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1

INTRODUÇÃO

O pentecostalismo brasileiro tem sido o grande alvo de estudos da sociologia da


religião nos últimos anos. Diversos livros foram publicados pelas grandes editoras a partir
de teses de pós-graduação defendidas nas principais Universidades brasileiras.
Como fenômeno religioso popular o pentecostalismo têm impressionado pelo seu
espetacular crescimento. Quando comparamos tal crescimento diante da estagnação do
protestantismo histórico no Brasil, logo nos sentimos impulsionados a descobrir quais são
as causas para a expansão acelerada do pentecostalismo.
A presente monografia tem por objetivo definir os fatores que tornaram o
pentecostalismo um eficiente instrumento para propagação da fé cristã em território
nacional, e ao delimitar esses fatores estabelecer quais práticas pentecostais podem ser
restauradas ou adequadas à tradição reformada a fim de que o presbiterianismo brasileiro
possa expandir-se e sobreviver.
Para traçar um perfil do pentecostalismo e de suas práticas lancei mão de tratados
sociológicos publicados recentemente e que buscam entender o movimento pentecostal
como um fenômeno religioso de massas. Quanto à tradição reformada, que por ser ampla e
histórica, tornando-se abrangente e de difícil definição, delimitei-a apenas ao calvinismo,
utilizando para isso dois textos primários do reformador francês, o catecismo de 1537 e as
Institutas da Religião Cristã, ambas as versões são em espanhol. Alguns textos secundários
do calvinismo foram eventualmente utilizados.
Dividida em duas partes, a presente monografia primeiramente analisa a gênese do
pentecostalismo no Brasil, abordando criticamente a inserção do movimento em nossas
terras e definindo as razões que levaram a rápida expansão da Igreja Pentecostal. A segunda
parte busca, com base nos textos primários de João Calvino, identificar quais práticas tidas
como pentecostais devem ser absorvidas ou restauradas pelo presbiterianismo brasileiro.
Tentativas recentes buscaram de forma madura e consistente analisar as práticas
pentecostais à luz da tradição reformada e de forma consciente entender que o futuro do
presbiterianismo na América Latina depende da absorção de algumas dessas práticas.
2

John Hesselink, um dos maiores especialistas em teologia de João Calvino,


professor do Calvin Teological Seminary, escreveu um artigo para a Reformad Rewiew na
primavera de 1975, e que foi recentemente publicado no Brasil, no qual faz um paralelo
entre o movimento carismático e tradição reformada.
Um documento oficial foi produzido por doze líderes da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil no ano de 1995, buscando estabelecer pontos de contato entre
aquela denominação e o movimento pentecostal, a fim de normatizar o crescente despertar
carismático nesse segmento do presbiterianismo nacional.
Porém, o mais significativo documento editado sobre a relação entre práticas
pentecostais e tradição reformada foi produzido pela AIPRAL, Associação de Igrejas
Presbiterianas e Reformadas da América Latina, com sede na Cidade do México, e lançado
no Brasil pelas Editoras Pendão Real e UMESP. A obra é uma coletânia de artigos de
vários teólogos e sociólogos latino-americanos ligados à fé reformada, inclusive brasileiros
filiados a IPI.
3

1 – A GÊNESE DO PENTECOSTALISMO

1.1 – Primórdios do Pentecostalismo

Nos atuais estudos da sociologia da religião e da história da Igreja é consenso

afirmar que o Pentecostalismo surgiu a partir do impacto do movimento metodista na Fé

cristã.

O metodismo surgiu da pregação avivalista de John Wesley, ministro anglicano, que

deixou-nos como herança teológica à tese de que era possível e necessária uma segunda

experiência com Deus que é conhecida como total ou inteira santificação,“Isso significa

que, mesmo nessa vida terrena o homem pode ficar inteiramente livre do pecado, através de

uma experiência religiosa avassaladoramente emocional.”1

Ressalto também a influência do pietismo de Jacob Spencer na teologia de Wesley,

após o encontro que o pioneiro do movimento metodista teve na costa norte-americana com

missionários morávios.

Considerando o precedente aberto por Wesley na Teologia de que era necessária

uma segunda experiência com Deus na vida cristã, após os grandes avivamentos

americanos do século 19 e o surgimento do movimento holiness no final desse século, o

pentecostalismo cunhou a tese de que essa segunda experiência com Deus era o Batismo

com o Espírito, experiência evidenciada através da glossolalia.

Tal experiência foi pela primeira vez noticiada em uma pequena escola bíblica da

cidade de Topeka, estado do Kansas, cujo diretor era Charles Fox Perham. O movimento

porém se alastrou após a famosa cruzada da Rua Azuza na cidade de Los Angeles, onde

- CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e filosofia .5ª ed. São Paulo:Hagnos
1

Vol 4 . pg 255
4

Willian J. Seymour, pastor afro-americano, discípulo de Perham iniciou em um velho

templo metodista a expansão do movimento pentecostal no ano de 1906.

Iain Mac Robert em sua obra “The black roots and White racism of early

Pentecostalism in the USA” 2 acrescenta a tese da influência do metodismo no surgimento

do pentecostalismo, às origens africanas do pentecostalismo americano. Alguns também

vêem uma influência do romantismo, movimento literário do século 19 na gênese do

movimento Pentecostal.3

Fazendo uma leitura da tese de Mac Robert, André Corten em sua dissertação de

mestrado afirma:

“Do ponto de vista antropológico constatamos uma influência africana, segundo


Mac Robert, nos clamores, resposta na forma de antífonas, cantos repetitivos,
glossalalia, aplausos, batidas de pé, tripúdios, saltinhos, balanço do corpo,
fazendo cair alternadamente o peso do corpo sobre um pé e outro, danças e
outros gestos, que eram praticados nas religiões da África Ocidental e da
cristandade escrava e continuam a ser corrente entre os pentecostais negros dos
EUA, Jamaica e Grã-Bretanha.”4

Podemos considerar que a cultura afro-americana tenha sido campo fértil para a

expansão do movimento pentecostal, bem como as correntes migratórias para o oeste

americano, onde as massas mais pobres encontraram no pentecostalismo e no

protestantismo histórico de cunho avivalista, em especial os metodistas e batistas,

possibilidade de refúgio e reorganização social.

2
- MAC ROBERT, Iain. The black roots and White racism of early Pentecostalism in the USA. Houndmills:
The Macmillion Press. 1988
3
- CORTEN, André. Os pobres e o Espírito Santo. O pentecostalismo no Brasil. Petrópolis: Vozes 1996. p.
60
4
- ibidem, p. 49
5

Percebe-se que desde suas origens o pentecostalismo esteve estreitamente ligado aos

pobres, a ondas migratórias e ao processo de urbanização. O surgimento e a expansão do

pentecostalismo no Brasil confirma essa tese.

1.2 – Pentecostalismo no Brasil

O nome mais importante na inserção do pentecostalismo brasileiro foi W. H.

Durham, pastor batista de Chicago que após receber a experiência pentecostal na Missão da

Rua Azuza, já batizada como Igreja Apostólica da Fé, fundou em Chicago uma Missão de

Fé que anunciava a “promessa do Espírito”.

Sobre a influência de Durham na inserção do pentecostalismo brasileiro José

Jardilino diz:

“Embora não seja lembrado pelos historiadores do pentecostalismo brasileiro


nem pela liderança nativa, Durham exerceu influência fundamental na
elaboração de seu pensamento doutrinário, uma vez que sob suas influências
vieram os dois mais expressivos missionários do movimento no Brasil, Daniel
Berg e Louis Francescon.”5

Louis Francescon, pioneiro do pentecostalismo brasileiro e fundador da

Congregação Cristã do Brasil veio para o Brasil no ano de 1910 instalando-se em São

Paulo, após rápida passagem pelo interior do Paraná onde organizou a primeira comunidade

Pentecostal Brasileira no município de Santo Antônio da Platina.

Italiano de origem humilde, filho de artesãos, imigrou para os Estados Unidos onde

converteu-se ao evangelho e se tornou membro fundador da Igreja Presbiteriana Italiana de

5
JARDILINO, José Rubens. As religiões do espírito. Rio de Janeiro: ISER. p.31
6

Chicago.6 Em 1903 permitiu-se batizar por imersão ao se unir à um grupo holiness sendo

que em 1907 afirma ter sido batizado com o Espírito Santo na Missão de Durham:

“Nos fins de abril de 1907, o Senhor me fez encontrar com um irmão


americano, um dos primeiros a receber a promessa do Espírito Santo em Los
Angeles no ano de 1906 e, por meio dele, soube que na M.North Ave 943, havia
uma missão que anunciava a promessa do Espírito Santo e que o próprio pastor
havia recebido(...) naquele tempo, enquanto se esperava a promessa, o Senhor
fez saber ao irmão Durham e a outros, que Ele havia me chamado e preparado
para levar a mensagem a colônia italiana, após fui eu mesmo confirmado por
Deus”7

Uma vez em São Paulo passou a congregar na Igreja Presbiteriana do Brás, bairro

da capital paulistana onde havia uma grande comunidade italiana. Após pregação sua sobre

a teologia Pentecostal, houve um cisma naquela comunidade presbiteriana e cerca de 20

pessoas fundaram com Louis Francescon a Congregação Cristã do Brasil que permaneceu

restrita até a década de 30 à grande colônia italiana do Estado de São Paulo, expandindo-se

posteriormente à classe operária de origem nordestina que migrou para a metrópole a partir

da década de 50.

A Missão de Durham em Chicago também foi decisiva na inserção do

pentecostalismo brasileiro através de dois de seus discípulos de origem sueca que vieram ao

Brasil com o intuito de propagar a Fé pentecostal, Daniel Berg e Gunnar Vingren.

Em 1911, após se acharem alvo de uma revelação profética, decidiram por uma

viagem ao Pará, aonde criam ser o local escolhido por Deus para que a mensagem do

evangelho, tal qual eles concebiam, pudesse ser pregada.

Sobre a escolha do Norte do país como ponto inicial dessa missão Freston afirma:

6
FRESTON, Paul. Nem Anjos nem Demônios, interpretações socilógicas do pentecostalismo. Parte II Visão
Histórica. P. 100
7
FRANCESCON, Louis. História de Deus, revelada pelo Espírito Santo, no século atual. 4ª ed. São Paulo
7

“A escolha do Pará não foi racional, mas acabou tendo uma racionalidade maior
(no sentido de se fazer presente em todo o país do que se começasse no Rio ou
São Paulo. Acontece que havia um certo contexto para a profecia. O pastor da
igreja Batista de Belém era precisamente um Sueco emigrado para os Estados
Unidos aos sete anos de idade. Tratava-se de Erik Nilsson (Eurico Nelson), que
desde1897 implantava igrejas em toda a Amazônia”8

Ao chegarem ao Brasil entraram em contato imediatamente com a Igreja que, fora

fundada por Erik Nilsson em Belém e sendo bem recebidos por aquela comunidade

passaram, após o aprendizado da língua, a propagar a Teologia Pentecostal, o que gerou

uma forte reação por parte da liderança local, que conseqüentemente gerou um cisma no

qual foram expulsos não somente Berg e Vingrem, mas também aproximadamente 19

membros que fundaram a “Missão de Fé Apostólica” posteriormente nomeada Assembléia

de Deus.9

As Assembléias de Deus no Brasil, maior denominação da América Latina,

expandiu-se durante os seus 30 primeiros anos do Norte para o Sul do país através da região

Nordeste e sob os auspícios da Missão Pentecostal Sueca.

No limiar do terceiro milênio parece-nos estranho que uma denominação evangélica

tal popular tenha sido marcada tão decisivamente por escandinávios vindos da gélida

Suécia para evangelizar o povo caboclo do Norte/Nordeste brasileiro. Abraão de Almeida

em sua obra sobre a História das Assembléias de Deus destaca entre os pioneiros da obra

pentecostal quinze estrangeiros, a grande maioria Suecos e Finlandeses.10

Considerando que grande parte desses missionários vindos da Escandinávia eram

homens pobres que imigraram para a América do Norte em busca de melhores condições de
8
FRESTON, Paul. Nem Anjos nem Demônios, interpretações socilógicas do pentecostalismo. Parte II Visão
Histórica. pp.81
9
Alexader Rayle em sua obra História Documental do protestantismo brasileiro no capítulo XX apresenta
através de documentação original três diferentes versões sobre esse cisma
10
ALMEIDA, Abraão. História das Assembléias de Deus. pp 36-81
8

vida e que a Suécia não era na época a próspera nação que conhecemos hoje, Paul Freston

faz a seguinte afirmação:

“Pertenciam a uma minoria religiosa num país onde vários trâmites burocráticos
passavam pelo clero Luterano. Desprezavam a Igreja estatal com seu alto status
social e político e seu clero culto e teologicamente liberal (...) por isso eram
portadores de uma religião leiga e contracultural, resistente a erudição teológica e
modesta nas aspirações sociais(...) Os pentecostais suecos, por outro lado, em vez
da ousadia de conquistadores, tinham uma postura de sofrimento, martírio e
marginalização cultural.”11

Ao expandir-se para o sul via região Nordeste o movimento pentecostal surgido a

partir das Assembléias de Deus ficou marcado pela presença de líderes do Norte/Nordeste

que na década de 60 eram 60% dos ministros da denominação 12, o que determinou o

sistema de governo da denominação oligárquico, caudilhesco e em alguns casos

monárquico-messiânico com a direção das Igrejas passando de pai para filho.

A região Norte e Nordeste do país foi campo fértil para a expansão do

pentecostalismo pois:

“Deve-se que esta parte do Brasil estava de muitas maneiras, preparada para o
advento do pentecostalismo , pela a escassez de padres e pelo desenvolvimento
da religião católica popular, dirigida por leigos, em que a supertição e as curas
milagrosas por líderes “carismáticos” e “santos” desempenham papel
predominante”13

No Sul e Sudeste em franco processo de urbanização da década de 50 a Assembléia

de Deus não somente cresce como se fragmenta em novos movimentos pentecostais

tipicamente urbanos. É o que Paul Freston denomina de segunda onda do pentecostalismo

11
FRESTON, Paul. Nem Anjos nem Demônios, interpretações socilógicas do pentecostalismo. Parte II Visão
Histórica. p.78
12
JOHNSSON . Brasil 1980: O manual protestante. p. 11
13
HANH, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil . pp.336
9

em distinção a primeira onda (Congregação Cristã e Assembléia de Deus), onde ouve a

inserção do movimento no país.

Outros sociólogos da religião questionam Paul Freston e seu conceito sobre ondas

para descrever a expansão do movimento pentecostal ao longo da história da igreja

evangélica brasileira propondo outras tipologias. Considerando que a presente análise da

inserção do pentecostalismo no Brasil é também histórica, a definição tipológica de Freston

em seu conceito sobre ondas parece-me ser razoável como delimitador de tempo14.

Nessa segunda onda a Igreja do Evangelho Quadrangular surge como propulsora

do movimento de evangelização em tendas cujo carro chefe era a cura divina. Embalados

por essa cruzada, intitulada Cruzada Nacional de Evangelização, outros movimentos

dissidentes surgiram através de líderes carismáticos dos quais destacamos Manoel de Melo,

pernambucano, educado na Assembléia de Deus, migrou para São Paulo onde

posteriormente ligou-se a Cruzada, saindo posteriormente para fundar a Igreja o Brasil para

Cristo.

“O Brasil para Cristo foi um sucesso imediato e Mello chegou a fama nacional com
menos de 30 anos de idade. Se a Igreja do Evangelho Quadrangular inovara com tendas,
trazendo a cura divina para fora dos templos, o Brasil para Cristo foi mais longe, alugando
espaços seculares como cinemas, ginásios e estádios”15

Outro movimento dessa segunda onda que merece destaque é a Igreja Pentecostal

Deus é Amor (IPAD). Fundada por Davi Miranda no início dos anos sessenta é de forma

indireta conseqüência das grandes cruzadas da década anterior. Das grandes denominações

pentecostais é a mais rígida quanto aos usos e costumes característicos do pentecostalismo

Para uma melhor compreensão dessa discussão aconselho a leitura de Leonildo Silveira Templo, teatro e
14

mercado – organização e marketing de um empreendimento neopentecostal pp.49-52

FRESTON, Paul. Nem Anjos nem Demônios, interpretações socilógicas do pentecostalismo. Parte II Visão
15

Histórica. pp.81
10

de primeira onda e da Brasil para Cristo e menos presente na Igreja do Evangelho

Quadrangular. Fazendo uso da rádio a IPAD expandiu de São Paulo para todo o Brasil

antecipando a Igreja Universal do reino de Deus (IURD) “no combate frontal a umbanda e

na recuperação de elementos católicos como a prática de benzer e ungir objetos. Outra

inovação são as correntes, equivalentes às novenas”.16

O pentecostalismo de segunda onda tem como ênfase não mais a glossolalia e sim a

cura divina. Inicia-se nessa época a massificação do uso dos meios de comunicação e o

envolvimento político outrora demonizado na primeira geração do pentecostalismo.

O surgimento da terceira onda, da qual a expoente de maior destaque é a IURD, é

marcado pela vinda ao Brasil do canadense Roberto McAlister que introduz o culto

Pentecostal na classe média carioca após a realização de cruzadas no auditório da

Associação Brasileira de Imprensa no centro da cidade do Rio de Janeiro. Auto intitulado

bispo, McAlister institucionaliza o movimento através da Igreja de Nova Vida que foi berço

para os fundadores de dois segmentos do que conhecemos como neopentecostalismo, Edir

Macedo fundador da IURD e Ronildo Soares fundador da Igreja Internacional da Graça de

Deus (IIGD).

Com uma expansão meteórica em um Brasil urbano e industrializado a IURD

alcançou notoriedade na mídia ao adquirir uma emissora de televisão paulista no início dos

anos noventa.

Tentar resumir em poucas linhas a IURD é tarefa impossível. 17 Quanto à doutrina a

ênfase não é mais a glossolalia e nem a cura física mas o exorcismo através do qual as
16
Ibidem pp129
17
A obra atual que melhor define a IURD é a tese de doutoramento apresentada por Leonildo Silveira e
posteriormente editada Templo, teatro e mercado – organização e marketing de um empreendimento
neopentecostal
11

pessoas alcançam não só a cura, mas também a prosperidade financeira. Quanto à ética

comportamental a IURD é de certa forma liberal com os membros não havendo, inclusive,

qualquer tipo de disciplina. Algumas restrições são impostas aos obreiros, porém nada que

se assemelha ao pentecostalismo clássico.

As práticas sincréticas do culto da IURD contrastam com a pobreza simbólica do

protestantismo histórico. O uso de símbolos bíblicos e da cultura popular dão vida aos

rituais de purificação e exorcismo que são à base das celebrações da IURD.

A mesma acuidade visual é encontrada na IIGD, porém de forma mais tímida.

Na Teologia neopentecostal (terceira onda) o dinheiro tem peso fundamental nas

nossas relações com Deus. Ele serve como elemento para se conseguir bênçãos e anular os

demônios que querem “escravizar” o ser humano.

Podemos considerar também como movimentos pentecostais de terceira onda as

comunidades carismáticas independentes que surgiram em grandes cidades do sudeste e

centro-oeste brasileiro a partir do protestantismo histórico e serviram de alternativa contra

os rígidos costumes do pentecostalismo clássico e os exageros da IURD.

Nessas comunidades influenciadas pela Teologia da Prosperidade e pela produção

de música de adoração a partir do pop-rock americano e de alguns ritmos populares

brasileiros a classe média foi definitivamente inserida no movimento pentecostal. Com tais

características encontramos também a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, fundada em

meados dos anos 80 na cidade de São Paulo pelo hoje Apóstolo Estevão Hernandes.

1.3 – Crescimento do Pentecostalismo


12

Considerando que o Pentecostalismo é uma movimento dinâmico o que poderíamos

esperar como futura evolução desse segmento religioso ?

Podemos iniciar com o que não será perdido.

O uso de símbolos externos que acompanham as celebrações e os rituais, que na

IURD são conhecidos como pontos de contato da Fé. O uso de determinados símbolos e

expressões da cultura religiosa popular que caracterizam o pentecostalismo tais como, água

orada, óleo, cruz, declarações uníssonas de fé, e atualmente o sal e arruda não encontram

ambiente propício para florecer apenas na pobreza. As religiões exotéricas, tipicamente de

classe média alta, também se utilizam de objetos que de forma semelhante buscam

expressar ou incultir um tipo de fé. Pensar então que o avanço da tecnologia, o aumento da

escolaridade e uma esperada distribuição de renda vão eliminar da religião brasileira o uso

de símbolos e objetos é um equívoco. Tais “expressões de fé” fazem parte da cultura

religiosa brasileira à cinco séculos e não deixarão de existir, haja vista que a IURD inicia o

terceiro milênio assumindo por completa a sua condição de movimento religioso sincrético

ao estabelecer a “sessão do descarrego” realizada em nome do “pai das luzes”.

O apelo emocional do culto pentecostal também não será extinto. O que temos visto

são Igrejas pentecostais em grandes centros chamadas de carismáticas e mesmo Igrejas

protestantes tradicionais que assim estão sendo tipologizadas. Entende-se por carismáticas

nos pentecostais clássicos Igrejas que adotaram uma liturgia equilibrada e organizada com

centralidade da Palavra, ainda que com o dinamismo e vivacidade característicos do latino

americano. Nos protestantes históricos a tipologia carismática, outras vezes chamada de

avivada, caracterizam Igrejas que se expressam através de liturgia menos formal, com
13

músicas contemporâneas, a incorporação de algumas expressões e símbolos do

pentecostalismo e a ênfase em dons espirituais.

Certamente com o passar dos anos, salvo em alguns guetos, o pentecostalismo

estará se libertando da rigidez dos usos e costumes em relação à vestimenta, linguagem e

práticas esportivas que por eles são conhecidos como “doutrina”.

Devemos esperar também o impacto do movimento conhecido como G-12 na

eclesiologia do pentecostalismo tornado sua forma de governo menos coronelista. Tal

abertura também ocorre, via de regra, após a morte dos fundadores de determinado

movimento.

É impossível calcular também o impacto da tecnologia e do avanço da biomedicina

na teologia e na ética protestante e pentecostal.

Analisando a gênese do pentecostalismo nacional podemos discernir algumas razões

que levaram o movimento pentecostal a obter tão espetacular crescimento em nossa nação.

A interação das práticas pentecostais com a acuidade áudio visual do brasileiro

através do uso de símbolos e expressões de fé e principalmente do forte apelo emocional de

suas celebrações tem contribuído para o crescimento e o dinamismo do movimento em todo

território nacional.

A expressão da Fé pentecostal através de uma linguagem coloquial expressa em

discurso teológico popular, liturgia informal e festiva e uso de músicas com ritmos da

cultura popular também contribuíram para o crescimento da fé pentecostal.

A valorização do leigo e a concepção de que todos necessitam exercer seu papel no

corpo de cristo conforme o chamado e propósito de Deus em suas vidas também deve ser

destacada. O estímulo à música no ambiente pentecostal através de corais, bandas e


14

orquestras é digno de nota, pois têm, não só contribuído para a vida espiritual do indivíduo,

como sido instrumento para a formação intelectual de pessoas excluídas e marginalizadas

que dificilmente teriam acesso à formação musical.

Com a valorização do leigo a mensagem é pregada na linguagem do povo, através

do vocabulário simples de gente humilde que transpõe com facilidade a barreira que os

ministros protestantes históricos graduados e pós-graduados não conseguem transpor.

Por fim, a teologia pentecostal em sua cosmovisão busca explicar o mal e o

sofrimento, trazendo para eles resposta e solução. O mal é identificado como o inimigo a

ser vencido. O diabo com o qual lutamos através da oração, do uso de símbolos e

expressões de fé, e a carne e seus desejos pecaminosos que são vencidos através da

observação de determinados costumes em relação as vestimentas e da abstenção do mundo,

de sua arte (música, cinema, teatro,televisão) e de sua diversão (bares, esporte, clubes,

praia).

O sofrimento torna-se ou conseqüência de nossos próprios erros, ou tentativas do

inimigo de nos desestabilizar ou instrumento para crescimento da nossa fé, são as

provações.

Se o sofrimento é identificado como sendo a tentativa do inimigo para nos

desestabilizar então ele pode e deve ser vencido, não há o que temer, segundo o atraente

discurso pentecostal.

2 – TRADIÇÃO REFORMADA E PRÁTICAS PENTECOSTAIS

2.1 – Assimilação do Pentecostalismo


15

Dados do IBGE confirmam o crescimento do pentecostalismo em território

nacional. Conforme o censo realizado no ano de 1980 os evangélicos eram 6,62% da

população. Entre os evangélicos os protestantes históricos ainda eram maioria, 51% contra

49% de pentecostais. Os dados apurados no censo de 1991 estabelecem oficialmente o

percentual de 8,9%, com ampla maioria de pentecostais, 62% contra 38% dos tradicionais.

Durante a década de 80, enquanto o crescimento dos tradicionais foi de apenas 24% o das

Igrejas pentecostais no mesmo período foi de 112%.

Dados preliminares do censo de 2000, confirmam o rápido crescimento da Igreja

evangélica em nosso território, ultrapassamos a barreira percentual dos 15%, sendo que

nesse universo os pentecostais já compreendem 80% do total. Os protestantes tradicionais

que há 20 anos compreendiam metade dos evangélicos do Brasil, atualmente restringiram

sua participação na Igreja evangélica nacional a meros 20%.

Diante de tais dados devemos considerar as palavras de Paula Freston:

“Está na hora de revisar a nossa imagem tradicional do campo protestante na


América Latina. Ainda é útil falar de “históricos” e “pentecostais”, mas não
devem mais ser vistos elementos distantes e sim como tipos ideais nos dois
extremos de um continuar no qual quase todos os casos reais são como uma
mistura curativa e altamente variável. Além disso, todos os indivíduos e
denominações estão em constante movimento ao longo do continum. O
movimento vai nas duas direções: para uma pentecostalização do protestantismo
histórico e para uma historização do pentecostalismo.”18

Com isso não podemos pensar no futuro da IPB sem analisarmos os motivos que

levaram o pentecostalismo a se tornar um fenômeno de crescimento em nossas terras.

18
- FRESTON, Paul. Na força do Espírito. Os pentecostais na América Latina: um desafio as Igrejas
históricas. São Paulo: Pendão Real, México City: AIPRAL, São Bernardo do Campo:UMESP. P.269
16

“Para sobreviver o protestantismo histórico irá assimilar os principais eixos

teológicos e litúrgicos do pentecostalismo selecionando de acordo com a sua

tradição, os traços que mais se aproximam de sua “performance” tradicional.”19

John Mac Arthur Jr. em sua obra “Os carismáticos”, destaca alguns pontos

relevantes do movimento carismático, entre os quais:

1 – A emoção e a vivacidade no relacionamento com Deus

2 – Estimulo ao amor fraternal

3- Ousadia na proclamação do evangelho

4 – O compromisso pessoal do cristão com a Palavra de Deus

5 –Ênfase na obra do Espírito Santo e na contemporanidade das Escrituras

6 – Maior participação comunitária na adoração e no culto a Deus

Projetar o futuro de nossa denominação significa analisar alguns pontos de destaque

do movimento pentecostal, práticas que podem ser ou restauradas do calvinismo original ou

incorporadas em nossa tradição reformada calvinista, a fim de que a mesma possa se

adequar à cultura latino americana.

2.2- Resgate da Piedade

19
- CAMPOS, Leonildo Silveira. Na força do Espírito. Os pentecostais na América Latina: um desafio as
Igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, México City: AIPRAL, São Bernardo do Campo:UMESP. P.107
17

Com a evolução da teologia calvinista através de documentos secundários de

segunda e terceira geração cunhou-se a idéia de Calvino como um reformador frio e

meramente intelectual, que absteve-se de falar sobre o Espírito Santo.

O presbiterianismo brasileiro, diante do crescimento do pentecostalismo, absorveu

essa tese sobre a pessoa do reformador e durante longos anos falar sobre o Espírito Santo

em nossas Igrejas era “proibido” e quem ousa-se d’Ele falar era taxado de pentecostal.

Quando, porém fazemos uma leitura nos textos primários do Calvinismo, escritos

pelo reformador, logo notamos que a idéia atual de que João Calvino era indiferente à

pessoa do Espírito Santo e afirmar que versar sobre esse assunto não é parte do

Presbiterianismo não corresponde a verdadeira teologia Calvinista.

John Hesselink, um dos maiores especialistas em Teologia de João Calvino da

Igreja Reformada diz:

“Estamos Convencidos de que na Teologia Reformada há uma valorização


maior, uma compreensão mais profunda e uma exposição mais abrangente e
equilibrada do pleno poder e da obra do Espírito Santo do que em qualquer
outra tradição, incluindo a Pentecostal”20

Na teologia de João Calvino o Espírito Santo santifica, purifica e nos atraí para

obtermos a salvação. Também “inflama os nossos corações com o fogo de um ardente amor

a Deus e ao próximo”. 21

À medida que acompanhamos a Teologia de Calvino vemos sempre o destaque

dado à pessoa do Espírito Santo, sua participação no plano redentivo do Senhor, sua ação

no indivíduo através da santificação e sua ação na Igreja edificando a comunidade através

dos dons espirituais e da comunhão dos santos.

20
- MCKIM, Donald K. ed. Grandes Temas da Tradição reformada.
21
- CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990. p. 50
18

Segundo Calvino somos enriquecidos pelas infinitas graças do Espírito obtidas em

Jesus, a paz, a fé e o amor transbordam em nossos corações à medida que o Espírito Santo,

em uma ação dinâmica, progressiva e constante age em nós.

Calvino foi um teólogo como poucos, ensinou e exercitou o privilégio da

comunicação com Deus através da Oração. São célebres e belas as orações escritas por

Calvino em suas cartas e comentários.

Não seria possível, conforme o reformador, viver um cristianismo verdadeiro sem o

exercício constante da oração. Através desse recurso nós colocamos os nossos pedidos

diante do Pai e temos com Ele comunhão, podemos exalta-Lo e obtermos em todo instante

consolo e as graças do alto.22

A oração tem destaque no culto calvinista como expressão de fé e ações de graças

tendo a necessidade de ser proferida através de profunda sinceridade e emoção. Deve-se,

porém, evitar as redundâncias e repetições exageradas, cultivando-se a humildade e

reverência ao se achegar a Deus através desse recurso.23

O incentivo da oração através de campanhas especiais ou de pequenos grupos ou

células de oração, não são incompatíveis com a Teologia Calvinista. Recebemos por

herança o zelo por uma vida de constante oração que precisa ser resgatado por Igrejas e

Concílios no presbiterianismo nacional.

Tal ênfase no exercício da oração gera, na comunidade de fé, uma maior comunhão

que deve ser sempre estimulada como conseqüência da nossa herança calvinista. Tal

22
- ibidem. pp. 67
23
- CALVINO, João. Institutas de la religion cristiana. Vol III.xx.29. pp.699
19

comunhão significa uma maior harmonia no corpo de Cristo para o exercício pleno dos

dons espirituais por parte da Igreja:

“As Palavras Comunhão dos Santos explicam todavia mais claramente o que é a
Igreja: A Comunhão dos fiéis consiste em que, quando um deles recebeu de
Deus algum dom, todos participam dele, se bem, pela dispensação de Deus, este
dom foi dado a um deles em particular, do mesmo modo os membros de um
mesmo corpo, dentro de sua unidade, participam entre si de tudo o que têm,
todavia cada um têm seus dons particulares e são diversas suas funções”.24

A valorização do leigo, vista em alguns segmentos do pentecostalismo, é parte da

nossa herança reformada que nos deixou como legado o incentivo ao uso de dons

espirituais para a edificação da Igreja. A centralização das atividades de uma comunidade

de fé na figura do ministro não é condizente com nossa rica tradição, é necessário resgatar a

visão teológica de Calvino sobre dons e ministérios e repensarmos nossa atual organização

baseada em sociedades internas que se constituem a partir de sexo e faixa etária.

2.3 - Contemporaniedade da nossa Fé

A cultura do protestantismo histórico brasileiro, influenciado por um racionalismo

incompatível com o povo latino americano e com a nossa tradição reformada, absteve-se de

todo e qualquer uso estético em suas celebrações e construções.

Há uma aversão ao uso de símbolos, ritmos e costumes da cultura local. A cruz,

símbolo universal do cristianismo, é confundida como símbolo católico. Cores e vestes

litúrgicas compartilham da mesma definição. Proíbe-se o uso de velas na época do advento

e o uso de óleo concomitante a oração.

24
- CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990.. pp. 51
20

João Calvino, ainda que avesso ao uso exagerado de símbolos, mostra-se em seus

escritos tolerante para com o uso dos mesmos durante nossas celebrações. Em uma carta a

Igreja de Wezel ele demonstra toda sua compreensão e maturidade teológica sobre o tema:

“Não defendemos as velas ou o pão simbólico na celebração da eucaristia. Todavia,

não fazemos objeção quanto a nos ajustarmos à sua utilização onde já tenham sido

estabelecidas e quando não temos autoridade para nos opor a isso”.25

O reformador demonstra uma visão equilibrada quanto ao uso de símbolos e

consegue incluir em sua resposta a consulta da Igreja de Wezel uma tolerância não vista no

fundamentalismo pretensamente calvinista de alguns setores do presbiterianismo nacional.

No catecismo do ano de 1537 João Calvino faz menção ao uso de símbolos e seus

significados para a nossa Fé:

“O Senhor concebe, com efeito, que para a ignorância de nossa carne é útil propagar

os mistérios excelsios e celestiais através da forma de realidades visíveis”26

Para Calvino é possível o ensino de verdades cristãs através do uso de símbolos

que reflitam a glória e a ação de Deus. 27 Contudo o reformador não deixa de valorizar a

Palavra, que conforme sua teologia, precede o símbolo 28 e em uma sadia associação é por

ele acompanhado a fim de que as verdades eternas sejam melhor compreendidas.29

É possível portanto conciliar tradição reformada Calvinista com o uso de símbolos,

em especial aqueles que sejam bíblicos e parte integrante da rica tradição da Igreja Cristã.

25
- citado in LEITH, John H. A tradição reformada, uma maneira de ser comunidade cristã. 1ª ed. São Paulo:
Pendão Real, 1997. p. 256
26
- - CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990. p. 71
27
- CALVINO, João. Institutas de la religion cristiana. Vol I.xi.3. pp. 51
28
- - CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990. p. 71
29
- CALVINO, João. Institutas de la religion cristiana. Vol IV.xiv. 4. pp.
21

O uso do óleo, que conforme o reformador é símbolo do Espírito Santo 30, a

aplicação equilibrada do uso de velas e da exposição da cruz em nossas celebrações e

construções e até mesmo o uso da imposição simbólica das mãos como símbolo de

transmissão das bênçãos do Pai poderiam ser resgatados no contexto cúltico do

presbiterianismo brasileiro:

“Quanto a mim, estimo de grande maneira tal imposição de mãos, sempre que se

faça simplesmente a modo de oração, e desejaria que se a usa-se atualmente em sua pureza

e sem supertição”.31

Eximindo-se do uso de símbolos o protestantismo histórico afastou-se, desde o seu

início, da religiosidade popular brasileira, inserindo-se em nossa cultura como elemento

religioso alienígena:

“Com isso a IURD conseguiu superar a frieza litúrgica protestante, e trazer de


volta a teatralidade original do culto, a forma expressiva, a originalidade e a
criatividade de um serviço religioso que perdeu quase toda a carga lúdica e
festiva, tendo-se transformado, por isso mesmo, em serviço religioso,
entendendo-se aqui o lúdico e o serviço religioso como opostos, para o senso
comum. O protestantismo cometeu o engano de excluir de suas liturgias quase
todo o conteúdo estético e abandonou os símbolos, os atos cênicos, a poesia e
até mesmo as luzes e roupas coloridas.”32

É certo que não posso advogar práticas da IURD quanto ao uso de símbolos tais

como arruda, sal grosso, água orada, etc. Contudo parece claro que ao fazer uso de

elementos visuais para a expressão da fé o pentecostalismo aproximou-se com mais

propriedade do coração do povo brasileiro.

30
- - CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990. p. 45
31
- CALVINO, João. Institutas de la religion cristiana. Vol IV.xix. 4. pp. 1142
32
- CAMPOS, Leonildo Silveira. Templo, Teatro e mercado. A organização e marketing em um
empreendimento neopentecostal. 1ª ed. São Bernardo do Campo: UMESP. p. 87
22

Sem negociar princípios poderíamos também abrir espaço em nossas celebrações

para o lúdico e para as expressões visuais de fé com o uso de símbolos bíblicos que torne

compreensível a nossa rica tradição reformada.

Para tal é imprescindível a abertura para uma celebração informal e menos

previsível. A liturgia do presbiterianismo nacional tornou-se pobre, rígida e fria. Em nosso

culto, realizado em um contexto latino americano, somos capazes de realizar a proeza de

advogarmos a importância da ausência da emoção em nossas celebrações usando como

base uma deficiente exegese de Romanos 12v1, analisada sob a ótica do iluminismo.

Não considerar as barreiras do tempo, do espaço e da cultura e defender o uso de

uma liturgia semelhante a da Igreja de Calvino no limiar de um novo milênio parece ser um

contra-senso e um profundo desrespeito a nossa identidade brasileira. Querer transpor o

celebrar litúrgico de Genebra, cidade de pouco mais de vinte mil habitantes, recém saída da

idade média, e imbuída ainda em um universo rural, para uma das atuais metrópoles

brasileiras não faz sentido.

Podemos manter a essência do culto calvinista com a centralidade da Palavra e a

reverência a Jesus Cristo, e adotarmos como forma de expressão de nossa fé a

informalidade, que não pode ser confundida com desordem, a emoção tradicional do latino,

que não pode ser confundido com catarxe, e o uso de músicas ritmadas conforme a nossa

cultura e costume.

“O Senhor nos permite liberdade em relação aos ritos externos, não para
concluirmos que o seu culto se ache limitado por essas coisas. Ao mesmo
tempo, entretanto, Ele não nos concede liberdade ilimitada e descontrolada, mas
construiu, por assim dizer, cerca em torno dela, de tal maneira que somente à
23

luz de sua Palavra é que podemos orientar nossas mentes sobre o que é
correto.”33

Partindo desse princípio deveríamos repensar o tema, a ênfase, e o vocabulário

empregado em nossas mensagens dominicais. Não defendo a banalização que tanto têm se

visto em cultos neopentecostais onde temos uma mensagem contemporânea e inteligível,

porém, pobre em conteúdo bíblico. Podemos ser simples e eficientes na comunicação da

Palavra sem deixarmos de lado a riqueza da Hermenêutica e da Homilética calvinista.

O pentecostalismo, porém, define em sua pregação o mal e o sofrimento, trazendo

também uma palavra de esperança e renovo para o ouvinte que vive sob o angustiante

impacto da pós-modernidade. Os púlpitos presbiterianos, via de regra, são usados para

doutrinar, através de um português limitado a poucos, expresso em um frio discurso muitas

vezes lido a partir de um sermão previamente elaborado. Enquanto isso o pregador

pentecostal se mostra vibrante, entusiasmado e altamente comunicativo.

Nossa mensagem deve ser também de esperança, trazendo não só respostas para o

sofrimento e o mal do ouvinte, bem como para reavivar a fé do indivíduo:

“A Fé, tal como havemos entendido, é uma persuasão certa da verdade de Deus,
a qual não pode mentir-nos, nem enganar-nos, não pode ser falsa, quem tem esta
certeza espera com uma mesma segurança a realização por Deus de suas
promessas. Para eles estas promessas não podem ser menos que verídicas.” 34

O resgate da mensagem escatológica e a espera pela Parousia também poderiam ser

estimulados em nossos púlpitos.

33
- CALVINO, João. 1 Coríntios. Edição em português. 1ª ed. Paracletos: São Paulo, 1996. P. 444
34
-- CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990.. p. 54
24

André Corten em sua obra “Os pobres e o Espírito Santo, o pentecostalismo no

Brasi”l, descreve com propriedade a relação entre o messianismo da cultura popular

brasileira e o pré-milenismo da teologia pentecostal, mostrando que uma das causas do

crescimento do pentecostalismo em território nacional seria a mensagem escatológica de

esperança do discurso pentecostal:

“O messias é construído num discurso teológico. No Brasil, o messias é construído a

partir da trama temporal descontínua do milenarismo, ele intervém como solução. “Jesus é

a solução” – a expressão intervém constantemente no discurso pentecostal”35

Não sou adepto da visão escatológica do pré-milenismo, porém ainda que a nossa

visão seja amilenista ou pós-milenista, podemos inserir em nosso discurso a esperança em

uma Parousia que não está distante.

Não apenas deveríamos mudar a ênfase dos nossos discursos, devemos torná-lo

também conhecido através do uso eficiente dos meios de comunicação. O crescimento dos

pentecostais se deu a partir da massificação dos meios de comunicação. Com visão

aproveitaram os pentecostais o desenvolvimento da comunicação audiovisual com

programas de rádio entre os anos 50 e 70, e programas de televisão a partir dos anos 80. O

uso eficiente desses meios de comunicação não se restringiu apenas a compra de espaço em

emissoras seculares, mas também a compra posterior de emissoras de rádio e televisão.

Os reformados brasileiros perderam a era do rádio, e agora de forma tímida e restrita

entram na era da televisão com a compra de espaço em televisão via cabo. Há muito saímos

da vanguarda.

35
- CORTEN, André. Os pobres e o Espírito Santo, o pentecostalismo no Brasil. p. 205
25

O admirável é que tal deficiência não condiz com a nossa herança reformada. João

Calvino bem aproveitou o surgimento da imprensa com a publicação de obras para que seus

ensinos pudessem ser acompanhados por um público maior, de diversas obras lançadas pelo

reformador destaca-se a edição de bolso das Institutas lançada em 1526.


26

CONCLUSÃO

Em sua edição de nº 1758 a conceituada revista semanal VEJA traz matéria de capa

intitulada “Nação evangélica”, que poderia muito bem ser chamada de “Nação

pentecostal”. O crescimento evangélico no Brasil impulsionado, segundo a reportagem,

pelo amplo crescimento do segmento pentecostal, demonstra que as práticas pentecostais

têm sido muito eficientes para difundir o evangelho de Cristo nas plagas latino americanas.

O objetivo da presente monografia foi dissertar sobre a gênese do pentecostalismo

no Brasil e descrever o que motivou o seu fenomenal crescimento nesse país, e então,

demonstrar através da teologia do reformador João Calvino que é possível absorvermos ou

resgatarmos algumas práticas tidas como pentecostais no presbiterianismo nacional, a fim

de que o mesmo sobreviva e cresça em nossa nação.

Tenho a expectativa que esse tratado acadêmico impulsione uma reflexão madura

acerca da necessidade de revermos a trajetória da Fé reformada na América Latina e com

humildade, sem negociarmos princípios ou teologia, analisarmos as práticas pentecostais

que podem melhor se adequar a nossa tradição, fazendo assim com que a mesma se torne

culturalmente compreensível pelo latino americano.


27

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CALVINO, João. Breve Instruccion. 3ª ed. Barcelona: FELIRE, 1990. 84 p.Publicação


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