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"Peregrinações Sefarditas — Intercâmbios Culturais: 1492-1919." Curso de


Verão: 16 de Junho – 16 de Julho de 2003. Universidade de Lisboa. Lisbon,
Portugal, June 16-July 16, 2003....

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Joseph Abraham Levi 雷祖善博士


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Universidade de Verão: 16 de Junho – 16 de Julho de 2003
Universidade de Lisboa
Peregrinações Sefarditas — Intercâmbios Culturais: 1492-1919

Prof. Dr. Joseph Abraham Levi


Rhode Island College

A religião judaica [...] engendrou uma cultura característica do


exílio e, por isso, entre todas as outras religiões monoteístas, é
coerente com o destino humano1.

Este estudo analisa o papel que Judeus e Marranos Sefarditas tiveram durante
mais de quatrocentos anos de Diáspora — nomeadamente, 427 anos de presença
ininterrupta fora da Península Ibérica — em diferentes áreas e zonas geográfico-políticas
do orbe terráqueo, do norte da Europa (particularmente Amesterdão Antuérpia, Bordéus,
Hamburgo e Londres) e do Magrebe às numerosas cidades-estados ou regiões italianas e,
destas últimas, como no caso de Veneza e Ferrara, aos Balcãs e, finalmente, ao Levante
muçulmano, sobretudo a Palestina e a Turquia de hoje2.
Escolheu-se o ano de 1919 como terminus ad quem desta nossa investigação
devido ao facto de que esta data viu o nascer de um novo país, a Turquia e, com este
novo estado, o surgir de novas exigências, políticas assim como sociais, aliás começadas
aquando da presença franco-britânica na bacia mediterrânica, especialmente no Magrebe
e no Médio Oriente.
Em particular, olhar-se-á à função que as mulheres de ascendência sefardita
tiveram na transmissão dos seus valores ancestrais — religiosos assim como étnico-
linguísticos — às futuras gerações de Judeus e Marranos nascidos na Diáspora, outrora
também cognominada Galut (hebraico por Diáspora) ou simplesmente Desterro.
Não obstante a sua posição no seio da comunidade judaica — política, social e
religiosamente subalterna e, consequentemente, inferior à condição do homem seu
correligionário —, a mulher sefardita das Diásporas Ibéricas foi, contudo, um elo
importante, às vezes o único, na transmissão e consequente conservação do Sefardismo, a
1
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 17.
2
Por motivos de espaço e de tempo, esta obra não tomará em conta a Diáspora Sefardita no Novo Mundo,
tema, aliás, já coberto numa nossa anterior contribuição aos Cadernos de Estudos Sefarditas.
maioria das vezes expressa na sua acepção marrana, à nova progénie. Dada a sua
condição económica “privilegiada”, devido ao facto de, segundo a Lei Judaica, as
mulheres poderem dispor do seu dinheiro livra e arbitrariamente, e mormente, dada a sua
participação em actividades domésticas que a levavam a ter contactos quotidianos, ou
pelo menos muito frequentes, com o país ou a área geográfico-política de acolhimento, a
mulher sefardita conseguiu ser a única ponte sócio-cultural entre o seu mundo e aquele(s)
ao seu redor, como no caso de sociedades pluri-étnicas3.
Usando como trampolim a situação das mulheres de ascendência judia no
Desterro, analisar-se-á, posteriormente, uma das figuras femininas mais importantes do
judaísmo ibérico pós-expulsão — do Novo Mundo à Palestina, passando pelo resto da
Europa e pelos Balcãs — sem a presença da qual muito seguramente o curso dos eventos
da história mundial teria tido um êxito diferente: Beatriz de Luna Mendes, comummente
conhecida por D. Grácia Nási ou simplesmente por Hannah, (1510-1569).
O reinado de D. João III (1521-1557), é um período comummente conhecido pela
extensão e futura consolidação do poder português no Oriente (Índia, China, Japão e
Molucas), pelo início da colonização do Brasil (1531) e pelo gradual abandono das
praças-fortes no Norte de África. Contudo, esta época é também nota pelo nefasto
estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536), assim como pela introdução da
Companhia de Jesus em solo português (1540), fenómenos estes que marcaram, e muito
decisivamente, o percurso económico-social de Portugal durante três séculos, com
repercussões duradoiras, também visíveis na primeira década do segundo milénio da Era
Vulgar4.
De indesejáveis e desprezados, em menos de três lustros judeus e cristãos-novos
ibéricos — portugueses assim como os seus correligionários de origem espanhola —
conseguiram ter um papel muito importante, indispensável no elo comercial que unia um
império a cinco continentes.
A partir do reinado de D. João III os Sefarditas das Diásporas Ibéricas, quer a
professar abertamente a fé mosaica, quer a escondê-la ou a disfarçá-la sob uma camada

3
Veja-se, por exemplo, Veneza e, mormente, os Balcãs e o Levante, onde conviviam etnias, raças e línguas
muito diferentes entre si, sendo o comércio o seu único comum denominador.
4
Para uma lista dos autos-de-fé, públicos assim como particulares, da Inquisição de Lisboa coleccionados e
imprimidos, consultar: António Joaquim Moreira. Colecção de listas impressas e manuscriptas dos Autos
da Fé públicos e particulares da Inquisição de Lisboa. Lisboa: Biblioteca Nacional. Res. 863/66.
cristã, não obstante as diferentes e desvairadas medidas propostas para impossibilitá-los,
irão assim fazer parte da Expansão Portuguesa Ultramarina, transformando-se em um dos
seus mais importantes impulsos motores, um dos alicerces sobre o qual se pousará o
inteiro sistema expansionista português5.
A expulsão dos Judeus da Espanha em 1492, logo seguida pela expulsão de 1496
e subsequente conversão forçada ao Catolicismo de 1497-1498 em Portugal, desencadeou
o começo de diversas e inúmeras Diásporas Sefarditas as quais, dada a incipiente Época
de Expansão Ultramarina, também coincidiu com a deslocação de Sefarditas para terras
novas, remotas, exóticas e longínquas, na Europa, no Império Otomano, assim como nas
Américas, na África (assinaladamente o Magrebe e o Egipto) e na Ásia (primariamente
na Índia e em Malaca)6. Estes dois eventos levaram à maior migração judaica da Época
Moderna e, ao mesmo tempo, também causaram, ou até intensificaram ainda mais,
fenómenos de intolerância de culto e actos de violência contra os Judeus, para assim
justificar a discriminação étnico-religiosa perante o “outro” a viver no seu meio,
nomeadamente, em Portugal, na Espanha e nas possessões ibéricas de além-mar, assim
como no resto da Europa onde os Sefarditas diaspóricos encontraram amparo.
Com a conversão forçada ao Catolicismo, D. Manuel I (1495-1521) impulsionou
portanto a criação de uma nova classe social, económica e religiosa na sociedade
portuguesa — a do cristão-novo — a qual foi de facto fundamental e às vezes
indispensável para o comércio transatlântico e transcontinental, a unir, por exemplo, a
Holanda, as cidades-estados italianas, as Américas, o Império Otomano e o Estado da
Índia.
A Lei do 5 de Novembro de 1496, a qual exigia que Judeus, Muçulmanos,
Moçárabes e Mudéjares deixassem o País antes do fim do ano seguinte — Novembro de
1497 —, foi rápida e convenientemente transformada na Lei da Conversão do 19 de
Março de 1497 a qual, estendendo a menoridade aos vinte anos, automaticamente
“baptizava” e, de facto et de jure, rendia cristãos, todos os menores de origem judaica. Os

5
Sobre o papel das mulheres, cristãs e cristãs-novas, durante os Descobrimentos, veja-se: Maria Reynolds
Souza, ed. O rosto feminino da Expansão Portuguesa. Actas I. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os
Direitos das Mulheres, 1994.
6
Para uma leitura cursiva, mas ao mesmo tempo correcta e aprazível, do Édito de Expulsão, consultar, por
exemplo: Maria Helena Carvalho dos Santos. “Édito de Expulsão dos Judeus”, in Os Judeus entre os
Descobrimentos e a Diáspora. Lisboa: Associação Portuguesa de Estudos Judaicos, 1994.
seus pais, por sua vez, não querendo deixar os filhos, decidiram permanecer em Portugal,
e com eles restaram os seus bens:

The act of conversion was accomplished through


deception, by assembling in Lisbon, the only officially-
sanctioned port of embarkation, all those wishing to
leave. Those assembled were then ceremonially baptized
and declared citizens of the realm7.

Conversos, Marranos (epíteto por porcos), Cristãos-novos, Cripto-judeus e a sua


contrapartida hebraica Anusim, ou seja, “aqueles que foram forçados a dissimular” a
conversão/abjura, são as designações mais frequentes com as quais, durante mais de
quatrocentos anos, se referia aos Sefarditas e seus descendentes que, quer voluntária, quer
constrangidamente, abraçaram o Catolicismo como a sua nova fé e, consequentemente,
como seu novo modus vivendi et operandi. Antes da expulsão de 1496 e da conversão
forçada de 1497, os Judeus Portugueses que voluntária e complacentemente aceitavam o
baptismo católico eram, por sua vez, denominados Bons Cristãos.
A 21 de Abril de 1499 D. Manuel I oficialmente declara ilegal a saída de cristãos-
novos para zonas do orbe não sob posse portuguesa. Além de proibir a saída de capital
judaico fora dos confins do Império, o monarca português temia que uma vez longe do
Reino existisse uma grande possibilidade de os cristãos-novos voltarem à sua antiga fé,
caso aliás muito comum nas possessões portuguesas de além-fronteiras.
Em resposta aos trágicos acontecimentos de 1506 — aquando durante três dias e
três noites, instigado pelos Dominicanos, o vulgo linchou, assassinou e queimou quase
dois mil cristãos-novos — em 1507 D. Manuel I concedeu aos Marranos o direito de
viajar e, sobretudo, o privilégio de poder ser envolvidos em qualquer transacção
comercial, quer no Reino, quer além-mar. Contudo, para evitar fuga de capitais, o
monarca sagazmente impôs uma restrição: pelo menos um membro da família marrana
em questão era obrigado a residir em Portugal. Estes “reféns” eram, portanto, a garantia
de que os cristãos-novos iriam voltar ao Reino e, com eles, os seus negócios e, em
medida maior, os seus bens. Os cristãos-novos eram agora equiparados a cristãos-velhos
e, consequentemente, durante vinte anos nenhum cristão-novo podia ser julgado em base

7
Haim Beinart. Atlas of Medieval Jewish History. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1992. 85.
da sua herança étnico-religiosa ou, como era frequentemente o caso, das suas alegadas
práticas cripto-judaicas.
Grupos minoritários como Judeus e Conversos (ambos de origem Sefardita) foram
pois indispensáveis em ajudar a Europa a passar da Idade Média (476-1453) à Época
Moderna (1453-1789). Sem a sua presença e as suas numerosas contribuições às ciências
e ao saber humano em geral, os Descobrimentos Portugueses — oficialmente iniciados
em 1415 com a tomada de Ceuta — e a colonização das Américas, para mencionar só
dois dos eventos mais importantes com um impacto duradoiro nas futuras direcções do
Mundo, teriam sido absolutamente impossíveis nesta altura. Baseando-se nos seus
conhecimentos milenários no campo científico, económico e tecnológico — originados
na Índia, no Médio Oriente e no mundo helénico, para depois serem transmitidos, desta
vez aperfeiçoados, ao Oeste através do intermédio do Islão — cristãos-novos e judeus
ibéricos da Diáspora foram portanto capazes de criar uma atmosfera onde as últimas
descobertas científicas e tecnológicas do momento pudessem primeiro ser usadas pelas
coroas ibéricas e depois pelo resto da Europa, abrindo assim as portas à Época Moderna.

Assim fazendo, Judeus Ibéricos e, mormente, Conversos Portugueses, estavam a


seguir a antiga tradição da Convivência dos seus antepassados, período histórico no qual
grupos hegemónicos e minoritários, como Judeus e Muçulmanos de um lado, e Cristãos
do outro, viviam em harmonia e solidariedade entre si8. Mesmo se não sempre perfeita e
pacífica, ou até desejada, esta Convivência foi fundamental para a transferência das
ciências islâmicas ao Oeste:

The intellectual dependency of Muslim Ibéria on the


Levant made inevitable the reception of such advances in
the west and the peculiar social configuration of al-
Andalus facilitated their transmission to the Jewish and
Christian worlds9.

8
Veja-se, por exemplo, o Real Scriptorium de Afonso X, o Sábio (1252-1284), rei de Castela. Para mais
informações em mérito, consultar, entre outros: Joseph Abraham Levi. An Edition and Study of the 14 th-
Century Italian Translation of Alfonso X, The Wise’s Libros del saber de astronomia. 5 vols. Diss.
University of Wisconsin-Madison, 1993. Ann Arbor: UMI, 1993; Joseph Abraham Levi. Text and
Concordance of the Biblioteca Apostolica Vaticana, MS. 8174. Libro di sapere di astronomia, Alfonso X,
El Sabio. (14th-Century Italian Translation by Guerruccio Federighi). Madison: Hispanic Seminary of
Medieval Studies, 1993.
9
Bernard F. Reilly. The Medieval Spains. Cambrígia: Cambridge University Press, 1993. 123.
Em 1516, devido às insistências do Clero, da nobreza e do sentimento geral do
País, D. Manuel I foi novamente confrontado com a “questão judaica”, designadamente,
os judaizantes e as práticas secretas do Judaísmo em solo português e no resto do mundo
de então. O monarca português foi consequentemente forçado a pedir a Leão X (1513-
1521) que autorizasse o estabelecimento da Inquisição em Portugal, para assim
complementar a sua contrapartida espanhola, esta última instituição em vigor desde 1478.
Contudo, foi só durante os seus respectivos sucessores — nomeadamente D. João
III e Clemente VII (1523-1534) — que a Inquisição foi oficialmente estabelecida em
Portugal e em todas as suas possessões ultramarinas, particularmente na Índia (1560-
1820). Em 1536 a Inquisição Portuguesa foi de facto instituída, apesar de só em 1547 ter
começado a exercer a sua força debeladora, com o derradeiro objectivo de enraizar, e
desta vez completamente, qualquer vestígio de presença judaica ou cripto-judaica em solo
português.
Devido ao atraso em estabelecer a Inquisição, durante a primeira metade do
século XVI Portugal e as suas possessões ultramarinas tornaram-se de facto em centros
importantes de presença cripto-judaica, formados principalmente por
desterrados/diaspóricos de Castela os quais, “where more loyal to their past than those
who had preferred to remain in Spain”10.
Uma das maneiras para evitar a Inquisição era portanto a Diáspora ou o Desterro,
ambos voluntários e ambos ilícitos sob o ponto de vista legal, dado que o afastamento de
súbditos ou residentes abastados do território português teria implicado uma perda
económica muito elevada, com consequências financeiras trágicas, quer imediatas, quer a
longo prazo. Os judeus portugueses que conseguiram deixar o seu País seguiram a rota
dos seus predecessores ibéricos. Muitos dos cristãos-novos portugueses e espanhóis da
Diáspora que escolheram a Europa como seu refúgio elegeram principalmente a rota do
Norte, estabelecendo-se assim em Amesterdão, Antuérpia, Bayonne, Bordéus,
10
Jonathan Irvine Israel. European Jewry in the Age of Mercantilism. 1550-1750. Oxónia: Clarendon Press,
1989. 25. Vejam-se também: João Lúcio de Azevedo. História dos Christãos Novos Portugueses. 1922.
Lisboa: Livraria Clássica Editora A.M. Teixeira, 1975. 109, 120; Amílcar Paulo. Os criptojudeus. Porto:
Athena, 1969 [1970]. 33-40; Israël Salvator Révah. “Les marranes.” Revue des Études Juives 118 1 (1959-
1960): 29-77. 45-53; Yosef H. Yerushalmi. From Spanish Court to Italian Ghetto: Isaac Cardoso. A Study
in Seventeenth-Century Marranism and Jewish Apologetics. 1971. Seattle: University of Washington Press,
1981. 31-47.
Hamburgo, Londres e Roterdão, para citar os centros mais importantes de presença
marrana/judaica. Alguns foram até à Dinamarca, Suécia e à Polónia.
Os Sefardim que emigraram à antiga Jugoslávia, aos Balcãs e, através do Magrebe
e do Egipto, ao Levante, territórios estes todos sob controlo otomano, fixaram-se
principalmente em Alepo, Constantinopla, Smyrna (a hodierna Izmir, ou seja, Esmirna),
Salonica assim como nos actuais Israel, Palestina, Líbano e Síria. Em vez de serem
classificados Sefardim estes judeus ibéricos das Diásporas eram muitas vezes alcunhados
de Frankos, um evidente eufemismo a designar europeus provenientes do norte e/ou do
noroeste do Velho Continente.
Nos territórios do antigo Império Otomano (1281-1924), nomeadamente, nos
actuais estados da Bósnia-Herzegovina, Croácia, Sérvia, Macedónia, Bulgária, Turquia e
de Israel, assim como na actual Grécia e Palestina, os Judeus — Sefardim, Ashquenazim
ou pertencentes a qualquer outro ramo étnico-racial do Judaísmo — conseguiram manter
a própria autonomia, identidade e fé até às primeiras duas décadas do século XX,
nomeadamente, aquando do desmembramento do domínio otomano e da consequente
dominação europeia in situ, sobretudo inglesa e francesa. Diferentemente da situação
política hodierna, aliás exacerbada pelos eventos dos últimos oitenta anos, a presença
judaica, assim como a de qualquer outra religião monoteísta, em terra muçulmana foi
sempre tolerada, aceitando, prévio pagamento de uma taxa (em árabe, dhimmah), a
“Gente do Livro” (em árabe, Ahl al-Kitabi) no seu seio como membros da nação
muçulmana e, portanto, digna de ser “protegida”, daí a designação de dhimmi,
nomeadamente, “monoteístas sob a protecção” do Islão11. Apesar das muitas restrições e
taxas às quais ela se encontrava sujeita, a Ahl al-Kitabi, graças à sua fé monoteísta —
novamente, Judeus, Cristãos, Zoroastristas, Sabeus e Mineus — era tratada com muita

11
Ahl al-Kitabi, a “Gente do Livro” — a incluir Judeus e Cristãos —, que acredita num livro sagrado, ou
seja, a Bíblia, a Tora (Al-Tawrah), o Novo Testamento (Al-Injil), e o Livro dos Salmos (Al-Zabur).
Todavia, a designação Ahl al-kitabi também inclui os Zoroastristas, os Sabeus, os Mineus e qualquer outra
gente com a qual o Islão terá contactos durante a sua expansão, que acredita em só Um deus e que baseie a
sua religião em Um livro sagrado. As antigas religiões pré-islâmicas sabeias e mineias, mesmo contendo
alguns elementos politeístas, não foram condenadas pelo Islão. Ambos os Reinos de Sabá (930-115), e
Mina (1200-650), floresceram na Península Arábica, a primeira no Sul, a última no Sudoeste. Ambas se
encontravam envolvidas no comércio das especiarias entre a Ásia, o Médio Oriente e o Mediterrâneo. Para
as relações entre o Islão e os Cristãos Ortodoxos, veja-se, entre outros: Nomikos Michael Vaporis.
Orthodox Christians and Muslims. Brookline: Holy Chross Orthodox Press, 1986, em particular o capítulo
“Jews, Christians, and Muslims According to the Qur’an”, 105-120.
imparcialidade e respeito12. Enquanto adoradores de um só deus, estes monoteístas “pré-
islâmicos” usufruíam da dhimmah e, como dhimmi, Judeus e Cristãos podiam portanto
viver livremente — isto porque, segundo o Alcorão, qualquer kitabi pode, em teoria,
viver em qualquer país muçulmano ou zona geográfica de adesão islâmica — e ser
permitido residência assim como a liberdade de praticar todas as actividades normais —

12
Segundo o Islão, se bem que Allah tivesse revelado o Seu desejo aos profetas judeus, inclusive Jesus, as
Escrituras, nomeadamente, o(s) Livro(s), dos Judeus — a Torá, Al-Tawrah — e aquele dos Cristãos — o
Novo Testamento, Al-Injil, e o Livro dos Salmos, Al-Zabur — foram, com o passar do tempo,
corrompidos: o revelado divino foi consequentemente misturado com fabricações humanas. A Surah V,
Surah al-Ma'idah, ou seja, o Capítulo da Mesa, do Alcorão é um perfeito exemplo da recaída no erro e do
afastamento da pura religião dos seus pais, nomeadamente o Islão, por parte dos kitabi, neste caso Judeus e
Cristãos. Das revelações de Allah aos Judeus, o Alcorão diz:

Na verdade, Nós revelámos a Lei, onde há direcção e luz. Por ela, os


profetas, que professavam a religião da entrega [a Deus], julgavam os que
eram judeus; os rabinos e os doutores faziam o mesmo, conforme o que se
lembravam do Livro de Deus, de quem tinham tido a custódia e de que
eram testemunhas. Por isso não deveis temer os homens, temei-Me antes.
Não vendereis os Meus sinais por preço mesquinho. Os que não julgam
segundo o que Deus revelou são infiéis.
(Surah V, 48)

A Lei — designadamente a Torá, al-Tawrah — na sua forma original, foi promulgada pelo profeta Musa,
ou seja, Moisés. Assim como o Alcorão, também a Torá foi um livro inspirado. Todavia, foi perdida antes
do regresso do Islão, com o (último) profeta Muhammad. A Torá que os Judeus e os Cristãos possuíam
quando o Alcorão foi revelado, segundo este último livro, era uma mistura de informações de origem
divina e humana, onde o verdadeiro sentido foi alterado para satisfazer os próprios interesses, dos Judeus
assim como dos Cristãos. Eles temiam os homens e não o único Deus, Allah. Além disso, o Alcorão acusa
os Judeus de terem só fragmentos da Lei original dada a Moisés por Deus, o restante seria então uma
colectânea de factos semi-históricos e lendários. Ambos os kitabi (novamente, Judeus e Cristãos) são
acusados de terem distorcido e deliberadamente alterado a revelação original, chamando-se, assim, o “povo
escolhido”:

Ó gente do Livro! O Nosso apóstolo chegou até vós para vos explicar as
coisas do Livro que vós ocultáveis e também para vos perdoar. Foi de Deus
que chegaram até vós uma luz e um Livro claro, com o qual Deus dirigirá
os que seguirem a Sua vontade para o caminho da salvação e os afastará das
trevas para a luz. Com a Sua vontade há-de guiá-los pelo caminho direito.
(Surah V, 18)
[...]
Os Judeus e os Cristãos dizem: «Nós somos os filhos de Deus e os seus
predilectos.» Diz-lhes: «Então porque pune Ele os vossos pecados?» Não!
Sois apenas homens, homens que Ele criou. Ele perdoa a quem quer e pune
a quem quer. A Deus pertence a soberania do Céu e da Terra e de tudo que
está entre eles. A Deus o Fim último!»
(Surah V, 21)

Veja-se: José Pedro Machado, trad. e ed. Alcorão. 1979. Lisboa: Junta de Investigações Marítimas do
Ultramar, 1980. 125-128. Para uma panorâmica sobre a sociedade judaica a viver em terra muçulmana, em
árabe Dar al-Islam, veja-se, ao invés: S.D. Goitein. “Jewish Society and Institutions under Islam”. Cahiers
d’Histoire Mondiale/Journal of World History 11 (1969): 170-184.
inclusive adorar o próprio deus — excepto aquelas actividades que pudessem ter
jurisdição sobre os Muçulmanos13.
Resulta óbvio, então, que de uma maneira geral as áreas sob posse muçulmana —
de Marrocos à Turquia, passando pelos Balcãs e pela Palestina de hoje — ofereceram
grandes oportunidades às comunidades sefarditas de prosperar quer económica, quer
religiosamente, sendo os seus direitos fundamentais garantidos segundo a Lei
Muçulmana (em árabe Shariah). Será de facto nesta vasta zona geo-política banhada pelo
Mediterrâneo, outrora governada pelos Otomanos, que os Sefarditas conseguiram
florescer, mantendo a sua própria autonomia étnico-religiosa até aos alvores do século
XX:

O facto de o conjunto destes judeus dos Balcãs [assim


como no resto do Império Otomano] terem estado sob
domínio otomano durante quase quatrocentos anos [aliás,
por mais de quatrocentos anos e cinco lustros!], favoreceu
o aparecimento de um tal espaço cultural, profundamente
uniforme, apesar de ligeiras variantes regionais, que se
reflectem na língua, na cultura e em certas tradições14.

De facto, as antigas comunidades judaicas residentes no antigo Império Romano


do Oriente (em árabe al-Rūm), obviamente pré-chegada dos Sefardim, comum e
colectivamente denominados Romaniotas — ou seja, de língua e cultura gregas e/ou
helénicas —, acabaram por se assimilarem com os seus correligionários vindos da banda
de poente do Império Romano de Ocidente. Todavia, apesar da sua presença em um tão
vasto território, espalhados por várias regiões e cidades da área, os Sefarditas nunca se
impuseram no interior, permanecendo só em cidades e centros urbanos:

Os sefarditas hispanizaram o mundo judaico dos


Balcãs e do litoral do Egeu e, em cidades como
Istambul, Andrinopla, Esmirna, Salonica e
Sarajevo, reconstituiu-se uma sefardim [Sefarad]
transplantada. É certo que, mais a Sul do Crescente
Fértil, em Alepo, Damasco, Safed, Jerusalém,
Alexandria, no Cairo e em Tripoli, se instalaram por
13
Para uma óptima introdução à Lei Muçulmana, consultar: N.J. Coulson. A History of Islamic Law.
Edimburgo: Edinburgh University Press, 1991.
14
Esther Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. De Toledo a Salónica. Trad. Luís Couceiro
Feio. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. 14.
muitos anos populosas comunidades sefarditas, a
partir do século XV. Contudo […] nenhuma destas
comunidades se apoiava num hinterland sefardita
importante15.

A área do Mediterrâneo oriental transformou-se, portanto, numa zona onde os


Sefardim se instalaram para assim estabelecer relações comerciais com o resto do mudo
mediterrânico, particularmente Veneza, o Egipto e o Magrebe. Quanto à península
italiana, ao invés, Roma e Ferrara foram os únicos dois receptáculos de comunidades
sefarditas permanentes que chegaram directamente de Portugal ou da vizinha Espanha.
Indivíduos ou núcleos familiares temporários, ao invés, encontravam-se espalhados pelo
centro e norte da Itália, particularmente nas Marcas e em Emília Romagna, ou
cidades/cidades-estados como Pisa, Florença, Pádua e, obviamente, Veneza:

A few of the exiles were dispersed in the provinces of


Italy [...] in the city of Ferrara, in the districts of
Romagna, the Marches of Ancona, the Patrimonium, and
in Rome16.

Os Sefarditas que escolheram a península italiana como seu refúgio fizeram-no


por dois motivos fundamentais, ambos decisivos na sua escolha: possibilidades de voltar
ao seu antigo culto religioso — obviamente com algumas restrições ou sanções,
dependendo do lugar de acolhimento — e, mormente, o desejo de estabelecer, ou até
continuarem, as suas actividades comerciais, infelizmente interrompidas por causas da
perseguição religiosa.
Durante todo o século XVI, as palavras cristão-novo ou marrano eram
exclusivamente usadas para designar Judeus Portugueses e Conversos que chegaram à
península italiana directamente de Portugal, a maioria deles através da Espanha ou de
qualquer outra zona da Diáspora Sefardita. Muitos destes Sefardim encontravam-se de
facto ligados ao comércio e ao mundo dos negócios.
Durante 1497-1500, assim como as primeiras décadas de 1530 e 1580,
assinaladamente quando a Inquisição Portuguesa intensificou os seus ataques, milhares

15
Esther Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. De Toledo a Salónica. Trad. Luís Couceiro
Feio. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. 15.
16
Alexander Max. Studies in Jewish History and Booklore. Nova Iorque: Jewish Theological Seminary of
America, 1944. 86, 96.
de Judeus e Marranos de origem ibérica deslocaram-se pelo mundo de então. Todavia,
devido às suas diferentes origens culturais, linguísticas e variadas vicissitudes histórico-
políticas, estes desterrados israelitas nunca se assimilaram completamente aos seus
correligionários, autóctones e não, a residirem na área em questão: o que os unia, então,
era o comércio. De facto, como foi já observado, “ser judeu não é uma raça, nem um
povo, nem uma nação, nem uma religião, nem significa possuir uma língua comum”17.
Além disso, dado que quase todos os cristãos-novos foram forçados a praticar
(uma forma de) o Judaísmo às escondidas, agora que podiam professar aberta e
livremente a sua religião, estes Sefarditas “híbridos” — quer no sentido religioso, quer na
sua acepção étnico-cultural 18 — estavam mais do que nunca decididos em seguir os
preceitos religiosos dos seus antepassados ibéricos antes da Expulsão ou do(s)
Desterro(s) (in)voluntário(s):

[…] the subsequent Portuguese migration was of


considerable importance as it remained culturally and
linguistically distinct from the Spaniards throughout the
Near East. Separate Portuguese synagogues arose not only
in Salonika and Constantinople but throughout the Near
East including Syria, Lebanon, and the Holy Land. […]
The Portuguese friar Pantaleão d’Aveiro, who toured the
Holy Land in the 1580s, found that the Portuguese Jews,
whom he considers very numerous, having formerly been
Christians themselves, were the most vehement critics of
and—to his horror—scoffers at Christianity in the Levant19.

Uma vez livres do perigo de serem denunciados como cripto-judeus, e só quando


as leis do país que os acolhia o permitirem, estes judeus ibéricos da Diáspora, que

17
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 94.
18
Sobre a questão da hibridez ou da dupla apostasia, vejam-se, por exemplo: David Graizbord. “The Judeo-
Portuguese ‘Nation’ and its ‘Renegades’: Problems of Survival and Individual Adaptation in Seventeenth-
Century Bayonne”, in Survival and Adaptation. The Portuguese Jewish Diaspora in Europe, Africa, and
the New World. Ed. Joseph Abraham Levi. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2002. 13-32; B.S. Pullan.
“The Inquisition and the Jews of Venice: The Case of Gaspare Ribeiro, 1580-1581.” The Johns Rylands
University Library 62 (1979): 207-231.
19
Jonathan Irvin Israel. European Jewry in the Age of Mercantilism. 1550-1750. 1985. Oxónia: Clarendon
Press, 1989. 26. Consultar também: Pantaleão de Aveiro. Itinerário da Terra Sancta e todas as svas
particvlaridades. Lisboa, 1600. 226, 302, 307 verso, 309 e 326 verso; Amnon Cohen e Bernard Lewis.
Population and Revenue in the Towns of Palestine in the Sixteenth Century. Princeton: Princeton
University Press, 1978. 156, 158, 160; Abraham Galanté. Hommes et choses juifs portugais en Orient.
Istambul: Société Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1927. 5-7.
genérica e colectivamente se auto-definiam Gente da Nação, voltaram publicamente ao
Judaísmo sem medo de represálias, como no caso da Holanda, das cidades-estados
italianas, do Levante muçulmano e, em medida menor, da Inglaterra20.

A presença judeu-portuguesa era de facto muito forte, a cobrir uma vasta área
geográfica a abranger quatro continentes — da Europa, do Magrebe, Egipto e Médio
Oriente, às Américas, à Índia e ao Sudeste Asiático — que em pouco tempo o termo
“português” tornou a ser sinónimo de “judeu”, especialmente em um contexto
económico-comercial, coisa esta que não muito agradava aos seus conterrâneos de adesão
católica em terras estrangeiras:

Indeed, they were so widespread throughout Europe [assim


como no resto do mundo de então, das Américas à
Palestina] that Portuguese Christians complained that when
they traveled abroad, people assumed they were Jewish21.

Assim como a Flandres, também as Cidades-estados do norte e do centro da Itália


— entre as quais ressaltam Ancona, Ferrara, Florença, Génova, Livorno, Mántua,
Módena, Pádua, Pisa, Turim e Veneza —, o Reino de Nápoles, Roma e os Estados
Pontifícios eram zonas relativamente pacíficas e tolerantes para com os Judeus a
residirem nos seus territórios, sejam estes forasteiros, sobretudo Sefarditas, ou locais,
outrora denominados Italkim, nomeadamente, Judeus de língua e cultura italianas ou
italófonas. A única condição era que estes israelitas estrangeiros pagassem uma taxa e
que, obviamente, não causassem problemas de ordem político-religiosa.

There was hardly a city in Italy that did not have a


Portuguese converso community. They were particularly
numerous in Ferrara, Ancona, Pisa, Naples, and Venice,

20
Apesar de os Cristãos-novos terem sido admitidos na Holanda, Carlos I de Espanha (1517-1556) e V de
Alemanha (1500-1556), o qual também governava os Países Baixos, imediatamente instituiu a Inquisição
Espanhola em solo holandês para assim eliminar o cripto-judaísmo do seu território, quer em solo ibérico,
quer naquele neerlandês. Todavia, já em 1597, alguns anos depois da União de Utreque (1580), Marranos e
Judeus começaram a professar a sua religião aberta e publicamente sem medo de represálias. Quanto à
Inglaterra, os Judeus foram oficialmente expulsos deste território em 1290, para serem readmitidos só em
1656!
21
David Fintz Altabé. Spanish and Portuguese Jewry. Before and After 1492. Brooklyn: Sepher-Hermon
Pres, 1993. 54.
slipping from one to the other when their presence was no
longer welcome22.

A família Este governou Ferrara, durante os séculos XIII-XVI, assim como


Módena e Réggio Emília, durante os séculos XIII-XVIII, estas últimas cidades com
importantes comunidades judaicas no seu meio23, Ashquenazim assim como Italkim, estes
últimos dividindo o seu espaço com Sefarditas de língua e cultura espanholas 24 . A
protecção estense dos Judeus de origem portuguesa e espanhola era portanto um facto
notório em muitas partes do mundo de então, permitindo, em poucos anos, o
estabelecimento de muitos Sefarditas em território sob posse dos Este os quais fizeram de
maneira que “espanhóis” e sobretudo “marranos lusitanos” obtivessem a tolleranza papal,
nomeadamente, a plena autorização apostólica para estabelecer bancos e actividades
comerciais em solo dominado ou sob intendência pontifical. Famoso foi o caso do judeu-
português Leão Gedaliah Judah Nigri o qual, junto com a sua família e alguns parceiros,
todos cristãos-novos, o 20 de Novembro de 1529, e sucessivamente prorrogado por mais
trinta anos, recebera:

[…] the banking charter awarded him by the duke [de


Este, Hércules II], and entitled him to hold land, employ
Christian wet-nurses in his home, resort to summary
justice and be exempted from wearing the badge […]25.

Quanto aos desterrados sefarditas, encontramo-los também em Nápoles, onde


algumas décadas antes um contingente de Marranos encontrara amparo sob as asas

22
David Fintz Altabé. Spanish and Portuguese Jewry. Before and After 1492. Brooklyn: Sepher-Hermon
Pres, 1993. 54.
23
Sobre Ferrara e os Este, em particular quanto aos seus liames com as comunidades judaicas deste
período, vejam-se, entre outros: Andrea Balletti. Gli ebrei e gli Estensi. Reggio Emilia: Anonima Poligrafia
Emiliana, 1930; David Kaufmann. “Contribution a l’histoire des Juifs en Italie.” Revue des Études Juives
20 (1900): 34-48; 48-72; Leonello Modona. “Les exilés d’Espagne a Ferrare. Em 1493.” Revue des Études
Juives 15 (1880-1892): 117-121; Cecil Roth. History of the Jews of Italy. Filadélfia: Jewish Publication
Society of America, 1946. 187-189; Pier Cesare Zorattini. “Sephardic Settlement in Ferrara under the
House of Este”, in New Horizons in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e Geroge K. Zucker.
Albany: State University of New York Press, 1993.
24
Shlomo Simonsohn. The Apostolic See and the Jews: Documents: 1464-1521. 8 vols. Toronto: Pontifical
Institute of Mediaeval Studies, 1988-1991. 5: 1613-1614.
25
Renata Segre. “Sephardic Settlements in Sixteenth-Century Italy: A Historical and Geographical
Survey”, in Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas
Ginio. Londres: Frank Cass, 1992. 112-137. 125. Veja-se também: Shlomo Simonsohn. The Apostolic See
and the Jews: Documents: 1464-1521. 8 vols. Toronto: Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1988-
1991. 6: 1761; 1794.
protectoras do Rei das Duas Sicílias, D. Afonso I de Aragão e Sicília (1442-1458), assim
como as comunidades judaicas locais. O sucessor de Afonso I, D. Ferrante I (1458-1495),
mesmo se somente guiado por razões económicas e lucrativas, tratou estes emigrantes
ibéricos muito favoravelmente. Em 1469 e em 1491 de facto decretara que todos os
judeus estrangeiros a residirem no seu reino tinham os mesmos direitos e privilégios dos
seus súbditos judeus26. Obviamente a sua liberdade tinha um preço: 1 800 ducados em
troca do direito de residência (permanente) no seu território. Judeus e marranos
portugueses passavam assim a ser considerados cidadãos nacionais e, enquanto tais,
beneficiavam de protecção e assistência, caso estas fossem necessárias ou até
requeridas27. Entre os exilados portugueses mais notáveis destacavam-se Isaac Abrabanel
(1430-1508), os seus filhos Judah — também noto pela alcunha de Leão Hebreu o
filósofo —, Joseph e Samuel, assim como o seu tio Jacob Abrabanel.
Iehuda Leão ben Isac Abrabanel (c. 1465 – c. 1521) era um rico médico, o qual
em 1483 deixou Portugal para a Espanha, onde permaneceu nove anos, para depois
prosseguir para a Itália em 1492. O seu irmão Samuel era muito respeitado em todas as
comunidades sefarditas das Diásporas. De facto Samuel Usque alcunhou-o de
“tremagisto” (três vezes mestre), julgando-o grande nos seus conhecimentos da Lei, em
Nobreza e em Riqueza28. O pai de Judah, Isaac Abrabanel, encontrou amparo em Toledo
depois da conspiração contra D. João II. Depois de ter estado em Nápoles, Messina,
Corfu, Monópoli, Génova, Veneza, Florença e em mais algumas outras cidades italianas,
Judah finalmente fixou-se em Pádua. Isaac é famoso pelos seus Dialoghi d’amore
(Diálogos de Amor) escritos em 1535 e publicados em Roma. Em 1484, Joseph
Abrabanel, neto e genro de Isaac, também deixou Portugal para a Espanha. Entre
Setembro de 1492 e Dezembro de 1494 Isaac Abrabanel encontrava-se em Nápoles, com
cargos importantes na corte real. Em 1495 Isaac visitou Palermo, Messina e Corfu. Entre
1496-1502 Isaac residiu em Monópoli. Só em 1503 conseguiu chegar a Veneza, onde em
breve tempo entabulou liames comerciais, sobretudo no ramo das especiarias, entre a
26
Para mais informações sobre este assunto, vejam-se, por exemplo: Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia
meridionale dall’età romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo Israelitico, 1915. 71; Cecil Roth. The
History of the Jews of Italy. Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1946. 269-288.
27
Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia meridionale dall’età romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo
Israelitico, 1915. 79.
28
Samuel Usque. Consolação às Tribulações de Israel. Ed. Mendes dos Remédios. Porto: França Amado,
1906. 35.
Sereníssima e Portugal. Desafortunadamente, as suas manobras políticas não deram bons
resultados. Isaac passou o resto da sua vida a escrever, sobretudo a exegese dos primeiros
quatro livros do Pentateuco.
Durante este período de persecução religiosa, anti-judaica, Ferrara tornou-se em
um centro de refúgio para muitos Sefarditas. Ao chegarem em Ferrara, os Usques
declararam abertamente os seus liames com o Judaísmo, começando assim, a ser
membros activos das comunidades judaicas locais, sefarditas assim como judeu-italianas.
Na Itália os Usque estabeleceram a famosa e prolífera imprensa sefardita29. A primeira
publicação em espanhol foi de facto publicada pelos Usques em 1553, seguida pela
versão judaica da bíblia espanhola, pelos livros de orações para as comunidades
sefarditas da Diáspora e, em 1554, por Menina e Moça de Bernardim Ribeiro. Os Usques
eram originariamente da Espanha. Abraão Usque, cujo nome secular era Duarte Pinhel,
escrevia em português, enquanto Samuel exprimia-se melhor em Espanhol. A família
Usques deveria ter partido para a Itália em ou por volta de 1545, a escapar a Inquisição
Portuguesa, talvez com uma cópia da obra de Bernardim Ribeiro ainda em forma de
manuscrito. Os Usques encontraram refúgio em Ferrara onde Abraão eventualmente
abrira uma imprensa. Entre 1551-1557 Abraão e Samuel publicaram muitos livros e
tratados sobre assuntos judaicos, religiosos assim como seculares, inclusive ensaios
filosóficos30.
Convém lembrar que na península italiana ambos os termos “cristão-novo” e
“neófito” eram usados para designar o Povo de Israel: ambos qualificavam um indivíduo
de ascendência judaica, porém baptizado segundo o rito católico. Contudo, o primeiro
vocábulo referia-se a um Sefardita, enquanto o segundo era só aplicado a um italki, ou
seja, um judeu-italiano. Mais especificadamente, dizer “cristão-novo espanhol” implicava
que o indivíduo em questão talvez nunca tivesse sido baptizado e que, consequentemente,
era judaizante, enquanto a expressão “cristão-novo português” muito seguramente
implicava que o “marrano” recebera o baptismo. Por isso, em muitas cidades da
península italiana o termo “marrano” nunca conteve uma conotação injuriosa ou até

29
Sobre este assunto, veja-se, por exemplo: Cecil Roth. “The Marrano Press at Ferrara, 1552-1555.”
Modern Language Review 38 3 (1943): 307-317.
30
Para mais informações, vejam-se, entre outros: Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia meridionale dall’età
romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo Israelitico, 1915. 71-79; Cecil Roth. The History of the Jews of
Italy. Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1946. 269-288.
ofensiva, dado que se aplicava só ao baptismo recebido antes do “alegado” regresso ao
judaísmo ou cripto-judaísmo do indivíduo.
Até às últimas duas décadas do século XVI as cidades-estados italianas de
Ancona e, mais tarde, Ferrara tornaram-se receptáculos de um grande número de cristãos-
novos portugueses, homens e mulheres a escaparem o Tribunal da Santa Inquisição.
Devido à sua posição geográfica, estrategicamente situada entre Veneza e o bloco
Balcãs/Império Otomano, a cidade de Ancona, em si um importante porto no Adriático,
era particularmente atraente aos Judeus das Diásporas, sobretudo aos judeus e marranos
portugueses. Politicamente Ancona fazia parte dos Estados Pontifícios, portanto, antes de
estabelecer residência mais extensa ou até permanente, os Judeus tinham de pedir
autorização às autoridades papais. Dado que já se encontravam em Ancona, havia mais
de dezassete anos, em 1547 os Judeus-Portugueses finalmente receberam autorização de
Paulo III (1534-1549) para residirem nos seus territórios. Júlio III (1550-1555) continuou
esta política de tolerância para com os Judeus. Mais do que em qualquer outro período
histórico, Ancona prosperou económica assim como socialmente e os Sefardim
compartilhavam desta afluência. Foi particularmente neste mesmo ano — também
prorrogada em 24 de Setembro de 1559 — que o Duque de Ferrara, Hércules II, convidou
os Sefarditas Espanhóis e Lusitanos a escolherem como sua nova residência o seu
ducado, apesar da sua preferência religiosa, ou seja, também se tivessem dito que eram de
nome e de facto cristãos. Em outras palavras, ao duque não lhe importava se muitos
destes novos imigrantes ibéricos, em particular os Lusitanos, tivessem praticado
secretamente o judaísmo e que exteriormente se auto-definissem cristãos31.
Desde 1497 até às últimas décadas do século XVI Veneza foi todavia
particularmente hostil à ideia de os Sefardim se estabelecerem em território veneziano:
“omnes marani tam qui venerunt ex Hyspania quam aliunde”32. Contudo, esta resolução
se alinhava mais com os ditames da coroa espanhola do que a política papal.
Quanto ao Santo Padre, ao invés, Paulo IV (1555-1559) ordenou severas
perseguições e autos-de-fé contra todos os Judeus a residirem nos seus territórios. Em
1556 o pontífice dedicou todas as suas energias à Inquisição Romana — estabelecida

31
Andrea Balletti. Gli Ebrei e gli Estensi. Reggio Emilia: Anonima Poligrafia Emiliana, 1930. 77-78.
32
Archivio di Stato, Venezia. Senato, Terra, reg. 13, fol. 22r-22v, in David Kaufmann. “Die Vertreibung
der Marranen aus Venedig im Jahre 1550”. Jewish Quarterly Review 13 (1900-1901): 527-530. 525-526.
pelo então Cardeal Caraffa, futuro Paulo IV, em 1542 —, acusando os Judeus de
ajudarem a causa protestante na Europa. Com a Bula Cum Nimis Absurdum, do 12 de
Julho de 1555, Paulo IV ordenou que todos os Judeus fossem confinados em guetos e
que, entre as inúmeras restrições e imposições, devessem usar um chapéu para assim
distinguir-se do resto da população cristã. O 30 de Abril de 1566, Paulo IV ordenou que
todos os Judeus e os Conversos de origem portuguesa que ainda se encontravam em
Ancona fossem presos e condenados como criminosos. Cinquenta portugueses foram
aprisionados e vinte e quatro homens e uma mulher foram queimados vivos. Quase
trezentos marranos portugueses foram encarcerados sem serem julgados perante um juiz.
Infelizmente, a caída do Ducado de Ferrara em mãos papais pôs fim ao esplendor
e apogeu dos Sefardim em solo italiano, fazendo de maneira que estes encontrassem
amparo em outras regiões da bacia mediterrânica, nomeadamente, no Levante, sendo os
Balcãs, Israel, a Turquia e a Palestina de hoje os lugares que receberam a maior parcela
destes judeus e marranos ibéricos das Diásporas. Comummente, escolhe-se a data de
1583 como terminus ad quem da presença sefardita em Ferrara, com o trágico caso de
Gabriel Enriques, também conhecido por José Saralvo, dos seus três irmãos, Giovanni,
Diego e Árias Lopez. Em Roma foram sucessivamente todos condenados à fogueira,
porém só Gabriel Enriques foi actualmente justiçado, os outros, ao invés, aceitaram a
conversão ao Catolicismo e a plena submissão à Igreja 33 . Terminou assim quase um
século de presença sefardita em Ferrara e zonas limítrofes. De agora em diante a terra
prometida será o Levante, ou pelo menos as terras ao leste da península italiana:

Not only the “Portuguese” left the city, but also a great
many Spanish Jews — even the last members of the
Abrabanel family — chose to set out for Salonica34.

Mais do que qualquer outro grupo étnico-religioso, os judeus ibéricos das


Diásporas contribuíram ao grande florescimento cultural herdado e impulsionado por D.

33
Archivo di Stato, Modena, Cancelleria Estense. Carteggio Principi Esteri. b. 1418A/168. Roma, 22 de
Agosto de 1583. Veja-se também: Cecil Roth. “Joseph Saralvo: A Marrano Martyr in Rome”, in Ismar
Elbogen, Josef Meisl e Mark Wischnitzer, eds. Festschrift zu Simon Dubnows siebzigstem geburtstag.
Berlim: Jüdischer Verlag, 1930. 180-186.
34
Renata Segre. “Sephardic Settlements in Sixteenth-Century Italy: A Historical and Geographical
Survey”, in Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas
Ginio. Londres: Frank Cass, 1992. 112-137. 126.
João III. As mulheres sefarditas compartiram com os seus pais, maridos, filhos e parentes
as tribulações da Diáspora. Como referido supra, muitos serão os casos nos quais foram
as mulheres judias e marranas que conseguiram assegurar a continuação da etnia ibero-
judaica assim como da fé, porém em veste cristianizada, durante mais de quatrocentos
anos de vida no Desterro.
Do compromisso nascido entre o Judaísmo interior e o Cristianismo exterior
nasceu o cristão-novo, uma adaptação às situações histórico-políticas do momento.
Contudo, uma vez que a ameaça da persecução religiosa desapareceu, a maioria dos
cristãos-novos optou por voltar à Lei de Moisés, mas não sem algumas adopções cristãs
aprendidas ao longo dos anos e dos séculos. Pois, dado que o “quotidiano foi
reinterpretado em cada período, em cada lugar da Diáspora” e que o “Judaísmo nunca foi
uma religião” dogmática e “socialmente homogénea”, resulta óbvio, então, que o
“modelo religioso da ortodoxia sofreu alterações, ao longo dos tempos” 35 . Este foi
particularmente o caso dos Sefardim, quando, sob pressões extremas como aquelas da
Inquisição e da discriminação diária por parte da população local, os judeus de origem
ibérica tiveram de disfarçar a sua fé e, consequentemente, adoptar práticas católicas para
sobreviver e prosperar na sociedade na qual viviam. Obviamente, algumas das crenças e
das práticas católicas filtraram no substrato judaico: fenómeno este aliás muito comum
quando duas ou mais de duas culturas, religiões e/ou línguas entram em contacto entre si,
dando assim origem a formas híbridas, mistas ou até sicréticas. As mulheres marranas,
mais do que os seus correligionários e conterrâneos desterrados, foram aquelas que mais
sentiam e viviam o Judaísmo e que, quando confrontadas, tiveram a coragem e a firmeza
de defender a sua herança étnico-cultural e as suas convicções religiosas perante
quaisquer consequências, nomeadamente a prisão, a tortura e, enfim, a morte. Numerosos
foram de facto os casos de mulheres condenadas à morte pelas Inquisições ibéricas,
metropolitanas assim como coloniais:

Analysis of Inquisition documents [portugueses,


espanhóis e hispano-americanos] reveals that women
were outstanding in their devotion to Judaism, religious

35
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 84.
observances, and awareness of the need to perpetuate
their traditions36.

No Novo Mundo, a maioria das mulheres sefarditas escolheu a tortura, a prisão ou


até a morte à abjura, ao total abandono dos antigos ritos e rituais judaicos, mesmo se estes
fossem agora notoriamente reduzidos ao essencial, como as rezas e os ritos básicos —
particularmente aquele relacionados ao ciclo da vida —, o Sabat (o sábado judaico), as
leis dietéticas do kasherut (comida adequada para comer) o jejum obrigatório de vinte e
quatro dias (óbvio calque do Iom Quipur, Dia da Expiação) e o Pesach (a Páscoa
Hebraica):

The Judaizing women in Mexico as in other countries of the


dispersion, played an enormous part in holding the torch of
Judaism for centuries after the forced conversion to
Catholicism at the end of the fifteenth century. They taught
their children Jewish rites and prayers, and often they
endured tortures in the prisons of the Inquisition with greater
fortitude than men37.

No mundo hispano-americano, por exemplo, a presença marrana chegou a ser tão


elevada que foi eventualmente “necessário” introduzir a Inquisição Espanhola nas
colónias de além-mar, aliás já iniciada na Metrópole em 1478, assim reduzindo de muito
a presença, pelo menos visível, de cristãos-novos a praticarem livremente a sua fé
ancestral. Mais uma vez, as mulheres sefarditas em solo hispano-americano deram prova
da sua determinação e coragem, superior àquela de muitos homens judeus que se
encontravam nas mesmas condições:

These women were stalwart defenders of their faith and


bulwarks of strength to their husbands. If one were to
measure degrees of orthodox observances,
unquestionably the females would scale the highest38.

36
Renée Levine Melamed. “Sephardi Women in the Medieval and Early Modern Periods”, in Judith R.
Baskin, ed. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press, 1991. 115-
134. 126.
37
Arnold Witznitzer. “Crypto-Jews in Mexico during the Seventeenth Century”, in The Jewish Experience
in Latin America. Martin Cohen, ed. 2 vols. Nova Iorque: Ktav, 1971. 1: 177.
38
Seymour B. Liebman. New World Jewry, 1493-1825: Requiem for the Forgotten. Nova Iorque: Ktav,
1982. 71.
Diferentemente das suas congéneres coloniais, na América Portuguesa a
Inquisição Portuguesa nunca foi instituída. Aqueles acusados de praticarem secreta ou
abertamente o Judaísmo ou, aliás mais comummente, formas híbridas desta religião, eram
imediatamente aprisionados e deportados para o Reino onde os esperava o julgamento e a
inevitável punição da Inquisição. Contudo, dado que o capital e a sabedoria dos cristãos-
novos no campo açucareiro eram um bem indispensável para a própria existência da
jovem colónia brasileira, a maioria das vezes a sua presença (aliás necessária) era
essencialmente tolerada:

[…] the expulsion of the Sephardim from the Iberian


Peninsula and the beginning of the Sephardic Diasporas
East and West, were a necessary preamble for the
imminent colonization of Portuguese America. In Brazil,
the new-Christians, either directly or indirectly,
contributed to the socio-economical formation of the
future Portuguese colony. Ironically, their inferior social
condition was counterbalanced by their economic
supremacy39.

Os Sefardim a viver na península italiana, então, parecem ter tido, desde o início
da sua estadia no seu novo país de acolhimento, uma sempre mais forte atracção pela
zona levantina, quer por razões político-religiosas — a maioria das vezes à procura de um
lugar onde pudessem praticar a sua fé livremente —, quer por motivos económicos, aliás
estes os mais predominantes entre as famílias sefarditas mais abastadas em solo itálico.
Dentro os grupos familiares que mais se destacam neste seu papel decisivo de
intermediários entre as culturas do Mediterrâneo ocidental e a sua contrapartida oriental,
encontramos a família Abrabanel e a Mendes Nasi, ambas a circular numa rica e muito

39
Joseph Abraham Levi, ed. Survival and Adaptation. The Portuguese Jewish Diaspora in Europe, Africa,
and the New World. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2002. 93. Para ulteriores informações, vejam-se,
entre outros, António Baião. A Inquisição em Portugal e no Brasil. Lisboa, 1921; Charles Ralph Boxer. The
Dutch in Brazil. Londres: Oxford University Press, 1957; Isaac Samuel Emmanuel. “Seventeenth-Century
Brazilian Jewry: A Critical Review.” American Jewish Archives 14 4 (1962): 32-68; Jacob Rader Marcus.
Early American Jewry. 1955-1961. 2 vols. Nova Iorque: Ktav, 1975. 1: 20; Anita Novinsky. “Nouveaux
chrétiens et Juifs séfarades au Brésil”, in Henry Méchoulan, ed. Les Juifs d’Espagne. Histoire d’une
diaspora. 1492-1992. Trad. E. Méchoulan. Paris: Éditions Liana Levi, 1992. 653-672; [Aharon] Arnold
Wiznitzer. Os Judeus no Brasil colonial. São Paulo: Pioneira, 1966; [Aharon] Arnold Wiznitzer. The
Records of the Earliest Jewish Community in the New World. Nova Iorque: American Jewish Historical
Society, 1954.
profícua rede comercial entre Ferrara, a Sereníssima e Ancona, de um lado, e o Império
Otomano, sobretudo Constantinopla, do outro:

Há judeus que importam tecidos italianos e exportam a lã,


o algodão e a seda dos Balcãs e do Oriente. Os Abravanel
de Salonica importam vestuário de seda e exportam
tecidos; por seu lado, sob direcção de D. José e de Dona
Gracia Nasi, a família Mendes importa têxteis europeus e
exporta cereais, especiarias e diversas outras matérias
primas. As suas actividades vão [até à] Polónia
exportando para lá vinho e outros produtos alimentares da
Ásia Menor40.

D. Grácia Nási, cujo nome cristão-novo era Beatriz de Luna, nascera em Lisboa
em 1510 de uma família marrana de origem espanhola que se deslocara para o país
vizinho depois da expulsão de 1492.
Dada a conjuntura histórica no qual os cripto-judeus viviam, Beatriz de Luna
(Grácia Nási) recebera a sua educação religiosa em segredo: mulheres sefarditas
ensinaram-lhe os preceitos básicos da religião assim como as normas de conduta, entre
estas últimas o ritual de purificação durante e depois da menstruação e do parto41. Aos
doze anos Beatriz recebera o bat mitzvah, ou seja, tornara-se “filha do preceito”. Com
esta cerimónia Beatriz entrou oficialmente na idade adulta42.
Em 1528, sempre em Lisboa, Beatriz casara-se com o rico banqueiro Francisco
Mendes, também de origem marrana, da famosa família Benveniste Mendes, o qual foi
até encomendado por D. João III (1521-1557) de (continuar a) traficar em pedras
preciosas e especiarias, com os quais aliás já traficava desde muito cedo, tendo sucursais
no norte da Europa, particularmente Anversa. Depois de alguns anos de casamento,
nomeadamente, em 1531, nascera a sua única filha, Brianda de Luna Mendes, dita Reyna.
Entre 1534-1538, muito provavelmente em 1536, Francisco Mendes morrera
deixando Beatriz viúva mas não pobre e definitivamente não indefesa. No testamento
Francisco deixava metade dos bens ao seu irmão Diogo Mendes, o qual o ajudara em

40
Esther Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. De Toledo a Salónica. Trad. Luís Couceiro
Feio. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. 122.
41
Levítico, 12: 1-5.
42
Um rapaz judeu, ao invés, para entrar na idade adulta, bar mitzvah, é suposto ter atingido o seu décimo
terceiro aniversário.
construir o seu vasto império comercial que abrangia o norte da Europa, sobretudo a
Flandres (nomeadamente Amesterdão e Antuérpia), assim como Lisboa. O restante era
destinado à sua esposa Beatriz de Luna (Grácia Nási) e à sua filha herdeira Brianda
(Reyna). Com o desejo de proteger a família de eventuais ataques por parte da Inquisição,
muito seguramente Francisco Mendes escolhera escrever um testamento e, com isto,
anular o contrato nupcial o qual, em caso da morte do esposo, previa que metade dos bens
fosse para a viúva e o restante dividido pelos seus filhos. Tal provisão era muito comum
em Portugal, mesmo se raramente se encontrasse incluída em um contrato matrimonial.
Nisto os cônjuges Mendes seguiram a lei portuguesa em vez de obedecer aos preceitos
judaicos, os quais prevêem que, em caso de morte do esposo, é o filho quem recebe os
bens do defunto. Sempre segundo à Lei Judaica, as filhas podem herdar, porém só em
ausência de filhos varões. Faltando estas duas condições, ao invés, a propriedade irá ao
irmão do falecido43. Além disso, quanto às práticas judaicas, não há nenhuma indicação
de que os noivos tivessem feito uma ketubah (um contrato de casamento) na qual o futuro
esposo se comprometia a fazer um pagamento substancial à sua mulher no caso de
divórcio ou que esta se tornasse em parte herdeira após a morte prematura do esposo.
Mais uma vez, talvez o desejo de Francisco Mendes devesse ter sido aquele de proteger a
esposa e a jovem filha, querendo que estas últimas se deslocassem para zonas da Europa
mais dispostas a acolherem Judeus ou Marranos. Esta poderia ter sido a razão pela qual
Diogo Mendes foi encarregado dos bens materiais deixados à morte de Francisco
Mendes. O lugar escolhido foi a Flandres. De facto, a 30 de Setembro de 1537, em
Antuérpia, foi decretado que:

[…] les nouveaux-chrétiens du Portugal à venir s’établir


aux Pays-Bas avec leurs femmes, enfants, serviteurs et
bien meubles pour y jouir de touts les drots, libertés et
franchises reconnus aux marchands étrangers44.

Contudo, apesar destas promessas, aliás quase sempre mantidas, temos de lembrar
que em 1550 Carlos I de Espanha (1517-1556) e V Imperador da Alemanha (1519-1556)
finalmente conseguiu expulsar judeus e cristãos-novos portugueses de Antuérpia, cidade

43
Números, 27: 8-11.
44
Paul Gruneaum-Ballin. Joseph Naci, duc de Naxos. Paris: Mouton, 1968. Veja-se também: Georges
Nizan. Le Duc de Naxos. Paris: Balland, 1988.
esta que durante a primeira metade do século XVI se tornara em um grande e muito
activo centro comercial europeu, a atrair muitos comerciantes, sobretudo portugueses, a
maioria dos quais, se não todos, Judeus ou Marranos:

[…] important converso merchants who used it as a base


from which to distribute, among other things, the huge
Portuguese stocks of eastern pepper and other oriental
spices45.

Além disso, em 1538 a irmã de Carlos I de Espanha, a Princesa Dona Maria,


decretou que, por causa da sua forte presença judaica, Antuérpia não podia funcionar de
escalo para os cristãos-novos portugueses de passagem para Salonica, onde
irreparavelmente teriam voltado ao Judaísmo.
Voltando à família Mendes, em 1536 Diogo Mendes, Josef Nasi — filho de
Samuel Nasi, médico do rei, também conhecido pela alcunha de Juan Micas— assim
como Beatriz (Grácia) e a sua filha Brianda, deixaram Portugal e, depois de uma breve
pausa em Plymouth e Londres, instalaram-se em Antuérpia, donde a jovem viúva
começara as suas actividades comerciais assim como a sua campanha anti-inquisição.
Convém lembrar que em 1515, ano do nascimento de Josef Nasi, Diogo Mendes
se estabelece em Antuérpia onde será preso por bem duas vezes, nomeadamente em 1531
e em 1532. Em 1537, sempre em Antuérpia, Diogo Mendes e Brianda de Luna, irmã mais
nova de Beatriz (Grácia), casaram-se. Em 1538 nascera Beatriz Mendes, a qual, para não
ser confundida com a tia, era portanto dita a Chica.
Em 1542 morre Diogo Mendes. Agora o poder financeiro recai nas mãos de
Beatriz de Luna (Grácia Nási), a qual às vezes já era alcunhada de Hannah, como a mártir
judia durante as persecuções do rei selêucida Antíoco Epifanes. Além de demonstrar a
capacidade de ter óptimas capacidades financeiras, Beatriz de Luna (Grácia Nási)
também continua, aliás com muita mais tenacidade, aquilo que o seu marido Francisco
Mendes e o seu cunhado, Diogo Mendes, haviam começado alguns anos antes,
nomeadamente, usar todas as suas riquezas e o seu poder para ajudar os Sefarditas das
Diásporas chegarem a uma terra onde pudessem professar a sua fé livremente. Dos

45
Bernard Dov Cooperman. “Portuguese Conversos in Acona: Jewish Political Activity in Early Modern
Italy”, in Bernard Dov Cooperman, ed. In Iberia and Beyond. Hispanic Jews Between Cultures. Newark:
University of Delaware Press, 1998. 297-352. 300.
documentos provenientes da sua estadia inglesa podemos observar o papel das mulheres
sefarditas da Diáspora: além de dedicar-se ao trabalho doméstico, elas também eram
encarregues da educação dos adolescentes, sobretudo as raparigas antes de atingir o bat
mitzvah.
Em 1547, o seu desejo ardente de ajudar cristãos-novos das diásporas ibéricas
levara Grácia a estabelecer-se por alguns anos em Veneza, onde dois anos antes Josef
Nasi, Reyna e Brainda encontraram amparo. Infelizmente, a irmã e cunhada de Beatriz de
Luna (Grácia Nási), Brianda Mendes, por motivos estritamente veniais, dado que
reclamava a sua porção da herdade, denunciara-a ao Conselho dos Dez por ser marrana.
Em 1548, sempre em Veneza, Brianda e Beatriz (Grácia) encontram-se ambas na prisão.
No entanto Josef Nasi consegue deslocar-se para Istambul onde finalmente obtém o apoio
do sultão Solimão — nomeadamente, Süleyman II, o Magnífico (1494-1566) — o qual
terá um papel importante na vida de Grácia e de José Nasi. Depois de um ano, em 1549,
as irmãs Mendes obtêm finalmente a libertação, seguida, o ano depois, pela definitiva
deslocação para Ferrara, refúgio judaeorum hispaniorum. O ano de 1550 será também
marcado pelo decreto de expulsão dos Judeus. De agora em diante Judeus e Marranos
deixaram de ter direito a comerciar com Veneza e as suas possessões mediterrânicas.
Em Ferrara, Beatriz de Luna finalmente voltara ao Judaísmo, adoptando o nome
judaico de Grácia Nási. O 12 de Fevereiro do mesmo ano, Grácia recebera uma carta do
Duque de Este, Hércules II, na qual a acolhia no seu ducado e, entre outras coisas, a
autorizava, se ela assim o desejasse, a voltar aos ritos hebraicos sem medo de represálias.
Mesmo se o cabo da comunidade sefardita ferrarês fosse o famoso rabino Yom
Tob, contudo, Dona Bienvenida Abrabanel, descendente da grande família ibérica dos
Abravanel, era a figura mais importante do judaísmo sefardita da Diáspora em solo
italiano. Bienvenida era filha de Jacob Abrabanel, sobrinha do filósofo-estadista Isaac
Abrabanel e mulher de Samuel Abrabanel, seu primo. A sua sabedoria precedia-a, de tal
forma que o vice-rei de Nápoles, D. Pedro da Toledo, a ordenara preceptora da sua filha
Eleonora, futura grã-duquesa de Toscana. Em 1541, por exemplo, a sua amizade com a
nobreza deu-lhe a oportunidade de interceder em prol dos seus correligionários italianos,
os quais estavam sob iminente ameaça de expulsão.46

46
Cecil Roth. The Jews in the Renaissance. Nova Iorque: Harper, 1965. 54-55.
Estudiosos hebreus, cristãos-novos e cristãos, sobretudo Católicos, reuniam-se em
casa da Bienvenida para discutirem e interpretarem as Sagradas Escrituras assim como
para serem iniciados na doutrina e práticas místicas e esotéricas da Cabala,
particularmente as suas relações com a astrologia e a quiromancia.
Em Ferrara Grácia Nási também financiara a publicação do Lybro de oracyones
de todo el año, o primeiro texto de rezas judaicas em espanhol escrito pelo Rabino Yom
Tob Atias para os Marranos que ainda não estavam familiarizados com a língua hebraica,
idioma obrigatório para todas as funções religiosas, quer aquelas de rito asquenazi, quer
aquelas sefarditas ou até aquelas de culto italqui, ou seja, judeu-italiano. Grácia Nási
também patrocinara a publicação da Bíblia traduzida pelos marranos Duarte Pinel e
Jerónimo de Vargas do Hebraico nas suas versões hebraica — dedicada a Grácia Nasi —,
e cristã (católica), entenda-se, espanhola — ou seja, a Biblia en lengua española —, esta
última dedicada ao grão-duque de Ferrara47. Na sua dedicatória os cristãos-novos Vargas
e Pinel designam Grácia como a líder da Nação Portuguesa e, ao mesmo tempo, uma das
promovedoras da publicação. Contudo, apesar de não se ter encontrado evidência
tangível a corroborar tais afirmações, poder-se-á dizer, ao invés, que D. Grácia Nási, com
o seu patrocínio foi: “the most distinguished attempt to spread the knowledge of the Bible
among those who could no longer read it in the original”48.
Em outras palavras, D. Grácia Nási contribuiu à preservação, se bem que em
língua espanhola e portuguesa, dos preceitos hebraicos mais fundamentais, essenciais na
transferência do Judaísmo à futura geração. Samuel Usque — grato pelo seu papel em
defender a causa judaica durante as perseguições, em solo ibérico e sobretudo diaspórico
—, dedicou a Grácia Nási um inteiro capítulo da sua Consolação às tribulações do povo
de Israel (1553), pondo em ressalto a sua energia, piedade (comparada àquela da Miriam
bíblica), sabedoria (como a de Débora), virtudes (iguais às de Ester) e força (similar à de
Judite). Enfim, elogiou-a pela sua dedicação incondicional pela liberdade dos Judeus,

47
Veja-se: Renata Segre. “Contribución documental a la historia de la imprenta Usque y de su edición de la
Biblia”, in Iacob M. Hassán, ed. Introducción a la Biblia de Ferrara. Actas del simposio internacional,
Sevilla, noviembre de 1991. Madrid: Sefarad ’92, Comisión Nacional Quinto Centenario, 1994. 225-226.
48
Veja-se: Renata Segre. “Sephardic Refugees in Ferrara: Two Notable Families”, in Crisis and Creativity
in the Sephardic World. 1391-1648. Benjamin R. Gampel, ed. Nova Iorque: Columbia University Press,
1997. 164-1185. 168.
pondo todos os seus bens à sua disposição e, mais de uma vez, pondo em risco a própria
vida. Aos seus olhos Grácia Nasi era “o coração do corpo da nossa Nação Portuguesa”.49
Em 1553 declara-se a peste em Ferrara. Infelizmente, o Duque de Este, Hércules
II expulsa os Marranos chegados há mais de dois anos. A família Nasi encontra-se assim
constrangida a deixar Ferrara. Contudo, Grácia Nási, sozinha, consegue regressar
clandestinamente a Veneza com a intenção de comprar a esmeralda do vice-rei das
Índias. Desafortunadamente, Grácia é reconhecida e, obviamente, detida. O sultão
Süleyman II, o Magnífico, intervém, mais uma vez, em seu prol. Entre 1553-1554, a
família inteira parte para Istambul, passando por Ragusa (a hodierna Dubrovnic) e
Salonica. Em Março de 1556 o sultão recebe oficialmente Grácia Nási e a sua família.
Desde a sua chegada em Istambul, até à sua morte — ocorrida muito
provavelmente em 1569, dado que não há certeza nem da data nem do local do seu
desaparecimento —, Grácia Nási dedicou-se à causa sefardita, nomeadamente, ajudar
todas as comunidades judaicas do desterro português e espanhol fora da península
ibérica. Os judeus locais em breve alcunharam-na de Ha-Geveret, ou seja, “A
Dominadora”, por causa da sua intervenção na política local, muçulmana assim como
judaica. Por exemplo, Grácia fez construir no bairro da Balata uma nova sinagoga,
imediatamente denominada a “esnoga da senhora”, para assim abater todas as barreiras
étnico-linguísticas de dezassete comunidades judaicas sefarditas, ashquenazim e italquim
(italianos), entre a miríade das outras etnias judaicas representadas, a residirem em solo
otomano. Junto à sinagoga Grácia também fez construir uma escola de estudos
talmúdicos, logo alcunhada de schola dos exilados espanhóis. O seu neto e, por ter
casado a filha dela Brianda, genro, José Nasi, estudara na Universidade de Lovaina e, ao
mesmo tempo, trabalhava em uma das sucursais do banco Mendes. Antes de seguir a sua
tia em Constantinopla, José também passou algum tempo em França. Em Istambul a
reputação de José Nasi chegou até aos ouvidos das autoridades, em particular a sua
integérrima moralidade e a sua experiência financeira:

O marrano rico D. Joseph Nasi, aliás João Miguez, traz


para o Império não apenas a sua fortuna, mas também os

49
Veja-se: Samuel Usque. Consolação às tribulações de Israel. Ferrara. 1553. Yosef Hayim Yerushalmi e
José V. de Pina Martins, eds. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1, 1989. fol. II recto.
seus talentos de financeiro e de administrador […] Os
seus sucessos no terreno económico fazem dele um
personagem poderoso na corte imperial e o seu
conhecimento íntimo dos assuntos europeus levam-no a
desempenhar um papel de primeiro plano como
diplomata nas relações do Império com a Polónia, a Itália
e a Espanha, durante a última parte do reinado de
Solimão, o Magnífico, e no do seu sucessor, Selim II
(1566-1574)50.

O sultão otomano Süleyman II de facto nomeou José Nasi Duque da Ilha de


Naxos e, graças às intercessões da sua tia — alvo de particular admiração pelo sultão, o
qual, por sua vez, a alcunhou de Kira —, encarregou-o da construção de uma escola
rabínica na Ilha de Tiberíades, completada em 1565 51 . Em Tiberíades José também
plantou amoreiras — plantas cujas folhas servem de alimento ao bicho-da-seda —
fundamentais para o estabelecimento da indústria da seda. José guardou o seu título até à
sua morte, ocorrida em 1579. O seu legado foi continuado por um outro judeu-português,
Ibn Yaish, também conhecido como Salomão Abenais, um mercante muito rico desta
área52. É de sublinhar, então, que sem a força motriz e a figura dominante de Grácia Nási
as comunidades sefarditas a residirem na Holanda, na península italiana, nos Balcãs e na
Palestina de hoje, estas últimas duas áreas sob posse otomana, nunca poderiam ter obtido
tais níveis de protecção e sucesso em preservar a sua identidade cultural-religiosa e,
mormente, a sua autonomia político-comercial. O sucesso de Grácia Nási foi devido à sua
condição económica, à sua situação civil de viúva, assim como ao seu desejo de
ultrapassar fronteiras e barreiras para ajudar o seu Povo em situações extremas:

[…] it was Doña [sic!] Gracia’s widowed status


combined with her brilliant and visionary mind that

50
Ester Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. Trad. Luís Couceiro Feio. 2000. Lisboa:
Instituto Piaget, 2001. 114.
51
Há estudiosos que duvidam que José Nasi tenha tido um papel relevante na construção da escola rabínica
na Ilha de Tiberíades. Para mais informações, veja-se o artigo da Mira Rozen. “The House of Nasi and the
Renewal of Settlement in Tiberias.” Sekirah Hodshit 9 (1979).
52
Para ulteriores informações sobre José Nasi, vejam-se Abraham Galanté. Don Joseph Nassi, Duc de
Naxos. Istambul: Societé Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1913; Abraham Galanté. Hommes et
choses juifs portugais en Orient. Istambul: Société Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1927; Paul
Frédéric Jean Grunebaum-Ballin. Joseph Naci, Duc de Naxos. Paris: Mouton, 1968.
enabled her to become the outstanding businesswoman,
patroness, philanthropist, and activist that she was53.

Manifestamente, a história do Povo Judaico encontra-se repleta de personalidades


famosas e importantíssimas, sobretudo quanto ao seu contributo à causa sócio-religiosa
dos Israelitas, quaisquer sejam as suas origens raciais, sócio-económicas ou étnico-
linguísticas. Contudo, Grácia Nási é uma mulher de considerável calibre e peso, cujas
acções jamais foram igualadas, nem tão-pouco superadas: banqueira, mulher de negócios,
defensora dos direitos judaicos em terras diaspóricas, diplomata, filantropa e, sobretudo,
promovedora da cultura sefardita, estimada e temida pelos seus contemporâneos, sejam
estes muçulmanos, judeus/marranos ou cristãos (católicos assim como ortodoxos).
De mulher marrana portuguesa a dar os seus primeiros passos de empresária no
distrito financeiro de Antuérpia, de mulher cristã-nova a escapar a Inquisição à sua
reconversão à fé judaica em solo italiano, Grácia Nási, a qual também manteve um papel
sócio-político extremamente importante no Império Otomano, dedicou a sua vida à causa
da liberdade de expressão e da liberdade de consciência para todos os seres humanos,
sobretudo os seus correligionários, sejam estes Sefarditas ou pertencentes às demais raças
e etnias que formam o mosaico judaico espalhado pelo orbe inteiro. Para Grácia Nási,
então, mais do que qualquer outro judeu da Diáspora:

O Judaísmo não se reduz a uma religião, a um Estado, a


uma Nação, a uma cultura, a uma ética, a um fenómeno
existencial. [...] O termo é insubstituível. Vocábulo
polissémico, é envolvido por uma carga ideológica, quer
ora aponta para valores positivos, ora para traços
negativos54.

D. Grácia Nási representa, portanto, esta excepcional e rara ponte entre duas ou
mais de duas culturas, raças e etnias, unindo fés, povos, línguas e comércio a um único
fio condutor: a convivência e a harmonia entre nações, crenças, línguas e civilizações
divergentes entre si mas, ao mesmo tempo, similares porque provenientes da mesma

53
Renée Levine Melamed. “Sephardi Women in the Medieval and Early Modern Periods”, in Judith R.
Baskin, ed. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press, 1991. 115-
134. 125.
54
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 56.
matriz — Deus. Assim fazendo, D. Grácia Nási conseguiu harmonizar pessoas de
pensamentos longínquos como Cristãos, Judeus e Muçulmanos, aproximando-os e,
consequentemente, dando-lhes munição para ulteriores e, esperadamente, duradouros
contactos e relações, seculares assim como religiosos, ambos baseados na compreensão e
no respeito para com o “outro” a viver no seu meio.

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