquisa de Medicina Complementar, o Instituto de Medicina Complementar e a Associação
Britânica de Medicina Holística, que é uma das mais antigas, com 1159 membros, entre
médicos, enfermeiros e leigos.

Segundo a Associação Britânica, a emergente medicina holística representa uma tentativa de


curar a ciência médica propriamente dita, através da reintegração das dimensões psicológicas
e espirituais no tratamento de saúde. (ibidem, p. 91).

A ALTERNATIVA PROFISSIONAL

O setor profissional corresponde a rede oficial de assistência de saúde de um país, que integra
os profissionais de saúde, as unidades básicas e os hospitais com seus leitos para a população
doente. Para o autor o sistema hospitalar cuida dos casos agudos, severos ou episódios de
ameaça à vida, além dos nascimentos e mortes e está menos preparado para lidar com os
significados subjetivos associados às doenças.

No Reino Unido já se tem uma rede de tratamento generalista separada da medicina


hospitalar altamente especializada. Tal profissional generalista resgata o caráter familiar e
comunitário da assistência de saúde. Eles fazem consulta domiciliar e tratam de mais de uma
geração na mesma família.

Além de cuidar de doentes, os profissionais generalistas estão vinculados também aos


acontecimentos naturais da vida: fazem exames pré e pós natal, check-ups em bebês,
orientam sobre imunizações e sobre métodos contracetivos, lidam com problemas
matrimoniais e escolares, além de darem apoio a famílias de luto. (ibidem, p.94).

Os enfermeiros e parteiras são o maior contingente do Sistema Nacional de Saúde do Reino


Unido. Os enfermeiros trabalham mais na área hospitalar do que na área comunitária. Nos
hospitais há diversas hierarquias na equipe de enfermagem, como o Enfermeiro-Chefe
Consultor, o Enfermeiro Administrador Superior, Enfermeiro Chefe de Departamento, Staff
Nurse, Registered General Nurse, Enfermeiro Registrado no Estado e Auxiliar de Enfermeiro.

Na comunidade encontramos as Parteiras da Comunidade, Visitadores de Saúde, Enfermeiros


de Escola e os Enfermeiros Generalistas. O autor aponta ainda que há a alternativa
profissional da rede particular ou rede privada de assistência de saúde.

Modelos explicativos de Helman (2007)


No modelo explanatório Helman (2007) fez uma analise empregando a terminologia “modelo
de doença” do Kleiman para se referir a percepção do individuo sobre os sintomas, as causas
e os significados da doença aquilo que denomina de “referencia leigo”

Modelo explanatório é uma forma sistemática que consiste em orientar e padronizar questões
de doenças, esses modelos explicam analisando todos factores culturais, da personalidade, ou
seja, a formas como o individuo dá significado com relação a enfermidades, ou o seu
desconforto. Este modelo consegue fazer uma transação do modelo médico que consiste na
fisiopatologia que é o método da biomedicina que tem procedimentos específicos que vão
desde o início de sintomas, as formas de tratamento etc. para o modelo de explanatório leigo

O kleiman elabora um grupo de conceitos que são chaves para análise de factores culturais,
que intervém no campo de saúde, acentuando-os como sendo realidades sociais e
simbolicamente construídos. Helman acentua a diferença entre o modelo popular e o
profissional da medicina como formas de tratamento a saúde.

Helman faz menção sobre a limitação da medicina na abrangência de todos indivíduos, facto
que evidência claramente a aceitação da medicina informal e popular devido a vários factores
que podem influenciar tanto negativamente como positivamente a esses medicamento,

Ele também faz menção sobre o determinismo e a ignorância perpetuadas pela medicina
profissional, em relação ao determinismo consiste na medida em que o sistema de medicina
profissional impõe privando e não dando a prioridade para o paciente ou o enfermo se
explicar sobre os sintomas e o significado que o paciente atribui aquele sintoma á que o
kleiman chama de referencia leigo. A ignorância ou o desprezo do sectores informais e
populares na medida em que o sistema profissional de saúde pode até admitir a existência de
outros tipos de tratamento ou assistência a doença, mas os seus próprios procedimentos
metodológicos e práticas distanciam-se na medida em que rotula privando das liberdade e
ignorando aquilo que é o sistema de referência leigo.

Biomedicina como Sistema cultural (Helman 2009)

Nesse âmbito, Helman nos chama atenção par olharmos o hospital como uma sociedade que é
caracterizada por dinâmicas heterogenias, onde encontramos práticas, normas, categorias,
valores e conceitos sobre determinadas doenças. Nesse processo o autor compara com o
sistema cultural na medida em podemos encontrar uma gama de dinâmicas e de
conhecimentos engendrados dentro desse sistema biomédico.
De certo modo, os praticantes da medicina formam um grupo à parte dentro do sistema de
saúde, com seus próprios valores, conceitos, teorias sobre as doenças e regras de
comportamento, além de fazerem parte de uma organização hierárquica dos papéis de cura.
Esse grupo apresenta aspectos sociais e culturais distintos e pode ser considerado, portanto,
um "grupo profissional" - um grupo baseado ou organizado em torno de um corpo de
conhecimentos especializados (o conteúdo) que não é facilmente adquirido e que, uma vez
nas mãos de praticantes qualificados, atende às necessidades de clientes (ou presta serviços a
clientes).

Possui, também, uma organização corporativa de pessoas conceitualmente iguais, que existe
para manter o controlo sobre os campos de especialidade, promover seus interesses comuns,
manter seu monopólio de conhecimento, estabelecer as qualificações exigidas para a
admissão (a habilitação de novos médicos), proteger seus membros contra a incursão e a
concorrência de outros e monitorar a competência e a ética de seus membros. Os médicos
estão divididos em subprofissões especializadas (cirurgiões, pediatras, ginecologistas,
psiquiatras, etc.) que reproduzem em menor escala a estrutura da profissão médica como um
todo.

Relações Medico – paciente (Caprara e Franco 1999)

Nesse texto os autores analisam a relação de duas categorias (o paciente e o medico), nesse
âmbito eles afirmam que a relação característica dessas categorias é mediada por dominação
hierárquica. Eles chama atenção para a profissionalização e humanismo, e que não haja,
intervenientes emocionais, valores como forma de termos um diagnóstico profissional e
eficaz. Nesse mesmo contexto os autores apela para o usos de linguagens e temas objectivos e
claros para tornar a relação de entendimento entre ambas partes mais saudável e suportável.

Saúde e desigualdades (Farmer 2010)

Farmer é medico especialista em doenças infeciosas, uma das pessoas que a quanto da
eclosão do HIV atribuía a dinâmicas sociais e culturais e não apenas um problema medico.

Portanto o autor afirma que a questão emergente leva um pouco de erro, ele na chana atenção
que no âmbito de eclosão de doenças infeciosa existem factores humanos que influenciam
nas doenças, ou seja, a pobreza e a desigualdade social influência no impacto da doença, e ele
afirma ser esse o assunto menos abordado no âmbito de vulnerabilidades das doenças. Os
factores socioeconómicos, desigualdades económicas, politica, políticas públicas e até as
instituições internacionais influenciam na forma como as pessoas vão lidar num cenário de
doença e o seu impacto na actuação do vírus como exemplo “covid-19”

Portanto não é apena uma questão do vírus apenas, mas de uma gama de factores que
influenciam no processo do vírus, e é nesse âmbito quem o autor questiona do não se fazer
menção esses factores humanos que intervém no processo, ele da o exemplo da “malaria” e
do porque antes atuar em quase todos países, tantos aqueles economicamente condecorados
assim como aqueles não muito ricos, mas o autor enuncia que o índice da actuação dessa
doença diminuiu e em outros nem existe apenas prevalecendo nos países periféricos, e
argumenta que nesses lugares em que ela não atua é porque foram criadas condições humanas
para a sua erradicação. Contudo ela afirma na transação epidemiológica que as condições
económicas avançadas ou favoráveis pode influenciar numa ruptura ou o controle da actuação
das doenças infeciosas

Pluralismo Medico em Africa (Muela 2007)

No artigo de Ribera(2017) “Pluralismo médico em África”, Joan Muela apresenta um quadro


conceptual para investigar o pluralismo médico, centrado na sua dimensão etnográfica, ou
seja, na análise de como as diferentes representações, práticas e instituições médicas
coexistem e são utilizadas numa determinada comunidade ou região. A partir de uma
perspectiva aplicada aos programas de saúde pública, o autor levanta uma série de questões
que devem ser estudadas para compreender o uso e o acesso aos medicamentos pela
população, desde as características dos diferentes medicamentos que coexistem, até as
representações da doença, ou outros fatores como proximidade social na relação terapeuta-
paciente, proximidade cultural ou carisma dos especialistas.

Ribera (2007) salienta que em África as mulheres durante a gravidez fazem o uso frequente
das plantas medicinais e recorrem tanto às parteiras tradicionais como aos serviços
biomédicos. Este facto não se deve somente à fraca cobertura dos serviços biomédicos, pois
elas recorrem tanto a cuidado pré-natal se houver disponibilidade como às parteiras
tradicionais, sendo a tendência de compartilhar biomedicina e medicina tradicional.
Os estudos de Gerhardt (2006); Ho (2004) e Ribera (2007) fazem-nos perceber que a forma
como os fenómenos de saúde e doença são interpretados em cada contexto depende das
crenças e valores que as pessoas têm sobre esses fenómenos. Por conseguinte, os indivíduos
recorrem a diversos tipos de terapias, cruzando diversas alternativas no processo de busca de
uma resposta satisfatória à doença.

No que diz respeito a Moçambique, um país multicultural, coexistem múltiplas formas de


conceber as doenças e formas do seu tratamento. A análise da literatura sobre saúde e doença
em Moçambique implica necessariamente incorporar a dimensão histórica desses fenómenos
e do modo como as doenças e as alternativas terapêuticas foram sendo encarados ao longo do
tempo, particularmente desde o período colonial.

Resumo sobre a experiencia da enfermidade: considerações tóricas de Paulo césar Alves


1993

Paulo César Alves (1993, p. 268) define os meios “pelos quais os indivíduos e grupos
Respondem a um dado episódio de doença”. Essa concepção permite estabelecer reflexões
sobre os modos pelos quais os sujeitos vivenciam a enfermidade, formulam sentidos e
desenvolvem práticas para agenciá-las. A primeira delas, ponto de partida para sua
compreensão, é a experiência de sentir-se mal. Não se trata de vaticinar a existência de um
sintoma clínico ou perturbação fisiológica, domínio próprio da investigação biomédica, mas
reivindicar a primazia da interpretação do sujeito sobre suas vivências. Em outras palavras:
não é apenas a partir dos sintomas – miríades de sensações coligadas – que podemos
compreender a enfermidade, mas quando estes são transformados em impressões sensíveis é
que a “doença torna-se uma enfermidade” (Alves, 1993, p. 268).

As reflexões ofertadas sobre experiência da enfermidade contribuem para a percepção de uma


dimensão iminentemente temporal, de caráter processual mesmo que não retilíneo dos
processos de adoecimento. Não apenas “porque a doença, em si mesma, muda no decorrer do
tempo, mas também porque a sua compreensão é continuamente confrontada por diferentes
diagnósticos construídos por familiares, amigos, vizinhos e terapeutas” (Alves, 1993, p. 267)
e porque essa compreensão é permanentemente atravessada e (re)lida a partir das vivências e
experiências outras do sujeito, que se atualizam permanentemente e não são produtos de um
instante pontual.(HIV)
Freidson (1988 citado por ALVES, 1993, p.3) afirma ser a cultura um condicionante da
escolha do itinerário terapêutico, pois a partir do momento que o indivíduo socialmente
definido como enfermo, desencadeia-se uma sequência de práticas destinadas a uma solução
terapêutica. Ele chama este processo career of illness (itinerário terapêutico). Neste percurso,
os indivíduos podem ter experiências com as várias agências de tratamento, ficando, assim,
legitimados a assumirem um papel de enfermos, pois cada uma delas tem um caráter de
responsabilidade ao atribuir suas próprias noções terapêuticas.

Para Alves (1993), os indivíduos podem ter experiências com varias agências de tratamentos
como Hospitais, Igrejas, curandeiros, ficando assim legitimados a assumirem um papel de
enfermo, pois cada uma delas tem um carácter de responsabilidade ao atribuir suas próprias
noções terapêuticas. A influência do contexto sociocultural é notória na escolha do itinerário
de cuidado, pois a interpretação da enfermidade tem uma dimensão temporal não apenas
porque a doença, em si mesma, muda no decorrer do tempo, mas também porque a sua
compreensão é continuamente confrontada por diferentes diagnósticos construídos por
familiares, amigos, vizinhos e terapeutas (ALVES, 1993).

Ao se ampliar a discussão sobre a cronicidade para além dos parâmetros biológicos e se


incluir aspectos discutidos nas Ciências Humanas, faz-se importante considerar tanto os
elementos subjetivos e individuais (que organizam as diferenças) presentes na construção da
enfermidade, como os aspectos intersubjetivos, que tornam a enfermidade objetiva para os
outros (Alves, 1993). Ao garantir espaço para esses outros discursos (individuais e
coletivos),assume-se que a enfermidade não se restringe à experiência privada, sendo
intersubjetiva na medida em que quadros de referência sociais são internalizados e
construídos pelos sujeitos enfermos nas situações de interação social
-Helman21 apresenta uma caracterização da classe médica, proposta por Pfifferling, que
examina alguns conceitos e premissas subjacentes à profissão médica nos Estados Unidos,
cujos tópicos principais citamos abaixo:-

Foco de atenção no médico (e não no paciente) para definir a natureza e os contornos dos
problemas do paciente: consequentemente as habilidades intelectuais e as diagnósticas são
mais valorizadas do que as de comunicação;

- Orientação para a especialidade: os especialistas detêm mais prestígio que os generalistas;

- Orientação para credenciais e títulos: quanto mais altas as credenciais, maior a possibilidade
de ascensão na hierarquia médica, por serem tidos como detentores de maior habilidade
clínica e conhecimento;

- Base na capacidade de memória: proezas de memória (sobre fatos, casos, drogas,


descobertas na área médica) são recompensadas com promoções e com o respeito dos
colegas;

- Enfoque em casos únicos: as decisões são tomadas com relação a cada caso isolado de uma
doença, com base em descrições cumulativas de casos clínicos anteriores;- Orientação para os
processos biológicos quantificáveis no paciente;

- Ênfase crescente na tecnologia diagnóstica, em vez de na avaliação clínica;- Grande


influência do controle empresarial sobre os hospitais, com implicações sobre o atendimento
em saúde.

Os sucessos históricos da ciência médica, juntamente com o declínio da religião organizada,


levaram a expectativas exageradas com relação aos médicos. Cada vez mais, espera-se que
eles sejam competentes em uma vasta série de papéis, além daquele de curandeiro. Muitas
vezes, espera-se que se comportem como verdadeiros "sacerdotes seculares" em seu próprio
"templo da ciência", mesmo quando não tiveram qualquer treinamento para fazer
isso21.Todas essas expectativas sinalizam a necessidade de mudanças no sistema médico
contemporâneo, tanto na educação médica, quanto no processo de trabalho e na organização
dos serviços de saúde, e falam a favor de um pluralismo na assistência à saúde, isto é,
trabalho interdisciplinar cooperativo voltado para o cuidado do indivíduo doente
Saúde

Em 1946 a Organização Mundial da Saúde (OMS) concebeu a saúde como “um estado de
completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou
enfermidade” adoptando uma definição holística que inclui saúde física, psicológica, social e
espiritual (Helman 2009:118).

No contexto do Sul de Moçambique, Honwana sublinha que a saúde é tida como um estado
natural dos indivíduos. A ausência da saúde é percebida como um estado de anormalidade, de
desequilíbrio tanto físico como social. Assim, a saúde é percebida não só como um fenómeno
corporal mas também como um processo social, concepção esta que é mais ampla do que a
apresentada pelos conceitos biomédicos Por conseguinte, a saúde implica “relações
harmoniosas entre os seres humanos e o meio ambiente, entre eles e os seus antepassados e
entre estes e o meio ambiente” (Honwana 2002: 208-209).

Doença

Na concepção biomédica dominante a doença é resultado de factores eminentemente morfo-


fisiológicos, neste modelo os médicos detêm o monopólio e a jurisdição exclusiva sobre a
definição da doença e do tratamento. Contudo, este modelo não leva em conta os significados
sociais atribuídos à doença e ao comportamento do enfermo (Alves 1993).

Granjo (2009) sublinha que no Sul de Moçambique as doenças não são consideradas como
um fenómeno natural mas como uma anomalia, a ruptura da normalidade onde se destacam
por um infortúnio ocorre em casos de feitiçaria, por exemplo: a falta da protecção por parte
dos antepassados. 10

Tendo como referência o Sul de Moçambique Honwana (2002:210-211) “categoriza as


doenças em simples e complexas” As doenças simples são aquelas cujas causas são de
origem natural (micróbios, bactérias, etc.) e que são de carácter transitório. As doenças
complexas são aquelas que persistem longo tempo, alteram a vida das pessoas e são
percebidas como resultado da violação de normas e valores de uma determinada sociedade. O
que diferencia as doenças simples das complexas é “a graduação com que a doença afecta ou
interfere na vida da pessoa e dos seus mais próximos”

Modelos Explicativos
A redução do bem-estar e amá saúde levam as pessoas a especular sobre como é que ficaram
doentes, como é que a doença os afectar e o que é que podem fazer para melhorar” (Kleinman
citado por Quinlan 2011).

Os indivíduos tendem a ter uma explicação única e específica para cada enfermidade.
Aspectos culturais e de socialização influenciam a forma como se explicam os problemas de
saúde e como se interpretam os sinais visíveis no corpo (Quinlan 2011).

Assim, designa-se por Modelo Explicativo as noções sobre um episódio de doença e o seu
tratamento. Estes modelos oferecem diferentes explicações e respostas sobre: a) a etiologia
ou causa da condição; b) o momento de surgimento e a forma de início dos sintomas; c) os
processos fisiopatológicos em questão; d) o curso da doença e o seu grau de severidade; e) os
tratamentos adequados a uma determinada condição (Kleinman citado por Helman 2009:119-
120).

Os modelos explanatórios que são usados pelos indivíduos para explicar, organizar e manejar
os episódios particulares de redução do bem-estar (Helman 2009: 120) são usados tanto pelos
pacientes como pelos provedores de cuidados de saúde. Ao oferecer explicações sobre a
doença e as formas de tratamento, estes modelos orientam as escolhas entre as terapias e os
terapeutas disponíveis e atribuem significados pessoais e sociais à experiência da doença.
(Helman 2009: 119-120).

Convém salientar que os modelos explanatórios não são coisas concretas, que não mudam, ou
que estão separadas das circunstâncias em que surgem. Os modelos explicativos só podem ser

Analise

A perspectiva de Arthur Kleinman sobre os modelos explicativo e ou explanatório a luz dos


conceitos “disease” (doença processo) e a “illness” (doença experiência). Estes modelos de
análise ajudaram para captar e a compreender as diferentes construções e percepções que
alguns residentes do bairro de Chamanculo C têm a cerca da relação entre profissionais de
saúde- paciente no atendimento. O modelo explicativo proposto por Kleinman (1987)
constitui uma abordagem imperiosa para análise dos dados desse trabalho.

Kleinman (1980) elaborou o conceito de “modelo explicativo” como forma de analisar os


traços cognitivos e os problemas de interação ligados às atividades de saúde. Para este autor,
o modelo explanatório é formado por noções elaboradas a partir de episódios de doenças e
em referência aos tratamentos que foram utilizados. O autor faz uma distinção entres “os
modelos explicativos” dos profissionais e os “modelos explicativos” utilizados pelos doentes
e suas famílias. Esses modelos orientam os pacientes e os cuidados em diferentes
circunstâncias nas formas de agir que condicionam na escolha das terapias para tender um
certo fenómeno da doença.

Nessa perspectiva, Kleinman (1980) inspira-se na antropologia interpretativa de Geertz


(1973) que considera que a cultura fornece modelos “de” e “para” as acções humanos
relativos à saúde e à doença. Para este autor, todas as actividades de cuidados em saúde são
respostas socialmente organizadas frente às doenças e podem ser estudadas como um sistema
cultural: sistema de saúde.

A abordagem de Kleinman (1980) dá destaque às diferentes dimensões da doença, as quais


servem de matriz para possíveis modelos explanatórios sobre o fenômeno doença. Tais
dimensões são expressas por termos da língua inglesa que são sinônimos, mas para os quais
houve a proposição de uma distinção semântica. Os termos são: “disease” (doença processo),
“illness” (doença experiência). A “disease” refere-se a anormalidades na estrutura e na
função dos órgãos e sistemas, as quais limitam as capacidades do indivíduo ou a sua
expectativa de vida e podem ser diagnosticadas e tratadas como um fenômeno objetivo.
Nessa lógica, ela é medida por meio de exames laboratoriais, observação direta ou por outros
sinais apreendidos por meio da semiologia biomédica. Constitui uma dimensão fortemente
identificada com o modelo biomédico de atenção à saúde.

Relativamente ao conceito “illness” segundo Kleinman (1981) é referente à experiência


subjectiva ou psicológica do mal-estar sentido pelo doente. Isto é, a “illness” diz respeito a
uma experiência que traz mudanças nos estados de ser e na função social dos sujeitos
doentes, relacionando-se às dimensões mais subjectivas ou psicológicas da falta de saúde que
são, geralmente, a preocupação mais imediata para as pessoas que a experimentam. Trata-se,
portanto, da doença como uma experiência associada às redes de símbolos e significados,
com estrutura e lógicas próprias, distintas daquelas da biomedicina, pois são consequentes da
interacção social e dependente das características de vida do sujeito e do contexto
sociocultural em que é produzida e interpretada.

A teoria dos modelos explicativos, tendem a explicar os conhecimentos e crenças médicas em


ermos de um conjunto singular de estruturas cognitivas subjacentes aos sectores do sistema
médico. Em contrapartida, Kleinman e seus seguidores na procura de uma lógica interna dos
significados atribuídos à enfermidade, e dentro de um interesse essencialmente clínico, não
dão a devida atenção ao fato de, geralmente, as pessoas atribuírem, ao mesmo tempo,
diferentes interpretações para as suas aflições. As percepções, crenças e acções dos
indivíduos são geralmente heterogéneas, complexas e ambíguas.

O modelo explanatório também analisa os comportamentos adoptados por pessoas de


diferentes grupos que enfrentam os problemas de saúde. Nesse sentido, o modelo do sistema
de cuidados em saúde proposto examina o modo como as pessoas agem nesse sistema e como
usam seus componentes, incluindo suas crenças (em grande parte tácitas e inconscientes)
sobre o sistema como um todo e seus padrões de conhecimento e comportamento, os quais
são regidos por regras culturais. Em relação a este modelo explanatório que é referente aos
sistemas culturais de cuidados em saúde, tem-se que a realidade social é composta por três
dimensões: a psicológica, a biológica e a física. A primeira diz respeito ao mundo interior do
indivíduo; a segunda refere-se à infra-estrutura de organismos, incluindo o homem; e a última
relaciona-se às estruturas materiais e aos espaços que compõem o ambiente não-humano
(Kleinman 1980).

Caprara, A; Lins A e Franco S. 1999. “A relação paciente- médico: para uma


humanização da prática médica”. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro; 15(3): 647-54.

Para Caprara e Rodrigues (2004), a relação entre médico e paciente é uma relação
assimétrica, onde o médico detém um corpo de conhecimentos do qual o paciente geralmente
é excluído. Alguns estudos apontam que a melhor relação médico-paciente influencia
diretamente sobre o estado de saúde dos pacientes e também interfere na adesão e no sucesso
do tratamento

A relação entre o profissional de saúde com o paciente no encontro clínico era definida por
um modelo paternalista, onde o paciente era dependente do exame e das ideias do médico.
Em contra partida, esse modelo foi substituído pelo modelo chamado informativo, graças as
reivindicações desenvolvidas nos países como Estados Unidos, Canadá e alguns países
Europeus, pelos movimentos que estavam a favor dos direitos dos pacientes e também pela
política de mercado, ao considerar que o médico é um prestador de serviço e o paciente como
um simples consumidor, havendo a necessidade de assumir um processo de comunicação que
implique na passagem de um modelo de comunicação unidireccional a um bidireccional, que
vai além do direito à informação, e com o padrão comunicacional, o paciente passou a ter o
direito a uma informação correcta e a decidir-se pelo próprio tratamento (Caprara; Lins;
Franco 1999: 651).

No trabalho de Caprara & Franco (1999) encontramos o caso de Rabin, um endocrinologista,


que para ter um diagnóstico definitivo, procurou um especialista em esclerose lateral
amiotrófica. Sobre este contato ele expressou:

... fiquei desiludido com a maneira impessoal de se comunicar com os pacientes. Não
demonstrou, em momento nenhum, interesse por mim como pessoa que estava
sofrendo. Não me fez nenhuma pergunta sobre meu trabalho. Não me aconselhou
nada a respeito do que tinha que fazer ou do que considerava importante
psicologicamente, para facilitar o enfrentamento das minhas reações, a fim de me
adaptar e responder à doença degenerativa. Ele, como médico experiente da área,
mostrou-se atencioso, preocupado, somente no momento em que me apresentou a
curva da mortalidade da esclerose amiotrófica (p.650).

Os autores deste mesmo trabalho ressaltam que os relatos de médicos que vivenciaram esta
experiência mostram que a formação médica está voltada para aspectos da anatomia,
fisiologia, patologia e clínica, e não considera a história da pessoa doente, o apoio moral e
psicológico.
Apresentação Sónia (Principais abordagens da relação medico-paciente)

Caprara, Lins e Franco (1999), afirmam que a reflexão sobre a humanização da medicina, em
particular da relação do médico com o paciente é discutida com mais enfase desde os
primórdios e sobre ponto de vista de diferentes perspectivas. Na perspectiva de autores das
áreas de psicologia e psiquiatria na década de 60, na perspectiva da sociologia da saúde na
década de 60 e 70 e na perspectiva da antropologia na década de 80 e 90.

Nesse âmbito apela-se que o medico seja mais compreensivo e tolerante perante o paciente,
dando-lhe espaço ou prioridade para se expressar e transparecer o seu ponto de vista diante da
sua situação de doença. Citando os trabalhos de Kleinman, Good, Helman, Bibeu e Young
como impulsionadores dessa relação, na medida em que abre perspectivas para se discutir as
dinâmicas que podem caracterizar essa relação numa perspectiva antropológica. Não só,
Impulsiona na analisa que faz inclusão a componente cultural da doença, mas também a
experiencia e a perspectiva do doente e dos seus familiares, as interpretações e as praticas
populares e suas influencias sobre a prevenção, portanto contudo, a influencia desses autores
tem contribuído na relação de comunicação entre paciente-medico abrindo espaço para uma
possível Humanização e abordagem hermenêutica.

Sendo assim os estudos antropológicos contemporâneos dos autores acima citados, afirmam
que humanização da relação médico-paciente se faz necessária. Caprara & Franco (1999)
enfatizam essa necessidade visando estabelecer o que denominam “uma relação empática e
participativa” que ofereça ao paciente a possibilidade de interferir na decisão da escolha do
tratamento. Ressalta-se o papel do profissional da saúde como responsável pela efetiva
promoção da saúde, considerando o paciente em sua integridade física, psíquica e social, e
não somente de um ponto de vista biológico. A comunicação adequada contribuiria nesse
processo.

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