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FACULDE DE ENSINO DE MINAS GERAIS

LUCAS OLIVEIRA ABREU

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA:


consequências jurídicas

BELO HORIZONTE
2018
LUCAS OLIVEIRA ABREU

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA:


consequências jurídicas

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado na Faculdade de Direito
FACEMG como requisito básico para a
conclusão do Curso de Direito.

Orientadora: Ms. Christiane Carvalho


França

BELO HORIZONTE
2018
LUCAS OLIVEIRA ABREU

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA:


consequências jurídicas

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado na Faculdade de Direito
FACEMG como requisito básico para a
conclusão do Curso de Direito.

Orientadora: Ms. Christiane Carvalho


França

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

____________________________ - ____/____/_____
Prof.

___________________________ - ____/____/_____
Prof.

___________________________ - ____/____/_____
Prof.
DEDICATÓRIA

Para Fábio Nunes, que se encontrou com Odin e agora está em Valhalha;
Manuela Abreu, que ilumina toda minha escuridão; e Nair Abreu, a melhor pessoa que
conheço.
AGRADECIMENTO

A gratidão é um sentimento importante e necessário para a jornada de


iluminação de um indivíduo. Agradecer é a base de todas as religiões e filosofias que
se conhece. Listar motivos é algo pequeno diante do fenômeno cósmico de agradecer,
por isso, listo apenas os nomes.
À minha mãe, o meu pai, a Lídia, a Talita, a Manuela, o Juninho, a Bila, a Criz
e o tio Jadir.
À Joana, a Elisângela, o Igor e a Ana Paula.
À Brenda, o Audinê, a Glauciene, o Marquinhos, o Washington, o Leandro, a
Maria de Cássia, a Climara, o Uriel, o Filipe, a Mariane, a Kimberly.
À Thaís Fernanda, a Christiane França, o Marcos Couto, o René Dentz, o
Ernani Couto, a Dani Fávaro, o Leandro Eustáquio, o Hélio Miranda, o José Rodrigo
e a Mônica Sabino.
Ao José Firmino, a Paula Guedes, a Renata, o Felipe Criscollo, a Nathália, o
Antônio Augusto, a Ana Flávia, a Ludmila, o Raone, a Leila Batista e o Renato Coelho.
À Polly Nogueira, o Müller, a Grazi, a Nathielle, o Zezinho, o Bryan, a Ana
Carolina Alves, o Barbicha e o CZL.
A mim mesmo.
A todos, vida longa e próspera.
Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.


Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu


a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo


olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava


no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história


era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

(Carlos Drummond de Andrade)


RESUMO

A prática de inseminação artificial caseira está se tornando cada vez mais comum na
sociedade brasileira. Trata-se do ato de uma doação direta de sêmen, sem
intermediação clínica, para a fecundação induzida.
Por analogia com outros campos do direito civil, tem-se que as consequências
jurídicas são problemáticas a serem resolvidas. No campo da relação jurídica, o
negócio se dá por inválido. A responsabilidade parental é posta em cheque. Além de
abrir possibilidades de ilícitos e riscos para a saúde pública.
Em que pese toda a ponderação, é de se considerar também a transformação social
que deve modificar o Direito, devendo os juristas atentarem aos usos e costumes na
hora de aplicar a lei.

Palavras-chave: inseminação artificial caseira; direito de família; filiação; reprodução


assistida; responsabilidade parental.
ABSTRACT

The practice of homemade artificial insemination is becoming increasingly common in


Brazilian society. It is the act of a direct donation of semen, without clinical
intermediation, for induced fertilization.
By analogy with other fields of civil law, we have that the legal consequences are
problematic to be solved. In the field of legal relationship, the business is considered
invalid. Parental responsibility is put in check. In addition to opening up possibilities of
illicit and risks to public health.
In spite of all the ponderation, it is also to consider the social transformation that must
modify the Law, and the jurists must attend to the customs and customs in the hour of
applying the law.

Keywords: artificial insemination; family right; affiliation; assisted reproduction;


parental responsibility.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Comunidade Inseminacao artificial caseira ......................................... 14


Figura 2 - Comunidade Inseminação Artificial Caseira Teresina-PI ................... 14
Figura 3 - Grupo Inseminação Artificial Caseira Fortaleza-Ce ............................ 15
Figura 4 - Grupo Inseminação Artificial Caseiras - Manaus ................................ 15
Figura 5 - Material para reprodução artificial caseira .......................................... 16
Figura 6 - Escada Ponteana.................................................................................... 49
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CFM Conselho Federal de Medicina


SUS Sistema Único de Saúde
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. Artigo
CC/02 Código Civil de 2002
TJMG Tribunal de Justiça de Minas Gerais
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
MP Ministério Público
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
DNA ácido desoxirribonucléico (ing.)
RA Reprodução Assistida
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1. DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA ......................................................... 13

2. DA RESPONSABILIDADE PARENTAL ............................................................... 17

2.1. Dos direitos sucessórios ............................................................................. 17

2.2. Dos alimentos................................................................................................ 17

2.3. Do dever de prestar afeto ............................................................................. 18

3. DOS PRINCÍPIOS ................................................................................................. 20

3.1. Da dignidade da pessoa humana ................................................................ 21

3.2. Da liberdade................................................................................................... 22

3.3. Da solidariedade familiar .............................................................................. 23

3.4. Da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos .............. 23

3.5. Da afetividade ................................................................................................ 24

3.6. Da verdade biológica .................................................................................... 29

4. DA FILIAÇÃO ....................................................................................................... 31

4.1. Do conceito.................................................................................................... 31

4.2. Do planejamento familiar ............................................................................. 32

4.3. Da presunção de paternidade ...................................................................... 32

4.4. Do estado de filiação e origem genética ..................................................... 32

4.4.1. Da origem biológica .................................................................................. 33

4.4.2. Da origem registral.................................................................................... 33

4.4.2.1. Da adoção à brasileira ........................................................................ 34

4.4.3. Do reconhecimento judicial ....................................................................... 35

4.5. Da reprodução assistida .............................................................................. 35

4.5.1. Da reprodução assistida homóloga........................................................... 38

4.5.2. Da reprodução assistida heteróloga ......................................................... 39

4.5.3. Da gestação por substituição .................................................................... 39


5. DOS RISCOS ........................................................................................................ 40

5.1. Dos crimes de periclitação da vida e da saúde .......................................... 40

5.1.1. Do perigo de contágio venéreo ................................................................. 40

5.1.2. Do perigo de contágio de moléstia grave .................................................. 41

5.1.3. Do perigo para a vida ou saúde de outrem ............................................... 41

5.2. Do tráfico de órgãos ..................................................................................... 42

6. DA RELAÇÃO JURÍDICA..................................................................................... 44

6.1. Da autonomia privada e da limitação estatal .............................................. 45

6.2. Da validade do negócio jurídico .................................................................. 47

6.3. Da instrumentalidade do contrato ............................................................... 49

7. DA BIOÉTICA ....................................................................................................... 51

8. DO DIREITO CONSUETUDINÁRIO ..................................................................... 53

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 56

ANEXO I.................................................................................................................... 60

ANEXO II................................................................................................................... 63

ANEXO III.................................................................................................................. 65

ANEXO IV ................................................................................................................. 67
12

INTRODUÇÃO

As Ciências Jurídicas são desprovidas de exatidão e absolutismos. São


estudos acerca de relações humanas, seres caracterizados de constante
inconstância. A sociedade muda, os seres humanos mudam, tudo está se
transformando a todo instante. Nada é sempre o mesmo. O Direito de Família é um
dos ramos jurídicos que mais se destacam por suas transformações.
As relações familiares são complexas e densas. Definir conceitos e institutos é
um grande desafio para os juristas familiares.
A reprodução humana, instrumento da continuidade existencial do homo
sapiens, adquire novas formas com o passar do tempo, dadas as transformações
familiares, culturais, morais e éticas.
Uma nova forma de reprodução que tem tomado força e prática é a reprodução
artificial caseira. Trata-se de uma forma de reprodução informal, sem assistência
médica, usando o sêmen de um voluntário aplicado – com uma seringa, por exemplo
– nas entranhas de uma mãe em potencial. Por diversas razões, as pessoas têm
optado por este método, seja pela falta de condições para uma reprodução assistida
em uma instituição médica, pela impossibilidade de reprodução natural – união
homoafetiva ou quando o parceiro é estéril, como exemplos – ou para gerar uma prole
sem que seja necessária alguma união afetiva; são algumas das razões para realizar
o procedimento.
Ocorre que, na ausência de regulamentação jurídica para tal prática, há um
instante questionamento: o doador do esperma pode ser responsabilizado pela
paternidade? A questão surge do fato de ser, materialmente, uma reprodução natural,
não amparada pelas garantias de uma reprodução artificial regulamentada. Em outras
palavras, o pai biológico pode ser obrigado juridicamente para com o filho, dada a
dogmática civil do Direito Familiar. Se responsabilizado, o pai pode ser obrigado a
prestar alimentação, afeto e todo o ônus da responsabilidade parental.
Este trabalho se propõe a clarear os efeitos jurídicos na filiação gerada em tais
condições. A bioética e o direito civil serão pontos orientadores fundamentais nesta
missão.
13

1. DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA

O sonho de ter filhos é uma característica presente na modernidade do


filhocentrismo1.
Para reproduzir, os humanos são instintivamente levados ao coito, onde ocorre
a reprodução natural. Quando há infertilidade – casais homossexuais, pessoa solteira
ou casos de problemas de saúde – há o recurso regulamentado pelo CFM chamado
reprodução assistida, onde um banco de sêmen fornece o material genético de forma
anônima para injeta-lo no útero da futura mãe; ou ainda, há a reprodução por
substituição, onde, mais comumente, casais homoafetivos masculinos usam a barriga
de outra mulher para reproduzir.
Ocorre que, os custos para os procedimentos alternativos, muitas vezes são
altos e, o SUS não dá a devida cobertura para tratamento contra infertilidade. Então,
um procedimento que tem tomado força na mídia é o da inseminação artificial caseira.
A inseminação artificial caseira acontece quando um doador disponibiliza seu
material genético, diretamente, sem mediação, a uma mulher que deseja engravidar.
O material é colocado em um pote de coleta e, com a ajuda de uma seringa ou outro
instrumento, é aplicado na cavidade vaginal da mulher; assim, a mãe em potencial é
fecundada e uma criança é gerada.
Para que a prática funcione, a mulher deve estar em seu dia fértil e o esperma
deve ser recém produzido.
Na maioria dos casos, o doador é conhecido da mãe, bem como pode receber
alguma prestação pecuniária em troca da prática.
As famílias que mais têm aderido à prática são casais lésbicos ou até mesmo
mulheres solteiras que não desejam se casar, as quais procuram ter um filho sem os
custos das clínicas de reprodução2.
No Facebook, há grupos que organizam a prática e orientam doadores e mães
em todo o procedimento, como se pode ver nos exemplos abaixo:

1 Termo utilizado para designar a ideologia familiar moderna, onde os filhos são o centro e finalidade
da relação da entidade. (FIUZA, 2014)
2 Vide anexos.
14

Figura 1 - Comunidade Inseminacao artificial caseira

Fonte: (Facebook Inc.)

Figura 2 - Comunidade Inseminação Artificial Caseira Teresina-PI

Fonte: (Facebook Inc.)


15

Figura 3 - Grupo Inseminação Artificial Caseira Fortaleza-


Ce

Fonte: (Facebook Inc.)

Figura 4 - Grupo Inseminação Artificial Caseiras - Manaus

Fonte: (Facebook Inc.)

Geralmente, além de promover a comunicação entre os envolvidos, os grupos


oferecem o material utilizado para colheita do esperma, como o da foto abaixo:
16

Figura 5 - Material para reprodução artificial caseira

Fonte: (Inseminação artificial caseira: os riscos da ideia, que se espalha cada vez mais em grupos de
internet, 2018)

É inegável a constância da prática e uso da primitiva técnica.


Contudo, como este trabalho mostrará, a prática é perigosa e insegura,
sobretudo no que tange às consequências jurídicas, tais como sucessões, alimentos
e demais ônus da responsabilidade parental, bem como os riscos de ilícitos. Tudo isso
se dá pela ausência de regulamentação, deixando os envolvidos sem garantias ou
proteções de seus direitos.
17

2. DA RESPONSABILIDADE PARENTAL

A responsabilidade parental nada mais é do que a obrigação de sustento


resultante da relação decorrente de filiação, sendo a consequência jurídica mais
relevante desta pesquisa.
A função social da família, o princípio da solidariedade e o melhor interesse do
menor são norteadores da responsabilidade em questão. Afinal, se uma criança é
gerada, ela deve ter garantidos os seus direitos existenciais e sociais.
O ECA define a responsabilidade parental como uma medida protetiva: “Art.
100 (...) IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que
os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente” (BRASIL,
1990).
São conjuntos de deveres dos pais para com os filhos, os quais podem ser
sintetizados como: (1) direitos sucessórios; (2) dever de alimentar; (2) dever de prestar
afeto.

2.1. Dos direitos sucessórios

O princípio Saisine ensina que o evento da morte abre a sucessão, transmitindo


os bens para os herdeiros imediatamente. Assim também regulamenta o CC/02: “Art.
1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos
e testamentários” (BRASIL, 2002).
Os filhos do de cujus3 são herdeiros chamados necessários, aqueles que estão
no rol do Art. 1.845 do CC/02. São assim tipificados, pois são destinatários da herança
legítima, aquela reservada por direito a estes, equivalendo à metade dos bens do
falecido.
A sucessão é parte relevante da responsabilidade parental, pois, além de tratar
de questões patrimoniais, econômicas e sociais, trata de legado, continuação de outro
ser, perpetuação de uma vida por meios materiais.

2.2. Dos alimentos

3 Do latim “aquele que passou”, “aquele que morreu”.


18

É a obrigação de prover o sustento da saúde, do lazer, da educação, da comida


e outros ônus solidários.
A não prestação alimentar pode gerar sanções civis como execução, multa ou
penhora, sendo o único caso de prisão por dívida no Brasil. Vide entendimentos do
TJMG:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - FAMÍLIA - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS -


PRISÃO CIVIL - ESCUSA INJUSTIFICÁVEL. Sem que o devedor apresente
justifica plausível para o inadimplemento da obrigação assumida, deve
manter-se a ordem de prisão. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv
1.0470.14.012516-7/001, Relator(a): Des.(a) Oliveira Firmo , 7ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 11/09/2018, publicação da súmula em 17/09/2018)

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. VALOR DO DÉBITO ALIMENTAR


CORRETO. DEVEDOR CONTUMAZ. CONDUTA REVELADORA DE
DESAMOR E DE FALTA DE CARÁTER. Lamentável por todos os aspectos
a falta de compromisso do agravante em assumir o seu papel de pai,
deixando o seu filho em total abandono. Tal atitude revela, além de desamor,
falta de caráter, principalmente, quando se constata o emprego de artifícios
processuais para retardar a prestação jurisdicional que lhe impõe a obrigação
alimentar. Ao contrário do que alega o agravante, a decisão recorrida, ao
homologar os cálculos do débito alimentar, não incluiu valores referentes a
outro processo de execução de alimentos. (TJMG - Agravo de Instrumento
1.0024.02.726369-8/001, Relator(a): Des.(a) Maria Elza , 5ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 18/08/2005, publicação da súmula em 16/09/2005)

2.3. Do dever de prestar afeto

Trata-se da necessidade humana de carinho, afeto, proteção emocional e


existencial; é ter alguém para lhe ensinar sobre a vida, auxiliar nas escolhas e prover
a construção de um ser humano com valores e gozo da existência.
A não prestação de afeto tem sido alvo de reprimenda por parte do poder
judiciário, dando origem pelos doutrinados à teoria do desamor, gerando a obrigação
indenizatória por abandono afetivo.

“A teoria do desamor, imaginada sob as vestes do princípio da afetividade,


possui inquestionavelmente amparo na Ordem Jurídica nacional.
Logicamente, se o amor é o ligamento da família e esta a base da sociedade,
a qual merece especial proteção do Estado, é fato que seu desdém por um
poder familiar bizarro gera prejuízos de alta monta à estrutura social. Em meio
a isso, não pode o Direito, como instrumento estatal, quedar omisso.” (DE
SOUSA, 2008)

Eis exemplos da aplicação da teoria:


19

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL


RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - DANO MORAL -
ALEGAÇÃO DE ABANDONO AFETIVO POR PARTE DE GENITOR -
CONDUTA ILÍCITA DO RÉU - NÃO CONFIGURAÇÃO - PEDIDO
IMPROCEDENTE - RECURSO NÃO PROVIDO.
- A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e
materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil,
cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que
os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a
propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse
econômico-financeiro (STJ, REsp n.º 1.493.125/SP). (TJMG - Apelação
Cível 1.0637.14.006579-7/001, Relator(a): Des.(a) Márcio Idalmo Santos
Miranda , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/08/2018, publicação da
súmula em 14/09/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.


ABANDONO AFETIVO DE INCAPAZ. REVELIA. PEDIDO DO AUTOR DE
PRODUÇÃO DE PROVA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL
ANTERIOR À SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA- CERCEAMENTO DE
DEFESA CONFIGURADO. PRELIMINAR ACOLHIDA.
1) Conforme precedentes dos Tribunais Superiores, na hipótese de abandono
afetivo, todos os elementos da responsabilidade civil devem estar claros e
concatenados, recomendando-se uma análise responsável e prudente pelo
magistrado do caso concreto. 2) Havendo requerimento de prova, ocorre
cerceamento de defesa se o magistrado, sem se pronunciar sobre a questão,
julga improcedente o pedido da inicial ao fundamento de que o autor não se
desincumbiu de seu ônus probatório. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.17.025072-4/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Lincoln , 11ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 21/06/0017, publicação da súmula em 21/06/2017)
20

3. DOS PRINCÍPIOS

O Direito é orientado por muitas fontes, como doutrinas, leis, jurisprudências


etc. Dentre essas fontes, estão os princípios, que são referências ideológicas para a
aplicação e construção da ciência jurídica.
O Direito de Família é ramo do Direito Privado com relevância para o interesse
público (DIAS, 2015 p. 34). Por isso, os princípios gerais do direito são de importância
sem igual para este estudo.
Como exemplo, se pode falar da função social da família – o que é uma função
e um princípio.
A Declaração Universal dos Direitos do Humanos cita a família em diversos
momentos:

“Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os


membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

(...)

Artigo 12
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no
seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação.
Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques.

(...)

Artigo 16
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar
uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua
duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito
à proteção da sociedade e do Estado.

(...)

Artigo 23
(...)
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.

(...)
21

Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a
si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à
segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da
mesma proteção social. (...)” Grifos do autor (Organização das Nações
Unidas, 1948)

A CRFB/88 em diversos pontos declara sua proteção à família. O Art. 226 é o


mais claro, ao dizer que, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado” (BRASIL, 1988).
Para esta pesquisa, importa o que Maria Berenice Dias4 chama de “princípios
constitucionais5 do direito das famílias” que, filtrados para a problemática, são: (1) da
dignidade da pessoa humana; (2) da liberdade; (3) da solidariedade familiar; (4) da
proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos; (5) da afetividade. Em
tempo, considerar-se-á o princípio (6) da verdade biológica.
Passa-se à exposição de tais princípios.

3.1. Da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana tem caráter basilar no Estado


Democrático de Direito. É fundamento para todos os outros institutos jurídicos
modernos, podendo ser chamado de macroprincípio. Trata-se de uma humanização
do Direito, despatrimonializando as relações jurídicas, tornando mais sensível à
subjetividade humana a aplicação da justiça. Tal princípio conduz à aplicação dos
Direitos Humanos e direciona a busca da justiça social. Possui garantia constitucional,
tido como direito fundamental. (DIAS, 2015 pp. 44-45)
A CRFB/88 garante o princípio em seu Art. 1º, inciso III. Este dispositivo trata
das bases principiológicas da República. Desta forma, a dignidade humana é

4 (DIAS, 2015)
5 “É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios que a Constituição Federal
consagra como valores sociais fundamentais, e que não podem se distanciar da atual concepção de
família, com sua feição desdobrada em múltiplas facetas. Daí a necessidade de revisitar os institutos
de direito das famílias, adequando suas estruturas e conteúdo à legislação constitucional,
funcionalizando-os para que se prestem à afirmação dos valores mais significativos da ordem jurídica.”
(DIAS, 2015 p. 43)
22

fundamental no exercício de todos os outros ramos do direito, dado o amparo


constitucional basilar.
Nas palavras de Maria Berenice, se trata de um valor nuclear da ordem
constitucional. Possui caráter metafísico, pois além de atingir o mundo jurídico, atinge
o mundo dos afetos. É pela dignidade da pessoa humana que o afeto se torna centro
do estudo familiar. (DIAS, 2015 pp. 44-45)
A dignidade da pessoa humana é fundamental para dar fim de existir para uma
família. Fiuza ensina: “A família deve ser, em tese, o ambiente para o desenvolvimento
fisiopsíquico saudável do ser humano. É junto à família que nos sentimos bem,
protegidos, embora nem sempre o meio familiar seja de todo saudável (...)” (FIUZA,
2014 p. 1158).
O direito familiar está intimamente ligado ao princípio deste item. Nas famílias,
o afeto é chave primordial para as relações, dando um caráter poético e filosófico para
as entidades familiares. Nada mais propício para desenvolver um ser humano digno.
(DIAS, 2015 pp. 44-45)
Maria Berenice conclui:

“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para


florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção
independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares
preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o
afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de
vida comum –, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada
partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e
humanistas.” (DIAS, 2015 p. 45)

3.2. Da liberdade

A liberdade é princípio essencial para o respeito à dignidade da pessoa


humana. Trata-se do direito de firmar matrimônio, dissolvê-lo, regulamentar o regime
de bens, decidir sobre ter ou não filhos, dentre outras deliberalidades. Os indivíduos
podem agir livremente nas escolhas que tangem às relações familiares. É a
instauração da democracia no seio familiar, impedindo eventuais arbítrios unilaterais
do Estado. (DIAS, 2015 p. 46)
Entretanto, liberdade plena pode gerar excessos, violações de direitos básicos
e arbitrariedades humanos. Já diz o velho brocardo filosófico: “O homem é o lobo do
23

homem”6. Por isso, o direito procurar regulamentar e limitar a liberdade, promovendo


a igualdade. É paradoxal esta ideia, porém, fundamental para se ter liberdade. (DIAS,
2015 p. 46)
Assim, “o papel do direito é coordenar, organizar e limitar as liberdades,
justamente para garantir a liberdade individual” (DIAS, 2015 p. 46). Em outras
palavras, o direito organiza normas para o casamento, para a criação dos filhos, para
a dissolução do matrimônio, dentre outras.

3.3. Da solidariedade familiar

Maria Berenice já bem define: “Solidariedade é o que cada um deve ao outro”


(DIAS, 2015 p. 48). É princípio garantidor da subsistência e auxílio mútuo dos
integrantes da entidade familiar. Se embasa na fraternidade e reciprocidade. São
normas éticas de comportamento e responsabilização. (DIAS, 2015 pp. 48-49)
A existência do indivíduo somente é garantida em sua coexistência. Os
humanos são animais que necessitam de andar em bandos para se protegerem e se
suprirem de alimentos e satisfação de necessidades. (DIAS, 2015 pp. 48-49)
Delegando para as famílias o dever de cuidado, o Estado se safa de excesso
de dever de cuidado, acentuando a prática do cuidado de seus integrantes, tornando
mais precisa a garantia de subsistência dos indivíduos. (DIAS, 2015 pp. 48-49)
Deste princípio decorrem as obrigações de alimentar, de dar afeto, os deveres
do casamento, o cuidado, o dever de assistência aos filhos etc.

3.4. Da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos

O Art. 227 da CFRB/88 consagra os direitos das crianças, jovens e


adolescentes como normas fundamentais, o que é ratificado e regulamentado pelo
ECA. Ainda, o Estatuto do Idoso7 traz especial proteção àqueles que possuem mais
de sessenta anos. (DIAS, 2015 pp. 49-51)

6 Frase do filósofo Thomas Hobbes (domínio público), autor da teoria do Leviatã, onde defende que o
homem deve ter um estado que o controle como o monstro mitológico que dá nome à tese. Do contrário,
o homem se destruiria como fazem os lobos selvagens. Assim, o homem pode ser considerado o lobo
de si mesmo.
7 Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.
24

Trata-se de cuidado necessário para com os integrantes mais frágeis da


entidade familiar. (DIAS, 2015 pp. 49-51)
Aos menores, é garantido sempre o seu maior interesse em todas as aplicações
do direito de família. Por exemplo, em uma ação de investigação de paternidade, o
foro competente para processar e julgar a demanda será aquele em que está residente
o menor envolvido. Sempre que um menor estiver envolvido em uma lide, não só do
direito de família, o Estado estará presente, prestando sua fiscalização por meio do
MP.
Os idosos, em respeito à dignidade da pessoa humana, devem receber o
devido cuidado, para que terminem suas vidas de forma pacífica e sem maiores
aborrecimentos, buscando-se a diminuição dos sofrimentos da velhice.

3.5. Da afetividade

Aqui está o princípio mais profundo e importante do direito de família. Uma


questão metafísica e objetivamente inexplicável – afinal, impossível definir o amor de
forma precisa.
Trata-se de fundamento da estabilidade das relações socioafetivas e da
comunhão de vida, sendo superior às questões de caráter biológico e patrimonial.
(DIAS, 2015 pp. 52-54)
Maria Berenice trata do “direito fundamental à felicidade”, colocando-o como
fundamento do direito ao afeto. Ou seja, todos têm o direito de ser feliz. Uma
emanação clara da sociedade moderna, que busca sempre a felicidade. (DIAS, 2015
pp. 52-54)
Embora o afeto não seja mencionado na constituição, a doutrina jurídica e os
usos e costumes o legitimam como princípio importante do direito. Pelo afeto se
reconhecem as uniões estáveis, a multiparentalidade e o direito à indenização por
desamor8. (DIAS, 2015 pp. 52-54)

8 Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1.
Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o
consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico
objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se
reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge
um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de
cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear
25

Maria Berenice esclarece:

“O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam


da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho
nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo
de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.” (DIAS, 2015 p. 53)

Dessa forma, pode-se dizer, que o afeto é o liame subjetivo entre os parentes.
A força sentimental que une as pessoas, legitimando as famílias e garantindo seus
direitos.
O afeto se mostra necessário em todo o atual estudo do direito de família, sendo
priorizado pelos pesquisadores e aplicado em diversas decisões judiciais, como os
exemplos abaixo.
O direito de visitar o pai preso, em respeito à afetividade, conforme diz o TJMG:

APELAÇÃO CÍVEL - ALVARÁ PARA VISITA EM PRESÍDIO - DIREITO DO


FILHO DE VISITAR O PAI EM PENITENCIÁRIA - INTERESSE DE AGIR -
MANUTENÇÃO DE LAÇOS AFETIVOS E FAMILIARES. I - Constata-se a
presença do interesse de agir/interesse processual ante a presença do
binômio necessidade-adequação, verificado quando há a imprescindibilidade
da análise do litígio pelo Poder Judiciário e a via processual utilizada condiz
com a pretensão almejada. II - Em face da inegável relevância para a salutar
formação psicossocial da criança e do adolescente é preciso que convivam
com toda sua família, mesmo com o pai recluso, a fim de assegurar os
vínculos de afetividade, respeitando-se também o direito do preso à visitação
(art. 41, X, LEP), mormente considerando-se a finalidade de ressocialização.
V.V.:
APELAÇÃO CÍVEL - CRIANÇA E ADOLESCENTE - MENOR - VISITA PAI
PRESIDIÁRIO: AUTORIZAÇÃO - DIREITO DO MENOR: AMEAÇA OU
VIOLAÇÃO: DEVER DE PREVENÇÃO: PREVALÊNCIA. O dever de
prevenção à ocorrência de ameaça ou violação a direito da criança e do
adolescente prevalece sobre a pretensão de menor de visitar pai encarcerado
em presídio, sobretudo porque ausente informações a respeito da segurança
e salubridade do estabelecimento prisional. (TJMG - Apelação
Cível 1.0024.17.062980-2/001, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2018, publicação da súmula em
03/09/2018)

compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que
minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um
núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos,
ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes –
por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via
do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível,
em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se
irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido (STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira
Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
26

A impossibilidade de reconhecimento de paternidade, dada a ausência de


afetividade – decisão do TJMG:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO


PÚBLICO. VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA.
A ausência de prova inequívoca do erro, dolo, coação, simulação ou fraude,
no momento do registro público de nascimento promovido voluntariamente
pelo pai, impede sua anulação.
Recurso conhecido, mas não provido.
EMENTA: APELAÇÃO - DIREITO DE FAMÍLIA - NEGATIVA DE
PATERNIDADE - EXAME DE DNA REALIZADO ANTERIORMENTE AO
AJUIZAMENTO DA AÇÃO - POSSIBILIDADE - NOMEAÇÃO DE CURADOR
ESPECIAL - CONDENAÇÃO DO MUNIICPIO DE VAZANTE AO
PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - IMPOSSIBILIDADE.
1 - Não é necessária a repetição em juízo, do exame de DNA realizado
anteriormente ao ajuizamento da ação anulatória de paternidade, se a parte
contrária não aponta vício ou nulidade capaz de macular a prova
apresentada, e, se, das demais provas constantes nos autos, se concluí pela
veracidade do resultado apresentado.
2 - Tem-se a posse do estado de filho pela reunião da tractatio e da reputatio,
sendo desnecessário o nomen; isso porque, a filiação socioafetiva, porquanto
baseada em vínculos de afetividade, se traduz no comportamento do suposto
pai em relação à criança, sendo imprescindível, a bem da verdade, a
visibilidade social de tal comportamento.
3 - "Prestada à assistência judiciária gratuita por advogado nomeado pelo
Magistrado, para patrocinar causa de juridicamente necessitado, o mesmo
faz jus à percepção de honorários fixados pelo Juiz, a serem pagos pelo
Estado (artigo 22, §1º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei
8.906/94)".
V.v. EMENTA: APELAÇÃO - DIREITO DE FAMÍLIA - PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA - ESTADO DA POSSE DE FILHO - AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS - NÃO RECONHECIMENTO.
Ausentes os elementos para a configuração da posse do estado de filho,
impossível reconhecimento da paternidade socioafetiva. (TJMG - Apelação
Cível 1.0710.15.001268-4/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 05/04/2018, publicação da súmula em 05/09/2018)

Um caso de aplicação da superioridade do afeto sobre a formalidade, em


decisão do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL. CIVIL. DIREITO INDÍGENA.


COLOCAÇÃO DE MENOR INDÍGENA EM FAMÍLIA SUBSTITUTA.
PREVISÃO DE INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DA FUNAI NO PROCESSO.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO PARA QUE A
NULIDADE SEJA DECRETADA. NÃO OCORRÊNCIA NO CASO DOS
AUTOS. CRIANÇA INSERIDA HÁ QUATRO ANOS EM FAMÍLIA COMUM.
CONSTITUIÇÃO DE LAÇOS AFETIVOS. RECURSO IMPROVIDO.
1. No inciso III do § 6º do art. 28 da Lei 8.069/1990 (ECA), introduzido pela
Lei 12.010/2009 (Lei Nacional da Adoção), está disciplinada a
obrigatoriedade de participação do órgão federal de proteção ao indígena, a
Fundação Nacional do Índio - FUNAI -, além de antropólogos, em todos os
procedimentos que versem sobre a colocação do menor indígena em família
substituta, seja por meio de guarda, tutela ou adoção. 2. A intervenção da
FUNAI nesses tipos de processos é de extrema relevância, porquanto os
povos indígenas possuem identidade social e cultural, costumes e tradições
27

diferenciados, tendo, inclusive, um conceito de família mais amplo do que o


conhecido pela sociedade comum, de maneira que o ideal é a manutenção
do menor indígena em sua própria comunidade ou junto a membros da
mesma etnia. A atuação do órgão indigenista visa justamente a garantir a
proteção da criança e do jovem índio e de seu direito à cultura e à
manutenção da convivência familiar, comunitária e étnica, tendo em vista que
a colocação do menor indígena em família substituta não indígena deve ser
considerada a última medida a ser adotada pelo Estado. 3. A adoção de
crianças indígenas por membros de sua própria comunidade ou etnia é
prioritária e recomendável, visando à proteção de sua identidade social e
cultural. Contudo, não se pode excluir a adoção fora desse contexto, pois o
direito fundamental de pertencer a uma família sobrepõe-se ao de preservar
a cultura, de maneira que, se a criança não conseguir colocação em família
indígena, é inconcebível mantê-la em uma unidade de abrigo até sua
maioridade, sobretudo existindo pessoas não indígenas interessadas em sua
adoção.
4. A ausência de intervenção obrigatória da FUNAI no processo de colocação
de menor indígena em família substituta é causa de nulidade. A decretação
de tal nulidade, contudo, deve ser avaliada em cada caso concreto, pois se,
a despeito da não participação da FUNAI no processo, a adoção, a guarda
ou tutela do menor indígena envolver tentativas anteriores de colocação em
sua comunidade ou não for comprovado nenhum prejuízo ao menor, mas, ao
contrário, forem atendidos seus interesses, não será recomendável decretar-
se a nulidade do processo.
5. No caso concreto, verificou-se que: (I) tal como a FUNAI em seu agravo de
instrumento, o ora recorrente, representado pela curadoria especial, agora no
recurso especial não indicou concretamente qual seria o prejuízo que teria o
menor indígena ou seu genitor sofrido com o encaminhamento à instituição
de acolhimento e a inscrição no Cadastro Nacional de Adoção (CNA); (II) não
foi interposto recurso especial particularmente pela FUNAI, o que leva à
conclusão que tenha o órgão indigenista se conformado com o acórdão
proferido pelo Tribunal estadual e entendido por bem deixá-lo transitar em
julgado;
(III) na prática, conforme salientado pelas instâncias ordinárias, apesar da
não intervenção do órgão indigenista no feito, foram realizadas diversas
tentativas para que o acolhimento das crianças fosse efetivado por seus
famílias indígenas. Somente quando se mostraram infrutíferas as diligências
é que se deu prosseguimento ao pedido de destituição do poder familiar, de
adoção e de inscrição no CNA. Portanto, não está demonstrado, na hipótese
dos autos, nenhum prejuízo aos menores indígenas, de maneira que não se
mostra recomendável a decretação da nulidade do processo por ausência de
intervenção da FUNAI. 6. A criança indígena adotada foi inserida em família
comum com cinco anos de idade, em 15/02/2013, há mais de quatro anos,
portanto, a indicar que o decreto de nulidade, na hipótese, seria prejudicial
aos próprios interesses do menor, uma vez já consolidados os vínculos de
afetividade, os quais seriam desfeitos em prestígio de formalidade.
7. Recurso especial improvido. (REsp 1566808/MS, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe
02/10/2017)

E ainda, o STF explica mais sobre a afetividade:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e


Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica.
Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central
do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional.
Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de
óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da
28

felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do


ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades
familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito
de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família
monoparental (art. 226, § 4º, CRFB).Vedação à discriminação e
hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB).
Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica
ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante.
Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art.
226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para
aplicação a casos semelhantes. 1. O prequestionamento revela-se autorizado
quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no
Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais
que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve
ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A
família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988,
apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos,
legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916,
cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na
centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto
o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu
regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do
tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da
dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A
dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e
moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que
a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta
em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos
preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador.
Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A
superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias
construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é
corolário do sobreprincípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da
felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o
indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas
capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha
dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos
pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da
Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo
Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de
26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O
indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das
vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade
protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua
realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de
1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos
modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art.
226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de
enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais
merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e,
portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões
estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como
entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-
reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por
vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES
BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica
cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as
formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela
presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela
29

descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica


responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de
importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para
concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como
natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade
enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e
jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema
injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente
o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio),
fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da
sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade
responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na
perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o
acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela
relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da
ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro
vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento
jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser
exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity),
construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a
década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da
criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os
arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem
restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso
que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os
vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais
completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade
responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega
provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos
semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro
público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante
baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (RE 898060,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187
DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)

3.6. Da verdade biológica

Vinculado à dignidade da pessoa humana, a verdade biológica vai tratar do


direito que cada indivíduo tem de conhecer a sua origem.
Sua aplicação é ampla no direito familiar brasileiro, sendo objeto de decisões
do STJ, como a que se segue:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SOCIOAFETIVIDADE. ART.


1.593 DO CÓDIGO CIVIL. PATERNIDADE. MULTIPARENTALIDADE.
POSSIBILIDADE.
SÚMULA Nº 7/STJ. INDIGNIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. ARTS. 1.814 E
1.816 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e
3/STJ).
2. A eficácia preclusiva da coisa julgada exige a tríplice identidade, a saber:
mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que não é o caso
30

dos autos. 3. Na hipótese, a primeira demanda não foi proposta pelo filho,
mas por sua genitora, que buscava justamente anular o registro de filiação na
ação declaratória que não debateu a socioafetividade buscada na presente
demanda.
4. Não há falar em ilegitimidade das partes no caso dos autos, visto que o
apontado erro material de grafia foi objeto de retificação. 5.
À luz do art. 1.593 do Código Civil, as instâncias de origem assentaram a
posse de estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo dessa
condição, além do preenchimento dos requisitos de afeto, carinho e amor,
essenciais à configuração da relação socioafetiva de paternidade ao longo da
vida, elementos insindicáveis nesta instância especial ante o óbice da Súmula
nº 7/STJ.
6. A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana
por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a
condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a
regular adoção, a verdade real dos fatos.
7. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº
898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as
paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação
apta a ensejar a hierarquização dos vínculos.
8. Aquele que atenta contra os princípios basilares de justiça e da moral, nas
hipóteses taxativamente previstas em lei, fica impedido de receber
determinado acervo patrimonial por herança.
9. A indignidade deve ser objeto de ação autônoma e seus efeitos se
restringem aos aspectos pessoais, não atingindo os descendentes do
herdeiro excluído (arts. 1.814 e 1.816 do Código Civil de 2002).
10. Recurso especial não provido.
(REsp 1704972/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 15/10/2018)
31

4. DA FILIAÇÃO

Os laços que ligam os membros de uma entidade familiar são denominados


parentesco. Nas palavras de Maria Berenice Dias, “as relações de parentesco são
os vínculos decorrentes da consanguinidade e da afinidade que ligam as pessoas
a determinado grupo familiar” (DIAS, 2015 p. 377).
Como se pode notar, os alicerces de tais relações são a consanguinidade –
ligação biológica – e afinidade – ligação metafísica baseada no afeto, em decorrência
do princípio da afetividade.
A relação de parentesco mais relevante é a filiação, pois ela será a orientação
para questões civis, patrimoniais e de continuação do legado familiar. Para tanto, este
capítulo explicará os principais pontos do instituto.

4.1. Do conceito

Segundo Silvio Rodrigues, citado por Carlos Roberto Gonçalves, “filiação é a


relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma
pessoa aquela que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado” grifo do
autor (GONÇALVES, 2017 p. 408). Este conceito se mostra incompleto, pois
considera apenas a relação consanguínea para estabelecer a filiação, devendo ser
lido à luz dos princípios do direito de família, sobretudo o princípio da afetividade, pois,
então, se estenderá o conceito para aqueles filhos não obtidos na constância do
casamento, adotados ou reconhecidos posteriormente9.
O conceito de Maria Berenice se mostra mais amplo:

“Filiação é um conceito relacional: é a relação de parentesco que se


estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e
deveres. Na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, a paternidade se faz, o
vínculo de paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar
construir.” (DIAS, 2015 p. 396)

9 “Ainda que por vedação constitucional não mais seja possível qualquer tratamento discriminatório com
relação aos filhos, o Código Civil trata em capítulos diferentes os filhos havidos na relação de
casamento e os havidos fora do casamento. O capítulo intitulado ‘Da filiação’ (CC 1.596 a 1.606)
cuida dos filhos nascidos na constância do matrimônio, enquanto os filhos havidos fora do casamento
estão no capítulo ‘Do reconhecimento dos filhos’ (CC 1.607 a 1.617). A diferenciação advém do ato de
o legislador, absurdamente, ainda fazer uso de presunções de paternidade. Tal tendência decorre da
visão sacralizada da família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso
tenha de atribuir filhos a alguém, não por serem pai ou mãe, mas simplesmente para a mantença da
estrutura familiar.” (DIAS, 2015 p. 386)
32

O Art. 1.592 do CC/02 ainda orienta: “São parentes em linha colateral ou


transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem
descenderem uma da outra” (BRASIL, 2002).

4.2. Do planejamento familiar

Importa discorrer que, segundo o Art. 226, § 7º da CFRB/88, o planejamento


familiar é livre – em respeito ao princípio da liberdade. O Estado e sociedade não
podem impor regras ou limites para que as famílias decidam sobre quantos filhos terão
ou quantos filhos serão evitados. (DIAS, 2015 p. 392)
O §2º do Art. 1.565 do CC/02 reforça essa liberdade reprodutiva, sendo o
planejamento familiar regulamentado pela Lei n. 9.263/96, assegurando a todo
cidadão – em qualquer estado civil – o planejamento familiar, contendo métodos e
técnicas de concepção e contracepção. (DIAS, 2015 p. 392)

4.3. Da presunção de paternidade

Para dar praticidade na regulamentação da paternidade, o CC/02 estabeleceu


algumas presunções de paternidade em situações em que a família passa por uma
desestruturação, como divórcio ou falecimento de um cônjuge.
O Art. 1.597 da lei civil regulamenta este instituto:

“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.” (BRASIL, 2002)

4.4. Do estado de filiação e origem genética

Para se provar a paternidade ou maternidade, há uma verdade real, que pode


ser demonstrada por exame laboratorial, dando certeza do laço de parentesco entre
33

pais e filhos. Contudo, ainda há o que se chama de estado de filiação, que é a filiação
gerada no campo abstrato da afetividade, vinda de convivência, amor, carinho etc.
(DIAS, 2015)
Maria Berenice acrescenta:

“Essas realidades não se confundem e nem conflitam. O direito de conhecer


a origem genética, a própria ascendência familiar, trata-se de preceito
fundamental, um direito de personalidade: direito individual,
personalíssimo, que é necessariamente o direito à filiação. Seu exercício não
significa inserção em uma relação de família. Uma coisa é vindicar a origem
genética, outra é investigar a paternidade. A paternidade deriva do estado de
filiação, independentemente da origem biológica. Essa distinção começou a
ser feita principalmente a partir da descoberta dos indicadores genéticos e do
acesso ao exame que permite identificar, de forma segura e nada invasiva, a
verdade biológica. Agora é fácil descobrir a ascendência biológica, até porque
a justiça vem franqueando a realização das perícias gratuitamente.” (DIAS,
2015 p. 396)

O ato de vontade declarada – na maioria dos casos em juízo – é que poderá


determinar o estado de filiação, o que corresponderá à realidade chamada de posse
de filho. (DIAS, 2015 p. 396)
Portanto, tem-se a origem do laço de filiação classificado em biológico e
registral.

4.4.1. Da origem biológica

A referência de verdade para estabelecimento de uma filiação é a genética. A


primeira observação de qualquer analista – expert ou não – será a consanguinidade.
Trata-se de costume social, sendo a regra para a reprodução humana. (DIAS, 2015
p. 397)
Em outras palavras, é a filiação construída a partir da ligação genética obtida
de uma relação sexual, onde os gametas se uniram no útero e criaram a existência
de um novo indivíduo.

4.4.2. Da origem registral

O instrumento que formará a filiação jurídica será o registro em instrumento


público registrado em cartório próprio. A certidão de nascimento faz prova da
existência do sujeito e comprova seu parentesco. Todo aquele que comparecer
34

perante o oficial de Registro Civil e declarar paternidade de um recém-nascido terá a


paternidade oficializada, gerando as responsabilidades e obrigações advindas da
obrigação. (DIAS, 2015 pp. 398-399)

4.4.2.1. Da adoção à brasileira

Uma prática comum no Brasil é a adoção à brasileira. Trata-se do ato de


registrar filho que não é de sua descendência biológica de forma dolosa e inequívoca.
Por exemplo, o homem que sofreu com o adultério da mulher registra o filho advindo
da relação extraconjugal como se seu fosse, por altruísmo ou interesse de manter o
laço familiar.
Insta dizer que tal prática constitui formação do laço de parentesco, obrigando
o pai não biológico em todos os ônus (alimentação, afetividade, cuidado etc).
Para desfazer o liame, é preciso uma ação de dissolução de paternidade,
devendo o lastro probatório não ser prejudicial ao menor, bem como a afetividade
deverá ser levada em consideração.
Vide decisão do TJMG:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE


REGISTRO CIVIL. MEDIDA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO DA
MENOR. DEFERIDA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE RECURSAL.
REJEITADA. ACOLHIMENTO DA CRIANÇA LOGO APÓS O NASCIMENTO.
CASAL NÃO INSCRITO NO CADASTRO DE ADOÇÃO. PREVALÊNCIA DO
MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. MANUTENÇÃO DA INFANTA SOB
SEUS CUIDADOS. NECESSIDADE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO.
1. Não há falar-se em ilegitimidade recursal da menor, devidamente
representada pelo genitor constante do registro civil, quando o pleito de
anulação de tal assento sequer fora analisado e o poder familiar da genitora
biológica encontra-se suspenso.
2. Em que pese inexista nos autos exame de DNA, o caso em espeque, ao
que tudo indica, versa sobre a nominada "adoção à brasileira", que consiste
na "adoção" realizada sem a observância dos procedimentos legais,
mediante o registro de filho alheio como próprio.
3. Não obstante, sempre que se tratar de interesse relativo à criança e
adolescente, o magistrado deve se ater ao interesse do menor, considerando,
para tanto, primordialmente, seu bem estar.
4. Em que pese a aparente inobservância dos procedimentos legais, estando
a menor desde o nascimento aos cuidados de G.S.S. (pai constante no
registro) e L.A.S., os quais, de acordo com a prova dos autos, apresentam
plenas condições de continuar zelando pelo bom desenvolvimento e bem-
estar da criança, não vislumbro, no caso específico, razões plausíveis para
determinar sua busca e apreensão, sendo a reforma da decisão agravada
medida que se impõe. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv
1.0429.17.000321-5/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes , 1ª
35

CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/10/2017, publicação da súmula em


11/10/2017)

4.4.3. Do reconhecimento judicial

Diante de uma demanda judicial, pelo procedimento da investigação de


paternidade, o juízo pode determinar que se realize perícia médica, fazendo-se o
exame de DNA, o qual comprovará o vínculo sanguíneo entre pai e filho, não restando
outra opção ao poder judiciário, a não ser determinar que se reconheça a paternidade
da criança.
A recusa do pai a realizar o exame de DNA pode ser interpretada como
presunção de paternidade, conforme Súmula 301 do STJ10.
Assim, diante do império da sentença judicial, o vínculo de filiação se forma a
partir de uma decisão do Estado.

4.5. Da reprodução assistida

Por muito tempo, a reprodução era apenas aquela vinda de uma relação sexual,
linear e tradicional. Contudo, com o avanço da biotecnologia, novas formas de
reprodução foram possibilitadas, dadas as novas formas de família – homoafetiva,
eudemonista, pluriparental etc – bem como enfermidades que impossibilitam a
reprodução natural. (DIAS, 2015 p. 400)
A reprodução assistida (ou in vitro ou artificial) se trata de técnicas para que os
gametas se encontrem e gerem um novo indivíduo, sem ser necessária a relação
sexual.
Desta forma, casais homoafetivos, pessoas solteiras ou famílias que se
enquadram em casos de esterilidade, poderão se reproduzir e passar pela experiência
da filiação.
O CFM regulamenta essa prática pela resolução 2.168 de 2017, garantindo a
igualdade e alguns princípios bioéticos básicos em seu primeiro título, os quais são:

10 “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção
juris tantum de paternidade.” (Súmula 301, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004
p. 425)
36

“1. As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na


resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de
procriação.
2. As técnicas de RA podem ser utilizadas na preservação social e/ou
oncológica de gametas, embriões e tecidos germinativos.
3. As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade de
sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para o(a) paciente ou o
possível descendente.
§1ºA idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de RA é de 50
anos.
§2ºAs exceções a esse limite serão aceitas baseadas em critérios técnicos e
científicos fundamentados pelo médico responsável quanto à ausência de
comorbidades da mulher e após esclarecimento ao(s) candidato(s) quanto
aos riscos envolvidos para a paciente e para os descendentes eventualmente
gerados a partir da intervenção, respeitando-se a autonomia da paciente.
4. O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os
pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos envolvendo
a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão
detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade
de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir
dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento
livre e esclarecido será elaborado em formulário especial e estará completo
com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre
as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.
5. As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de
selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou
qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar
doenças no possível descendente.
6. É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade
que não a procriação humana.
7. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as
seguintes determinações de acordo com a idade: a) mulheres até 35 anos:
até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres
com 40 anos ou mais: até 4 embriões; d) nas situações de doação de oócitos
e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos
oócitos. O número de embriões a serem transferidos não pode ser superior a
quatro.
8. Em caso de gravidez múltipla decorrente do uso de técnicas de RA, é
proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.”
grifo do autor (Conselho Federal de Medicina, 2017)

Nota-se uma ordenação principiológica conservadora quanto à reprodução, no


sentido de preservar a aleatoriedade natural, pois, por exemplo, é vedado escolher o
sexo do bebê, bem como, em interpretação extensiva, características físicas ou
estéticas, salvo se for para evitar doenças – conforme o item grifado.
Outro ponto importante a se destacar na resolução em tela, é a obrigação de
sigilo quanto à doação do material genético, conforme o título IV da regulamentação:

“2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-


versa.
(...)
4. Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais,
informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
37

exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a)


doador(a).” (Conselho Federal de Medicina, 2017)

Contudo, é direito do nascido, ao atingir sua maioridade, ter o conhecimento da


identidade de seu genitor, obedecendo ao princípio da dignidade humana. Tal lógica
encontra apoio na natureza filhocentrista do ECA, que em seu Art. 27 diz que “o
reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem
qualquer restrição, observado o segredo de Justiça” grifos do autor (BRASIL, 1990).
O TJRS fomenta:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE REGISTRO DE NASCIMENTO


DEDUZIDO POR CASAL HOMOAFETIVO, QUE CONCEBEU O BEBÊ POR
MÉTODO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM
UTILIZAÇÃO DE GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. DECISÃO QUE
ORDENOU A CITAÇÃO DO LABORATÓRIO RESPONSÁVEL PELA
INSEMINAÇÃO E DO DOADOR ANÔNIMO, BEM COMO NOMEOU
CURADOR ESPECIAL À INFANTE. DESNECESSÁRIO TUMULTO
PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE LIDE OU PRETENSÃO RESISTIDA.
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O REGISTRO PARA
CONFERIR-LHE O STATUS QUE JÁ DESFRUTA DE FILHA DO CASAL
AGRAVANTE, PODENDO OSTENTAR O NOME DA FAMÍLIA QUE LHE
CONCEBEU. 1. Por tratar-se de um procedimento de jurisdição voluntária,
onde sequer há lide, promover a citação do laboratório e do doador anônimo
de sêmen, bem como nomear curador especial à menor, significaria gerar um
desnecessário tumulto processual, por estabelecer um contencioso
inexistente e absolutamente desarrazoado. 2. Quebrar o anonimato sobre a
pessoa do doador anônimo, ao fim e ao cabo, inviabilizaria a utilização da
própria técnica de inseminação, pela falta de interessados. É corolário lógico
da doação anônima o fato de que quem doa não deseja ser identificado e
nem deseja ser responsabilizado pela concepção havida a partir de seu
gameta e pela criança gerada. Por outro lado, certo é que o desejo do doador
anônimo de não ser identificado se contrapõe ao direito indisponível e
imprescritível de reconhecimento do estado de filiação, previsto no art. 22 do
ECA. Todavia, trata-se de direito personalíssimo, que somente pode ser
exercido por quem pretende investigar sua ancestralidade - e não por
terceiros ou por atuação judicial de ofício. 3. Sendo oportunizado à menor o
exercício do seu direito personalíssimo de conhecer sua ancestralidade
biológica mediante a manutenção das informações do doador junto à clínica
responsável pela geração, por exigência de normas do Conselho Federal de
Medicina e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não há motivos para
determinar a citação do laboratório e do doador anônimo para integrar o feito,
tampouco para nomear curador especial à menina no momento, pois somente
a ela cabe a decisão de investigar sua paternidade. 4. O elemento social e
afetivo da parentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o
nascimento da menor decorreu de um projeto parental amplo, que teve início
com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por
meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga. Nesse contexto, à luz
do interesse superior da menor, princípio consagrado no art. 100, inciso IV,
do ECA, impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o
reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filha do casal agravante,
podendo ostentar o nome da família que a concebeu. DERAM
PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70052132370, Oitava
38

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
Julgado em 04/04/2013)

Importante mostrar a segurança organizacional e de saúde que a


regulamentação do CFM proporciona.
O título III apresenta requisitos para que as clínicas realizem a reprodução
assistida:

“1. Um diretor técnico (obrigatoriamente um médico registrado no Conselho


Regional de Medicina de sua jurisdição) com registro de especialista em
áreas de interface com a RA, que será responsável por todos os
procedimentos médicos e laboratoriais executados;
2. Um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou
relatadas por fonte competente) das gestações, dos nascimentos e das
malformações de fetos ou recém-nascidos provenientes das diferentes
técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos
procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões;
3. Um registro permanente dos exames laboratoriais a que são submetidos
os pacientes, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças;
4. Os registros deverão estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos
Regionais de Medicina.” (Conselho Federal de Medicina, 2017)

Percebe-se notável ética e cuidado na prática de inseminação artificial, dando


todas as garantias morais aos doadores e usuários da biotecnologia.
O custo da reprodução assistida varia entre 5 e 20 mil reais no Brasil (10
dúvidas sobre fertilização assistida, 2015). Contudo, por ter regulamentação ordinária
no direito civil, deve o poder público instituir políticas que possibilitem a prática de
forma gratuita a todos (BRASIL, 1988).

4.5.1. Da reprodução assistida homóloga

Dá-se o nome de reprodução artificial homóloga aquela feita com material


genético advindo do cônjuge. Então, o filho é totalmente biológico, sendo a medicina
apenas um instrumento para proporcionar o ato, dadas as limitações fisiológicas do
casal.
Insta destacar que, para fins sucessórios, a herança será para os herdeiros
concebidos antes da abertura da sucessão. Por exemplo, se o casal mantém um
material genético congelado e, antes de ser feita a inseminação, o genitor falece, o
filho não será herdeiro, pois ao tempo do óbito, ele não existia. Contudo, o tema ainda
não é pacificado e está em fase embrionária judicial – um trocadilho involuntário sobre
39

o tema – e o filho concebido após a abertura sucessória poderá ser sujeito da herança,
se assim for definido em testamento11. (DIAS, 2015 p. 401)

4.5.2. Da reprodução assistida heteróloga

Ocorre a reprodução heteróloga quando o gameta utilizado é advindo de


doação sigilosa, nos termos do CFM, mediante autorização do marido, caso seja um
casal.
Há uma assunção de paternidade no momento da expressão da vontade de se
tornar pai, sendo o ato irretratável após a inseminação. As regras da adoção que
dispõem o ECA devem ser levadas em consideração neste ato jurídico, dada a mesma
natureza civil de filiação. (DIAS, 2015 pp. 402-403)

4.5.3. Da gestação por substituição

Popularmente conhecida como barriga de aluguel, é a gestação feita utilizando


o útero de outra pessoa, recurso muito utilizado por casais homoafetivos masculinos.
A prática deve ser totalmente gratuita, por expressa vedação constitucional, porém,
Maria Berenice Dias defende que a vedação é arcaica e de caráter machista, devendo
ser revisada e considerada a inseminação artificial por substituição paga. (DIAS, 2015
pp. 403-404)
É costume que parentes por afinidade façam a cessão do útero (sogra,
cunhada). Em que pese, nesses casos, a maternidade não seja vinculada à mãe
biológica, é possível requerer em juízo que o registro do nascido contenha o nome da
mãe biológica, assegurando-se a sua identidade. (DIAS, 2015 p. 404)

11“Art. 1.800 (...) § 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos
herdeiros legítimos.” (BRASIL, 2002)
40

5. DOS RISCOS

Toda sociedade organizada é permeada por atos fraudulentos praticados por


seus integrantes. Fraudes são comuns em todo sistema, até nos mais complexos e
organizados. Afinal, a fraude é elemento natural da mudança, pois o indivíduo nem
sempre é o mesmo.
No que tange à reprodução, para aqueles que necessitam de meios artificiais
para tal, há muitas fragilidades e possibilidades de ilícitos penais. Precisamente, os
tipos penais que são definidos em lei são os que tratam dos crimes de periclitação da
vida e da saúde, bem como da venda de material genético.
A seguir, mais detalhes sobre tais condutas.

5.1. Dos crimes de periclitação da vida e da saúde

São crimes que visam a proteção contra a exposição da vida ou saúde a risco
de degradação ou destruição – crimes de perigo.
Tais crimes são proteções da incolumidade física e da saúde.
Para este estudo, importa falar dos crimes de perigo de contágio venéreo,
perigo de contágio de moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de outrem, como
se pode ver:

5.1.1. Do perigo de contágio venéreo

Regulamentado pelo Art. 130 do CP, é a conduta de “expor alguém, por meio
de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de
que sabe ou deve saber que está contaminado” (BRASIL, 1940).
A exposição é o ato de deixar desprotegido ou sem guarda alguém com que se
tenha relações sexuais ou se pratique ato libidinoso. O tipo destaca que o contágio
deve ser de moléstia de que o agente está contaminado ou de que deve saber da
contaminação, ressaltando a obrigação de cuidado e controle de doenças
sexualmente transmissíveis.
O brilhante doutrinador, Cezar Bitencourt, em seu tratado de direito penal,
ensina:
41

“A existência, harmonia e prosperidade da coletividade estão condicionadas


à saúde, segurança e bem-estar de cada um de seus membros, e, por isso,
são objetos do interesse público. Esse interesse público, no entanto, em
razão da natureza da conduta incriminada, pode chocar-se com relevantes
interesses individuais que igualmente recebem a proteção da ordem jurídica,
como são, por exemplo, a harmonia familiar, o matrimônio, a fidelidade
conjugal, a honra, entre outros.” Grifo do autor (BITENCOURT, 2012 p. 537)

Como se pôde ver no grifo, o crime visa não só a proteção da saúde, mas
também há proteção direta às questões que tocam bens jurídicos protegidos pelo
direito de família.
Por fim, moléstia venérea é um termo amplo, se tratando de norma penal em
branco. Portanto, outra lei definirá o que é uma moléstia venérea, o que Bintencourt
esclarece: “para efeitos penais, somente aquelas que o Ministério da Saúde catalogar
como tais, e esse rol deve variar ao longo do tempo, acompanhando não só a evolução
dos costumes, mas, particularmente, os avanços da própria ciência médica”.
(BITENCOURT, 2012 p. 545)

5.1.2. Do perigo de contágio de moléstia grave

O Art. 131 do CP assim tipifica: “Praticar, com o fim de transmitir a outrem


moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio” (BRASIL,
1940).
Trata-se da prática – ato, ação, omissão etc – de transmissão de moléstia grave
a outra pessoa. É o caso das pessoas que, seja qual for o motivo, aplicam agulhas ou
colocam seu material biológico contaminado em contato de outras pessoas para
transmitir sua enfermidade.

5.1.3. Do perigo para a vida ou saúde de outrem

Generalizando a proteção à saúde e incolumidade física, o crime de perigo para


a vida ou saúde de outrem é uma regra geral para os crimes de perigo.
O Art. 132 do CP dispõe: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e
iminente” (BRASIL, 1940). Ou seja, qualquer exposição que possa gerar perigo é
tipificada nesta conduta, desde que não atendidos os requisitos dos crimes expostos
acima. É crime subsidiário, dando integral proteção ao bem jurídico da saúde.
(BITENCOURT, 2012 pp. 607-646)
42

5.2. Do tráfico de órgãos

A CFRB/88 veda a venda de órgãos humanos no §4º do Art. 199:

“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de


órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e
seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.” Grifo do
autor (BRASIL, 1988)

Dessa vedação, decorrem leis ordinárias e especiais que vão regularizar a


proteção à saúde e que vão garantir a bioética, por se tratar de questões existenciais
e respeito a possíveis novas vidas.
Neste passo, as Leis de Transplantes e Biossegurança tipificam determinadas
condutas, quais sejam:
O Art. 5º, § 3º da Lei de Biossegurança infere: “É vedada a comercialização do
material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado
no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997” (BRASIL, 2005).
Então, assim diz o Art. 15 da Lei nº 9.434/1997 (Lei de Transplantes): “Comprar
ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano” (BRASIL, 1997).
Como se pôde demonstrar, a lei de Biossegurança aumentou a interpretação
da lei de Transplantes, fazendo entender que a comercialização de material biológico
é tipificada como crime.
O Ministério da Saúde mostra um rol de materiais biológicos, o que se deve
levar em conta para definir do que trata o crime em tela:

“(...) sangue, fluidos orgânicos potencialmente infectantes (sêmen, secreção


vaginal, liquor, líquido sinovial, líquido pleural, peritoneal, pericárdico e
amniótico), fluidos orgânicos potencialmente não-infectantes (suor, lágrima,
fezes, urina e saliva), exceto se contaminado com sangue.” (BRASIL, 2006 p.
11)

Como destacado, o sêmen é um material biológico protegido pelas leis de


Biossegurança e Transplantes.
43

Tal entendimento se mantém, mesmo que o parágrafo único12 do Art. 1º da Lei


de Transplantes não considere o esperma um tecido ou órgão objetos daquela lei;
pois a lei de Biossegurança, que estende a interpretação do crime de comercializar o
sêmen, é de 2005, ocorrendo a revogação tácita daquele dispositivo em relação a tal
tipificação13.

12 “Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o
sangue, o esperma e o óvulo.” (BRASIL, 1997)
13 “Art. 1º (...) § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com

ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” (BRASIL, 1942)
44

6. DA RELAÇÃO JURÍDICA

O direito é a ciência do dever-ser. Fatos são o norte para a criação da


epistemologia jurídica. Uma relação jurídica nasce com um fato, o qual possui
relevância no mundo jurídico. A relação jurídica, então, cria obrigações, direitos e
deveres entre as partes. Portanto, fatos são criadores, modificadores e causadores
de extinções de relações jurídicas. (QUEIROZ, 2001 p. 135)
O artigo escrito por Evandro dos Santos reforça este conceito:

“A relação jurídica é como que o fenômeno jurídico mais simples na


complexidade da vida jurídica; esta será composta de relações jurídicas,
duma multiplicidade inesgotável de relações jurídicas, que nascem, se
transformam e se extinguem. Os fatos jurídicos são os fatos que dão origem
à constituição duma relação jurídica (fatos constitutivos), à modificação duma
relação jurídica (fatos modificativos) ou à extinção de uma relação jurídica
(fatos extintivos).” (DOS SANTOS, 2006)

O nascimento é um fato que provoca uma relação jurídica. O feto nascido com
vida já se torna sujeito de direitos civis14 (BRASIL, 2002). A paternidade e filiação são
fenômenos da relação jurídica que se concretiza com o nascimento. (QUEIROZ, 2001)
No caso da inseminação heteróloga caseira, o nascido possui um vínculo
biológico existente e válido, o qual não pode lhe ser negado, resguardando-se sua
dignidade.
Maria Berenice Dias ensina acerca do que ela chama de “Estado de Filiação”:

“De um lado existe a verdade biológica, comprovável por meio de exame


laboratorial que permite afirmar, com certeza praticamente absoluta, a
existência de um liame biológico entre duas pessoas. De outro lado há uma
verdade que não mais pode ser desprezada: o estado de filiação, que decorre
da estabilidade dos laços de filiação construídos no cotidiano do pai e do filho,
e que constitui o fundamento essencial da atribuição da paternidade ou
maternidade.” (DIAS, 2015)

A formação do vínculo paternidade/filiação provoca consequências jurídicas


importantes – nome, alimentação, afeto, patrimônio etc – pois elas serão essenciais
para a formação do novo indivíduo, que tem o direito de ser criado em um lar saudável
e de ter sua formação emocional e social, tornando-se um cidadão útil e educado para
a vida em sociedade. (QUEIROZ, 2001)

14 “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida (...)” (BRASIL, 2002)
45

6.1. Da autonomia privada e da limitação estatal

A teoria dos contratos consagra o princípio da Autonomia Privada – ou


Autonomia da Vontade15. Trata-se da força vinculante entre os contratantes, a qual é
decorrente de suas vontades, fazendo lei entre as partes, criando-se, então,
obrigações contratuais. Formaliza o dogma da pacta sunt servanda16, que enseja o
cumprimento do acordo firmado naquele pacto.
Fiuza, em seu curso de direito civil, define a autonomia privada como um
importante princípio contratual.

“É o mais importante princípio. É ele que faculta às partes total liberdade para
concluir seus contratos. Funda-se na vontade livre, na liberdade de contratar.
O contrato é visto como fenômeno da vontade e não como fenômeno
econômico-social. É o princípio que protege as partes contratantes da
ingerência ilegítima do Estado.” (FIUZA, 2014 p. 534)

Fiuza continua descrevendo as características do princípio em tela:

“Exerce-se a autonomia da vontade em quatro planos.


1.º) Contratar ou não contratar. Ninguém pode ser obrigado a contratar,
apesar de ser impossível uma pessoa viver sem celebrar contratos.
2.º) Com quem e o que contratar. As pessoas devem ser livres para escolher
seu parceiro contratual e o objeto do contrato.
3.º) Estabelecer as cláusulas contratuais, respeitados os limites da Lei.
4.º) Mobilizar ou não o Poder Judiciário para fazer respeitar o contrato, que,
uma vez celebrado, torna-se fonte formal de Direito.” Grifo do autor (FIUZA,
2014 pp. 534-535)

O grifo da citação acima direciona para um ponto importante do princípio aqui


explanado.
Rousseau explica que a liberdade ilimitada pode trazer enormes prejuízos aos
homens, tornando-os perigosos e destrutivos. Assim, é preciso frear a liberdade, para
que esse efeito catastrófico não domine a sociedade e as regras sociais possam
manter a vida em comum. A essa filosofia dá-se o nome de Contrato Social.
(ROUSSEAU)

15 A linguagem jurídica moderna trata de Autonomia Privada, pois o termo Autonomia da Vontade está
longe da definição adstrita do instituto, que é limitado à intervenção estatal, para que se cumpra a
função social do contrato, que é superior à vontade das partes.
16 Latim. Significado: “Acordos devem ser mantidos”.
46

Nos nortes dados pelo Contrato Social e pelo advento dos princípios e garantias
fundamentais – frutos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da CRFB/88
– a autonomia privada se torna limitada por subprincípios garantidores, quais sejam,
o da dignidade da pessoa humana e da função social.
A dignidade humana é princípio básico do Direito Brasileiro moderno.
Permeando todas as esferas, foi consagrado pelo Art. 1º, III da CRFB/88. É
fundamento da República brasileira. O contrato deve obedecer a tal princípio, não
sendo possível dispor de tal mandamento.
Fiuza traz um excelente exemplo para tal doutrina:

“Por exemplo, um hospital compra certo maquinário. Vê-se, depois, em


situação de inadimplemento, não conseguindo pagar ao fornecedor. Que
fazer? Penhorar o maquinário? O que é mais importante, a saúde dos
pacientes ou o lucro do fornecedor? Sem dúvida alguma, o lucro do
fornecedor é importante, mas não mais que a saúde dos pacientes do
hospital. O lucro há de ceder diante da dignidade humana, e a solução para
o problema não será a penhora do maquinário.” (FIUZA, 2014 p. 541)

A função social compreende uma premissa de que todo contrato deve ser útil
para a ordem civil, econômica e jurídica do negócio. Assim, evitam-se transtornos
como prejuízo de direitos de terceiros ou desobediência a princípios fundamentais,
como a já citada dignidade humana.
Fiuza esclarece:

“É com base no princípio da função social dos contratos que muitos


problemas contratuais serão solucionados. Assim, que solução deverá ser
adotada no caso de a execução de um contrato levar uma empresa à
falência? Ora, não objetivo de nenhum contrato levar qualquer das partes a
tal situação, gerando desemprego e pobreza. Assim, a execução do contrato
em tela pode ser processada não do modo tradicional, mas de modo a evitar
a falência da empresa. Esta solução só é viável diante do princípio da função
social dos contratos.” (FIUZA, 2014 p. 541)

O CC/02 é claro em seu Art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em


razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002). Por razão, se
entende uma aplicação do princípio da razoabilidade, que deixa aberta a interpretação
extensiva do texto legal, podendo o dogma ser aplicado a cada caso concreto. A
palavra “limites” expressa uma restrição clara à liberdade de contratar, estabelecendo
organização e regras para as contratações.
47

6.2. Da validade do negócio jurídico

O contrato é o instrumento jurídico que dá forma a um negócio jurídico. Em


termos popperianos17, é a técnica que dogmatiza a teoria dos negócios jurídicos.
Cabe, antes, uma definição do que é um negócio jurídico. Para tanto, usar-se-
á a definição de César Fiuza: “Negócio jurídico é toda ação humana combinada com
o ordenamento jurídico, voltada a criar, modificar ou extinguir relações ou situações
jurídicas, cujos efeitos vêm mais da atuação individual do que da Lei” (FIUZA, 2014 p.
241).
Para que um negócio jurídico seja concreto, é preciso levar em consideração a
regra da chamada “escada ponteana”18.
A escada ponteana trata de requisitos de validade do negócio jurídico. Se dá o
nome de “escada”, pois os requisitos são eliminatórios na verificação do negócio
jurídico.
A tese de Pontes de Miranda19 é de que há três planos para um negócio jurídico:
plano da existência, plano da validade e plano da eficácia.
No plano da existência, verifica-se o fato que dá origem à relação jurídica.
Trata-se de uma observância fática sobre o negócio jurídico. Antes de tudo, o negócio
jurídico é, ou seja, ele existe. A existência é um pressuposto de proteção jurídica, visto
sua ligação íntima com o mundo real, onde um efeito metafísico encontra o mundo
jurídico (MIRANDA, 2012 p. 25). Aqui, é preciso observar se existem partes legítimas
para contratar; se o objeto é lícito – não se pode negociar a venda de uma criança,
por exemplo; o consentimento deve estar como manifestação de vontade das partes,

17 Karl Raimund Popper foi filósofo da ciência, estabeleceu as bases epistemológicas do conhecimento
em seu racionalismo crítico, que são: teoria, hipótese da verdade; ciência, confirmação da teoria;
técnica, aplicação da teoria ou ciência; crítica, pontos conflitantes da teoria, ciência e técnica. (POPPER
(1902-11994), 2010)
18 O nome tem origem no autor da teoria da validade do negócio jurídico, Pontes de Miranda.
19 “A diferença entre o mundo fáctico e o mundo jurídico vê-se bem entre o passeio que alguém faz à

casa do amigo e a entrega da carta com a oferta de contrato, entre o ato de cercar, interiormente, o
terreno que lhe pertence e o de invadir o terreno do vizinho, entre a avulsão interior ao terreno de A e
a avulsão entre o terreno de A e o de B. Duas pessoas que se divertem jogando cartas, sem parar
qualquer valor (sòmente fichas de osso ou de matéria plástica, que voltam ao dono), mantêm-se no
mundo fáctico; e duas que fizeram paradas de dinheiro, fizeram entrar no mundo jurídico, desde o
momento em que acordaram em tal jogo, o negócio jurídico dos arts. 1.477- 1.479 do Código Civil. A
diferença entre o plano da existência e o plano da eficácia percebe-se claramente quando se considera
o fato jurídico e o direito, o dever, a pretensão, a obrigação, a ação e a exceção, que são efeitos, ou a
condição e o têrmo, que só operam no plano da eficácia, e o distrato, a resolução sem ser por advento
de condição ou têrmo, a própria resilição e a denúncia, que se passam no plano da existência. O distrato
desfaz o ato jurídico; a resolução resolve o ato jurídico, a resilição resile-o; a denúncia atinge o ato
jurídico. A condição e o têrmo sòmente apanham efeitos.” (MIRANDA, 2012)
48

seja de forma tácita ou expressa; ainda, a forma de celebração deve ser observada –
por exemplo, um casamento deve ser pactuado de forma solene, igual sua previsão
legal. (FRANCO, 2015)
No plano da validade, observam-se os requisitos formais e legais do negócio
jurídico. Neste momento, verificam-se características formais do contrato. O Art. 104
do CC/02 define os requisitos de validade do negócio jurídico: “A validade do negócio
jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei” (BRASIL, 2002). A capacidade
dos agentes é medida pelas definições do CC/02 nos requisitos listados no Capítulo I
da lei (Arts. 1º ao 10). A licitude do objeto é fundamental para que este seja objeto da
negociação, pois, se houver reprovabilidade do objeto, há ofensa jurídica; ainda, o
objeto deve ser possível, por obviedade da necessidade de alcance e acessibilidade
à coisa – impossível é negociar um imóvel na lua, por exemplo; determinado ou
determinável, dando forma e contorno ao que se está negociando. Quanto à forma
prescrita ou defesa em lei, orienta que os contratos que exigem certa solenidade
sejam obedecidos conforme a lei – como o casamento. Pontes de Miranda pontua,
chamando este plano de “Plano II”, condicionando à validade possíveis nulidades20 e
anulabilidades21:

“No Plano II, o assunto já supõe a existência dos fatos jurídicos; mais
precisamente, dos atos jurídicos (negócios jurídicos e atos jurídicos stricto
sensu), fora os fatos jurídicos stricto sensu. São a validade, a nulidade e a
anulabilidade o que mais longamente nos ocupa.” (MIRANDA, 2012 p. 25)

No plano da eficácia, o negócio jurídico ganha vitalidade e força obrigacional


entre as partes. Para tanto, é possível sujeitar os efeitos da eficácia a: condições,
eventos futuros que, se ocorridos da forma prevista, darão eficácia ao negócio;
encargos, atos que a parte deve cumprir para obter a prestação da obrigação; termos,
que determinam prazos de início e fim da eficácia. A eficácia ainda se pode dar de
forma plena após a validade do contrato. (FRANCO, 2015)
Portanto, uma ilustração da escada ponteana pode se dar da seguinte forma:

20 A nulidade pressupõe a invalidade imperativa de um negócio jurídico, sendo questão de ordem


pública. Em outras palavras, não o que se falar em necessidade de provocação judiciária para declarar
um contrato nulo, podendo ser declarada de ofício.
21 A anulabilidade se dá quando um negócio jurídico é passível de ser anulado, por defeitos que a isso

ensejem. Contudo, permanece válido até que judicialmente a nulidade seja decretada.
49

Figura 6 - Escada Ponteana

Fonte: (RODRIGUES, 2017)

6.3. Da instrumentalidade do contrato

Para que serve um contrato?


É uma ponderação crítica necessária para o tema desta pesquisa.
O contrato é instrumento regulamentador de vínculos jurídicos entre partes,
estabelecendo normas, obrigações, direitos, poderes, atos etc. Em outras palavras, é
um cosmo metafísico que liga as partes contratantes na ficção do mundo jurídico.
Contratos são formas de garantir a confiança no outro, limitando a hipótese de
ofensa ou de violação de direitos, trazendo para a matéria jurídica toda a garantia da
função social do negócio, firmando acordos, vontades e compromissos.
Ainda, contratos são a materialização do jogo econômico e social, o qual jogam
todos os que comungam da vida em sociedade, fazendo deste instrumento seu meio
de locomoção no labirinto que é a teia das relações humanas.

“Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos,


prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua
resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a
fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem
condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua
maneira de ser.
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas
unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem,
50

senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los
sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir
de comum acordo.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo,
sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua
conservação, como as empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar
os cuidados que se deve? Esta dificuldade, reconduzida ao meu assunto,
pode ser enunciada nos seguintes termos.
‘Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força
comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-
se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre
como anteriormente.’ Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo
contrato social.
As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do
ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte
que, conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas
em todas as partes, em todas as partes tacitamente admitidas e
reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em seus
primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade
convencional pela qual ele aqui renunciou.” (ROUSSEAU p. IV)
51

7. DA BIOÉTICA

Ética, do latim ethos (costumes), “em sentido restrito, é a ciência do dever


moral, a arte de dirigir a conduta” (QUEIROZ, 2001 p. 108). Trata-se de um conjunto
de normais que regulamentam a moral, o emanar empírico de normas baseado nos
valores, costumes, hábitos, tradições e cultura de determinada sociedade. A ética vem
para garantir a vida em sociedade em sua vivência cotidiana, limitando as ações e
omissões de cada indivíduo, de forma que se contribua para a construção do bem-
estar social. (QUEIROZ, 2001 p. 108)
A ética, assim como o direito, possui caráter deontológico, ou seja, é a ciência
do dever-ser, se tratando de um estudo de orientação e organização da sociedade.
Ainda, a ética é muito próxima das raízes jurídicas, contudo, ao passo que o direito
possui caráter institucionalista, a ética é gerada na mudança e adaptação social.
(QUEIROZ, 2001 p. 109)
Juliane Queiroz acrescenta:

“(...) se a ética de um grupo social é um conjunto de costumes, informados


por valores, os quais irão estabelecer um sistema de normas de
comportamento, esses valores são mutáveis conforme a necessidade e a
conveniência dos integrantes da sociedade, e as normas só serão
obedecidas se os valores forem reconhecidos pelo grupo.” (QUEIROZ, 2001
p. 109)

Dados os horrores do nazismo e Segunda Grande Guerra Mundial, o direito


mundial passou a proteger integralmente a vida, tornando-se positivamente garantista.
Badiou defende que “justamente em função do horror nazista é necessário legislar
para defender o direito à vida e à dignidade, pois o impetuoso impulso das ciências
coloca a nosso alcance os meios de praticar todo tipo de manipulações genéticas”
(BADIOU, 1995 p. 49).
No Brasil, a CFRB/88 é clara quando estabelece em seu Art. 5º o direito à vida
para todos, sem distinções de qualquer natureza, o que vincula toda a legislação
infraconstitucional a seguir a lógica legislativa quanto a este tema.
Ante toda essa epifania de conceitos de ética e vida, nasce a Bioética, a ética
da vida. O termo é comumente usado para se referir à prática médica – e assessórias,
como enfermagem. Trata-se de uma ciência multidisciplinar, que reúne medicina,
biologia, direito, ética etc. (QUEIROZ, 2001 p. 111)
52

Juliana conceitua a bioética como o estudo que surge do fato:

“O fato ocorre como equilíbrio ou conflito de valores. Diante disso, deve-se


buscar o bem maior. Como exceção, o mal menor, pois proibir todas as
práticas e pesquisas na área não é a solução. E, nesse oceano de
questionamentos infindáveis, nasce a bioética.” (QUEIROZ, 2001 p. 110)

A bioética vem para quebrar a tradição de delegar a saúde aos médicos, para
que eles ajam arbitrariamente sobre os indivíduos, podendo provocar danos ou até
mesmo usando aqueles corpos para experimentos científicos. Vide o que diz
Spinsanti:

“A bioética comporta uma revogação do mandato que a sociedade


tradicionalmente concedeu aos biólogos e médicos de regularem os seus
próprios comportamentos, para passar a uma negociação pública das normas
éticas e jurídicas.” (SPINSANTI, et al., 1998 p. 30)

A bioética vem limitar e regulamentar discussões como aborto, transplante de


órgãos, doação de órgãos, pesquisa científica em seres humanos, reprodução
humana, tratamentos diversos, eutanásia, direitos sexuais, saúde pública,
manipulações genéticas etc. (QUEIROZ, 2001 pp. 111-112)
53

8. DO DIREITO CONSUETUDINÁRIO

O Art. 4º da LINDB assim diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL,
1942) grifo do autor.
Costume nada mais é do que uma prática reiterada que se torna comum e
ordinária em determinado grupo ou sociedade.
O costume é uma fonte do direito, sendo aplicado quando da omissão
legislativa sobre alguma lei. O judiciário faz muito uso desta aplicação em suas
decisões.
Usos e costumes são os sinais das modificações sociais comuns a toda
organização humana. Por eles, o Direito age para se adequar à sociedade, buscando
uma regulamentação que não fira a essência que gera aquele grupo.
54

CONCLUSÃO

Expostas todas as razões da pesquisa, passam-se às conclusões.


A reprodução artificial caseira é um fenômeno que tem acontecido no meio da
sociedade, sendo uma realidade inegável que tem crescido cada vez mais. A prática
não possui proteção jurídica por falta de amparo ético e legal.
Os princípios do direito de família direcionam a uma interpretação à luz da
dignidade da pessoa humana, solidariedade, melhor interesse do menor e, sobretudo,
a afetividade, que é o norteador do direito familiar moderno, se sobrepondo à norma,
fazendo o direito se adequar ao caso concreto. Por isso, a responsabilidade parental
deve ser reconhecida nos casos de reprodução artificial caseira, portanto, todas
implicações sucessórias, alimentares e solidárias estão inerentes ao doador do sêmen
na prática em estudo, devendo este ser responsabilizado como se uma reprodução
natural fosse.
A filiação é regulamentada pelo direito civil, podendo ser natural ou civil. A
inseminação artificial é regulamentada pelo CFM, trazendo segurança e controle ético
sobre a prática. Usar métodos caseiros de reprodução artificial é abrir mão da
segurança e garantia que a regulamentação do órgão de medicina institui, sobretudo,
rompendo o sigilo, acarretando problemas morais e éticos na criação do filho; bem
como, a propagação de doenças pode se tornar inevitável.
A prática também favorece a venda ilegal de material genético, bem como a
facilitação do cometimento de crimes de periclitação da vida e saúde, pois não há a
intervenção estatal que proteja os agentes destas fraudes.
O negócio jurídico de doar sêmen voluntária e informalmente é inválido, pois
não obedece a forma prescrita em lei, não chegando, sequer, ao campo da eficácia.
A bioética é fundamento garantidor do efetivo trabalho médico e jurídico,
evitando a arbitrariedade e caráter curandeiro dos médicos. Portanto, deve-se
considerar as regulamentações do CFM, pois encontram amparo jurídico de proteção
a ameaça ou lesão de direito.
A responsabilidade parental, logo, incide nos casos de reprodução artificial
caseira, pois não há lastro probatório que prove a prática, bem como todas as
conclusões expostas acima. Desta forma, para o mundo jurídico, a reprodução
assistida caseira é interpretada como reprodução natural, gerando todos os ônus e
obrigações da paternidade.
55

Por outro lado, em que pesem todas as conclusões apresentadas, há de ser


considerado que o Direito se adequará à sociedade, levando em consideração seus
usos e costumes, nascendo as normas da mecânica social que valida ações antes
não permitidas pelos dogmas legais. Em outras palavras, no Direito, se algo não é
permitido, deve ser vedado, se é, deve ser regulamentado, de onde vem o brocardo
civil “o que não é proibido é permitido”.
Nota-se um grande crescimento dos casos de reprodução artificial caseira,
fazendo com que a prática seja cada vez mais comum na sociedade. Desta forma, se
não houver regulamentação expressa e objetiva, a Ciência Jurídica deverá buscar nas
suas fontes – analogia, usos e costumes, doutrina, jurisprudência etc – toda a proteção
necessária para esta prática. É de se levar em conta que o doador não quer ser pai,
mas quer apenas doar o sêmen. As transformações sociais que levam a isso um dia
farão seu efeito sobre a ordem jurídica civil.
Logo, toda a conclusão sistemática de invalidar o negócio da doação direta de
sêmen para reprodução artificial precária poderá cair por terra diante destas hipóteses
consuetudinárias.
56

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59

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Agosto de 2018.] https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/casal-homoafetivo-
registra-em-seu-nome-filho-gerado-de-inseminacao-artificial-
caseira?redirect=https%3A%2F%2Fportal.tjsc.jus.br%2Fweb%2Fsala-de-
imprensa%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_3dhclc9H4ihA%26p_.
ZYLBERKAN, Mariana. 2017. Inseminação caseira ganha impulso com pai 'real' e
custo quase zero. Folha de São Paulo. [Online] 10 de Outubro de 2017. [Citado em:
12 de Agosto de 2018.] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1927109-
inseminacao-caseira-ganha-impulso-com-pai-real-e-custo-quase-zero.shtml.
60

ANEXO I

“Estamos à procura de alguém que queira artificial em clínicas, nestas situações, o doador
realmente fazer uma doação com data não costuma ser anônimo. O procedimento é
marcada. E se não puder comparecer nos avise feito sempre no período fértil, às vezes,
com antecedência, pois estamos em busca de repetidamente no mesmo ciclo menstrual a fim
um sonho que, para nós, é sério.” A frase é de de aumentar as chances de gravidez. Com a
J. C*, integrante de um dos vários grupos disseminação da prática na internet já existe
virtuais que reúnem pessoas interessadas em até a possibilidade de comprar online um kit,
um método, que ficou conhecido como que inclui testes de ovulação e até um cateter
inseminação artificial caseira. Para para conduzir o esperma até bem próximo ao
tentar realizar o sonho de ser mãe, ela usa as útero. A média de preço é de R$ 100.
redes sociais com o intuito de encontrar um
homem disposto a ceder uma pequena Os riscos à saúde
quantidade de sêmen, para ela mesma poder O ginecologista e obstetra Renato Tomioka,
inserir em seu corpo, em casa. especialista em medicina reprodutiva da clínica
Parece surreal? A prática tem ganhado Vida Bem Vinda (SP), alerta que por se tratar
adeptos, principalmente entre casais da introdução de um material biológico sem
homoafetivos femininos, mulheres que querem avaliação adequada, há diferentes riscos para
engravidar de forma independente e casais a saúde. “Pode haver a transmissão de várias
héteros, quando o homem apresenta algum doenças, entre elas, a infecção genital e a
problema que afete a fertilidade, como a contaminação do sêmen por vírus como HIV,
qualidade e a quantidade de seus hepatites e zika, que podem comprometer a
espermatozoides, por exemplo. São vários os saúde da mãe e do futuro bebê. Além disso,
grupos disponíveis no Facebook que tratam do podem ocorrer traumatismos vaginais, devido à
assunto, por exemplo. Em uma rápida manipulação inadequada dos materiais",
pesquisa, é possível encontrar pelo menos 45 explica.
deles. O maior, com o nome de Inseminação Para a técnica de enfermagem S.C., 38 anos,
Caseira Gratuita, de São Paulo, reúne mais de de Natal (RN), e sua parceira, o sonho da
9 mil membros. maternidade passou por cima de qualquer um
A solução convencional é recorrer a uma clínica desses riscos. O casal optou pela inseminação
de reprodução humana para realizar a caseira e conseguiu ter um bebê. O menino
inseminação artificial (quando o sêmen do está hoje com 7 anos. O procedimento deu
homem é depositado direto no útero feminino). certo, mas elas não ficaram satisfeitas. Quando
A grande barreira, no entanto, é o custo do ele completou 4 anos, elas decidiram que
procedimento, que varia entre R$ 2 mil e R$ 4 tentariam novamente. Dessa vez foi S.C* e não
mil (quando utilizado o sêmen do próprio a parceira que se submeteu à inseminação no
parceiro) e chega a custar cerca de R$ 20 mil ano passado e, desta vez, vieram gêmeas!
(com sêmen do laboratório ou banco). “Conseguimos um doador da nossa cidade,
marcamos a data e fizemos o procedimento.
Em alguns hospitais públicos, como o Hospital Nove meses depois nasceram nossas filhas,
das Clínicas e o Perola Byington, em São Paulo que hoje estão com 4 meses”, diz.
(SP), é possível realizar os procedimentos de
forma gratuita. Nestes casos, é preciso atender A ginecologista e obstetra Juliana Amato, da
aos pré-requisitos de cada instituição, que Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva,
podem envolver a renda e a comprovação de confessa que as chances de um teste de
disfunções na fertilidade. Além disso, quem gravidez positivo depois do procedimento
opta por esses programas deve estar disposto doméstico realmente acontecem, mas é preciso
a enfrentar uma longa fila de espera, que levar em conta todos os riscos, não só de
costuma ultrapassar mais de um ano. saúde, como também psicológicos, éticos e
jurídicos.
Já no “método” caseiro, basta um pote de coleta
(como aquele usado em exames de urina) e Código de ética próprio
uma seringa. Na prática, o sêmen de um doador Apesar do passo a passo que tenta imitar a
é depositado num pote de coleta e, logo em inseminação feita em clínicas especializadas, a
seguida, transferido para dentro da vagina da versão caseira esbarra em questões
receptora com a ajuda de uma seringa. Ao importantes, que vão além do risco à saúde.
contrário do que acontece na inseminação Uma delas é que o Conselho Federal de
61

Medicina determina que a doação de gametas a ter um filho, mas, enquanto isso não
(espermatozoides e óvulos) deve ser anônima acontece, me realizo fazendo outras mulheres
e sem trocas financeiras entre receptor e felizes”, diz. Ele cumpre todas as exigências
doador. Além disso, os pais devem ter, no das tentantes no que diz respeito a ficar longe
máximo, 50 anos de idade. Os fatos não têm da família e da criança. Mas também atende a
como ser fiscalizados quando é feita a pedidos de amigos e até já está se preparando
inseminação caseira. para fornecer seu material genético pela
segunda vez a um casal que conquistou o
Já o Código Civil prevê na Lei 9.434/97, em seu positivo com "a ajuda" dele. Até o ponto em que
artigo 9º, que é permitido à pessoa dispor a nossa conversa evoluiu, não houve nenhuma
gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do exigência comercial.
próprio corpo vivo, desde que não haja
comercialização. Cientes disso, alguns Para a psicóloga e psicanalista Sônia
administradores de páginas de informações Eustáquia, especialista em sexualidade
sobre a IC, como é abreviado o nome da humana, de Belo Horizonte (MG),
técnica no Facebook, disponibilizam um comportamentos como este podem ser
“código de ética” para a doação do sêmen, que explicados pela satisfação do desejo biológico
incluem tópicos como estes: de procriar, deixando no mundo sua herança
genética ou até mesmo por um fator mais
1. Não cobrar nada dos receptores - por se romantizado, como a ideia de que pais são
tratar de doação não deve-se cobrar valores de pessoas boas. “Mas é preciso questionar essas
qualquer espécie; motivações. E saber que toda escolha tem uma
2. A inseminação caseira deve ser feita sem consequência. Os responsáveis por essa
contato sexual/íntimo com a receptora porque criança que poderá se formar a partir de uma
trata-se de algo sem envolvimento sentimental. doação devem ter em mente como vão lidar
Doadores mau caráter propõem a relação com a questão mais tarde”, ressalta.
sexual como uma alternativa, mas isso é falta O fotógrafo que administra a página "Doador de
de ética e respeito; Sêmen Sorocaba", 45 anos, não tem qualquer
3. Após a fertilização e a gravidez confirmada, envolvimento com as tentantes para as quais
afastar-se completamente da família receptora; “presta serviço”. Ele cobra R$ 250 por doação,
mas chama o valor de “ajuda de custo”, além de
4. Se possível, não pergunte os nomes do casal despesas com viagem, hotel e
ou mulher receptora; é uma doação anônima; alimentação. Questionado sobre a exigência
do pagamento, o homem disse que essa é uma
5. Fuja de jovens sem experiência que só forma de filtrar as tentantes realmente
querem sexo, sem saber o mínimo de valores comprometidas. “Faço exames de sangue,
éticos de biogenética e sem formação em espermograma e todos os testes que são
saúde; necessários. Além disso, tenho um contrato,
que diz que sou apenas o doador, sem vínculo
6. Fuja também daqueles que exigem
posterior”, conta. Seu maior medo é ser
fazer/observar o momento da inseminação.
obrigado a reconhecer a paternidade de um dos
O doador vale ouro 37 positivos que soma em cinco anos de
doações.
A busca por um doador é, sem dúvida, o
assunto que move boa parte dos posts Pai e pensão?
disponíveis nesses grupos. Há, inclusive,
O documento como este que o fotógrafo assina,
alguns que disponibilizam listas com os dados
em conjunto com a mulher que recebe seu
e contatos telefônicos dos voluntários. A
material genético, pode ser contestado
redação da CRESCER entrou em contato com
judicialmente, caso ela ou até mesmo o próprio
alguns para entender melhor a questão. Há
doador mudem de ideia no futuro, requerendo
quem realmente não peça nada em troca, além
o reconhecimento da paternidade. O advogado
do fato de saberem se o material genético que
Fábio Pires Machado, do escritório Galvão &
disponibilizaram resultou num teste positivo de
Silva Advocacia, de Brasília (DF), reconhece
gravidez.
que o tema é bastante polêmico no meio
É o caso do técnico automotivo Fonseca*, 36 jurídico brasileiro, já que não existe uma lei
anos, de Volta Redonda (RJ), que é casado e específica para regulamentar o direito do
pai de um adolescente, mas faz as doações doador sobre a paternidade.
sem que a família saiba. “Estou tentando
Até então, a questão se limitava aos doadores
convencer minha esposa [segundo casamento]
anônimos dos Bancos de Sêmen. Com a
62

ramificação disso para o procedimento caseiro, reprodução é o alto custo, facilitar o acesso aos
a complexidade do tema poderá fazer com que tratamentos pelos convênios médicos seria
juristas recorram ao Estatuto da Criança e do uma possível solução para o impasse que
Adolescente (ECA) e analisem caso a caso. “O essas inseminações podem gerar no futuro, de
Brasil incorporou no ordenamento jurídico o acordo com o ginecologista e obstetra Renato
princípio do melhor interesse da criança, o que Tomioka. No entanto, isso parece estar bem
significa dizer que as necessidades da criança longe da realidade. Em julho deste ano a
devem prevalecer”, conclui. Nos casos em que Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
casais recorrem a um doador com autorização (STJ) determinou que os planos de saúde não
prévia do parceiro, que assumirá o papel de pai, têm obrigação de custear o tratamento
segundo o especialista, é ele que passa a de inseminação artificial e da fertilização in
responder pela paternidade, devendo garantir vitro.
que o doador não tenha nenhuma obrigação
legal sobre a paternidade biológica. O caso *A pedido dos entrevistados suas identidades
pode ser interpretado como paternidade foram preservadas
socioafetiva, reconhecida por lei desde 2013, Disponível em
quando o Código Civil entrou em vigor. <https://revistacrescer.globo.com/Voce-
Tem solução? precisa-saber/noticia/2018/07/inseminacao-
artificial-caseira-os-riscos-da-ideia-que-se-
Como um dos principais motivos que levam as espalha-cada-vez-mais-em-grupos-de-
pessoas a procuram métodos caseiros de internet.html> Acesso em 04 dez. 2018.
63

ANEXO II

Quis ser mãe e recorreu ao método mais usado Esperei um pouco deitada, com as pernas mais
por quem quer procriar sem ter relações com altas. É um processo simples, para quem não
um homem. Em Portugal, será a primeira a tem problemas de infertilidade. Tive sorte de
contar a sua história. engravidar logo à primeira".
Tem pouco mais de 40 anos, chama-se Beatriz Não há pais incógnitos
Duarte e foi mãe há cerca de uma década. É
lésbica assumida, hoje como o era na altura, Como muitas das lésbicas que fazem
quando, em meados dos anos 90, decidiu ser inseminação artificial em privado ou em
mãe. Numa atitude rara no Portugal de então, clínicas, Beatriz Duarte projectou uma
Beatriz Duarte fez inseminação artificial maternidade em que a criança seria filha de pai
caseira, ou seja, gerou em si uma criança incógnito. Esse facto, porém, obrigou-a a
através de espermatozóides doados, sem responder perante a justiça, pois o Código Civil
contacto físico com um homem."Nos anos 90 proíbe-o desde o 25 de Abril, como forma de
era cedo de mais para fazer isto em Portugal, a protecção das crianças e das mães.
minha consciencialização de que o podia fazer “À partida, seria filho de pai anónimo”, explica
foi através do Clube Safo [organização de Beatriz Duarte, acrescentando: “Toda a
defesa dos direitos das lésbicas]", diz Beatriz conversa prévia e toda a gravidez se passou na
Duarte, sublinhando que "só a partir de 2000 é certeza de que seria anónima e eu não teria
que começou a haver mais lésbicas a usar este revelado o nome do pai, mesmo se o Ministério
método e a recorrer a clínicas". Público tivesse investigado. Depois, perguntei
"Das pessoas que conheço, dentro do meio, fui ao dador se aceitava dar o nome e ele aceitou.
pioneira", garante. É, também, das primeiras a Fiz isso no sentido de que a criança não fosse
contar publicamente, com o nome próprio, a tão discriminada, pensei nas consequências
sua história. que existiriam para ela em ser filho de pai
Com uma imensa tranquilidade na voz, Beatriz incógnito".
Duarte explica ao PÚBLICO que na altura Mas isso foi depois. Durante a gravidez, sentiu
estava só, nem sequer tinha companheira, a discriminação de ser mãe sozinha: "No
como não tem hoje: "Decidi fazer isto porque, hospital, assumi que não sabia quem era o pai.
como qualquer outra pessoa, desejava ter É difícil, pois as pessoas olham-nos de forma
filhos. Cheguei a inscrever-me para um estranha, acham que somos devassas.
processo de adopção, mas é demorado. Tomei Enfrentei, mas depois achei que não podia
conhecimento desta técnica e arranjei um discriminar o meu bebé. Ele aceitou. Era
dador." casado e a mulher sabia".

Desassombrada, assume com nome e com A família


apelido que fez aquilo que muitas lésbicas Foi depois de tudo isto que se apaixonou e
portuguesas têm feito. Recorrem a manteve uma relação de dez anos com uma
inseminação caseira ou, quando o dinheiro o mulher e com ela criou o bebé. Hoje é com a
permite, recorrem a uma clínica no estrangeiro. ex-companheira e com a família de ambas que
Beatriz Duarte explica, passo a passo, como conta para a criar. "Tenho a vida ocupada do
tudo se passou: "O dador não era amigo, foi ponto de vista profissional, trabalho muitas
alguém indicado por uma associação. Depois vezes ao fim-de--semana. Mas tenho ajuda
tive de fazer testes de saúde e de me encontrar para tratar da criança. A minha criança tem uma
com o dador, não conseguia recorrer a um família alargada, quer de sangue quer afectiva,
dador anónimo. Tinha de avaliar o carácter, a relaciona-se com a família da minha ex-
maneira de estar na vida". companheira, com os seus avós e tios."
Considerando-se uma pessoa "um pouco
O momento-chave foi a própria inseminação. tímida", Beatriz Duarte conta que o tempo livre
Beatriz relata: "Encontrámo-nos num hotel. Eu que tem passa-o com o seu filho, com quem
saí do quarto. Ele fez o que tinha a fazer e vive, mais um cão e gatos. Além disso diz que
deixou o sémen num frasquinho. Ele saiu. Eu se interessa "um pouco por tudo". E
entrei, sozinha. pormenoriza: "Leio jornais, livros. Leio bastante
nas férias. A imprensa diária leio na Internet.
Coloquei um tubo - daqueles de alimentação de Gosto de ouvir música, gostava de ouvir mais,
soro - em mim e com uma seringa tirei o sémen ouço música generalista, brasileira,
do frasco e injectei na outra ponta do tubo.
64

instrumental e clássica". Como hobby tem um Disponível em


blogue e procura ir ao ginásio - "não tenho <https://www.publico.pt/2008/10/10/jornal/lesbi
conseguido ultimamente". E resume: "Sou uma ca-conta-como-fez-inseminacao-artificial-
pessoa como outra qualquer. Trabalho, durmo. caseira-279232> Acesso em 04 dez. 2018.
Tenho os dramas de toda a gente".
65

ANEXO III

Em um quarto de hotel, *Camila e *Sandra aguardam ansiosas. No cômodo ao lado, *Roberto se


masturba enquanto assiste a vídeos eróticos. Após 15 minutos, Roberto encontra Camila no corredor
e entrega um recipiente contendo seu sêmen.
Apressada, ela corre até o quarto. Cuidadosamente, deposita o sêmen em uma seringa. Enquanto isso,
Sandra se despe. Ela toma a seringa das mãos de Camila e injeta o conteúdo o mais próximo do colo
do útero. Sandra permanece deitada e Camila acaricia seu rosto: "Desta vez vai dar certo".
Esta foi a terceira vez que as duas, que estão em uma união estável há três anos, recorreram ao
processo de inseminação caseira para tentar realizar o sonho da maternidade. Elas conheceram o
método pela internet no ano passado e, desde então, desistiram de planejar a inseminação em uma
clínica especializada.
Por ser um procedimento não regulamentado, o Ministério da Saúde não tem informações sobre a
técnica. No entanto, apesar de ser condenada por especialistas em reprodução humana, é grande o
número de comunidades nas redes sociais formadas por mulheres interessadas no tema.
Richard, doador de sêmen
Camila e Sandra montaram, no início deste ano, um grupo no WhatsApp para tirar dúvidas sobre o
método. Hoje, cerca de 300 pessoas participam da comunidade de Salvador, que já ganhou uma página
do Facebook e figura entre as mais frequentadas, com mais de dois mil membros.
Entre tantas mulheres, é grande também a quantidade de homens que se dizem doadores. Nos perfis,
eles destacam as características físicas como forma de atrair a atenção. Um paulista que se identifica
como Richard se descreve como "branco, de olhos verdes".
Além de doar o sêmen, ele se diz disposto a ter relações sexuais com a mulher, caso ela prefira. Tudo
como uma boa ação: "Não há nenhum interesse de minha parte. Não cobro, não quero ter contato com
a criança, quero apenas ajudar as mulheres a conseguir engravidar".
Caso a contratante esteja em outra cidade, ele vai até o local, desde que as despesas de viagem sejam
pagas por ela.
"Quando nos encontramos, entrego exames que comprovam que não tenho doenças e um contrato,
que diz que não tenho interesse em ter vínculo com a criança, nem com a família dela", explica.
Richard não tem certeza se já engravidou alguma mulher. Camila e Sandra, entretanto, acreditam na
validade do método. "Hoje, temos 15 grávidas no grupo. Outras 15 já saíram por já terem conseguido
engravidar", contou Camila.
Exame positivo
A professora de música Mel Paranhos, 29, não tem dúvidas sobre o eficácia da inseminação caseira.
Quando decidiu ser mãe, a ideia inicial era utilizar esperma de um banco de sêmen. Antes mesmo de
decidir sobre o procedimento, ela começou a se preparar. "Mudei minha alimentação para preparar
meu corpo", contou.
Mel Paranhos, professora
Em uma conversa informal, Mel contou a um amigo sobre o desejo de gerar uma criança. Ele,
imediatamente, se predispôs a ser doador do sêmen. Foi daí que surgiu a ideia de tentar utilizar o
método caseiro.
"Solicitei que ele fizesse todos os exames. Comecei a marcar mensalmente a minha menstruação e
perceber minha ovulação. Foi também um processo de autoconhecimento", disse.
Em julho de 2014, com os exames negativos para qualquer doença e no período fértil, Mel comprou na
farmácia uma seringa sem agulha e um pote coletor de urina para exames: "Eu nunca tinha ouvido falar
em inseminação caseira, não sabia que isso era possível".
66

E foi. Três dias depois, Mel começou a sentir pequenas cólicas. "Quinze dias depois, fiz o exame de
urina que confirmou a gravidez". Nove meses e a pequena Lis veio ao mundo. "Quando contei ao
obstetra, ele fez uma cara de espanto, disse que fizemos quase um milagre, pois, segundo ele, a
probabilidade de engravidar dessa forma é mínima", riu.
Lis, hoje com 2 anos, divide seus dias entre a casa da mãe e a do pai. "Ela foi registrada pelo pai e não
determinamos uma pensão. Ele ajuda como pode, é um pai incrível e a Lis é uma crianca muito feliz".
Disponível em <http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1913437-mulheres-buscam-tecnica-
caseira-para-concretizar-o-sonho-da-maternidade> Acesso em 04 dez. 2018.
67

ANEXO IV

Resolução CFM Nº 2168 DE 21/09/2017 Art. 1º Adotar as normas éticas para a utilização
das técnicas de reprodução assistida, anexas à
Adota as normas éticas para a utilização das presente resolução, como dispositivo
técnicas de reprodução assistida - sempre em deontológico a ser seguido pelos médicos.
defesa do aperfeiçoamento das práticas e da
observância aos princípios éticos e bioéticos Art. 2º Revogar a Resolução CFM nº 2.121,
que ajudam a trazer maior segurança e eficácia publicada no DOU. de 24 de setembro de 2015,
a tratamentos e procedimentos médicos -, Seção I, p. 117 e demais disposições em
tornando-se o dispositivo deontológico a ser contrário.
seguido pelos médicos brasileiros e revogando
a Resolução CFM nº 2.121, publicada no DOU. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de
de 24 de setembro de 2015, Seção I, p. 117. sua publicação.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA
atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 Presidente do Conselho
de setembro de 1957, alterada pela Lei nº
11.000, de 15 de dezembro de 2004, HENRIQUE BATISTA E SILVA
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19
de julho de 1958, e pelo Decreto nº 6.821, de Secretário-Geral
14 de abril de 2009, e associada à Lei nº
ANEXO
12.842, de 10 de julho de 2013, e ao Decreto nº
8.516, de 10 de setembro de 2015, NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Considerando a infertilidade humana como um
problema de saúde, com implicações médicas I - PRINCÍPIOS GERAIS
e psicológicas, e a legitimidade do anseio de
superá-la; 1. As técnicas de reprodução assistida (RA)
têm o papel de auxiliar na resolução dos
Considerando o aumento das taxas de problemas de reprodução humana, facilitando o
sobrevida e cura após os tratamentos das processo de procriação.
neoplasias malignas, possibilitando às pessoas
acometidas um planejamento reprodutivo antes 2. As técnicas de RA podem ser utilizadas na
de intervenção com risco de levar à preservação social e/ou oncológica de
infertilidade; gametas, embriões e tecidos germinativos.

Considerando que as mulheres estão 3. As técnicas de RA podem ser utilizadas


postergando a maternidade e que existe desde que exista probabilidade de sucesso e
diminuição da probabilidade de engravidarem não se incorra em risco grave de saúde para
com o avanço da idade; o(a) paciente ou o possível descendente.

Considerando que o avanço do conhecimento § 1º A idade máxima das candidatas à gestação


científico já permite solucionar vários casos de por técnicas de RA é de 50 anos.
problemas de reprodução humana;
§ 2º As exceções a esse limite serão aceitas
Considerando que o pleno do Supremo baseadas em critérios técnicos e científicos
Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5 fundamentados pelo médico responsável
de maio de 2011, reconheceu e qualificou como quanto à ausência de comorbidades da mulher
entidade familiar a união estável homoafetiva; e após esclarecimento ao(s) candidato(s)
quanto aos riscos envolvidos para a paciente e
Considerando a necessidade de harmonizar o para os descendentes eventualmente gerados
uso dessas técnicas com os princípios da ética a partir da intervenção, respeitando-se a
médica; e autonomia da paciente.
Considerando, finalmente, o decidido na 4. O consentimento livre e esclarecido será
sessão plenária do Conselho Federal de obrigatório para todos os pacientes submetidos
Medicina realizada em 21 de setembro de às técnicas de RA. Os aspectos médicos
2017, envolvendo a totalidade das circunstâncias da
aplicação de uma técnica de RA serão
Resolve:
detalhadamente expostos, bem como os
68

resultados obtidos naquela unidade de obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de


tratamento com a técnica proposta. uma mulher é transferido para o útero de sua
parceira.
As informações devem também atingir dados
de caráter biológico, jurídico e ético. O III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS
documento de consentimento livre e OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE
esclarecido será elaborado em formulário RA
especial e estará completo com a
concordância, por escrito, obtida a partir de As clínicas, centros ou serviços que aplicam
discussão bilateral entre as pessoas envolvidas técnicas de RA são responsáveis pelo controle
nas técnicas de reprodução assistida. de doenças infectocontagiosas, pela coleta,
pelo manuseio, pela conservação, pela
5. As técnicas de RA não podem ser aplicadas distribuição, pela transferência e pelo descarte
com a intenção de selecionar o sexo (presença de material biológico humano dos pacientes
ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer das técnicas de RA. Devem apresentar como
outra característica biológica do futuro filho, requisitos mínimos:
exceto para evitar doenças no possível
descendente. 1. Um diretor técnico (obrigatoriamente um
médico registrado no Conselho Regional de
6. É proibida a fecundação de oócitos humanos Medicina de sua jurisdição) com registro de
com qualquer outra finalidade que não a especialista em áreas de interface com a RA,
procriação humana. que será responsável por todos os
procedimentos médicos e laboratoriais
7. Quanto ao número de embriões a serem executados;
transferidos, fazem-se as seguintes
determinações de acordo com a idade: 2. Um registro permanente (obtido por meio de
informações observadas ou relatadas por fonte
a) mulheres até 35 anos: até 2 embriões; competente) das gestações, dos nascimentos e
b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; das malformações de fetos ou recém-nascidos
provenientes das diferentes técnicas de RA
c) mulheres com 40 anos ou mais: até 4 aplicadas na unidade em apreço, bem como
embriões; dos procedimentos laboratoriais na
manipulação de gametas e embriões;
d) nas situações de doação de oócitos e
embriões, considera-se a idade da doadora no 3. Um registro permanente dos exames
momento da coleta dos oócitos. O número de laboratoriais a que são submetidos os
embriões a serem transferidos não pode ser pacientes, com a finalidade precípua de evitar
superior a quatro. a transmissão de doenças;

8. Em caso de gravidez múltipla decorrente do 4. Os registros deverão estar disponíveis para


uso de técnicas de RA, é proibida a utilização fiscalização dos Conselhos Regionais de
de procedimentos que visem a redução Medicina.
embrionária.
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA
1. A doação não poderá ter caráter lucrativo ou
1. Todas as pessoas capazes, que tenham comercial.
solicitado o procedimento e cuja indicação não
se afaste dos limites desta resolução, podem 2. Os doadores não devem conhecer a
ser receptoras das técnicas de RA, desde que identidade dos receptores e vice-versa.
os participantes estejam de inteiro acordo e 3. A idade limite para a doação de gametas é
devidamente esclarecidos, conforme legislação de 35 anos para a mulher e de 50 anos para o
vigente. homem.
2. É permitido o uso das técnicas de RA para 4. Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre
relacionamentos homoafetivos e pessoas a identidade dos doadores de gametas e
solteiras, respeitado o direito a objeção de embriões, bem como dos receptores. Em
consciência por parte do médico. situações especiais, informações sobre os
3. É permitida a gestação compartilhada em doadores, por motivação médica, podem ser
união homoafetiva feminina em que não exista fornecidas exclusivamente para médicos,
infertilidade. Considera-se gestação resguardando-se a identidade civil do(a)
compartilhada a situação em que o embrião doador(a).
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5. As clínicas, centros ou serviços onde são 4. Os embriões criopreservados com três anos
feitas as doações devem manter, de forma ou mais poderão ser descartados se esta for a
permanente, um registro com dados clínicos de vontade expressa dos pacientes.
caráter geral, características fenotípicas e uma
amostra de material celular dos doadores, de 5. Os embriões criopreservados e
acordo com legislação vigente. abandonados por três anos ou mais poderão
ser descartados.
6. Na região de localização da unidade, o
registro dos nascimentos evitará que um(a) Parágrafo único. Embrião abandonado é
doador(a) tenha produzido mais de duas aquele em que os responsáveis descumpriram
gestações de crianças de sexos diferentes em o contrato pré-estabelecido e não foram
uma área de um milhão de habitantes. Um(a) localizados pela clínica.
mesmo(a) doador(a) poderá contribuir com VI - DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-
quantas gestações forem desejadas, desde IMPLANTACIONAL DE EMBRIÕES
que em uma mesma família receptora.
1. As técnicas de RA podem ser aplicadas à
7. A escolha das doadoras de oócitos é de seleção de embriões submetidos a diagnóstico
responsabilidade do médico assistente. Dentro de alterações genéticas causadoras de
do possível, deverá garantir que a doadora doenças - podendo nesses casos ser doados
tenha a maior semelhança fenotípica com a para pesquisa ou descartados, conforme a
receptora. decisão do(s) paciente(s) devidamente
8. Não será permitido aos médicos, documentada em consentimento informado
funcionários e demais integrantes da equipe livre e esclarecido específico.
multidisciplinar das clínicas, unidades ou 2. As técnicas de RA também podem ser
serviços participar como doadores nos utilizadas para tipagem do sistema HLA do
programas de RA. embrião, no intuito de selecionar embriões
9. É permitida a doação voluntária de gametas, HLA-compatíveis com algum irmão já afetado
bem como a situação identificada como doação pela doença e cujo tratamento efetivo seja o
compartilhada de oócitos em RA, em que transplante de células-tronco, de acordo com a
doadora e receptora, participando como legislação vigente.
portadoras de problemas de reprodução, 3. O tempo máximo de desenvolvimento de
compartilham tanto do material biológico embriões in vitro será de até 14 dias.
quanto dos custos financeiros que envolvem o
procedimento de RA. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO
A doadora tem preferência sobre o material ÚTERO)
biológico que será produzido.
As clínicas, centros ou serviços de reprodução
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU assistida podem usar técnicas de RA para
EMBRIÕES criarem a situação identificada como gestação
1. As clínicas, centros ou serviços podem de substituição, desde que exista um problema
criopreservar espermatozoides, oócitos, médico que impeça ou contraindique a
embriões e tecidos gonádicos. gestação na doadora genética, em união
homoafetiva ou pessoa solteira.
2. O número total de embriões gerados em
laboratório será comunicado aos pacientes 1. A cedente temporária do útero deve
para que decidam quantos embriões serão pertencer à família de um dos parceiros em
transferidos a fresco, conforme determina esta parentesco consanguíneo até o quarto grau
Resolução. Os excedentes, viáveis, devem ser (primeiro grau - mãe/filha; segundo grau -
criopreservados. avó/irmã; terceiro grau - tia/sobrinha; quarto
grau - prima). Demais casos estão sujeitos à
3. No momento da criopreservação, os autorização do Conselho Regional de Medicina.
pacientes devem manifestar sua vontade, por
escrito, quanto ao destino a ser dado aos 2. A cessão temporária do útero não poderá ter
embriões criopreservados em caso de divórcio caráter lucrativo ou comercial.
ou dissolução de união estável, doenças graves 3. Nas clínicas de reprodução assistida, os
ou falecimento de um deles ou de ambos, e seguintes documentos e observações deverão
quando desejam doá-los. constar no prontuário da paciente:
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3.1. Termo de consentimento livre e esclarecido


assinado pelos pacientes e pela cedente
temporária do útero, contemplando aspectos
biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo
gravídico-puerperal, bem como aspectos legais
da filiação;
3.2. Relatório médico com o perfil psicológico,
atestando adequação clínica e emocional de
todos os envolvidos;
3.3. Termo de Compromisso entre o(s)
paciente(s) e a cedente temporária do útero
(que receberá o embrião em seu útero),
estabelecendo claramente a questão da filiação
da criança;
3.4. Compromisso, por parte do(s) paciente(s)
contratante(s) de serviços de RA, de tratamento
e acompanhamento médico, inclusive por
equipes multidisciplinares, se necessário, à
mãe que cederá temporariamente o útero, até
o puerpério;
3.5. Compromisso do registro civil da criança
pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos),
devendo esta documentação ser providenciada
durante a gravidez;
3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro,
apresentada por escrito, se a cedente
temporária do útero for casada ou viver em
união estável.
VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-
MORTEM
É permitida a reprodução assistida post-
mortem desde que haja autorização prévia
específica do(a) falecido(a) para o uso do
material biológico criopreservado, de acordo
com a legislação vigente.
IX - DISPOSIÇÃO FINAL
Casos de exceção, não previstos nesta
resolução, dependerão da autorização do
Conselho Regional de Medicina da jurisdição e,
em grau recursal, ao Conselho Federal de
Medicina.

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