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O Toque do Espírito,

uma abordagem bíblica sobre o “cair no Espírito”

Lidar com a aquilo que vem do Espírito por vezes causa celeuma. Não era

para ser assim, ademais as coisas que realmente provém do Espírito não causam

confusão (I Co 14v32-33).

Entretanto, das muitas inovações surgidas no seio da Igreja evangélica, a

“unção” denominada “Cair no Espírito” ou, “Farenoses” termo teológico empregado

para denominar o fenômeno, é por certo uma das mais controvertidas.

Descrita como um mover do Espírito Santo que nos leva de maneira

involuntária a uma literal queda em êxtase espiritual, aonde ocorrem: curas, visões

e restauração. Tal prática tem sido evidenciada em Igrejas neopetencostais e em

congressos avivalistas.

Outrossim, diante dos relatos de experiências de cristãos sinceros que

afirmam ter experimentado tal fenômeno, cabe um sério estudo do tema sob o

crivo das Escrituras Sagradas.

Existe mesmo o “Cair no Espírito”? É possível fundamentar tal fenômeno

na Bíblia? Como explicá-lo?

Para enveredarmos nesta questão, peço ao leitor aguçado espírito bereano

(At 17v11). Examinemos com calma as Escrituras, não deixe que as suas pré-

convicções sobre o tema sejam lentes para interpretar os textos bíblicos que serão

citados. A boa regra da Hermenêutica nos orienta a lermos as Escrituras sobre a

ótica da própria Escritura.


Cabe também afirmar que a minha tradição presbiteriana me conduz a crer

piamente no poder, na unção e na contemporaniedade do Espírito Santo. Creio,

prego e ensino sobre a importância de vivermos na plenitude do Espírito, e isto

como um imperativo para o cristão.

Os textos citados pelos apologistas deste fenômeno são os relatos dos

sacerdotes na inauguração do templo (II Cr 5v14 e II Cr 7v2), a visão da glória de

Deus pelo profeta Ezequiel (Ez 1v26-28 e Ez 2v1-7), a visão espiritual do profeta

Daniel (Dn 10v7-11), o Monte da transfiguração (Mt 17v1-7), a conversão de Paulo

(At 9v1-9) e a visão do Cristo glorificado (Ap 1v9-20).

Sugiro que antes de continuar a leitura deste artigo, leia atentamente os

textos supra-citados. Adiante, eles serão abordados de maneira mais sucinta.

O “cair” na Bíblia

Cabe inicialmente uma exposição bíblica sobre o “cair” diante de uma

manifestação de Deus (Teofania).

Começando com a vida e ministério de Jesus, notamos que pessoas

endemoniadas, impelidas pelo espírito opressor, caiam diante da glória do Mestre

(Lc 8v28, Mc9v20). Esta não era uma ação do Espírito e sim uma agitação do

espectro maligno que posteriormente era exorcizado.

Em outra ocasião, os soldados que vieram prender Jesus (xxxxxx), caíram

ao ouvirem a expressão “Eu sou” dos lábios do Messias. Também aqui não

podemos identificar uma manifestação do Espírito Santo ante a glória de Deus

(Farenoses).
Nestes dois casos descritos a queda foi involuntária, independente da razão

humana. Na primeira situação por força demoníaca, na segunda como ação de um

Deus justo diante de seus opositores.

Nos próximos casos a serem descritos notaremos que a queda produzida

ante a glória de Deus ou foi voluntária (medo ou reverência) ou involuntária

(fraqueza física), mas não causada diretamente por força espiritual, como que por

um transe ou algo semelhante que não nos é permitido controlar. Comecemos

com o “cair” voluntário.

O primeiro texto a ser explanado nos remete a inauguração do templo por

Salomão em Jerusalém (II Cr 5,6 e 7). A glória do Senhor havia tomado toda a

casa e os sacerdotes não puderam inicialmente ali estar para ministrar (II Cr

5v14). Com a continuidade do cerimonial desceu fogo celestial sobre o altar e,

então, todos se encurvaram como sinal de reverência. A cena é assim descrita:

“Os sacerdotes não podiam entrar na Casa do SENHOR, porque a glória do


SENHOR tinha enchido a Casa do SENHOR. Todos os filhos de Israel, vendo
descer o fogo e a glória do SENHOR sobre a casa, se encurvaram com o rosto em
terra sobre o pavimento, e adoraram, e louvaram o SENHOR, porque é bom,
porque a sua misericórdia dura para sempre.” II Crônicas 7v1-3

Note que, neste texto, o ato de cair diante da glória, foi voluntário, como

sinal de reverência. Não um ato de força externa, que em um rompante, nos

prostra involuntariamente e inconscientes. Mas, uma consciente reverência ante a

glória de um Deus todo-poderoso.

Posteriormente encontram-se de pé para ministrar em meio a Glória e

Unção de Deus:

“Assim, o rei e todo o povo consagraram a Casa de Deus. Os sacerdotes


estavam nos seus devidos lugares, como também os levitas com os instrumentos
músicos do SENHOR, que o rei Davi tinha feito para deles se utilizar nas ações de
graças ao SENHOR, porque a sua misericórdia dura para sempre. Os sacerdotes
que tocavam as trombetas estavam defronte deles, e todo o Israel se mantinha em
pé.” II Crônicas 7v6

O segundo texto sobre um “cair” voluntário está no relato do Monte da

Transfiguração:

“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os
levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto
resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis
que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. Então, disse Pedro a Jesus:
Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua,
outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem
luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu
Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi. Ouvindo -a os discípulos, caíram
de bruços, tomados de grande medo. Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus,
dizendo: Erguei-vos e não temais! Então, eles, levantando os olhos, a ninguém
viram, senão Jesus”. Mateus 17v1-8

A manifestação da Glória de Deus no episódio descrito é de inigualável

esplendor (Mt 17v2-5). Diante da cena os discípulos foram tomados de medo e

voluntariamente caíram prostrados. Não por impulso externo incontrolável, mas

como um ato consciente e voluntário.

O terceiro texto é o relato do profeta Ezequiel de quando contemplou a

glória de Deus:

“Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva, assim


era o resplendor em redor. Esta era a aparência da glória do SENHOR; vendo isto,
caí com o rosto em terra e ouvi a voz de quem falava.” Ezequiel 1v28

Note que o ato de queda de Ezequiel também foi voluntário. Ao “cair com o

rosto em terra” ele se expressa com o sinal de reverência tradicional do Judeu

(Ne 8v6). Afirmar que esta queda foi um êxtase ou transe espiritual involuntário,
causado por uma força externa é constranger o texto a uma interpretação que nele

não se sustenta.

O quarto texto a ser examinado é a descrição sobre a visão do profeta

Daniel. Deixemo-no relatar o fato:

“Fiquei, pois, eu só e contemplei esta grande visão, e não restou força em mim; o
meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma. Contudo, ouvi
a voz das suas palavras; e, ouvindo-a, caí sem sentidos, rosto em terra.” Daniel
10v8-9

Note que este “cair” foi involuntário, causado, entretanto, por fraqueza física

e não por um êxtase espiritual. Os sinais de fraqueza são evidentes; rosto que

muda de cor e desfigura (I Sm 14v27-29), não reter forças e cair extasiado e sem

sentidos.

O próprio recobrar de sentidos do profeta é típico de quem está fraco

fisicamente. Primeiro ele se põe de joelhos (Dn 10v10) e depois de pé (Dn 10v11),

e com tremor característico de espasmo muscular causado pelo cansaço (Dn

10v16).

Não posso classificar este episódio envolvendo o profeta Daniel com os

relatos do “cair” no Espírito. Como que um êxtase ou transe inconsciente,

involuntário e incontrolável.

O profeta parece ser consciente do que lhe aconteceu e descreve o

fenômeno com detalhes, evidenciando que sua queda deu-se, não por um “mover”

sobrenatural do Espírito, mas por cansaço físico (“...e não retive força alguma”),

de quem exausto, não come há 21 dias (Dn 10v2-3). Note bem, estava ele em

jejum havia três semanas. Natural, então, que um homem sem alimentos, ao ter
tamanha visão espiritual, caia exausto e sem sentidos. Naturalmente, por fraqueza

física.

O quinto texto é o relato da conversão de Paulo no caminho de Damasco.

Assim Lucas descreve a cena:

“Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do


céu brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo,
Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta
foi: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, onde te
dirão o que te convém fazer.” Atos 9v3-5

Pode-se sinceramente sustentar a tese de um “cair” no Espírito tomando

por fundamento este texto do relato da conversão de Paulo?

Os que fazem apologia deste fenômeno como mover especial e

sobrenatural do Espírito Santo, reconhecem que tal fenômeno se dá sobre os

cristãos, que já lavados pelo sangue do Cordeiro e batizados com o Espírito

Santo, recebem desta poderosa e operosa visitação do Espírito.

Sendo assim, a visão de Paulo no caminho de Damasco está descartada.

Paulo ainda não havia sido convertido e nem tão pouco Batizado com o Espírito

Santo. Tal ato se deu posteriormente na cidade de Damasco, por ocasião da

oração de Ananias (At 9v17).

Pode alguém “cair” no Espírito sem ter sido selado pelo Espírito Santo (Ef

1v13)? Pode receber esta visitação (farenoses) sem ser convertido?

Responda o leitor tal questão com sólido fundamento bíblico, e não por

experiências ouvidas ou vividas por ti ou por outros.

O sexto texto a ser examinado é o relato da visão glorificada de Jesus.

João, ao contemplar o Cristo glorificado, assim diz:


“Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a mão direita,
dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último” Apocalipse 1v17

Que visão espiritual tremenda. É um dos textos bíblicos que mais me

impressionam. O Messias que de maneira triunfante venceu a morte e aparece ao

apóstolo encarcerado.

O mesmo, ao contemplar tal visão cai, e com uma hipérbole descreve a

cena: “...Quando o vi, caí aos seus pés como morto”.

Teria sido este o “cair no Espírito”? Seria isto um mover sobrenatural, que

lhe deu um êxtase semelhante aos descritos atualmente?

Algumas considerações. Notamos inicialmente que a queda foi voluntária,

diz ele: ...”caí”... O ato parece-me claramente voluntário, ainda que por estar

diante da visão de Jesus glorificado, não poderia ele, obviamente, permanecer de

pé. Digo obviamente, pois sua queda voluntária foi, mais uma vez, um sinal de

reverência tradicional do judeu (...caí a seus pés...). Nas palavras posteriores de

Jesus percebemos que um outro sentimento prostrou o apóstolo ante a visão da

glória resplandecente do Senhor; o medo (“Não temas...”).

Ao cair, João não o fez por um transe ou êxtase espiritual. O êxtase iniciou-

se com ele em pé (Ap 1v10), no início da visão.

O Toque do Espírito nos levanta

Considerando que até aqui você permaneceu na leitura deste artigo, talvez

uma pergunta inflame o seu coração: “E o que aconteceu comigo? Era o mover

do Espírito? “

Antes de continuar na abordagem do tema desejo dizer a você que creio

sinceramente, que a profunda experiência que você teve com Deus foi real. Ao
não trazer confusão, ao edificar sua vida e ao estabelecer frutos no seu ministério,

posso concluir que a visitação tão valorosa que você recebeu do Espírito, veio de

um mover de Deus.

Contudo, ao afirmar isto, não estou estabelecendo apologia a Farenoses ou

a doutrina do “Cair no Espírito”. Justamente, por não ser esta a experiência que

você vivenciou com Deus.

Procurei mostrar nos textos abordados que não existe o “Cair no Espírito”, e

que tal fenômeno não se sustenta na Palavra. Entendo que homens de Deus ao

contemplarem a glória resplandecente do Senhor “caíram” prostrados, não, porém,

de maneira involuntária, induzidos por um suposto toque do Espírito que os

conduziu, ainda prostrados, a um êxtase, com visões, curas e restauração.

Em todos os casos o “cair” foi humano, ora por medo e reverência

(voluntário), ora por fraqueza física (involuntário).

Outrossim, contemplo nestes textos um toque sobrenatural do Espírito

Santo, não produzindo a queda, mas levantando o homem caído. Perceba isto:

“Esta voz me disse: Filho do homem, põe-te em pé, e falarei contigo. Então, entrou
em mim o Espírito, quando falava comigo, e me pôs em pé, e ouvi o que me
falava.” Ezequiel 2v1-2

“Eis que certa mão me tocou, sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as
palmas das minhas mãos. Ele me disse: Daniel, homem muito amado, está atento
às palavras que te vou dizer; levanta-te sobre os pés, porque eis que te sou
enviado. Ao falar ele comigo esta palavra, eu me pus em pé, tremendo.” Daniel
10v10-11

“Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos e não temais!”


Mateus 17v7
Interessante notar que na continuação do mover de Deus em Daniel, em

Ezequiel e no Monte da Transfiguração, o toque de Deus os faz levantar.

Enquanto na visão da glória de Deus o “cair” foi humano, o levantar é que

demonstra a ação do Espírito.

É mister destacar também que em nenhum dos textos abordados o Senhor

falou, curou ou restaurou enquanto estavam prostrados, é práxis de Deus falar,

curar e restaurar nos pondo de pé, e não prostrados (Gn 13v17, Gn 35v1, Js 7v10,

Mt 9v6, Mc 5v41, Lc 6v8, Lc 7v14, Lc 17v19, At 9v6).

Então, percebo que não é o “Cair no Espírito” o mover de Deus, e sim o

levantar, como toque especial e sobrenatural do Senhor. Ao te levantar o Senhor

curou, restaurou e falou contigo. A queda foi sua, por medo, reverência ou

fraqueza física. No seu levantar houve a visitação do Espírito.

Perigos a serem evitados

Ao ter, então, uma exata noção do que é o mover do Espírito evitamos

alguns perigos.

O primeiro perigo a ser evitado é a idolatria. Líderes que supostamente são

confirmados pelo Espírito para este “ministério” são por muitos idolatrados, como

se por estes saísse algum fluído espiritual diferenciado.

A mente humana, em muitas ocasiões, nos conduz a este tipo de bizarra

devoção. Ficamos impressionados com “sopros”, “lançamentos de paletó”, “chutes

da unção”, “imposição de mãos à distância” e outras idiossincrasias.

O segundo perigo a ser evitado é a ênfase na experiência e não na Palavra.

Um dos mais importantes legados da Reforma Protestante é centralidade da

Bíblia.
Através da Palavra fundamentamos nosso cerne doutrinário e nossas

convicções. Como coluna da mensagem reformada está à pregação, parte mais

valorosa do nosso culto.

Parece-me uma contradição reunir-se para tornar como centro

manifestações supostamente sobrenaturais, fazendo disto um espetáculo no culto

em substituição a Palavra de Deus.

Tomar as experiências vivenciadas como verdade, sem um sério e

sistemático acolhimento bíblico-teológico, é um paradoxo na fé evangélica.

O terceiro perigo encontra-se na simulação das manifestações do Espírito.

Na cultura religiosa pagã temos sinais e fenômenos semelhantes aos

apresentados no “cair no Espírito”.

Também em religiões africanas e orientais temos fenômenos parecidos com

os nossos dons espirituais, entre eles o “dom de línguas”.

É fato, então, que o Diabo simula, de maneira aberrante, dons espirituais e

o mover do Espírito (2 Co 11v13-15). Cônscios disto, devemos ser cautelosos e

criteriosos para com discernimento, confirmarmos o que vem do Espírito Santo e o

que surge como simulação da mente humana ou enganação do maligno, mesmo

sobre os eleitos (Mt 24v23-24).

Considerações finais

Como considerações finais estabeleço algumas orientações quanto ao

tema.

Não tenha medo do mover do Espírito. A contemporaniedade da presença e

ação do Espírito Santo é característica marcante da herança doutrinária

presbiteriana.
Busque ardentemente a plenitude do Espírito. Viver cheio do Espírito Santo

é uma regra e não uma excessão no caminhar cristão. Fomos chamados para

resplandecer a imagem de Jesus como eleitos do Senhor.

Entretanto, o faça com discernimento. Lembre-se que o que vem do Espírito

não causa confusão, produz edificação e proporciona frutos para eternidade.

Tenha as Escrituras como base este discernimento

Quanto a experiências, reafirmo que não podemos construir sobre elas

doutrina. Sólida doutrina é construída não sobre a experiência de cristãos, por

mais piedosos que sejam.

Tão pouco, construímos doutrina citando textos bíblicos isolados de seu

contexto. Convicções doutrinárias se constroem pautadas de maneira sólida nas

Escrituras. Não fundamente a sua fé em experiências que outros afirmaram ter,

exercite o sadio hábito de examinar tais experiências pelo crivo da Bíblia, a razão

e fundamento de nossa Fé em Jesus.

Tenha suas convicções com critérios, ordem e prudência pautadas na

Palavra, limite e fundamento da nossa vivência com o Pai. O que dela passar, e

por ela não puder ser provado, não provém do Senhor.

Deleitemo-nos, pois, em Jesus, e esperemos em oração pelo derramar

abundante do seu Santo Espírito.

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