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PAOLO SARPI, “O SERVITA”

Herege ou santo?
Pelo Me. José Aparecido Gomes Moreira*
Austin, Texas/USA

Il fine dell’uomo, come d’ogni’altro animato, é vivere –


Paolo Sarpi, in: Pensieri sulla Religione.

Síntese: Uma das figuras mais controvertidas da História da Igreja ca-


tólica e situada no contexto político-religioso que desembocou na Re-
forma protestante do século XVI é a do frade servita veneziano Paulo
Sarpi. É de sua autoria a História do Concílio de Trento publicada em Lon-
dres, em 1619, sob o pseudônimo de Pietro Soave Polano, para burlar
a Inquisição. Embora reconhecida como a obra da historiografia ecle-
siástica mais importante dos inícios do século XVII, só foi retirada do
Índice dos Livros Proibidos, juntamente com as demais obras ali citadas,
após a conclusão do Concílio Vaticano II, pelo papa Paulo VI. Embora
de grande atualidade ao aproximar-se o quarto centenário da publicação
de seus escritos, a contribuição de Sarpi ao pensamento político, teoló-
gico e econômico continua insuficientemente reconhecida. Recentes e
inovadores estudos, contudo, prometem contribuir para reparar o mul-
tissecular e quase intencional silêncio ou esquecimento.
Palavras-chave: Paulo Sarpi. Concílio de Trento. Reforma protestante.
Inquisição romana. Concílio Vaticano II.
Abstract: One of the most controversial figures in the history of the
Catholic Church since the political-religious movement that led to the
Protestant Reformation in the 16th century, Servite Friar Paolo Sarpi,
the Venetian, authored of a History of the Tridentine Council publi-
shed in London in 1619 under the pseudonym of Pietro Soave Polano
to circumvent the Roman Inquisition. Recognized as the most impor-
tant piece of the early 17th century ecclesiastical historiography, it was
removed by Pope Paul VI from the Index of Forbidden Books, toge-
ther with all his other writings, only after the Second Vatican Council

* O Autor, nascido em São José dos Campos, SP, é ex-servita, com dois filhos: Sérgio e Samuel. Es-
tudou Filosofia e Teologia em Buenos Aires e em São Paulo; fez mestrados em História e Etno-história,
e Estudos Latino-americanos, na cidade do México. Ex-membro da CEHILA (Comissão de Estudos de
História da Igreja na América Latina), atualmente colabora com Ameríndia (www.amerindiaenlared.org)
e trabalha na Secretaria de Saúde do Estado do Texas, em programas binacionais de saúde pública, na
fronteira com o México. É Autor de Conquista y Conciencia Cristiana. El pensamiento indigenista y jurídico-
-teológico de Don Vasco de Quiroga (+1565). Quito-México; Abya-Yala-MLAL, 1990 e 1992.
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in the middle of the 20th century. Despite approaching the fourth cen-
tennial anniversary of the release of his writings, Sarpi’s contribution
to the political, theological, and economic thought of his time con-
tinues to be insufficiently recognized. Recent and innovative studies,
however, promise to repair a multi-secular and quasi-intentional silence
or obliviousness.
Keywords: Paul Sarpi. Tridentine Council. Protestant Reformation.
Roman Inquisition. Second Vatican Council.

Este artigo apresenta, brevemente, a figura de Paulo (Paolo) Sar-


pi (1552-1623),1 um grande intelectual humanista e reformador de seu
tempo. Por seus escritos e suas funções como Consultor político-teo-
lógico da República de Veneza durante e após o “Interdito de Veneza”
pelo Papa Paulo V (1606-1607), foi vítima de vários atentados enco-
mendados pela Cúria romana, dos quais conseguiu escapar com vida.
Sua principal obra, e a mais extensa, a História do Concilio Tridentino, foi
recebida com entusiasmo por um amplo setor da cristandade europeia,
composto tanto de católicos como de protestantes e reformados, uma
vez que representava o pensamento e o sentimento político-religioso
daqueles que esperavam um resultado muito diferente desse Concilio.
Além de não ter realizado uma autêntica reforma na cabeça e nos membros
e de ter falhado em seu propósito original de “reconciliar” os cristãos,
Trento, para Sarpi, veio selar o absolutismo eclesial, através do cresci-
mento e da consolidação do poder religioso e temporal do papado e do
papel que a Cúria romana exerceria no futuro como árbitro da fé.
Se, depois de pouco mais de meio século da conclusão do Concilio
de Trento, uma sua recepção crítica alcançou seu auge com a publica-
ção da Istoria del Concilio Tridentino, em 1619, é possível que, em ordem
reversa, o longo “inverno eclesial” pós-Concilio Vaticano II esteja, fi-

1. O encontro do grupo OSMeninos do Turvo (sic), colegas ex-seminaristas da Ordem dos Servos
de Maria (OSM) no Brasil, realizado nos dias 10 e 11 de janeiro de 2015, na pequena cidade de Turvo,
Estado de Santa Catarina, serviu-me, literalmente, de pré-texto para focar a atenção no estudo do
pensamento de Paolo Sarpi, um dos personagens mais significativos, não só da história da OSM, mas,
com certeza, da história do mundo ocidental europeu, num de seus períodos mais críticos e criativos
como foi o dos séculos XII-XVII, séculos de grandes transformações político-econômicas, jurídicas e
religiosas que se encontram no cerne das instituições do mundo moderno e contemporâneo, em sua
mais recente etapa da “globalização” capitalista. Agradeço aos organizadores desse encontro a inclusão
da experiência deste ilustre servita, como um dos subsídios para a reflexão sobre “participação cidadã”
no processo político, econômico, social e religioso do Brasil atual, tema geral do painel.
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nalmente, dando lugar à primavera da reforma in capite tão desejada por


muitos, pelo menos desde o século XIV, acompanhada de uma nova e
mais radical “reforma” in membris, com a reconciliação entre cristãos
e não cristãos e da humanidade com o planeta, sua casa natural. Talvez
a experiência sarpiana nos ofereça algumas luzes nesse sentido. É o que
tentamos verificar nas páginas que seguem.

Menino prodígio
Nascido em Veneza, a Sereníssima, em 14 de julho de 1552, com o
nome de Pietro, “Pierino”, e falecido em 15 de janeiro de 1623, Sarpi,
ao receber o hábito servita aos 13 anos de idade, no dia 24 de novem-
bro de 1566, na comunidade de Santa Maria dei Servi, recebeu o novo
nome de Paolo, costume comum nas Ordens Mendicantes, para signifi-
car uma mudança total de vida ao adotar o hábito religioso.
Conta seu principal biógrafo, Fulgenzio Micanzio, que no dia se-
guinte de o menino Sarpi ter recebido o hábito dos Servos, havendo
uma Disputatio, ou seja, um debate público, anual e solene, na igreja de
Santa Maria dei Frari, da Ordem dos Franciscanos Menores, em Veneza,
pediram-lhe para argumentar contra as teses propostas no debate. No
começo da disputa, “causou muita graça entre os participantes”, porque,
no momento da troca de cortesias que se faziam entre os “disputantes”,
o menino, não se recordando que estava vestido com outra roupa, pen-
sava em retirar o boné (berretta), quando, na realidade, retirava o capuz
(cappuccio), ficando com ele na mão o resto do tempo da disputatio.
Outros debates públicos se seguirão ao longo dos seus anos de jo-
vem estudante, preparando-o para defender-se da Inquisição romana
ante futuras acusações de heresia.

Um pré-iluminista
Embora nos anteceda precisamente por quatro séculos, Sarpi viveu,
como muitos de nós, na intersecção entre dois séculos marcados por
grandes mudanças em todas as áreas do conhecimento e da tecnologia
e, ao mesmo tempo, de grandes crises institucionais, entre elas na pró-
pria Igreja católica.
Como filósofo, historiador, economista e teólogo jurista, não vê
conflito entre as ciências modernas e a teologia escolástica, tendo sido
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reconhecido como um precursor do movimento ilustrado desenvolvido


no século XVIII, autor, entre outras, da primeira obra da historiogra-
fia eclesiástica moderna, a Istoria del Concilio Tridentino; de uma história
econômica da Igreja – o Tratado dos benefícios eclesiásticos –, além de uma
História da Inquisição na cidade e domínios de Veneza.
Seu pensamento filosófico e teológico se encontra em Pensieri Filo-
sofici e Sulla Religione, assim como em sua obra magna sobre o Concílio
de Trento (1545-1563), um dos maiores eventos político-religiosos da
Europa daquele século, cuja última sessão, concluída em dezembro de
1563, transcorreu ainda na infância de Sarpi, então com 11 anos de idade.
O interesse de Sarpi pelo conhecimento humano não se limitava,
portanto, às “ciências humanísticas”, como hoje as designamos, mas
incluía a matemática, a medicina, além da astronomia, ciência moderna
que provavelmente mais tenha influído no nascimento de uma nova e
radical maneira de a humanidade relacionar-se com o mundo físico ao
seu redor, com leis materiais internas próprias e aplicáveis a todo o uni-
verso. A obra de Nicolau Copérnico, De Orbium Coelestium Revolutionibus,
aparecida em 1543, foi uma das primeiras em que se utiliza o método
experimental científico moderno, destinada a revolucionar a maneira de
a humanidade ver a si própria, o universo do qual é parte e a seu Deus.
Durante o Capítulo Geral da Ordem, realizado em Mântua, em
1567, o jovem Sarpi, então com 16 anos de idade, é nomeado teólogo
da cidade pelo duque Guilherme Gonzaga. Em outubro de 1568, rea-
liza sua segunda Disputatio, desta vez sobre o controvertido tema “O
poder do Papa e dos Concílios”.
Data provavelmente dessa época sua familiarização com o pensa-
mento do grande místico e filósofo-jurista francês Jean Gerson (1363-
1429), chanceler da Universidade de Paris, ainda hoje insuficientemente
conhecido e valorizado na história do pensamento político-religioso.
O “clima” político-religioso desses anos não foi menos marcado
pela violência. Em 1569, os judeus são expulsos, pela primeira vez, dos
Estados Pontifícios. Em 1570, o humanista Aonio Paleario é decapi-
tado, e, em 1572, no mesmo ano em que Sarpi completava 20 anos
de idade e proferia sua profissão solene na Ordem, ocorria em toda a
França o Massacre de São Bartolomeu, onde perece um sem-número de
“huguenotes”, ou protestantes calvinistas franceses.
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Esses acontecimentos não passavam despercebidos ao jovem servi-


ta, que observava o avanço da lógica perversa da intolerância no confli-
to político-religioso de seu tempo.

Primeira denúncia à Inquisição


Em 1573, Sarpi é denunciado por primeira vez como herege ao
Tribunal da Inquisição romana por um confrade, “um tal de Claudio”,
supostamente por ter afirmado que o dogma da Santíssima Trindade
não pode ser deduzido do capítulo primeiro do Gênesis. Sua contra-ar-
gumentação foi aceita pelos jurados, ocasião em que Sarpi comprovou
que o acusador desconhecia a língua aramaica e que, portanto, era in-
capaz de fazer uma adequada exegese do capítulo bíblico em questão.
Em 1574, Sarpi foi convidado pelo futuro São Carlos Borromeu a
ajudá-lo na implementação das reformas tridentinas na cidade de Milão.
Contudo, possivelmente por não concordar com o estilo autoritário do
arcebispo, não permanece muito tempo nessa cidade.
No ano seguinte, regressa a Veneza para ensinar filosofia a seus
confrades e continua com seus estudos científicos. Ao chegar naquela
cidade, depara-se com uma grande peste que faz 50 mil vítimas, entre
elas sua própria mãe.
Em 1578, conclui o doutorado em teologia pela Universidade de
Pádua. É nomeado prior do convento de Veneza e, durante o Capítulo
Geral realizado em Parma, foi escolhido, com outros dois confrades,
para preparar a reforma da Regra da Ordem, conforme as recomenda-
ções do Concílio Tridentino.
Em 1579, com 27 anos de idade, é eleito prior provincial da provín-
cia Vêneta. Entre 1585 e 1588, como procurador geral para defender a
Ordem de litígios, transfere-se para Roma, onde se torna amigo do je-
suíta Roberto Bellarmino, futuro cardeal, através de quem obtém aces-
so a documentos pontifícios do Concílio de Trento e conhece outras
personalidades, entre elas, a do cardeal Giovanni Battista Castagna, fu-
turo papa Urbano VII, e Martin de Azpilcueta,2 conhecido como doctor

2. Nascido em Barásoian, Reino de Navarra, Martín de Azpilcueta Jaureguízar (1492-1586) estu-


dou teologia e filosofia na Universidade de Alcalá e Direito Canônico na Universidade de Toulouse.
Ao regressar à Espanha, foi catedrático na Universidade de Salamanca por 14 anos e por 16 anos na
Universidade de Coimbra. Entre suas obras de direito canônico e de teologia moral se encontram várias
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Navarrus, famoso teólogo-jurista e economista espanhol, defensor do


arcebispo de Toledo, Bartolomé Carranza3 (1503-1576), que tinha sido
acusado de heresia pela Inquisição espanhola e romana.

Com Giordano Bruno e Galileu


De regresso a Veneza, em 1589, Sarpi frequenta círculos de inte-
lectuais e conhece o frade dominicano Giordano Bruno, condenado
pela Inquisição e executado na fogueira, em Roma, aos 17 de fevereiro
de 1600. Em Pádua, conhece a Galileu Galilei, com quem estabelecerá
duradoura amizade,4 e a outros homens “perigosos” para o status-quo
político-religioso liderado por Camilo Borghese, o Papa Paulo V, seu
coetâneo e também seu principal inimigo.
São testemunhas dessa amizade, por exemplo, os afrescos de Giu-
sepppe Bertini (1825-1898) e de Luigi Sabatelli que se encontram na Tribu-
na di Galileo, no Museo della Specola, em Florença, nos quais aparece a figura
inconfundível de Paolo Sarpi entre os acompanhantes, durante a demons-
tração do telescópio por Galileu Galilei ao Doge e ao Senado de Veneza.
Em 1594, Sarpi é vítima de uma segunda denúncia à Inquisição,
feita novamente por um confrade, desta vez o próprio Padre Geral da
Ordem, Gabriele Dardano. Durante o Capítulo Geral desse ano, entre
dois candidatos para Padre Geral, Paolo Sarpi havia escolhido seu opo-
sitor, Lelio Baglioni.
Ao ser eleito, Dardano, levado pelo rancor, denunciou Sarpi ao
Tribunal do Santo Ofício, por ter, supostamente, negado a eficácia do
Espírito Santo e ter tido encontros suspeitos com os judeus de Vene-
za. Mas, graças a Giulio Antonio Santori, protetor da Ordem e então

dedicadas à economia: De usuras y simonía (1569); Tratado sobre las rentas de los beneficios eclesiásticos, De re-
dditibus beneficiorum ecclesiasticorum..., (Valladolid, 1566); Comentario resolutorio de cambios; Enajenación
de las cosas eclesiásticas; Comentario sobre los expolios de los clérigos, que, certamente, exerceram influência no
pensamento teológico-econômico de P. Sarpi. Suas obras completas foram publicadas em Veneza, em
1598, com o título de Compendium horum omnium navarri operum (ver biografia em Wikipedia).
3. Não menos ilustre que Azpilcueta, o arcebispo Bartolomé Carranza, teólogo jurista da Ordem
de Santo Domingo e influente participante do Concílio de Trento, havia participado também da famosa
Controversia de Valladolid, em 1550, em que outro dominicano, frei Bartolomé de las Casas, e o teólogo-
-jurista Juan Ginés de Sepúlveda debatiam sobre a guerra “justa” de conquista das Américas e o direito
dos naturais (indígenas). Os três processos contra o arcebispo de Toledo, um na Espanha e dois em
Roma, duraram quase 20 anos para serem resolvidos, por fim, a seu favor, infelizmente a poucas sema-
nas antes de morrer na mesma cidade de Roma.
4. Sobre a ajuda de Sarpi a Galileu na invenção e demonstração desse instrumento, em Veneza, ver
introdução de Albert van Helden à obra de Galileu, Sidereus nuncius or the sidereal messenger, p. 4-6.
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prefeito da Sagrada Congregação do Santo Ofício, conseguiu livrar-se


da acusação.
A Inquisição romana já não era uma instituição muito recente em
Veneza naquele fim de século. Havia sido introduzida por Giovanni
Della Casa, quando núncio papal nessa cidade, durante a década de
1540, como conta Brian Pullan, no livro The Jews of Europe and the Inqui-
sition of Venice – 1550-1670, período que cobre a vida de Sarpi.

O Interdito Papal de Veneza (1606-1607)


Durante o pontificado do Papa Paulo V (1605-1621), ocorreu o
maior conflito já registrado entre a República de Veneza e o Papado, e
o de maior duração. Assinala-se como origens imediatas desse conflito,
a proibição feita pelo Senado de Veneza, a 10 de janeiro de 1604, de
fundar hospitais dirigidos por eclesiásticos, mosteiros, igrejas e outros
lugares de culto, sem a autorização do mesmo. A 26 de março de 1605,
outra lei proibia a alienação dos bens imóveis de leigos a eclesiásticos,
que, sendo apenas 1% da população, já eram proprietários de quase a
metade dos bens fundiários da República.
Essa mesma lei limitava a competência do foro eclesiástico e des-
protegia a dois clérigos, um de nome Saracena, canônico de Vicenza,
e outro de nome Valdemiro, abade de Nervesa, acusados de “crime
atroz” (Campbell). Como a Igreja romana insistia em reconhecer ape-
nas um sistema jurídico, o do Direito Canônico, não podia aceitar a
jurisdição de um tribunal secular, sobretudo em relação a eclesiásticos.
O Papa Paulo V reage, lançando um Interdito contra a República de
Veneza nos anos 1606-1607, o que, na prática, significava a excomu-
nhão de toda a população da República com a Igreja e, portanto, de
seus sacramentos. É fácil avaliar a eficiência desse método político-re-
ligioso destinado a compelir à submissão de um governo soberano de
país católico aos interesses, maiormente políticos, do Papa e da Cúria
romana. Resistir a um Interdito, declarando-o nulo, era então impen-
sável, tanto por parte dos governos católicos, como por parte dos Vi-
gários de Cristo, que recorriam a essa “arma irresistível” para “a maior
glória de Deus” ou “o maior poder da Igreja”, o que, no contexto da
Cristandade, significava a mesma coisa.5
5. TROLLOPE, T. A. Paul the Pope and Paul the Friar. A Story of an Interdict. Portrait, post 8vo.
cloth, 10s, 1861.
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Não era a primeira vez que Veneza, em sua longa história de or-
gulhosa autodeterminação, sofria uma intervenção externa, provinda
do maior poder imperial da Idade Média. Para responder com eficácia,
Paolo Sarpi é nomeado Teólogo Consultor da República, no dia 28 de
janeiro de 1606, e, em maio do mesmo ano, inicia seu trabalho, publi-
cando dois textos de Jean Gerson, reunidos num pequeno volume sob
o título de: Trattato e resoluzione sopra la validità della scomunica (“Tratado
e resolução sobre a validade da excomunhão”) e, pouco depois, com a
edição coletiva do Tratatto del’Interdetto.6 Estava inaugurada a guerra das
escrituras entre a Cúria romana e a Sereníssima, destinada a ter conse-
quências inesperadas para ambos os lados da contenda.

A excomunhão e os atentados contra sua vida


Pouco depois de assumir esse cargo político, em 18 de abril do mes-
mo ano, Sarpi é citado, pela terceira vez, para comparecer em Roma pe-
rante a Inquisição. Em 25 de novembro de 1606, diz estar pronto para
o julgamento, mas exige que este ocorra num lugar seguro. Em 5 de
janeiro de 1607, o Santo Ofício emite contra Sarpi a excomunhão latae
sententiae, ou excomunhão automática, sem necessidade da sua presença
física ao julgamento.
Novamente, em setembro do mesmo ano, depois de em vão tentar
atrair Sarpi a Roma, o Papa coloca-lhe um “contrato” sobre sua vida,
isto é, encomenda sua morte. Na noite de 5 de outubro de 1607, regres-
sando de São Marcos, onde trabalhava, ao convento de Santa Fosca,
onde morava, Sarpi é abordado por cinco assassinos e agredido com
três golpes de estilete no pescoço. Tido como morto, foi abandonado
no local.
Michiel Viti, sacerdote e “falso amigo”, havia atuado como espião.
Os “sicários” encontram refúgio imediato na casa do núncio pontifício
em Veneza e, no dia seguinte, embarcam para Roma. O executor mate-
rial, Rodolfo Poma, mercador veneziano, foge para Nápolis e daí para

6. O título completo é: Tratatto del’Interdetto della Santità di Paulo V, nel quale si dimostra, che egli non
è legitimamente publicato, & che per molte ragione non sono obligati gli Ecclesiastici all’essecusione di esso, ne possono
senza peccato osservarlo. Composto pelos seguintes teólogos: Pietr’Antonio, arquidiácono e vigário geral
de Veneza; Frei Paulo [Sarpi], da Ordem dos Servos, teólogo da Sereníssima República de Veneza;
Frei Bernardo Giordano, menor observante, teólogo; Michel’Agnolo, menor observante, teólogo; Frei
Mar’Antonio Capello, menor conventual, teólogo; Frei Camillo, agostiniano, teólogo; Frei Fulgenzio
[Micanzio], da Ordem dos Servos, teólogo. Veneza: Edição Roberto Meietti, 1606.
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Roma, tornando-se íntimo amigo do cardeal Scipione Borghese, Secre-


tário de Estado, e de seu tio, Camillo Borghese, o próprio Papa Paulo V.
No entanto, por sorte e graças à perícia de seus médicos, liderados
pelo famoso cirurgião e embriólogo, Girolamo Fabrizio (1537-1619),7
conhecido como Acquapendente, Sarpi sobrevive ao atentado. Ao des-
pertar da intervenção cirúrgica para retirar o punhal incrustrado no crâ-
nio comenta com humor: Agnosco stilum romanae Curiae (“Reconheço o
estilo da Cúria romana”), brincando com o duplo sentido da palavra
latina que pode tanto significar estilo como estilete!
Depois do atentado, Sarpi “declinou uma oferta do Senado de Ve-
neza de uma casa em São Marcos, onde pudesse morar com segurança.
O padre estava decidido a não mudar seu estilo de vida, e suplicou para
continuar morando no mosteiro entre seus frades, com quem tinha vivi-
do até aquela idade”.8 Porém, em janeiro de 1609, dois confrades fazem
copia da chave de seu quarto, para que dois ou mais sicários o “trucidas-
sem”. No entanto, uma vez mais escapa ileso, após descobrir o plano.
Em 1616, ao tomar conhecimento da primeira condenação sofri-
da por seu amigo Galileu Galilei, depois de três interrogatórios, Sarpi
comenta profeticamente: “Virá o dia, e estou quase certo, em que os
melhores homens de estudo vão deplorar a desgraça de Galileu e a in-
justiça feita a tão grande homem”.

A História do Concílio Tridentino


Em 1619, utilizando o pseudônimo de Pietro Soave Polano, um
acrônimo de seu nome, para evitar a censura eclesiástica, Sarpi pu-
blica, em Londres, em língua italiana, sua Istoria del Concilio Tridentino,
destinada a ser a primeira grande obra da historiografia eclesiástica
moderna, na apreciação do maior historiador inglês do século XVIII,
Edward Gibbon, autor do mundialmente conhecido Declínio e queda do
Império Romano.
7. Conhecido como “Acquapendente”, por seu lugar de nascimento nas imediações de Pádua, em
1608, Girolamo foi nomeado Cavaliere di San Marco (Cavaleiro de São Marcos), ordem cavalheiresca
mais importante da Sereníssima República de Veneza, “por ter curado Paolo Sarpi”. Ver artigo so-
bre Girolamo Fabrici, em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Girolamo_Fabrici_d%27Acquapendente>.
Acesso em 24/04/2015.
8. Sigo de perto, aqui e no parágrafo anterior, a narrativa do biógrafo Fulgenzio Micanzio, na
síntese proporcionada por DAL PINO, F.A. (Org.). Fonti storico spirituali dei Servi di Santa Maria, vol.
III/1, 2008, p. 217; texto disponível em <http://servidimaria.net/sitoosm/it/risorse/documenti/
fonti/vol%203/fonti_iii_1.pdf>. Acesso em 24/04/2015.
646 J.A.G. Moreira. Paolo Sarpi, “O Servita”

Nessa obra, Sarpi “revela todos os artifícios da Corte romana para


impedir que se simplificasse a verdade dos dogmas e fossem tratados os
assuntos de reforma do papado e da Igreja”, como era desejo de Lutero
e de tantos outros reformadores. Não sem motivos, David Wooton,
numa pintura que lhe manda fazer, em Oxford, identifica-o como Pau-
lus Sarpius Venetus. Concilii Tridentini Eviscerator.
O têrmo eviscerator (eviscerar, destrinchar) denota o propósito do
autor de revelar as verdadeiras intenções de um Concílio que conse-
gue inverter o objetivo histórico desse “antiquíssimo costume na Igreja
cristã de aquietar as controvérsias em matéria de religião e reformar a
disciplina..., sendo este o único remédio para superar as divisões e fazer
concordar as opiniões contrárias”,9 ou seja, realizando sua função de re-
conciliar as partes, como vinha fazendo desde o primeiro concílio, o de
Jerusalém. O sentido figurativo do verbo latino eviscerare, utilizado pela
primeira vez a princípios do século XVII, era o de “extrair” os segredos
mais profundos, ou, literalmente, tirar as “vísceras” para fora.
Também o grande poeta inglês e contemporâneo de Sarpi, John
Milton, autor de Paradise Lost (Paraíso perdido), chama-o de “o grande
desmascarador do Concílio Tridentino”.
Assim, a obra de Sarpi conhece prontamente uma versão latina, em
1621, e sucessivas edições nas demais línguas europeias, como o inglês,
o francês e o alemão, faladas por um maior número de protestantes e
reformados.10
Nas primeiras páginas dessa obra, Sarpi apresenta seu método de
pesquisa histórica da seguinte forma:
Tão logo adquiri gosto pelas coisas humanas, fui tomado de uma gran-
de curiosidade de saber por completo [sobre o Concílio] e, depois de
ter lido com atenção o que encontrei por escrito e os documentos pú-
blicos saídos na imprensa ou divulgados em manuscrito, me dediquei a
investigar as anotações feitas pelos prelados e outros que intervieram
no Concílio, as memórias deixadas por eles e os votos ou pareceres
ditos em público, conservados pelos próprios autores e por outros, e
os anúncios escritos por aquela cidade [de Trento], não importando a

9. SARPI, Fra Paolo. Istoria del Concilio Tridentino. T. I. Mendrisio: Angelo Borella e Com., 1835,
p. 2-3
10. Talvez uma das reedições mais recentes em italiano seja a de 1974, pela editora Einaudi, de
Turim, acessível em <http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_6/t147.pdf>. Acesso em
30/04/2015.
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fadiga nem faltando o cuidado, onde tive a graça de ver algum registro
completo de anotações ou cartas e pessoas que tiveram grande parte
naqueles manejos. Tendo, portanto, recolhido tantas coisas que me po-
dem fornecer material suficientemente abundante para a narrativa do
desenrolar [do Concílio], tomo a resolução de organizá-las.11
Consciente da importância transcendental desse acontecimento
para a história sociopolítica e religiosa de seu século e percebendo a
ausência de uma narrativa coerente que se ocupasse do conjunto dos
fatos e de suas “causas antecedentes”, não apenas de algum sucesso em
particular, Sarpi empreende a difícil tarefa de descrever “as causas e os
manejos de uma convocatória eclesiástica no transcurso de 22 anos [...]
que terminou obtendo um resultado todo contrário ao desejado por
aqueles que a planejaram”.
E continua:
Embora esse Concílio tenha sido desejado e buscado pelos homens pie-
dosos para reunificar a Igreja que começava a se dividir, confirmou o
cisma e obstinou as partes, tornando irreconciliáveis as discórdias; e,
tendo sido manipulado pelos príncipes no que diz respeito à reforma da
Igreja, causou a maior deformação desde a existência do nome cristão; e
ainda, embora imaginado pelos bispos para reaver sua autoridade, esta,
transferida em grande parte e tão somente ao pontífice romano, fez com
que a perdessem totalmente, reduzindo-os a meros coadjuvantes.12
Quase 40 anos depois da obra de Sarpi, o jesuíta Pietro Sforza Pal-
lavicino publicou, em 1656, a primeira parte de uma Istoria del Concilio di
Trento, em dois volumes, com a finalidade de “refutar uma história falsa,
divulgada sobre o mesmo assunto, por Pietro Soave Polano”.
Trata-se de uma obra contratada por ordem do Papa, para a qual
Pallavicino foi dispensado de seu trabalho como professor no Collegium
Romanum e se colocaram a seu dispor as informações do e sobre o Con-
cílio existentes nos arquivos secretos do Vaticano, assim como todos os
materiais anteriormente coletados por Contelorio e Alciati, historiado-
res que não tinham logrado até então cumprir com o propósito de es-

11. Idem, p. 2.
12. Idem, p. 3. Eis o texto original: ”Imperoché questo concilio, desiderato e procurato dagli uomi-
ni pii per reunire la Chiesa che comminciava a dividersi, ha così stabilito lo schisma et ostinate le parti,
che ha fatto le discordie irreconciliabili; e maneggiato da li prencipi per riforma dell’ordine ecclesiastico,
ha causato la maggior deformazione che sia mai stata da che vive il nome cristiano, e dalli vescovi spe-
rato per racquistar l’autorità episcopale, passata in gran parte nel solo pontefice romano, l’ha fatta loro
perdere tutta intieramente, riducendoli a maggior servitù”.
648 J.A.G. Moreira. Paolo Sarpi, “O Servita”

crever uma história alternativa à de Sarpi. Por essa obra, Pallavicino foi
devidamente reconhecido e premiado por seu amigo, o papa Alexandre
VII (1655-67), tendo sido feito cardeal in petto, ou seja, em privado ou
em segredo, no dia 19 de abril de 1657 e tornado público dois anos
depois, a 10 de novembro de 1659.
Para Francesco De Sanctis, importante político, crítico e historiador
da literatura italiana do século XIX, Sarpi foi um herói, cuja descrição
do Concílio de Trento como uma “deformação”, não reforma, era to-
talmente justificada.13
Segundo John W. O’Malley, atual historiador do Concílio de Tren-
to, “a questão levantada por Sarpi em sua Istoria del Concilio Tridentino
retorna inevitavelmente: foi um Concílio ‘livre’?” A essa sua pergunta
o próprio O’Malley imediatamente responde: “certamente não foi livre
no sentido Protestante, simplesmente porque foi presidido por legados
papais. Não foi livre nem no sentido em que o Concílio de Constança
foi livre, onde o principal objetivo dos prelados fora resolver o escân-
dalo de três concorrentes ao trono papal”.14 Em outro lugar de seu
recente estudo, O’Malley comenta, apropriadamente, que Paolo Sarpi
interpretou Trento “como uma estória trágica de falha de uma reforma
verdadeira e total, e o triunfo do abuso papal do poder”.15

Sua morte e o triunfo da Sereníssima República de Veneza


Ocorrida no dia 15 de janeiro de 1623, nem na morte Sarpi perma-
neceu isento de controvérsias. Para alguns, suas últimas palavras teriam
sido simplesmente: “Esto perpetua”, significando com isso o triunfo de
Veneza, a Sereníssima, como Estado secular soberano, religiosamente
tolerante e promotor das ciências modernas.
Mais a seu favor, porquanto resgata sua piedade, outro biógrafo
relata que, na manhã do dia anterior a seu falecimento, Sarpi recebeu a
visita de um médico, que lhe disse ter poucas horas de vida. Ele, sorrin-
do, teria respondido: Sia benedetto Dio! A me mi piace ciò que a Lui piace. Col
suo aiuto faremo bene anche quest’ultima azione. Outros teriam ouvido que

13. O’MALLEY, J.W. Trent and all that. Renaming Catholicism in the early modern era. Cambridge;
London: H.U.P., 2000, p. 34.
14. ID. Trent. What Happened at the Council. Cambridge: The Belknap Press of Harvard Univer-
sity Press, 2013, p. 251.
15. ID., p. 10.
REB, Petrópolis, volume 75, número 299, p. 637-657, Jul./Ago. 2015 649

repetisse várias vezes com satisfação: Orsù, andiamo dove Dio ci chiama!
A seu principal biógrafo e confrade, Fulgenzio Micanzio, teria dito, em
leito de morte, na noite anterior: Andate a riposare; ed io ritornerò, onde sono
venuto. Outras versões sobre seus últimos dias de vida o fazem aparecer
più viccino al culto protestante.
Seus restos mortais encontraram descanso final somente em 19 de
novembro de 1846,16 no Campo Santo da ilha de San Michele, ao norte
de Veneza. Um monumento em sua memória foi inaugurado, não sem
a forte e persistente oposição papal, a 20 de setembro de 1892, em
Campo Santa Fosca, próximo ao local onde sofrera o atentado de 5
de outubro de 1607, num evento essencialmente político,17 como não
poderia deixar de ser. É o que indica a própria escolha da data da inau-
guração do monumento a Sarpi, ou seja, no aniversário da derrota das
tropas pontifícias, quando, a 20 de setembro de 1870, os soldados de
Bersaglieri entraram em Roma pela “brecha” aberta por sua artilharia
na muralha que separava a “cidade eterna” dos Estados Pontifícios, a
apenas doze metros do portão conhecido como “Porta Pia”, e comple-
taram a unificação da Itália.

A atualidade de Paolo Sarpi


Surge inevitável a pergunta sobre a atualidade do pensamento e da
contribuição de Paolo Sarpi, nos inícios de um novo século, bem como
sobre a vigência de algumas questões que ocuparam nosso autor há
mais de quatro séculos, entre elas: a da relação entre verdades reveladas
como objetos de fé e conhecimento histórico-científico em permanen-
te construção; a soberania do poder secular ante o poder religioso; a
autonomia do pensamento filosófico e teológico em relação às autori-

16. Cf. ROBERTSON, A. Fra Paolo Sarpi, p. 172.


17. O folheto com o manifesto, distribuído aos venezianos, convidando para a inauguração do
monumento fazia referência a esse acontecimento histórico-político: “Cidadãos! Nesta terça-feira, 20
de setembro [1892], será inaugurado o monumento que italianos e estrangeiros levantaram a frei Paolo
Sarpi. Neste momento, quando a Península está comemorando o dia em que a Itália se tornou senhora
de si mesma, em Roma, a austera figura do nosso grande cidadão voltará, como se estivesse vivo, à vista
do povo. Deste modo, através de três séculos, o pensamento de Sarpi se conecta com o pensamento
dos tempos modernos. A independência do Estado estendeu-se dos pequenos territórios de uma região
a uma mais vasta e mais frutífera da grande Itália; e a resistência da gloriosa República [de Veneza] ao
interdito Papal tem sua consagração na brecha da Porta Pia. Cidadãos, ao convidar-lhes para a cerimô-
nia de amanhã pretendemos pagar uma dívida sagrada de reverência a um dos maiores intelectos e a
uma das maiores figuras que tem honrado nossa terra” (ROBERTSON, A. Op.cit., p. 175).
650 J.A.G. Moreira. Paolo Sarpi, “O Servita”

dades eclesiásticas; e jurisdição eclesiástica versus jurisdição secular em


matéria de direito público civil, só para nomear algumas.
Um grande passo nesse sentido foi dado pela eliminação do Index
Librorum Prohibitorum ou Índice dos livros proibidos, pelo Papa Paulo VI, em
14 de julho de 1966, ao colocar em prática o novo espírito de liberdade
de pensamento teológico-filosófico na Igreja, espírito este inaugurado
pelo Concílio Vaticano II, concluído em 1965, o primeiro Concílio a
propor um diálogo “aberto e franco” da Igreja com o mundo moderno.
A primeira versão do também chamado Index Paulino, por ter sido
promulgado pelo papa Paulo IV, em 1559, se converteu em Index Triden-
tino (ou Index), ao ser autorizado pelo Concílio de Trento. Sua publica-
ção em Veneza, por parte da Cúria romana, data de 1564. Vale observar
que na vigésima e última edição do Index, de 1948, ainda consta o nome
de Paolo Sarpi na longa lista dos “autores proibidos”, assim como toda
a sua obra.
A vinculação de Sarpi com o espírito científico moderno em ebuli-
ção em seu tempo é testemunhada por sua amizade com as personalida-
des de mentes criativas e não submissas de praticamente toda a Europa
de sua época. Sua Istoria del Concilio Tridentino, obra que ganhou rápida
notoriedade política em todo o Continente, continuou sendo referência
até princípios do século XX, apesar da sua concorrente “oficial”, de
Pallavicino, quando Hubert Jedin publica, na década de 1940, uma obra
monumental sobre o tema, em oito volumes, facilitado pela abertura
dos arquivos do Vaticano pelo papa Leão XIII.
Nem por isso, a tarefa de escrever a história do Concílio de Trento é
uma tarefa concluída, como reconhece humildemente John W. O’Mal-
ley. Dar conta da complexidade de uma história como essa é ter cons-
ciência do conjunto de fatores sociopolíticos, econômicos, religiosos e
jurídicos que deram origem e forma à maior divisão ideológica ocorrida
na Europa nos inícios da Idade moderna e na subsequente história do
cristianismo até os dias de hoje.

Justificador do Estado laico


Além da anterior, outra obra de Sarpi, de grande relevância, a julgar
pelo número de edições que se fizeram dela nos últimos séculos, é a
Istoria del Padre Paolo sopra li beneficii ecclesiatici, reconhecidamente uma
história político-econômica da Igreja, de inícios do século XVII, que, a
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partir da perspectiva da tradição monástica do autor, deslegitima a pos-


se de bens materiais e o poder econômico-político como instrumentos
para impor pela força uma determinada visão e prática do cristianis-
mo. Escrita em 1609, conheceu pelo menos 14 edições até 1750, como
enumeram os editores da primeira edição em espanhol desse pequeno
Tratado de las materias beneficiales, publicado em 2004, em Buenos Aires.
Essa edição recebe, com justiça, o subtítulo de: Una Historia Económica
de la Iglesia escrita en 1600 e vem acompanhada de um extenso estudo
introdutório e de notas por José Emilio Burucua, Nicolás Kwiatkowski
e Julián Verardi.
Como filósofo naturalista e teólogo jurídico-político, Sarpi foi um
dos precursores da filosofia política moderna, com Hugo Grotius,
Erasmo de Rotterdam, Thomas Hobbes, John Locke etc., e, sem dúvi-
da, um dos precursores da teologia política moderna. Ao fundamentar
a legitimidade da soberania do Estado nacional nos textos bíblicos e na
história da Igreja, Sarpi tornou possível uma teologia política crítica da
Cristandade medieval e, ao mesmo tempo, uma justificação teórica do
Estado nacional “laico” ou secular, tolerante à diversidade religiosa.
Obviamente, como teólogo da República de Veneza, Sarpi visava
à preservação da autonomia política, econômica, jurídica e ideológica
dessa histórica cidade-estado e a integridade de seu território vis-à-vis o
Estado pontifício ou o chamado Patrimonio Petri.
Referindo-se a essa “grande figura de nossa Ordem”, o servita Da-
vid M. Turoldo considera Paolo Sarpi como “precursor do fim do poder
temporal e vítima pela liberdade da Igreja em relação aos compromis-
sos de uma política eclesiástica arrogante para com o Estado laico.”18
Com certeza, não se tratava apenas de arrogância, mas de uma prática
entendida como parte da “ordem natural” de um mundo submetido à
autoridade soberana do Deus único, senhor de todo o universo, gover-
nado por seus legítimos representantes: o papa e os reis e príncipes ca-
tólicos, que constituíam a res-publica christiana, ou Cristandade medieval.
Essa “ordem” já havia sido seriamente questionada desde inícios do
século XV pelo movimento “conciliarista”, que contava com Jean Ger-
son, Guilherme de Ockham e Marsílio de Pádua entre seus principais
mentores intelectuais e parecia ter recebido sua carta de cidadania nos

18. Ver DAL PINO, F.A. Un grupo evangelico del duecento. I sette fondatori del Servi di Maria, p. 10.
652 J.A.G. Moreira. Paolo Sarpi, “O Servita”

Concílios de Constança (1415-1417) e de Basileia (1431-1445) com a


superação do Cisma do Ocidente.
Para Ivone Cacciavillani, o conflito causado pelo histórico Interdito
de Veneza foi cenário de uma verdadeira guerra das escrituras, palavras
essas do mesmo Sarpi, ou guerra de ideias, que deram “nascimento a
uma nova Europa”19 e à opinião pública europeia, assim como permitiu a
evolução do pensamento jurídico e do próprio conceito de Estado no
pensamento político baseado na ideia do Estado não confessional, ou
seja, na distinção entre os dois poderes, espiritual e temporal, ambos
autônomos e soberanos em sua própria ordem, que será a base teórica
para a paz, ou o Accomodamento de 1607, entre Veneza e Cúria romana.
O ponto central nesse estudo de Ivone Cacciavillani sobre Sarpi é a
argumentação de que essas mesmas ideias tiveram uma influência direta
e pessoal, através da atuação do senador Alvise Contarini, embaixador
veneziano em Osnabrück, no tratado de Paz de Vestefália, de 1648, que
pôs fim à Guerra político-religiosa dos 30 Anos e abriu caminho para o
nascimento jurídico dos Estados nacionais modernos.
A resolução desses conflitos político-religiosos marcaram também
o começo do fim da Cristandade20 medieval, através dos movimentos
da Reforma protestante, contra a qual a Contrarreforma Católica pou-
co podia fazer, além de estabelecer dogmas e decretos, punir com exco-
munhão ou com outros mecanismos inquisitoriais, além do esforço de
construir, ao longo dos séculos seguintes, uma “identidade tridentina”21
para a Igreja romana.

Um segundo Lutero
Como teólogo porta-voz de uma cidade-estado católica em con-
fronto com o poder papal, Paolo Sarpi já foi chamado de “um segundo

19. Cacciavillani, I. Paolo Sarpi. La Guerra delle Scritture del 1606 e la nascita della nuova Europa.
Venezia: Corbo e Fiore Ditori, 2005.
20. Para o conceito de “Cristandade” refiro-me à obra de RICHARD, P. Morte das cristandades e
nascimento da Igreja, em que o Autor a define como “uma forma determinada de relação entre a Igreja e
a sociedade civil, relação cuja mediação fundamental é o Estado” (p. 9). É esse modelo de “relação” que
mostra seus sinais de esgotamento e crise na “guerra das escrituras” entre a Igreja e uma cidade-estado
econômica e politicamente forte como a Veneza de Sarpi, prelúdio da nova reconfiguração na relação
de poder entre a Igreja e os estados nacionais. Resta perguntar se, quatro séculos depois, a crise atual
dos estados nacionais numa nova etapa de “globalização” capitalista de modelo único e de fortaleci-
mento da sociedade civil não esteja também dando lugar a um “novo” modelo de relação entre a Igreja
católica e a sociedade civil, desta vez sem mediações, na construção de um outro mundo possível!
21. Ver LIBANIO, J.B. A volta à grande disciplina. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1984.
REB, Petrópolis, volume 75, número 299, p. 637-657, Jul./Ago. 2015 653

Lutero”,22 por advogar por um modelo de tolerância religiosa e ideo-


lógica, num momento em que a Igreja romana estabelecia sua própria
“grande disciplina”.
Vimos que, na visão de Sarpi, o Concílio de Trento não realizou sua
intenção de conciliar as partes em conflito, tanto por desviar-se desse
seu propósito inicial, como por fazer-se acompanhar de instrumentos
“legais”, como a excomunhão e a Inquisição, para reprimir e forçar a
submissão e a obediência de seus fiéis.23 O modelo de Igreja que vê
emergir é o da Igreja Triunfante, esmagadora de hereges e idólatras,
representada, por exemplo, na pintura de Pasquale Cati,24 pela mulher
com vestidura papal branca, significando sua “clareza doutrinal” ao
haver derrotado a heresia. Mas vimos que esse modelo de Igreja en-
controu inúmeras resistências por parte de um incontável número de
sinceros cristãos, além da Veneza de Sarpi, pela excepcional recepção
de sua Istoria, inclusive em setores não católicos, e pelo movimento que
levou à Paz de Vestefália, em 1648, com o triunfo do princípio sarpiano
de separação e autonomia dos poderes, conceito amadurecido durante
o longo Interdito e nos anos posteriores.

Esperanças renovadas
Depois de quatro séculos, em 1962, um grupo de jovens estudantes
internacionais servitas, em Roma, se perguntava: que diria Paolo Sarpi,
hoje, a respeito do Concílio Vaticano II, se tivesse nascido em nosso
século?25
Frei José Antônio M. Flesch, sacerdote servita a quem tivemos como
mestre de 1965 a 1968, no Seminário Menor em São José dos Campos,
São Paulo, nos anos imediatamente posteriores ao Concílio Vaticano II,
explicou-me como “conheceu” Paulo Sarpi, com essas palavras:

22. O Rev. ROBERTSON, F.A., em sua obra de 1894, Fra Paolo Sarpi. The Greatest of Venetians,
não economiza adjetivos elogiosos ao referir-se a Sarpi. Para ele, o “maior dos venezianos” é também
o “o maior gênio da sua época”.
23. Não terá sido por simples coincidência histórica que a Inquisição romana, instituída nos mol-
des da Inquisição espanhola, por Paulo III, com a Bula de 21 de julho de 1542, tenha precedido a
primeira sessão do Concílio de Trento por apenas três anos e meio.
24. O afresco de Pasquale Cati, intitulado “Concílio de Trento”, foi pintado em 1588 e encontra-
-se na Capela do Sacramento, na igreja de Santa Maria, em Trastevere, Roma. Acessível em:<http://
it.wikipedia.org/wiki/Messa_tridentina#mediaviewer/File:Council_of_Trent_by_Pasquale_Cati.jpg>.
Acesso em 24/04/2015.
25. Em entrevista gravada no encontro de Turvo, Santa Catarina, aos 11 de janeiro de 2015.
654 J.A.G. Moreira. Paolo Sarpi, “O Servita”

Foi quando estudava teologia na Itália, de 1962 a 1966, durante o Concí-


lio Vaticano II. Como estudantes, queríamos conhecer sua história, que
era meio questionado e até acusado de herege. E a conclusão a que che-
gamos foi que ‘o maior erro’ de Sarpi foi ele ter nascido 400 anos atrás.
[Para nós] ele deveria ter nascido no século XX e [portanto] não deveria
ter participado do Concílio de Trento, mas, sim, do Vaticano II, porque,
agora, ele poderia dar sua mensagem [sem temer perseguições]. Ele veio
[ao mundo] muito cedo! Naquela época, ele teve dificuldades, foi per-
seguido e até rejeitado pela Igreja, pelas autoridades da Cúria romana.
Para um setor tradicionalmente conservador na Cúria romana, tra-
tar-se-ia de uma pergunta impertinente, mas, na metade dos anos 60,
quando sopravam ares de aggiornamento ou atualização da instituição
mais milenária do Ocidente, tratava-se, pelo contrario, de uma questão
pertinente para uma Igreja que se propunha, nesse momento, abrir-se
ao diálogo com o mundo moderno, com sua nova diversidade e comple-
xidade, finalmente desarmada dos tradicionais instrumentos de coerção
e condenação e em atitude (pastoral) de ouvir, compreender e servir.
A Igreja, a Ordem dos Servos e o mundo necessitavam, novamen-
te, de uma mente crítica e visionária como a de Sarpi, que, agora sim,
poderia, sem dificuldades e sem temer a perseguição das autoridades
romanas, dizer sua “mensagem” de renovação e tolerância e de maior
fidelidade da Igreja às suas próprias origens históricas e ao Evangelho
vivido pelas primeiras comunidades cristãs.
As alegrias e as esperanças (Gaudium et spes) suscitadas pelo Concílio
Vaticano II foram muitas. Essas mesmas parecem estar agora de vol-
ta nesta segunda década de um novo século com um Papa vindo “do
fim do mundo” – um mundo ainda mais “global” do que antes – ao
terem-se transcorrido 450 anos do Concílio de Trento e os primeiros
50 do encerramento do Vaticano II. Esses últimos, com mais uma volta
à grande disciplina,26 ainda com “hereges” e “santos”, embora não mais
com estiletes nem fogueiras.
Endereço do Autor:
8901 Laurel Grove Dr.
Austin, Texas 78758
Email: taihupara@hotmail.com

26. Tese central da obra citada de João Batista Libânio, para quem o recente processo de “des-
construção da identidade tridentina” vem acompanhado de uma reação reconstrutora dessa mesma
identidade, por parte de setores conservadores, críticos do Concílio Vaticano II.
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WIKIPEDIA. Foram consultados, entre outros, os seguintes artigos:
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