Disciplina: Hístória da Filosofia Medieval

Existe algo de bom no fim da Idade

Aula 10: O século XIV: Marsílio de Pádua e o Humanismo
Média
Durante longo tempo, a historiografia indicava o século XIV como um período
de decadência social, econômica e cultural.

Era percebido como um espaço de tempo em que a sociedade do Ocidente

medieval estava mergulhada em grandes catástrofes como a chamada Guerra
dos Cem Anos, o grande surto de Peste Negra e a fome que assolou a
Europa, como consequência não só das guerras e das perdas humanas
advindas com a peste, mas também por conjunturas climáticas desfavoráveis.

Esse seria um cenário muito triste para o final da Idade Média.

Apresentação:
O século XIV muitas vezes é estudado apenas em seus aspectos negativos como a
epidemia de peste que assolou a Europa, a Guerra dos Cem anos entre o reino da
Inglaterra e o reino francês, além dos momentos de fome e escassez de alimentos
que ocorreram no período.

Nesta aula, estudaremos como o século XIV foi interessante do ponto de vista
intelectual e artístico. Analisaremos a vida e a obra de Marsílio de Pádua, que viveu
uma rica experiência da disputa entre os poderes temporal e religioso abordados em
sua obra de maior destaque: Defensor da Paz. No contexto do pensamento
humanista, examinaremos as obras de Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio, que
se encontram entre os primeiros expoentes desse movimento na Itália.

Objetivos:
Reconhecer o contexto do final da Idade Média e a transição para o mundo
moderno, analisando criticamente a noção de que o século XIV foi um período
obscuro do ponto de vista intelectual;
Examinar a vida e a obra de Marsílio de Pádua e sua Filosofia política exposta em
seu livro Defensor da Paz;
Analisar a vida e as principais obras de alguns dos primeiros humanistas
italianos como Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio.
 Durante os séculos XIII e XIV, a sociedade medieval
conheceu transformações econômicas com o aumento do
O historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945) comércio e a difusão do dinheiro e da atividade financeira
escreveu um famoso estudo intitulado O outono da Idade que possibilitaram um crescimento urbano, além de um
aumento da produtividade agrícola.
Média (1919), que contribuiu para fortalecer tal visão
sobre o período dos últimos séculos medievais.
No campo intelectual:

Difusão de escolas urbanas e universidades;

Atualmente, os historiadores dedicados ao estudo do período medieval

questionam essa perspectiva negativa a respeito do século XIV.

Difusão da escolástica, das obras de Aristóteles e da Filosofia de Santo Tomás

A partir dos estudos de Jacques Le Goff e, posteriormente, de Aquino;
de Jérôme Baschet, a historiografia observa que a
sociedade europeia embora tenha sofrido muito com a
peste, as guerras e episódios de fome, não foi marcada
apenas por isso.
 Marsílio de Pádua

Aparecem os primeiros homens pensando e refletindo sobre bases do

conhecimento que chamaremos de humanismo.

O chamado Renascimento, que teria ocorrido nos séculos XV e XVI, deveu

grande parte de sua base filosófica e intelectual aos homens dos séculos XIII
e XIV.

As transformações na Arte e na Arquitetura, especialmente na Itália, vieram

acompanhadas de reflexões de Filosofia e política que, embora herdeiras do
período antecessor, foram originais em suas perspectivas.

O século XIV viu nascer as obras de grandes nomes como
Marsílio de Pádua1, Giovanni Boccaccio e Francesco
Petrarca, alguns destacados nomes dos primórdios do
humanismo italiano. Eram homens que se dedicaram a
Alguns dados sobre a vida de Marsílio de Pádua são desconhecidos, mas
tentamos compreender, na medida do possível, sua trajetória e seu
pensamento no campo da Filosofia política.
Os estudiosos divergem a respeito da data de nascimento, que pode ter
ocorrido em 1275 ou em 1280.

pensar a política, a arte, a literatura e a filosofia de forma Era de uma tradicional família da cidade de Pádua, na Itália. Seu pai,
distinta daquela que vinha sendo feita ao longo do período Bonmatteo foi notário da Universidade de Pádua, o que leva a pensar que,
desde a infância, Marsílio teria vivido em um ambiente culto e favorável aos
medieval. estudos.

Marsílio pode ter estudado Direito em Pádua ou na Universidade de Bolonha,

já que ambas eram referência da cultura jurídica na Idade Média. Deve,
Apesar das grandes dificuldades e sofrimentos, o século XIV foi um período de
também, ter estudado Medicina, já que existem referências ao seu trabalho
expansão comercial, de crescimento da circulação de dinheiro, de propagação
como médico em Paris, e, mais tarde, na Corte de Ludovico da Baviera, em
das manufaturas, de difusão do conhecimento e efervescência no campo
Munique.
intelectual.

Vamos conhecer os três grandes pensadores do período? 

Entre dezembro de 1312 e março de 1313 foi reitor da universidade de Paris,
onde já estaria atuando como mestre, provavelmente na Faculdade de Artes.
Em Paris, possivelmente, teve contato com a produção intelectual oficial
francesa que advogava em favor do poder secular em oposição à plenitude
de poderes arrogada pelo pontífice romano.

Marsílio de Pádua se ligou a renomados Gibelinos na Itália2. Defensores da
supremacia imperial em detrimento da autoridade papal sobre o poder
político, os Gibelinos estiveram ligados ao imperador Ludovico IV, em
constante conflito com o Papa.

De volta a Paris, dedicou-se ao ensino e aos estudos, e concluiu a redação de
sua obra de maior destaque, O Defensor da Paz, em 1324, que foi publicada
dois anos depois. Na obra, Marsílio busca uma solução para o conflito antigo
— reativado com a eleição de Ludovico da Baviera para imperador em 1314 —
entre o Império e o Papado . 3
 em apoio ao poder temporal. A obra está dividida em três partes ou dictiones.
O imperador Ludovico apoiou os Gibelinos no norte da Itália e, após derrotar
seu rival Frederico de Habsburgo, os Gibelinos tomaram Milão, colocando o
norte da Península sob a influência imperial.

O Papa João XXII, tentando abalar a notoriedade do imperador, excomungou
os líderes Gibelinos e, em março de 1324, após ameaças e tentativas de
negociação malsucedidas, excomungou o imperador Ludovido da Baviera. As
ofensas não cessaram e o imperador buscou denunciar as posições do Papa
acerca da pobreza absoluta de Cristo e seus apóstolos publicadas nas bulas Ad
Conditorem Canonum e Cum Inter Nonnullos.
 espécie de considerações finais.
Marsílio de Pádua se envolveu diretamente neste conflito. Ele chegou a se
encontrar com o imperador Ludovico e oferecer apoio em sua marcha sobre a
Itália em 1327. O imperador marchou em direção ao Sul e conquistou Roma
em janeiro de 1328, embora o Papado estivesse estabelecido em Avignon,
desde 1309. Nesse contexto, foi eleito um antipapa e Marsílio de Pádua
indicado para o arcebispado de Milão.

As forças italianas, apoiadas pelo Papa, conseguiram expulsar as tropas
imperiais obrigando não só o imperador, mas também seus apoiadores a fugir
para Munique. Nesta cidade, Marsílio passou a fazer parte dos conselheiros do
Imperador. Ignora-se a data do falecimento de Marsílio, há indícios de que
tenha sido no início de 1343.
Obras
As principais referências de Marsílio foram Aristóteles e trechos do Novo
Testamento; sua vida ajuda a entender seu pensamento político e sua
principal obra — O defensor da Paz.
Esse livro foi condenado pelo Papa XXII, em 1327, em função de suas ideias
1
A primeira parte trata da teoria política de Marsílio.
2
A segunda parte, discorre acerca das concepções
eclesiológicas do pensador.
3
A terceira contém as principais conclusões do livro, uma
 Marsílio faz uma apaixonada defesa da paz e discorre sobre os perigos que a
perturbam, especialmente a pretensão papal à plenitude potestas (plenitude
de poder). Ele critica essa pretensão da Igreja, bem como havia feito Dante
Alighieri em sua obra A Monarquia, conforme estudado na aula 9.
A defesa da paz feita por Marsílio reitera a tese proclamada por Aristóteles e,
posteriormente, Santo Tomás de que a conservação da paz proporciona os
meios para defender o bem e segurança do povo.
O paduano defende essa perspectiva sustentando que o
bom governo e a “suficiência da vida” devem ser vistos
como frutos da paz e da tranquilidade.
Para explicar por que, por toda a Itália, a liberdade das cidades-Estado sofre
ameaças, Marsílio afirma que da mesma forma que os frutos da paz estão no
bom governo, os frutos da negação da paz resultam da tirania, sendo ela a
negação do bom governo.
A crença aristotélica em uma relação direta da discórdia entre as facções e a
tirania teve como resultado a tendência dos teóricos escolásticos em tratar o
tema da discórdia civil como o principal perigo para as repúblicas ou comunas.
Segundo Marsílio de Pádua, o objetivo da ciência política seria construir uma
teoria que tornasse possível, no mundo terreno, a satisfação do que ele
chamava de necessidades para o bem viver (uma referência à Filosofia
aristotélica), entendido como o fim perfeito da humanidade e independente de
outro fim.
Esse fim seria possível ser alcançado na civitas e estaria identificado com a
felicidade humana. Essa felicidade é aquela com a qual o filósofo político deve
se ocupar, pois a felicidade eterna, embora possa ser objeto de discussão, não
foi comprovada empiricamente.
Marsílio talvez tenha se afastado de Aristóteles, que afirmava, em suas obras
Ética e Política, que a Filosofia moral movia-se no âmbito da probabilidade,
enquanto para o paduano a política era uma ciência racional, embora tivesse
como base a Filosofia natural aristotélica.
A universitas civium ou legislator humanus definia-se como um conjunto de
cristãos autogovernados por sua vontade e lei, que tomam a função de
governo de quem pretende exercer a autoridade sem legitimidade — o Papa.
A ideia de autogoverno, embora fosse uma experiência nas comunas italianas,
é bastante original no pensamento do Ocidente medieval.
Essa noção abre caminho para a ideia de consensus, entendido como a
condição indispensável ao processo formal de sancionar uma lei. A solução de
Marsílio para evitar os conflitos que marcam a experiência das cidades
repúblicas italianas e buscar o consenso é um tanto radical — que o
governante seja o corpo inteiro do povo, para que nenhuma luta possa ter
lugar.
Francesco Petrarca
Petrarca foi um dos primeiros pensadores a ganhar destaque dentro do
movimento humanista que se difundiu pela Itália durante os séculos XIV e XV.
Ficou conhecido como Pai do Humanismo.
Francesco Petrarca nasceu em Arezzo5, em julho de 1304, conforme sua
carta autobiográfica Posteritati. Em 1311, a família transferiu-se para Pisa,
onde Petrarca pode ter tido o único contato com o poeta Dante Alighieri, que
se encontrava na cidade naquele período, após ter sido exilado de Florença.
Mais tarde, Petrarca se mudou com a família para Avignon, no sul da França,
onde se encontrava a sede do Papado para o qual seu pai foi trabalhar. Na
vizinha Carpentras, onde se instalaram, o poeta recebeu as primeiras aulas de
gramática, dialética e retórica, guiado pelo mestre Convenevole da Prato.

Aos 12 anos, foi enviado pela família a Montpellier para iniciar sua formação
em Direito e, posteriormente, estudou em Bolonha, um dos mais importantes
centros universitários da Europa, reconhecido no estudo jurídico.
A morte de seu pai, levou Petrarca e o irmão Gherardo de volta a Avignon.
Com a herança de seu pai e alguns trabalhos burocráticos Petrarca pôde viver
sem grandes compromissos, dedicando-se aos estudos de literatura latina.
Seus conhecimentos colocaram-no a serviço da influente família Colonna.
Em Avignon, teria conhecido Laura, sua musa inspiradora. Não se tem certeza
de sua existência real, pois poderia ser apenas uma fonte de inspiração
imaginária — mesma dúvida que paira sobre Beatriz, musa de Dante Alighieri.
Obras
1338
1340
Petrarca dedicou-se à redação de Africa, um poema épico escrito em latim,
que narra a história do general romano Scipio Africanus, revelando sua
admiração pela cultura da Antiguidade, uma das marcas do movimento
humanista. Esta obra tornou-o famoso na Europa, tendo recebido a coroa de
louros no Capitólio, em Roma.
Durante muitos anos, Petrarca redigiu inúmeras obras e se mudou diversas
vezes. Entre 1348 e 1353, percorreu o norte da Itália e se fixou em Milão,
onde trabalhou para finalizar as obras Secretum, De Vita Solitária, De Otio
Religiosorum (escrito para seu irmão que entrara na ordem dos monges
cartuxos) e a organização das Epistolae Familiares e Seniles (conjunto de
cartas suas). Permaneceu em Milão até 1361, quanto partiu para Veneza. Em
1368 foi viver na cidade de Pádua — onde nasceu Marsílio —, na vinha Arquà,
onde passou os últimos anos de vida. Faleceu um dia antes de completar 70
anos, em julho de 1374.
Entre suas obras mais reconhecidas podemos citar além de Africa, o
Canzoniere (Cancioneiro) e os Trionfi (Triunfos).
O Canzoniere está dividido em duas partes:
In vita di madonna Laura
In morte di madonna Laura
Sua musa é o tema principal da obra, escrita em língua italiana vulgar4. A
obra entrou para o cânone da lírica. O lento abandono do latim na literatura
foi uma das marcas da Filosofia humanista.
Nos Triunfos, sua musa será a guia e até mesmo o motivo da viagem do poeta
pelo reino do Além. Esta obra foi escrita em italiano, para que pudesse atingir
maior número de pessoas.
A estrutura se assemelha com aquela da Divina Comédia (estudada na aula
9), influenciada pelas visões (visio) medievais, além de ser escrita também
em terza rima, em versos decassílabos, como fizera Dante em sua obra.
1. Triunfo do Amor
2. Triunfo da castidade
 3. Triunfo da morte

4. Triunfo da fama

5. Triunfo do tempo

6. Triunfo da eternidade

Além de seus poemas, Petrarca iniciou uma meticulosa pesquisa de textos da

Antiguidade clássica nas bibliotecas por onde passou:

De Consolatione,
de Sêneca

Naturalis Historia de Plínio,

o velho

Fedon,
de Platão

Pro Archia,
de Cícero
Petrarca ainda participou da primeira tradução latina de Homero.
O humanista Leonardo Bruni dedicou boa parte de seu Diálogo a afirmar a
necessidade de unir a Filosofia e a Retórica, apontando Petrarca e Cícero como
as duas figuras modelares desta síntese.
Cícero, poeta da Antiguidade, teria — segundo Bruni — trazido a Filosofia da
Grécia para a Itália bebendo no “rio da eloquência”, já Petrarca teria sido
aquele que restaurou os Studia Humanitatis, quando pareciam ter
desaparecido, mostrando o caminho para os humanistas que o sucederam.
Giovanni Boccaccio
Foi outro importante nome do movimento humanista. Não se sabe ao certo se
Boccaccio nasceu na cidade de Florença ou, mais possivelmente, em Certaldo,
ambas na região da Toscana, na Itália, no ano de 1313.
Seu pai, um importante banqueiro e homem de negócios, se transferiu com a
família para Nápoles quando tinha quatorze anos.
1330
Começou a cursar direito no Estudio napolitano. Ali teve aulas entre 1330 e
1331 com Cino da Pistoia, famoso por seus conhecimentos de leis e um dos
amigos mais próximos de Dante Alighieri com o qual compartilhou poemas no
Doce estilo novo (estudado na aula anterior).
Cino da Pistoia foi mais que um mestre das leis para Boccaccio, sua figura
ficaria também associada ao afeto por Dante que nutriu durante toda a vida.
Em Nápoles, Boccaccio frequentou a Corte de Roberto d’Angiò e foi
influenciado pelo monge agostiniano Dionigi di Borgo San Sepolcro, que
orientaria seu interesse poético na direção de Petrarca — seu grande modelo
ao lado de Dante.
1341
Boccaccio foi viver em Florença, tendo a oportunidade de estreitar sua
amizade com Francesco Petrarca e se dedicar ao estudo e às cópias da obra
de Dante.
A musa de Boccaccio foi Fiammetta, por quem ele se apaixonou e de quem
exaltou a beleza em sonetos e canções, especialmente no Filocolo, livro da
juventude no qual narra seu primeiro encontro com a amada, utilizando as
referências do encontro de Dante com Beatriz descrito em Vida Nova.
Contudo, distintamente de Beatriz e de Laura, musa de Petrarca, Fiammetta
retribuiu o amor do poeta.
 TEXTO MAIS FAMOSO A narrativa aparece como uma tentativa de sobreviver ao caos que tomou
conta da cidade. Chama a atenção o caráter mundano da obra — para além
Foi o Decameron, escrito durante o surto de Peste Negra que atingiu Florença das críticas à Igreja corrompida, Boccaccio transmite o lado humano da vida
em 1348. em sociedade, suas contradições e conflitos retirando da esfera divina as
soluções dos impasses humanos, deixando para trás a tradição medieval da
narrativa edificante, que servia de exemplo para a ação dos homens. Aparece
CEM NOVELAS em Boccaccio a fortuna, com sua força sobre a vida dos homens. Assim,
Boccaccio se refere a esse tema importante durante o Renascimento.
Assim como a Divina Comédia é composta por cem cantos, o Decameron
possui cem novelas, escritas em dialeto toscano. Com a novela Decameron, surge um novo gênero literário, que de certo modo
engloba uma variedade de gêneros narrativos anteriores, como:

Decameron
O fabilau medieval

Encontro inesperado
A lenda
Em Florença, durante a peste negra de 1348, dez jovens se encontram — um
encontro governado pelo acaso — na igreja de Santa Maria Novella.
O milagre

Cantar, dançar e contar histórias

A casuística de amor dos tratados e da lírica cortesã

São sete moças e três rapazes que, para fugir da pestilência e da aridez
decorrente da vida na cidade, decidem retirar-se para uma vila nas vizinhas
montanhas de Fiesole, para, em amena convivência, em um jardim que, para
As crônicas e as anedotas florentinas
alguns estudiosos remeteria à Filosofia de Epicuro, passar os dias entre cantos
e danças, e a contar histórias: as novelas.

Destacaremos aqui alguns trechos iniciais da obra.

As novelas

Desse modo, o Decameron narra essas novelas com temas variados sempre
conectadas pela história dos jovens em Fiesole. A estadia em Fiesole dura
duas semanas, e são dez os dias dedicados às narrativas.

O livro reflete uma linguagem doce e delicada, embora comece de forma

trágica, descrevendo os horrores da peste que destruiu a cidade de Florença.
A doença subverte a ordem moral e civil, anula a autoridade da lei, quebra
todas as barreiras e defesas, invadindo e dissolvendo todos os ambientes
sociais; os sobreviventes são vítimas do medo.
 Primeira Jornada
“Digo, pois, que os anos da frutífera encarnação do Filho de Deus já haviam
chegado ao número 1348 quando, na insigne cidade de Florença, a mais bela
de todas as da Itália, ocorreu uma peste mortífera, que — fosse ela fruto da
ação dos corpos celestes, fosse ela enviada aos mortais pela justa ira de Deus
para correção de nossas obras iníquas — começara alguns anos antes no lado
oriental, ceifando a vida de incontável número de pessoas, e, sem se deter,
continuou avançando de um lugar a outro até se estender desgraçadamente
em direção ao ocidente.
vida louvável, deslustrem de algum modo a honra das valorosas senhoras com
palavras indecorosas. No entanto, para que adiante seja possível entender
sem confusão aquilo que cada uma disse, pretendo designá-las com nomes
ajustados no todo ou em parte às suas respectivas qualidades: a primeira,
que era a mais velha, será chamada Pampineia; a segunda, Fiammetta;
Filomena será a terceira; e a quarta, Emília; Lauretta será o nome da quinta;
e o da sexta, Neifile, sendo a última chamada Elissa, não sem razão.”

E, de nada havendo servido os saberes e as providências humanas, como a

limpeza das imundícies da cidade por funcionários encarregados de tais Atividade
coisas, a proibição de entrada dos doentes e os muitos conselhos dados para
a conservação da salubridade, e tampouco encontrando efeito as humildes 1) Aponte alguns elementos da Filosofia humanista que estão presentes
súplicas feitas a Deus pelos devotos, não uma vez, mas muitas, em procissões nos autores analisados durante esta aula.
e de outros modos, era já quase início da primavera do ano acima quando
começaram a manifestar-se de maneira prodigiosa seus horríveis e dolorosos
efeitos. Não se manifestavam como na parte oriental, onde expelir sangue
pelo nariz era sinal manifesto de morte inevitável, mas começavam com o
surgimento de certas tumefações na virilha ou nas axilas de homens e
mulheres, algumas das quais atingiam o tamanho de uma maçã comum e 2) Explique por qual motivo a noção de um fim da humanidade na Terra,
outras o de um ovo, umas mais e outras menos, e a elas o povo dava o nome defendido por Marsílio de Pádua, chamou a atenção dos estudiosos de
de bubões [...]” Filosofia política.

“A mim mesmo desagrada ficar ruminando demoradamente tais misérias: por

isso, desejando agora deixar de lado aquelas que posso oportunamente evitar,
direi que, estando nossa cidade em tal situação, quase vazia de habitantes,
certa terça-feira pela manhã, conforme fiquei sabendo por pessoa digna de fé,
na venerável igreja de Santa Maria Novella, onde não havia quase mais
ninguém, sete donzelas assistiam aos divinos ofícios em trajes lutuosos, como
a tal momento convinha; eram elas unidas entre si por amizade, vizinhança
ou parentesco, nenhuma delas passara dos vinte e oito anos nem estava
abaixo dos dezoito, sendo todas sérias, de sangue nobre, formosas e dotadas
de bons costumes e elevada dignidade. Seus nomes eu declararia na forma
devida, caso não tivesse boas razões para deixar de fazê-lo, e as razões são
as seguintes: não quero que, ouvindo no futuro as coisas que narraram (e que
seguem adiante), alguma delas venha a sentir-se envergonhada, visto que
hoje são um tanto estritas as leis que regem o divertimento, ao passo que
então, pelos motivos acima descritos, eram relaxadas, não só para a idade
delas, como também para idades muito mais maduras; também não quero
dar ocasião para que os invejosos, sempre prontos a criticar toda e qualquer
 A cidade se localiza na região do Vêneto, ao noroeste da Península Itálica. Sede da
Universidade de Pádua que foi fundada em 1222, uma das mais antigas do mundo.
3) Sobre o Humanismo, identifique a alternativa falsa:
2
Gibelinos na Itália
a) Em sentido amplo, designa a atitude de valorização do homem, de
seus atributos e realizações. Marsílio esteve vinculado a Cangrande della Scala di Verona, ao qual havia se ligado
b) Configura-se na máxima de Protágoras: “O homem é a medida de Dante Alighieri em período anterior.
todas as coisas”.
Império e o Papado 3
c) Opôs-se terminantemente à religião cristã que dominava a
sociedade europeia.
d) Designa tanto uma atitude filosófica quanto um período especifico
O conflito entre o Papado e o Império havia se restabelecido com a eleição de
da evolução da cultura ocidental.
Ludovido da Baviera, que disputou com Frederico de Habsburgo e teria saído
e) Fundamenta-se na noção bíblica de que o homem é pó e ao pó
vencedor. Frederico e seus apoiadores também se disseram vencedores e defenderam
retornará, e só a transcendência liberta o homem de seu insignificância
o posto imperial. Após disputas bélicas, foram em busca do Papa João XXII que
terrena.
acabava de ser eleito. Contudo, Ludovico passou a apoiar os Gibelinos (partidários do
poder imperial) na península ibérica e, com isso, conquistou a inimizade do Papa.

4
Italiana vulgar

Vulgar no sentido de língua falada, posto que a obra segue os padrões cultos da
poesia.
4. Além dos temas cristãos, herdados da Idade Média, o humanismo
Arezzo 5
incorporou decisivamente outros elementos:

Localizada na região da Toscana, na Itália, onde também se encontra Florença, um

a) Os elementos da cultura persa.
dos grandes centros do movimento renascentista italiano.
b) Os elementos da cultura clássica, grega e romana.
c) Os fundamentos teológicos dos heréticos, como os de marcião. Referências
d) As estruturas do pensamento de confúcio.
e) As estruturas do pensamento de buda.
PÁDUA, Marsílio de. O defensor da Paz. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

PETRARCA, Francesco. Triunfos. São Paulo: Hedra, 1996.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:

Companhia das Letras, 1996.

Notas Explore mais

Pádua 1
Pesquise na internet sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto.
Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos
disponíveis no ambiente de aprendizagem.

Leia os textos:

Decameron, de BOCCACCIO Giovanni Boccaccio.

O defensor da Paz, de Marsílio de Pádua.