Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/286626020
CITATIONS READS
0 728
1 author:
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by Joseph Abraham Levi 雷祖善博士 on 12 December 2015.
Este estudo analisa o papel que Judeus e Marranos Sefarditas tiveram durante
mais de quatrocentos anos de Diáspora — nomeadamente, 427 anos de presença
ininterrupta fora da Península Ibérica — em diferentes áreas e zonas geográfico-políticas
do orbe terráqueo, do norte da Europa (particularmente Amesterdão Antuérpia, Bordéus,
Hamburgo e Londres) e do Magrebe às numerosas cidades-estados ou regiões italianas e,
destas últimas, como no caso de Veneza e Ferrara, aos Balcãs e, finalmente, ao Levante
muçulmano, sobretudo a Palestina e a Turquia de hoje2.
Escolheu-se o ano de 1919 como terminus ad quem desta nossa investigação
devido ao facto de que esta data viu o nascer de um novo país, a Turquia e, com este
novo estado, o surgir de novas exigências, políticas assim como sociais, aliás começadas
aquando da presença franco-britânica na bacia mediterrânica, especialmente no Magrebe
e no Médio Oriente.
Em particular, olhar-se-á à função que as mulheres de ascendência sefardita
tiveram na transmissão dos seus valores ancestrais — religiosos assim como étnico-
linguísticos — às futuras gerações de Judeus e Marranos nascidos na Diáspora, outrora
também cognominada Galut (hebraico por Diáspora) ou simplesmente Desterro.
Não obstante a sua posição no seio da comunidade judaica — política, social e
religiosamente subalterna e, consequentemente, inferior à condição do homem seu
correligionário —, a mulher sefardita das Diásporas Ibéricas foi, contudo, um elo
importante, às vezes o único, na transmissão e consequente conservação do Sefardismo, a
1
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 17.
2
Por motivos de espaço e de tempo, esta obra não tomará em conta a Diáspora Sefardita no Novo Mundo,
tema, aliás, já coberto numa nossa anterior contribuição aos Cadernos de Estudos Sefarditas.
maioria das vezes expressa na sua acepção marrana, à nova progénie. Dada a sua
condição económica “privilegiada”, devido ao facto de, segundo a Lei Judaica, as
mulheres poderem dispor do seu dinheiro livra e arbitrariamente, e mormente, dada a sua
participação em actividades domésticas que a levavam a ter contactos quotidianos, ou
pelo menos muito frequentes, com o país ou a área geográfico-política de acolhimento, a
mulher sefardita conseguiu ser a única ponte sócio-cultural entre o seu mundo e aquele(s)
ao seu redor, como no caso de sociedades pluri-étnicas3.
Usando como trampolim a situação das mulheres de ascendência judia no
Desterro, analisar-se-á, posteriormente, uma das figuras femininas mais importantes do
judaísmo ibérico pós-expulsão — do Novo Mundo à Palestina, passando pelo resto da
Europa e pelos Balcãs — sem a presença da qual muito seguramente o curso dos eventos
da história mundial teria tido um êxito diferente: Beatriz de Luna Mendes, comummente
conhecida por D. Grácia Nási ou simplesmente por Hannah, (1510-1569).
O reinado de D. João III (1521-1557), é um período comummente conhecido pela
extensão e futura consolidação do poder português no Oriente (Índia, China, Japão e
Molucas), pelo início da colonização do Brasil (1531) e pelo gradual abandono das
praças-fortes no Norte de África. Contudo, esta época é também nota pelo nefasto
estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536), assim como pela introdução da
Companhia de Jesus em solo português (1540), fenómenos estes que marcaram, e muito
decisivamente, o percurso económico-social de Portugal durante três séculos, com
repercussões duradoiras, também visíveis na primeira década do segundo milénio da Era
Vulgar4.
De indesejáveis e desprezados, em menos de três lustros judeus e cristãos-novos
ibéricos — portugueses assim como os seus correligionários de origem espanhola —
conseguiram ter um papel muito importante, indispensável no elo comercial que unia um
império a cinco continentes.
A partir do reinado de D. João III os Sefarditas das Diásporas Ibéricas, quer a
professar abertamente a fé mosaica, quer a escondê-la ou a disfarçá-la sob uma camada
3
Veja-se, por exemplo, Veneza e, mormente, os Balcãs e o Levante, onde conviviam etnias, raças e línguas
muito diferentes entre si, sendo o comércio o seu único comum denominador.
4
Para uma lista dos autos-de-fé, públicos assim como particulares, da Inquisição de Lisboa coleccionados e
imprimidos, consultar: António Joaquim Moreira. Colecção de listas impressas e manuscriptas dos Autos
da Fé públicos e particulares da Inquisição de Lisboa. Lisboa: Biblioteca Nacional. Res. 863/66.
cristã, não obstante as diferentes e desvairadas medidas propostas para impossibilitá-los,
irão assim fazer parte da Expansão Portuguesa Ultramarina, transformando-se em um dos
seus mais importantes impulsos motores, um dos alicerces sobre o qual se pousará o
inteiro sistema expansionista português5.
A expulsão dos Judeus da Espanha em 1492, logo seguida pela expulsão de 1496
e subsequente conversão forçada ao Catolicismo de 1497-1498 em Portugal, desencadeou
o começo de diversas e inúmeras Diásporas Sefarditas as quais, dada a incipiente Época
de Expansão Ultramarina, também coincidiu com a deslocação de Sefarditas para terras
novas, remotas, exóticas e longínquas, na Europa, no Império Otomano, assim como nas
Américas, na África (assinaladamente o Magrebe e o Egipto) e na Ásia (primariamente
na Índia e em Malaca)6. Estes dois eventos levaram à maior migração judaica da Época
Moderna e, ao mesmo tempo, também causaram, ou até intensificaram ainda mais,
fenómenos de intolerância de culto e actos de violência contra os Judeus, para assim
justificar a discriminação étnico-religiosa perante o “outro” a viver no seu meio,
nomeadamente, em Portugal, na Espanha e nas possessões ibéricas de além-mar, assim
como no resto da Europa onde os Sefarditas diaspóricos encontraram amparo.
Com a conversão forçada ao Catolicismo, D. Manuel I (1495-1521) impulsionou
portanto a criação de uma nova classe social, económica e religiosa na sociedade
portuguesa — a do cristão-novo — a qual foi de facto fundamental e às vezes
indispensável para o comércio transatlântico e transcontinental, a unir, por exemplo, a
Holanda, as cidades-estados italianas, as Américas, o Império Otomano e o Estado da
Índia.
A Lei do 5 de Novembro de 1496, a qual exigia que Judeus, Muçulmanos,
Moçárabes e Mudéjares deixassem o País antes do fim do ano seguinte — Novembro de
1497 —, foi rápida e convenientemente transformada na Lei da Conversão do 19 de
Março de 1497 a qual, estendendo a menoridade aos vinte anos, automaticamente
“baptizava” e, de facto et de jure, rendia cristãos, todos os menores de origem judaica. Os
5
Sobre o papel das mulheres, cristãs e cristãs-novas, durante os Descobrimentos, veja-se: Maria Reynolds
Souza, ed. O rosto feminino da Expansão Portuguesa. Actas I. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os
Direitos das Mulheres, 1994.
6
Para uma leitura cursiva, mas ao mesmo tempo correcta e aprazível, do Édito de Expulsão, consultar, por
exemplo: Maria Helena Carvalho dos Santos. “Édito de Expulsão dos Judeus”, in Os Judeus entre os
Descobrimentos e a Diáspora. Lisboa: Associação Portuguesa de Estudos Judaicos, 1994.
seus pais, por sua vez, não querendo deixar os filhos, decidiram permanecer em Portugal,
e com eles restaram os seus bens:
7
Haim Beinart. Atlas of Medieval Jewish History. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1992. 85.
da sua herança étnico-religiosa ou, como era frequentemente o caso, das suas alegadas
práticas cripto-judaicas.
Grupos minoritários como Judeus e Conversos (ambos de origem Sefardita) foram
pois indispensáveis em ajudar a Europa a passar da Idade Média (476-1453) à Época
Moderna (1453-1789). Sem a sua presença e as suas numerosas contribuições às ciências
e ao saber humano em geral, os Descobrimentos Portugueses — oficialmente iniciados
em 1415 com a tomada de Ceuta — e a colonização das Américas, para mencionar só
dois dos eventos mais importantes com um impacto duradoiro nas futuras direcções do
Mundo, teriam sido absolutamente impossíveis nesta altura. Baseando-se nos seus
conhecimentos milenários no campo científico, económico e tecnológico — originados
na Índia, no Médio Oriente e no mundo helénico, para depois serem transmitidos, desta
vez aperfeiçoados, ao Oeste através do intermédio do Islão — cristãos-novos e judeus
ibéricos da Diáspora foram portanto capazes de criar uma atmosfera onde as últimas
descobertas científicas e tecnológicas do momento pudessem primeiro ser usadas pelas
coroas ibéricas e depois pelo resto da Europa, abrindo assim as portas à Época Moderna.
8
Veja-se, por exemplo, o Real Scriptorium de Afonso X, o Sábio (1252-1284), rei de Castela. Para mais
informações em mérito, consultar, entre outros: Joseph Abraham Levi. An Edition and Study of the 14 th-
Century Italian Translation of Alfonso X, The Wise’s Libros del saber de astronomia. 5 vols. Diss.
University of Wisconsin-Madison, 1993. Ann Arbor: UMI, 1993; Joseph Abraham Levi. Text and
Concordance of the Biblioteca Apostolica Vaticana, MS. 8174. Libro di sapere di astronomia, Alfonso X,
El Sabio. (14th-Century Italian Translation by Guerruccio Federighi). Madison: Hispanic Seminary of
Medieval Studies, 1993.
9
Bernard F. Reilly. The Medieval Spains. Cambrígia: Cambridge University Press, 1993. 123.
Em 1516, devido às insistências do Clero, da nobreza e do sentimento geral do
País, D. Manuel I foi novamente confrontado com a “questão judaica”, designadamente,
os judaizantes e as práticas secretas do Judaísmo em solo português e no resto do mundo
de então. O monarca português foi consequentemente forçado a pedir a Leão X (1513-
1521) que autorizasse o estabelecimento da Inquisição em Portugal, para assim
complementar a sua contrapartida espanhola, esta última instituição em vigor desde 1478.
Contudo, foi só durante os seus respectivos sucessores — nomeadamente D. João
III e Clemente VII (1523-1534) — que a Inquisição foi oficialmente estabelecida em
Portugal e em todas as suas possessões ultramarinas, particularmente na Índia (1560-
1820). Em 1536 a Inquisição Portuguesa foi de facto instituída, apesar de só em 1547 ter
começado a exercer a sua força debeladora, com o derradeiro objectivo de enraizar, e
desta vez completamente, qualquer vestígio de presença judaica ou cripto-judaica em solo
português.
Devido ao atraso em estabelecer a Inquisição, durante a primeira metade do
século XVI Portugal e as suas possessões ultramarinas tornaram-se de facto em centros
importantes de presença cripto-judaica, formados principalmente por
desterrados/diaspóricos de Castela os quais, “where more loyal to their past than those
who had preferred to remain in Spain”10.
Uma das maneiras para evitar a Inquisição era portanto a Diáspora ou o Desterro,
ambos voluntários e ambos ilícitos sob o ponto de vista legal, dado que o afastamento de
súbditos ou residentes abastados do território português teria implicado uma perda
económica muito elevada, com consequências financeiras trágicas, quer imediatas, quer a
longo prazo. Os judeus portugueses que conseguiram deixar o seu País seguiram a rota
dos seus predecessores ibéricos. Muitos dos cristãos-novos portugueses e espanhóis da
Diáspora que escolheram a Europa como seu refúgio elegeram principalmente a rota do
Norte, estabelecendo-se assim em Amesterdão, Antuérpia, Bayonne, Bordéus,
10
Jonathan Irvine Israel. European Jewry in the Age of Mercantilism. 1550-1750. Oxónia: Clarendon Press,
1989. 25. Vejam-se também: João Lúcio de Azevedo. História dos Christãos Novos Portugueses. 1922.
Lisboa: Livraria Clássica Editora A.M. Teixeira, 1975. 109, 120; Amílcar Paulo. Os criptojudeus. Porto:
Athena, 1969 [1970]. 33-40; Israël Salvator Révah. “Les marranes.” Revue des Études Juives 118 1 (1959-
1960): 29-77. 45-53; Yosef H. Yerushalmi. From Spanish Court to Italian Ghetto: Isaac Cardoso. A Study
in Seventeenth-Century Marranism and Jewish Apologetics. 1971. Seattle: University of Washington Press,
1981. 31-47.
Hamburgo, Londres e Roterdão, para citar os centros mais importantes de presença
marrana/judaica. Alguns foram até à Dinamarca, Suécia e à Polónia.
Os Sefardim que emigraram à antiga Jugoslávia, aos Balcãs e, através do Magrebe
e do Egipto, ao Levante, territórios estes todos sob controlo otomano, fixaram-se
principalmente em Alepo, Constantinopla, Smyrna (a hodierna Izmir, ou seja, Esmirna),
Salonica assim como nos actuais Israel, Palestina, Líbano e Síria. Em vez de serem
classificados Sefardim estes judeus ibéricos das Diásporas eram muitas vezes alcunhados
de Frankos, um evidente eufemismo a designar europeus provenientes do norte e/ou do
noroeste do Velho Continente.
Nos territórios do antigo Império Otomano (1281-1924), nomeadamente, nos
actuais estados da Bósnia-Herzegovina, Croácia, Sérvia, Macedónia, Bulgária, Turquia e
de Israel, assim como na actual Grécia e Palestina, os Judeus — Sefardim, Ashquenazim
ou pertencentes a qualquer outro ramo étnico-racial do Judaísmo — conseguiram manter
a própria autonomia, identidade e fé até às primeiras duas décadas do século XX,
nomeadamente, aquando do desmembramento do domínio otomano e da consequente
dominação europeia in situ, sobretudo inglesa e francesa. Diferentemente da situação
política hodierna, aliás exacerbada pelos eventos dos últimos oitenta anos, a presença
judaica, assim como a de qualquer outra religião monoteísta, em terra muçulmana foi
sempre tolerada, aceitando, prévio pagamento de uma taxa (em árabe, dhimmah), a
“Gente do Livro” (em árabe, Ahl al-Kitabi) no seu seio como membros da nação
muçulmana e, portanto, digna de ser “protegida”, daí a designação de dhimmi,
nomeadamente, “monoteístas sob a protecção” do Islão11. Apesar das muitas restrições e
taxas às quais ela se encontrava sujeita, a Ahl al-Kitabi, graças à sua fé monoteísta —
novamente, Judeus, Cristãos, Zoroastristas, Sabeus e Mineus — era tratada com muita
11
Ahl al-Kitabi, a “Gente do Livro” — a incluir Judeus e Cristãos —, que acredita num livro sagrado, ou
seja, a Bíblia, a Tora (Al-Tawrah), o Novo Testamento (Al-Injil), e o Livro dos Salmos (Al-Zabur).
Todavia, a designação Ahl al-kitabi também inclui os Zoroastristas, os Sabeus, os Mineus e qualquer outra
gente com a qual o Islão terá contactos durante a sua expansão, que acredita em só Um deus e que baseie a
sua religião em Um livro sagrado. As antigas religiões pré-islâmicas sabeias e mineias, mesmo contendo
alguns elementos politeístas, não foram condenadas pelo Islão. Ambos os Reinos de Sabá (930-115), e
Mina (1200-650), floresceram na Península Arábica, a primeira no Sul, a última no Sudoeste. Ambas se
encontravam envolvidas no comércio das especiarias entre a Ásia, o Médio Oriente e o Mediterrâneo. Para
as relações entre o Islão e os Cristãos Ortodoxos, veja-se, entre outros: Nomikos Michael Vaporis.
Orthodox Christians and Muslims. Brookline: Holy Chross Orthodox Press, 1986, em particular o capítulo
“Jews, Christians, and Muslims According to the Qur’an”, 105-120.
imparcialidade e respeito12. Enquanto adoradores de um só deus, estes monoteístas “pré-
islâmicos” usufruíam da dhimmah e, como dhimmi, Judeus e Cristãos podiam portanto
viver livremente — isto porque, segundo o Alcorão, qualquer kitabi pode, em teoria,
viver em qualquer país muçulmano ou zona geográfica de adesão islâmica — e ser
permitido residência assim como a liberdade de praticar todas as actividades normais —
12
Segundo o Islão, se bem que Allah tivesse revelado o Seu desejo aos profetas judeus, inclusive Jesus, as
Escrituras, nomeadamente, o(s) Livro(s), dos Judeus — a Torá, Al-Tawrah — e aquele dos Cristãos — o
Novo Testamento, Al-Injil, e o Livro dos Salmos, Al-Zabur — foram, com o passar do tempo,
corrompidos: o revelado divino foi consequentemente misturado com fabricações humanas. A Surah V,
Surah al-Ma'idah, ou seja, o Capítulo da Mesa, do Alcorão é um perfeito exemplo da recaída no erro e do
afastamento da pura religião dos seus pais, nomeadamente o Islão, por parte dos kitabi, neste caso Judeus e
Cristãos. Das revelações de Allah aos Judeus, o Alcorão diz:
A Lei — designadamente a Torá, al-Tawrah — na sua forma original, foi promulgada pelo profeta Musa,
ou seja, Moisés. Assim como o Alcorão, também a Torá foi um livro inspirado. Todavia, foi perdida antes
do regresso do Islão, com o (último) profeta Muhammad. A Torá que os Judeus e os Cristãos possuíam
quando o Alcorão foi revelado, segundo este último livro, era uma mistura de informações de origem
divina e humana, onde o verdadeiro sentido foi alterado para satisfazer os próprios interesses, dos Judeus
assim como dos Cristãos. Eles temiam os homens e não o único Deus, Allah. Além disso, o Alcorão acusa
os Judeus de terem só fragmentos da Lei original dada a Moisés por Deus, o restante seria então uma
colectânea de factos semi-históricos e lendários. Ambos os kitabi (novamente, Judeus e Cristãos) são
acusados de terem distorcido e deliberadamente alterado a revelação original, chamando-se, assim, o “povo
escolhido”:
Ó gente do Livro! O Nosso apóstolo chegou até vós para vos explicar as
coisas do Livro que vós ocultáveis e também para vos perdoar. Foi de Deus
que chegaram até vós uma luz e um Livro claro, com o qual Deus dirigirá
os que seguirem a Sua vontade para o caminho da salvação e os afastará das
trevas para a luz. Com a Sua vontade há-de guiá-los pelo caminho direito.
(Surah V, 18)
[...]
Os Judeus e os Cristãos dizem: «Nós somos os filhos de Deus e os seus
predilectos.» Diz-lhes: «Então porque pune Ele os vossos pecados?» Não!
Sois apenas homens, homens que Ele criou. Ele perdoa a quem quer e pune
a quem quer. A Deus pertence a soberania do Céu e da Terra e de tudo que
está entre eles. A Deus o Fim último!»
(Surah V, 21)
Veja-se: José Pedro Machado, trad. e ed. Alcorão. 1979. Lisboa: Junta de Investigações Marítimas do
Ultramar, 1980. 125-128. Para uma panorâmica sobre a sociedade judaica a viver em terra muçulmana, em
árabe Dar al-Islam, veja-se, ao invés: S.D. Goitein. “Jewish Society and Institutions under Islam”. Cahiers
d’Histoire Mondiale/Journal of World History 11 (1969): 170-184.
inclusive adorar o próprio deus — excepto aquelas actividades que pudessem ter
jurisdição sobre os Muçulmanos13.
Resulta óbvio, então, que de uma maneira geral as áreas sob posse muçulmana —
de Marrocos à Turquia, passando pelos Balcãs e pela Palestina de hoje — ofereceram
grandes oportunidades às comunidades sefarditas de prosperar quer económica, quer
religiosamente, sendo os seus direitos fundamentais garantidos segundo a Lei
Muçulmana (em árabe Shariah). Será de facto nesta vasta zona geo-política banhada pelo
Mediterrâneo, outrora governada pelos Otomanos, que os Sefarditas conseguiram
florescer, mantendo a sua própria autonomia étnico-religiosa até aos alvores do século
XX:
15
Esther Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. De Toledo a Salónica. Trad. Luís Couceiro
Feio. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. 15.
16
Alexander Max. Studies in Jewish History and Booklore. Nova Iorque: Jewish Theological Seminary of
America, 1944. 86, 96.
de Judeus e Marranos de origem ibérica deslocaram-se pelo mundo de então. Todavia,
devido às suas diferentes origens culturais, linguísticas e variadas vicissitudes histórico-
políticas, estes desterrados israelitas nunca se assimilaram completamente aos seus
correligionários, autóctones e não, a residirem na área em questão: o que os unia, então,
era o comércio. De facto, como foi já observado, “ser judeu não é uma raça, nem um
povo, nem uma nação, nem uma religião, nem significa possuir uma língua comum”17.
Além disso, dado que quase todos os cristãos-novos foram forçados a praticar
(uma forma de) o Judaísmo às escondidas, agora que podiam professar aberta e
livremente a sua religião, estes Sefarditas “híbridos” — quer no sentido religioso, quer na
sua acepção étnico-cultural 18 — estavam mais do que nunca decididos em seguir os
preceitos religiosos dos seus antepassados ibéricos antes da Expulsão ou do(s)
Desterro(s) (in)voluntário(s):
17
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 94.
18
Sobre a questão da hibridez ou da dupla apostasia, vejam-se, por exemplo: David Graizbord. “The Judeo-
Portuguese ‘Nation’ and its ‘Renegades’: Problems of Survival and Individual Adaptation in Seventeenth-
Century Bayonne”, in Survival and Adaptation. The Portuguese Jewish Diaspora in Europe, Africa, and
the New World. Ed. Joseph Abraham Levi. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2002. 13-32; B.S. Pullan.
“The Inquisition and the Jews of Venice: The Case of Gaspare Ribeiro, 1580-1581.” The Johns Rylands
University Library 62 (1979): 207-231.
19
Jonathan Irvin Israel. European Jewry in the Age of Mercantilism. 1550-1750. 1985. Oxónia: Clarendon
Press, 1989. 26. Consultar também: Pantaleão de Aveiro. Itinerário da Terra Sancta e todas as svas
particvlaridades. Lisboa, 1600. 226, 302, 307 verso, 309 e 326 verso; Amnon Cohen e Bernard Lewis.
Population and Revenue in the Towns of Palestine in the Sixteenth Century. Princeton: Princeton
University Press, 1978. 156, 158, 160; Abraham Galanté. Hommes et choses juifs portugais en Orient.
Istambul: Société Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1927. 5-7.
genérica e colectivamente se auto-definiam Gente da Nação, voltaram publicamente ao
Judaísmo sem medo de represálias, como no caso da Holanda, das cidades-estados
italianas, do Levante muçulmano e, em medida menor, da Inglaterra20.
A presença judeu-portuguesa era de facto muito forte, a cobrir uma vasta área
geográfica a abranger quatro continentes — da Europa, do Magrebe, Egipto e Médio
Oriente, às Américas, à Índia e ao Sudeste Asiático — que em pouco tempo o termo
“português” tornou a ser sinónimo de “judeu”, especialmente em um contexto
económico-comercial, coisa esta que não muito agradava aos seus conterrâneos de adesão
católica em terras estrangeiras:
20
Apesar de os Cristãos-novos terem sido admitidos na Holanda, Carlos I de Espanha (1517-1556) e V de
Alemanha (1500-1556), o qual também governava os Países Baixos, imediatamente instituiu a Inquisição
Espanhola em solo holandês para assim eliminar o cripto-judaísmo do seu território, quer em solo ibérico,
quer naquele neerlandês. Todavia, já em 1597, alguns anos depois da União de Utreque (1580), Marranos e
Judeus começaram a professar a sua religião aberta e publicamente sem medo de represálias. Quanto à
Inglaterra, os Judeus foram oficialmente expulsos deste território em 1290, para serem readmitidos só em
1656!
21
David Fintz Altabé. Spanish and Portuguese Jewry. Before and After 1492. Brooklyn: Sepher-Hermon
Pres, 1993. 54.
slipping from one to the other when their presence was no
longer welcome22.
22
David Fintz Altabé. Spanish and Portuguese Jewry. Before and After 1492. Brooklyn: Sepher-Hermon
Pres, 1993. 54.
23
Sobre Ferrara e os Este, em particular quanto aos seus liames com as comunidades judaicas deste
período, vejam-se, entre outros: Andrea Balletti. Gli ebrei e gli Estensi. Reggio Emilia: Anonima Poligrafia
Emiliana, 1930; David Kaufmann. “Contribution a l’histoire des Juifs en Italie.” Revue des Études Juives
20 (1900): 34-48; 48-72; Leonello Modona. “Les exilés d’Espagne a Ferrare. Em 1493.” Revue des Études
Juives 15 (1880-1892): 117-121; Cecil Roth. History of the Jews of Italy. Filadélfia: Jewish Publication
Society of America, 1946. 187-189; Pier Cesare Zorattini. “Sephardic Settlement in Ferrara under the
House of Este”, in New Horizons in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e Geroge K. Zucker.
Albany: State University of New York Press, 1993.
24
Shlomo Simonsohn. The Apostolic See and the Jews: Documents: 1464-1521. 8 vols. Toronto: Pontifical
Institute of Mediaeval Studies, 1988-1991. 5: 1613-1614.
25
Renata Segre. “Sephardic Settlements in Sixteenth-Century Italy: A Historical and Geographical
Survey”, in Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas
Ginio. Londres: Frank Cass, 1992. 112-137. 125. Veja-se também: Shlomo Simonsohn. The Apostolic See
and the Jews: Documents: 1464-1521. 8 vols. Toronto: Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1988-
1991. 6: 1761; 1794.
protectoras do Rei das Duas Sicílias, D. Afonso I de Aragão e Sicília (1442-1458), assim
como as comunidades judaicas locais. O sucessor de Afonso I, D. Ferrante I (1458-1495),
mesmo se somente guiado por razões económicas e lucrativas, tratou estes emigrantes
ibéricos muito favoravelmente. Em 1469 e em 1491 de facto decretara que todos os
judeus estrangeiros a residirem no seu reino tinham os mesmos direitos e privilégios dos
seus súbditos judeus26. Obviamente a sua liberdade tinha um preço: 1 800 ducados em
troca do direito de residência (permanente) no seu território. Judeus e marranos
portugueses passavam assim a ser considerados cidadãos nacionais e, enquanto tais,
beneficiavam de protecção e assistência, caso estas fossem necessárias ou até
requeridas27. Entre os exilados portugueses mais notáveis destacavam-se Isaac Abrabanel
(1430-1508), os seus filhos Judah — também noto pela alcunha de Leão Hebreu o
filósofo —, Joseph e Samuel, assim como o seu tio Jacob Abrabanel.
Iehuda Leão ben Isac Abrabanel (c. 1465 – c. 1521) era um rico médico, o qual
em 1483 deixou Portugal para a Espanha, onde permaneceu nove anos, para depois
prosseguir para a Itália em 1492. O seu irmão Samuel era muito respeitado em todas as
comunidades sefarditas das Diásporas. De facto Samuel Usque alcunhou-o de
“tremagisto” (três vezes mestre), julgando-o grande nos seus conhecimentos da Lei, em
Nobreza e em Riqueza28. O pai de Judah, Isaac Abrabanel, encontrou amparo em Toledo
depois da conspiração contra D. João II. Depois de ter estado em Nápoles, Messina,
Corfu, Monópoli, Génova, Veneza, Florença e em mais algumas outras cidades italianas,
Judah finalmente fixou-se em Pádua. Isaac é famoso pelos seus Dialoghi d’amore
(Diálogos de Amor) escritos em 1535 e publicados em Roma. Em 1484, Joseph
Abrabanel, neto e genro de Isaac, também deixou Portugal para a Espanha. Entre
Setembro de 1492 e Dezembro de 1494 Isaac Abrabanel encontrava-se em Nápoles, com
cargos importantes na corte real. Em 1495 Isaac visitou Palermo, Messina e Corfu. Entre
1496-1502 Isaac residiu em Monópoli. Só em 1503 conseguiu chegar a Veneza, onde em
breve tempo entabulou liames comerciais, sobretudo no ramo das especiarias, entre a
26
Para mais informações sobre este assunto, vejam-se, por exemplo: Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia
meridionale dall’età romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo Israelitico, 1915. 71; Cecil Roth. The
History of the Jews of Italy. Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1946. 269-288.
27
Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia meridionale dall’età romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo
Israelitico, 1915. 79.
28
Samuel Usque. Consolação às Tribulações de Israel. Ed. Mendes dos Remédios. Porto: França Amado,
1906. 35.
Sereníssima e Portugal. Desafortunadamente, as suas manobras políticas não deram bons
resultados. Isaac passou o resto da sua vida a escrever, sobretudo a exegese dos primeiros
quatro livros do Pentateuco.
Durante este período de persecução religiosa, anti-judaica, Ferrara tornou-se em
um centro de refúgio para muitos Sefarditas. Ao chegarem em Ferrara, os Usques
declararam abertamente os seus liames com o Judaísmo, começando assim, a ser
membros activos das comunidades judaicas locais, sefarditas assim como judeu-italianas.
Na Itália os Usque estabeleceram a famosa e prolífera imprensa sefardita29. A primeira
publicação em espanhol foi de facto publicada pelos Usques em 1553, seguida pela
versão judaica da bíblia espanhola, pelos livros de orações para as comunidades
sefarditas da Diáspora e, em 1554, por Menina e Moça de Bernardim Ribeiro. Os Usques
eram originariamente da Espanha. Abraão Usque, cujo nome secular era Duarte Pinhel,
escrevia em português, enquanto Samuel exprimia-se melhor em Espanhol. A família
Usques deveria ter partido para a Itália em ou por volta de 1545, a escapar a Inquisição
Portuguesa, talvez com uma cópia da obra de Bernardim Ribeiro ainda em forma de
manuscrito. Os Usques encontraram refúgio em Ferrara onde Abraão eventualmente
abrira uma imprensa. Entre 1551-1557 Abraão e Samuel publicaram muitos livros e
tratados sobre assuntos judaicos, religiosos assim como seculares, inclusive ensaios
filosóficos30.
Convém lembrar que na península italiana ambos os termos “cristão-novo” e
“neófito” eram usados para designar o Povo de Israel: ambos qualificavam um indivíduo
de ascendência judaica, porém baptizado segundo o rito católico. Contudo, o primeiro
vocábulo referia-se a um Sefardita, enquanto o segundo era só aplicado a um italki, ou
seja, um judeu-italiano. Mais especificadamente, dizer “cristão-novo espanhol” implicava
que o indivíduo em questão talvez nunca tivesse sido baptizado e que, consequentemente,
era judaizante, enquanto a expressão “cristão-novo português” muito seguramente
implicava que o “marrano” recebera o baptismo. Por isso, em muitas cidades da
península italiana o termo “marrano” nunca conteve uma conotação injuriosa ou até
29
Sobre este assunto, veja-se, por exemplo: Cecil Roth. “The Marrano Press at Ferrara, 1552-1555.”
Modern Language Review 38 3 (1943): 307-317.
30
Para mais informações, vejam-se, entre outros: Nicola Ferorelli. Gli Ebrei nell’Italia meridionale dall’età
romana al secolo XVIII. Turim: Il Vessillo Israelitico, 1915. 71-79; Cecil Roth. The History of the Jews of
Italy. Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1946. 269-288.
ofensiva, dado que se aplicava só ao baptismo recebido antes do “alegado” regresso ao
judaísmo ou cripto-judaísmo do indivíduo.
Até às últimas duas décadas do século XVI as cidades-estados italianas de
Ancona e, mais tarde, Ferrara tornaram-se receptáculos de um grande número de cristãos-
novos portugueses, homens e mulheres a escaparem o Tribunal da Santa Inquisição.
Devido à sua posição geográfica, estrategicamente situada entre Veneza e o bloco
Balcãs/Império Otomano, a cidade de Ancona, em si um importante porto no Adriático,
era particularmente atraente aos Judeus das Diásporas, sobretudo aos judeus e marranos
portugueses. Politicamente Ancona fazia parte dos Estados Pontifícios, portanto, antes de
estabelecer residência mais extensa ou até permanente, os Judeus tinham de pedir
autorização às autoridades papais. Dado que já se encontravam em Ancona, havia mais
de dezassete anos, em 1547 os Judeus-Portugueses finalmente receberam autorização de
Paulo III (1534-1549) para residirem nos seus territórios. Júlio III (1550-1555) continuou
esta política de tolerância para com os Judeus. Mais do que em qualquer outro período
histórico, Ancona prosperou económica assim como socialmente e os Sefardim
compartilhavam desta afluência. Foi particularmente neste mesmo ano — também
prorrogada em 24 de Setembro de 1559 — que o Duque de Ferrara, Hércules II, convidou
os Sefarditas Espanhóis e Lusitanos a escolherem como sua nova residência o seu
ducado, apesar da sua preferência religiosa, ou seja, também se tivessem dito que eram de
nome e de facto cristãos. Em outras palavras, ao duque não lhe importava se muitos
destes novos imigrantes ibéricos, em particular os Lusitanos, tivessem praticado
secretamente o judaísmo e que exteriormente se auto-definissem cristãos31.
Desde 1497 até às últimas décadas do século XVI Veneza foi todavia
particularmente hostil à ideia de os Sefardim se estabelecerem em território veneziano:
“omnes marani tam qui venerunt ex Hyspania quam aliunde”32. Contudo, esta resolução
se alinhava mais com os ditames da coroa espanhola do que a política papal.
Quanto ao Santo Padre, ao invés, Paulo IV (1555-1559) ordenou severas
perseguições e autos-de-fé contra todos os Judeus a residirem nos seus territórios. Em
1556 o pontífice dedicou todas as suas energias à Inquisição Romana — estabelecida
31
Andrea Balletti. Gli Ebrei e gli Estensi. Reggio Emilia: Anonima Poligrafia Emiliana, 1930. 77-78.
32
Archivio di Stato, Venezia. Senato, Terra, reg. 13, fol. 22r-22v, in David Kaufmann. “Die Vertreibung
der Marranen aus Venedig im Jahre 1550”. Jewish Quarterly Review 13 (1900-1901): 527-530. 525-526.
pelo então Cardeal Caraffa, futuro Paulo IV, em 1542 —, acusando os Judeus de
ajudarem a causa protestante na Europa. Com a Bula Cum Nimis Absurdum, do 12 de
Julho de 1555, Paulo IV ordenou que todos os Judeus fossem confinados em guetos e
que, entre as inúmeras restrições e imposições, devessem usar um chapéu para assim
distinguir-se do resto da população cristã. O 30 de Abril de 1566, Paulo IV ordenou que
todos os Judeus e os Conversos de origem portuguesa que ainda se encontravam em
Ancona fossem presos e condenados como criminosos. Cinquenta portugueses foram
aprisionados e vinte e quatro homens e uma mulher foram queimados vivos. Quase
trezentos marranos portugueses foram encarcerados sem serem julgados perante um juiz.
Infelizmente, a caída do Ducado de Ferrara em mãos papais pôs fim ao esplendor
e apogeu dos Sefardim em solo italiano, fazendo de maneira que estes encontrassem
amparo em outras regiões da bacia mediterrânica, nomeadamente, no Levante, sendo os
Balcãs, Israel, a Turquia e a Palestina de hoje os lugares que receberam a maior parcela
destes judeus e marranos ibéricos das Diásporas. Comummente, escolhe-se a data de
1583 como terminus ad quem da presença sefardita em Ferrara, com o trágico caso de
Gabriel Enriques, também conhecido por José Saralvo, dos seus três irmãos, Giovanni,
Diego e Árias Lopez. Em Roma foram sucessivamente todos condenados à fogueira,
porém só Gabriel Enriques foi actualmente justiçado, os outros, ao invés, aceitaram a
conversão ao Catolicismo e a plena submissão à Igreja 33 . Terminou assim quase um
século de presença sefardita em Ferrara e zonas limítrofes. De agora em diante a terra
prometida será o Levante, ou pelo menos as terras ao leste da península italiana:
Not only the “Portuguese” left the city, but also a great
many Spanish Jews — even the last members of the
Abrabanel family — chose to set out for Salonica34.
33
Archivo di Stato, Modena, Cancelleria Estense. Carteggio Principi Esteri. b. 1418A/168. Roma, 22 de
Agosto de 1583. Veja-se também: Cecil Roth. “Joseph Saralvo: A Marrano Martyr in Rome”, in Ismar
Elbogen, Josef Meisl e Mark Wischnitzer, eds. Festschrift zu Simon Dubnows siebzigstem geburtstag.
Berlim: Jüdischer Verlag, 1930. 180-186.
34
Renata Segre. “Sephardic Settlements in Sixteenth-Century Italy: A Historical and Geographical
Survey”, in Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas
Ginio. Londres: Frank Cass, 1992. 112-137. 126.
João III. As mulheres sefarditas compartiram com os seus pais, maridos, filhos e parentes
as tribulações da Diáspora. Como referido supra, muitos serão os casos nos quais foram
as mulheres judias e marranas que conseguiram assegurar a continuação da etnia ibero-
judaica assim como da fé, porém em veste cristianizada, durante mais de quatrocentos
anos de vida no Desterro.
Do compromisso nascido entre o Judaísmo interior e o Cristianismo exterior
nasceu o cristão-novo, uma adaptação às situações histórico-políticas do momento.
Contudo, uma vez que a ameaça da persecução religiosa desapareceu, a maioria dos
cristãos-novos optou por voltar à Lei de Moisés, mas não sem algumas adopções cristãs
aprendidas ao longo dos anos e dos séculos. Pois, dado que o “quotidiano foi
reinterpretado em cada período, em cada lugar da Diáspora” e que o “Judaísmo nunca foi
uma religião” dogmática e “socialmente homogénea”, resulta óbvio, então, que o
“modelo religioso da ortodoxia sofreu alterações, ao longo dos tempos” 35 . Este foi
particularmente o caso dos Sefardim, quando, sob pressões extremas como aquelas da
Inquisição e da discriminação diária por parte da população local, os judeus de origem
ibérica tiveram de disfarçar a sua fé e, consequentemente, adoptar práticas católicas para
sobreviver e prosperar na sociedade na qual viviam. Obviamente, algumas das crenças e
das práticas católicas filtraram no substrato judaico: fenómeno este aliás muito comum
quando duas ou mais de duas culturas, religiões e/ou línguas entram em contacto entre si,
dando assim origem a formas híbridas, mistas ou até sicréticas. As mulheres marranas,
mais do que os seus correligionários e conterrâneos desterrados, foram aquelas que mais
sentiam e viviam o Judaísmo e que, quando confrontadas, tiveram a coragem e a firmeza
de defender a sua herança étnico-cultural e as suas convicções religiosas perante
quaisquer consequências, nomeadamente a prisão, a tortura e, enfim, a morte. Numerosos
foram de facto os casos de mulheres condenadas à morte pelas Inquisições ibéricas,
metropolitanas assim como coloniais:
35
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 84.
observances, and awareness of the need to perpetuate
their traditions36.
36
Renée Levine Melamed. “Sephardi Women in the Medieval and Early Modern Periods”, in Judith R.
Baskin, ed. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press, 1991. 115-
134. 126.
37
Arnold Witznitzer. “Crypto-Jews in Mexico during the Seventeenth Century”, in The Jewish Experience
in Latin America. Martin Cohen, ed. 2 vols. Nova Iorque: Ktav, 1971. 1: 177.
38
Seymour B. Liebman. New World Jewry, 1493-1825: Requiem for the Forgotten. Nova Iorque: Ktav,
1982. 71.
Diferentemente das suas congéneres coloniais, na América Portuguesa a
Inquisição Portuguesa nunca foi instituída. Aqueles acusados de praticarem secreta ou
abertamente o Judaísmo ou, aliás mais comummente, formas híbridas desta religião, eram
imediatamente aprisionados e deportados para o Reino onde os esperava o julgamento e a
inevitável punição da Inquisição. Contudo, dado que o capital e a sabedoria dos cristãos-
novos no campo açucareiro eram um bem indispensável para a própria existência da
jovem colónia brasileira, a maioria das vezes a sua presença (aliás necessária) era
essencialmente tolerada:
Os Sefardim a viver na península italiana, então, parecem ter tido, desde o início
da sua estadia no seu novo país de acolhimento, uma sempre mais forte atracção pela
zona levantina, quer por razões político-religiosas — a maioria das vezes à procura de um
lugar onde pudessem praticar a sua fé livremente —, quer por motivos económicos, aliás
estes os mais predominantes entre as famílias sefarditas mais abastadas em solo itálico.
Dentro os grupos familiares que mais se destacam neste seu papel decisivo de
intermediários entre as culturas do Mediterrâneo ocidental e a sua contrapartida oriental,
encontramos a família Abrabanel e a Mendes Nasi, ambas a circular numa rica e muito
39
Joseph Abraham Levi, ed. Survival and Adaptation. The Portuguese Jewish Diaspora in Europe, Africa,
and the New World. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2002. 93. Para ulteriores informações, vejam-se,
entre outros, António Baião. A Inquisição em Portugal e no Brasil. Lisboa, 1921; Charles Ralph Boxer. The
Dutch in Brazil. Londres: Oxford University Press, 1957; Isaac Samuel Emmanuel. “Seventeenth-Century
Brazilian Jewry: A Critical Review.” American Jewish Archives 14 4 (1962): 32-68; Jacob Rader Marcus.
Early American Jewry. 1955-1961. 2 vols. Nova Iorque: Ktav, 1975. 1: 20; Anita Novinsky. “Nouveaux
chrétiens et Juifs séfarades au Brésil”, in Henry Méchoulan, ed. Les Juifs d’Espagne. Histoire d’une
diaspora. 1492-1992. Trad. E. Méchoulan. Paris: Éditions Liana Levi, 1992. 653-672; [Aharon] Arnold
Wiznitzer. Os Judeus no Brasil colonial. São Paulo: Pioneira, 1966; [Aharon] Arnold Wiznitzer. The
Records of the Earliest Jewish Community in the New World. Nova Iorque: American Jewish Historical
Society, 1954.
profícua rede comercial entre Ferrara, a Sereníssima e Ancona, de um lado, e o Império
Otomano, sobretudo Constantinopla, do outro:
D. Grácia Nási, cujo nome cristão-novo era Beatriz de Luna, nascera em Lisboa
em 1510 de uma família marrana de origem espanhola que se deslocara para o país
vizinho depois da expulsão de 1492.
Dada a conjuntura histórica no qual os cripto-judeus viviam, Beatriz de Luna
(Grácia Nási) recebera a sua educação religiosa em segredo: mulheres sefarditas
ensinaram-lhe os preceitos básicos da religião assim como as normas de conduta, entre
estas últimas o ritual de purificação durante e depois da menstruação e do parto41. Aos
doze anos Beatriz recebera o bat mitzvah, ou seja, tornara-se “filha do preceito”. Com
esta cerimónia Beatriz entrou oficialmente na idade adulta42.
Em 1528, sempre em Lisboa, Beatriz casara-se com o rico banqueiro Francisco
Mendes, também de origem marrana, da famosa família Benveniste Mendes, o qual foi
até encomendado por D. João III (1521-1557) de (continuar a) traficar em pedras
preciosas e especiarias, com os quais aliás já traficava desde muito cedo, tendo sucursais
no norte da Europa, particularmente Anversa. Depois de alguns anos de casamento,
nomeadamente, em 1531, nascera a sua única filha, Brianda de Luna Mendes, dita Reyna.
Entre 1534-1538, muito provavelmente em 1536, Francisco Mendes morrera
deixando Beatriz viúva mas não pobre e definitivamente não indefesa. No testamento
Francisco deixava metade dos bens ao seu irmão Diogo Mendes, o qual o ajudara em
40
Esther Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. De Toledo a Salónica. Trad. Luís Couceiro
Feio. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. 122.
41
Levítico, 12: 1-5.
42
Um rapaz judeu, ao invés, para entrar na idade adulta, bar mitzvah, é suposto ter atingido o seu décimo
terceiro aniversário.
construir o seu vasto império comercial que abrangia o norte da Europa, sobretudo a
Flandres (nomeadamente Amesterdão e Antuérpia), assim como Lisboa. O restante era
destinado à sua esposa Beatriz de Luna (Grácia Nási) e à sua filha herdeira Brianda
(Reyna). Com o desejo de proteger a família de eventuais ataques por parte da Inquisição,
muito seguramente Francisco Mendes escolhera escrever um testamento e, com isto,
anular o contrato nupcial o qual, em caso da morte do esposo, previa que metade dos bens
fosse para a viúva e o restante dividido pelos seus filhos. Tal provisão era muito comum
em Portugal, mesmo se raramente se encontrasse incluída em um contrato matrimonial.
Nisto os cônjuges Mendes seguiram a lei portuguesa em vez de obedecer aos preceitos
judaicos, os quais prevêem que, em caso de morte do esposo, é o filho quem recebe os
bens do defunto. Sempre segundo à Lei Judaica, as filhas podem herdar, porém só em
ausência de filhos varões. Faltando estas duas condições, ao invés, a propriedade irá ao
irmão do falecido43. Além disso, quanto às práticas judaicas, não há nenhuma indicação
de que os noivos tivessem feito uma ketubah (um contrato de casamento) na qual o futuro
esposo se comprometia a fazer um pagamento substancial à sua mulher no caso de
divórcio ou que esta se tornasse em parte herdeira após a morte prematura do esposo.
Mais uma vez, talvez o desejo de Francisco Mendes devesse ter sido aquele de proteger a
esposa e a jovem filha, querendo que estas últimas se deslocassem para zonas da Europa
mais dispostas a acolherem Judeus ou Marranos. Esta poderia ter sido a razão pela qual
Diogo Mendes foi encarregado dos bens materiais deixados à morte de Francisco
Mendes. O lugar escolhido foi a Flandres. De facto, a 30 de Setembro de 1537, em
Antuérpia, foi decretado que:
Contudo, apesar destas promessas, aliás quase sempre mantidas, temos de lembrar
que em 1550 Carlos I de Espanha (1517-1556) e V Imperador da Alemanha (1519-1556)
finalmente conseguiu expulsar judeus e cristãos-novos portugueses de Antuérpia, cidade
43
Números, 27: 8-11.
44
Paul Gruneaum-Ballin. Joseph Naci, duc de Naxos. Paris: Mouton, 1968. Veja-se também: Georges
Nizan. Le Duc de Naxos. Paris: Balland, 1988.
esta que durante a primeira metade do século XVI se tornara em um grande e muito
activo centro comercial europeu, a atrair muitos comerciantes, sobretudo portugueses, a
maioria dos quais, se não todos, Judeus ou Marranos:
45
Bernard Dov Cooperman. “Portuguese Conversos in Acona: Jewish Political Activity in Early Modern
Italy”, in Bernard Dov Cooperman, ed. In Iberia and Beyond. Hispanic Jews Between Cultures. Newark:
University of Delaware Press, 1998. 297-352. 300.
documentos provenientes da sua estadia inglesa podemos observar o papel das mulheres
sefarditas da Diáspora: além de dedicar-se ao trabalho doméstico, elas também eram
encarregues da educação dos adolescentes, sobretudo as raparigas antes de atingir o bat
mitzvah.
Em 1547, o seu desejo ardente de ajudar cristãos-novos das diásporas ibéricas
levara Grácia a estabelecer-se por alguns anos em Veneza, onde dois anos antes Josef
Nasi, Reyna e Brainda encontraram amparo. Infelizmente, a irmã e cunhada de Beatriz de
Luna (Grácia Nási), Brianda Mendes, por motivos estritamente veniais, dado que
reclamava a sua porção da herdade, denunciara-a ao Conselho dos Dez por ser marrana.
Em 1548, sempre em Veneza, Brianda e Beatriz (Grácia) encontram-se ambas na prisão.
No entanto Josef Nasi consegue deslocar-se para Istambul onde finalmente obtém o apoio
do sultão Solimão — nomeadamente, Süleyman II, o Magnífico (1494-1566) — o qual
terá um papel importante na vida de Grácia e de José Nasi. Depois de um ano, em 1549,
as irmãs Mendes obtêm finalmente a libertação, seguida, o ano depois, pela definitiva
deslocação para Ferrara, refúgio judaeorum hispaniorum. O ano de 1550 será também
marcado pelo decreto de expulsão dos Judeus. De agora em diante Judeus e Marranos
deixaram de ter direito a comerciar com Veneza e as suas possessões mediterrânicas.
Em Ferrara, Beatriz de Luna finalmente voltara ao Judaísmo, adoptando o nome
judaico de Grácia Nási. O 12 de Fevereiro do mesmo ano, Grácia recebera uma carta do
Duque de Este, Hércules II, na qual a acolhia no seu ducado e, entre outras coisas, a
autorizava, se ela assim o desejasse, a voltar aos ritos hebraicos sem medo de represálias.
Mesmo se o cabo da comunidade sefardita ferrarês fosse o famoso rabino Yom
Tob, contudo, Dona Bienvenida Abrabanel, descendente da grande família ibérica dos
Abravanel, era a figura mais importante do judaísmo sefardita da Diáspora em solo
italiano. Bienvenida era filha de Jacob Abrabanel, sobrinha do filósofo-estadista Isaac
Abrabanel e mulher de Samuel Abrabanel, seu primo. A sua sabedoria precedia-a, de tal
forma que o vice-rei de Nápoles, D. Pedro da Toledo, a ordenara preceptora da sua filha
Eleonora, futura grã-duquesa de Toscana. Em 1541, por exemplo, a sua amizade com a
nobreza deu-lhe a oportunidade de interceder em prol dos seus correligionários italianos,
os quais estavam sob iminente ameaça de expulsão.46
46
Cecil Roth. The Jews in the Renaissance. Nova Iorque: Harper, 1965. 54-55.
Estudiosos hebreus, cristãos-novos e cristãos, sobretudo Católicos, reuniam-se em
casa da Bienvenida para discutirem e interpretarem as Sagradas Escrituras assim como
para serem iniciados na doutrina e práticas místicas e esotéricas da Cabala,
particularmente as suas relações com a astrologia e a quiromancia.
Em Ferrara Grácia Nási também financiara a publicação do Lybro de oracyones
de todo el año, o primeiro texto de rezas judaicas em espanhol escrito pelo Rabino Yom
Tob Atias para os Marranos que ainda não estavam familiarizados com a língua hebraica,
idioma obrigatório para todas as funções religiosas, quer aquelas de rito asquenazi, quer
aquelas sefarditas ou até aquelas de culto italqui, ou seja, judeu-italiano. Grácia Nási
também patrocinara a publicação da Bíblia traduzida pelos marranos Duarte Pinel e
Jerónimo de Vargas do Hebraico nas suas versões hebraica — dedicada a Grácia Nasi —,
e cristã (católica), entenda-se, espanhola — ou seja, a Biblia en lengua española —, esta
última dedicada ao grão-duque de Ferrara47. Na sua dedicatória os cristãos-novos Vargas
e Pinel designam Grácia como a líder da Nação Portuguesa e, ao mesmo tempo, uma das
promovedoras da publicação. Contudo, apesar de não se ter encontrado evidência
tangível a corroborar tais afirmações, poder-se-á dizer, ao invés, que D. Grácia Nási, com
o seu patrocínio foi: “the most distinguished attempt to spread the knowledge of the Bible
among those who could no longer read it in the original”48.
Em outras palavras, D. Grácia Nási contribuiu à preservação, se bem que em
língua espanhola e portuguesa, dos preceitos hebraicos mais fundamentais, essenciais na
transferência do Judaísmo à futura geração. Samuel Usque — grato pelo seu papel em
defender a causa judaica durante as perseguições, em solo ibérico e sobretudo diaspórico
—, dedicou a Grácia Nási um inteiro capítulo da sua Consolação às tribulações do povo
de Israel (1553), pondo em ressalto a sua energia, piedade (comparada àquela da Miriam
bíblica), sabedoria (como a de Débora), virtudes (iguais às de Ester) e força (similar à de
Judite). Enfim, elogiou-a pela sua dedicação incondicional pela liberdade dos Judeus,
47
Veja-se: Renata Segre. “Contribución documental a la historia de la imprenta Usque y de su edición de la
Biblia”, in Iacob M. Hassán, ed. Introducción a la Biblia de Ferrara. Actas del simposio internacional,
Sevilla, noviembre de 1991. Madrid: Sefarad ’92, Comisión Nacional Quinto Centenario, 1994. 225-226.
48
Veja-se: Renata Segre. “Sephardic Refugees in Ferrara: Two Notable Families”, in Crisis and Creativity
in the Sephardic World. 1391-1648. Benjamin R. Gampel, ed. Nova Iorque: Columbia University Press,
1997. 164-1185. 168.
pondo todos os seus bens à sua disposição e, mais de uma vez, pondo em risco a própria
vida. Aos seus olhos Grácia Nasi era “o coração do corpo da nossa Nação Portuguesa”.49
Em 1553 declara-se a peste em Ferrara. Infelizmente, o Duque de Este, Hércules
II expulsa os Marranos chegados há mais de dois anos. A família Nasi encontra-se assim
constrangida a deixar Ferrara. Contudo, Grácia Nási, sozinha, consegue regressar
clandestinamente a Veneza com a intenção de comprar a esmeralda do vice-rei das
Índias. Desafortunadamente, Grácia é reconhecida e, obviamente, detida. O sultão
Süleyman II, o Magnífico, intervém, mais uma vez, em seu prol. Entre 1553-1554, a
família inteira parte para Istambul, passando por Ragusa (a hodierna Dubrovnic) e
Salonica. Em Março de 1556 o sultão recebe oficialmente Grácia Nási e a sua família.
Desde a sua chegada em Istambul, até à sua morte — ocorrida muito
provavelmente em 1569, dado que não há certeza nem da data nem do local do seu
desaparecimento —, Grácia Nási dedicou-se à causa sefardita, nomeadamente, ajudar
todas as comunidades judaicas do desterro português e espanhol fora da península
ibérica. Os judeus locais em breve alcunharam-na de Ha-Geveret, ou seja, “A
Dominadora”, por causa da sua intervenção na política local, muçulmana assim como
judaica. Por exemplo, Grácia fez construir no bairro da Balata uma nova sinagoga,
imediatamente denominada a “esnoga da senhora”, para assim abater todas as barreiras
étnico-linguísticas de dezassete comunidades judaicas sefarditas, ashquenazim e italquim
(italianos), entre a miríade das outras etnias judaicas representadas, a residirem em solo
otomano. Junto à sinagoga Grácia também fez construir uma escola de estudos
talmúdicos, logo alcunhada de schola dos exilados espanhóis. O seu neto e, por ter
casado a filha dela Brianda, genro, José Nasi, estudara na Universidade de Lovaina e, ao
mesmo tempo, trabalhava em uma das sucursais do banco Mendes. Antes de seguir a sua
tia em Constantinopla, José também passou algum tempo em França. Em Istambul a
reputação de José Nasi chegou até aos ouvidos das autoridades, em particular a sua
integérrima moralidade e a sua experiência financeira:
49
Veja-se: Samuel Usque. Consolação às tribulações de Israel. Ferrara. 1553. Yosef Hayim Yerushalmi e
José V. de Pina Martins, eds. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1, 1989. fol. II recto.
seus talentos de financeiro e de administrador […] Os
seus sucessos no terreno económico fazem dele um
personagem poderoso na corte imperial e o seu
conhecimento íntimo dos assuntos europeus levam-no a
desempenhar um papel de primeiro plano como
diplomata nas relações do Império com a Polónia, a Itália
e a Espanha, durante a última parte do reinado de
Solimão, o Magnífico, e no do seu sucessor, Selim II
(1566-1574)50.
50
Ester Benbassa e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. Trad. Luís Couceiro Feio. 2000. Lisboa:
Instituto Piaget, 2001. 114.
51
Há estudiosos que duvidam que José Nasi tenha tido um papel relevante na construção da escola rabínica
na Ilha de Tiberíades. Para mais informações, veja-se o artigo da Mira Rozen. “The House of Nasi and the
Renewal of Settlement in Tiberias.” Sekirah Hodshit 9 (1979).
52
Para ulteriores informações sobre José Nasi, vejam-se Abraham Galanté. Don Joseph Nassi, Duc de
Naxos. Istambul: Societé Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1913; Abraham Galanté. Hommes et
choses juifs portugais en Orient. Istambul: Société Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie, 1927; Paul
Frédéric Jean Grunebaum-Ballin. Joseph Naci, Duc de Naxos. Paris: Mouton, 1968.
enabled her to become the outstanding businesswoman,
patroness, philanthropist, and activist that she was53.
D. Grácia Nási representa, portanto, esta excepcional e rara ponte entre duas ou
mais de duas culturas, raças e etnias, unindo fés, povos, línguas e comércio a um único
fio condutor: a convivência e a harmonia entre nações, crenças, línguas e civilizações
divergentes entre si mas, ao mesmo tempo, similares porque provenientes da mesma
53
Renée Levine Melamed. “Sephardi Women in the Medieval and Early Modern Periods”, in Judith R.
Baskin, ed. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press, 1991. 115-
134. 125.
54
Maria Antonieta Garcia. Judaísmo no Feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte. Lisboa:
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1999. 56.
matriz — Deus. Assim fazendo, D. Grácia Nási conseguiu harmonizar pessoas de
pensamentos longínquos como Cristãos, Judeus e Muçulmanos, aproximando-os e,
consequentemente, dando-lhes munição para ulteriores e, esperadamente, duradouros
contactos e relações, seculares assim como religiosos, ambos baseados na compreensão e
no respeito para com o “outro” a viver no seu meio.
Bibliografia
Abramov, Tehilla. La feminidad judia. Bilbao: Biblioteca de la Vieja Jerusalén y Desclée de
Bronwer, 1991.
Almeida, A.A. Marques de. “O zângão e o mel. Uma metáfora sobre a diáspora sefardita e a
formação das elites financeiras na Europa. (Séculos XV a XVII)”. Oceanos. Diásporas e
Expansão. Os Judeus e os Descobrimentos Portugueses 29 (Janeiro/Março 1997): 25-35.
___. Capitais e capitalistas no comércio da especiaria. O Eixo-Lisboa-Antuérpia (1501-1549).
Aproximação a um estudo de geofinança. Lisboa: Edições Cosmos, 1993.
Altabé, David Fintz. Spanish and Portuguese Jewry. Before and After 1492. Brooklyn: Sepher-
Hermon Pres, 1993.
Anahory-Librowicz, Oro. “Expressive Modes in the Judeo-Spanish Wedding Song”, in New
Horizons in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e George K. Zucker. Albany,
NY: State University of New York Press, 1993. 285-296.
Araújo, Maria Benedita. “Família e grupo social no criptojudaísmo português. (Século XVII)”, in
Oceanos. Diáspora e Expansão. Os Judeus e os Descobrimentos Portugueses 29
(Janeiro/Março 1997): 49-66.
Arbel, Benjamin. “Venice and the Jewish Merchants of Istanbul in the Sixteenth Century”, in The
Mediterranean and the Jews: Banking, Finance, and International Trade (16th-18th
Centuries). Eds. Toaff, and Schwarzfuchs. Israel: Bar-Ilan University Press, 1989.
Arbell, Mordechai. “Leghorn: Center of Immigration of the Sephardic Jews to America, 17th
Century”. Sefarad <<http://www.sefarad.org/publication/lm/036/8.html>>.
Azevedo, Elvira Cunha. O Sefardismo na Cultura Portuguesa. Porto: Livraria Paisagem, 1974.
Azevedo, João Lúcio de. História dos Christãos Novos Portugueses. 1922. Lisboa: Livraria
Clássica Editora A.M. Teixeira, 1975.
Baer, Yitzhak Fritz. A History of the Jews in Christian Spain. 1961. 2 vols. Filadélfia: Jewish
Publication Society of America, 1961-1966.
Baião, António. A Inquisição em Portugal e no Brasil. Lisboa, 1921.
___, “A Inquisição em Portugal e no Brasil”. Arquivo Histórico Português 10 (1916): 474-480.
___, “A Inquisição em Portugal e no Brasil”. Arquivo Histórico Português 9 (1915): 471-480.
Balletti, Andrea. Gli ebrei e gli Estensi. Reggio Emilia: Anonima Poligrafia Emiliana, 1930.
Barnett, Richard David, ed. The Sephardic Heritage. Essays on the History and Cultural
Contribution of the Jews of Spain and Portugal. vol.1.: The Jews in Spain and Portugal
before and after the Expulsion of 1492. Londres: Vallentine, Mitchell, 1971.
Barnett, Richard David e Walter Manfred Schwab, eds. The Sephardi Heritage. vol. 2: Essays on
the History and Cultural Contribution of the Jews of Spain and Portugal. The Western
Sephardim. Grandon: Gibraltar Books, 1989.
Baskin, Judith R. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University,
1991.
Beinart, Haim. Atlas of Medieval Jewish History. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1992.
Benbassa, Esther e Aron Rodrigue. História dos Sefarditas. Trad. Luís Couceiro Feio. 2000.
Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
Ben-Ami, Issachar. “Customs of Pregnancy and Childbirth among Sephardic and Oriental Jews”,
in New Horizons in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e George K. Zucker.
Albany, NY: State University of New York Press, 1993. 253-267.
Benveniste, Arthur. “The Forced Conversion of the Jews of Portugal”.
<<http://www.cryptojews.com/Portugal.html>>.
Bernardini, Paolo, and Norman Fiering. The Jews and the Expansion of Europe to the West,
1450-1800. Nova Iorque: Berghahn Books, 2001.
Bloom, Herbert I. The Economic Activities of the Jews of Amsterdam in the Seventeenth and
Eighteenth Centuries. Filadélfia: Bayard Press, 1937; reimpr. Port Washington, NY:
Kennikat Press, 1969.
Bonfil, Robert. “Change in the Cultural Patterns of a Jewish Society in Crisis: Italian Jewry at the
Close of the Sixteenth Century”. Jewish History 3 2 (1988): 11-30.
___, “The Historian’s Perception of the Jews in the Italian Renaissance. Towards a Reappraisal”.
Revue des Études Juives 143 (1984): 59-82.
Borges Coelho, António. “Judeus e Cristãos-Novos Portugueses. (Séculos XVI e XVII)”.
Oceanos. Diáspora e Expansão Os Judeus e os Descobrimentos Portugueses 29
(Janeiro/Março 1997): 37-46.
Bortnick, Rachel Amado. “The Jewish Women of Turkey”. Jewish Folklore and Ethnology
Review 15 2 (1993): 96-103.
Boxer, Charles R. Women in Iberian Expansion Overseas, 1415-1815: Some Facts, Fancies, and
Personalities. Nova Iorque: Oxford University Press, 1975.
Braude, Benjamin e Bernard Lewis, ed. Christians and Jews in the Ottoman Empire: The
Functioning of a Plural Society. 2 vols. Nova Iorque: Holmes & Meier, 1982.
Braudel, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. 1976.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983.
Brenner, Frederic e Yosef Haym Yerushalmi. Les marranes. Paris: Éditions de la Différence,
1994.
Brooks, Andrée Aelion. The Woman Who Defied Kings: The Life and Times of Doña Gracia
Nasi—a Jewish Leader During the Renaissance. Saint Paul: Paragon House, 2002.
Cabezas Alguacil, C. “Doña Isabel de Correa, traductora y poetisa sefardí”. Miscelánea de
Estudios Arabes y Hebraicos 10 (1961): 111-129.
Carpenter, Jennifer e Sally-Beth MacLean, eds. Power of the Weak. Studies on Medieval Women.
Urbana, IL: University of Illinois Press, 1995.
Carvalho, António Carlos. Os Judeus do Desterro de Portugal. Lisboa: Quetzal Editores, 1999.
Clément, Catherine. A Senhora. 1992. Lisboa: ASA, 1993.
Clot, André. Soliman le Magnifique. Paris: Fayard, 1983.
Cohen, Amnon. Jewish Life under Islam: Jerusalem in the Sixteenth Century. Cambrígia:
Cambridge University Press, 1984.
Cohen, Amnon e Bernard Lewis. Population and Revenue in the Towns of Palestine in the
Sixteenth Century. Princeton: Princeton University Press, 1978.
Cooperman, Bernard Dov, ed. In Iberia and Beyond. Hispanic Jews Between Cultures.
Proceedings of a Symposium to Mark the 500th Anniversary of the Expulsion of Spanish
Jewry. Newark: University of Delaware Press, 1998.
___, “Portuguese Conversos in Ancona: Jewish Political Activity in Early Modern Italy”, in
Bernard Dov Cooperman, ed. In Iberia and Beyond. Hispanic Jews Between Cultures.
Newark: University of Delaware Press, 1998. 297-352.
Cozzi, Gaetano, ed. Gli ebrei a Venezia: secoli XIV-XVIII. Milão: Edizioni Comunità, 1987.
Cunha, Ana Cannas da. “Cristãos-Novos e Judeus entre Portugal e o Norte de África. (Século
XVI)”. Oceanos. Diáspora e Expansão. Os Judeus e os Descobrimentos Portugueses 29
(Janeiro/Março 1997): 85-90.
David, Abraham. “New Jewish Sources on the History of Members of the Nasi-Mendes Family in
Italy and Constantinople”. Henoch 20 (1998).
Dillard, Heath. Daughters of the Reconquest. Cambrígia: Cambridge University Press, 1975.
Epstein, Mark Alan. The Ottoman Jewish Communities and their Role in the Fifteenth and
Sixteenth Centuries. Freiburg: Klauss Schwarz Verlag, 1980.
Erler, Mary, and Maryanne Kowaleski. Women and Power in the Middle Ages. Athens, GA:
University of Georgia Press, 1988.
Ferri, Edgarda. L’ebrea errante: Donna Grazia Nasi dalla Spagna dell’Inquisizione alla Terra
Promessa. Milão, Mondadori, 2000.
Ferroso, C. “Di alcuni ebrei portoghesi giustiziati in Ancona sotto Paolo IV”. Archivio Storico
per le Marche e per l’Umbria 4 (1888): 689-719.
Galanté, Abraham. Hommes et choses juifs portugais en Orient. Istambul: Société Anonyme de
Papeterie et d’Imprimerie, 1927.
___. Don Joseph Nassi, Duc de Naxos. Istambul: Societé Anonyme de Papeterie et d’Imprimerie,
1913.
Gampel, Benjamin Raphael, ed. Crisis and Creativity in the Sephardic World: 1391-1648. Nova
Iorque: Columbia University Press, 1997.
Garcia, Maria Antonieta. Judaísmo no feminino. Tradição popular e ortodoxia em Belmonte.
Lisboa: Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa,
1999.
Garshowitz, Libby. “Gracia Mendes: Power, Influence, and Intrigue”, in Power of the Weak:
Studies in Medieval Women. Eds. Jennifer Carpenter, and Sally Beth MacLean.
Champaign: Ohio State University, 1995.
Gerber, Jane. The Jews of Spain: A History of the Sephardic Experience. Nova Iorque: The Free
Press, 1994.
Ginsburger, E. “Marie de Hongrie, Charles Quint, les veuves Mendes”. Revue des Études Juives
89 (1960): 179-192.
Goiten, S.D. “Jewish Society and Institutions under Islam”. Cahiers d’Histoire Mondiale/Journal
of World History 11 (1969): 170-184.
___, “The Unity of the Mediterranean World in the Middle Middle Ages”. Studia Islamica 12
(1960): 29-41.
Goldman, Ida Batsheva. “The Sephardic Woman’s Head-dress in Spain and in the Ottoman
Empire”, in From Iberia to Diaspora: Studies in Sephardic History and Culture. Yedida
K. Stillman e Norman A. Stillman, eds. Leida, E.J. Brill, 1999. 525-530.
Grunenbaum-Ballin, Paul. Joseph Naci, duc de Naxos. Paris: Mouton, 1968.
Gutwirth, Eleazar. “A Judeo-Spanish Endecha from the Cairo Genizah”. Mediterranean
Language Review 6-7 (1990-1991): 113-120.
___, “Fragmentos de siddurim españoles de la Genizah”. Sefarad 40 (1980): 389-401.
___, “Genizah Fragments in Judeo-Spanish”. Anuario de Filología 9 (1983): 219-223.
___, “A Judeo-Spanish Letter from the Genizah”, in Judeo-Romance Languages. Isaac Benabu e
Joseph Sermoneta. Jerusalém: Misgav Yerushalayim, Institute for Research on the
Sephardi and Oriental Jewish Heritage, Hebrew University of Jerusalem, 1985. 127-138.
___, “The Family in Judeo-Spanish Genizah Letters (XVIth-XVIIIth cc.)”. Vierteljahrschrift für
Sozial- und Wirtschaftsgeschichte 73 2 (1986): 210-215.
___, “The Hispanicity of Sephardi Jewry: A Genizah Study”. Revue des Études Juives 145 33-34
(1986): 347-357.
___, “Religión, historia y las Biblias Romanceadas”. Revista Catalana de Teología 3 1 (1988):
115-134.
___, “Casta, clase i magia: bruixes i amulets etnre els jueus espanyols del segle XV”. La Cábala
(1989): 85-99.
___, “A Medieval Spanish Translation of Avot: Genizah Fragments”. Annali 49 (1989): 289-300.
Haboucha, Reginetta. “Misogyny or Philogyny: The Case of a Judeo-Spanish Folktale”, in New
Horizons in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e George K. Zucker. Albany,
NY: State University of New York Press, 1993. 239-251.
Hacker, Joseph. “Superbe et désespoir: l’existence sociale et spirituelle des Juifs ibérique dans
l’Empire Ottoman”. Revue Hispanique 578 (1991): 280-283.
___, “The International Activity of the Jews of the Ottoman Empire During the Sixteenth and
Seventeenth Centuries”, in Isadore Twersky e Bernard Septimus, eds. Jewish Thought in
the Seventeenth Century. Cambrígia: Cambridge University Press, 1987.
Heyd, Uriel. “Moses Hamon, Chief Jewish Physician to Sultan Suleyman the Magnificent”.
Oriens 16 (1863): 152-170.
Ioly Zorattini, Pier. “Sephardic Settlement in Ferrara under the House of Este”, in New Horizons
in Sephardic Studies. Eds. Yedida K. Stillman e George K. Zucker. Albany, NY: State
University of New York Press, 1993. 5-13.
Israel, Jonatha Irvine. European Jewry in the Age of Mercantilism, 1550-1750. 1985. Oxónia:
Oxford University Press, 1989.
___. Empires and Entrepôts: The Dutch, the Spanish Monarchy, and the Jews, 1585-1713.
Londres: Hambledon Press, 1990.
___, “The Sephardim in the Netherlands”, in Elie Kedourie, ed. Spain and the Jews: The
Sephardic Experience. 1492 and After. Londres: Thames and Hudson, 1992. 189-212.
Kamen, H. “The Mediterranea and the Expulsion of Spanish Jews in 1492”. Past and Present 119
(1989): 30-55.
Katz, Israel J. e M. Mitchell Serels, eds. Studies on the History of Portuguese Jews from Their
Expulsion in 1497 Through Their Dispersion. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2000.
Kaufmann, David. “Die Vertreibung der Marranen aus Venedig im Jahre 1550”. Jewish
Quarterly Review 13 (1900-1901): 527-530.
___, “Contributions a l’histoire des juifs en Italie”. Revue des Études Juives 20 (1900): 34-48, 48-
72.
___, “Les martyrs d’Ancone”. Revue des Études Juives 11 (1882): 149-153.
Kraemer, Ross S. Jewish Women in the Diaspora World of Late Antiquity”, in Judith R. Baskin,
ed. Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press,
1991. 43-67.
Kriegel, M. “La prise d’une décision: l’expulsion des juifs d’Espagne en 1492”. Revue Historique
260 (1978): 49-90.
Kurinsky, Samuel. “Jewish Women Through the Ages”. Hebrew History Federation
<<http://www.hebrewhistory.org/factpapers/36women.html>>.
Lamdan, Ruth. A Separate People: Jewish Women in Palestine, Syria, and Egypt in the Sixteenth
Century. Leiden: E.J. Brill, 2000.
Landau, Luis. “The Treacherous Wife in the Sephardic Romancero”, in Proceedings of the 9th
World Congress of Jewish Studies. Jerusalém: World Union of Jewish Studies, 1986. 63-
69.
Larrea-Palacín, Arcadio. Cancionero judío del norte de Marruecos. 3 vols. Madrid: Instituto de
Estudios Africanos, 1952.
___, Canciones rituales hispano-judías. Madrid: Instituto de Estudios Africanos, 1954.
Levi, Joseph Abraham. “A mulher sefardita das diásporas ibéricas: ponte entre culturas”. Faces
de Eva 9 (2003): 35-58.
___, ed. Survival and Adaptation. The Portuguese Jewish Diáspora in Europe, Africa, and the
New World. Nova Iorque: Sepher-Hermon Press, 2002.
___, “A Diáspora Sefardita nas Américas durante os séculos XVII-XVIII”. Cadernos de Estudos
Sefarditas 1 (2002): 27-63.
Levy, Avigdor. The Sehardim of the Ottoman Empire. Princeton: Darwin Press, 1992.
Lévy, Isaac Jack. “A Domesticated Supernatural Home Magic of the Sephardim”. Shofar 3
(1985): 12-19.
Lévy, Isaac Jack e Rosemary Lévy Zumwalt. Ritual Medical Lore of Sephardic Women:
Sweetening the Spirits, Healing the Sick. Urbana: University of Illinois Press, 2002.
___, “Madame Sara: A Spirit Medium Between Two Worlds”, in From Iberia to Diaspora:
Studies in Sephardic History and Culture. Yedida K. Stillman e Norman A. Stillman, eds.
Leida: E.J. Brill, 1999. 331-345.
___, “The Evil Eye and Power of Speech Among the Sephardim”. International Folklore Review
5 (1987): 52-59.
Liebman, Seymour B. New World Jewry, 1493-1825: Requiem for the Forgotten. Nova Iorque:
Ktav, 1982.
López Estrada, Francisco. “Isabel Correa, escritora sefardí del Amsterdam barroco”. La Torre 7
(1993): 123-146.
Mantran, Robert. La vie quotidienne à Istambul au siècle de Soliman le Magnifique. 1965. Paris:
Hachette, 1989.
Max, Alexander. Studies in Jewish History and Booklore. Nova Iorque: Jewish Theological
Seminary of America, 1944.
Méchoulan, Henry, ed. Les Juifs d’Espagne. Histoire d’une diaspora. 1492-1992. Trad. E.
Méchoulan. Paris: Éditions Liana Levi, 1992.
Melammed, Renée Levine. “Women in (Post-1492) Spanish Crypto-Jewish Society”. Judaism 41
2 (1992): 156-168.
___, “Sephardi Women in the Medieval and Early Modern Periods”, in Judith R. Baskin, ed.
Jewish Women in Historical Perspective. Detroit: Wayne State University Press, 1991.
115-134.
___, “Noticias sobre los ritos de los nacimientos y de la pureza de las judeo-conversas castellanas
del siglo XVI”. El Olivo 13 (1989): 29-30.
___, “The Ultimate Challenge: Safeguarding the Crypto-Judaic Heritage”. Proceedings of the
American Academy for Jewish Research 53 (1986): 91-109.
Meyers, Charles e Norman Simms, eds. Troubled Souls: Conversos, Crupto-Jews, and Other
Confused Jewish Intellectuals from the Fourteenth through the Eighteenth Century.
Hamilton, NZ: Outrigger Publishers, 2001.
Meyuhas Ginio, Alisa, ed. Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492.
Londres: Frank Cass, 1992.
Modona, Leonello. “Les Exilés d’Espagne a Ferrare em 1493”. Revue des Études Juives 15
(1880-1892): 117-121.
Muzzarelli, Maria Giuseppina. “Beatrice de Luna, vedova Mendes, alias Donna Gracia Nasi:
un’ebrea influente (1510-1569 ca.)”, in Rinascimento al femminile. Elizabeth Storr Cohen
e Ottavia Niccoli, eds. Bari: Laterza, 1991. 83-116.
Nassi, Gad e Rebecca Toueg. Doña Gracia Nasi. Ed. Dahlia Gottan. Telavive: Women’s
International Zionist Organization, Department of Education, 1991.
Nehama, Joseph. Histoire des Israélites de Salonique. 7 vols. Salonica: Communauté Israélite de
Thessalonique, 1931-1936.
Netanyahu, Benzion. Don Isaac Abravanel: Statesman and Philosopher. Filadélfia: Jewish
Publication Society of America, 1953.
Nizan, Georges. Le Duc de Naxos. Paris: Balland, 1988.
Novinsky, Anita. “Nouveaux chrétiens et Juifs séfarades au Brésil”, in Henry Méchoulan, ed. Les
Juifs d’Espagne. Histoire d’une diaspora. 1492-1992. Trad. E. Méchoulan. Paris:
Éditions Liana Levi, 1992. 653-672.
Ojalvo, Harry. Ottoman Sultans and their Jewish Subjects. Istambul: Baksi Senesi, 1999.
Patai, Raphael. Tents of Jacob. The Diaspora — Yesterday and Today. Englewood Cliffs, NJ:
Prentice-Hall, 1971.
Paulo, Amílcar. Os criptojudeus. Porto: Athena, 1969 [1970].
Pullan, B.S. “The Inquisition and the Jews of Venice: The Case of Gaspare Ribeiro, 1580-1581”.
Bulletin of the John Rylands Library 62 (1979): 207-231.
Ragen, Naomi. The Ghost of Hannah Mendes. Nova Iorque: St. Martin’s Griffin, 2001.
Ravid, Benjamin. “A Tale of Three Cities and Their Raison d’Etat: Ancona, Venice, Livorno, and
the Competition for Jewish Merchants in the Sixteenth Century”, in Jews, Christians, and
Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas Ginio. Londres:
Frank Cass, 1992.138-162.
Reilly, Bernard F. The Medieval Spains. Cambrígia: Cambridge University Press, 1993.
Remédios, Joaquim Mendes dos. Os Judeus em Portugal. 2 vols. Coimbra: Franco Amado,
Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, 1895-1928.
Révah, Israël Salvator. “Les marranes”. Revue des Études Juives 118 1 (1959-1960): 29-77.
Roth, Cecil. Storia dei marrani. Milão: Serra & Riva, 1991.
___. Histoire des Marranes. Paris: Liliana Levi, 1990.
___, “The Spanish Exiles of 1492 in Italy”, in Homenaje a Millás Vallicrosa. 2 vols. Barcelona:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1954-1956. 2: 293-302.
___, Doña Gracia of the House of Nasi. 1947. Filadélfia: Jewish Publication Society of America,
1977.
___. The Jews in the Renaissance. Filadélfia: Jewish Publication Society, 1959.
___, “The Marrano Press at Ferrara, 1552-1555”. Modern Language Review 38 3 (1943): 307-
317.
___. The House of Nasi. The Duke of Naxos. Nova Iorque: Greenwood Press, 1940.
___, “I Marrani in Italia: nuovi documenti”. Rassegna Mensile di Israel (1933-1934): 419-443.
___, A History of the Marranos. Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1932.
___, “The Religion of the Marranos”. Jewish Quarterly Review 22 (1931-1932): 1-33.
___, “Les marranes à Venise”. Revue des Études Juives 89 (1930): 177-210.
___, “Joseph Saralvo: A Marrano Martyr in Rome”, in Ismar Elbogen, Josef Meisl e Mark
Wischnitzer, eds. Festschrift zu Simon Dubnows siebzigstem geburtstag. Berlim:
Jüdischer Verlag, 1930. 180-186.
Sacks, Karen Brodkin. “What’s a Life Story Got to Do With It?”, in Interpreting Women’s Lives,
Feminist Theory, and Personal Narrative. Ed. Personal Narratives Group. Bloomington:
Indiana University Press, 1989. 85-95.
Salvador, José Gonçalves. Os Cristãos-Novos e o comércio no Atlântico Meridional. São Paulo:
Pioneira, 1976.
Samuel, Edgar R. The Portuguese Jewish Community in London. (1656-1830). Londres: Jewish
Museum, 1992.
___, “Portuguese Jews in Jacobean London”. The Jewish Historical Society of England,
Transactions 18 (1958).
Saperstein, Marc. “Martyrs, Merchants, and Rabbis: Jewish Communal Conflict as Reflected in
the Responsa on the Boycott of Ancona”. Jewish Social Studies 43 3-4 (1981): 215-228.
Segre, Renata. “Contribución documental a la historia de la imprenta Usque y de su edición de la
Biblia”, in Iacob M. Hassán, ed. Introducción a la Biblia de Ferrara. Actas del simposio
internacional, Sevilla, noviembre de 1991. Madrid: Sefarad ’92, Comisión Nacional
Quinto Centenario, 1994. 225-226.
___, “Sephardic Settlements in Sixteenth-Century Italy: A Historical and Geographical Survey”,
in Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa
Meyuhas Ginio. Londres: Frank Cass, 1992. 112-137.
___, “Nuovi documenti sui marrani di Ancona (1555-1559)”, in Michael. On the History of the
Jews of the Diaspora. Daniel Carpi e Shlomo Simonsohn, eds. Telavive: Diaspora
Research Institute, Tel-Aviv University, 1985. 130-233.
Seroussi, Edwin. “Between the Eastern and Western Mediterranean: Sephardic Music after the
Expulsion from Spain and Portugal”, in Jews, Christians, and Muslims in the
Mediterranean World After 1492. Ed. Alisa Meyuhas Ginio. Londres: Frank Cass, 1992.
198-206.
Shaw, Stanford. The Jews of the Ottoman Empire and the Turkish Republic. Nova Iorque: New
York University Press, 1991.
Simon, Rachel. “Mores and Chores as Determinants of the Status of Jewish Women in Libya”, in
From Iberia to Diaspora: Studies in Sephardic History and Culture. Yedida K. Stillman
e Norman A. Stillman, eds. Leida: E.J. Brill, 1999. 113-128.
Simonsohn, Shlomo. The Apostolic See and the Jews: Documents: 1464-1521. 8 vols. Toronto:
Pontical Institute of Mediaeval Studies, 1988-1991.
Sirago, M. “L’inserimento di una famiglia ebraica portoghese nella feudalità meridionale: i Vaaz
a Mola di Bari (1580-1880)”. Archivo Storico Pugliese (1987): 83-158.
Sloan, Dolores J. “Activism Rather than Prayer and Payoff: Doña Gracia and Joseph Nasi Initiate
a New Paradigm in Jewish History”. HaLapid (2000).
Souza, Maria Reynolds, ed. O rosto feminino da Expansão Portuguesa. Actas I. Lisboa:
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1994.
Tavares, Maria José Ferro. “A Expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntura peninsular”.
Oceanos. Diáspora e Expansão. Os Judeus e os Descobrimentos Portugueses 29
(Janeiro/Março 1997): 10-20.
Weisbard, Phyllis Holman. “Annotated Bibliography and Guide to Archival Resources on the
History of Jewish Women in America”. Jewish Women in America Bibliography
<<http://www.library.wisc.edu/libraries/WomensStudies/jewwom/jw10.htm>>.
Wright, Alexandra. “Judaísmo”, in A mulher na religião. Ed. Jean Holm e John Bowker. Mem
Martins: Europa-América, 1999. 149-178.
Yerushalmi, Yosef H. From Spanish Court to Italian Ghetto: Isaac Cardoso. A Study in
Seventeenth-Century Marranism and Jewish Apologetics. 1971. Seattle: University of
Washington Press, 1981.
Zumwalt, Rosemary Levy. “Let it Go to the Garlic: Evil Eye and the Fertility of Women among
the Sephardim”. Western Folklore 55 4 (1996): 261-280.
___, “Las buenas mujeres: The Keepers of Sephardic Health and Home”. Jewish Folklore and
Ethnology Review 15 2 (1993): 107-112.