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BELO HORIZONTE
2018
LUCAS OLIVEIRA ABREU
BELO HORIZONTE
2018
LUCAS OLIVEIRA ABREU
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
____________________________ - ____/____/_____
Prof.
___________________________ - ____/____/_____
Prof.
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Prof.
DEDICATÓRIA
Para Fábio Nunes, que se encontrou com Odin e agora está em Valhalha;
Manuela Abreu, que ilumina toda minha escuridão; e Nair Abreu, a melhor pessoa que
conheço.
AGRADECIMENTO
A prática de inseminação artificial caseira está se tornando cada vez mais comum na
sociedade brasileira. Trata-se do ato de uma doação direta de sêmen, sem
intermediação clínica, para a fecundação induzida.
Por analogia com outros campos do direito civil, tem-se que as consequências
jurídicas são problemáticas a serem resolvidas. No campo da relação jurídica, o
negócio se dá por inválido. A responsabilidade parental é posta em cheque. Além de
abrir possibilidades de ilícitos e riscos para a saúde pública.
Em que pese toda a ponderação, é de se considerar também a transformação social
que deve modificar o Direito, devendo os juristas atentarem aos usos e costumes na
hora de aplicar a lei.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
3.2. Da liberdade................................................................................................... 22
4. DA FILIAÇÃO ....................................................................................................... 31
4.1. Do conceito.................................................................................................... 31
6. DA RELAÇÃO JURÍDICA..................................................................................... 44
7. DA BIOÉTICA ....................................................................................................... 51
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 54
ANEXO I.................................................................................................................... 60
ANEXO II................................................................................................................... 63
ANEXO III.................................................................................................................. 65
ANEXO IV ................................................................................................................. 67
12
INTRODUÇÃO
1 Termo utilizado para designar a ideologia familiar moderna, onde os filhos são o centro e finalidade
da relação da entidade. (FIUZA, 2014)
2 Vide anexos.
14
Fonte: (Inseminação artificial caseira: os riscos da ideia, que se espalha cada vez mais em grupos de
internet, 2018)
2. DA RESPONSABILIDADE PARENTAL
3. DOS PRINCÍPIOS
“Preâmbulo
(...)
Artigo 12
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no
seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação.
Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques.
(...)
Artigo 16
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar
uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua
duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito
à proteção da sociedade e do Estado.
(...)
Artigo 23
(...)
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.
(...)
21
Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a
si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à
segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da
mesma proteção social. (...)” Grifos do autor (Organização das Nações
Unidas, 1948)
4 (DIAS, 2015)
5 “É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios que a Constituição Federal
consagra como valores sociais fundamentais, e que não podem se distanciar da atual concepção de
família, com sua feição desdobrada em múltiplas facetas. Daí a necessidade de revisitar os institutos
de direito das famílias, adequando suas estruturas e conteúdo à legislação constitucional,
funcionalizando-os para que se prestem à afirmação dos valores mais significativos da ordem jurídica.”
(DIAS, 2015 p. 43)
22
3.2. Da liberdade
6 Frase do filósofo Thomas Hobbes (domínio público), autor da teoria do Leviatã, onde defende que o
homem deve ter um estado que o controle como o monstro mitológico que dá nome à tese. Do contrário,
o homem se destruiria como fazem os lobos selvagens. Assim, o homem pode ser considerado o lobo
de si mesmo.
7 Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.
24
3.5. Da afetividade
8 Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1.
Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o
consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico
objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se
reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge
um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de
cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear
25
Dessa forma, pode-se dizer, que o afeto é o liame subjetivo entre os parentes.
A força sentimental que une as pessoas, legitimando as famílias e garantindo seus
direitos.
O afeto se mostra necessário em todo o atual estudo do direito de família, sendo
priorizado pelos pesquisadores e aplicado em diversas decisões judiciais, como os
exemplos abaixo.
O direito de visitar o pai preso, em respeito à afetividade, conforme diz o TJMG:
compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que
minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um
núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos,
ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes –
por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via
do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível,
em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se
irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido (STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira
Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
26
dos autos. 3. Na hipótese, a primeira demanda não foi proposta pelo filho,
mas por sua genitora, que buscava justamente anular o registro de filiação na
ação declaratória que não debateu a socioafetividade buscada na presente
demanda.
4. Não há falar em ilegitimidade das partes no caso dos autos, visto que o
apontado erro material de grafia foi objeto de retificação. 5.
À luz do art. 1.593 do Código Civil, as instâncias de origem assentaram a
posse de estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo dessa
condição, além do preenchimento dos requisitos de afeto, carinho e amor,
essenciais à configuração da relação socioafetiva de paternidade ao longo da
vida, elementos insindicáveis nesta instância especial ante o óbice da Súmula
nº 7/STJ.
6. A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana
por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a
condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a
regular adoção, a verdade real dos fatos.
7. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº
898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as
paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação
apta a ensejar a hierarquização dos vínculos.
8. Aquele que atenta contra os princípios basilares de justiça e da moral, nas
hipóteses taxativamente previstas em lei, fica impedido de receber
determinado acervo patrimonial por herança.
9. A indignidade deve ser objeto de ação autônoma e seus efeitos se
restringem aos aspectos pessoais, não atingindo os descendentes do
herdeiro excluído (arts. 1.814 e 1.816 do Código Civil de 2002).
10. Recurso especial não provido.
(REsp 1704972/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 15/10/2018)
31
4. DA FILIAÇÃO
4.1. Do conceito
9 “Ainda que por vedação constitucional não mais seja possível qualquer tratamento discriminatório com
relação aos filhos, o Código Civil trata em capítulos diferentes os filhos havidos na relação de
casamento e os havidos fora do casamento. O capítulo intitulado ‘Da filiação’ (CC 1.596 a 1.606)
cuida dos filhos nascidos na constância do matrimônio, enquanto os filhos havidos fora do casamento
estão no capítulo ‘Do reconhecimento dos filhos’ (CC 1.607 a 1.617). A diferenciação advém do ato de
o legislador, absurdamente, ainda fazer uso de presunções de paternidade. Tal tendência decorre da
visão sacralizada da família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso
tenha de atribuir filhos a alguém, não por serem pai ou mãe, mas simplesmente para a mantença da
estrutura familiar.” (DIAS, 2015 p. 386)
32
pais e filhos. Contudo, ainda há o que se chama de estado de filiação, que é a filiação
gerada no campo abstrato da afetividade, vinda de convivência, amor, carinho etc.
(DIAS, 2015)
Maria Berenice acrescenta:
Por muito tempo, a reprodução era apenas aquela vinda de uma relação sexual,
linear e tradicional. Contudo, com o avanço da biotecnologia, novas formas de
reprodução foram possibilitadas, dadas as novas formas de família – homoafetiva,
eudemonista, pluriparental etc – bem como enfermidades que impossibilitam a
reprodução natural. (DIAS, 2015 p. 400)
A reprodução assistida (ou in vitro ou artificial) se trata de técnicas para que os
gametas se encontrem e gerem um novo indivíduo, sem ser necessária a relação
sexual.
Desta forma, casais homoafetivos, pessoas solteiras ou famílias que se
enquadram em casos de esterilidade, poderão se reproduzir e passar pela experiência
da filiação.
O CFM regulamenta essa prática pela resolução 2.168 de 2017, garantindo a
igualdade e alguns princípios bioéticos básicos em seu primeiro título, os quais são:
10 “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção
juris tantum de paternidade.” (Súmula 301, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004
p. 425)
36
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
Julgado em 04/04/2013)
o tema – e o filho concebido após a abertura sucessória poderá ser sujeito da herança,
se assim for definido em testamento11. (DIAS, 2015 p. 401)
11“Art. 1.800 (...) § 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos
herdeiros legítimos.” (BRASIL, 2002)
40
5. DOS RISCOS
São crimes que visam a proteção contra a exposição da vida ou saúde a risco
de degradação ou destruição – crimes de perigo.
Tais crimes são proteções da incolumidade física e da saúde.
Para este estudo, importa falar dos crimes de perigo de contágio venéreo,
perigo de contágio de moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de outrem, como
se pode ver:
Regulamentado pelo Art. 130 do CP, é a conduta de “expor alguém, por meio
de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de
que sabe ou deve saber que está contaminado” (BRASIL, 1940).
A exposição é o ato de deixar desprotegido ou sem guarda alguém com que se
tenha relações sexuais ou se pratique ato libidinoso. O tipo destaca que o contágio
deve ser de moléstia de que o agente está contaminado ou de que deve saber da
contaminação, ressaltando a obrigação de cuidado e controle de doenças
sexualmente transmissíveis.
O brilhante doutrinador, Cezar Bitencourt, em seu tratado de direito penal,
ensina:
41
Como se pôde ver no grifo, o crime visa não só a proteção da saúde, mas
também há proteção direta às questões que tocam bens jurídicos protegidos pelo
direito de família.
Por fim, moléstia venérea é um termo amplo, se tratando de norma penal em
branco. Portanto, outra lei definirá o que é uma moléstia venérea, o que Bintencourt
esclarece: “para efeitos penais, somente aquelas que o Ministério da Saúde catalogar
como tais, e esse rol deve variar ao longo do tempo, acompanhando não só a evolução
dos costumes, mas, particularmente, os avanços da própria ciência médica”.
(BITENCOURT, 2012 p. 545)
12 “Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o
sangue, o esperma e o óvulo.” (BRASIL, 1997)
13 “Art. 1º (...) § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” (BRASIL, 1942)
44
6. DA RELAÇÃO JURÍDICA
O nascimento é um fato que provoca uma relação jurídica. O feto nascido com
vida já se torna sujeito de direitos civis14 (BRASIL, 2002). A paternidade e filiação são
fenômenos da relação jurídica que se concretiza com o nascimento. (QUEIROZ, 2001)
No caso da inseminação heteróloga caseira, o nascido possui um vínculo
biológico existente e válido, o qual não pode lhe ser negado, resguardando-se sua
dignidade.
Maria Berenice Dias ensina acerca do que ela chama de “Estado de Filiação”:
14 “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida (...)” (BRASIL, 2002)
45
“É o mais importante princípio. É ele que faculta às partes total liberdade para
concluir seus contratos. Funda-se na vontade livre, na liberdade de contratar.
O contrato é visto como fenômeno da vontade e não como fenômeno
econômico-social. É o princípio que protege as partes contratantes da
ingerência ilegítima do Estado.” (FIUZA, 2014 p. 534)
15 A linguagem jurídica moderna trata de Autonomia Privada, pois o termo Autonomia da Vontade está
longe da definição adstrita do instituto, que é limitado à intervenção estatal, para que se cumpra a
função social do contrato, que é superior à vontade das partes.
16 Latim. Significado: “Acordos devem ser mantidos”.
46
Nos nortes dados pelo Contrato Social e pelo advento dos princípios e garantias
fundamentais – frutos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da CRFB/88
– a autonomia privada se torna limitada por subprincípios garantidores, quais sejam,
o da dignidade da pessoa humana e da função social.
A dignidade humana é princípio básico do Direito Brasileiro moderno.
Permeando todas as esferas, foi consagrado pelo Art. 1º, III da CRFB/88. É
fundamento da República brasileira. O contrato deve obedecer a tal princípio, não
sendo possível dispor de tal mandamento.
Fiuza traz um excelente exemplo para tal doutrina:
A função social compreende uma premissa de que todo contrato deve ser útil
para a ordem civil, econômica e jurídica do negócio. Assim, evitam-se transtornos
como prejuízo de direitos de terceiros ou desobediência a princípios fundamentais,
como a já citada dignidade humana.
Fiuza esclarece:
17 Karl Raimund Popper foi filósofo da ciência, estabeleceu as bases epistemológicas do conhecimento
em seu racionalismo crítico, que são: teoria, hipótese da verdade; ciência, confirmação da teoria;
técnica, aplicação da teoria ou ciência; crítica, pontos conflitantes da teoria, ciência e técnica. (POPPER
(1902-11994), 2010)
18 O nome tem origem no autor da teoria da validade do negócio jurídico, Pontes de Miranda.
19 “A diferença entre o mundo fáctico e o mundo jurídico vê-se bem entre o passeio que alguém faz à
casa do amigo e a entrega da carta com a oferta de contrato, entre o ato de cercar, interiormente, o
terreno que lhe pertence e o de invadir o terreno do vizinho, entre a avulsão interior ao terreno de A e
a avulsão entre o terreno de A e o de B. Duas pessoas que se divertem jogando cartas, sem parar
qualquer valor (sòmente fichas de osso ou de matéria plástica, que voltam ao dono), mantêm-se no
mundo fáctico; e duas que fizeram paradas de dinheiro, fizeram entrar no mundo jurídico, desde o
momento em que acordaram em tal jogo, o negócio jurídico dos arts. 1.477- 1.479 do Código Civil. A
diferença entre o plano da existência e o plano da eficácia percebe-se claramente quando se considera
o fato jurídico e o direito, o dever, a pretensão, a obrigação, a ação e a exceção, que são efeitos, ou a
condição e o têrmo, que só operam no plano da eficácia, e o distrato, a resolução sem ser por advento
de condição ou têrmo, a própria resilição e a denúncia, que se passam no plano da existência. O distrato
desfaz o ato jurídico; a resolução resolve o ato jurídico, a resilição resile-o; a denúncia atinge o ato
jurídico. A condição e o têrmo sòmente apanham efeitos.” (MIRANDA, 2012)
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seja de forma tácita ou expressa; ainda, a forma de celebração deve ser observada –
por exemplo, um casamento deve ser pactuado de forma solene, igual sua previsão
legal. (FRANCO, 2015)
No plano da validade, observam-se os requisitos formais e legais do negócio
jurídico. Neste momento, verificam-se características formais do contrato. O Art. 104
do CC/02 define os requisitos de validade do negócio jurídico: “A validade do negócio
jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei” (BRASIL, 2002). A capacidade
dos agentes é medida pelas definições do CC/02 nos requisitos listados no Capítulo I
da lei (Arts. 1º ao 10). A licitude do objeto é fundamental para que este seja objeto da
negociação, pois, se houver reprovabilidade do objeto, há ofensa jurídica; ainda, o
objeto deve ser possível, por obviedade da necessidade de alcance e acessibilidade
à coisa – impossível é negociar um imóvel na lua, por exemplo; determinado ou
determinável, dando forma e contorno ao que se está negociando. Quanto à forma
prescrita ou defesa em lei, orienta que os contratos que exigem certa solenidade
sejam obedecidos conforme a lei – como o casamento. Pontes de Miranda pontua,
chamando este plano de “Plano II”, condicionando à validade possíveis nulidades20 e
anulabilidades21:
“No Plano II, o assunto já supõe a existência dos fatos jurídicos; mais
precisamente, dos atos jurídicos (negócios jurídicos e atos jurídicos stricto
sensu), fora os fatos jurídicos stricto sensu. São a validade, a nulidade e a
anulabilidade o que mais longamente nos ocupa.” (MIRANDA, 2012 p. 25)
ensejem. Contudo, permanece válido até que judicialmente a nulidade seja decretada.
49
senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los
sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir
de comum acordo.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo,
sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua
conservação, como as empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar
os cuidados que se deve? Esta dificuldade, reconduzida ao meu assunto,
pode ser enunciada nos seguintes termos.
‘Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força
comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-
se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre
como anteriormente.’ Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo
contrato social.
As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do
ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte
que, conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas
em todas as partes, em todas as partes tacitamente admitidas e
reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em seus
primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade
convencional pela qual ele aqui renunciou.” (ROUSSEAU p. IV)
51
7. DA BIOÉTICA
A bioética vem para quebrar a tradição de delegar a saúde aos médicos, para
que eles ajam arbitrariamente sobre os indivíduos, podendo provocar danos ou até
mesmo usando aqueles corpos para experimentos científicos. Vide o que diz
Spinsanti:
8. DO DIREITO CONSUETUDINÁRIO
O Art. 4º da LINDB assim diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL,
1942) grifo do autor.
Costume nada mais é do que uma prática reiterada que se torna comum e
ordinária em determinado grupo ou sociedade.
O costume é uma fonte do direito, sendo aplicado quando da omissão
legislativa sobre alguma lei. O judiciário faz muito uso desta aplicação em suas
decisões.
Usos e costumes são os sinais das modificações sociais comuns a toda
organização humana. Por eles, o Direito age para se adequar à sociedade, buscando
uma regulamentação que não fira a essência que gera aquele grupo.
54
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIRANDA, Pontes de. 2012. Tratado de direito privado: parte especial. São Paulo :
Revista dos Tribunais, 2012. Vol. XXXIII.
Organização das Nações Unidas. 1948. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. 1948. Adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas
(resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948..
POPPER (1902-11994), Karl Raimund. 2010. Textos Escolhidos - Organização e
Introdução: David Miller. [trad.] Vera RIBEIRO. Rio de Janeiro : PUC-Rio, 2010. Vol.
único. ISBN 978-85-7866-029-1.
QUEIROZ, Juliane Fernandez. 2001. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de
inseminação artificial. [ed.] Arnaldo Oliveira. Belo Horizonte : Del Rey, 2001. Vol.
único.
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Jusbrasil. [Online] 2017. [Citado em: 03 de Setembro de 2018.]
https://mandersonrodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/482814200/elementos-
estruturais-do-negocio-juridico.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. [trad.] Rolando Roque da Silva.
Vol. único, Livro de domínio público.
SPINSANTI, Sandro e CLAGUE, Julie. 1998. Terapia gênica e aperfeiçoamento da
natureza humana. Petrópolis : Vozes, 1998.
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Brasileiro: A omissão presente no Código Civil e a busca por uma legislação
específica. Âmbito Jurídico. [Online] Julho de 2011. [Citado em: 12 de Agosto de
2018.] http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9928.
WISBECK, Américo, et al. 2015. Casal homoafetivo registra em seu nome filho
gerado de inseminação artificial caseira. Poder Judiciário de Santa Catarina. [Online]
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 13 de Novembro de 2015. [Citado em: 12 de
Agosto de 2018.] https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/casal-homoafetivo-
registra-em-seu-nome-filho-gerado-de-inseminacao-artificial-
caseira?redirect=https%3A%2F%2Fportal.tjsc.jus.br%2Fweb%2Fsala-de-
imprensa%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_3dhclc9H4ihA%26p_.
ZYLBERKAN, Mariana. 2017. Inseminação caseira ganha impulso com pai 'real' e
custo quase zero. Folha de São Paulo. [Online] 10 de Outubro de 2017. [Citado em:
12 de Agosto de 2018.] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1927109-
inseminacao-caseira-ganha-impulso-com-pai-real-e-custo-quase-zero.shtml.
60
ANEXO I
“Estamos à procura de alguém que queira artificial em clínicas, nestas situações, o doador
realmente fazer uma doação com data não costuma ser anônimo. O procedimento é
marcada. E se não puder comparecer nos avise feito sempre no período fértil, às vezes,
com antecedência, pois estamos em busca de repetidamente no mesmo ciclo menstrual a fim
um sonho que, para nós, é sério.” A frase é de de aumentar as chances de gravidez. Com a
J. C*, integrante de um dos vários grupos disseminação da prática na internet já existe
virtuais que reúnem pessoas interessadas em até a possibilidade de comprar online um kit,
um método, que ficou conhecido como que inclui testes de ovulação e até um cateter
inseminação artificial caseira. Para para conduzir o esperma até bem próximo ao
tentar realizar o sonho de ser mãe, ela usa as útero. A média de preço é de R$ 100.
redes sociais com o intuito de encontrar um
homem disposto a ceder uma pequena Os riscos à saúde
quantidade de sêmen, para ela mesma poder O ginecologista e obstetra Renato Tomioka,
inserir em seu corpo, em casa. especialista em medicina reprodutiva da clínica
Parece surreal? A prática tem ganhado Vida Bem Vinda (SP), alerta que por se tratar
adeptos, principalmente entre casais da introdução de um material biológico sem
homoafetivos femininos, mulheres que querem avaliação adequada, há diferentes riscos para
engravidar de forma independente e casais a saúde. “Pode haver a transmissão de várias
héteros, quando o homem apresenta algum doenças, entre elas, a infecção genital e a
problema que afete a fertilidade, como a contaminação do sêmen por vírus como HIV,
qualidade e a quantidade de seus hepatites e zika, que podem comprometer a
espermatozoides, por exemplo. São vários os saúde da mãe e do futuro bebê. Além disso,
grupos disponíveis no Facebook que tratam do podem ocorrer traumatismos vaginais, devido à
assunto, por exemplo. Em uma rápida manipulação inadequada dos materiais",
pesquisa, é possível encontrar pelo menos 45 explica.
deles. O maior, com o nome de Inseminação Para a técnica de enfermagem S.C., 38 anos,
Caseira Gratuita, de São Paulo, reúne mais de de Natal (RN), e sua parceira, o sonho da
9 mil membros. maternidade passou por cima de qualquer um
A solução convencional é recorrer a uma clínica desses riscos. O casal optou pela inseminação
de reprodução humana para realizar a caseira e conseguiu ter um bebê. O menino
inseminação artificial (quando o sêmen do está hoje com 7 anos. O procedimento deu
homem é depositado direto no útero feminino). certo, mas elas não ficaram satisfeitas. Quando
A grande barreira, no entanto, é o custo do ele completou 4 anos, elas decidiram que
procedimento, que varia entre R$ 2 mil e R$ 4 tentariam novamente. Dessa vez foi S.C* e não
mil (quando utilizado o sêmen do próprio a parceira que se submeteu à inseminação no
parceiro) e chega a custar cerca de R$ 20 mil ano passado e, desta vez, vieram gêmeas!
(com sêmen do laboratório ou banco). “Conseguimos um doador da nossa cidade,
marcamos a data e fizemos o procedimento.
Em alguns hospitais públicos, como o Hospital Nove meses depois nasceram nossas filhas,
das Clínicas e o Perola Byington, em São Paulo que hoje estão com 4 meses”, diz.
(SP), é possível realizar os procedimentos de
forma gratuita. Nestes casos, é preciso atender A ginecologista e obstetra Juliana Amato, da
aos pré-requisitos de cada instituição, que Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva,
podem envolver a renda e a comprovação de confessa que as chances de um teste de
disfunções na fertilidade. Além disso, quem gravidez positivo depois do procedimento
opta por esses programas deve estar disposto doméstico realmente acontecem, mas é preciso
a enfrentar uma longa fila de espera, que levar em conta todos os riscos, não só de
costuma ultrapassar mais de um ano. saúde, como também psicológicos, éticos e
jurídicos.
Já no “método” caseiro, basta um pote de coleta
(como aquele usado em exames de urina) e Código de ética próprio
uma seringa. Na prática, o sêmen de um doador Apesar do passo a passo que tenta imitar a
é depositado num pote de coleta e, logo em inseminação feita em clínicas especializadas, a
seguida, transferido para dentro da vagina da versão caseira esbarra em questões
receptora com a ajuda de uma seringa. Ao importantes, que vão além do risco à saúde.
contrário do que acontece na inseminação Uma delas é que o Conselho Federal de
61
Medicina determina que a doação de gametas a ter um filho, mas, enquanto isso não
(espermatozoides e óvulos) deve ser anônima acontece, me realizo fazendo outras mulheres
e sem trocas financeiras entre receptor e felizes”, diz. Ele cumpre todas as exigências
doador. Além disso, os pais devem ter, no das tentantes no que diz respeito a ficar longe
máximo, 50 anos de idade. Os fatos não têm da família e da criança. Mas também atende a
como ser fiscalizados quando é feita a pedidos de amigos e até já está se preparando
inseminação caseira. para fornecer seu material genético pela
segunda vez a um casal que conquistou o
Já o Código Civil prevê na Lei 9.434/97, em seu positivo com "a ajuda" dele. Até o ponto em que
artigo 9º, que é permitido à pessoa dispor a nossa conversa evoluiu, não houve nenhuma
gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do exigência comercial.
próprio corpo vivo, desde que não haja
comercialização. Cientes disso, alguns Para a psicóloga e psicanalista Sônia
administradores de páginas de informações Eustáquia, especialista em sexualidade
sobre a IC, como é abreviado o nome da humana, de Belo Horizonte (MG),
técnica no Facebook, disponibilizam um comportamentos como este podem ser
“código de ética” para a doação do sêmen, que explicados pela satisfação do desejo biológico
incluem tópicos como estes: de procriar, deixando no mundo sua herança
genética ou até mesmo por um fator mais
1. Não cobrar nada dos receptores - por se romantizado, como a ideia de que pais são
tratar de doação não deve-se cobrar valores de pessoas boas. “Mas é preciso questionar essas
qualquer espécie; motivações. E saber que toda escolha tem uma
2. A inseminação caseira deve ser feita sem consequência. Os responsáveis por essa
contato sexual/íntimo com a receptora porque criança que poderá se formar a partir de uma
trata-se de algo sem envolvimento sentimental. doação devem ter em mente como vão lidar
Doadores mau caráter propõem a relação com a questão mais tarde”, ressalta.
sexual como uma alternativa, mas isso é falta O fotógrafo que administra a página "Doador de
de ética e respeito; Sêmen Sorocaba", 45 anos, não tem qualquer
3. Após a fertilização e a gravidez confirmada, envolvimento com as tentantes para as quais
afastar-se completamente da família receptora; “presta serviço”. Ele cobra R$ 250 por doação,
mas chama o valor de “ajuda de custo”, além de
4. Se possível, não pergunte os nomes do casal despesas com viagem, hotel e
ou mulher receptora; é uma doação anônima; alimentação. Questionado sobre a exigência
do pagamento, o homem disse que essa é uma
5. Fuja de jovens sem experiência que só forma de filtrar as tentantes realmente
querem sexo, sem saber o mínimo de valores comprometidas. “Faço exames de sangue,
éticos de biogenética e sem formação em espermograma e todos os testes que são
saúde; necessários. Além disso, tenho um contrato,
que diz que sou apenas o doador, sem vínculo
6. Fuja também daqueles que exigem
posterior”, conta. Seu maior medo é ser
fazer/observar o momento da inseminação.
obrigado a reconhecer a paternidade de um dos
O doador vale ouro 37 positivos que soma em cinco anos de
doações.
A busca por um doador é, sem dúvida, o
assunto que move boa parte dos posts Pai e pensão?
disponíveis nesses grupos. Há, inclusive,
O documento como este que o fotógrafo assina,
alguns que disponibilizam listas com os dados
em conjunto com a mulher que recebe seu
e contatos telefônicos dos voluntários. A
material genético, pode ser contestado
redação da CRESCER entrou em contato com
judicialmente, caso ela ou até mesmo o próprio
alguns para entender melhor a questão. Há
doador mudem de ideia no futuro, requerendo
quem realmente não peça nada em troca, além
o reconhecimento da paternidade. O advogado
do fato de saberem se o material genético que
Fábio Pires Machado, do escritório Galvão &
disponibilizaram resultou num teste positivo de
Silva Advocacia, de Brasília (DF), reconhece
gravidez.
que o tema é bastante polêmico no meio
É o caso do técnico automotivo Fonseca*, 36 jurídico brasileiro, já que não existe uma lei
anos, de Volta Redonda (RJ), que é casado e específica para regulamentar o direito do
pai de um adolescente, mas faz as doações doador sobre a paternidade.
sem que a família saiba. “Estou tentando
Até então, a questão se limitava aos doadores
convencer minha esposa [segundo casamento]
anônimos dos Bancos de Sêmen. Com a
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ramificação disso para o procedimento caseiro, reprodução é o alto custo, facilitar o acesso aos
a complexidade do tema poderá fazer com que tratamentos pelos convênios médicos seria
juristas recorram ao Estatuto da Criança e do uma possível solução para o impasse que
Adolescente (ECA) e analisem caso a caso. “O essas inseminações podem gerar no futuro, de
Brasil incorporou no ordenamento jurídico o acordo com o ginecologista e obstetra Renato
princípio do melhor interesse da criança, o que Tomioka. No entanto, isso parece estar bem
significa dizer que as necessidades da criança longe da realidade. Em julho deste ano a
devem prevalecer”, conclui. Nos casos em que Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
casais recorrem a um doador com autorização (STJ) determinou que os planos de saúde não
prévia do parceiro, que assumirá o papel de pai, têm obrigação de custear o tratamento
segundo o especialista, é ele que passa a de inseminação artificial e da fertilização in
responder pela paternidade, devendo garantir vitro.
que o doador não tenha nenhuma obrigação
legal sobre a paternidade biológica. O caso *A pedido dos entrevistados suas identidades
pode ser interpretado como paternidade foram preservadas
socioafetiva, reconhecida por lei desde 2013, Disponível em
quando o Código Civil entrou em vigor. <https://revistacrescer.globo.com/Voce-
Tem solução? precisa-saber/noticia/2018/07/inseminacao-
artificial-caseira-os-riscos-da-ideia-que-se-
Como um dos principais motivos que levam as espalha-cada-vez-mais-em-grupos-de-
pessoas a procuram métodos caseiros de internet.html> Acesso em 04 dez. 2018.
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ANEXO II
Quis ser mãe e recorreu ao método mais usado Esperei um pouco deitada, com as pernas mais
por quem quer procriar sem ter relações com altas. É um processo simples, para quem não
um homem. Em Portugal, será a primeira a tem problemas de infertilidade. Tive sorte de
contar a sua história. engravidar logo à primeira".
Tem pouco mais de 40 anos, chama-se Beatriz Não há pais incógnitos
Duarte e foi mãe há cerca de uma década. É
lésbica assumida, hoje como o era na altura, Como muitas das lésbicas que fazem
quando, em meados dos anos 90, decidiu ser inseminação artificial em privado ou em
mãe. Numa atitude rara no Portugal de então, clínicas, Beatriz Duarte projectou uma
Beatriz Duarte fez inseminação artificial maternidade em que a criança seria filha de pai
caseira, ou seja, gerou em si uma criança incógnito. Esse facto, porém, obrigou-a a
através de espermatozóides doados, sem responder perante a justiça, pois o Código Civil
contacto físico com um homem."Nos anos 90 proíbe-o desde o 25 de Abril, como forma de
era cedo de mais para fazer isto em Portugal, a protecção das crianças e das mães.
minha consciencialização de que o podia fazer “À partida, seria filho de pai anónimo”, explica
foi através do Clube Safo [organização de Beatriz Duarte, acrescentando: “Toda a
defesa dos direitos das lésbicas]", diz Beatriz conversa prévia e toda a gravidez se passou na
Duarte, sublinhando que "só a partir de 2000 é certeza de que seria anónima e eu não teria
que começou a haver mais lésbicas a usar este revelado o nome do pai, mesmo se o Ministério
método e a recorrer a clínicas". Público tivesse investigado. Depois, perguntei
"Das pessoas que conheço, dentro do meio, fui ao dador se aceitava dar o nome e ele aceitou.
pioneira", garante. É, também, das primeiras a Fiz isso no sentido de que a criança não fosse
contar publicamente, com o nome próprio, a tão discriminada, pensei nas consequências
sua história. que existiriam para ela em ser filho de pai
Com uma imensa tranquilidade na voz, Beatriz incógnito".
Duarte explica ao PÚBLICO que na altura Mas isso foi depois. Durante a gravidez, sentiu
estava só, nem sequer tinha companheira, a discriminação de ser mãe sozinha: "No
como não tem hoje: "Decidi fazer isto porque, hospital, assumi que não sabia quem era o pai.
como qualquer outra pessoa, desejava ter É difícil, pois as pessoas olham-nos de forma
filhos. Cheguei a inscrever-me para um estranha, acham que somos devassas.
processo de adopção, mas é demorado. Tomei Enfrentei, mas depois achei que não podia
conhecimento desta técnica e arranjei um discriminar o meu bebé. Ele aceitou. Era
dador." casado e a mulher sabia".
ANEXO III
E foi. Três dias depois, Mel começou a sentir pequenas cólicas. "Quinze dias depois, fiz o exame de
urina que confirmou a gravidez". Nove meses e a pequena Lis veio ao mundo. "Quando contei ao
obstetra, ele fez uma cara de espanto, disse que fizemos quase um milagre, pois, segundo ele, a
probabilidade de engravidar dessa forma é mínima", riu.
Lis, hoje com 2 anos, divide seus dias entre a casa da mãe e a do pai. "Ela foi registrada pelo pai e não
determinamos uma pensão. Ele ajuda como pode, é um pai incrível e a Lis é uma crianca muito feliz".
Disponível em <http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1913437-mulheres-buscam-tecnica-
caseira-para-concretizar-o-sonho-da-maternidade> Acesso em 04 dez. 2018.
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ANEXO IV
Resolução CFM Nº 2168 DE 21/09/2017 Art. 1º Adotar as normas éticas para a utilização
das técnicas de reprodução assistida, anexas à
Adota as normas éticas para a utilização das presente resolução, como dispositivo
técnicas de reprodução assistida - sempre em deontológico a ser seguido pelos médicos.
defesa do aperfeiçoamento das práticas e da
observância aos princípios éticos e bioéticos Art. 2º Revogar a Resolução CFM nº 2.121,
que ajudam a trazer maior segurança e eficácia publicada no DOU. de 24 de setembro de 2015,
a tratamentos e procedimentos médicos -, Seção I, p. 117 e demais disposições em
tornando-se o dispositivo deontológico a ser contrário.
seguido pelos médicos brasileiros e revogando
a Resolução CFM nº 2.121, publicada no DOU. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de
de 24 de setembro de 2015, Seção I, p. 117. sua publicação.
O Conselho Federal de Medicina, no uso das CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA
atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 Presidente do Conselho
de setembro de 1957, alterada pela Lei nº
11.000, de 15 de dezembro de 2004, HENRIQUE BATISTA E SILVA
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19
de julho de 1958, e pelo Decreto nº 6.821, de Secretário-Geral
14 de abril de 2009, e associada à Lei nº
ANEXO
12.842, de 10 de julho de 2013, e ao Decreto nº
8.516, de 10 de setembro de 2015, NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Considerando a infertilidade humana como um
problema de saúde, com implicações médicas I - PRINCÍPIOS GERAIS
e psicológicas, e a legitimidade do anseio de
superá-la; 1. As técnicas de reprodução assistida (RA)
têm o papel de auxiliar na resolução dos
Considerando o aumento das taxas de problemas de reprodução humana, facilitando o
sobrevida e cura após os tratamentos das processo de procriação.
neoplasias malignas, possibilitando às pessoas
acometidas um planejamento reprodutivo antes 2. As técnicas de RA podem ser utilizadas na
de intervenção com risco de levar à preservação social e/ou oncológica de
infertilidade; gametas, embriões e tecidos germinativos.
5. As clínicas, centros ou serviços onde são 4. Os embriões criopreservados com três anos
feitas as doações devem manter, de forma ou mais poderão ser descartados se esta for a
permanente, um registro com dados clínicos de vontade expressa dos pacientes.
caráter geral, características fenotípicas e uma
amostra de material celular dos doadores, de 5. Os embriões criopreservados e
acordo com legislação vigente. abandonados por três anos ou mais poderão
ser descartados.
6. Na região de localização da unidade, o
registro dos nascimentos evitará que um(a) Parágrafo único. Embrião abandonado é
doador(a) tenha produzido mais de duas aquele em que os responsáveis descumpriram
gestações de crianças de sexos diferentes em o contrato pré-estabelecido e não foram
uma área de um milhão de habitantes. Um(a) localizados pela clínica.
mesmo(a) doador(a) poderá contribuir com VI - DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-
quantas gestações forem desejadas, desde IMPLANTACIONAL DE EMBRIÕES
que em uma mesma família receptora.
1. As técnicas de RA podem ser aplicadas à
7. A escolha das doadoras de oócitos é de seleção de embriões submetidos a diagnóstico
responsabilidade do médico assistente. Dentro de alterações genéticas causadoras de
do possível, deverá garantir que a doadora doenças - podendo nesses casos ser doados
tenha a maior semelhança fenotípica com a para pesquisa ou descartados, conforme a
receptora. decisão do(s) paciente(s) devidamente
8. Não será permitido aos médicos, documentada em consentimento informado
funcionários e demais integrantes da equipe livre e esclarecido específico.
multidisciplinar das clínicas, unidades ou 2. As técnicas de RA também podem ser
serviços participar como doadores nos utilizadas para tipagem do sistema HLA do
programas de RA. embrião, no intuito de selecionar embriões
9. É permitida a doação voluntária de gametas, HLA-compatíveis com algum irmão já afetado
bem como a situação identificada como doação pela doença e cujo tratamento efetivo seja o
compartilhada de oócitos em RA, em que transplante de células-tronco, de acordo com a
doadora e receptora, participando como legislação vigente.
portadoras de problemas de reprodução, 3. O tempo máximo de desenvolvimento de
compartilham tanto do material biológico embriões in vitro será de até 14 dias.
quanto dos custos financeiros que envolvem o
procedimento de RA. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO
A doadora tem preferência sobre o material ÚTERO)
biológico que será produzido.
As clínicas, centros ou serviços de reprodução
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU assistida podem usar técnicas de RA para
EMBRIÕES criarem a situação identificada como gestação
1. As clínicas, centros ou serviços podem de substituição, desde que exista um problema
criopreservar espermatozoides, oócitos, médico que impeça ou contraindique a
embriões e tecidos gonádicos. gestação na doadora genética, em união
homoafetiva ou pessoa solteira.
2. O número total de embriões gerados em
laboratório será comunicado aos pacientes 1. A cedente temporária do útero deve
para que decidam quantos embriões serão pertencer à família de um dos parceiros em
transferidos a fresco, conforme determina esta parentesco consanguíneo até o quarto grau
Resolução. Os excedentes, viáveis, devem ser (primeiro grau - mãe/filha; segundo grau -
criopreservados. avó/irmã; terceiro grau - tia/sobrinha; quarto
grau - prima). Demais casos estão sujeitos à
3. No momento da criopreservação, os autorização do Conselho Regional de Medicina.
pacientes devem manifestar sua vontade, por
escrito, quanto ao destino a ser dado aos 2. A cessão temporária do útero não poderá ter
embriões criopreservados em caso de divórcio caráter lucrativo ou comercial.
ou dissolução de união estável, doenças graves 3. Nas clínicas de reprodução assistida, os
ou falecimento de um deles ou de ambos, e seguintes documentos e observações deverão
quando desejam doá-los. constar no prontuário da paciente:
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