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Humanismo e renascença a renovação da Europa:

Hoje, não se vê mais na Renascença uma ruptura brutal com a época medieval, mas o
resultado de uma lenta evolução que mergulha suas raízes na Idade Média. Alguns, como
Burckhardt, Sapori e J. Delumeau, situam os começos da Renascença a partir do despertar da
vida urbana, no século XIII e, memo, no XII. A maioria dos historiadores constrangidos pela
necessidade de escolher uma incisão entre épocas tão caracterizadas como a Idade Média e os
Tempos Modernos, ao afirmar que a Renascença despertou muito cedo, não apenas na Itália
mas também em grande parte da Europa Ocidental, se atêm à periodização tradicional que
assinala, pelo menos, a maturidade da Renascença na Itália.

Os homens do século XVI só adotaram assaz tardiamente o termo “renascença”,


empregado pelos teólogos do século XV com o sentido de renascença da alma para a vida pela
graça e pelos sacramentos que apagam o pecado. O primeiro, ao que parece, que ousou dar a
esta palavra um sentido profano foi o arquiteto italiano Varasi. Em 1550, ele fala de renascença
das artes e, de fato, estende o sentido desta expressão a toda a civilização. Entretanto, não se
havia esperado essa data para se tomar consciência da mudança operada nos espíritos e nas
expressões literárias e artísticas. Escreve Marsilio Ficino, no fim do século XV: “Nosso século,
como uma idade de ouro, trouxe à luz as artes liberais que estavam quase extintas”. Tal
sentimento existia, na Itália sobretuto, onde os letrados se acreditavam, ao contrário dos povos
bárbaros do Norte, os únicos capazes de reencontrar o pensamento dos Antigos. E é este, com
efeito, o sentido mais popularizado do termo Renascença; esse rejuvenescimento se pretende
um retorno ao pensamento e às formas de expressão da Antiguidade.

A Renascença não pode ser dissociada do humanismo, que situa o homem no centro
das preocupações espirituais e dos estudos. “O humanismo é um empreendimento de reforma
intelectual e moral que se pode resumir em uma fórmula: a criação do mais alto tipo de
humanidade” (A. Renaudet). O humanismo é otimista. Contrariamente ao que pensaram J.
Burckhardt e Michelet, ele não se opõe necessariamente ao cristianismo. Para o humanista, no
fundo da alma humana há Deus. Reencontra-se assim a filosofia antiga, e Erasmo escreveu:
“São Sócrates, orai por nós!”

Já não tentara Santo Tomás conciliar o dogma cristão com a cultura antiga que a Idade
Média considerava “como um legado cujo valor não desejava rebaixar” (R. Mousnier)? Mas a
sufocação das formas de raciocínio escolástico e o esclerosamento dos estudos universitários
explicam o menosprezo dos humanistas para com o período precedente e justificam impressão
que eles tiveram de renovação de pensamento. À margem da vida universitária languescente,
produziu-se uma efervescência intelectual alimentada por novas exigências do espírito. Embora
criando, por sua vez, conformismos novos, como o culto da Antiguidade, o humanismo teve um
aspecto individualista. Este caráter marcará a vida intelectual e espiritual do começo do século
XVI. “O humanismo, consciência da Renascença” (A. Renaudet), devia também participar no
grande movimento de reforma religiosa do século XVI antes de afundar pouco a pouco nas
areias movediças das controvérsias.

As condições da vida intelectual


Na segunda metade do século XV e no começo do XVI, a vida intelectual reencontra
condições favoráveis a uma renovação com o aparecimento do livro impresso e,
paradoxalmente, com a esclerose das universidades, que convida os espíritos exigentes a
procurar alhures um quadro de pesquisa melhor adaptado a suas necessidades intelectuais.

O progresso da imprensa

O progresso da imprensa nos anos 1550 -1560 não nos deve fazer esquecer a
importância dos aperfeiçoamentos sobrevindos na primeira metade do século XVI:
desenvolvimento da indústria do papel, fixação da matéria de que são compostos os caracteres
e da forma destes (Estienne, Garamond...) O livro é vendido, ainda, vagarosamente. Uma edição
exige uma grande aplicação de fundos e se apresenta como uma verdadeira aventura. O papel
do editor, que é livreiro ao mesmo tempo, é, portanto, capital. Pode-se citar, com referência ao
sécuo XV, Aldo Manucio, em Veneza, Antoine Vérard, em Paris, e Koberger, em Nuremberg..., e,
no que concerne ao século XVI, Amerbach e Froben, em Bâle, Josse Bade e os Estienne, em
Paris, em seguida Platin, em Anvers...

Desde o seu aparecimento, a Igreja e os soberanos exercem vigilância sobre esta


poderoso meio de difusão das ideias. A censura, em geral, é entregue às universidades. a bula
Inter multíplices autoriza os príncipes a estabelecerem comissões de censura. Desse modo, na
França, a Sorbonne (Faculdade de Teologia) e o Parlamento de Paris velam pela segurança das
pessoas. Em 1563, é criado o privilégio real destinado a proteger os editores contra as
contrafações, o qual exerce, igualmente, uma censura preventiva.

Trata-se de um problema extremamente complexo, na charneira das atividades


intelectuais, econômicas, religiosas e políticas.

No século XVI, a indústria do livro se concentra nas grandes cidades universitárias e nos
centros comerciais. Ela não criou novos centros intelectuais, porém contribuiu para uma
concentração destes últimos. Os impressores aí se acham em relação com os humanistas, e a
maioria dos grandes editores (Amerbach, Aldo Manucio, os Estienne) é ela mesma, humanista.

A lista das publicações testemunham, sobretudo, as necessidades intelectuais da


clientela. Dos livros impressos no século XV, os chamados incunábulos, cerca de 30 000 a 35
000 ediçoes, contam-se 77% em latim, o restante em italiano, alemão e francês. Os livros de
religião são os mais numeroso (45%), vêm em seguida as obras literárias, os livros de direito e
os científicos. Começa-se por imprimir as obras mais famosas, tendo à frente a Bíblia e a
Imitação de Cristo. Só depois destas é que vêm as contemporâneas, malgrado o favor que os
editores principiam a lhes conceder.

No século XVI, a primazia, que até então havia pertencido a Veneza, passa a Paris (25
000 edições sobre as 150 000 a 200 000 do século) e Lião, a seguir Anvers. Há mudança no
caráter das publicações. O número de edições de livros religiosos continua a aumentar, menos
porém que o das obras literárias Multiplicam-se, além disso, as traduções de autores antigos, de
Virgílio especialmente, em geral encorajadas pelos soberanos. As obras dos humanistas
assumem um lugar importante. As de Erasmo terão tiragens de várias centenas de milhares de
exemplares, no decorrer do século XVI. inversamente, os livros científicos continuam a ser,
sobretudo, os dos autores antigos e medievais. Antes de 1500, as Grandes Descobertas dão
lugar a um número bem menor de publicações do que a Terra Santa ou os turcos. A história
está em causa, notadamente as crônicas medievais, bem como as lendas e os romances de
cavalaria.

Indubitavelmente, a imprensa serviu de humanismo dando a conhecer a um maior


número de pessoas os autores antigos e as obras contemporâneas. Todavia, não contribuiu
para sufoca-lo com a difusão de quantidade de trabalhos medievais, que melhor correspondiam
ao gosto da maior parte dos leitores. Na verdade, na segunda metade do século XVI, os editores
se tornam mais sensíveis ao aspecto comercial da imprensa.

O ensino

O ensino elementar é relativamente difundido em toda a Europa Ocidental. As escolas


paroquias, controladas pelo bispo, suscitam cada vez mais o interesse das autoridades
municipais. Fornecem um ensino assaz desarrazoado e irregular. Os professores são
contratados por alguns anos. O ensino, em princípio, é gratuito, para os necessitados, o que não
basta para atraí-los à escola. Por outro lado, a invenção da imprensa constrange os professores
escritores a se orientarem para o ensino da leitura, da escrita e do cálculo. Parece que,
anteriormente às arruaças que dilaceraram a Europa Ocidental no século XVI, o número dos
homens alfabetizados fora relativamente importante.

Entre as escolas elementares e as faculdades superiores (Teologia, Direito, Medicina)


existe ensino intermediário que pertence aos colégios. Este termo designa, na época,
estabelecimentos muito diferentes, pensões para os alunos das faculdades das artes em que os
mestres vêm dar cursos, escolas criadas pelas cidades que não possuem universidades. Estas
últimas solicitam o privilégio real, muito invejado e raramente concedido. Existem, nos colégios,
numerosas bolsas de fundação, mas elas diminuirão de valor com a depreciação do dinheiro no
decurso do século XVI. Os professores são laicos ou eclesiásticos, geralmente, regulares, em
especial dominicanos.

A organização das universidades não mudou desde o século XIV. Constituem corpos que
agrupam mestres, estudantes e agentes diversos, qualificados “sequazes”. Os estudantes são,
igualmente, agrupados em “nações”. Os estudos são repartidos segundo as faculdades
superiores: teologia, direito (por vezes reduzido apenas ao direito canônico ou decreto) e
medicina, aos quais se tem acesso após uma passagem pela Faculdade de Artes. A universidade,
presidida por um reitor eleito para um período muito curto, é dirigida pelo conselho da
universidade e pela assembleia de professores. É mantida por fundações piedosas e auxiliada
pelo corpo da cidade. Todavia, os soberanos, solicitados com frequência, lhe concedem o
rendimento de certas taxas e intervêm mais ou menos no seu funcionamento.

Os estudos são longos, cinco anos pelo menos na Faculdade de Artes, após o quê, com
os graus de mestre ès arts e licenciado pode-se ensinar na referida faculdade e estudar nas
faculdades superiores. Os cursos consistem em lições magistrais e em disputationes entre
estudantes, e os exames (bacharelato, mestrado, licença, doutorado) em interrogações e,
igualmente, em disputationes.
Os humanistas muito difamaram o ensino de sua época. Entretanto, se seu valor é
demasiado fraco, ele não faz senão formar pretensiosos e pedantes. Desempenha assim o papel
social que se espera dele.

O ensino das universidades é mais científico e enciclopédico que literário. O programa,


com pouca diferença em toda a Europa Ocidental, é amplamente interpretado pelos
professores. O espírito de controvérsia não é sufocado. De resto, a maior parte dos humanistas
do século XVI passou pelas universidades. A debilidade destas vem de preferência da crise da
escolástica. No fim do século XV, realistas e nominalistas opõem-se em todas as questões
propostas pelos mistérios da fé e pelo conhecimento do mundo.

É a querela dos universais. Para os realistas, o universal é, não apenas o conceito do que
temos sob os olhos, mas a cópia real inerente ao objeto, transmitida aos nossos sentidos e, por
eles, ao nosso espírito. Os universais, dessa maneira, permitem à alma imaterial conhecer o
mundo material e aproximar Deus, em quem todos se realizam. Graças a eles, os mistérios da fé
não se encontram mais em contradição formal com a razão. Os nominalistas, na esteira de
Guilherme de Ockham, negam a realidade dos universais, que nada mais são que
denominações, de onde o nome dessa escola. Nossos conceitos tornam-se signos mentais que
indicam a existência de alguma coisa, porém não nos esclarece sobre ela. O nominalismo
prevalece, as mais das vezes, sobre o realismo no ensino das universidades. é especialmente o
caso de Paris.

O nominalismo não fecha a porta nem à ciência experimental, nem ao raciocínio por
silogismo, tornado uma simples ginástica do espírito, mas consuma o divórcio entre fé e razão.
Desprovida de um impulso místico cuja receita não fornece, a religião corre o risco de tornar-se
ritual e seca. O nominalismo criava, pois, uma insatisfação e reclamava as pesquisas através de
outros métodos: pela fé, pelo misticismo, que fornece certezas palpáveis àqueles que a
alcançam, e pelo conhecimento, pelo humanismo.

Humanismo e renascença na Itália uma nova concepção do mundo

O humanismo, em seu início, consiste em uma nova concepção do homem e ocasiona


uma nova concepção do espaço e das formas. De passagem essas maneiras de ver se ampliam
numa nova concepção do mundo.

Na origem dessas novidades se encontram os sonhos neoplatônicos despontados na


Florença dos Médicis. Lourenço, o Magnífico, agrupara à sua volta uma “academia” de letrados.
Os Médicis não eram os únicos Mecenas de Florença. Outros banqueiros, o governo da cidade
(a senhoria), as igrejas e os conventos deram trabalho a um grande número de artistas.

O período florentino da Renascença está voltado ainda inteiramente para as pesquisas.


Lorenzo Valla inaugura o estudo crítico dos textos da Antiguidade. Os artistas reencontram a
perspectiva, libertando-se dos tabus da Idade Média, como o nu e os temas pagãos vistos de
outro modo, como o inverso da fé, e cultivam de bom grado o símbolo. Florença é ilustrada pelo
arquiteto Brabante e seus esboços (dono de Santa Maria das Flores) pelo escultor Donatello, e
uma legião de pintores como Botticelli e Ghirlandaio.
A alma da academia florentina foi Marsílio Ficino, que empreendeu realizar uma soma
nova cujo objetivo consistia em regenerar o cristianismo nele integrando o pensamento
religioso do paganismo e as ideias de Platão. Marsílio Ficino ensinava que Deus criara o universo
como um todo harmonioso, tão quanto possível parecido a seu autor. É somente em Deus que
pode o homem encontrar a felicidade perfeita. O homem pode atingir a Deus penetrando o
mundo das ideias emprestadas de Platão onde se situa o pensamento divino, pelo amor da
beleza, espelho da beleza universal de Deus. O homem pode, enfim, assemelhar-se a Deus, pois
se Deus o desejar, o homem, por sua vez, pode criar. Deus expressa-se inspirando engenheiros,
artistas e poetas.

De início, o neoplatonismo de Marsílio Ficino seduziu apenas um pequeno número de


letrados. Em 1494, produziu-se em Florença uma revolução inspirada pelo monge Savonarola,
que expulsou os Médicis e arrastou a cidade num movimento de fé ascética que condenava o
pensamento pagão, o luxo e a riqueza. Malgrado o malogro de Savonarola, queimado vivo em
1498, Florença não se torna a cidade dos sonhos de Marsílio Ficino.

Letrados e artistas tinham preferido refugiar-se em Roma cujos papas Alexandre VI


Borgia (1492-1503), Júlio II (1503-1513), sobretudo Leão X Médicis (1513-1521) desejam
transformá-la na capital de um universo ampliado a partir das Grandes Descobertas.
Dispunham, na ocasião, de consideráveis recursos financeiros, devidos à exploração do alume
de Tolfa, bem como aos empréstimos públicos e aos derradeiros óbulos cobrados dos fiéis de
determinados países.

Júlio II confiou a reconstrução de São Pedro ao arquiteto Bramante, que concebeu um


edifício que exprimia a unidade e a harmonia do universo. Todos os elementos no solo estão
dispostos em redor do altar que encima o túmulo de São Pedro. Todos os elementos em
elevação convergem para a cruz que encima a cúpula destinada a clarear o altar. Miguel Ângelo
executou a obra empreendida por Bramante, não sem reduções impostas pelas dificuldades do
financiamento. Essa composição, que corresponde a uma ideia principal, se reencontra nas
obras pinturescas, especialmente nos afrescos que ornamentam o aposento da assinatura cujo
centro é a Disputa do Santo Sacramento, obra de Rafael.

Ocorre o mesmo com a representação do homem, visto na plenitude de suas formas e


de sua força, sobre ele, pela qual Deus exprime o sentido da Criação. Os assuntos religiosos são
tratados de maneira despojada, com banimento do anedótico e do cotidiano, de maneira a se
elevarem ao sublime e ao grandioso.

O período romano da Renascença representa perfeitamente o humanismo triunfante,


apoiado nos exemplos da Antiguidade. Suas figuras ímpares são: Miguel Ângelo, arquiteto,
escultor, pintor, poeta, Leonardo da Vinci, espírito universal, pintor original e engenheiro, e
Rafael que melhor representa, indubitavelmente, o ideal humano da Renascença italiana.

Na verdade, o período romano, cimo da Renascença italiana, corresponde, na vida


social, a um novo tipo ideal de homem, o cortesão, definido por Baldassarre Castiglione (ver p.
20). O cortesão é um homem senhor de si mesmo, de elegância comedida e, mesmo, grave,
antes de tudo afável e educado, esportivo, instruído e cuja conversação está isenta de
pedantismo e de grosseria. Dá-se o mesmo com a Dama de Corte. Essa depuração no
comportamento tem em vista suscitar o amor recíproco, que é, na realidade, a beleza universal
e a aproximação de Deus.

O particularismo veneziano

O ideal romano da Renascença tropeça no particularismo veneziano. Veneza é uma


cidade de humanistas e de impressores, mas é também uma potência comercial, voltada para o
Oriente, dominada pelo espírito prático e o egoísmo da cidade. Na sua universidade de Pádua,
continua-se fiel ao pensamento dos comentadores de Aristóteles, dentre os quais o muçulmano
Averroès, que não aceita a imortalidade da alma. Nesse quadro espiritual original, ensina o
humanista Pomponazzi (1462-1525), que se apresenta como um recionalista, rejeita o
neoplatonismo, afirma que o homem não foi feito à imagem de Deus e solapa as bases da
revelação cristã negando os milagres e a imortalidade da alma. Conquanto condenado pela
Igreja, Pamponazzi desfrutou de grande influência no século no século XVI.

Veneza, rebelde ao neoplatonismo, torna-se o principal centro de arte na Itália após o


saque de Roma, em 1527. Certamente, seus artistas (Ticiano...) tinham adotado a concepção do
espaço dos romanos, mas exprimiram a grandeza de sua cidade, suas cores e seus contatos com
o Oriente.

O Humanismo na Europa Ocidental

Origens e caracteres

Quando o humanismo italiano ganhou a Europa Ocidental, a Renascença tinha, ali,


começado de maneira inconsciente. Assim, em Paris, Pierre d’Ailly e Jean Gerson possuíam
grande conhecimento da Antiguidade latina e, mesmo, da Antiguidade grega, porém os
espíritos mais elevados lá se achavam atraídos pela mística cristã e pela pesquisa científica. não
ignoravam o humanismo italiano mas não lhe pediam muita coisa. Não obstante, os contatos
com a Itália tinham-se multiplicado muito antes das Guerras da Itália, através das peregrinações
a Roma, do comércio e da diplomacia nascente. Foi a partir de 1470 que Guillaume Fichet,
havendo assumido uma missão diplomática em Milão e tendo-se tornado bibliotecário na
Sorbonne, nela instalou uma tipografia, publicou trabalhos de Cícero, de Sallustio, de Lorenzo
Valla e rompeu com o nominalismo sob a influência dos neoplatônicos.

O humanismo italiano propagou-se pelas universidades, por mais desacreditadas que


estas fossem. Os universitários tinham entrado em contato entre si nos concílios ecumênicos de
Constança, em seguida no de Bâle, e viajavam com frequência. Erasmo não foi o único letrado a
percorrer a Europa Ocidental. Paris, Lião, Groningue, Leyde, bâle, Veneza, Pádua e Roma se
contavam entre os centros mais famosos. A elas ajuntava-se Alcalá de Henares (universidade
fundada em 1508) e Louvain (colégio trilíngue: hebreu, grego, francês, fundado em 1517),
enquanto Londres, Viena, Praga, Cracóvia despertavam, por seu turno, e Augsburgo e
Nuremberg, graças a grandes mecenas, se tornavam, igualmente, centros de cultura.

Com efeito, em torno das universidades e nas grandes cidades mercantis,


desenvolviam-se círculos humanistas onde eclesiásticos e universitários não estavam mais
sozinhos. Encontravam-se em tais círculos impressores, artistas como Dürer, pequenos nobres,
médicos, magistrados e, dos mesmo modo, homens de negócio, oficiais reais como Guillaume
Rudé e conselheiros dos soberanos, poetas de corte. Patrocinava-os príncipes, tais como
Henrique VIII da Inglaterra, Margarida de Navarra e seu irmão Francisco I, que, em 1530, criou o
colégio dos sete leitores reais (futuro Colégio da França), destinado a fornecer um ensino
humanista. No século XVI, falar-se-á de República das Letras para designar o conjunto desses
meios letrados. Escrevendo em latim ciceroniano, menosprezando o vulgar, imbuídos de sua
cultura, à espreita de todas as controvérsias, os humanistas aspiravam a aconselhar os
soberanos.

Essas homens tiveram em comum um grande otimismo com relação à natureza humana
da qual pensavam que ela pudesse aproximar-se da perfeição. Pelas mesmas razões dos
italianos, eles se voltavam para a Antiguidade e estudavam apaixonadamente as línguas latina,
grega e hebraica, que lhes abriam o conhecimento do mundo antigo. Mostraram-se melhores
discípulos de Lorenzo Valla do que os italianos, notadamente nos Países Baixos. Seu programa
era bastante ambicioso. Todos crêem na virtude de uma educação bem orientada, que deve
permitir ao adulto confiar na natureza humana. É o programa proposto por Rabelais à abadia de
théléme: “Faze o que quiseres”.

Destarte, o humanismo do Ocidente não se alinha exatamente com o italiano.


Permanece fiel às orientações já tomadas, isto é, às preocupações morais. Os humanistas
ocidentais transportam essas preocupações para a política e, na impossibilidade de poderem
realizar as suas aspirações, imaginam de um bom grado reinos quiméricos, como a Utopia de
Thomas Morus (1516) onde reinam paz e felicidade. É esse, aliás, um meio de criticar
instituições políticas e hábitos sociais.

Diversidades nacionais

Pode-se notar, ao lado desses traços comuns, diversidades regionais que


constantemente se acentuam. Em primeiro lugar, os ocidentais e, sobretudo, as pessoas do
Norte são pouco sensíveis ao culto dos italianos pela forma e pelo estilo. Erasmo denuncia
rigorosamente a insuficiência do latim ciceroniano para exprimir as realidades sensíveis do
cristianismo e escarnece da pretensa superioridade dos italianos sobre os “bárbaros”. Além
disso, a multiplicação das traduções originais, que dão, os mais das vezes, adaptações
distanciadas do texto primitivo, e a publicação de grandes obras literárias contribuem para a
renovação das línguas nacionais e, em consequência, para o despertar dos nacionalismos. O
culto dos heróis nacionais, ligados à Antiguidade, se desenvolve em toda parte. Os alemães
exaltam Arminius, os franceses descobrem Francion, filho de Heitor. Pode-se, assim, falar,
apesar de seus contatos frequentes, de humanismo francês, alemão, inglês, espanhol e dos
Países Baixos. Tais tendências se afirmam, sobreturo, a partir do decênio de 1520 a 1530.

Na França, após Guillaume Fichet e seu discípulo Robert Gafuin, os estudos gregos
ganham um público maior com os cursos de Jerôme Aléandre e graças à infatigável atividade de
um Guillaume Budé, que public a Pandectes, em 1508, e, em 1515, seu tratado De Asse.

Nos Países Baixos existem centros de vida intelectual entre os Irmãos da Vida Comum.
Voltados, embora, essencialmente, para a vida espiritual, eles sofrem, amiúde, a influência de
Petrarca e de Lorenzo Valla, mais que a de Marsílio Ficino. Rejeitam a escolástica e estão
incutidos das Ideias sobre a salvação e das críticas feitas ao papado por Wiclif e por João Huss.
Erasmo será o seu melhor produto.

O humanismo, na Alemanha, caracteriza-se, antes de tudo, por sua diversidade, que


vem da diversidade de seus centros, universidades como Colônia e Erfurt, abadias, cidades
mercantis como Augsburgo e Nuremberg onde centros humanistas, sob a proteção de
capitalistas tais como os Fugger, são animados por homens como Pirckheimer e Peutinger,
simultaneamente homens de negócio e de saber, em ligação com a Itália através de seu
comércio mas, do mesmo modo, entusiastas do humanismo italiano e da Antiguidade. Em
Stuttgart, Johann Reuchlin renova os estudos hebraicos. De maneira contrária ao que se passa
nos Países Baixos, a influência de Lorenzo Valla é considerável, especialmente nos lugares em
que a vida religiosa é medíocre como em Erfurt. Certos humanistas alemães (Ulrich de Hutten),
com grande audácia, vão até os limites da ortodoxia.

O humanismo introduz-se com pouco mais atraso na Inglaterra, por intermédio de


letrados que se demoraram na Itália, como é o caso de John Colet, o qual aplica os métodos de
Lorenzo Valla às epístolas de São Paulo desde 1496. Contudo, o mais belo exemplo de
humanista inglês nos é oferecido por Thomas Morus, saído da rica burguesia londrina que
gravita em derredor do trono; ele se tornará chanceler e pagará com a própria vida o seu apego
à unidade da Igreja.

O humanismo espanhol concentrou-se em torno de alguns centros, dando origem à


universidade de Alcalá de Henares, fundada pelo Cardeal Jimenez de Cisneros, em 1508, onde
foi levado a efeito um grande empreendimento de tradução poliglota da Bíblia (1514-1522).

O ideal do “Miles Christi”

Falou-se do estouro do humanismo em humanismos nacionais. Uma das principais razões


da crise do humanismo deveu-se ao fato de ele entrar em confronto com os problemas
nascidos do estado da Igreja, mal relevada da crise conciliar. Por isso, no fim do século XV, se
propaga a ideia de uma cruzada espiritual destinada a salvar a Igreja. Esta, a fim de defender e
difundir a verdadeira fé, colocara sempre na primeira linha de suas armas a oração e o trabalho.
a isto os humanistas ajuntaram a acultura do espírito. É o ideal renovado de Miles Christi que
sugere as pesquisas de Lefebvre d’Etaples e de Erasmo.

Lefebvre d’Etaples (cerca de 1450 -1536) foi um homem modesto, inquieto de religião
interior. Foi a Florença, a Roma, a Veneza, mas não estudou a Antiguidade pela Antiguidade.
Procurou as relações profundas entre Platão, Aristóteles e a revelação cristã. Provavelmente, foi
marcado pelos místicos flamengos, como Ruysbrock, de quem editou as núpcias espirituais, em
1512 (cf. p. 67). Por aí, ele chegou à ideia de que o verdadeiro conhecimento ultrapassa o que é
fornecido pela razão e é encontrado no êxtase.

Erasmo (cerca de 1469-1536), por sua cultura, suas viagens e sua correspondência,
desempenhou na Europa, um papel comparável em importância ao que terá Voltaire. De sua
adolescência. Erasmo conservou uma repulsa pela vida monástica e pela piedade formal. Após
os estudos nos Países Baixos, seguidos dos de Paris (1495 -1500), ele se afastou da escolástica e
da mística e se voltou para o ideal humano da Antiguidade. O contato com John colet, em
Londres, foi decisivo. De volta aos Países baixos, reencontrou Jean Vitrier por intermédio de
quem tomou conhecimento de uma parte dos ensinamentos de Wyclif e de João Huss. Depois
de editar textos profanos: os Adágios e o De Officiis de Cícero, Erasmo publicou as Anotações de
Lorenzo Valla sobre o Novo Testamento, em 1505, e, em 1516, o Novo Testamento, precedido
de discurso e introduções em que define uma exegese crítica fundada na filologia e na história.
Vemo-lo diversas vezes dar razão ao texto quando este está em contradição com o dogma. Ele
esboça uma “filosofia do Cristo”, feita de afirmações morais, metafísicas e religiosas que
podemos extrair das Escrituras. De 1505 a 1520, Erasmo percorre a Europa, é recebido por
soberanos, escreve o Elogio da Loucura (1511), que é uma sátira aos defeitos da sociedade e
que atinge um público vastíssimo. A seguir, são os Colóquios, em 1522. Todavia, nessa época,
Lutero já rompeu com Roma e os humanistas são arrastados na crise que dilacera a Igreja.

A marca do Humanismo sobre a civilização ocidental

O conhecimento

A escolástica não podia dar uma resposta satisfatória ao problema do conhecimento.


Podia-o a ciência? No século XV, ela não passava de um anexo da escolástica. Propuseram-lhe,
por isso, inconsideradamente, questões que ultrapassarão, durante longo tempo, as
possibilidades do espírito humano. Metafísica e pesquisa em física estavam ligadas. Não
obstante, curiosidade e espírito de observação eram encontrados entre inúmeros universitários
e, também, entre autodidatas como Leonardo da Vinci, ou entre semi-artesãos como Bernard
Palissy. Os doutos cultivam todos os domínios do conhecimento do mundo e do homem.

Nicolau de Cusa (1401-1464), mais conhecido como filósofo e teólogo do que como
cientista, havia pensado que o domínio do espírito humano é o finito e o relativo que, além
disso, apenas se pode proceder por intuição intelectual, raciocinando gradualmente por
comparação. Daí o título de seu trabalho La Docte ignorance (1440). Disso ele extrai sequencias
que conduzem ao infinitamente grande e ao infinitamente pequeno. O universo se torna
ilimitado e ele liberta a astronomia de seus antigos quadros. Nicolau de Cusa pensava,
igualmente, que o universo é um e que é possível comparar todas as suas partes. Daí o emprego
da medida que ele preconiza em qualquer pesquisa.

Conquanto não se possa quase falar de ciências exatas no século XV, são aduzidos
progressos extraordinários pelos universitários parisienses no que respeita ao cálculo e pelos
alemães Feuerbach e Regiomontanus na trigonometria. A álgebra, entretanto, permanece
concreta. Ela obtém progressos, na Itália, no começo do século XVI, com Tartaglia e com
Cardan, depois, no fim do século, nos Países Baixos, com Stevin. É, porém, nas astronomia que
se realizam as maiores transformações, com o polonês Copérnico (1473-1543). O que
denominamos a “revolução copernicana” consistiu em colocar o Sol no centro do sistema
planetário. Revolução arrojada, pois conflitava com a Bíblia, mas incompleta pois Copérnico
abandonava a ideia emitida por Nicolau de Cusa, a de um universo ilimitado. Na realidade, o
sistema de Copérnico figurou, durante muito tempo, como uma simples especulação
intelectual.

Quando à física, vivia ela com base em entidades inteiradas de um grande número de
fenômenos. Assim, o movimento era explicado pelo impetus, do qual Nicolau de Cusa e
Leonardo da Vinci quase fazem um ser espiritual. Propende-se, atualmente, em ver em
Leonardo da Vinci um autodidata que recolheu os mais diversos ensinamentos dos sábios de
sua época.

O conhecimento da natureza é prisioneiro das concepções animistas aplicadas inclusive ao


reino mineral. Nele reencontram-se, também, ideias que permanecerão sem esclarecimento
até o século XX, como a hierarquia dos elementos, a transmutação e a perfectibilidade dos
metais. Entretanto, embora embaraçada por especulações diversas, a ciência física acumula as
observações e, vez por outra, as receitas práticas, algumas das quais terão grande futuro. Desse
modo, Paracelso foi um dos primeiros a utilizar os corpos químicos como medicamentos.

A Biologia está marcada pela crença das correçãoes entre os órgãos humanos e o mundo
exterior, em particular os astros. Mas a análise dos humores, do sangue, da urina dos esputos...
já era praticada, bem como o isolamento sistemático, não só dos enfermos, como também das
calamidades... O humanismo favoreceu o conhecimento do corpo humano. Os médicos
começam a praticar as dissecações, malgrado as excomunhões da Igreja, e os artistas
reproduzem os sistemas ósseos e muscular com notável paixão pela verdade. A fisiologia
acompanha penosamente os progressos da anatomia. Estabelece-se a circulação do sangue,
mas de maneira incorreta. A Ambroise Paré devem-se os progressos no tratamento das feridas
(invenção do garrote para estancar as hemorragias). Enfim, cientistas como Vésale não
hesitaram em sacudir a autoridade de Galeno.

O humanismo encorajou a ciência, mas não lhe aduziu meios intelectuais suficientes. A
ciência inversamente, não pôde agir sobre o humanismo e fornecer-lhe novos alimentos. Em
compensação, abalou a autoridade dos antigos, a de Aristóteles e a de Galeno, mas, incapaz de
a substituir, criou um grande vácuo que, na segunda metade do século XVI, contribuirá para a
crise do humanismo.

Renovação dos temas e da expressão literárias e artísticas

Em toda a Europa Ocidental, a literatura e a arte marcaram uma etapa capital. A Itália,
onde fora elaborada uma nova visão do homem e do espaço, permaneceu o país em que estas
novidades encontraram a sua mais completa expressão. Ao lado dos iniciadores, ela teve, antes
de 1530, numerosos escritores, dos quais o mais famoso é Ariosto (1474-1533) que, no Orlando
Furioso, alia o romance de cavalaria ao espírito da Renascença. Teve, igualmente, uma multidão
de pintores, entre os quais Corregio (1494-1534), em que a composição, a forma e o colorido
exprimem um paganismo fácil e voluptuoso. Por outro lado, Machiavel (1469-1527), celebrado
por O Príncipe (1513), tratado de política positiva e realista, permanece isolado.

Depois do saque de Roma (1527), enxamearam nas cortes escritores e artistas. assim,
Guilio Romano (1499-1546) discípulo de Rafael, se transfere a Mântua. Contudo, a veia criadora
esgotou-se. tira-se a lição das realizações do período precedente. Serlio escreve um tratado de
arquitetura e Vasari uma história dos artistas no qual as obras-primas do início do século são
niveladas às da Antiguidade. Pensa-se agora que a arte reside numa habilidade, numa maneira;
daí o qualificativo de maneirista dado aos artistas italianos dessa geração. O maneirismo
conquistou também as artes menores, especialmente a ourivesaria que celebrizou Benvenuto
Cellini (1500-1571).
Em Veneza, sempre um pouco à margem da Itália, a arte italiana toma uma nova
orientação com Ticiano (morto em 1576) e com o arquiteto San Sovino (1486-1570), que
modela a Praça de São Marcos. Ao veneziano Palladio (1508-1580) cabe definir as formas
arquitetônicas imitadas da Antiguidade e bem assimiladas. A pintura produz ainda obras-primas
inspiradas pela atmosfera e pela grandeza venezianas, com Tintoretto 91512-1594) na
expressão patética, e com Veronese (1528-1500) que ilustra o luxo e o cenário das festas de sua
cidade.

A Itália foi, do mesmo modo, uma precursora na evolução da música. Foi ali que o
francês Josquin de Prés, no princípio do século, associando a sensibilidade musical do Norte e a
arte dos italianos, dotou a música de obras que desfrutaram de grande popularidade, e fez
escola. Nos tempos do maneirismo nasceu o madrigal, obra mais superficial e mais espontânea,
bem destacada das tradições polifônicas. Palestrina, renovador da música religiosa, publicou
uma coletânea de gênero em 1555.

Nos demais países da Europa Ocidental, os exemplos dados pela Itália, se apoiaram na
vitalidade do gótico flamejante em tudo que era arte religiosa. Assistiu-se, mesmo, a um
desabrochamento deste último nos lugares onde os anos de paz interna foram assaz duráveis
para permitirem o acabamento de catedrais ou inclusive a construção de novas igrejas. Essa
arte produz ainda obras originais mesclando a expressão de uma espiritualidade atormentada e
os aspectos mais exuberantes da vida corrente. Não estavam esgotados os assuntos caros à
Idade Média (sepultamentos, danças macabras, crucificações...). O século XVI, ao mesmo modo
que o precedente, associa a familiaridade e o trato com a morte ao desbordante amor à vida.
Pelo menos até cerca de 1530, a serenidade romana quase não ecoa fora da Itália.

De resto, se se manifestam traços gerais na inspiração artística, estes se traduzem de


maneiras diferentes segundo as sensibilidades regionais, e mesmo nacionais. A etiqueta
cômoda mas contestável de “primitivos” é sempre completada por um qualificativo étnico ou
geográfico. A arquitetura gótica, usurpada ao século precedente por uma decoração
abundante, permanece fiel às tradições do país: estilo flamejante no norte da França, estilo
perpendicular na Inglaterra, isabelino na Espanha e manuelino em Portugal, suscetíveis estes
dois últimos de assimilar influências exóticas, mouriscas, e mesmo africanas e hindus.

As influências italianas penetraram, em primeiro lugar, nas cortes de Francisco I,


Henrique VIII, Margarida da Áustria, regente dos Países Baixos, e entre os homens de negócio
humanistas da Alemanha do Sul. Foi, de início, a adoção de motivos ornamentais que infletiram
as formas flamejantes e elementos de arquitetura: escadas, galerias abertas, terraços, e a
penetração rebuscada da luz nas peças. Mas isto é realizado mais pela obliquidade dos arranjos,
das ordenações e das amplitudes do que nas obras novas. Foi somente a partir de 1530 que as
letras e as artes do Ocidente assaz se destacaram das tradições medievais para criarem escolas
novas amplamente inspiradas no exemplo italiano cujo maneirismo, precisamente nesse
instante, facilitava a propagação.

A Renascença ganhou rapidamente a Espanha, muito embora as influências flamengas


sejam nela exercidas durante algum tempo. Os elementos decorativos italianos inspiraram aí a
arte da prataria. O escultor Beruguete (1480-15619, que estudara na Itália, criou escola. A
imitação da Itália torna-se completa com Pedro Machuca (Pátio de Carlos V no Alhambra de
Granada) e na universidade de Alcalá de Henares.

Na França, malgrado as guerras da Itália, que multiplicaram os contatos, foi necessário


esperar a metade do século para que os arquitetos abandonassem nos castelos novos o plano
do castelo feudal, com suas torres redondas conservadas em Gaillon (1502-1510) ou em
Chambord (começando em 1524). Francisco I mandara chamar Leonardo da Vinci, que morreu
na França, sem ter criado escola (1519). Houve mais sorte com Primaticcio (1504-1570), que,
em 1540, trouxe da Itália cópias e moldagens e foi um dos iniciadores da Escola de
Fontainebleau. A Renascença, que despertara principalmente às margens do Loire, conheceu,
graças aos reis, sua eclosão em Paris e na região parisiense com Pierre Lescot (1510-1578) no
novo Louvre, com Jean Bullant (1515-1578) e com Philibert Delorme (1512-1570), bem como
com o escultor Jean Goujon, que abordou os temas mitológicos e atualizou o gosto da escultura
funerária, e com o pintor François Clouet cujos retratos proscrevem a anedota. A penetração foi
mais lenta na província, exceto em Lião, e nas artes menores, mas produziu obras agradáveis
por sua espontaneidade e sua assimilação original dos exemplos antigos e italianos.

Com o apoio numa literatura popular e numa música polifônica, ilustrada pelas criações
originais de Clément Janequin (La bataille de Marignan), a poesia evolui mais lentamente do
que a arte. Clément Marot (1499-1544), último dos grandes retóricos do fim da Idade Média,
adotou assuntos mitológicos. Vem a renovação, principalmente, do entusiasmo pela obra de
Petrarca cuja influência ganhou Lião onde se constituiu um círculo literário em torno do
comerciante humanista Maurice Scève. Os poetas da Pléiade, du Bellay, Ronsard... aliaram as
influências italianas e o apego à terra. Imitaram a Antiguidade e Petrarca, mas deliberadamente
favoreceram a língua nacional. A Défense et illustration de la langue française é por assim dizer
seu manifesto.

A Flandres, que, na economia europeia, constituía um pólo de atração distinto do da


Itália, manteve a sua originalidade. Os edifícios, mesmo civis, permaneceram por mais tempo
fiéis ao gótico. O mesmo aconteceu com os pintores como o visionário Jérôme Bosch (1450-
1516) ou Quentin Metsys (1465-1530). A Influência da Antiguidade aparece apenas em Mabuse
(1478-cerca de 1533). Bruegel, o Antigo (1525-1569), soube assimilar as técnicas italianas,
porém permaneceu flamengo por sua sensibilidade à vida.

As regiões alemãs do começo do século XVI continuam sempre devotadas ao gótico. O


sentimento da vida e da morte inspira de modo realista ou angustiado o escultor Veit Voss e o
pintor Mathias Grunewald. Entretanto, os comerciantes humanistas de Augsburgo e de
Nuremberg, em relação com a Itália, favorecem as influências italianas. Não obstante, os
pintores, como Lucas Cranach (1472-1553), permaneceram próximos da tradição, mesmo
quando abandonaram os assuntos mitológicos. Incontestavelmente, o artista mais genial foi
Albert Durer (1471-1528), que levou ao cimo a técnica completamente nova da gravura e
traduziu melhor do que ninguém as aspirações do humanismo ocidental (A Melacolia) e do
Miles Christi ( O Cavaleiro, A Morte e o Diabo). Nas letras, uma veia burguesa e popular
poderosa isolou, durante muito tempo, as influências antigas e italianas em pequenos círculos
de eruditos ou em algumas cortes e mantém vivas as velhas formas poéticas e as farsas. Hans
Sachs (1496-1576) foi o último dos mestres cantores, porém Lutero abriu a literatura nacional
com imenso campo comum a todas as condições sociais e propagou o conhecimento do alemão
literário, através de sua tradução da Bíblia em alemão e de seus cânticos.

Na Inglaterra, a arte da Renascença penetrou assaz lentamente com a construção do


castelo de Hampton Court e a vinda do pintor alemão Holbein (1497-1543), célebre por seus
retratos das grandes personagens. A Renascença foi um fenômeno europeu. Alcançou a Polônia
e exerceu sua influência até em Moscou onde italianos trabalharam no kremlin, e em
Constantinopla.

Não obstante, essa ação foi mais ou menos rápida e profunda de acordo com os países.
Apoiou-se em toda parte nas tradições locais. Ela foi sem dúvida um agente de unificação da
cultura europeia à que forneceu assuntos e formas de expressão comuns, porém contribuiu,
também, à confirmação das originalidades nacionais rejuvenescendo e unificando as línguas
principais às expensas dos dialetos.

O MUNDO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As relações internacionais no fim do século XVIII são marcados por um duplo caráter:
relações entre governos, na verdade mais especialmente entre soberanos, e relações
entre povos, particularmente os que constituem nações. Se a política internacional
apresenta com muita frequência o aspecto de um jogo de príncipes, os povos não só aí
se encontram mesclados como instrumentos, mas pesam sobre a diplomacia, a guerra e
a paz, nos lugares onde a opinião desempenha um certo papel, como na Inglaterra e na
França. Podem ser distinguidos conflitos regionais e um duelo em escala mundial ao
qual se entregam essas duas nações. Este último contribuirá para o nascimento da
primeira nação europeia fora da Europa: os Estados Unidos.

Características gerais das relações europeias

As relações entre governos e nações multiplicaram-se: relações comerciais, culturais e


também políticas, dominadas pelo recurso à guerra, considerada então como normal. A
guerra está quase sempre presente num ponto do globo, mas raras vezes é total.

A guerra

Entretanto, no século XVII, nasce com a corrente humanitária um movimento


pacifista que se conjunga com o cosmopolitismo europeu (cf. p. 376). 404

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