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ANTROPOLOGIA

MISSIONÁRIA
PARA O SÉCULO XXI

Hans Ulrich Reifler

Descoberta Editora Lrda.


Londrina
Ficha catalográfica elaborada por Solange Ap. Ferreira, CRB 9/1141, na
Faculdade Teológica Sul Americana - LondrinalPR:

Reifler, Hans Ulrich


Antropologia missionária para o século XXII Hans Ulrich Reifler. --
. Londrina: Descoberta, 2003.
168p.
ISBN 858714363-8
I. Missões - Antropologia 2. Antropologia Missionária r. Título.

CDD 266.008 (21. ed.)

1a edição: 2003

Coordenação de produção: Eduardo Pellissier


Revisão e Diagramação: César Marques Lopes
Capa e entradas de capítulos: Eduardo Pellissier
Impressão: Imprensa da Fé

Todos os direitos reservados para:


Descoberta Editora Ltda.
Rua Pequim, 148
LondrinalPR 86050-310
Tel/fax: (43) 3337 0077
Endereço eletrônico: editora@descoberta.com.br
Página na internet: descoberta.com.br

Editora filiada à ABEC


Introdução 9

Capítulo 1
Aspectos gerais da Antropologia Missionária 11
1. O desenvolvimento histórico
da Antropologia 13
2. Subdivisões da Antropologia Missionária 15
3. O objeto principal da
Antropologia Missionária 15
4. A definição da Antropologia Missionária.... 16
5. A relação entre Antropologia e Missões ...... 17
6. A problemática da Antropologia Missionária
no Novo Testamento 18
7. O significado da Antropologia Missionária
para a prática missionária no século XXI 20
8. O conteúdo da Antropologia Missionária 22
Capítulo 2
Cultura e missões 27
1. Afinal, o que é cultura? 29
2. Cultura e as principais necessidades
do ser humano 33
3. Cultura e geografia 35
4. O relacionamento entre
cul tura e sociedade 37
5. Cultura e língua 42
6. Cultura e missões 45
7. Jesus, o modelo para
missões interculturais 56

Capítulo 3
Aspectos práticos da Antropologia Missionária ........ 63
1. Como o ser humano pensa e se sente
em culturas diferentes? 65
2. Como se analisa uma nova cultura? 72
3. Como lidar com aculturação,
choque cultural e stress cultural? 77
4. O relacionamento entre Deus e a cultura 82
5. A mudança pacífica da cultura
pela presença do Evangelho 91
6. A troca de bens e relações sociais
na situação intercultural 94
7. Desenvolvimento cultural além da
decepção, exploração e dependência 96
Capítulo 4
O problema das línguas indígenas em Rondônia 107
1. Os últimos moi canos de Rondônia 109
2. Línguas e povos indígenas de Rondônia 121
3. Por um mundo novo 139

Capítulo 5
O problema da circuncisão feminina 145
1. Razões que levam à circuncisão feminina 148
2. Meios para se lutar contra a
circuncisão feminina 149

Bibliografia........................................... ............................ 153


1. Literatura disponível em português 155
2. Literatura utilizada pelo autor...................... 157
Chegou o tempo de oferecer aos Seminários Evan-
gélicos no Brasil uma antropologia missionária atualizada, que
sirva como preparo para uma nova geração de missionários
para o século XXI que deseje trazer o evangelho de Jesus Cristo
para os povos ainda não alcançados.

Antropologia Missionária para o século XXI vem


tentar cumprir este objetivo. Para isto, no primeiro capítulo,
encontramos uma pequena introdução a esta ciência chama-
da Antropologia Missionária. O segundo capítulo vai tratar
da questão da relação entre a cultura e a obra missionária,
apresentando Jesus como modelo para as missões
interculturais. No terceiro capítulo, encontramos questões do
dia a dia do campo missionário intercultural: as diferenças
no modo de se pensar e agir em várias culturas, como se pode
analisá-las e como se pode transformar as culturas à luz do
Evangelho. Nos dois últimos capítulos, encontramos dois pro-
blemas específicos para a Antropologia Missionária neste sé-
culo que se inicia: a questão das línguas indígenas (no capítu-
lo cinco, trata-se especificamente das línguas encontradas em
Rondônia) e da circuncisão feminina. Por fim, o leitor vai
encontrar uma vasta bibliografia, tanto em português quan-
to em outras línguas.

É desejo do autor que este livro didático sirva para


ajudar na superação dos desafios missionários no mundo de
hoje. A igreja evangélica brasileira, os pastores, líderes eclesi-
ásticos e agências missionárias precisam ser despertados e
conscientizados de que tanto uma sensibilização quanto uma
preparação antropológica de seus obreiros são de suma im-
portância para um trabalho eficaz e um crescimento em qua-
lidade a fim de que se cumpra, o mais breve possível, a visão
dos glorificados: "uma multidão que ninguém podia enume-
rar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante
do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras bran-
cas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizen-
do: Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro,
pertence a salvação" (Ap 7.9-10).

Basiléia, 29 de outubro de 2002

Hans Ulrich Reifler


~~~k
~~Lc~f1~~

01
HAN5 ULRlCH REIFLER

Antropologia
Antropologia Cultural
r- Etnologia
t Arqueologia
Lingüística
Antropologia Física

2. As SUBDIVISÕES DA ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

Na antropologia missionária, seguimos a divisão


proposta por H. Fischer, cujo livro se tornou o texto básico
para o estudo universitário de etnologia na Alemanha. O autor
subdivide a moderna etnologia em cinco matérias",
1) Etnologia de economia
2) Etnologia de sociologia
3) Etnologia de justiça
4) Etnologia de política
5) Etnologia de religião

Para a antropologia missionária o estudo sistemá-


tico da etnologia é importante. Ela ajuda a compreender e
descrever a cultura em seu contexto histórico, social, econô-
mico e religioso. Como ciência, a etnologia se desenvolveu a
partir da segunda metade do século XIX6.

3. O OBJETO PRINCIPAL DA ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

O objeto principal dos etnólogos (professores e


eruditos da antropologia) é composto pelos povos e grupos de

15
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

povos. No mundo de hoje nos referimos a um número de 2.000


povos e 12.000 a 17.000 grupos de povos. Na prática, os
etnólogos não se preocupam com todos os povos, mas sim, com
os povos não civilizados, pré-industrializados, povos naturais
ou povos sem língua, em contraste com povos culturais?

Na antropologia missionária, partimos da Gran-


de Comissão de Jesus em Mt 28.18-20, onde Jesus deu or-
dem para fazermos discípulos: indo, devemos batizá-los e
ensiná-los até à consumação dos séculos. Que Deus tem inte-
resse em todos os povos se percebe já na criação do mundo,
no plano divino de salvação (l Tm 2.4-6), na eleição do povo
de Israel, na missão de seu filho único, Jesus Cristo (]o 3.16),
na missão dos apóstolos ao
20.21), na missão da igreja (1Pe
2.9) e nos povos salvos que adoram Jesus (Ap 7.9-17).

4. A DEFINIÇÃO DA ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

o termo antropologia é uma composição de duas


palavrasgregas:' ãv8pwTIoç (anthropos, que significahomem) e
Àóyoç (logos, que significa palavra, doutrina, ensino, fala). Por-
tanto, a antropologia é a doutrina ou o ensino a respeito do ho-
mem. Na antropologia missionária nos referimos à antropologia
cultural no horizonte da responsabilidadee realidademissionária.

A antropologia missionária instrumentaliza os


conhecimentos, conceitos, teorias e hipóteses da moderna
antropologia para a prática missionária; ela pesquisa o estudo
da humanidade na música, literatura, filosofia, economia,
história, geografia, religião, comunicação, letras e relações
interpessoais; por fim, analisa estas matérias e se pergunta como
elas se desenvolveram, se modificaram e qual o seu significa-
do para a comunicação intercultural do evangelhos.

16
HAN5 ULRICH REIFLER

o antropólogo norte-americano Louis J. Luzbetak


define a antropologia missionária como forma específica da
antropologia cujo alvo é missionário e cujo método é antropo-
lógico. A antropologia missionária fornece os métodos científi-
cos enquanto que a missão oferece os exemplos práticos".

A antropologia missionária é a ciência


da herança não biológica do homem e
seu significado para obra missionária.

5. A RELAÇÃO ENTRE ANTROPOLOGIA E MISs6ES


Por muitos anos a relação entre antropologia e
missões tem sido de grande proveito para ambos os lados. Por
motivos filosóficos e pessoais, o relacionamento entre antro-
pologia e missões começou a complicar-se com o surgimento
da escola de Frankfurt, a partir de 1968, e com o pensamen-
to pós-moderno que seguiu.

Em épocas anteriores os missionários forneceram


o material principal para as teorias antropológicas. Refiro-
me aos pioneiros antropólogos E. B. Tylor!? (1832-1917) na
América do Norte, Sir J. G. Frazer!' (1854-1954) na Ingla-
terra e r. H. Morgan (1818-82) nos EUA.

A partir de 1906, o antropólogo Wilhelm


Schmidt (1868-1954) de Viena começou publicar a famosa
revista Anthropos, que se tornou uma grande bênção para
muitos missionários europeus. Em 1932, Schmidt fundou,
em Viena, o bem conhecido Instituto Antropológico.

Os primeiros antropólogos que também serviram


como missionários foram R. H. Codgrington (1830-1922),

17
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Lorimer Fison (1832-1907), D. Westermann (1875-1956)


e H. A. junod (1863-1957).

Um dos primeiros representantes da antropolo-


gia missionária foi o inglês Edwin Smith, filho de missionári-
os na África. Durante trinta anos Smith estudou e ensinou
amplamente a respeito da cultura africana". De 1939 a 1943
Smith lecionou no Hartford Seminary Foundation's Kennedy
School of Missions. Depois da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) a WycliffBible Translators fundou seu departa-
mento antropológico, o Instituto Lingüístico do Verão.

No século XX, várias pessoas exerceram grande


influência para o desenvolvimento da antropologia missionária:
Eugene Nida, o secretário executivo da Sociedade Bíblica
Americana", Donald McGavran, o pai do movimento mo-
derno de crescimento da igrejae fundador do Fuller Theological
Seminary. Desta universidade teológica surgiram famosos an-
tropólogos de missões: Alan Tippet, Ralph Winter, Charles H.
Kraft, Louis J. Luzbetak, Paul G. Hiebert e outros.

No mundo de hoje, a antropologia missionária


faz parte dos currículos de institutos e seminários bíblicos no
mundo inteiro".

6. A PROBLEMÁTICA DA ANTROPOLOGIA
MISSIONÁRIA NO Novo TESTAMENTO

A problemática da antropologia missionária já


pode ser encontrada na relação com os gregos e a sua reverên-
cia aos deuses (At 17.22). Os gregos tinham um santuário (in-
dicado no livro de Atos, quando do discurso do apóstolo Paulo
no Areópago, em Atenas) dedicado ao deus desconhecido (Ar

18
HAN5 ULRlCH REIFLER

17.23).15 O deus desconhecido é o ponto de partida para Pau-


lo pregar a respeito da doutrina de Deus, referindo-se ao cria-
dor do mundo (At 17.24) que nos dá a vida (At 17.25) e a
oportunidade para nos arrependermos (At 17.30).

Um outro exemplo é o reconhecimento de Paulo


a respeito dos Cretenses em Tito 1.12,13:

Foi mesmo dentre eles, um seu profeta


que disse: Cretenses, sempre mentiro-
sos, feras terríveis, ventres preguiçosos.
Tal testemunho é exato. Portanto, repre-
ende-os severamente, para que sejam
sadios na fé.

Esta citação teve origem, conforme Clemente da


Alexandria", em Epimênides de Cnosso, em Crera, um edu-
cador religioso e dramaturgo do século VI antes de Cristo. O
apóstolo Paulo chama Epimênides de profeta, enfatizando a
autoridade do julgamento dele. Platão, Aristóteles, Cícero e
outros falam dele como sendo um homem inspirado ou pro-
tético'". Desta citação concluímos que Paulo conheceu bem
os costumes dos cretenses, e conhecer costumes e tradições
faz parte da antropologia missionária.

Estes dois exemplos das viagens missionárias de


Paulo provocam as seguintes perguntas para o estudante de
antropologia missionária:

Por que Paulo pregou em Atenas de modo dife-


rente, e não como em Chipre e na Ásia Menor?

Quais as culturas que influenciaram o apóstolo


Paulo e de que maneira se deu esta influência?

19
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Será que Paulo, com sua citação de Epimênides,


ofendeu a herança cultural dos cretenses?

Será que o missionário de hoje pode tratar a cul-


tura do modo como Paulo fez com os cretenses?

7. O SIGNIFICADO DA ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARAA


PRÁTICA MISSIONÁRIA DO SÉCULO XXI
A partir do momento em que deixamos a cultura
na qual nascemos e fomos criados, percebemos mais cedo ou
mais tarde que nem todas as pessoas sentem, observam, expli-
cam, comparam, controlam, pensam e agem da mesma for-
ma como nós. Outras pessoas se movimentam, comem, dis-
cutem e estudam de modo diferente. Elas têm outros valores
e convicções religiosas. Quem não se conscientiza de que cul-
turas diferentes têm também costumes, tradições, convicções
e hábitos diferentes, logo será confrontado com uma situa-
ção desconfortável. Quando entramos numa nova cultura
podemos facilmente ofender, mesmo sem querer, os sentimen-
tos das pessoas locais.

Portanto, a tarefa da antropologia missionária é


permitir que o processo de conscientização e respeito mútuo
entre povos e culturas cresça na vida dos missionários bem
como entre crentes no mundo inteiro. É importante respei-
tar os costumes, tradições e hábitos diferentes para evitar er-
ros irreparáveis. Para o diálogo efetivo do evangelho é neces-
sário aceitar, em princípio, a estranheza da nova cultura e
não questionar nem criticar logo coisas que ainda não com-
preendemos. O antropólogo R. A. Le-Vine argumenta que,
quando o indivíduo se locomove para um novo lugar onde

20
HANS ULRICH REIFLER

reinam costumes estranhos ou novos, ele precisa adaptar-se


ou será estigmatizado pela sociedade local".

Para que esta realidade fique mais clara, descreva


as características típicas de alemães, americanos, franceses,
suíços, ingleses e brasileiros, tal como você as conhece, seja
por convivência, por filmes, livros, notícias de jornais, etc.
Sem querer estigmatizar a cultura de nenhum deles,você pode
chegar a uma tabela mais ou menos assim:

Alemão Americano Francês


Fechado, autoritário Microsoft grand nation
rigidez Locomotiva da encomia queijo e vinho, cozinha
autoconfiança mundial nobre, diplomacia
prático, dominante poder militar Laissé fair (relaxado)
determinação inglês Francês, ateísta
esquematizado pais de imigrantes nacionalista, vida boa
previsível liberdade perfumes preciosos
Euro Dólar Euro

Suíço Inglês Brasileiro


pontualidade, perfeição gentleman jeitinho, emocional
consciência democrática polido português
independência desde guardachuva Rítmico
1291 monárquico futebol
dialetos suíços chá samba e carnaval
cultura de realização trabalho curto Mar
isolamento forte nas tradições Mato
casas inglês calor
multilingüístico isolamento leve nas casas místico
organização, trabalho tráfego esquerdo Deus é brasileiro
intensivo e longo Libra Inglesa Hospitaleiro, amigável
sigilo bancário arroz e feijão
Chocolate Real
Neve, frio e montanhas
N estlé/Roche/Novartis
Franco suíço

21
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

8. O CONTEÚDO DA ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

Na antropologia missionária tentamos obter res-


postas para os seguintes problemas que nos preocupam na
atividade missionária.

o que é a cultura?
Em que sentido a cultura é uma estratégia de so-
brevivência?

Qual a relação entre cultura e circunstâncias


ambientais, econômicas, climáticas, sociológicas?

Quais as características de uma cultura indigena?

Quais as características de uma cultura agrária?

Quais as características de uma cultura industri-


alizada?

Quais as características de uma cultura pós-in-


dustrializada?

Quais as relações entre cultura e língua?

Como a missão lida com o desafio da cultura?

Como a missão reage ao processo de uma revolu-


ção cultural?

Como obtenho informações sobre países e cultu-


ras diferentes?

De que maneira posso me preparar para um mi-


nistério intercultural?

22
HAN5 ULRlCH REIFLER

Como pessoas de diferentes culturas pensam e


agem?

Como lidar com os desafios da aculturação, cho-


que cultural e stress cultural?

Como Deus julga a cultura?

Será que uma cultura pode modificar-se, pacifi-


camente com a presença do evangelho para o
bem de uma sociedade?

Será que o cristianismo histórico destrói a cultura?

Como a missão reage a um processo revolucionário: o exem-


plo entre osíndiosguajajara no Brasil

O progresso da tecnologia da Companhia


Energética do Maranhão possibilita fornecer energia para
os índios guajajara, no interior deste Estado. Conforme a
missionária alemã Brigida Engelberg, as conseqüências des-
te progresso tecnológico são catastróficas para os índios. A
juventude gasta horas diante da TV e deixa enganar-se pe-
las promessas de produtos da vida moderna. O índio não se
identifica mais com os valores de sua tribo. Pelo contrário,
ele tem vergonha das suas tradições indígenas. Para satisfa-
zer os desejos materiais da moderna sociedade é forçado a
cultivar maconha ou destruir sua selva, fonte de sua pró-
pria sobrevivência.

Nesta situação a MICEB, juntamente com a


MEIB, ajuda a fortalecer a consciência dos índios para con-
viverem com a sociedade moderna. A igreja, com seus líderes
indígenas, torna-se auto-suficiente. Com o programa de alfa-
23
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

betização O índio aprende a ler e escrever, a comunicar-se e


preservar as suas tradições. Com o programa de saúde, novos
poços com águas claras e cursos de higiene pessoal, ajudam o
índio a manter-se sadio e a proteger-se contra as doenças
infecto-contagiosas. Sem esta contribuição espiritual e social
os índios não sobreviverão aos próximos 50 anos'".

o objeto principal da antropologia missionária é


a religião, a filosofia, a política, a arte, a forma econômica,
social e jurídica, a tecnologia, a comunicação e as relações
interpessoais. Antropólogos diferenciam entre etnologia de
economia, etnologia de sociologia, etnologia de justiça,
etnologia de política e etnologia de religiã0 20 •

CITAÇÕES
I L. Kãser, Fremde Kulturen. Eine Einführung in die Ethnologie,

Erlangen/Lahr 1997, p. 17.

2 W. Mühlmann, Geschichte der Anthropologie, Frankfurt 1968,

2. ed.

3 Ibid; veja também L. Kãser, Fremde Kulturen, op. cit., P: 9-15.

4H. Fischer, Hrsg., Ethnologie, Einführung und Überblick, Berlinl


Hamburg: Dietrich Reimer Verlag, 1988, ed., prefácio, p. 8.

5H. Fischer, Hrsg., Ethnologie - Einführung und Überblick, Berlinl


Hamburg: Dietrich Reimer Ver-Iag, 1988, 4. ed., prefácio.

GA. Quack, "Ethnologie", em: K. Müller und T. 5undermeier,


Lexikon missionstheologischer Grund-begriffe, Berlin 1987, p. 92.

7 H. Fischer, Ethnologie, op. cit., p. 9-14.

8E. Adamson Hoebel, Anthropology: The Study of Man, New


York 1972, 4. Auflage, P: 6.

24
HAN5 ULRlCH REIFLER

9 L. J. Luzbetak, Ethnologie und Mission, In: Lexikon


missionstheologischer Grundbegriffe, K. Müller und T. Sundermeier,
Hrsg., Berlin 1987, S. 94; veja também Louis J. Luzbetak, The
Church and Cultures. An Applied Anthropology for the Religious
Worker, South Pasadena 1984, 4. ed.

la Tylor E. B., Primitive Culture. Researches into the development


of mythology and philosophy, religion, art and custom, 2 vols.,
Londres 1871.

11 J. G. Frazer, The Golden Bough, Nova York: Mc Millan, 1922.

12 Seu mais famoso título chama-se "The Golden Stool".

13 E. A. Nida, Costumes e Culturas: Uma Introdução à Antropolo-

gia Missionária, São Paulo: Edições Vida Nova, 1985.

14 S. A. Grunlan and M. K. Mayers, Cultural Anthropology - A


Christian Perspective; P. G. Hiebert, Cultural Anthropology, Grand
Rapids 1983; D. L. Whiteman, Hrsg., Missionaries,
Anthropologists, and Cultural Change; veja também P. G. Hiebert,
O Evangelho e a Diversidade da Cultura, São Pau-lo: Edições Vida
Nova.

15 A existência de um Deus dos céus é documentado em


aproximadamente 90% de todas as religiões primitivas. Veja D.
Richardson, Ewigkeit in ihren Herzen, Bad Liebenzell: Verlag der
Liebenzeller Mission, 1988, p. 33; veja também D. Richardson, O
Fator Melquisedeque, São Paulo: Edições Vida Nova.

16 Clemente de Alexandria, Stromateis 1/59/2.

17 J. N. D. Kelly, I e II Timóteo e Tito - Introdução e Comentário,

São Paulo: Edições Vida Nova, 1983, p. 213.

18 R. A. LeVine, Culture, Behaviour and Personality. An Introduction

to the Cornparative Study of Psychological Adaptation. Chicago


1974, p. 153.

25
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI
19 Idea, Deutschland, citado em "wort u warch", Zeitschrift des

Evangelischen Gemeinschaftswer-kes, Berna, Setembro de 2001,


p.20.

20 H. Fischer, Hrsg., Ethnologie, op. cit., p. 109-243.

26
02
1. AFINAl, O QUE É CULTURA?

É extremamente difícil definir bem, e de modo


objetivo e concreto, o termo cultura. Isto tem a sua razão no
fato de que a cultura domina o nosso viver diário, a maneira
como pensamos, sentimos, falamos, comemos, nos vestimos e
como mantemos relações interpessoais. Muitas vezes esque-
cemos que somos filhos da e presos à nossa cultura.

O ex-missionário na África L. E. Kwast nos


conscientiza de que todos os homens possuem uma cultura.
Ninguém pode separar-se de sua própria cultura.'

O teólogo alemão H. Balz define a cultura, cien-


tificamente, como herança que o ser humano recebe de seus
antepassados e a passa para a próxima geração. 2
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

A palavra cultura se origina da palavra latina colere


que significa cultivar, plantar. R. Friedli mostra que o termo
cultura tem significado diferente do ponto de vista da inter-
pretação de vida. Funcionalmente a cultura é um modelo ou
paradigma que permite que uma sociedade sobreviva (nutri-
ção, roupa, casa e saúde). Ela permite segurança na comuni-
cação interpessoal (formas de autoridade familiar, tribal e es-
tadual, responsabilidade social, conflitos, amizade) e dá res-
postas às principais perguntas do homem (vida, morte, sofri-
mento, alegria, origem e alvo da vida) para garantir a historia
individual e coletiva:'.

o
teólogo suíço W. Bittner diferencia entre cul-
tura subjetiva e objetiva. Faz parte da cultura subjetiva a ma-
turidade pessoal, a educação e a atitude. A cultura objetiva se
manifesta através de valores exteriores e visíveis como institui-
ção, sociedade e estado".

o famoso antropólogo norte americano E. B.Tylor


define a cultura como herança não biológica do hornem''.

Cultura nada mais é do que a maneira


como VIvemos uns com os outros.

o
teólogo inglês L. Newbigin interpreta a cultu-
ra como o caminho pelo qual organizamos a nossa vida. Ela
lida com dois aspectos: a existência do ser humano e a exis-
tência do fator pecado".

L. Kãser, o mais famoso antropólogo de missões


da Alemanha, define a cultura como uma estratégia para or-
ganização da vida humana", Com esta definição Kãser inter-
preta que a cultura julga decisões, características e atitudes",
Mas ela não pode limitar-se à descrição de fenômenos. Ela é,

30
HAN5 ULRlCH REIFLER

antes, algo que se pensa, algo que se origina e se desenvolve


na cabeça do ser humano".

A cultura é, portanto, a soma de todo conheci-


mento, experiência e prática que um povo adota e exercita. Faz
parte da cultura a maneira como criamos leis para a família e
sociedade, povo e estado, como fixamos a residência, mante-
mos relações interpessoais, falamos e escrevemos, a maneira
como desenvolvemosa arte, ciência,educação, os meios de trans-
porte, a economia, a questão da origem, do valor e do fim da
vida (mitologia, filosofia, religião).A cultura é um conjunto de
hábitos, tradições, valores, normas sociais e convicções religio-
sas que um indivíduo, grupo ou povo herda de seus pais e pas-
sa para os seus filhos como verdade ou orientação.

Partindo desta ampla definição percebemos que


a cultura nunca chega ao fim em si mesma. Ela nunca é abso-
luta, mas antes se encontra num processo evolutivo. Ela se
desenvolve. Nunca é algo estático. Ela se modifica, define-se,
adapta-se muito mais do que admitimos.

Para justificar estas teses precisamos apenas nos


perguntar:

Será que nos vestimos da mesma forma como


nossos pais?

Será que os nossos automóveis novos são idênti-


cos aos automóveis do início do Século XX?

Será que os templos das novas igrejas são idênti-


cos aos das igrejas dos nossos avós?

Será que a sociedade brasileira não evoluiu desde


a Segunda Guerra Mundial?

31
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

Será que a juventude de hoje é educada pelos


mesmos métodos e com os mesmos princípios que
dominavam a educação na década de 50?

Será que a arte do século 21 é a mesma da época


do impressionismo?

Será que o estilo da música popular nunca muda?

Quais as transformações recentes na família bra-


sileira?

Conforme E. Meier, ex-missionário da OMF no


Sudoeste da Ásia, a cultura consiste de vários aspectos":

A cultura sempre é única;

A cultura sempre é aprendida;

A cultura sempre é vivida por um grupo de pes-


soas.

o
famoso teólogo de missões G. W. Peters dife-
rencia entre quatro tipos de cultura!':

A cultura do individualista;

A cultura da família;

A cultura da tribo;

A cultura da sociedade ou do estado.

Há algo em comum que se manifesta nestes qua-


tro tipos de cultura:

32
HANS ULRlCH REIFLER

Cultura é a atitude pragmática do ser humano

Cultura é a atitude moral do ser humano

Cultura é a atitude racional do ser humano

Cultura é a atitude social do ser humano

Cultura é a atitude institucional do ser humano

Cultura é a atitude orgânica do ser humano

Cultura é a atitude funcional do ser humano

Cultura é a atitude religiosa do ser humano

o brasiliero Gilberto Cotrim diz que 12


:

A cultura pode ser considerada, portanto, um amplo con-


junto de conceitos, símbolos, valores e atitudes que mode-
lam uma sociedade. Abrange o que pensamos, fazemos e
temos como membros de um grupo social.

Portanto, a cultura precisa ser profundamente


respeitada. Ela possibilita a vida e a sobrevivência da huma-
nidade. Ela é o santo fundamento da nossa vida social, moral,
racional e religiosa. Ela dá, à nossa existência, seu valor, sua
norma, suas tradições e convicções':'. De fato, a cultura é a
resposta do indivíduo, do grupo, da sociedade, de um povo
ao desafio da existência e sobrevivência.

2. CULTURA EAS PRINCIPAlS NECESSIDADES DO SER HUMANO

A cultura é tão abrangente como a pluralidade


da vida do homem no seu pensar, em seus sentimentos, na

33
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

sua maneira de agir e viver.Todo ser humano tem necessida-


des biológicas, sociais, econômicas e espirituais. A cultura é
uma estratégia comum para sobrevivência do homem; é a
estratégia pela qual um grupo social tenta satisfazer as neces-
sidades principais de vida.

Veja a tabela abaixo:

Necessidades Necessidades
..
biológicas SOCIaIS

nutrição integração social


funções do corpo reconhecimento
saúde comunicação
esporte ordem, segurança
proteção contra fatores educação
climáticos sentimentos, valores
sexualidade responsabilidade
higiene repouso, Jogos
hábitos de comer/beber criatividade, idéias
moradia música, tradições
trabalho voluntário
relações de família
língua
comportamento
Necessidades Necessidades
econômicas espirituais
roupa orientação moral valor
Instrumentos de vida
agronomIa normas
tecnologia valores
invenções metafísica
profissão religião
sustento relações transcendentais
ordem econômica
ordem estadual
ordem social
meios de transporte

34
HAN5 ULRlCH REIFLER

As principais necessidades do ser humano são


universais. Por esta razão as encontramos em todas as cultu-
ras, apesar de serem vistas e interpretadas de modo diferen-
te em cada uma destas.

Toda cultura pode satisfazer suas principais ne-


cessidades apenas parcialmente. Por isto surgem problemas e
desafios que provocam uma modificação cultural. Outro fa-
tor que induz a esta modificação é o contato entre culturas.

Uma mudança de circunstâncias sempre requer


uma nova estratégia que satisfaça as principais necessidades
da cultura.

3. CULTURA E GEOGRAFIA

O desenvolvimento da cultura é influenciado,


consideravelmente, pelas condições geográficas e climáticas.
Em regiões mais frias se precisa de mais roupas e mais isola-
mento das casas. Em regiões de floresta tropical se observa
um desenvolvimento diferente de regiões antárticas ou regi-
ões com um clima semitropical. A relação entre cultura e
meio-ambiente se chama antropologia de geografia ou eco-
logia cultural. A pergunta principal desta disciplina secular
é: até que ponto as formas culturais humanas influenciam o
meio-ambiente e vice-versa"?

Culturas, como estratégias de sobrevivência, es-


tão fortemente condicionadas pela situação geográfica, eco-
lógica e climática. A sobrevivência do ser humano através da
produção de produtos de nutrição é possível quando os mé-
todos de transporte e exploração correspondem à situação
climática. Por isto a canoa do índio brasileiro é um método

35
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

adequado de transporte e exploração da riqueza dos rios. O


paulista precisa de outros meios de transporte e exploração
para sobrevivência, meios estes que são diferentes do que uma
pessoa do mundo antártico necessita. Em cada cultura o ser
humano precisa descobrir os seus próprios métodos de ex-
ploração e transporte':'. Assim, esta relação entre cultura e
geografia nos leva a questões tais como:

De que maneira a seca prolongada influencia a


produção agrícola e a atitude geral do sertanejo
na sua maneira de pensar, agir e viver?

Que relação pode ser percebida entre cultura e


meio-ambiente na vida do amazonense em com-
paração com a do gaúcho?

Será que o meio-ambiente influencia a crença e a


atitude religiosa?

Que relação existe entre a condição geográfica e


seu desenvolvimento econômico?

Como é possível que uma igreja evangélica no


Japão possa sobreviver bem com apenas 25 a 35
pessoas batizadas?

No que se refere à produção, diferenciamos mun-


dialmente entre quatro tipos de regiões de vida":

1. Regiões sem condição de produção agronômi-


ca (tundra, deserto, savanas e a maioria das regi-
ões montanhosas acima de 3000 metros)

2. Regiões com condição limitada de produção


econômica (floresta tropical)

36
HANS ULRICH REIFLER

3. Regiões com condição ampliada de produção


(Minas Gerais, Grécia)

4. Regiões com condição quase ilimitada de pro-


dução (Porto Alegre, Alemanha)

Agora compreendemos porque uma igreja evan-


gélica na Suíça pode sobreviver bem com 60 membros. Por
outro lado, uma igreja no interior da América Latina precisa
de aproximadamente 240 membros batizados para sobrevi-
ver bem, sustentar o seu pastor e para o desenvolvimento do
trabalho evangelístico, missionário e social.

4. O RELACIONAMENTO ENTRE CULTURA E SOCIEDADE

No mundo de hoje existem estruturas sociais com-


pletamente diferentes. Elas exercem uma influência incalculá-
vel para a obra missionária e o trabalho da igreja, mais do que
geralmente admitimos. Gostaria de lhes mostrar três exemplos:
a sociedade tribal, a sociedade agrária e a sociedade industrial.

4.1. A sociedade tribal

Grdfico 1: A sociedade tribal'?

37
ANTROPOLOGIA MISSIONIÍRIA PARA O SÉCULO XXI

Ênfase no parentesco como vínvulo social

Forte orientação para o grupo com responsabili-


dade mútua e processos de tomada de decisões
pelo grupo

Hierarquia social mínima

Comunicação vertical

Em muitas tribos do hemisfério sul e em povos


turcomênicos da Eurásia, os grupos sociais têm uma impor-
tância maior do que nas sociedades modernas e industrializa-
das com sua ênfase no indivíduo e na liberdade pessoal.

Povos indígenas têm uma estrutura fortemente


hierárquica de anciãos, cujo líder é o cacique. Os homens
mais velhos exercem o papel de pai e educador. Eles são res-
ponsáveis pelos costumes, tradições e hábitos da tribo. Eles
garantem a estabilidade tribal e a paz. Suas esposas agem como
mães. As pessoas da mesma idade são considerados irmãos e
irmãs. Para homens menores o mais velho sempre é pai, pro-
fessor e educador. Na maioria dos povos tribais encontramos
uma estrutura patriarcal; em algumas naÁsia reina o sistema
matriarcal.

As conseqüências da estrutura tribal são segu-


rança, estabilidade, proteção, identidade, valores e sustento
pelo grupo. Liberdade existe, mas de modo diferente das
nossas próprias tradições. As decisões importantes aconte-
cem de cima para baixo. Os anciãos determinam, o resto
obedece sem reclamar.

Para você tentar responder:

38
HAN5 ULRICH REIFLER

Imagine que você trabalhe como missionário en-


tre os canela, uma tribo do Maranhão, no nor-
deste brasileiro. Entre eles existe uma estrutura
tribal de anciãos que decidem sobre todos os as-
suntos da aldeia. Como poderíamos utilizar esta
estrutura tribal para a evangelização dos índios e
o estabelecimento de uma igreja evangélica?

4.2. A sociedade agrária

Grupo étnico
dominante

~--_...%..._--""'7 Grupos ou classes


subordinados

Grdfico 2: A sociedade agrdria 18

Ênfase no parentesco como base para o vínculo


social

Forte orientação para o grupo com processos de


tomada de decisões pelo grupo

Hierarquia entre os grupos

Comunicação horizontal dentro dos grupos e


vertical entre os mesmos

Sociedades agrárias são organizadas inter-hierar-


quicamente. Geralmente são dominadas por um grupo étni-
co superior. As outras classesou grupos exercem menos im-
portância na sociedade agrária. Grande é a interdependência

39
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

destes grupos sociais. Sem o grupo dominante a maioria do


povo não alcança nada e sem a classe subserviente o grupo
dominante não consegue manter as suas posições privilegia-
das. A sobrevivência de ambos os grupos depende um do
outro.

Para você tentar responder:

Explique, através de dois exemplos práticos, como


decisões acontecem numa sociedade agrária e que
princípios são de suma importância para o traba-
lho da igreja.

4.3. A sociedade industrializada

_ Indivíduos
/'O+-O O

A"OCi"õ,~\g~~
Õ
Voluntárias
JrD .
- ' V"'(J Redes SOCiaIS

Gráfico 3: A sociedade industrializada'?

Ênfase no individualismo e nas tomadas de de-


cisõespessoais

Organizações com base em associações voluntá-


rias, redes e agrupamentos geográficos

Hierarquias

Uso da mídia de massa

40
HAN5 ULRICH REIFLER

A sociedade urbanizada é industrializada, moder-


na, individualista e pluralista. Ela é composta de indivíduos
que convivem com o estado e a sociedade em grupos sociais e
voluntários. Decisões importantes não acontecem de cima para
baixo como na sociedade tribal, mas num processo onde todos
são envolvidos através de avaliação, discussão, interação e voto.

Para você tentar responder:

Como acontecem as decisões na moderna socie-


dade industrializada em contraste com a socieda-
de agrária?

Onde você vê as chances e os problemas da soci-


edade industrializada no trabalho de igreja de
hoje?

Os países da Europa Ocidental, da América do


Norte e do Japão são considerados sociedades industrializa-
das. Outros países têm uma sociedade predominantemente
agrária (Interior do Maranhão) ou tipicamente tribal (Waiwai
e Canela no Brasil, Poel na Guiânia Africana e Karen na
Tailândia). Em muitos países observamos uma combinação
entre elementos da sociedade agrária e industrializada (Coréia,
Brasil, Israel). Nestes países o processo de industrialização é
visto em todos os níveis, embora muitas pessoas, no interior,
ainda continuam pensando e agindo como se vivessem numa
sociedade agrária.

A situação demográfica destes países determina,


também, a estrutura de idade das igrejas locais. No Brasil,
50% da população tem uma idade menor a 15 anos e 80%
tem uma idade inferior a 30 anos. Existem pessoas idosas,
mas não elas exercem uma influência substancial na igreja.
Nos países da Europa Ocidental e da América do Norte ve-

41
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

mos uma situação completamente diferente. A classemais re-


presentativa é a dos idosos. Em média, uma família tem ape-
nas 1,2 crianças. Nas igrejas, o trabalho com idosos tem um
papel central no seu desenvolvimento. Eles são os intercessores
e sustentadores da obra missionária. Muitos presbíteros e
diáconos são idosos. Raramente um deles tem idade inferior
a 30 anos.

5. CULTURA E LÍNGUA
Fui para o lugar onde aspessoas se encontram e me
sentei".

Este é o testemunho da professora Ursula


Wiesemann. Creio que podemos perceber um claro paralelo
entre esta citação e o ensino de João 1.14 a respeito do lagos
(do verbo).

Que relação existe entre a aprendizagem de uma


língua e a encarnação?

Existe uma relação mútua entre cultura e lín-


gua. É através da língua que entramos em contato com uma
nova cultura. É através da língua que começamos a conhe-
cer, aprender e nos comunicar dentro da nova cultura. O
respeito pela nova cultura começa com a aprendizagem da
nova língua. Portanto, aprender bem a nova língua é o por-
tal de entrada na nova cultura para a comunicação do evan-
gelho de Jesus Cristo.

Infelizmente, apenas uma pequena minoria de


missionários interculturais trabalha intensiva e constantemen-
te na língua. Para a eficácia da comunicação do evangelho, o

42
HANS ULRlCH REIFLER

melhoramento da língua é uma responsabilidade e tarefa


constante.

Como aprender e aperfeiçoar a língua estran-


geira? Veja alguns passos básicos:

Aprendendo, o máximo possível, o vocabulário.

Aprendendo expressões idiomáticas.

Aprendendo expressões simbólicas.

Imitando a música (o tom) da língua (entonação,


variação).

Diferenciando entre vogais sem voz e com voz.

Diferenciando vocais nasais, sílabas acentuadas e


não acentuadas.

Aprendendo, sistematicamente, as palavras estru-


turais da língua que, geralmente, compõem algo
em torno de 50% de um texto normal (exem-
plos: sim, não, acima, abaixo, bem, como, certo,
ainda, que, sempre, bom, ou, mesmo). Na língua
inglesa conhecemos 106 palavras estruturais".

Aprendendo, sistematicamente, as principais pa-


lavras da língua que chegam a aproximadamente
2.000 palavras. As 2.000 principais palavras re-
presentam 85% de um texto normal de uma lín-
gua indogermana, por exemplo".

Aprendendo as palavras adicionais de mais 2.500


vocábulos conforme áreas específicas. Com a
aprendizagem destas palavras adicionais chega-

43
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

mos a compreender outros 10% (ou seja, um to-


tal de 95%) de um texto comum.

Aprendendo as palavras de um livro infantil ou


as palavras-chave de um jornal. Com o progresso
na língua começo a ler textos mais exigentes, tais
como livros e revistas.

Aprendendo frases completas.

Aprendendo formas não verbais da comunicação.

Reconhecer as estruturas paralelas de diferentes


idiomas ajuda na aprendizagem de uma nova língua. Desta
maneira posso aprender palavras partindo de expressões já
conhecidas. Este fenômeno é típico nas línguas
indogermânicas (português, francês, espanhol, italiano, in-
glês, alemão). Veja abaixo alguns exemplos:

Português Inglês Alemão


piedade plety Pietat
publicidade publicity Publizitãt
sociedade society Sozietât
trindade trinity Trinitãt

interação interaction Interaktion


construção construction Konstruktion
inovação innovation Innovation
multiplicação rnul tiplication M uItiplikation

ética ethics Ethik


homilética homiletics Homiletik
política politics Politik

44
HAN5 ULRICH REIFLER

A aprendizagem de uma nova língua não será


possível sem esforço, tempo, frustração, lágrimas e situações
embaraçosas. O mais difícil é aprender a linguagem não ver-
bal de uma cultura. A linguagem não verbal (aperto de mão,
olhar, abraço, gestos, sorriso, etc) é muito mais importante
do que a língua falada. Às vezes precisamos de anos para des-
cobrir os segredos da língua não verbal de uma cultura. Por
isso, o missionário que passa mais tempo numa cultura tem
mais possibilidades de serviço e êxito.

A aprendizagem de uma nova língua não


é, primeiramente, uma questão de dom
ou capacidade intelectual, mas, antes,
uma questão de motivação e dedicação.

Aprender uma nova língua não é uma atividade


acadêmica, mas, antes, um processo social. A interação viva é
frutificada por contatos honestos entre pessoas de culturas
diferentes. Neste processo a língua se torna vida e a teoria,
prática; a gramática se casa com a retórica. Isto se torna pos-
sível quando o missionário vem como servo e parceiro, quan-
do ele convive na nova cultura como pessoa humilde que acei-
ta correção e estímulo":

Para comprovar a íntima inter-relação entre cultu-


ra e língua, indico a leitura da publicação do antropólogo secu-
lar brasileiroJosé Henrique P. Rodrigues, sob o título de Os últi-
mosmoicanos de Rondônia (vejap. lü9ss neste presente livro)":

6. CULTURA E MISSÕES

O complexo relacionamento entre cultura e mis-


sões não preocupa apenas líderes de missões e denomina-

45
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

ções, missionários e pastores, mas também a liderança da


igreja local.

As repetidas acusações e ataques do mundo secu-


lar contra a obra missionária pesam muito e fazem com que
precisemos nos preocupar mais com questões interculturais.
Será que as missões destruíram culturas indígenas? É verdade
que no passado erros foram cometidos no evangelismo indíge-
na, como por exemplo, na cristianização do continente latino-
americano pelos portugueses e espanhóis?Mas também os evan-
gélicos cometeram erros quando silenciaram a sua voz diante
dos desafios políticos e injustiças sociais cometidas pelas dita-
duras latino-americanas na década de 60 e 70 do século passa-
do. Isto possibilitou o surgimento das teologias de libertação.

Uma sincera avaliação das questões culturais foi


feita em Willowbank, nas Ilhas das Bermudas, entre 6 e13
de janeiro de 1978, quando trinta teólogos internacionais,
etnólogos, missiólogos, antropólogos sociais e líderes de igre-
jas se encontraram para debater este assunto delicado.

A consulta de Willowbank formulou quatro alvos:

Obter uma compreensão maior do relacionamen-


to entre evangelho e cultura;

Possibilitar ajuda para uma reflexão crítica da


comunicação intercultural do evangelho;

Mostrar quais os instrumentos adequados na co-


municação do evangelho;

Tornar disponíveis os resultados desta pesquisa


para líderes de igrejas e sociedades missionárias

46
HANS ULRICH REIFLER

Em 17 palestras o vocábulo cultura foi analisado;


uma reflexão bíblica sobre a questão da cultura foi desenvol-
vida; a cultura foi vista em relação à revelação bíblica e com-
preendida no contexto da autorevelação e interpretação da
palavra de Deus.

A consulta também discutiu, de maneira bem


intensa, a problemática do conteúdo e da comunicação do
evangelho no horizonte da cultura.

Tais discussõesnão visavam, apenas, definir bem a


relação tensa entre conversão, igreja, ética cristã, santificação e
cultura, mas também fornecer regraspara a prática missionária.

Como ajuda adicional para avaliar as questões


culturais na moderna obra missionária, encontramos mais in-
formações nos escritos do antropólogo alemão L. Kâser" e
nas publicações do teólogo e ex-missionário Neukirchen B.
BrandI, líder do Colégio Bíblico da Missão de Liebenzell na
Alemanha".

6.1. Modelosantigos, típicos do século XIX

No início do século XIX, quando a obra


missionária cresceu no mundo inteiro, foi aceita, com facili-
dade, a idéia de que as novas igrejas plantadas como resulta-
do da obra missionária estrangeira fossem idênticas às igrejas
dos países de origem. As novas igrejas eram fotocópias das
originais no estilo de música, na arquitetura dos templos, na
liturgia, nos livros de oração, nos instrumentos musicais, na
maneira como decisões eram tomadas, na maneira como igre-
jas eram organizadas, sínodos e juntas constituídos, pastores
ordenados e evangelistas licenciados.

47
ANTROPOLOGIA MISSIONARIA PARA O SÉCULO XXI

Os modelos e procedimentos eclesiásticos e as leis


da igreja foram, fielmente, copiadas pela primeira geração
de crentes. Os novos convertidos eram os mais fiéis seguido-
res e imitadores de seus pais em Cristo, não somente na fé,
mas também na maneira de pensar e agir".

O transplante unilateral da cultura européia e


norte-americana para o resto do mundo foi criticado, pela
primeira Vf2., por famosos líderese pensadores de missões como
Henry Venn (1796-1873) e RufusAnderson (1796-1880).
Eles mostraram que o apóstolo Paulo não fundou agências
missionárias, mas igrejas que se auto-propagavam, auto-go-
vernavam e auto-sustentavarrr".

6.2. O modelo da equivalência dinâmica de Willowbank

Este modelo é caracterizado pelos seguintes ele-


mentos:

Ele se baseia diretamente na palavra de Deus. A


Bíblia é fundamental e não a cultura do
evangelista. Qualquer cultura original é diferen-
te da cultura a ser evangelizada.

Uma exportação cega ou uma cópia fiel da tradi-


ção ocidental é rejeitada.

O importante para uma definição prática não é a


tradição do missionário, de sua igreja ou entida-
de missionária, nem formas fixas do país a ser
evangelizado, mas, antes, os princípios que
correspondam, com mais dinâmica, à verdade
bíblica.

48
HAN5 ULRICH REIFLER

Aspectos culturais como forma, liturgia, cerimô-


nia, música, arte, arquitetura, regras eclesiásticas,
educação teológica, prática de batismo e santa ceia
são definidos pela cultura do país a ser
evangelizado e não pela tradição ocidental ou
predominante.

Os princípios para o crescimento da igreja não


são determinados pelo cristianismo ocidental. Eles
levam em consideração as novas condições do país
a ser evangelizado e estão prontos para o
surgimento de novas formas de culto, adoração,
ordens eclesiásticas e formas eclesiológicas.

As novas formas de tradição permitem o


surgimento de vida espiritual em liberdade, sob
a direção do Espírito Santo. Elaspossibilitam vida
espiritual em abundância. Elas permitem inicia-
tiva própria, a fim de não esmagarem a riqueza
cultural".

6.3. Osproblemas das agências missionárias


em suas relações com a cultura
a) A liberdade e a emancipação da igreja

Jesus não deu ordem aos apóstolos para funda-


rem agências missionárias. Ele ordenou que fizessem discípu-
los entre as nações. Os apóstolos não criaram entidades
missionárias e nem estruturas de poder. Eles fundaram igre-
jas capazes de fundar outras igrejas. No processo de implan-
tação de igrejas os apóstolos aceitaram a idéia da emancipa-
ção da liderança local (At 14.23; 20.17-38; Tt 1.1-5; 1Tm

49
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O 5ECULO XXI

1.1-5; 2Tm 2.2). Desta forma as novas igrejas aprenderam


como assumir suas próprias responsabilidades diante de Deus
e como cumprir o seu papel, em liberdade, como parte do
corpo mundial de Cristo. Os discípulos não criaram uma in-
dústria de missões, mas igrejaslocais, dinâmicas, que observa-
vam a doutrina dos apóstolos (At 2.42) e que se multiplica-
vam, no poder do Espírito Santo.

b) Estruturas depoder em missões

Pela simples observação dos carinhos e cânticos


cantados numa igreja local posso perceber se a maioria dos
missionários que ali serviram era de americanos, suíços, ale-
mães ou ingleses. Eles trouxeram os seus cânticos prediletos
para o novo campo. Os americanos trouxeram os cânticos do
grande avivamento (Sankey, Moody); os ingleses, os cânticos
dos Wesley; os alemães, os hinos da reforma protestante e do
pietismo. A composição do Cantor Cristão, usado por mui-
tas igrejas evangélicas brasileiras, é prova desta tese. Cerca de
90% desses hinos são tradições de hinos clássicos norte-ame-
ricanos. O hino Castelo fOrte é nosso Deus é de origem alemã,
por exemplo.

Grandes sociedades missionárias, cujas sedes es-


tão na Inglaterra, na Alemanha ou na América do Norte,
usam a estrutura de poder na maneira como selecionam os
novos candidatos para missões. Candidatos que possuem ou-
tras convicções teológicas dentro de áreas como a
pneumatologia, a eclesiologia ou a escatologia não são aceitos
como novos membros. Às vezes, até a forma como o candida-
to foi batizado pode ser crucial para a admissão. Abuso de
poder é evidente quando uma missão determina que tipo de

50
HAN5 ULRICH REIFLER

material didático os seus missionários devem usar no


evangelismo, que modelo eclesiástico devem seguir, como
devem lidar com o problema da circuncisão ou quando pro-
íbe, aos novos convertidos da África, falar em inglês. O pior é
que, mais tarde, eles precisam enviar os seus novos líderes
nacionais para Inglaterra a fim de aprenderem o inglês!

Estruturas de poder são vistas, também, pela ma-


neira como as decisões são tomadas, que tipo de instrumen-
tos musicais são admitidos na igreja nativa, com quais méto-
dos os líderes nacionais são instalados ou os pastores ordena-
dos. Este tipo de poder se manifesta, principalmente, no iní-
cio de uma nova denominação.

c) Provincialismo e nacionalismo na igreja indígena

Muitas igrejas que nasceram originalmente do


trabalho missionário do mundo ocidental desenvolveram,
depois de sua independência nacional, um provincialismo
legalista ou uma forma de liderança patriarcal ou nacionalis-
ta. Quando o missionário não se submete, voluntariamente,
às novas regras eclesiásticas que, naturalmente, sempre são
"bíblicas", ele é logo declarado persona non grata. No míni-
mo ele é discriminado! Às vezes o missionário tem que sair do
seu campo de ação ou do país. Infelizmente, este desenvolvi-
mento é visto em muitas partes do mundo, seja na Europa,
Ásia, África ou América do Sul. O desenvolvimento naciona-
lista, providencialista ou patriarcal de união de igrejas ou ali-
anças é a razão de numerosas perdas de queridos missionários
que Deus usou ricamente na implantação de novas igrejas.

51
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

d) Sincretismo

Toda igreja no mundo tenta mostrar o seu amor


a Jesus Cristo na sua forma cultural de adoração e serviço.
Mas até onde ela pode ir? Como a igreja local deve reagir a
elementos que são contrários ao decálogo? Pode a igreja acei-
tar meios que possibilitam acesso ao mal? Até que ponto os
elementos culturais precisam ser adaptados, corrigidos, evi-
tados ou rejeitados? Quais elementos favorecem a genuína fé
cristã, quais elementos constituem um obstáculo ao cresci-
mento cristão, quais elementos levam ao sincretismo? Não é
fácil dar uma resposta clara a questões como estas. Talvezpos-
samos diferenciar entre três tipos de elementos culturais.

Elementos culturais neutros que não têm nada a


ver com a fé cristã: por exemplo, a maneira como
construímos as nossas casas ou o método como
desenvolvemos a agricultura.

Elementos culturais que custam anos para serem


transformados: por exemplo, a maneira como a
sociedade é organizada.

Elementos culturais que constituem uma quebra


dos dez mandamentos: por exemplo, a rejeição e
matança de crianças deformadas, a exploração da
mulher como escrava do homem.

6.4. Sensibilização antropológica de


missionários estrangeiros eparceiros nacionais

Em geral as agências missionárias de hoje tentam


evitar erros culturais. Elas exigem de seus candidatos uma
sólida preparação teológica e antropológica. Enviam os seus
52
HAN5 ULRlCH REIFLER

missionários para que façam cursos etnológicos. Preparam os


novos missionários intensivamente antes da primeira chega-
da ao campo. Novos missionários têm que passar por testes,
avaliações, exames em escolas lingüísticas. Eles são treinados
por líderes nacionais antes que comecem seus trabalhos. Mas,
ainda assim, erros culturais acontecem. É praticamente im-
possível evitar erros culturais. Ocasionalmente, até os missio-
nários mais experientes cometem, sem querer, tais erros cul-
turais. Portanto, o missionário estrangeiro e o parceiro nacio-
nal devem ser antropologicamente sensibilizados. Paciência,
tolerância, amor e respeito mútuo, prontidão no processo de
aprendizagem, diálogo aberto e sincero, todos estes princípi-
os ajudam a desenvolver um clima de confiança entre o mis-
sionário estrangeiro e seu parceiro nacional. Juntos eles bus-
cam a orientação divina, oram, evangelizam e estudam a pa-
lavra de Deus para chegarem a conclusões adequadas no tra-
to com os novos convertidos.

Hoje em dia é muito amplo o acesso a informa-


ções gerais sobre a situação geográfica, histórica, econômica,
política ou religiosa de virtualmente qualquer país do mun-
do. Basta fazer uma pesquisa em qualquer almanaque ou
encinclopédia bem referendado para melhor conhecer qual-
quer país, cultura ou povo. Um exemplo pode ser o
Almanaque Abril".

6.5. Comoaprendemos a conhecer e respeitar a nova cultura?

Em primeiro lugar, precisamos analisar, cuidado-


samente, a nova cultura.

Precisamos compreender as tradições da nova


cultura.

53
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

É importante entendermos a maneira como as


pessoas pensam na nova cultura.

Não devemos rejeitar práticas culturais que não


compreendemos.

É bom perguntar, para os missionários experien-


tes, como eleslidam com certas questões culturais.

Amizade com obreiros nacionais ajuda a compre-


endermos melhor as culturais convicçõesculturais.

Revistas nacionais nos dão uma vasta impressão


sobre as questões relevantes.

Aprender bem a nova língua é o portal para a


entrada na nova cultura. Isto ajuda na comuni-
cação eficiente do evangelho de Jesus Cristo.

Diaconia aplicada (ajuda aos pobres, assistência


espiritual e pastoral aos queridos que perderam
um parente, aos sofridos e perseguidos) abre as
portas do coração de todas as pessoas.

Visitas às casas dão uma boa impressão dos costu-


mes da nova cultura.

A preparação de sermões e estudos bíblicos é um


ótimo meio de ser sensibilizado culturalmente.

Presentes mútuos ajudam a criar amizades.

Expressar respeito pelas tradições e costumes da


nova cultura.

54
HAN5 ULRlCH REIFLER

Prestar atenção aos detalhes culturais que causam


espanto.

Fazer perguntas diretas ou indiretas quando não


compreender certas práticas.

o Pacto de Lausanne dedica um capítulo inteiro


à questão da evangelização e da cultura":

o desenvolvimento de estratégias para a evangelização


mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bên-
ção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas pro-
fundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacio-
nadas à cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e
provada pelas Escrituras. Uma vez que o ser humano é
criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e
bondade. Pelo fato de o ser humano ter caído, toda a sua
cultura (usos e costumes) está manchada pelo pecado e
parte dela é de inspiração demoníaca. O evangelho não
pressupõe a superioridade de uma cultura sobre outra,
mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de
verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais
absolutos, qualquer que seja a cultura em questão. As or-
ganizações missionárias muitas vezes têm exportado, jun-
tamente com o evangelho, a cultura de seu país de ori-
gem, e tem acontecido de igrejas ficarem submissas aos
ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escri-
turas. Os evangelistas de Cristo devem, humildemente,
procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade
pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros. As igrejas
devem se empenhar em enriquecer e transformar a cultu-
ra local, tudo para a glória de Deus (Mc 7.8,9,13; Gn
4.21,22; 1Co 9.19-23; Fp 2.5-7; 2Co 4.5).

Isto significa para o missionário de hoje que ele


deve desenvolver uma atitude honesta e crítica de sua pró-
pria tradição e se adaptar, humildemente, à nova cultura.
Desta maneira ele experimentará as diferenças culturais como

55
ANTROPOLOGIA MISSIONARIA PARA O SÉCULO XXI

dádiva divina, como desafio que às vezes dói, mas que tam-
bém complementa de forma enriquecedora. O viver e pen-
sar de maneira diferente ou estranha implica prontidão para
o aperfeiçoamento construtivo da própria cultura. Às vezes,
o que se recomenda é buscar ajuda de crentes maduros. Em
outras oportunidades, não teremos respostas adequadas. Pre-
cisamos ter a humildade para respeitar coisasque pessoalmente
praticaríamos de modo diferente. A igreja nacional ou indí-
gena tenta viver a fé cristã no seu contexto cultural. Aspectos
culturais que têm sua origem no mal ou serão abandonadas
pela igreja ou serão reinterpretados por que o Espírito de
Deus habita nesta nova comunidade. Por outro lado, quan-
do a igreja não amadurece, sob a orientação da Palavra de
Deus e do Santo Espírito, ela estará aberta a todos os tipos de
sincretismo. As igrejas devem se empenhar em enriquecer e
transformar a cultura local para a glória de Deus".

Proponho um pequeno exercício para refletirmos


melhor sobre o que acabamos de desenvolver. Imagine que
você esteja entrando pela primeira vez num país estranho, o
qual deseja alcançar com o evangelho de Jesus Cristo. O que
você fará para compreender o pensar, agir e viver diferente
das pessoas que habitam no novo país? Mencione, pelo me-
nos, quinze meios de aprendizagem da nova cultura.

7. JESUS, O MODELO PARA MISSÕES INTERCULTURAIS

A encarnação de Jesus Cristo constitui o maior


exemplo de missão intercultural: ''A palavra se tornou carne
e habitou entre nós" (]o 1.14). Deus deixou a glória celestial
eterna e se tornou humano entre nós. O Deus eterno se tor-
nou carne, homem desamparado e pobre. Jesus era singular

56
HANS ULRlCH REIFLER

em todos os aspectos. Ele era uma pessoa duas vezes 100%.


Ele era totalmente Deus e totalmente humano. Este mistério
das duas naturezas na pessoa de Jesus Cristo se toma um exem-
plo para missões interculturais.

7.1. Jesus veio como criança pobre

Jesus, o rei dos reis, veio como criança pobre e


desamparada. Jesus, como filho de Maria, nasceu numa man-
jedoura. Ele não veio como imperador, nem como descen-
dente de uma família poderosa ou rica. Ele nasceu numa fa-
mília pobre num país ocupado pelas forças rornanas".

7.2. Jesus veio como aprendiz


Jesus aprendeu a comer, andar, falar e brincar. Seu
pai terreno era carpinteiro e com ele Jesus aprendeu uma pro-
fissão prática. Jesusamadureceu social,prática e espiritualmente
(Lc 2.51-52). Como uma criança de 12 anos ele obedeceu,
cuidadosamente, às palavras dos escribas. Durante trinta anos
ele aprendeu falar, se adaptar à cultura e aos costumes do povo
judaico antes de iniciar o seu ministério na sinagoga de Nazaré.
Ele aprendeu estudar e compreender os escritos do Antigo
Testamento". Jesus se identificou com os homens. Ele achou
graça diante de Deus e dos homens (Lc 2.52).

7.3. Jesus veio como servo

Jesus não veio como imperador ou para ser servi-


do. Antes, ele veio como servo, humilde, pronto para dar a

57
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

sua vida em resgate por muitos (Mc 10.45). Asua vida intei-
ra foi caracterizada por uma atitude de servo. Por esta razão
pôde fazer o trabalho de um servo e dar uma lição de humil-
dade quando lavou os pés de seus discípulos 13.15).ao

7.4. Jesus veio como ser humano

Jesus veio como ser humano. Embora tenha sido


totalmente idêntico a Deus em tudo, veio como humano.
Embora tenha subsistido em forma de Deus não julgou como
usurpação o ser igual a Deus, antes a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tronando-se em semelhança de
Verdadeiro Verdadeiro
Deus ser humano
rei, imperador servo sofredor
filho de Deus filho do homem
grandeza humildade
sem pecado feito pecado
eternidade tempo
metafísica física
transcendente imanente
vida morte
céus terra
paI filho
luz escuridão
glória perdição

homens; e foi reconhecido em figura humana (Fp 2.6,7). Ele


teve sede ao
19.28). Ele precisava deitar-se e dormir, embo-
ra não soubesse aonde (Mt 8.20). Ele foi tentado em todas as
causas como nós, mas em tudo ficou sem pecado (Hb 4.15).
Na sua humilhação aprendeu a obediência. Ele obedeceu até
à morte, e morte na cruz (FI 2.8).

58
HANS ULRICH REIFLER

Perguntas para reflexão

Em que sentido Jesus é um exemplo para missões


transculturais?

Qu\e características essenciais podemos esperar de


um missionário novo?

De que forma precisamos ter paciência com o


missionário recém chegado?

o que você pode dizer para um missionário que


tem problemas na aculturação?

Até que ponto o missionário precisa adaptar-se à


cultura dominante sem comprometer o evange-
lho?

Porque o missionário não chega perto do nível de


adaptação cultural de Jesus em sua encarnação?

o missionário tem que se vestir igual ao índio?


Qual o desafio permanente da encarnação de Je-
sus para a obra missionária?

Em que sentido o missionário moderno tem que


mostrar humildade?

CITAÇÓES

1 L. E. Kwast, "Understanding Culture" em: Perspective On The

World Christian Movement, A Reader, Hrsg. von R. D. Winter


und S. C. Hawthorne, Pasadena 1981, p. 361.

59
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

2 H. Balz, "In und zwischen den Kulturen", em: BasIer Mission,

Hrsg., kein Vogel fliegt mit einem Flügel, 175 Jahre BasIer Mission,
Base! 1990, p. 34.

R. FriedIi, InterkuIturelle Theologie, em: Lexikon


missionstheologischer Grundbegriffe, K. Müller und T. Sundermeier,
Hrsg., Berlin 1987, S. 182.

4 W Bittner, Evangelisches Lexikon für TheoIogie und Gemeinde


(ELThG), H. Burkhardt und U. Swarat, Hrsg., Wuppertal/Zürich
1993, vol. 2, p. 1190ff.

5 C. H. Kraft, Christianity in Culture, A Study in Dynamic BibIical


TheoIogizing in Cross-Cultural Perspective, Nova York 1979, p.
45.

6 L. Newbegin, The gospel in a pIuraIistic society, Londres 1989,


p. 185.

7L. Kaser, Fremde Kulturen, Eine Einführung in die Ethnologie,


Bad Liebenzell 1997, p. 37.

8 Ibid, S. 39.

9 Ibid, S. 41; veja também r. Baur, Die Geschichte des Wortes


Kultur und seiner Zusammen-setzungen, München 1951; Gerndt,
H., Kultur als Forschungsfeld. Über volkskundliches Denken und
Arbeiten. München 1981; Kroeber A. L. und KIuckhohn c.,
Culture: A criticaI review of concepts and definitions. Papers of the
Peabody Musem of American Archaelogy and Ethnology, vol 47,
Harvard 1952 und Znoj H. P., Die Evolution der KuIturfahigkeit.
Beitrage zur Kritik des ethno-Iogischen Kulturbegriffes, Berna et
aI. 1988.

la E. Meier, Kommunikation, Kultur, Kontakte, Evangelische


MissionsIehre, Liebenzell 1989, P: 44-45.

11 G. W Peters, Evangelisation: total- durchdringend - umfassend,

Liebenzell 1977, p. 215s.

60
HAN5 ULRICH REIFLER

12 G. Cotrim, Fundamentos da Filosofia - História e Grandes Te-

mas, São Paulo: Editora Saraiva, 2000, 15. edição, p. 15.

13 Ibid, p. 217.

14 L. Kãser, Fremde Kulturen, op. cit., S. 51-57; T. Bargatzki,

Einführung in die Kulturôko logie. Urn-welt, Kultur und


Gesellschaft, Berlin 1986.

15 Ibid, p. 51.

16 Ibid, p. 56.

17 P. Hiebert, "Social Structure and Church Growth", em: R. D.

Winter und S. C. Hawthorne, Perspectives On The World Christian


Movement. A Reader, Pasadena 1999, p. 426.

18 Ibid, p. 427.

19 Ibid, p. 428.

20 U. Wiesemann, Hrsg., Verstehen und verstanden werden.


Praktisches Handbuch zum Fremd-sprachenerwerb, Lahr 1992, p.
1.

21 E. Weis, Grund- und Aufbauwortschatz Englisch, Stuttgart 1964,


2. Auflage, p. 10-12.

22 Ibid, p. 6.

23 D. Hesselgrave, Comunicação Transcultural do Evangelho, 3 vols,

São Paulo: Edições Vida Nova, sem referência ao ano de publicação.

24 José Henrique Peres Rodrigues, Os últimos moicanos de rondónia,


www.uvigo.es de 17 de agosto de 2001.

25 L. Kãser, "... und blieben am ãussersten Meer", Liebenzell 1972;


Ders., Mission heute - Argumente eines Võlkerkundlers, in: Ursula
Wiesmann, Mission und Menschenrechte, Wuppertal 1979, p.
101-111 und Artikel: "Der Mensch, sein Wert und Unwert im

61
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI
Spiegel von Kultursystem und Bibel", em: Kasdorf, Hans und
Müller, K. W (Hrsg.), Bilanz und Plan: Mission an der Schwelle
zum Dritten Jahrtausend, Festschrift für G. W Peters, Liebenzell
1988, p. 312-317; Ders., Fremde Kulturen, Bad Liebenzell 1997.

26 B. BrandI, Beschneidung als Problem in der Pionierphase der

Neukirchener Pokomo Mission - Ein Beitrag zum Thema


Evangelium und Kultur, em: Evangelikale Missiologie, Korntal
1998/1, p. 18-30.

27 Der Willowbank-Report, Lausanne geht weiter, op. cit, p. 81.

28Ibid, S. 82; veja também R. Anderson, Foreign Missions: Their


Relations and Claims, New York, Charles Scribner 1869, p. 16-
17.

29 Ibid, p. 83-85.

30 Almanaque Abril 2002, São Paulo: Editora Abril, 2002, 2 vols.

31Pacto de Lausanne, Artigo 10, publicado em A Missão da Igreja


do Mundo de Hoje, São Paulo: ABU Editora e Visão Mundial, 1982,
p. 244-245.

32 Ibid.

33S. G. Lingenfelter und M. K. Mayers, Kulturübergreifender


Dienst. Ein Modell zum besseren Verstehen zwischenmenschlicher
Beziehungen, Bad Liebenzell, Verlag der Liebenzeller Mission,
1991, p. 15.

34 Ibid.

62
~4-~4-k
~fclc~H~~

03
1. COMO O SER HUMANO PENSA E SE SENTE EM
CULTURAS DIFERENTES?

Pessoas de outras culturas agem e vivem de modo


diferente de nós. Às vezes até pensam diferente. Isto implica
uma lógica diferente ou estranha. Antropólogos e filósofos
de religião se referem à etnologia. O que parece normal e
lógico numa certa cultura se torna, numa outra cultura, es-
tranho e ilógico. De repente percebemos que existem tam-
bém outras atitudes, tradições e convicções, outros valores,
sentimentos e hábitos. Esta problemática, geralmente, não é
uma questão de certo ou errado, melhor ou pior; simples-
mente é diferente, um problema que traz vantagens e des-
vantagens para a pregação do evangelho.

No Japão existem muitas regras para a vida em


sociedade. Quem cruza as pernas ofende a pessoa que está
próxima. Decente é pedir uma segunda xícara fervente de
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

chá. Cuidado com presentes - papel preto e branco leva o


mal. Eles devem ser entregues ao final de uma visita e jamais
poderão ser desembrulhados diante do doador'.

Na China todos os presentes devem ser divididos


por dois. De preferência, devem ser embrulhados em papel
vermelho. Agir com nervosismo, falar alto ou outras reações
emocionais constituem um escândalo, mas um sorriso chinês
é bem visto em qualquer circunstância''.

Cuidado com qualquer contato físico com pesso-


as no Japão, na Tailândia e em Sri-Lanka. Ninguém jamais
poderá tocar os cabelos de uma criança tailandesa porque a
cabeça constitui a parte mais santa do corpo humano. Pior
ainda é apontar o dedo para alguém ou tocar os seus pés".

Os filipinos têm sérios problemas em aceitar crí-


tica sobre seu país. Pessoas convidadas devem chegar no local
com, pelo menos, 15 minutos de atraso. Se elas chegam antes
são consideradas glutonas. Na China, por outro lado, a pon-
tualidade os vestidos finos e a decência são de suma impor-
tância. Gorjetas são desprezadas.

A problemática de diferentes culturas não é uma


questão de norte e sul, entre países mais desenvolvidos e
países menos desenvolvidos, entre países industrializados e
agrários. Até dentro do mesmo estado, da mesma provín-
cia, do mesmo município, da mesma tribo ou família coe-
xistem várias culturas. Existem pessoas com tendência emo-
cional, racial ou pragmática, embora tenham vivido dentro
da mesma cultura.

A lista que se segue é uma tentativa de mostrar as


tendências do pensamento e sentimento predominantes nos
países do velho mundo (Europa e América do Norte) em con-

66
HAN5 ULRICH REIFLER

traste com os pensamentos e sentimentos reinantes em países


do hemisfério sul. As observações nem sempre são aplicáveis.
Pessoas bem educadas em países do hemisfério sul pensam do
modo semelhante das pessoas do velho mundo.

Tendências do pensamento Tendências do pensamento


europeu e norte-americano do hemisfério sul
sistemático e analítico na Intuitivo, repetirivo na
maneira de contar uma maneira de contar uma
história história
pensamento holísrico pensamento preto e branco
pensamento teórico pensamento prático
pensamento diferenciado pensamento espontâneo
pensamento reflexivo pensamento repetitivo
pensamento futurista pensamento momentâneo
pensamento autônomo pensamento coletivo
consciência histórica consciência natural
orientação de consciência orientação de vergonha
orientação técnica orientação pessoal
fé crítica fé simples
poucas palavras muitas palavras
retórica objetiva retórica viva
objetivismo subjetivismo
pensamento global pensamento local
pensamento holísrico pensamento parcial ou
cultura de realização unilateral
própria cultura de sobrevivência
consciência democrática consciência do clã
orientação individual orientação familiar
conhecimento experiência
princípios fixos princípios flexíveis
enfrentar diretamente a evitar confronto direto com
verdade a verdade
comunicação direta comunicação indireta
carreira herança e status familiar
prestígio conquistado prestigio herdado
pouco tempo muito tempo
esfera íntima esfera social
pontualidade flexibilidade

67
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Quando você chega a um novo país é recomen-


dado que comece logo observar e anotar os costumes, hábi-
tos, tradições, pensamentos predominantes e maneira de pen-
sar, sentir e comunicar. Desta forma você terá, aos poucos,
um retrato fiel das pessoas que vivem nesta cultura. Você será
sensibilizado e preparado para, depois, aprender a língua e,
finalmente, comunicar o evangelho de Jesus Cristo. O im-
portante é não criticar as coisas que você ainda não compre-
ende. Você sempre pode pesquisar, ler, observar, analisar e
perguntar.

O ex-missionário nas ilhas no pacífico, S. G.


Lingenfelter, hoje conselheiro do Instituto Lingüístico do Verão
em muitos países, mostra, em seis exemplos, de que forma
pessoas de culturas diferentes pensam e atuam":

1.1. Sensibilidade difetente ao tempo

A sensibilidade em relação ao tempo muda de


cultura para cultura, de pessoa para pessoa. Algumas carac-
terísticas são perceptíveis.

o atraso é O hospedeiro fica O hospedeiro é


perdoado nervoso ofendido

Ásia 2 horas 3 horas 4 horas

América
Y2 hora 1 hora 2 horas
Latina
América do
5 minutos 15 minutos lIz hora
Norte

68
HAN5 ULRlCH REIFLER

1.2. Modo depensar diferente

Já temos observado que pessoas em continentes


diferentes pensam de modo diferente. Agora queremos anali-
sar as diferenças mais de perto. É bem possível que nos encon-
tremos em uma das duas caixas. Em nosso modo de pensar
podem se reunir ou misturar elementos de ambas as caixas.

Pensamento preto e branco Pensamento holístico

Conclusões são abertas e podem


Conclusões são preto ou branco,
ser diferentes. As circunstâncias
certo ou errado.
são levadas em consideração.
O sentimento de segurança
emana das múltiplas relações
O fato de ter razão ou estar certo
dentro da sociedade. A gente se
garante uma posição segura na
sente insegura quando tem que
sociedade.
exercer uma posição não
desejada.
Informações e experiências
Informações e experiências são aparecem não estruturadas e não
estruturadas sistematicamente. organizadas (histórias,
Todos os detalhe-i se organizam acontecimentos, apresentações).
entre se e formam o total do Os detalhes existem
esquema. independentemente uns dos
outros e estão entre se fechados.

1.3. Estratégias diferentes ao lidar com crises

Pessoas de culturas diferentes lidam com crises de


modo diferente. As duas posições extremas podem ser cha-
madas de analítica e sintética.

69
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O St'CULO XXI

Orientação de crise Calma diante da crise

Espera crises Nem pensa em crises


Dá ênfase ao planejamento Confia na experiência

Busca soluções imediatas para


Deixa as decisões para amanhã
evitar cousas não definidas

Repete os passos para resolver os


Prefere soluções espontâneas e
problemas sempre do mesmo
flexíveis
jeito

Permanece cético diante a


Busca ajuda profissional possibilidade de ajuda
profissional

1.4. Orientações diferentes quanto aos alvos

Indivíduos e culturas que vivem com e para alvos


estão satisfeitos quando alcançam os seus alvos. Indivíduos e
culturas que vivem orientados para pessoas se alegram na co-
munhão. Manter as relações interpessoais é, portanto, mais
valioso do que alcançar alvos.

Orientação aos alvos Orientação às pessoas

Concentração para as tarefas e os Concentração em pessoas e


alvos relações interpessoais

Torna-se satisfeito quando


Torna-se satisfeito quando o
consegue manter boas relações
alvo é alcançado
interpessoais
Procura contato com pessoas que
Procura contato com pessoas que
buscam boa comunhão umas
buscam os mesmos alvos
com as outras
Fica triste diante da solidão
Aceita a solidão para alcançar os
porque busca sempre a
seus alvos pessoais
comunhão com outros

70
HANS ULRICH REIFLER

1.5.Autoconfiança diferente

Todo ser humano tem autoconfiança, algumas


pessoas mais do que outras. Quando se compara várias cultu-
ras do mundo, se percebe que o grau de autoconfiança varia
entre nações, povos e tribos. As diferenças têm algo aver com
status, educação, posição, cultura e prestígio do indivíduo e a
sociedade em que vive.

Prestígio herdado dos pais Prestígio alcançado


O valor de uma pessoa é
O valor de uma pessoa é
determinado pela descendência,
alcançado através de esforço e
pelo nascimento e a posição de
sucesso
seus pais
Uma pessoa de alta posição O respeito cresce com o sucesso
recebe respeito independente de e cai com as falhas de uma
seu comportamento pessoal pessoa

Espera-se que seja cumprido o Um indivíduo permanece


seu papel conforme as regras. simples e autocrítico. Ele está
Espera-se ajuda e proteção para pronto para fazer sacrifícios para
subir na posição ter mais sucesso e produzir mais
O indivíduo busca contatos com
O indivíduo busca contatos, pessoas que tenham experiências
principalmente, com pessoas da semelhantes sem perguntar de
mesma posição onde ela vem ou qual a sua
posição

1.6. Sensibilidadepessoaldiferente
Talvez esta seja a parte mais sensível entre dife-
rentes culturas. Observa-se que algumas culturas têm uma
"orientação de consciência" outras têm uma "orientação de
vergonhà'. Para pessoas orientadas pela consciência o peca-
do se torna pecado quando o seu coração começa a bater

71
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

forte. Por outro lado, as pessoas orientadas pela vergonha sen-


tem o pecado somente quando ele for descoberto; enquanto
ninguém sabe, o pecado não é pecado.

Certamente você pode se lembrar de uma histó-


ria que comprove esta diferenciação entre "cultura de cons-
ciência" e "cultura de vergonha". Tente contar esta história
como uma "tarefa antropológica". Ela tem que ser verídica e
compreensível.

"Cultura de vergonha" "Cultura de consciência"

O importante é manter o vestido Pronto para enfrentar a verdade,


branco e evitar o erro mesmo que doa

Mostra firmeza, apesar das


Cumpre o seu papel
perdas
Movimenta-se dentro de suas
Aberto para caminhos novos
fronteiras seguras
Rejeição de culpa quando
Aceitação de culpa pessoal
possível
Não aceita outra opinião ou Aberto à crítica e posições
crítica diferentes
Assuntos pessoais permanecem Pronto para falar sobre assuntos
assuntos privados pessoaIS

2. COMO SE ANALISA UMA NOVA CULTURA?

Neste tópico mostraremos como é possível anali-


sar uma nova cultura de maneira autodidática. Para analisar
uma cultura estranha ou desconhecida precisa-se,
indispensavelmente, de amor, paciência, tato, tolerância, com-
preensão, humor, prontidão para ouvir e aprender, coragem
para enfrentar os contrastes, as incompreensões e falhas.

72
HAN5 ULRICH REIFLER

o antropólogo M. SavilleTroike recomenda ana-


lisar, cuidadosamente, as seguintes áreas através de perguntas
cautelosas':

Estruturafamiliar

Quem pertence à família?

Quais as funções, responsabilidades e competên-


cias de cada indivíduo da família?

Ciclos de vida

Quais as fases, períodos ou modificações mais


importantes da vida na cultura a ser pesquisada?

Quais as atitudes infantis que são inaceitáveis nas


fases do desenvolvimento de uma criança?
Posições interpessoais

Que posições são tomadas por quem e em que


sentido?

Como posições são adquiridas e mantidas?


Relações interpessoais

Como as pessoas se saúdam e se apresentam?

Quem tem o direito de contradizer alguém?

Como as ofensas são articuladas?

Comunicação

Quais línguas e quais dialetos são falados?

73
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Que características pertencem ao bom costume


da língua?

Quais as características típicas da comunicação


verbal e não verbal?
Comportamentoe disciplina

Como as pessoas se comportam pessoalmente e


em público?

Quais instrumentos de disciplina são aplicados?


Religião

Quais as posições e autoridades religiosas que são


aceitas?

o que o estrangeiro deve saber para ter um rela-


cionamento correto com estas autoridades religi-
osas?
Saúde ehigiene

Como as doenças e a morte são explicadas?

Como as doenças são tratadas?


Nutrição

o que se come, de que maneira e quantas vezes?


Quais as regras à mesa, à refeição, quais são as
proibições de comida, as maneiras de preserva-
ção da comida?

74
HAN5 ULRICH REIFLER

Feriados efestas

Quais os feriados importantes que precisam ser


observados?

Por que estes feriados são importantes?

Em que consiste o valor cultural para se preservar


estes feriados ou festas para a próxima geração?

Vestidos eaparência pessoal

Que valores têm as roupas para a identidade so-


cial do indivíduo?

Como se caracteriza o conceito e o valor de bele-


za e atratividade?

Valores
Quais valores são absolutamente importantes,
quais são desejáveis e quais os de menos impor-
tância?

Quais valores são importantes para serem aceitos


ou evitados pelo resto do mundo?

Históriae tradição

Como as histórias e as tradições são transmitidas


para a próxima geração?

Como se diferencia a compreensão cultural da


história de fatos científicos ou da história do mun-
do em geral?

75
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Educação

Quais são os alvos da educação?

Que assuntos são preferidos?

Quais as expectativas dos pais quanto à educação


dos filhos e das filhas?
Trabalho e lazer

Qual o comportamento adequado no trabalho e


no lazer?

Quais são os trabalhos voluntários?

Por que certos trabalhos são considerados valio-


sos e de prestígio?
Tempo e espaço

o que significa pontualidade?


Qual a importância da pontualidade?

Qual o valor de tempo?

Quais os critérios para a organização de grupos:


idade, sexo, posição?
Fenômenos naturais

Quem é responsável pela chuva, trovão, en-


chente?

Será que existe qualquer relação entre alguns ta-


bus e fenômenos naturais?

76
HANS ULRICH REIFLER

Animais

Quais os animais que são considerados especial-


mente valiosos?

Por que alguns animais têm mais valor do que


outros?

Quais animais são aceitos ou rejeitados?

Arte e música

Que tipo de arte ou música é bem vista?

Que tipo de arte ou música é adequada para cri-


anças?

Espectatiuas eperspectivas

Quais as expectativas dos pais em relação aos seus


filhos? Eles devem manter a mesma cultura, lín-
gua, dialeto dos pais ou eles podem se adaptar
quando for possível?

Quais os elementos culturais que são indispensá-


veis para uma boa educação?

3. COMO LIDAR COM ACULTURAÇÃO, CHOQUE CULTURAL


E STRESS CULTURAL?

Diplomatas, representantes e empregados de


embaixadas, comerciantes internacionais, representantes das
grandes empresas globais e missionários em geral conhecem
a problemática da aculturação, do choque e stress cultural
quando viajam pelo mundo.
77
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Como evitar o famoso choque cultural? Como


podemos nos preparar bem, antes de viajarmos para um país
estranho e novo, cuja cultura e língua não conhecemos? Será
que existem possibilidades de se evitar o choque cultural? Será
que todos os indivíduos passam pelo choque cultural? Como
lidar com o stress cultural?

3.1. Aculturação

Quem visita o campo missionário chega como


servo, aprendiz, forasteiro e não como imperador, coloniza-
dor ou representante de uma cultura superior. Mesmo de-
pois de ter vivido por muitos anos no campo missionário, o
europeu permanece europeu e o americano não deixa de ser
americano. Isto nada tem a ver com a falta de aculturação ou
interesse pelo país onde se vai servir. Missionários não conse-
guem esconder sua herança cultural, seu país de origem, suas
raízes, seu modo de pensar e viver ou educar seus filhos. Nin-
guém exigiria isto.

o que se espera do novo missionário é que ele se


adapte, que ele conviva, aprenda e se comunique com os ci-
dadãos nacionais como se fosse um deles. Este processo de
adaptação cultural se chama, na antropologia, assimilação ou
aculturação.

Diante da realidade da aculturação existem duas


possibilidades: ou o novo missionário nega que vive numa
cultura diferente e esperimenta um choque cultural dramá-
tico que, na pior das hipóteses, pode custar sua própria vida,
ou ele aceita o fato da estranheza, do novo, do ser diferente,
acaba aprendendo e assimilando, sem rejeitar a sua identida-
de de origem.

78
HANS ULRICH REIFLER

3.2. Choque cultural

o choque cultural pode ser descrito como falta


de orientação e estabilidade psíquicas diante da realidade do
novo e de sentir-se diferente diante da estranheza da nova
cultura. Este choque leva o indivíduo a sentir-se uma pessoa
rejeitada, sem orientação, influência, poder e competência
para agir conforme as suas convicções ou necessidades bási-
cas", De certa forma, todo indivíduo passa por uma ou outra
forma de choque cultural num país estranho. O que varia é a
intensidade deste fenômeno. Poucos missionários negam que
passaram por um choque cultural. Na média, alguns dizem
que passaram por momentos curtos de crise e falta de orien-
tação. Em alguns casos as pessoas adoeceram tão gravemente
que se tornaram candidatas ao suicídio. Outras precisaram
voltar para casa.

Quando está passando por um choque cultural,


uma pessoa pode apresentar os seguintes sinais:

Não consegue mais dormir apropriadamente.

Desenvolve complexos de inferioridade.

Sofre de fadiga física ou emocional.

Mostra uma extrema saudade e forte desejo de


retornar para casa.

Vive constantemente frustrado.

Fica completamente desanimado.

Sofre de uma repentina e estranha mudança na


sua personalidade.

79
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

É incapaz de administrar a sua vida diária.

Torna-se nervosa.

Torna-se hiperativa e apressada.

Desenvolve algum hábito estranho.

É importante diferenciar entre um choque cul-


tural dramático e um temporário. A maioria dos novos missi-
onários passa, de uma forma ou de outra, por um choque
cultural temporário. É praticamente impossível dar um prog-
nóstico de quando e como uma pessoa está passando por um
choque cultural. Algumas pessoas negam veementemente que
estejam passando por um choque embora todos os colegas
percebam, há dias, que elas estão passando por momentos
difíceis.

o que pode ajudar alguém a vencer o choque


cultural? Uma vida disciplinada, humildade, flexibilidade,
prontidão para ouvir e aprender ou aceitar aconselhamento
pastoral. Quando o missionário novato não consegue vencer
o choque cultural da forma adequada, é melhor que ele
retorne ao seu país de origem.

3.3. Stresscultural

o stress cultural pode ser descrito como um con-


junto de elementos físicos e psíquicos adicionais que o missio-
nário sofre por viver numa nova cultura e num novo ambi-
ente: calor, umidade, alergia, língua, distância geográfica,
estilo de vida, comida.

80
HAN5 ULRlCH REIFLER

o stress cultural não é um fenômeno temporá-


rio. O missionário tem que aprender a se adaptar às novas
situações, embora isto se torne um desafio constante. Pessoas
que aprenderem a conviver com o stress cultural são pessoas
bi-culturais/.

Gostaria de mencionar um outro aspecto que


muitas pessoas esquecem ou não levam em consideração. Pes-
soas originadas de países do hemisfério norte que trabalham
em países tropicais ou subtropicais envelhecem (fisicamente,
mesmo!) mais rápido. Isto é o resultado do stress cultural e cli-
mático. O missionário norte-americano ou europeu não pode
viver num país tropical da mesma maneira que em seu país.

Um exercício a partir de um caso concreto

A missionária Sara tem 28 anos e chegou recen-


temente da Alemanha. Faz dias que ela não consegue dormir.
Ela perdeu o apetite e não agüenta mais os vários tipos de
insetos e o cheiro do mercado central da cidade tropical em
que se encontra. Entrar no ônibus se torna praticamente im-
possível. Ela está nervosa e agitada embora seja conhecida
como pessoa uma calma. Ela até desenvolveu a mania de lim-
par todas as coisas sujas.

Como você pode ajudar Sara a vencer os seus


problemas e quais seriam os seus conselhos para ela e para os
líderes de sua missão?

81
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O Ssano XXI

4. O RELACIONAMENTO ENTRE DEUS E A CULTURA

Como a igreja de Jesus Cristo e os missionários


reagem diante do relacionamento entre Deus, cristandade e
cultura? Qual a atitude de Deus diante a cultura? Como o
crente se posiciona diante dos desafios da cultura? Gostaria
de apresentar, como parte de uma resposta para estas ques-
tões, dez teses principais:

Deus não criou a cultura. Ele criou o ser huma-


no e o mundo para que ele tenha seu espaço e
possa se desenvolver culturalmente (Gn 1-2).

Deus criou o ser humano à sua imagem, com ca-


pacidade moral, social e espiritual responsável.

Com a criação Deus deu, ao ser humano, as con-


dições para o seu desenvolvimento cultural.

Afirmamos que a revelação bíblica não foi dada


num espaço cultural neutro. Pelo contrário, ela
faz parte de um contexto cultural. Os materiais
com que a arca da aliança e seus utensílios foram
feitos eram materiais típicos do Oriente Médio
(Ex 25-28).

O evangelho não dá preferência ou supervaloriza


uma única cultura, nem avalia uma cultura como
superior ou inferior, bíblica ou pagã.

A cultura deve ser julgada e provada diante das


Escrituras.

82
HANS ULRlCH REIFLER

Múltiplas culturas refletem aspectos da obra di-


vina na criação embora isto aconteça apenas de
maneira rudimentar.

o ser humano é capaz de perverter, consciente-


mente ou inconscientemente, a criação divina
pelo egoísmo pessoal ou econômico (exemplos:
exploração indiscriminada da selva amazônica,
energia nuclear, etc.).

Admitimos que certas formas de vivência podem


ser expressão do mal ou das dimensões demonía-
cas (espiritismo, candomblé, macumba,
animismo, consumismo, glutonaria).

o Pacto de Lausanne argumenta que, pelo fato


de o homem ser criatura de Deus, "parte de sua cultura é rica
em beleza e bondade. Pelo fato de o homem ter caído, toda a
sua cultura (usos e costumes) está manchada pelo pecado e
parte dela é de inspiração dernoníaca'".

Portanto, a cultura do homem caído terá sempre


dois lados. Ela pode mostrar beleza e bondade mas, já que o
ser humano é pecador, ela está manchada pelo domínio do
pecado. Diante desta dupla natureza toda cultura precisa ser
provada. Deus não tem favoritos culturais (Ap 21.26,27)9.

É mérito de alguns teólogos norte-americanos a


classificação da relação entre Deus e a cultura.

As primeiras tentativas foram apresentadas pelo


Professor de Ética H. R. Niebuhr'". Em 1951, ele apresen-
tou três modelos principais que esclarecem a relação entre
Cristo e a cultura e as chamou de: Cristo contra cultura; Cristo
na cultura; Cristo acima da cultura.

83
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

o secretário executivo da Sociedade BíblicaAme-


ricana Eugene A. Nida publicou, em 1954, o famoso livro
Customsand Culture, que também foi traduzido para o portu-
guêsl l . Quatro anos mais tarde publicou Message andMission'?
e, em 1964, Tou/ard a Science of Translating: With Special
Reference to Principles and Procedures lnvolved in Bible
Translating>. Em 1963, o famoso antropólogo norte-america-
no de missões LouisJ. Luzbetak publicou Churchand Cultures."

A publicação mais avançada e, mundialmente,


aceita neste processo foi, sem dúvida, a obra do professor afri-
cano de estudos antropológicos e ex-missionário Charles H.
Kraft do Fuller Theological Seminary, em 1979. Kraft se refe-
re a quatro modelos. Kraft partiu dos três modelos de H. R.
Niebuhr mostrando as vantagens e desvantagens, as implica-
ções e perigos de cada um. Ele opta por um quarto modelo
que chama de "Deus trasforma a cultura'"". Vejamos o que
ele diz:

4.1. Deus está contra a cultura

Neste posicionamento radical, ultraconservador


e às vezes legalista, o termo cultura é identificado com o mun-
do vil. Para provar esta tese poderíamos citar textos bíblicos
como 1 João 2.15,16 e 5.19, onde os crentes são desafiados a
não amarem o mundo'".

Já encontramos esta atitude no início da história


eclesiástica. Com esta argumentação os cristãos rejeitaram qua-
se tudo que se originou da cultura dos judeus. Com a mesma
intensidade o cristianismo reagiu, mais tarde, aos fenômenos
culturais que emanaram da cultura greco-romana'? Na Re-
forma Protestante em Zurique, Ulrico Zwínglio não apenas

84
HAN5 ULRICH REIFLER

rejeitou a arte, as pinturas e os órgãos da Igreja Católica Roma-


na, mas também mandou que os quebrasseme os queimassem.

Pode-se argumentar, à luz deste princípio, que os


descendentes de Caim inventaram tocar a harpa e flauta.
Portanto, qualquer música tem a sua origem no mal e na
prepotência do ser humano (Gn 4.21,22). Nós encontramos
este posicionamento, ainda hoje, em algumas igrejas evangé-
licas brasileiras, principalmente no interior do país. O pro-
blema deste modelo é a identificação total da cultura com o
mundo e com o mal. Não se consegue fazer uma diferencia-
ção entre o mundo, o pecado e a cultura: o futebol, a televi-
são, a internet e todas as cousas modernas são erradas. Em
nenhum lugar a palavra de Deus condena a cultura ou o
desenvolvimento humano em si!

Conseqüentemente, qualquer aplicação desta ati-


tude conduz a uma contra-revolução como visto na China
nas décadas de 60 e 70, ou no Camboja no tempo da ditadu-
ra do Kmer Vermelho.

Esta atitude contradiz a maneira como Jesus vi-


veu. Jesus viveu como judeu e contemporâneo do Império
Romano. Não possuímos indicações de que Jesus se vestiu de
maneira completamente diferente de seus conterrâneos. Je-
sus rejetou o mundo vil, o pecado e os vícios do mundo sem
rejeitar todos os costumes e tradições de seu povo e tempo.

4.2. Deus está na cultura

Dentro deste pensamento encontramos duas li-


nhas semelhantes: a) Deus já está em toda e qualquer cultura
presente; b) Deus está presente na chamada cultura cristã.

85
ANTROPOLOGIA MI5510NARJA PARA O SÉCULO XXI

a) Deus está presente em toda e qualquer cultura, também na


culturapagã

Este posicionamento está sendo defendido pela li-


nha liberal dentro do Concílio Mundial de Igrejas, linha esta
que deixa para trás o conceito tradicional de missões que visa a
conversão do pagão. Postula um novo conceito de missões em
termos humanistas. Deus já existe em todas as culturas, de
maneira escondida, porque seu Espírito criou e penetrou to-
das as cousas. A vida estava na palavra, e a vida era a luz dos
homens 00 1.9) 18. Estes elementos precisam apenas ser desco-
bertos para que o homem chegue a crer. Missões seria alguma
coisa que aconteceria no diálogo intercultural. Este diálogo
inter-religioso criaria as condições para descobrir a verdade que
liberta e não a simples propagação do evangelho. Existiriam
muitas maneiras para chegar à verdade, porque Deus habita
em todos. A sua verdade eterna estaria escondida em todas as
religiões. A missão cristã deveria viver tolerando as contradi-
ções existentes. Alegam que seria necessária a criação de um
novo retrato da vida de Jesus através do diálogo e não através
do dogma que se opõe à vida e à experiência I9.

o perigo desta escola é o posicionamento acrítico


e inocente a respeito da cultura. A cultura sempre recebe
uma posição elevada, quase que absolutamente correta. Qual-
quer cultura pagã está sendo espiritualizada, A posição rei-
nante da cultura de um povo é adotada quase como uma
verdade absoluta que jamais poderia se mudar. Portanto, se-
ria melhor deixar o hindu como hindu, o muçulmano como
muçulmano, o animista como animista; arrependimento e fé
em Cristo são substituidos pelo diálogo intercultural e inter-
religioso através do qual o ser humano, sem a pregação tradi-
cional da palavra de Deus, possa chegar a reconhecer a ver-
dade, haja vista que Deus já está na cultura.

86
HANS ULRlCH REIFLER

b) Deus estd na cultura cristã

Nesta convicção, a cultura do cristianismo tradi-


cional europeu é a cultura na qual Deus está definitivamente
presente. Afinal, Jesus se revelou na cultura greco-romana.
Portanto, esta cultura é sacra, superior e correta. Todo pen-
sar, sentir e agir deve ser medido por esta cultura dominante.
Esta posição prepotente conduziu os chamados "países cris-
tãos" da Europa, sob a liderança do papa Urbano lI, em di-
reção às desastrosas Cruzadas contra o mundo islâmico (1095-
1272). Na descoberta da America Latina, foram os "países
cristãos", Espanha e Portugal, que dominaram o continente.
Cristianizaram, pela força, o povo ameríndio. O resto da his-
tória e suas consequências são bem conhecidas entre nós.

No entanto, o Deus verdadeiro da Bíblia não é


um Deus romano, grego, europeu, espanhol ou português.
O Deus da Bíblia é o criador de todos os homens, o senhor
do mundo inteiro e salvador para aqueles que o buscam em
espírito e em verdade.

4.3. Deus estd acima da cultura

Representantes da teologia neo-ortodoxa alegam


que Deus vive acima da cultura. Deus é totalmente diferen-
te. Deus é acima da cultura. Esta posição tem influenciado,
profundamente, o pensamento ocidental". Karl Barth, o lí-
der do pensamento neo-ortodoxo no século XX, entendia que
Deus é completamente diferente, totalmente outro, acima
de qualquer pensamento humano a seu respeito. Ele se reve-
la, exclusivamente, no seu filho Jesus Cristo. Qualquer outra
revelação, também a revelação na criação ou a revelação ge-
ral, seria pagã e fútil.

87
ANTROPOLOGIA MISSIONARIA PARA O SÉCULO XXI

Mesmo aceitando a doutrina da centralidade e


singularidade de Cristo, rejeitamos a posição que não leva
em consideração que Deus se manifesta na criação. O traba-
lho missionário prova que muitos homens têm conhecimen-
to rudimentar a respeito de um Deus superior ou uma possí-
vel verdade. Ainda que este conhecimento não salve, ele é,
muitas vezes, a chave para se entrar na cultura estranha ou
desconhecida a fim de proclamar o evangelho transforma-
dor de Jesus Cristo.

Para refletir: quais as afirmações bíblicas a respei-


to do conhecimento natural-moral que o homem possui (Rm
1.19,20; SI 19.1-4)?

4.4. Deus"transforma a cultura

Esta escola tradicional evangélica respeita a cul-


tura presente. Ela não aceita esta cultura na sua totalidade,
nem a rejeita. Um julgamento diferenciado da cultura se
torna necessário. Deve haver uma diferença entre cultura
tradicional, antes da penetração do evangelho, e a mesma
cultura, a partir da presença do evangelho de Jesus Cristo.
O evangelho de Jesus Cristo é entendido como poder trans-
formador para perdão do pecado e para a renovação do ser
humano. A cultura sempre é dada, mas a presença da pala-
vra de Deus e do Espírito Santo nos corações dos crentes
transforma a sua maneira de pensar, viver, sentir e agir den-
tro da cultura existente. Ela é transformada de dentro para
fora, do invisível para o visível, pelo poder da palavra de
Deus. A palavra de Deus está acima da cultura reinante. A
sua presença não destrói, mas transforma a cultura e as tra-
dições (Mc 7.8-13; At 19.17-19).

88
HAN5 ULRlCH !?EIFLER

Para o teólogo evangélico John R. W Stott a cul-


tura não está nem errada nem certa de antemão; ela está sem-
pre em uma posição ambígua, assim como o ser humano é
ambíguo. Embora o ser humano tenha sido criado à imagem
de Deus, ele é pecador e perdido",

A questão da cultura não deve conduzir-nos a


uma cega aceitação ou simples rejeição. Ela precisa ser
redefinida sob o senhorio de Cristo. Isto permite a liberdade
do evangelho e do indivíduo na cultura. A cultura precisa ser
julgada pela palavra de Deus. Elementos que estão em con-
traste total com o bem, os dez mandamentos, a fé apostólica
cristã ou a dignidade do ser humano devem ser rejeitados,
superados ou transformados. Quando isto não acontece, as
portas estarão abertas para o sincretismo".

J. F. Engel, do Wheaton Graduate School, da


América do Norte, diferencia três tipos de prática cultural:

Práticas pagãs que precisam ser rejeitadas, instan-


taneamente, porque constituem uma quebra do
decálogo (homicídio, adultério, vingança, aborto).

Práticas culturais que, aos poucos, podem ser


transformadas pela presença do evangelho (mo-
delo social, modelo econômico, escravidão).

Práticas neutras, sobre as quais a Bíblia não faz


afirmações (moda, construção de casas, técnicas
agrícolas e industriais, costumes de comidar'".

Onde costumes, práticas e tradições contradizem


os dez mandamentos, o evangelho ou a dignidade do ser hu-
mano, a sua validez é indubitavelmente questionada. Isto sig-
nifica, para a obra missionária, que o ser humano, na sua dig-

89
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

nidade e responsabilidade diante de Deus, o criador e salva-


dor, deve ser respeitado. Por outro lado, devemos salientar
que justamente a obra missionária (análise e tradução da Bí-
blia, cursos de higiene e alfabetização, projetos agrícolas, pro-
gramas de saúde) tem ajudado preservar a cultura indígena.

A cultura pode estar corrupta ou até assumir for-


mas demoníacas. No entanto, ela também pode ser transfor-
mada pela graça divina e poder da palavra de Deus e do Es-
pírito Santo. A cultura pode ser uma expressão do bem e
daquilo que Deus deseja para a humanidade. A cultura, em
si, não está contra Deus nem a favor de Deus, mas ela pode
ser determinada pelas pessoas para o bem ou para o maF4.

Pensando numa antropologia missionáriapara o séculoXXI

Como o missionário na Tailândia se posiciona di-


ante da existência da casa de espíritos?

Como o crente na América Latina se posiciona


diante do crucifixo?

Mencione cinco elementos culturais corrompi-


dos pelo pecado.

Liste cinco elementos culturais dominados pelas


forças demoníacas.

Aponte cinco elementos culturais que não têm


nada a ver com a fé cristã.

Indique cinco elementos culturais que compro-


vam a presença transformadora do evangelho de
Jesus Cristo.

90
HAN5 ULRlCH REIFLER

5. A MUDANÇA PACÍFICA DA CULTURA


PELA PRESENÇA DO EVANGELHO

Agências missionárias constantemente recebem


acusações de que estão destruindo valiosas e antigas culturas":
Muitos exemplos fora de contexto são usados por pessoas que
nunca viveram numa aldeia ou no mundo primitivo. Como
exemplos da moderna vida missionária gostaria de apontar para
as transformações pacíficas de culturas provocadas pela pre-
sença do evangelho. Estes exemplos são testemunho do poder
transformador do evangelho de Jesus Cristo.

Os Campa-PaJonal no Peru

Pelotrabalho missionário,os índios Campa-Pajonal,


no Peru, aprenderam a língua espanhola, ler, escrever e calcu-
lar. Agora os índios têm condição de se protegerem contra os
abusos dos brancos. Agora podem reivindicar os seus direitos
diante do governo, dos exploradores da selva e das
multinacionais. O trabalho missionário trouxe, também, a as-
sistência médica às aldeias. Agora os índios não morrem mais
de doenças provocadas pela civilização moderna e a sua extinção
pôde ser evitada. O trabalho missionário trouxe esperança viva
depois da morte, paz com Deus, proteção e libertação de de-
mônios e espíritos imundos, perdão dos pecados, vitória sobre
a vingança tribal e respeito pela honra do indivfduo/".

OsAuca no Equador

A população dos Auca do Equador (hoje chama-


dos Woaoranis), é composta de aproximadamente 1.500 pes-

91
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O Sf.'CULO XXI

soas. Auca significa "bravo". Os Auca eram conhecidos por


sua bravura descontrolada e atitude agressiva. Em 1956 cin-
co missionários norte-americanos foram massacrados quan-
do tentaram entrar em contato com os Auca. A missionária
Rachel Saint, irmã de um dos missionários martirizados, con-
seguiu, anos depois, um contato pacífico. Ela logo percebeu
que os Auca são violentos e cheios de vingança uns pelos ou-
tros, vivendo sempre em angústia e temor. Aos poucos nas-
ceu uma igreja indígena entre os Auca. Cinco Auca que par-
ticiparam da matança dos missionários se converteram. Dois
deles servem hoje como pastores indígenas". Através do
exemplo perdoador de crentes, o ciclo de vingança e matan-
ça indiscriminadas foi quebrado:". Os Auca venceram a sua
pobreza. Hoje possuem bens, roupas, educação e saúde. Eles
mantêm contatos com o mundo de fora. Hoje os Auca são
considerados cidadãos honrados pelo estado do Equador. Eles
falam a língua espanhola. Por isto não se consideram mais
Aucas, mas Woaoranis (homensf".

Os Gabbra no norte do Quênia

O nascimento de gêmeos entre os Gabbra, no


norte da Quênia, é um mau sinal. Portanto, gêmeos devem
ser mortos. Os primeiros evangelistas quenianos pregaram e
ensinaram que todo ser humano foi criado à imagem de Deus
e merece proteção. Em 1979, uma crente chamada Sara deu
à luz gêmeos. Um esforço conjunto entre o pastor anglicano
Andrew Andano e seu colega padre foi necessário para pro-
teger os gêmeos. Hoje existe uma igreja crescente entre os
Cabbra'",

92
HANS ULRICH REIFLER

Os Wàiwai no Brasil

Conforme as observações do missionário norte-


americano Roberto Bell, da UFM, as duas gerações anterio-
res tinham apenas uns 60 Waiwai na fronteira entre Brasil e
Guiana. A redução da tribo era por causa de doenças sexual-
mente transmissíveis e da prática de sacrifícios de bebês aos
demônios. Alguns missionários seidentificaram com osWaiwai
e aprenderam a sua língua, criaram um alfabeto, traduziram
a bíblia, e lhes ensinaram a ler e escrever. Na década de 1970,
o cacique Euka se converteu. O resultado foi um reavivamento
espiritual na tribo inteira. Hoje os Waiwai constituem uma
das maiores tribos do Brasil. Em vez de sacrificarem bebês
aos demônios, evangelizam as tribos vizinhas com a verdade
libertadora de Jesus Cristo".

Os Sawi na Indonésia

Por muito tempo os Sawi praticaram o canibalis-


mo. Hoje os Sawi são cidadãos responsáveis da República da
Indonésia e crentes com visão missionária. O governo daque-
le país proibiu o canibalismo. Foi preciso um esforço tremen-
do para convencer os Sawi a abandonarem voluntariamente
este hábito. Através da fé pessoal na ressurreição do Senhor
Jesus Cristo e do poder renovador do Espírito Santo, os Sawi
conseguiram vencer a prática de comer os seus próprios ca-
dáveres mal cheirosos. Do ponto de vista humano o mérito é
do missionário Don Richardson, pioneiro da Regions Beyond
Missionary Union (RBMU). Richardson iniciou o seu traba-
lho missionário entre os Sawi no Irian Jaya em 1962. Logo ele
descobriu que, para os Sawi, Judas era o herói, e não Jesus. Na
cultura dos Sawi existiu uma tradição de paz entre partidos em
conflito. O pai tinha que entregar o seu próprio filho para o

93
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

pai do inimigo. Os Sawi chamavam esta criança de filho da


paz. Descoberta esta tradição cultural, Don Richardson en-
controu a chave hermenêutica para apresentar o filho da paz,
Jesus Cristo, o messiasprometido. Hoje, 70% dos Sawi crêem
em Jesus Cristo".

6. A TROCA DE BENS E AS RELAÇOES SOCIAIS


NA SITUAÇÃO INTERCULTURAL

No mundo inteiro as relações sociais vivem de


atenção, aceitação e apreciação de presentes. Isto é especial-
mente visível em países do hemisfério sul. As seguintes per-
guntas nascem desta observação intercultural.

Quais os resultados sociais da troca de bens na


situação intercultural?

Quais os alvos, desafios, chances e perigos da tro-


ca de bens no trabalho de missões de hoje?

Quais as conseqüências da troca de bens: depen-


dência ou independência, escravidão ou liberda-
de, satisfação ou frustração, gratidão ou decep-
ção?

Como a troca de bens pode aprofundar e benefi-


ciar as relações sociais e espirituais?

Quando podemos falar de abuso?

Quais os elementos que favorecem o abuso?

Quais os elementos que levam à emancipação


cultural e pessoal responsável?

94
HANS ULRlCH REIFLER

Quando se deve abandonar ou evitar a troca de


bens?

Quais os elementos que favorecem uma depen-


dência ou independência?

o etnólogo francês Marshall David Sahlins foi


um dos pioneiros mundiais em analisar e apresentar a pro-
blemática da troca de bens para as relações interpessoais".
Vejao quadro abaixo:

Aproximação social Distância social

Troca total de bens Troca moderada de T roca exploradora


bens de bens

Troca de comunhão Troca de presentes Mercado livre,


exploração

N a família, entre Entre parentes Com pessoas


parentes, na tribo distantes, amigos, distantes e
vizinhos, colegas instituições
.
ImpessoaIS
.

Divide-se, sem Tríplice obrigação: Troca com


expectativa Dar, receber, restituição igualou
nenhuma, e sem restituir inferior
responsabilidade
para ajuda mútua

Junto se ganha os O presente reclama Troca com restiruiçãi


bens e junto se um presente imediata no nível
entregue os bens ao equivalente imediato idêntico ou inferior
chefe que divide para ser respeitado (venda vantajosa,
conforme as (obrigação mútua) exploração, furto,
necessidades roubo)

alvo: alvo: alvo:


solidariedade no boas relações sociais lucro, independência
grupo prestígio através de prestígio através de
prestígio através de generosidade enriquecimento de
integração bens

95
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

7. DESENVOLVIMENTO CULTURAL ALÉM DA


DECEPÇÃO, EXPLORAÇÃO E DEPENDÊNCIA

Igrejas, alianças e uniões de igrejas, agências


missionárias e instituições sociais no mundo inteiro possuem
visão missionária, métodos, conhecimento, experiência inter-
cultural e recursos financeiros para financiarem os seus pro-
jetos. O perigo existe em estabelecer estruturas missionárias e
projetos que dominam ou conduzam a uma dependência
desastrosa em vez de favorecerem parceria e independência.

É possível estimular a autonomia, responsabilida-


de própria e emancipação da igreja nacional ou indígena?
Eis um assunto extremamente delicado na obra missionária
mundial que requer honestidade, paciência, transparência e
coragem. É mais fácil criticar do que estabelecer padrões que
possibilitem um trabalho entre parceiros iguais debaixo do
senhorio de Cristo.

Com exemplos discutidos na conferência anual


da primavera de 2001 da Associação de Missões Evangélicas
da Suíça, gostaria de ilustrar e discutir esta problemática.

Indonésia

Uma representante da Federação Mundial


Luterana (Lutheran World Federation) de Genebra visitou a
nossa igreja ao norte de Sumatra. A liderança da igreja não
compreendia a língua inglesa. Por esta razão fui convidado
para servir como tradutor.

Os líderes denominacionais apresentaram à re-


presentante de Genebra um gigantesco projeto de

96
HAN5 ULRlCH REIFLER

recolonização. Para custear o projeto pediram uma soma enor-


me. Queriam um mega-trator, embora na região não existis-
se nenhuma oficina para garantir a assistência técnica. Nin-
guém entendia nada de tratores; na verdade, eles nem exis-
tem na região. Mas o projeto era fantástico.

Eu conhecia bem a situação local e sabia que o


projeto não era realista. Os custos salariais foram calculados
acima da realidade da região. O perigo de desvio de recur-
sos existia.

Como eu deveria me comportar como tradutor


e missionário que trabalhava com esta igreja? Eu poderia
compartilhar a minha opinião mesmo que não tenha sido
consultado?

Turquia
Um famoso crente na Turquia chamado Ali tem
a visão de compartilhar o evangelho com o máximo de pesso-
as na capital de Istambul. Em parceria com crentes nacio-
nais, missionários estrangeiros fundaram uma editora e esta-
ção de rádio. O Sr. Ali se tornou presidente executivo desta
entidade missionária. Para garantir o sustento financeiro dos
funcionários turcos foram estabelecidos contatos com agên-
.. ..
eras mternacionais.

O trabalho começou crescer e prosperar. O fi-


nanciamento do exterior funcionou de forma excelente. O
dinheiro estava disponível, em abundância. Para manter um
certo controle e para fazer conhecida esta obra evan-
gelizadora, foi criada uma organização turca liderada por igre-
jas evangélicas nacionais.

97
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

Depois de um certo tempo surgiram irregulari-


dades financeiras. O Sr. Ali desviou fundos designados para
propósitos pessoais. Funcionários turcos desafiaram que Ali
não conseguiu se justificar ao apresentar suas explicações. A
associação da igreja evangélica também desafiou Ali por não
concordar mais com seu procedimento. O resultado foi que
Ali se retirou da associação. Funcionários que questionaram
a liderança de Ali foram colocados na rua. A aliança das igre-
jas reagiu e exigiu que Ali renunciasse a seu cargo e saísse do
estúdio que custava muitos dólares.

Até hoje Ali não está pronto para aceitar as solici-


tações. A maioria dos mantenedores ocidentais, menos um,
se afastaram de Ali, por recomendação da aliança de igrejas.
Agora Ali ameaça os funcionários com a polícia secreta se eles
continuarem a sua anti-propaganda.

O irmão Ali continua com seus programas em-


bora tenha menos recursos e a qualidade tenha sofrido desde
que a maioria dos funcionários deixou o seu estúdio.

América do Sul

Os missionários pioneiros da Igreja Evangélica


Peruana (IEP) ficaram tão impressionados com a pobreza dos
povos nos Andes que pensaram ser impossível deixar a res-
ponsabilidade financeira com os crentes locais. As conseqü-
ências são visíveisaté hoje: os pastores nacionais não ganham
bem. Muitos pastores têm que se sustentar através do traba-
lho secular, outros deixaram o trabalho de igreja. Também as
cidades nos centros urbanos que têm condição financeira não
assumem a sua responsabilidade. Conforme uma estatística
recente, a Igreja Evangélica Peruana conta hoje com mais de

98
HANS ULRlCH REIFLER

1.000 congregações. Quando a Igreja Evangélica Peruana


celebrou o seu jubileu de 100 anos enviaram uma carta com
o seu emblema para a missão no exterior com o pedido para
financiar a administração denominacional. Às vezes,o estado
tem que desligar o telefone da IEP porque ela não tem con-
dições de pagar a conta telefônica.

Por falta de sustento, obreiros nacionais da Igreja


Evangélica Peruana figuravam na conta de missões
extrangeiras. A missão tentou reverter esta situação de de-
pendência. Ela ajudou um casal no sentido de que ele pudes-
se ter seus próprios slides a fim de que fizesse visitas às igrejas
da costa peruana, apresentasse o seu trabalho missionário e
fizesse levantamento do próprio sustento. O resultado foi
desastroso: "Vocês trabalham juntamente com a missão da
Suíça e ganham bem. Nós não estamos prontos de lhes aju-
dar". Esta foi a resposta que obtiveram das igrejas nacionais.

Europa Oriental

As igrejas locais recebem regularmente assistên-


cia social de países e igrejas ocidentais. No ano passado, um
pastor pentecostal conseguiu comprar um pedaço de terra
para que os crentes pudessem desenvolver um projeto agrí-
cola. Quando ele tentou motivar os membros da igreja onde
trabalhava para desenvolver o tal projeto a resposta veio ime-
diatamente:"Por que precisamos trabalhar se nós recebemos
tudo de fora?"

No Leste Europeu, um missionário da Operação


Mobilização (OM) facilmente ganha mais do que um pastor
local. Como devemos lidar com este problema?

99
ANTROPOLOGIA MISSIONARJA PARA O SÉCULO XXI

Um missionário local na Polônia recebia sustento


regular de uma agência missionária da Suíça. Ele faz parte de
uma igreja evangélica e queria receber apoio de membros
locais quando teve que mudar de residência. Mas os mem-
bros perguntaram: "Quanto você vai nos pagar por este ser-
viço? Afinal, você recebe sustento do exterior".

Um obreiro nacional recebe sustento através de


uma agência missionária da Suíça. Ele declara que este é o
único sustento que tem para viver. Mais tarde fica evidente
que ele recebia sustento de outras entidades.

Para resolver as questões levantadas nestes exem-


plos apresentamos quatro modelos diferentes.

1. O modelo tradicional

Neste modelo, o ocidente ou a igreja mãe tem a


visão, o pessoal, a estrutura, a experiência, os recursos finan-
ceiros e a última palavra. A agência missionária do exterior
assume a liderança do projeto porque acha que a liderança
local não tem competência, experiência e honestidade. Ge-
ralmente o projeto é bem estruturado, os recursos estão dis-
poníveis em abundância. No entanto, não existe possibilida-
de de surgir liderança local".

Em casos extremos (diferenças de opinião, ten-


sões, conflitos, guerra civil, independência política, epidemia,
fome, catástrofe) os obreiros estrangeiros voltam para seus
países. Os nacionais continuam o trabalho, mas terão dificul-
dade de manter as estruturas originais sem apoio do exterior.

100
HAN5 ULRICH REIFLER

2. O modeloacrítico

o modelo acrítico é uma reação ao modelo tra-


dicional de agências missionárias do Ocidente. Igrejas no
Ocidente, sem experiência transcultural nenhuma, susten-
tam diretamente (sem mediação de uma agência missionária)
trabalhos interculturais, indivíduos, terceiros, igrejas, proje-
tos e entidades. O missiólogo R. Winter fala de "leigolização
de missões" (missões por leigos)35.

As desvantagens deste modelo são evidentes:

A situação real no exterior é desconhecida

Existe uma falta de experiência transcultural

Projetos interculturais são favorecidos indiscrimi-


nadamente

A falta de sensibilidade antropológica se torna


evidente

A emancipação real do projeto é evitada

A dependência da igreja local em relação ao es-


trangeIro cresce

Infelizmente, ainda existem denominações no


mundo inteiro que pedem ajuda ao exterior para suprir as suas
necessidades fundamentais (salários de pastores, escolas, tem-
plos, meio de transporte). Estes líderes impedem a emancipa-
ção responsável de suas igrejas. Nunca aprenderam a confiar
que Deus supra as necessidades, nunca aprenderam a lidar com
recursos próprios e sempre vivem acima das condições".

101
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

3. O modelo de crítica construtiva

Este modelo constitui um terceiro caminho que


pode ser caracterizado pelos seguintes elementos:

Em princípio, o projeto aceita ajuda do exterior,


mas de maneira moderada e controlada.

o projeto é planejado entre parceiros.


O projeto adota princípios da liderança local

O projeto possibilita a emancipação o mais breve


possível

O projeto é de responsabilidade local

O projeto tem caráter temporário

O projeto tem que ser pequeno e de fácil admi-


nistração

O projeto trabalha com a transparência de todas


as partes envolvidas

O projeto adota um código de ética

Os líderes locais têm a última palavra

O projeto tem supervisâo"

4. O modelo de suporte deprojetos indígenas

O modelo de suporte de projetos indígenas evita


a dependência de interação do exterior. A liderança está uni-

102
HAN5 ULRlCH REIFLER

lateralmente nas mãos de obreiros nacionais ou indígenas.


Os recursos vêm do exterior, mas os obreiros são indígenas.

O perigo deste modelo é uma redução de missões


para o fluxo de recursos. Jesus não deu ordem aos apóstolos de
transferirem recursos para o mundo inteiro. Ele deu ordem
que fizessem discípulos ao irem, batizarem e ensinarem.

CITAÇÕES

1 G. Hirt, Schaffhauser Nachrichten, 8 de outubro de 1997.

2 Ibid.

3 Ibid.

4 Ibid, p. 33-102.

5 M. Saville Troike, A Guide to Culture in the Classroom, Rosslyn,


VA, National Clearinghouse for Bilingual Education, 1978.

G R. Taft, Coping with unfamiliar cultures. In: Studies in Cross-


cultural Psychology. Vol 1. Hrsg. Warren, Neill, London 1977, S.
142; vgl. auch P. G. Hiebert, Culture and Cross-Cultural Differences
in Perspectives on the World Christian Movement, A Reader,
Pasadena, William Carey Library, 1981, p. 371.

7P. G. Hiebert, Culture and Cross-Cultural Differences, op. cit., p.


371.

8 Artigo 10 do Pacto de Lausanne, Lausanne 1974.

9Lausanner Komitee für Weltevangelisation, Lausanne geht weiter,


Neuhausen Stuttgart 1980, p. 175; veja também H. Burkhardt,
Ein Gott in allen Religionen? Giessen 1993, P: 80-82.

10 H. R. Niebuhr, Christ and Culture, New York, 1951.

103
ANIROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

11 E. A. Nida, Customs and Culture, New York, 1954; veja tam-


bém E. A. Nida, Costumes e Culturas: Uma Introdução à Antropo-
logia Missionária, São Paulo: Edições Vida Nova, 1985.

12 E. A. Nida, Message and Mission, New York, 1960.

13E. A. Nida, Toward a Science of Translating: With Special


Reference to Principies and Procedures Involved in Bible Translating,
Leiden 1964.

14 L. J. Luzbetak, The Church and Cultures, Techny III, Divine

Word Pubicationsl. Reprinted, South Pasadena, William Carey


Library 1975.

15 C. H. Kraft, Christianity in Culture, A Study of Dynamic Biblical


Theologizing in Cross-Cultural Perspective, New York 1979.

16 Ibid., p. 104.

17 Ibid., p. 105.

18 Ebd., S. 106-108.

19 Citrado por F. Imhof em idea magazin, Nr. 4/92 de 28 de fevererio

de 1992, p. 11.

20 C. H. Kraft, Christianity in Culture, op. cit., p. 108.

21J. R. W. Stott, The Lausanne Covenant, an exposition and


commentary, Minneapolis 1975, p. 44.

22Uma detalhada apresentação deste ponto de vista encontra-se em


C. H. Kraft, Christianity in Culture, op. cit., p. 103-115.

23J. F. Engel, Zeitgemasse christliche Kommunikation, Bad


Liebenzell 1989, p. 125.

24 C. H. Kraft, Christianity in Culture, op. cit., p. 113.

25 H. P. Hempelmann, (Hrsg.), Warum in aller Welt Mission?

104
HAN5 ULRlCH REIFLER

Zerstêirt Mission Kultur?, Bad Liebenzell, Verlag der Liebenzeller


Mission, 1999.

26Teses da palestra de Lothar Kãser na conferência anual da Schweizer


Indianer Mission vom 12 de outubro de 1988 em Zurique; Veja
também idea magazin, Nr. 20/88, 14 de novembro de 1988, P: 3.

27 E. Elliot, Im Schatten des Allmachtigen: Aufzeichnungen des

Jim Elliot (1991), Bielefeld: CLV, 1991; Dies., Durch das Tor der
Herrlichkeit, Konstanz: Christliche Verlagsanstalt, 1951.

28 idea magazin Nr. 12/92 de 17 de julho de 1992, p. 26.

29 Rüdiger Klaue, Wie die Auca (Wilden) zu den Woaorani


(Menschen) wurden, em: VDM Report setembro-outubro de 1992,
p.19, herausgegeben von der Vereinigten Deutschen Missionshilfe,
Bassum.

30 David Gitari, Evangelisation and Culture: Primary Evangelism


in Northern Kenya, edited by V. Samuel and A. Hauser, Proc1aiming
Christ in Christ's Way, Studies in Integral Evangelism, Oxford 1989,
p. 105.

31 Contato direto com o cacique Elka dos Waiwai e a missionária da


UFM Irene Benson e Davi Hill em Belém nos anos de 1976 und
1977; Veja também D. Richardson, "Do Missionaries Destroy Cul-
tures?", in: R. D. Wiinter und S. e. Hawthorne, Hrsg., Perspectives
on the World Christian Movement. A Reader, Pasadena, William
Carey Library, 1981, p. 484; Earth Link, The People and Nature
Nerwork, Projekt: Waiwai-Indianer verarbeiten Paranüsse/Brasilien
in www.earthlink.de de 22 de fevereiro de 2001.

32 D. Richardson, "Do Missionaries Destroy Cultures?", op. cit.,


p. 485; Ders., "Redemptive Analogy", in: R. D. Winter und S.e.
Hawthorne, Hrsg., Perspectives on the World Christian Movement.
A Reader, Pasadena, William Carey Library, 1999, 3. Auflage, p.
398.

33M. D. Sahlins, Age de pierre, âge d'abondance, Ed. Gallimard,


Paris 1976.

105
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI
O. Greenlee, Thoughts on Partnership and Support of "National
34

Workers", Oezember 2000, OM-Arbeitspapier, p. 4.

35 Ibid.

3G Bispo Z. Nthamburi, The African Church at Crossroads.

37R. McQuilkin, The Great Omission - A Biblical Basis for World


Evangelism, Baker Book House, Pasadena 1984; O. Rickett and O.
Welliver, Editors, Supporting Indigenous Ministries, Billy Graham
Center 1998.

106
O~/,~~~ -----.
~(~. . ~R~~~
1.05 ÚLTIMOS MOICANOS DE RONDÔNIA

José Henrique Peres Rodrigues]

o Estado de Rondônia é um Estado jovem, com


243.044 km", criado em 1981 a partir do antigo território
federal de Guaporé. Acha-se situado na região norte do Bra-
sil (região amazônica), separado da Bolívia pelo rio também
chamado Guaporé, tributário do Madeira. A capital do Es-
tado é Porto Velho, uma cidade muito recente, mas que, por
causa do movimento migratório interno, já conta com
350.000 habitantes. Em sua origem, a cidade foi destino da
estrada de ferro Madeira-Mamoré, infra-estrutura que tinha
por objeto oferecer saída comercial dos produtos bolivianos.
Um grande número de operários (até 15.000 segundo algu-
mas fontes, muitos deles de origem européia) perdeu a vida
ANTROPOLOGIA MISSIONARIA PARA O SÉCULO XXI

em sua construção e isso deu origem a uma lenda negra que


bem se pode resumir nesta frase: "Embaixo de cada pessoa
que dorme jaz um crânio enterrado". Hoje a estação do trem
é o principal ponto turístico da cidade. Outras cidades im-
portantes de Rondônia são Guajará-Mirim, Ji-Paraná,
Vilhena, Ariquemes, Ouro Preto do Oeste, Cacoal ou Pimenta
Bueno, entre outras.

O discurso arvorado sobre a necessidade de frear


a destruição do habitat amazônico em geral ganhou, recen-
temente, grande difusão no mundo ocidental, preocupado
com as graves repercussões ecológicas que, a nível global,
poderiam fazer supor o desaparecimento deste ecossistema,
freqüentemente definido como o "pulmão do mundo". Tam-
bém se tinham assinalado outras razões, tais como a preserva-
ção da biodiversidade, que tantos horizontes deixam abertos
para os avanços científicos, ou a conservação dos inúmeros
conhecimentos dos seus moradores, que só estão sendo trans-
mitidos por via oral. Surgem até mesmo razões político-eco-
nômicas: a exploração que está sendo levada a cabo na Ama-
zônia é do tipo predatória: as ricas, mas frágeis terras amazô-
nicas ficam improdutivas e inúteis quando privadas do man-
to verde que as protege, agourando assim um futuro menos
promissor que o atual.

Ao lado destas razões poderosas (contudo não o


suficiente, pelo visto), o direito dos povos indígenas para dis-
por das suas terras e preservar a sua cultura é visto como algo
secundário. O direito de conservar a sua própria língua e
viver a vida da sua maneira quase nem sequer é considerado,
nem tampouco são respeitados como sendo um círculo res-
trito de pessoas com uma cultura específica. Isto não parece
uma "razão de peso".

110
HANS ULRlCH REIFLER

Ao mesmo tempo em que se permitiu a invasão


de colonos procedentes, na sua maior parte, dos lugares mais
pobres do Brasil, os territórios onde os indígenas poderiam
continuar vivendo de seu jeito tradicional foram ficando cada
vez mais restritos e profanados. O homem "civilizado" trouxe
consigo novas doenças como a gripe, até então desconhecida
pelos índios e que é a principal responsável pela chacina de
vários grupos humanos. Às vezes mesmo este fator pode ter
sido deliberado. O coronel Cândido Rondon (1865-1958),
por exemplo, neto de uma indígena, é visto pela historiografia
oficial brasileira como um grande explorador e decidido de-
fensor dos índios. Cândido Rondon não é de Rondônia, e o
nome deste Estado é uma homenagem à sua pessoa. Porém, a
história "não oficial" se refere a ele como o responsável pela
distribuição, entre os indígenas, de casacos contaminados de
varíola para dizimar as populações nativas e abrir assim espa-
ço para as invasões.

Na verdade, também na Europa existem muitas


minorias lingüísticas correndo o risco de desaparecer do mapa
ou converter-se em simples peças de museu (incluída a gale-
ga); não caberia esperar que, numa das "últimas fronteiras"
que ainda se oponham ao avanço "civilizador", como é a
Amazônia, as cousas fossem ir muito melhor.

Mas por que é preciso conhecer, estudar e man-


ter vivas as línguas amazônicas? Há múltiplas razões e as prin-
cipais são éticas. Cada povo possui uma cultura própria que
equivale (tem o mesmo valor intrínseco) à nossa cultura oci-
dental de raiz greco-latina. Considerar que eles tenham que
se adaptar aos nossos costumes e aprender as nossas línguas
européias supõe fazer valer um argumento de tamanho e não
de qualidade: "O peixe grande come o pequeno". O respeito
mais absoluto e até a admiração mais acesa devem presidir

111
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

sempre a nossa atitude diante de tais manifestações lingüísti-


cas. É o justo.

Mas existem outros tipos de considerações, tam-


bém. A principal é a grande variedade tipológica que estas
línguas nos oferecem. São línguas muito afastadas do padrão
indo-europeu que conhecemos, com capacidade para que-
brar as concepções mais sólidas e arraigadas que os pesquisa-
dores tenham dos universos lingüísticos. Estes universos
lingüísticos são características gerais que, em princípio, de-
vem ser comuns a todas as línguas existentes e que, portanto,
determinam a linguagem como fenômeno humano. Daí de-
riva a sua importância para a ciência. Pois bem, recentemen-
te, por exemplo, o pesquisador brasileiro Valteir Martins des-
cobriu a existência de um som oclusivo glotal sonoro nos ín-
dios daus, do Estado de Roraima, que faz fronteira com a
Colômbia e a Venezuela, no Alto Rio Negro. Este oclusivo
glotal (ou laringal), quando surdo, não é precisamente "nada
novo sob o sol". É esse som, "áspero" segundo o nosso ponto
de vista, que acompanha certas vogais em línguas como o ale-
mão ou o árabe. O estranho é que os daus o realizam de for-
ma sonora. Em teoria, o citado som não deveria existir, pois a
oclusão da glote e as cordas vocais impediriam a sua vibração
e, portanto, a sonoridade; mas a realidade neste caso, como
noutros, superou novamente as teorias que a tentam explicar.

Para ilustrar quão importante pode ser o estudo e


preservação das línguas indígenas, juntando ao anteriormen-
te dito que, em termos lingüísticos, o nosso galego-português
se acha mais próximo, geneticamente, do hindu, do persa,
do russo, do alemão ou do inglês (e, provavelmente, numa
fase mais antiga, também do árabe, bérbere e até as línguas
africanas) que de qualquer língua ameríndia.

112
HAN5 ULRlCH REIFLER

Outro tipo de argumento a favor das línguas que


correm o risco de desaparecer é o fato delas constituírem es-
truturas autênticas e originais de visão do mundo. Quer di-
zer, cada língua é algo assim como uma perspectiva diferen-
te, um posto de observação único para a contemplação da
realidade extralingüística. Embora comparando línguas apa-
rentadas geneticamente (caso das nossas línguas indo-euro-
péias ocidentais) ou mesmo fruto de um processo de elabora-
ção mais ou menos simultâneo e paralelo (caso das línguas
européias em geral) pode ser mais difícil perceber esta cir-
cunstância. Isto está ligado à idéia da intraduzibilidade entre
os diferentes sistemas lingüísticos. Segundo esta hipótese as
línguas são algo mais do que um inventário de signos que
reproduz milimetricamente a realidade, também estruturam
a nossa percepção dela.

Assim, por exemplo, na língua uru-eu-uau-uau,


falada pelo povo do mesmo nome, emprega-se a partícula
prefixa] "ae" para classificar as partes do corpo humano:
aea'kãha significa cabeça, aerea'kwara significa olho, aep?a
significa fígado, ae'pia significa pé, e assim por diante. A prin-
cípio surpreende, desde a nossa perspectiva, até a existência
de todo um mecanismo morfológico para delimitar as partes
do corpo. Parece que nessa língua se dava bastante importân-
cia à oposição semântica ± humano (ou melhor ainda, ± cor-
poral), até ao ponto de dar-lhe relevo gramatical. Mas até aí
essacaracterísticanão passade um feito relativamente comum,
ainda que exótico para nós. Outras muitas línguas estabele-
cem categorizações semelhantes. O mundurucu, por exem-
plo, idioma também do tronco tupi falado nos Estados do
Pará e Amazonas, apresenta 98 classificações para as partes
do corpo, 13 para plantas e 6 para elementos naturais. A
verdadeira novidade surge quando sabemos que ae'kiba em
uru-eu-uau-uau significa piolho. Quer dizer, o piolho se elas-

113
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

sifica nesta língua como uma parte a mais do corpo humano.


Necessariamente existe o reflexo lingüístico duma realidade
específica que à sua vez está condicionado à percepção parti-
cular dos uru-eu-uau-uau. Pode a nossa palavra "piolho" tra-
duzir ae'kiba sem que se registre, na maior parte dos contex-
tos, uma certa perda de significação?

Este exemplo concreto pode parecer divertido e,


talvez por isso e pelo seu contraste tão brusco com a nossa
cultura, parece bem didático; mas é uma boa amostra da
importância que tem a língua própria como expressãoda iden-
tidade cultural dos povos. Quando um indivíduo perde a
oportunidade de aprender a língua do seu povo e adquire a
de outro povo diferente, está trocando também, mais ou
menos sutilmente, o jeito de perceber o mundo que deveria
ter herdado do núcleo humano que lhe é próprio. A língua,
portanto, não é nunca inocente. A não ser que perguntem
aos parintintim do Estado do Amazonas, em cuja língua se
classifica a mulher entre os objetos pontiagudos e cortantes.
Outras tribos amazônicas apresentam formas lingüísticas di-
ferentes, por exemplo, na conjugação dos verbos caso o fa-
lante seja homem ou mulher. E ainda outro exemplo mais
próximo: até que ponto contribuiu para determinar a histó-
ria da Rússia (ou é produto dela) o fato de que vermelho e
bonito se expressem em russo com a mesma palavra?

Por outro lado, do ponto de vista histórico-antro-


pológico, à chegada dos colonizadores, o modo de vida, rela-
ções sociais, deslocamentos, etc. dos povos ameríndios não
deve ser muito diferente do que foi registrado a 2000 ou
3000 anos antes, do outro lado do Atlântico. As civilizações
mais adiantadas (astecas, maias, incas ...) apresentam formas
convergentes com civilizações como a babilônica, a
mesopotâmia ou a egípcia, que se acham na raiz da nossa cul-

114
HAN5 ULRlCH REIFLER

tura. Com as tribos não tão avançadas acontece o mesmo.


Acham-se (ou achavam-se) num nível cultural e organizacional
similar ao que apresentavam as diversas tribos ou povos de
Europa à chegada dos indo-europeus, ou ainda dos roma-
nos. Do seu estudo podemos inferir dados utilíssimos para o
conhecimento da nossa própria história.

Assim, por exemplo, visando deduzir a validez da


arqueologia lingüística e genética para reconstruir a história
da humanidade, se chegou à conclusão de que os seus dados
devem ser relativizados devido a um fenômeno denominado
etnogênese, que propõe que as populações e as sociedades
mantenham um permanente processo de intercâmbio e re-
composição. Isso sem falar do difusionismo, que se baseia no
lógico intercâmbio de materiais e elementos culturais e
lingüísticos entre populações vizinhas. A teoria contrária se-
ria o cladismo, que privilegia o desenvolvimento a partir de
antecedentes únicos.

Com efeito, em determinados momentos históri-


cos deverão ser muito freqüentes as alianças e uniões entre
tribos diferentes, assim como os intercâmbios de todo o tipo.
Geralmente as uniões teriam fins militares, mas não só: os
submetimentos forçosos também seriam freqüentes. Tudo isto
produziu, inevitavelmente, contatos genéticos, lingüísticos e
culturais de maior ou menor intensidade e estes podem levar
inclusive, no domínio lingüístico, ao surgimento de falas cri-
oulas. John H. Moore, por exemplo, cita o caso das hordas
de hunos e mongóis que assolaram a Ásia e a Europa em pe-
ríodos diferentes da nossa história e que também estavam
constituídas por elementos turcos, eslavos, germânicos e ou-
tros. Cita também o exemplo de Tácito, que se lamentava
por não ter achado nas Gálias as mesmas tribos que César
descreveu cem anos antes.

115
ANiROPOLOGIA MISSiONÁRIA PARA O StCULO XXI

Pois bem, algo muito parecido aconteceu com os


viajantes Lewis e Clark, que descreveram numerosas tribos
norte-americanas no começo do século XIX. Um século de-
pois os etnógrafos não conseguiram achar muitos dos povos a
que eles se referiram porque nesse intervalo as trocas de iden-
tidade foram muito freqüentes. Foi demonstrado que as tri-
bos de índios das grandes planícies da América do Norte não
ficavam isoladas umas das outras, mas mantinham entre si
uma complexa rede de relações que freqüentemente levava
ao nascimento de novos povos pela união, pacífica ou violen-
ta, de outros que podiam ser de famílias totalmente diferen-
tes. Isto constatamos hoje em dia na Amazônia, onde vemos
que os influxos e intercâmbios de todo tipo entre povos de
diversas origens foram uma realidade constante, até ao ponto
de se falar de "dialetos impuros" dentro duma família lin-
güística. Podemos citar também o artigo de David L.Payne,
em que este autor se refere a cinco elementos gramaticais que
acham em línguas tão díspares como o quéchua e o aimara
(família andina) , o tucano (família tucana), o mapudúngum
(arAucano), o tupi-nambo (família tupi-guarani), o ianãoamo
(família chibcha), o apalaí (família caribe) etc.

Noutro âmbito de estudo, por exemplo, as mi-


grações dos povos tupi já foram comparadas com as viagens
dos fenícios, mas ainda poderiam achar outros exemplos pa-
ralelos para esta expansão, talvez mais profundos, na história
do Velho Mundo. Provavelmente aconteceram feitos simila-
res entre nós em períodos históricos em que o nosso jeito de
vida era similar e isto deve ter sido levado em conta pelos
historiadores e arqueolinguistas. De fato, entre as diversas lín-
guas balcânicas (eslavas, latinas, grego, albanês...) também se
assinalou convergênciasparecidas às que antes apontavam para
as línguas de América do Sul.

116
HAN5 ULRlCH REIFLER

Em defesa das linguas indígenas

São poucas as pessoas que vivem lutando em favor


da conservação das línguas ameaçadas de extinção na Amazô-
nia. Os seus esforçose entusiasmo não parecem suficientes para
salvar, do desaparecimento, grande parte da riqueza cultural
da raça humana que se acha assim agredida. De fato, sabemos
que das, aproximadamente, duzentas línguas que sobrevivem
no Brasil (no século XV calcula-se que o seu número era 1500)
só trinta por cento delas são bem estudadas. Quando a situa-
ção já se torna desesperadora os esforços destas pessoas se vol-
tam para estudar e inventariar as línguas agonizantes antes que
desapareçam. É o caso, por exemplo, de Jean Pierre Angenot,
lingüista francês que estabeleceu o seu quartel general na loca-
lidade de Guajará-Mirim, fronteiriça com Bolívia. Ali vivem
com ele Manoel Faé Paray de 82 anos, o último falante de
moré e Rosa Kuyubi, última falante de cuiubi. Ambas as lín-
guas formam parte da família chapacura e apresentam entre si
uma proximidade parecida à que oferecem o galego-portugu-
ês e o espanhol, por exemplo.

Para registrar com exatidão as palavras que pou-


co a pouco vão surgindo da memória de Manoel e de Rosa,
Jean Pierre emprega os mais modernos meios informáticos.
O seu fervor chegou a ponto de pagar a Manoel uma opera-
ção de catarata em Florianópolis (sul de Brasil) e uma denta-
dura nova para permitir-lhe articular corretamente as pala-
vras duma língua que não falava há muitos anos. A emoção o
invade quando relata a impressão de Manoel ao ver pela pri-
meira vez o mar, tão longe do seu lugar, após vinte anos de
cegueira. O agradecimento de Manoel, pela sua parte, tra-
duz-se num corpus que já alcança as 2000 palavras e conti-
nua crescendo cada vez que lembra, com surpreendente
memória, alguma palavra que não foi ainda introduzida na

117
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SECULO XXI

"máquina". A história de Rosa Kuyubi, com uma vida cheia


de dificuldades e problemas, não é muito diferente da de
Manoel. Agora ambos contribuem para deixar registrados os
idiomas. Quando na Europa ainda ficamos impressionados
com a história de Antônio Udine, último falante de dálmata
morto no fim do século passado após ter permitido que Bartoli
resgatasse para nós a constância documental de tal língua e
quando sabemos que qualquer lingüista com verdadeira vo-
cação em sua alma por entrevistá-lo, admiramos como em
Rondônia, na casa de Jean Pierre, ainda é possível achar dois
António-Udines igualmente importantes e conversar tranqüi-
lamente com eles.

Mas o triste estado do moré e do cuiubi não é


único. A mesma situação se repete noutros lugares da Ama-
zônia e por todo o novo mundo. Julá Paré, por exemplo, na
sua época foi o único de sua tribo que se negou a ser transfe-
rido pelo governo para o posto do Serviço de Proteção aos
Índios, no estado de Mato Grosso e hoje já é o último falante
de umutina. O status das diferentes línguas ameríndias varia
desde o guarani, reconhecido como língua co-oficial no
Paraguai e mesmo majoritária entre o conjunto da popula-
ção desse país e o destas línguas que já vivem os seus últimos
estertores. Algumas outras, como o palmela, o cutriá ou o
tupinambá tiveram ainda pior sorte e desapareceram para
sempre arrastando consigo uma parte insubstituível da riqueza
cultural do ser humano de todos nós.

Entre estes dois extremos acima referidos se en-


contra a maioria das línguas indígenas americanas. No me-
lhor dos casos, quando a língua européia (galego-português,
inglês, francês, espanhol. ..) ainda não interferiu nos hábitos
lingüísticos da comunidade em questão, o idioma nativo tem
bastantes esperanças de sobreviver, se bem que como língua

118
HAN5 ULRICH REIFLER

oral. Isto geralmente, no entanto, só acontece no caso das


comunidades mais arredias e afastadas, ou naquelas que não
tiveram ainda relação com o "branco".

Quanto a estas últimas se conhecem uns 59 pon-


tos em toda a Amazônia em que se tem notícia da existência
de grupos humanos não contatados. Recentemente, coinci-
dindo com a estada em Rondônia do co-autor galego deste
artigo, foi estabelecido contato pelo sertanista brasileiro Mar-
celo Santos com um grupo indígena ainda não conhecido.
Tratava-se dum casal sobrevivente dum massacre que acom-
panhou os distúrbios entre fazendeiros e sem-terras na locali-
dade de Corumbiara, que se encontra ao sul de Rondônia a
uns 800 Km. de Porto Velho. De momento só os uru-eu-
uau-uau conheciam a sua existência. A sua língua já foi clas-
sificada provisoriamente dentro da família tupi.

A política da FUNAI a respeito destes grupos iso-


lados pode qualificar-se de bastante avançada, graças sobre-
tudo ao esforço de conscientização desenvolvida pelos irmãos
Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Boas na década de 60,
quando o avanço do Brasil sobre os seus territórios amazôni-
cos começava a ser iminente. Assim, as tribos isoladas são res-
peitadas enquanto não estão em perigo ou se constituem obs-
táculos para os planos de desenvolvimento do governo. Se
assim for, se procura manter contato com elas para delimitar
uma área de proteção no primeiro caso ou "negociar" uma
transferência, no segundo. Em ambas as situações o povo in-
dígena fica condenado a sair do seu isolamento e incorporar-
se à "grande sociedade ocidental", onde geralmente só é re-
cebido como elemento marginalizado. No entanto, é o tipo
de atuação mais civilizada (agora sem aspas) que as circuns-
tâncias permitem, todavia poda apresentar fortes carências na
hora de ser pôr em prática. Aos Villas-Boas se deve também a

119
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

criação da mesma FUNAI e de lugares protegidos como o par-


que Xingu, uma espécie de santuário indígena onde moram
mais de vinte tribos de famílias lingüísticas diferentes.

Noutros casos, apesar de ter mantido até agora a


própria língua como principal instrumento de comunicação
no seio familiar e comunitário, a aparição de certas condutas
dirigidas para o bilingüismo faz com que se comecem a ad-
vertir riscos de cara a um futuro. É o caso dos uru-eu-uau-
uau, por exemplo, contatados na década de oitenta. No mo-
mento são poucos os indivíduos bilíngües que conhecem o
português, mas a tendência é aumentarem segundo vão
incrementando os contatos com os "brancos". No caso dos
pacaás-novos, por exemplo, o bilingüismo está muito mais
generalizado abrangendo, sobretudo, os mais jovens.

o
labor de alguns missionários sem escrúpulos e
da própria FUNAI, ainda que nem sempre se tenham pre-
tendido esses objetivos, provocou em muitos casos a quase
total aculturação e posterior assimilação, quando não
marginalização, dos grupos indígenas. A cultura dos pacaás-
novos, por exemplo, antes aludidos e que constituem o gru-
po mais numeroso de Rondônia, se encontra gravemente
interferida por missões religiosas brasileiras e estrangeiras de
todos os credos, do jeito que "atualmente, estão sob a violên-
cia muito mais agressiva, a dominação ideológica,
descaracterizando-os, despojando-os dos seus valores cultu-
rais atávicos de nação." Com estas condições, que afetam a
maioria dos grupos indígenas mais importantes, o futuro destes
povos como comunidades lingüísticas diferenciadas está gra-
vemente comprometido.

Quanto mais antigos foram os primeiros conta-


tos, geralmente pior é a situação dos valores próprios da cul-

120
HANS ULRlCH REIFLER

tura autóctone. Os caritianas, por exemplo, cujo território se


acha perto da capital, Porto Velho, apresentam um grau de
bilingüismo mais avançado. Nalguns casos este bilingüismo
evoluiu para uma espécie de "crioulo" entre o galego-portu-
guês e a língua indígena. É algo parecido ao que acontece na
Galiza com o chamado castrapo ou com o chapurrado, ou em
Nicarágua com o chamado güegüence hispano-náhuatl. Isto
aconteceu também com a língua dos caripunas, de Rondônia,
com a dos galibis, do estado de Amapá ou a dos paumaris de
Amazonas, entre outros muitíssimos exemplos que se poderi-
am citar. Os crenaques do Mato Grosso, ou os pataxós da
Bahia já perderam por completo as suas línguas. Os aruanos
da ilha de Marajó, no delta do Amazonas, ainda tiveram pior
sorte e foram extinguidos para sempre, eles e a sua fala.

2. líNGUAS E POVOS INDÍGENAS DE RONDÔNIA

Neste ponto trataremos de apresentar para o lei-


tor as diferentes línguas e povos indígenas que existem atual-
mente no estado de Rondônia. No que diz respeito às línguas
forneceremos dados até onde nos for possível acerca da sua
situação geográfica, classificação genética, perspectivas de
futuro e até mesmo, em alguns casos, características
tipológicas. Também não esqueceremos de tentar falar do seu
status: número aproximado de falantes, freqüência de uso,
acesso ao ensino. Quanto aos povos que falam estas línguas
falaremos algo da sua história, da sua antropologia cultural,
das áreas que habitam, dos seus meios de subsistência, do seu
grau de aculturação, entre outras informações.

Devido à carência dos meios bibliográficos ade-


quados, o leitor poderá concluir apressadamente que o trata-
mento dado aos distintos povos e línguas indígenas não são
I2I
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

homogêneos. A isto se une o fato de que muitas das línguas


que falamos ainda são pouco estudadas. Assim, tribos de fa-
mílias diferentes aparecem freqüentemente denominadas com
o mesmo nome e, às vezes, a mesma tribo é denominada de
jeito diferente pelos diversos autores. O resto dos dados tam-
bém varia extremamente, até ao ponto de se citarem grupos
de duvidosa existência ou de se considerarem como extintos
povos com relativa vitalidade. Contudo cremos que o caráter
algumas vezes inédito e quase sempre desconhecido, para a
maior parte de todos nós, das informações que se fornecem
acaba compensando, em certa medida, as carências ou defi-
ciências que estas possam apresentar.

Quanto à classificação das línguas amazônicas, este


é um tema que ainda provoca freqüentes debates. Assim, por
exemplo, na classificação apresentada por Moreno Cabrera,
que segue Greenberg, as línguas tupi se consideram um gru-
po definido dentro da família de línguas equatoriais, família
esta que compreenderia outras línguas, tais como as línguas
arauacas ou as línguas jíbaras. À sua vez, as línguas equatori-
ais formariam, junto com as tucanas, gê-pano-caribe, andinas,
siux, iroquesas e até doze famílias mais em todo o continente
americano, aquilo que Greenberg chamou de Phylum
Ameríndio. Quer dizer, quase todas as línguas indígenas ame-
ricanas, do Norte e do Sul, teriam uma origem comum.

A esta classificação se opõe o conhecido lingüista


brasileiro Aryon Dall'Igna Rodrigues, que considera que sedeve
procurar "mais atrás" a origem comum dos grupos lingüísticos
americanos. Assim, por exemplo, afirma que o nascimento do
tupi foi paralelo ao do indo-europeu. Ambas famílias lingüísti-
cas teriam a mesma profundidade genética e similar antigüi-
dade. Outras classificações, como a de Loukotka ou a dos
Voegelins também provocaram debates no seu tempo. Sem

122
HANS ULRlCH REIFLER

pretender adentrar nestas controvérsias seguiremos sobretudo


a proposta de Aryon Rodrigues extraída de "O índio e a polí-
tica nacional", por ser aquela que oferecemaior minunciosidade
na classificação das diferentes línguas de que dispomos:

2.1. Tronco Tupi

Os tupis foram denominados, e não sem razão,


fenícios de América. Através dos cursos fluviais e das zonas
costeiras se estenderam por amplos territórios do continente
sul-americano formando, geralmente, pequenos grupos iso-
lados desde as Guianas até Argentina, passando por todo o
Brasil, Bolívia e Paraguai, lugar aproximado de onde, segun-
do alguns autores, surgiu a expansão. Outros situam o berço
dos tupis mais ao norte, na Amazônia. O motivo desta diáspora
parece ter sido duplo. Em primeiro lugar, a sua supremacia
sobre a maioria dos outros povos ameríndios, pois tal como os
arauacos e os caribe, desenvolveram um sistema agrícola ba-
seado nas roças muito apropriado para as regiões tropicais. A
segunda causa foi a própria pressão dos colonizadores espa-
nhóis e portugueses nos séculos XVI e XVII, data de máximo
apogeu migratório, apesar de serem povos muito belicosos que
inclusive chegavam a praticar o canibalismo ritual.

Graças ao relativo prestígio alcançado pelo guarani,


e pelo tupi como "língua geral" no Brasil colonial, época na
qual chegou a ser uma forte concorrência para o galego-por-
tuguês, o grupo das línguas tupi é, sem dúvida, o mais estuda-
do e também, com certeza, o que conta com maior número de
falantes dentre as línguas indígenas americanas.

São línguas do tipo aglutinante, como o turco ou


o basco. Isto quer dizer que tendem a expressar as relações

123
ANTROPOLOGIA MISSIONARJA PARA O SÉCULO XXI

gramaticais mediante a aglutinação de afixos (posposições)


que vão ligados às raízes das palavras. Por exemplo, as expres-
sões kó (roça) ou itá (pedra) do tupi clássico se transformam
em "na roça" e "na pedra" se lhes engate a posposição -pe,
que indica lugar e, curiosamente, também é marca de com-
plemento direto: kópe, itápe. Mas a aglutinação pode chegar
a extremos maiores, como em Ijukapyrambuéra, que deve
descompor-se do seguinte jeito: l-jukã-pyr-ãm-buéra, signi-
ficando o que teria de sermatado (mas nãofoi). Contudo, o
sistema aglutinante das línguas tupis não chega à perfeição
do quéchua, apresentando também características das línguas
incorporantes, como por exemplo a intercalação do verbo ou
o pronome de negação: nda-yaha-i (não vamos), nda-che-i
(não som -eu-). Apresentam também a técnica da reduplicação
de lexemas para intensificar o significado lexical; mas não é
este um mecanismo de formação de palavras como noutras
línguas porque a reduplicação nunca fornece novas unida-
des lexicais, engadindo apenas significado contextual.

a. Família tupi-guarani

Rodrigues diferenciava entre línguas tupi-


guaranis no sentido estrito, em que situava o tupi e o guarani
propriamente ditos, assim como outras línguas ou dialetos
muito afins a estes (chiriguano, chanê, tapietê) e outros gru-
pos lingüísticos muito aparentados, mas que seriam diferen-
tes dos anteriores. A coincidência vocabular com os primei-
ros seria de até um 60% a um 81 %.

As línguas da família lingüística tupi-guarani se


caracterizam em geral por possuir um sistema vocálico com-
plexo com seis vogais orais (uma além do nosso a-e-i-o-u) e as
mesmas nasais, sendo utilizada a nasalidade como traço supra

124
HAN5 ULRICH REIFLER

segmental para delimitar as palavras. Geralmente nestas lín-


guas não costumam formarem-se grupos consonânticos, mas
Ingl, IngWI, Imbl e [nd] se consideram fonemas simples. A or-
dem normal dos componentes da oração nas línguas tupi-
guarani é SOV: sujeito + objeto + verbo.

Quadro comparativo dos pronomes pessoais em algumas línguas da família


tupi-guarani
prato tupi- chirigu uru-eu-uau-
guatani tupi guaralll urubu
ano uau
['d_i]/
EU *ce xe/ixé xe ce ih
[dj'he]
ndéíne)
['nde]/
TU *ne fende ne ndé ne
[nde'he]
/jepé
['ga]/
ELE *i-/h- i(s,t) i-/h- háe i-/h-
[ga'ha]
NOS jandé/
*jane jane yánde jane Lan'de]
(incl.) fíandé
NOS
(excl.)
"ore oré ore oré lo'r.J
pende/ ['pe]/
VÓS *pe pe,pe pe pe
pee [pc'he]
háe- ['_ali
ELES *i-/h- oré i-/h- i-/h-
reta La'ha]

Grupo tupi-cauaíbo: Seria um dos grupos não


estritamente tupi-guaranis embora faça parte da
família. Compreenderia, segundo Tovar (que se-
gue a Rodrigues), o subgrupo cauaíbo, com as
línguas uirafed, pauaté e parintintim, e por ou-
tra parte a língua apiacá. Dentro do primeiro
subgrupo haveria que situar o uru-eu-uau-uau.

Uru-eu-uau-uau: É a língua do povo que leva o


mesmo nome e que atualmente compreende,

125
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

aproximadamente, 106 indivíduos divididos em


pequenos subgrupos, o maior dos quais (50 indi-
víduos) é o chamado amondaua. Moram na zona
central de Rondônia, entre os municípios de
Ariquemes, Costa Marques, Ouro Preto do Oes-
te, Presidente Médici e Porto Velho.

Até o mês de setembro deste mesmo ano era o


último grupo indígena contatado em Rondônia, o que, so-
mado à grande distância que os separa dos núcleos de popu-
lação mais próximos, fez com que se preservasse ainda bas-
tante bem a sua língua. Mas isto não impediu que começas-
sem a aparecer sinais próprios da cultura européia em sua
vida cotidiana, assim como a perda de tradições próprias
como, por exemplo, o costume de pintar os seus corpos, que
começa a ser abandonado entre as crianças.

Socialmente os uru-eu-uau-uau, como a maioria


das tribos tupi, se dividem em duas metades, arara e mutum,
onde só é permitido o casamento entre membros (homens
ou mulheres) das metades diferentes. A simplicidade da or-
ganização social que caracteriza a vida dos povos tupi-guarani
contrasta com a sua "complexidade mística e cosmológica'.
De fato, "os guarani, estruturam sua vida em torno do mito
da 'Terra sem Males' ,e foi em busca dela que desencadearam
inúmeras migrações, sempre em direção ao oriente".

Os primeiros contatos tiveram lugar na década


de oitenta (1981) quando foram distribuídas terras entre os
colonos no interior. Como intérpretes se utilizaram índios
parintintins, do estado do Amazonas, mas com língua muito
afim. Desde então o seu número desceu dramaticamente
devido às novas doenças portadas pelos "brancos" e aos assas-
sinatos. Hoje o seu número parece ter-se estabilizado. Em

126
HAN5 ULRICH REIFLER

1985 delimitou-se-lhes uma área de 1.821.000 ha., ainda


que no seu interior se ubica também o parque nacional dos
pacaás-novos, de 800.000 ha.

A língua dos uru-eu-uau-uau ainda está em fase


de conhecimento, existindo só dois trabalhos específicos so-
bre ela: Coments on Uru-eu-uiau-uiau, de Helen Peasee LaVerá
Betts e o relatório intitulado Levantamento de Dados
Lingüísticos e Culturais do PovoAmondawa, dirigido por Wany
Sampaio e desenvolvido pelas estudantes e pesquisadoras
Giselle S. Assunção e Albertina Swanderley, já citado na bi-
bliografia. Desta obra nos servimos fundamentalmente para
a obtenção dos dados que oferecemos relativos a esta tribo.
Destaca a presença da oclusiva glotal surda [?] no seu sistema
fonológico, freqüente também em outras línguas desta re-
gião: ['?u] (beber). O sistema acentuai, pela sua parte, parece
próximo do sistema do tupi descrito pelo P.Anchieta.

Quadro comparativo dos numerais em algumas


línguas da família tupi-guarani
Chiri- Uru-eu-
Tupi Guarani
guano uau-uau
ptil
Um ojepé pete [od_ipe'?i]
mopti
mõkoi,
Dois mokõi mokõi mõkwil [rno'klij]
mõkoi
mbápl [rnokoha't
Três mosapr mbohapy
mboáp u]
ojoirundy
Quatro irundy irúnd [he'?n
k
Cinco (po) pandépo [he?ja'te]

127
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

b. Família Ariquém

O resto das famílias lingüísticas que formam o gru-


po tupi é denominado por Rodrigues "dialetos impuros", com
uma coincidência vocabular com o tupi-guarani que se estima
entre 36% e 60%. O vocabulário adjacente ser-lhes-ia dado
através de influxos caribes ou arauacos fundamentalmente.

Loukotka, segundo Tovar, considerava esta famí-


lia independente, com influências tupis e arau-acas; mas tra-
balhos posteriores, inclusive dele mesmo, situaram a família
ariquém dentro do tronco tupi. Este mesmo estudioso dá
como sinônimos de ariquém os nomes ahopovo e uítáte.

Caritiana: A sua diferença em relação à anterior


é que ela não se inclui na família tupi-guarani, ainda que seja
uma língua do tronco tupi. É falada pela tribo que leva o
mesmo nome numa reserva de 57.000 ha. próxima de Porto-
Velho, a Área Indígena Caritiana. O seu contato com os bran-
cos se deu já no século XIX, pelo que hoje o grau de
bilingüismo, como já apontamos, é muito avançado. Vivem
sobretudo da agricultura de subsistência e da venda de arte-
sanato na capital.

O idioma caritiana foi dado como extinto por mais


de um autor e em 1972 se falava de 45 falantes desta língua.
Gomes da Silva em 1991 registra mais de cem. Recentemente,
uma pesquisadora brasileira, Luciana Storto, achou em caritiana
um fenômeno sintático denominado V2, que é comum tam-
bém no alemão. Consiste no deslocamento do verbo desde a
posição final para a posição mediaI nas cláusulas simples. Nas
cláusulas subordinadas o verbo fica na posição final, que é a de
partida. Assim, por exemplo, em caritiana não teríamos Ho-
mem matou onça, mas Onça homem matou chorou criança

128
HANS ULRlCH REIFLER

("Quando o homem matou a onça a criança chorou"), o que


reflete o mesmo processo sintático que o alemão. Os exemplos
são tirados do artigo de Sartori e Rodrigues Pereira, citado na
bibliografia. "A graça - dizem eles- é que Luciana flagrou um
V2 em plena selva amazônica", Mas não ficariam aí as peculia-
ridades desta língua. Resulta ademais que em caritiana qual-
quer oração é interpretada como negativa enquanto não apa-
recer nela uma partícula afirmativa.

Tovar assinala como línguas próximas, também


da família ariquém, o capixiana e o ariquém propriamente
dito; mas esta última não aparece em "O índio e a política
nacional" pelo que quiçá seja um gentilício sinônimo ou um
dialeto. Quanto à segunda, se encontra neste documento uma
língua capixana, mas se instala entre o grupo de línguas não
classificadas.

c. Família mondê

Trata-se de uma família lingüística que compre-


ende várias línguas bastante próximas geográfica e
tipologicamente.

Aruá: É falado pela tribo do mesmo nome, que


mora na Área Indígena de Guaporé, no municí-
pio de Guajará-Mirim, ao sudoeste de Rondônia.
Tem um dialeto conhecido como aruáxi.

Cinta Larga: Os seus falantes moram na Área


Indígena Roosevelt e no Parque de Aripuanã, si-
tuados entre Rondônia e o Mato-Grosso. Em cin-
ta larga as orações principais contam com um
verbo auxiliar que serve para fazer referência à

129
AN7ROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

pessoa e ao número dos verbos transitivos. Por sua


vez, um prefixo incorporado a estes serve de refe-
rência para o objeto. No exemplo que segue tra-
duzimos o auxiliar por "ser".
Nike-eyãga pa-wa.
mosquito-ssão nós-picar
(Os mosquitos estão picando.)

Gaviám (Digute): Habitam a Área Indígena


Igarapé Lourdes, no município de Ji-Paraná, ao
leste do estado, datando-se em mais de quarenta
anos o seu contato com os "brancos". Atualmente
mantém relações comerciais na cidade de Ji-Paraná.
Segundo Derbyshire e Payne o gaviám apresenta
um sistema classificador de número que inclui: "pe-
queno objeto redondo", "objeto longo e magro",
"objeto similar à fruta", "objeto oco/convexo", "lí-
quido", "raiz", "pó" e "folhà'. A importância dos
classificadores nestas línguas reside em que desen-
volvem uma função anafórica ou relacional no sis-
tema referencial.Trata-se também duma língua
tonal, como o chinês, apesar de que os missionári-
os que estiveram trabalhando com elesdurante dez
anos não perceberam essa circunstância.

Mequém: Residem na Área Indígena Mequém,


no município de Cerejeiras, ao sul do estado.
Conta só com quarenta falantes. Tovar o apre-
senta classificado dentro da família tupari.

Mondê: Vivem na Área Indígena Tubarão, situa-


da ao sudeste de Rondônia. O salamãi ou
sanamaicã seria um dialeto desta língua.

130
HAN5 ULRlCH REIFLER

Suruí (Paiter): Moram na Área Indígena Sete de


Setembro, situada entre os municípios de Cacoal,
Pimenta Bueno e Aripuanã, este último perten-
cente ao estado de Mato Grosso. Conta com um
número compreendido entre os 1500 e 4000
falantes e são confundido com os cinta larga. Fo-
ram afetados pela construção da rodovia BR-364,
que une Porto-Velho ao resto do país e também
pela invasão das suas terras por parte de imigran-
tes vindos, sobretudo, do sul do Brasil. Recente-
mente (outubro de 1995) chegou até nós a notí-
cia de que estavam sendo dizimados por uma es-
tranha doença que pode provocar a sua extinção.

Loukotka, que os denominava "suruirn", deixou


desclassificada a sua língua. Os Voegelins em
1969 davam um número aproximado de trezen-
tos suruís.

Zoró: Habitam também no conglomerado de po-


vos tupis que se forma ao redor da linha divisória
entre os estados de Rondônia e Mato Grosso.

d Família Ramarama

Conjunto de falas que ficam ao norte e ao leste


do ariquém e ao sul do parintintim do estado de Amazonas.

Arara: Co-habitam a Área Indígena Igarapé


Lourdes junto com os gaviões. Durante mais de
cem anos ofereceram resistência à "civilização".
Só em 1950, dizimados pelas doenças, fizeram
contatos amigáveis com os seringalistas. O arara

131
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

tem um dialeto chamado urucu que Tovar dá


como língua independente.

Ramararriaou itangá: Compreende um dialeto que


seria o propriamente dito itugapuque ou
entogapide. Em "O índio e a política nacional" dá-
se o nome de "itugapuk" para denominar a língua.

e. Família Tupari

Tupari: Convivem com outras cinco tribos na


Área Indígena Guaporé e também na A.I. Rio
Branco, ao centro-sul do estado, no município
de Costa-Marques. Em 1972 somavam 50 falan-
tes. Estiveram próximos à extinção pela ação hos-
til dos seringueiros.

Macurape: Residem nas mesmas áreas que a tri-


bo anterior. Rivet e Loukotka, segundo Tovar,
faziam dele uma família independente. Os
macurapes também sofreram os ataques dos se-
nnguelros.

Uajoró: É também chamado uajará ou ajuru. Tem


um dialeto chamado apichum. Em "O índio e a
política nacional" aparece também uma língua
ajuru entre as não classificadas.

f Língua Puruborá

Situa-se na cabeceira do rio São Miguel e em 1972


contava com cem falantes. Muitos estudiosos deixaram esta

132
HANS ULRlCH REIFLER

língua desclassificada. Rodrigues a considera um "dialeto


impuro" do tupi.

2.2. LínlfUllS não classificadas em troncos


a. Família nambiquara

o nome nambiquara provém das palavras tupis


"nambí", que significa orelha e "guarà', que é um sufixo que
indica propriedade ou essência. A tradução seria propriamente
"os ore Ihu dos".

o nambiquara tem cinco vogais: lil,lel,lal,lul,lol,


podendo as quatro primeiras aparecer também como nasais
com valor fonológico. Assim mesmo, todas elas podem opor-
se também como faringais. A tonalidade também é pertinen-
te, podendo diferenciar o nambiquara em até três tons dife-
rentes. A sua morfologia verbal é realmente complexa. Os
verbos finitos se flexionam obrigatoriamente para as catego-
rias pessoa, tempo, aspecto, verificação, orientação e mundo.
A pessoa pode ser primeira, segunda ou terceira, e à sua vez
também singular, dual ou plural, existindo também dois plu-
rais inclusivos para a primeira pessoa: primeira + segunda, ou
primeira + terceira. Assim mesmo ainda existe uma primeira
pessoa exclusiva de dual e outra de plural. O tempo pode ser
passado, recente, presente ou futuro. O aspecto pode ser com-
pleto ou incompleto. A verificação caracteriza a informação
segundo esta seja conhecida também pelo receptor ou só pelo
emissor. A orientação refere como o falante objetiva a infor-
mação que proporciona. O "mundo" estabelece se o falante
menciona feitos do seu mundo psicológico ou emocional ou
se estes provém do mundo externo.

133
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Em Rondônia podem achar-se duas ou três lín-


guas desta família:

Nambiquara do Norte: Fala-se entre os estados


de Rondônia e Mato-Grosso, contando com os
seguintes dialetos: Tauandê, Lacondê, Latundê,
Namaindê e Nagarotu. Existe também o
nambiquara do sul, falado inteiramente no Mato-
Grosso e que à sua vez também conta com vários
dialetos.

Sabanê: São só vinte falantes. É uma língua mui-


to diferente das outras duas, com muitos influxos
arauacos através provavelmente do paresi, que fica
ao norte.

Caxibi(?): Tovar diz que Loutkotka cita em 1968


uma tribo "Kaxibi" entre os rios São Miguel e Pre-
to e que já então, provavelmente, extinta. É tam-
bém o nome dum dialeto do nambiquara do sul.

b. Família pano

Moreno Cabrera, seguindo Greenberg, apresenta


uma grande família (ou tronco) Gê-pano-caribe, mas parece
que não há suficiente argumento para aceitar esta hipótese.
Rodrigues prefere não classificá-la em tronco.

É uma família bem caracterizada e difundida, ain-


da que a sua expansão talvez seja recente, segundo informa
Tovar, por não disporem de canoas. As suas línguas não são
inteligíveis entre si, mas mostram uma estrutura fonológica
parecida e aparentado com a das línguas tacana. Entre as lín-
guas pano em Rondônia teríamos:
134
HAN5 ULRlCH REIFLER

Caripuna: Habitam a área indígena do mesmo


nome entre os municípios de Porto Velhoe Guajará
Mirim. Existem autores que os apresentam como
tupis, talvez confundindo-os com o povo homô-
nimo do Amapá. Apresenta dois dialetos: jacariá
ou jacaré tapuia e pamá ou panamá. A sua língua
está muito concorrida pelo galego-português.

No fim do século XIX e começo do século XX os


caripuna eram muito numerosos, mas foram
muito afetados pela construção da estrada de fer-
ro, até a ponto de terem sido considerados extin-
tos. Em 1970 atacaram um seringal e em 1976
foi feito o primeiro contato pacífico por parte da
FUNA!. Machado de Lima diz que em 1991 ain-
da havia grupos isolados.

Caxarari: Moram entre os municípios de Porto


Velho e Lábrea (estado de Amazonas), na área que
levao seu nome, contando com aproximadamente
120 pessoas.Também são classificadospor alguns
autores dentro da família lingüística arauaca. Se-
ria o único povo desta família presente em
Rondônia.

c. Família chapacura

É outra família sem tronco que se estendeu por


Rondônia e pelo norte da Bolívia, mas que hoje se apresenta
muito reduzida. Contudo, algumas das suas tribos são muito
numerosas.

135
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

Pacaás-novos: É atualmente o grupo mais nume-


roso de Rondônia ocupando as áreas indígenas
de Ribeirão, Igarapé Laje (167.321 ha.), Negro
Ocaia, Pacaás-Novos (com 218.000 ha.) e
Sagarana, todas elas no município de Guajará-
Mirim. Nesta última vivem sob o controle da Igre-
ja Católica; nas outras o controle é exercido pela
FUNAI. Autodenominam-se "oro-warí" e se cons-
tituem em vários subgrupos diferentes. Em 1972
Dostal (segundo Tovar) situava o seu número en-
tre 300 e 500 indivíduos.

Sofreram a violência dos construtores da estrada


de ferro e dos seringueiros no século passado.
Entende-se que emigraram da Bolívia quando
esse país era dominado pela Coroa Espanhola. O
segundo grande avanço colonizador que sofreu
Rondônia foi o das últimas décadas, baseado na
agricultura e pecuária. Ele já os achou mais pre-
parados, com o qual puderam resistir melhor a
pressão do que os povos tupis do sudeste. Estes
"praticamente saíram do isolamento para o con-
fironto. "

Essa mesma autora, que realiza um estudo de tipo


antropológico sobre os pacaás novos, conclui en-
tre outras cousas que persiste uma identidade
pacaá nova ou "warí" lutando por manter-se viva,
apesar das agressões externas padecidas do tipo
físico e ideológico. Permanece uma língua e um
corpus de crenças comum e, assim, a organização
social e tribal que foi destruída por ocasião do
contato com os "b rancos " se mantem
/ sob Lrorrnas
mais sutis, por exemplo, a configuração do seu

136
HANS ULRlCH REIFLER

espaço vital, em que ainda se conservam, entre


outras causas, os antigos caminhos que uniam os
diferentes subgrupos ou "makaracon". Também
subsistem certos ritos e mitologias que tinham por
finalidade salientar a unidade dos subgrupos e a
sua identidade frente ao grupo. E tudo isto luta
por sobreviver ao influxo externo descarac-
terizador que supõem os missionários.

Recebem uma educação oficialmente bilíngüe


por parte da FUNAl ainda que pareça existir uma
grande desproporção nela, ao serem ministradas
em galego-português a maioria das matérias.

Urupá: São aproximadamente 150 indivíduos


que moram no rio Urupá, ao sul de Rondônia.

Maré: Tovar, seguindo Dostal (1972), dá um


número de 100 a 150 morés entre os rios Mamoré
e Itenoz, Hoje o último falante é Manoel Faé
Paray, que reside em Guajará Mirim.

Cuiubi: Língua que também só conta com um


falante, Rosa Kuyubi.

Família Caribe: Trata-se de uma família lingüísti-


ca que, como os povos tupis, se achavam em ple-
na expansão na chegada dos colonizadores euro-
peus. Chegava até às ilhas do Caribe pelo norte e
pelo sul e se estendia por numerosos pontos pela
parte setentrional do continente sul-americano.
Rodrigues sugere que as línguas Caribe poderi-
am achar lugar dentro do tronco tupi.

137
ANTROPOLOGIA MI55IONARlA PARA O SÉCULO XXI

Atualmente, nenhuma língua desta família fica


dentro dos limites do estado de Rondônia; mas
Tovardá noticia de um pequeno grupo lingüístico
denominado palmeIa cujos falantes morariam ao
lado do rio Guaporé, perto da fronteira boliviana.
Teriam sido a incursão Caribe de maior relevo para
o sudoeste. Atualmente a língua está extinta.

2.3. Línguas ainda não-classificadas em tronco ou família


Coaiá: Também chamados araras de Rondônia.
Só são sete falantes.

Aicaná: Também chamados masacá, uari ou


corumbiara. Lévy-Strauss os aproximava do
puroborá e Rodrigues oa considerava tupi-
guarani. Moreno Cabrera, por sua parte, os apre-
senta dentro do grupo macro-tucano. Tem qua-
tro dialetos: guajeju, aboba, puxacaze e maba.

Aricapu: Moram nos subafluentes do rio Bran-


co, que à sua vez é afluente do Guaporé, dentro
da mesma área indígena que os aruás ou os tuparis.
O aricapu e o jabuti foram agrupados por
Lukotka.

Auaquê

Jabuti: Moram junto com os anteriores. Só fica-


ram 40 falantes após terem sido dizimados pelos
seringalistas.

138
HAN5 ULRlCH REIFLER

Maxubi: Apontou-se a existência de 50 falantes


perto de Vilhena. São relacionados com as lín-
guas chibcha.

Canoê (Capixana): Na atualidade só têm 40 fa-


lantes. No igarapé São Pedro, afluente do Pimen-
ta, Lévi-Strauss recolheu um vocabulário que co-
incide com esta língua.

Macu: O nadebo seria um dialeto desta língua


falado por uma tribo independente, segundo os
Voegelins. Helen Weir, que trabalha com os
nadebos, diz que não há ainda uma evidência clara
para estabelecer essa relação.Trata-se de uma lín-
gua incorporante, com incorporações pós-positi-
. ..
vas e recursivas norrunais.

Guajaru: Suposta língua que poderia tratar-se do


ajuru ou uajaró. Pode estar situada na Área Indí-
gena Guaporé.

Ajuru: Aparece entre as línguas não classificadas


em "O índio e a política nacional", além de apa-
recer também este nome no mesmo documento
como sinônimo do uajaró.

3. POR UM MUNDO NOVO

Acabamos de ver como em um território como o


estado de Rondônia, com uma superfície equivalente a da
antiga Alemanha Ocidental, convivem mais de trinta e cinco
idiomas pertencentes a famílias e grupos lingüísticos extre-
mamente variados. Se atentarmos para o fato de Rondônia

139
ANTROPOLOGIA MI55IONARIA PARA O SECULO XXI

representar só 7.11 % da Amazônia brasileira, 2.98% do país


inteiro, compreenderemos qual é a enorme riqueza cultural
que estas terras ainda encerram, só comparável à sua gigan-
tesca variedade biológica.

Mas também comprovamos como, dentre essas


trinta e cinco línguas, a grande maioria era falada por menos
de cem indivíduos e algumas por um número realmente in-
suficiente para assegurar a sua sobrevivência. Só podem ser
mais dramáticos os casos de línguas extintas ou com apenas
um único "falante". De todas as línguas ameríndias, como
vimos, somente o guarani parece ter achado um certo grau
de oficialidade que poda garantir a sua sobrevivência. Olhan-
do estas cousas surpreende que ainda haja quem possa afir-
mar que a "descoberta" do continente americano suponha
qualquer vantagem para os seus primitivos habitantes.

Nos últimos tempos o acesso de alguns indígenas


à educação propiciou o surgimento de uma autocons-
cientização que tem como base os recentes movimentos
indianistas. Os seus protestos e demandas se dirigem, sobre-
tudo, para a tentativa de recuperar o controle das suas terras
(algo que pode parecer tão óbvio), mas também para defen-
der sua identidade e sua própria cultura.

No Ocidente já é conhecida a figura de Raoní, o


chefe dos chucaamei, tribo do parque Xingu. Ele, com o seu
impressionante disco labial, acompanhado do cantor Sting,
desenvolveu um importante papel em todo o processo de di-
vulgação e denúncia que se efetuou entre nós sobre a neces-
sidade de frear a destruição do hábitat amazônico. O valor
desta luta não pode ser diminuído mesmo diante das denún-
cias recentes envolvendo seu nome.

140
HAN5 ULRlCH REIFLER

Mas, talvez por serem estes movimentos


incipientes, ou porque as suas reivindicações são "demasiadas
justas", eles parecem não estar achando o eco suficiente. Con-
tinuamos comendo hambúrgueres e sabemos bem que por
cada vaca que as produz foi desmatada uma grande porção
de selva pelas mãos das grandes multinacionais. Continua-
mos celebrando "descobertas" (Será que estes povos não teri-
am se descoberto a si mesmos?), continuamos celebrando con-
quistas e expansões ultramarinas e sabemos (os galegos por
experiência própria) tudo o que isto significou para as nações
assim submetidas.

Não se trata de reclamar uma revisão histórica que


signifique a devolução aos seus donos legítimos de todo o con-
tinente americano. Os brasileiros, hispano-americanos, norte-
americanos, canadenses, descendentes de europeus, africanos
ou asiáticos hoje em dia não podem se considerar menos donos
do chão que pisam do que os índios americanos. Mas existe,
sim (e isto é inegável), uma grande dívida para com eles e, so-
bretudo, a obrigaçâo de não continuar reproduzindo os mes-
mos atropelos e latrocínios do passado.

É urgente, em primeiro lugar, levar a todas as es-


colas indígenas um ensino primário ministrado em língua
própria; mas será muito pedir isso quando, inclusive no nosso
país, as crianças (inclusive as das zonas rurais, quase 100%
falantes de galego-português) continuam recebendo a maior
parte do seu ensino numa língua que não é a própria do seu
povo? Deve-se, pensamos, conceder às nações indígenas uma
certa autonomia política que lhes permita preservar a sua
cultura. E, sobretudo, é imprescindível deter as atividades
aculturadoras de certas associações missionárias que tentam
crescer transladando o seu fanatismo a lugares onde a
materialidade da cultura de que procedem lhes permite "ga-

141
ANTROPOLOGIA MISSIONARJA PARA O Ssau.o XXI

nhar almas" com pouco esforço. É como se os deuses e ritos dos


povos indígenas não fossem tão válidos como todos os outros
que lhes vão propondo as diversas "seitas" cristãs.

Cremos que este incipiente nacionalismo ou


"auto-identificação" indianista não é muito diferente, visto
no seu conjunto, dos mesmos movimentos e atuações que se
estão levando a cabo na Europa para proteger a identidade
de povos como o galego. Tirando as diferenças contextuais,
os problemas de fundo são sempre os mesmos. Talvez uma
maior cooperação entre uns e outros poderia produzir resul-
tados positivos para ambas as partes; quando menos, a difu-
são da mensagem de que o mundo está formado por povos,
por nações, por gente com identidade e que o desenho deste
nosso mundo não coincide com o que nos mostram os mapas
de geografia política que se utilizaram e utilizam para "edu-
car-nos", já isso seria um logro importante. Assim, contribui-
ríamos para que nenhum povo sinta-se como um "defeito"
que deve ser corrigido.

Tudo isto me lembra uma pergunta que me diri-


giu o pesquisador francês Jean Pierre de quem se falou nos
inícios deste artigo: "Existe seção de línguas exóticas na sua
universidade?" Tivemos que responder que não. Temos seção
de espanhol, de francês, de inglês, de catalão, de alemão, de
italiano, de línguas clássicas e, agora, uma seção de galego-
português reduplicada. Mas não daquelas línguas que mais
precisam ser estudadas, conhecidas e divulgadas. Não seria
um ato coerente com sua ética que a nossa universidade, a
Universidade de Santiago, dedicasse um pouco de atenção
aos idiomas dos numerosos povos "não tão importantes" que
ainda compartilham este mundo conosco?

Os seus autores só esperam que este artigo tenha


sido um pequeno tijolo na construção desse mundo novo que
142
HAN5 ULRICH RnFLER

necessariamente há de vir e que haja lugar para todos os po-


vos deste planeta por igual."

Perguntas para reflexão

Qual o objetivo principal de José Henrique Peres


Rodrigues neste discurso?

Em que sentido se ver a inter-relação entre cultu-


ra e língua?

Quantas línguas existem em Rondônia?

Por que algumas destas línguas correm o risco de


serem extintas?

Quais as teses fundamentais de José Henrique


Peres Rodrigues?

Quais os pedidos feitos por José Henrique Peres


Rodrigues?

Como ele avalia o trabalho da FUNAI?

De que maneira ele classifica o trabalho de mis-


sões?

Explique em que sentido ele tem razão em criti-


car o trabalho missionário.

Quais as conseqüências deste artigo para missões?

Como você define as atitudes humanas de José


Henrique Peres Rodrigues?

143
ANTROPOLOGIA MISSIONARIA PARA O SkULO XXI

o que você pôde aprender, pessoalmente, deste


artigo?

CITAÇÕES

1 José Henrique Peres Rodrigues, Os últimos moicanos de Rondônia,


http://www.uvigo.es/webs/h06/weba5 73/ persoal/henrlling/
moican.htm, de 17 de agosto de 2001.

144
os
Ao redor de todo o globo, aproximadamente 130
milhões de mulheres são circuncidadas. De quinze em quinze
segundos uma moça sofre o mesmo destino. A circuncisão da
mulher é um ritual brutal com conseqüências graves para a
vida inteira. A moça muitas vezes não sabe o que acontece.
Talvez as suas irmãs já passaram pela mesma experiência, mas
ficaram caladas. Os pais discutem o assunto durante semanas,
mas as moças não têm compreensão do fato. O que se diz é que
a moça circuncidada se torna uma mulher de verdade. O se-
gredo se torna realidade com a circuncisão. O que resta são
dores insuportáveis, o sentimento de traição e humilhação.

A circuncisão da mulher é um tabu. A prática da


circuncisão é conhecida, também, na Europa e na América
do Norte. Infelizmente o termo da circuncisão da mulher
está sendo mal compreendido no mundo ocidental. Conhe-
ce-se o termo da circuncisão do homem. Mas a circuncisão
masculina não deforma o funcionamento sexual do homem.
ANIROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

No caso da circuncisão feminina a mulher e seus filhos so-


frem as conseqüências a sua vida inteira".

A entidade "Pró Família", na Suíça, apresentou o


seu programa no dia 29 de janeiro de 1995 na televisão. Con-
forme a sua pesquisa, 80 milhões de moças da África foram
circuncidadas. Estas moças passam por experiências traumáti-
cas. São retiradas partes da vagina e do clitóris. Para esta ação,
alegam que se elas se opuserem à circuncisão se tornarão
ninfomaníacas ou prostitutas. Não se falasobre quantas moças
perdem a sua vida, que em geral não são capazes de urinar
corretamente, manter relação sexual ou ter um parto regular.

Na Suíça, alguns casos de circuncisão de moças


africanas são conhecidos pelas autoridades e hospitais". Os
resultados da circuncisão são gravidez problemática e parto
doloroso. Em alguns casos os médicos tiveram que abrir a
vagina para poder fazer o parto".

1. RAzÕES QUE LEVAM À CIRCUNCISÃO FEMININA

Algumas razões apontadas para a justificação da


circuncisão da mulher:

é a condição para achar um homem que poderia


pagar ao sogro o preço da aquisição

é a condição para se tornar uma mulher frutífera

é a condição para a mulher se tornar limpa

é a condição para se tornar fiel

é um ritual praticado à séculos

148
HAN5 ULRlCH REIHER

corresponderia à natureza divina

A problemática da circuncisão ritual de moças


na África está bem apresentada na autobiografia da famosa
modelo da Benetton Waris Dirie, de Somália. Hoje ela traba-
lha como embaixatriz das Nações Unidas". Mundialmente,
várias organizações se engajam na luta contra a circuncisão
ritual praticada, ainda, em 27 países da África. Veja alguns
exemplos, juntamente com endereços para contato:

The Campaign to Eliminate FGM UNFPA


(United Nations Population Fund) , 220 E., 42 nd
Street, New York, NY 10017; E-mail:
hp@unfpa.org

Terre de femmes e.v, Menschenrechte für die


Frau, Konrad Adenauerstr. 40, D-72072
Tübingen

INTACT, Internationale Aktion gegen die


Beschneidung von Madchcn und Frauen,
Johannisstrasse 4, D-66111 Saarbrücken

Schweizerisches Komi tee für UNICEF,


Baumackerstrasse 24, CH-SOSO Zürich oder

UNICEF:www.unicef-suisse.ch;www.uniceEorg;
www.uniceforg/infores/publications.htm

2. MEIOS PARA SE LUTAR CONTRA A CIRCUNCISÃO FEMININA

Pressão na justiça e legislação nacional a fim de


conseguir uma proibição total da circuncisão ri-
tual de moças. Até hoje, campanhas específicas
149
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA PARA O SÉCULO XXI

da UNICEF, têm causado frutos permanentes no


Senegal, em Burkino Faso, Gana, Togo, Guiné,
Djibouti e na República da África Central.

Levantamento de suporte financeiro para lançar


campanhas educativas

Denúncia internacional contra a circuncisão ri-


tual de moças como violação dos direitos huma-
nos, por instituições internacionais, entidades
públicas, igrejas e governos.

Reeducação vocacional, educação política e soci-


al, reorientação das pessoas que aplicam a circun-
cisão ritual.

Ajuda prática e educativa às organizações femi-


ninas locais que estão prontas para quebrar o si-
lêncio a respeito da circuncisão ritual de moças.

Suporte aos grupos femininos e organizações hu-


manitárias através da mídia. Por este método de
influência a taxa de circuncisão caiu na Etiópia
de 92% para 73% em pouco tempo.

Discussão com líderes religiosos e tribais. A de-


núncia da circuncisão ritual de moças por lmam
as-Asghar reduziu a prática da circuncisão no
Egito consideravelmente.

Recolhimento e publicação de dados a respeito


da circuncisão ritual. Quem sabe mais pode aju-
dar melhor.

Promoção de rituais alternativos, higiênicos e po-


sitivos à saúde (limpeza do clitóris).
150
HANS ULRlCH REIFLER

Suporte moral e material de qualquer pessoa que


se opõe à circuncisão ritual de moças",

A psicologia econômica da África está completa-


mente dominada por fenômenos sobrenaturais. Por esta ra-
zão os africanos valorizam aspectos religiosos e místicos mais
do que vantagens materiais e carreira pessoal. O contexto ri-
tual é muito mais importante do que aspectos e modelos eco-
nômicos. Esta atitude se manifesta em generosas festas, acima
das condições financeiras, nas cerimônias de circuncisão, em
casamentos ou enterros?

CITAç6E5

1 E. Müller, Informação da UNICEF Suiça de maio de 2001, p. 1.

2E. Müller, UNICEF Suiça na televisão suiça SFDRS de 16 de


maio de 2001.

3 Ibid.

4 W Dirie, Wüstenblume, München 1998.

5Os dados estatísticas são de E. Müller, AufkJarungsfaltblatt der


UNICEF Schweiz de maio de 2001, p. 2

6Dia Mamadou, em: A. Imfeld, Charnãleo n und Chirnãre,


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