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FEST – Filemom Escola Superior de Teologia

“Formando Obreiros Aprovados”

LIVROS POÉTICOS

FEST- Filemom Escola Superior de Teologia


Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 1
Sumário

Introdução

Capítulo 1
O Livro de Jó
1.1. Esboço do Livro
1.2. Introdutivo do livro de Jó
1.3. A Historicidade do Livro
1.4. O Texto
1.5. A Unidade do Texto
1.6. Autoria
1.7. Data da Composição
1.8. Lugar no Cânon
1.9. Lugar, conteúdo e valor
1.10. O livro de Jó lida com a pergunta dos séculos
1.11. O livro de Jó e seu cumprimento no Novo Testamento
1.12. A Contribuição Teológica
1.13. Pontos Salientes

Capítulo 2
O Livro dos Salmos
2.1. Esboço do Livro
2.2. Abordagem introdutória
2.3. Estrutura do Livro
2.4. Os Títulos
2.5. Classificação dos Salmos
2.6. A Data dos Salmos
2.7. Compilação
2.8. Uso litúrgico
2.9. Interpretação
2.10. Contribuições para a Teologia Bíblica
2.11. Pontos Salientes

Capítulo 3
O Livro de Provérbios
3.1. Esboço do Livro
3.2. Preliminares
3.3. Autoria
3.4. Data
3.5. Definição e Forma literária
3.6. Provérbios e o Restante da Literatura Sapiencial
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3.7. Mensagem Relevante
3.8. Forma e conteúdo
3.9. O uso do livro de Provérbios
3.10. Texto e versões
3.11. Características Especiais
3.12. Ponto Saliente

Capítulo 4
O Livro de Eclesiastes
4.1. Esboço do Livro
4.2. Importância e Título
4.3. Autoria
4.4. Interpretação
4.5. Organização
4.6. Estilo
4.7. Características Literárias
4.8. Contribuições para a Teologia Bíblica
4.9. A Preparação para o Evangelho
4.10. Propósito do Livro
4.11. Visão Panorâmica
4.12. O Livro de Eclesiastes ante o Novo Testamento
4.13. Pontos salientes

Capítulo 5
O Livro de Cantares
5.1. Esboço do Livro
5.2. Preliminares
5.3. Propósito
5.4. Forma Literária
5.5. Sugestões de Interpretação
5.6. Autoria do livro
5.7. Data do livro
5.8. Características Especiais

5.9. O Livro de Cantares ante o Novo Testamento


Introdução

Os Salmos, Jó e os Provérbios, nas Bíblias hebraicas, formam um grupo à


parte, com a denominação de Livros poéticos. No uso comum, cristão e
moderno, porém, acrescentam-se-lhes também o Eclesiastes e Cântico dos
Cânticos; e é freqüente entre os estudiosos gregos bem como entre os autores
modernos, estender a todos o nome de Livros poéticos. E com razão; pois o
Cântico dos Cânticos e Eclesiastes são escritos em versos como os
Provérbios. Eclesiastes possui forma poética, embora menos rigorosa. Tratase,
portanto, de um elemento comum a todos esses livros.

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São também chamados livros didáticos ou sapienciais, por falarem muito
de sabedoria; os salmos são na máxima parte de gênero lírico, sem, todavia, lhes
faltar o elemento didático; o gênero do Cântico dos Cânticos é exclusivamente
o lírico. De resto, lírico e didático são os dois gêneros de poesia cultivada pelos
hebreus.

O que caracteriza toda a poesia hebraica é o chamado paralelismo.


Ordinariamente, o verso compõe-se de dois membros ou hemistíquios, que
repetem idéias e palavras que se correspondem quando ao sentidos
(paralelismo sinonímico), como, por exemplo:

“Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó do meio dum povo bárbaro, Judá
ficou sendo o santuário de Deus, e Israel o seu domínio" (Sl 114.1-2).

Outra forma de paralelismo é paralelismo antitético que destaca o mesmo


conceito por meio de contrastes, como, por exemplo:

"Um filho sábio é a alegria de seu pai, porém um filho insensato é a tristeza de
sua mãe" (Pv 10.1).

O segundo hemistíquio não é, às vezes, a repetição, e sim o complemento do


primeiro (paralelismo sintético ou progressivo), como, por exemplo:

"Com a minha voz clamei ao Senhor, e ele ouviu-me do seu santo monte" (Sl
3.4).

A observância dos paralelismos ajuda a compreensão do verso, visto que


a segunda parte repete e, muitas vezes, esclarece obscuridades ou figuras
contidas no primeiro hemistíquio.

Deve-se notar de maneira especial que freqüentes vezes os dois hemistíquios


paralelos apresentam cada um uma parte e aspecto da idéia, e unidos formam
um só conceito.

O citado Pv 10.1 quer significar que o filho sábio é a glória dos pais, ao passo
que o insensato causa-lhes tristeza.

A poesia do Velho Testamento é a mais significativa contribuição do


povo hebreu à literatura universal, tal e qual outro qualquer povo, sua
literatura primitiva era poética. Não dispomos, no Velho Testamento, de
um conjunto completo dos escritos poéticos israelitas; apenas alguns
poemas de significação religiosa foram incluídos nos livros sagrados e nem
todos estão no cânon. Diz-se que "Salomão produziu mais de três mil
provérbios e mil e cinco odes ou cantos". Comentaristas bíblicos destacam
algumas produções literárias das coleções de poesias conhecidas como "As
guerras de Yahweh" (Nm 21.14) e "O livro de Jasar" (Js 10.13). Essa

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poesia lírica era essencialmente popular no antigo Israel, o que atesta o
número de sinônimos em hebraico nos "hinos", dos quais há pelo menos
treze. Somente as idéias comuns admitem muitas e diferentes palavras para
expressá-las. A existência em hebraico -língua pobre de sinônimos -de treze
palavras para indicar hino ou canto, sugere o largo cultivo da poesia no antigo
Israel.

As linhas da poesia hebraica são vigorosamente agrupadas. Em alguns


poemas, as estrofes são facilmente distinguidas. Ocasionalmente, o estribilho ou
“coro” vem ao fim de cada estrofe (Ver Salmo 107.8,15,21,31). Há poucas
ocorrências de rimas na poesia hebraica. Em Juízes 16.24 temos o que se
chamou "um hino formado de uma rima única". Há uma rima repetida
no primeiro verso do Salmo 14. 0 autor de Isaías 40-66, ocasionalmente,
faz alguma rima. Em outras palavras, a poesia de Israel omite essa
característica, tão essencial à nossa idéia de poesia. C. C. Torrey sugere que
talvez a poesia secular hebraica usasse mais a rima do que a canônica, e
os escritores sagrados a tinham como "demasiado vulgar para ser
empregada em composições sérias". Seja essa a razão ou não, a poesia bíblica
emprega, de preferência, os chamados “versos livres”, mais do que qualquer
outra forma.

A efetividade da poesia hebraica é grandemente devida à sua liberdade


de abstrações. Sempre apela aos sentimentos fundamentais. No intuito
de expressar seu desespero, o Salmista designa as sensações que o
caracterizam, com as expressões "minha garganta está seca", "meus olhos
falham", "eu mergulho em profundas dificuldades e não encontro lugar firme".
O terror da noite é expresso por Elifaz (Jó 4.12-17), com o tremor dos
ossos, silêncio mortal e a visão de objetos indefinidos.

Quando o autor do Salmo 65.9-13 apresenta o que Deus está fazendo com a
terra que criou, o faz em termos de uma ardente sensação num dia quente de
primavera. Não há resultado mais trágico do que a interpretação de uma
passagem poética por um teólogo prosaico. Nunca tiveram melhor aplicação no
caso, as palavras de Paulo: "... a letra mata, mas o Espírito vivifica..." (2Co 3.6).
"0 poeta deve ter a liberdade de dizer as coisas da maneira que quiser e, muitas
vezes, lida com sentimentos e aspirações que se perdem no realismo
da linguagem. Como Jacó, que lutou com um anjo. Isto deve ser lido com
simpatia espiritual e cooperação. Suas palavras simples não devem ser
consideradas como cortesias etimológicas, nem suas afirmativas isoladas
como fórmulas teológicas.

É muito fácil perceber-se o absurdo de uma interpretação literal da


poesia. Sabem todos que isso não deve ser feito. Quando se lê no Cântico de
Débora: "... dos céus lutaram as estrelas, de suas órbitas lutaram contra
Sísera...", o leitor verifica logo que as estrelas não brandiram suas espadas e

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entraram em luta. É apenas uma figura poética, de imaginação, que apresenta o
fato de que todo o universo de Deus estava aguerrido contra tal homem
maligno. Outra vez, quando o livro de Jó se refere ao tempo da criação
"...quando as estrelas da manhã cantaram juntas..." (Jó 38.7), o leitor não deve
imaginar uma reunião de estrelas cantando um hino, mas admitir que o poeta
deseja apresentar-nos
a alegria do universo de Deus na linguagem da imaginação. O autor do Salmo
114, descrevendo a libertação dos israelitas do Egito, assim se expressa: "O mar
o viu e transbordou; o Jordão voltou a sua correnteza. As montanhas
pularam como carneiros, as colinas, como cordeiros". Nada mais jocoso seria
tomar-se esse quadro literalmente. Interpretar-se as passagens poéticas do
Velho Testamento de qualquer outra forma além da exaltação como se
apresentam é ignorar o método divino que escolhe poetas acima de todos os
outros, a fim de acenar aos homens do passado e do futuro, ao qual nenhum
estranho tem acesso.

O Livro de Jó

1.1. Esboço do Livro

I. Prólogo: A Crise (1.1—2.13)

A. Jó, Sua Retidão e Seu Temor a Deus (1.1-5)


B. As Calamidades Sobrevindas a Jó (1.6—2.10) C. Os Três Amigos de Jó (2.11-
13)
II. Diálogos entre Jó e Seus Amigos: A Busca de Resposta Humanista (3.1—
31.40)

A. Primeiro Ciclo de Diálogos: A Justiça de Deus (3.1—14.22)


1. Jó Lamenta o Dia do Seu Nascimento (3.1-26)
2. Resposta de Elifaz (4.1—5.27)
3. Réplica de Jó (6.1—7.21)
4. Resposta de Bildade (8.1-22)
5. Réplica de Jó (9.1—10.22)
6. Resposta de Zofar (11.1-20)
7. Réplica de Jó (12.1—14.22)

B. Segundo Ciclo de Diálogos: O Fim do Ímpio (15.1—21.34)


1. Resposta de Elifaz (15.1-35)
2. Réplica de Jó (16.1—17.16)
3. Resposta de Bildade (18.1-21)
4. Réplica de Jó (19.1-29)
5. Resposta de Zofar (20.1-29)
6. Réplica de Jó (21.1-34)

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C. Terceiro Ciclo de Diálogos: Jó e o Problema do Pecado (22.1—31.40)
1. Resposta de Elifaz (22.1-30)
2. Réplica de Jó (23.1—24.25)
3. Resposta de Bildade (25.1-6)
4. Réplica de Jó (26.1-14)
5. Jó Resume a Sua Posição (27.1—31.40)
III. Discursos de Eliú: O Começo do Entendimento (32.1—37.24) A.
Apresentação de Eliú (32.1-6a)
B. Primeiro Discurso: Deus Instrui o Ser Humano Através da Aflição
(32.6b—33.33)

C. Segundo Discurso: A Justiça de Deus e a Presunção de Jó (34.1-37) D.


Terceiro Discurso: A Retidão é Recompensada (35.1-16)
E. Quarto Discurso: A Excelsa Grandeza de Deus e a Ignorância de Jó
(36.1—37.24)

IV. O Senhor Responde a Jó Diretamente (38.1—42.6) A. Deus Demonstra a


Ignorância de Jó (38.1—40.2)
B. A Humildade de Jó (40.3-5)

C. Deus Repreende a Jó por Sua Crítica (40.6—41.34)

D. Jó Confessa Sua Ignorância dos Caminhos de Deus (42.1-6) V. Epílogo:


Desfecho da Prova (42.7-17)
A. Jó Ora pelos Seus Três Amigos (42.7-9) B. A Dupla Bênção de Jó (42.10-17)
1.2. Introdutivo do livro de Jó

As pessoas têm debatido longa e seriamente sobre o problema e o significado


do sofrimento humano. O livro de Jó é o mais destacado de todos esses
esforços registrados na literatura mundial.

A narrativa trata da vida de um homem cujo nome provê o título do livro. O


livro abre com um prólogo em prosa que descreve Jó como um homem rico e
reto. Depois de uma série de calamidades, tudo que ele tem, incluindo seus
filhos, lhe é tirado. A pergunta levantada no prólogo é se Jó vai
conservar sua integridade diante de tamanho sofrimento. Somos
informados que ele saiu vitorioso: "Em tudo isto não pecou Jó com os seus
lábios" (2.10).

Além de preparar o terreno para o debate posterior relacionado ao propósito e


ao significado do sofrimento, o prólogo também apresenta as personagens da
trama. Deus é o Javé dos hebreus, que é Senhor do céu e da terra! Satanás
aparece no papel de adversário de Jó. O herói, Jó, é um cidadão rico da terra de
Uz. Ele recebe a visita de três dos seus amigos: Elifaz, o temanita, Bildade,

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o suíta e Zofar, o naamatita. Estes três homens vêm trazer conforto para o seu
velho amigo.

A maior parte do livro é composta de diálogos entre os quatro amigos.


Os "confortadores" estão seguros de que o sofrimento de Jó é causado por
algum pecado que seu amigo está escondendo. Eles estão certos de que
humildade e arrependimento vão resolver a situação. Jó, por outro lado,
insiste em que, embora possua as fraquezas normais da raça humana, não
cometeu nenhum pecado que pudesse causar tamanho infortúnio pelo qual está
passando. Ele não concorda com a opinião de seus amigos de que pecado e
sofrimento estão invariável e diretamente ligados como uma seqüência de
causa e efeito. Parece, a essa altura, que o autor pretende mostrar que Jó
deveria ser o vitorioso na argumentação contra seus confortadores.

Um jovem espectador chamado Eliú está em silêncio e não é mencionado no


início. Depois de três rodadas de debates com os outros amigos, ele intervém na
discussão. Ele está injuriado com Jó por sua atitude irreverente em relação
à providência de Deus. Ele também está igualmente indignado com os três
amigos pela incapacidade deles de convencer Jó da sua culpa. Por intermédio
de quatro discursos, não respondidos por Jó, Eliú expressa sua forte oposição
no que tange aos sentimentos de Jó e discorda dele quanto ao significado do
sofrimento. Eliú, embora mantenha a posição básica dos outros conselheiros
de Jó, ressalta a providência de Deus em todos os eventos humanos e o valor
disciplinador do sofrimento. Dessa forma, ele exalta a grandeza de Deus.
Diante desse pano de fundo ele afirma que a aflição do homem contribui para a
sua instrução. Se Jó fosse humilde e piedoso, ele perceberia que Deus o estava
conduzindo para uma vida melhor.

Então o Senhor se manifesta no meio da tempestade. O pedido insistente de Jó -


de que Deus apareça e dê significado ao seu sofrimento -é finalmente
atendido. No entanto, Deus não menciona o problema individual de Jó,
nem trata diretamente dos problemas que ele levantou. Em vez disso, Ele
deixa claro quem Ele é e o relacionamento que Jó, ou qualquer homem, deveria
ter com Ele. Ao ver a glória e o poder de Deus, Jó é desarmado e
humilhado. Quando ele vê Deus em sua verdadeira luz, arrepende-se das suas
palavras e atitudes petulantes.

O epílogo descreve de que maneira o arrependido e humilhado Jó é


restaurado, duplicando a sua prosperidade anterior. Após a restauração
dos amigos e da família, Jó viveu uma vida longa e feliz -na verdade,
mais 140 anos. Então ele morreu, "velho e farto de dias" (42.17).

1.3. A Historicidade do Livro

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Com freqüência, alguns perguntam: Será que Jó é um homem real? Ou, será que
o livro de Jó é uma história real? Estas duas perguntas não precisam
receber a mesma resposta.

Que houve um Jó com a reputação de retidão é fato atestado por uma


referência a ele em Ezequiel 14.14. É muito provável que a narrativa básica do
livro tenha sido fundamentada em uma personagem real com esse nome.

Não precisamos com isso, no entanto, presumir que o livro de Jó está


descrevendo um acontecimento histórico do começo ao fim. Somente por meio
de revelação especial o autor poderia ter acesso à informação concernente às
duas cenas no céu descritas nos capítulos 1 e 2. Além disso, é evidente que o
prólogo prepara o terreno para o debate que o autor tem em mente. O diálogo
entre os amigos está em forma poética altamente estilizada, muito diferente de
um debate espontâneo.

Esses e outros fatores têm levado à opinião geral de que a narrativa básica do
livro é uma história antiga de um homem real que sofreu imensamente.
Um autor anônimo usou esse material para discutir o significado do
sofrimento humano e o relacionamento de Deus com ele. Esse autor realizou
um trabalho esplêndido.

1.4. O Texto

Um dos problemas principais apresentados ao estudioso sério do livro de Jó é


a condição do texto original. Em várias ocasiões o significado do texto é difícil,
se não impossível, de ser definido e assim, por falta de continuidade, o tradutor
é forçado a fazer algumas emendas conjecturais para que o texto faça sentido.
Podemos observar isso ao comparar a variedade de significados
dados a algumas divisões do livro por tradutores modernos.

Também se reconhece que o vocabulário empregado pelo autor desse livro é


o mais amplo do Antigo Testamento. Inúmeras palavras aparecem uma única
vez nesse livro e em nenhum outro lugar na Bíblia. A comparação com línguas
de origem semelhante ajuda até certo ponto na descoberta desses significados.
As descobertas em Ugarite e de alguns textos antigos têm servido de ajuda na
compreensão de alguns desses termos. Mas o problema ainda permanece a tal
ponto que esse é um dos livros do Antigo Testamento mais difíceis de
ser traduzidos.

1.5. A Unidade do Texto

A natureza composta do livro de Jó é geralmente aceita. O prólogo (1.1-2.13),


bem como a introdução aos discursos de Eliú (32.1-5) e o epílogo (42.7-17) são
apresentados em prosa. O restante do texto está em forma poética. Esse fato é

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facilmente reconhecido pelo leitor de uma tradução mais moderna como a de
Moffatt ou a RSV em inglês, ou a NVI ou BLH em português, que colocam tanto
a prosa como a poesia na forma apropriada. Embora essa alternância de prosa
e poesia por si só não prove a natureza composta do texto, ela sugere essa
possibilidade. É possível que o autor e poeta tenha usado uma narrativa
primitiva em relação a Jó a fim de prover o cenário para
o debate entre Jó e seus amigos. Se esse foi o caso, a antiga história é
representada pelo prólogo em prosa e talvez pelo epílogo.

Acredita-se, de modo geral, que o epílogo não pertença ao argumento principal


do livro. Jó passou a maior parte do tempo negando que a prosperidade
material seja a recompensa da retidão. Portanto, parece uma incoerência ver o
livro terminando com o Senhor dando a Jó "o dobro de tudo
o que antes possuíra" (42.10). Quem defende esse ponto de vista,
acredita que a mão de um editor posterior tramou esse final para acomodar
suas próprias convicções em relação às questões levantadas.

No entanto, Gray (1921, p. 54) argumenta energicamente que “o epílogo


pertence ao material original, ao dizer que o propósito real do autor é
simplesmente afirmar que o homem pode ser bom sem ser recompensado por
isso”. É nesse momento que Jó se torna vitorioso. Ele aceita tanto o bem como
o mal de Deus sem rebelar-se contra Ele, mesmo que pergunte por que e, às
vezes, admita de forma amarga que Deus está contra ele, sem justa causa. Jó não
exigiu restauração da sua prosperidade como uma condição para servir a
Deus. O que ele pediu foi uma vindicação do seu caráter. Quando isso é
alcançado, não existe inconsistência com o propósito e argumento do autor em
permitir que a narrativa tenha um final materialmente feliz para Jó. Os
sofrimentos que ele teve de suportar tinham um propósito particular. Não
havia necessidade para o sofrimento se tornar perpétuo depois que o propósito
tinha sido alcançado.

Uma outra parte do livro, apesar da sua beleza poética e grandiosidade de


pensamento, é freqüentemente rejeitada como parte original do livro. A sua
localização atual encontra-se inserida entre duas partes do discurso de Jó no
qual ele se queixa amargamente da sua sorte. Essa parte do livro é um poema
de exaltação da sabedoria que constitui o capítulo 28. Além disso, o propósito
do poema de sabedoria -se realmente for da autoria de Jó -, tornaria
desnecessário muito do que Deus diz a ele mais tarde no livro.

Os discursos de Eliú (32.6-37.24) também podem ter sido um acréscimo ao livro


original. Em apoio a esse ponto de vista podemos observar que Eliú não figura
entre os amigos de Jó no início da narrativa nem no epílogo. Além disso,
suas observações acrescentam muito pouco ao debate. Elas são basicamente
uma reiteração fervorosa dos mesmos princípios que foram defendidos
pelos outros três amigos. (BRIGGS,1908, p. 162).

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Uma outra parte do livro que normalmente é vista como uma interpolação é a
descrição de Beemote e Leviatã (40.15-41.34). “As evidências apresentadas
são que essas descrições são muito detalhadas em relação ao restante do
discurso e que elas refletem idéias a respeito de criaturas tiradas do imaginário
popular” (CHARLES, 1954, P.30). O ataque contra essa parte do livro não
é conclusivo.

1.6. Autoria

O nome Jó (heb. 'iyyôb) tem sido interpretado de várias maneiras. Uma


sugestão é "Onde (está) meu Pai?". Outra leitura deriva o nome da raiz
‘yb, "ser inimigo". É possível entendê-Io como uma forma ativa (oponente de
Javé) ou como uma forma passiva (alguém a quem Javé trata como inimigo).
Pode haver um jogo de palavras quando Jó lamenta ser "inimigo" ('ôyêb)
de Deus (13.24). Em todo caso, o nome é bem atestado no segundo
milênio, aparecendo nas Cartas de Amarna (c. 1350 a.C.) e nos textos de
execração egípcios (c. 2000). Em ambos os casos, ele é aplicado a líderes
tribais na Palestina e arredores. Essas ocorrências dão força à tese de que
o livro registrou a antiga experiência de um sofredor real, cuja história
recebeu a formulação presente das mãos de um poeta posterior. Entretanto,
o valor da narrativa não repousa numa possível base histórica.

A presença do livro no cânon não tem sido debatida, mas sim sua localização
dentro dele. Nas tradições hebraicas, Salmos, Jó e Provérbios estão quase
sempre ligados, com Salmos em primeiro, e uma variação na ordem de Jó e
Provérbios. As versões gregas diferem muito na colocação de Jó -um texto o
coloca no final do Antigo Testamento, depois de Eclesiastes. As traduções
latinas estabeleceram uma ordem que foi seguida por nossas tradições: Jó,
Salmos, Provérbios. Por causa do suposto ambiente patriarcal da história e da
crença de que Moisés seria seu autor, a Bíblia siríaca o insere entre o
Pentateuco e Josué. A incerteza quanto à data e ao gênero literário respondem
por essas diferenças de localização.

Quanto à sua autoria estudiosos do Antigo Testamento concordam entre si em


que uma busca pelo autor desse livro está fadada ao fracasso. Em nenhuma
parte do livro existe qualquer tipo de indicação quanto à identidade do
homem que criou essa obra de arte literária. O livro não só se mantém
calado em relação à sua origem, mas também não encontramos nenhuma
sugestão bíblica independente em relação à sua autoria. Ezequiel (14.14,20)
menciona um homem chamado Jó, conhecido por sua retidão; e Tiago (5.11)
o reconhece como modelo de paciência. Essas duas referências mencionam
um indivíduo chamado Jó. Elas não tratam da identidade do autor do livro.

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Inúmeras sugestões têm sido feitas quanto a possíveis autores desse livro.
Entre elas estão o próprio Jó, Moisés e uma variedade de pessoas anônimas, que
vão desde a época dos patriarcas até o terceiro século a.C.

Embora o nome do autor nunca venha a ser conhecido por nós, algumas
qualidades desse homem podem ser determinadas por meio do livro que ele
escreveu. Quem quer que ele tenha sido, foi uma das maiores figuras literárias
do mundo. Qualquer lista de grandes obras-primas na área da literatura
certamente incluirão livro de Jó. Na verdade, muitos a colocariam no topo da
lista. Alfred Tennyson descreveu o livro de Jó como o maior poema dos tempos
antigos e modernos e Thomas Carlyle disse que não existe nada dentro ou fora
da Bíblia com o mesmo valor literário.

Ou o autor de Jó sofreu grandemente em sua própria vida ou ele teve


uma capacidade incomum de sentir compaixão e empatia por aqueles que
sofriam. Junto com essa grande sensibilidade ele foi profundamente religioso.
Ele tinha uma percepção fora do comum quanto à natureza humana e
estava bem inteirado com o mundo no qual vivia o mundo da natureza,
das idéias e da literatura.

Não se sabe se o autor era israelita, embora esse ponto seja debatido. Aqueles
que acreditam não ser ele judeu apontam para o fato de que o nome do Deus de
Israel, Javé, é raramente mencionado, exceto no prólogo e epílogo em prosa,
enquanto que nos diálogos, em forma de poesia, são usados termos que eram
de uso comum entre os povos vizinhos que circundavam Israel. Além disso,
destaca-se o fato de que no livro não se encontra nenhuma instituição ou
costume caracteristicamente judaicos e que o cenário da história é Uz, uma terra
do Oriente (1.3). (BEACON, 2005, p. 24).

Por outro lado, aqueles que entendem que o autor é israelita apontam para o
fato de que a história é preservada e canonizada na literatura sagrada de
Israel. Além disso, embora a literatura da "sabedoria" fosse comum nos tempos
antigos em todo o Oriente Próximo, as idéias teológicas do livro de Jó se
enquadram melhor no pano de fundo e quadro de referência bíblico do que em
qualquer outro lugar.

Podemos aceitar que o autor desconhecido do livro tenha usado um


homem histórico "de Uz", chamado Jó, conhecido por todos pelo seu
sofrimento e integridade, para ser o herói desse diálogo. Outras perguntas
relativas à autoria devem permanecer sem solução.

1.7. Data da Composição

A época da composição desse livro permanece um problema tão complicado


quanto o da autoria. Diversas datas foram sugeridas e elas variam desde
o século XVIII até o século lII a.C.

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De acordo com a descrição do livro, o homem Jó mostra um tipo de
vida e cultura que mais se aproxima do período patriarcal. Por exemplo, “o
livro afirma que Jó viveu mais 140 anos depois da restauração da sua
saúde e riqueza, além dos anos que ele tinha vivido antes do seu infortúnio”
(POPE, 1965, p.
135). Não há expectativa de vida como essa na narrativa bíblica depois
do período patriarcal. A riqueza de Jó consistia basicamente em rebanhos
e manadas, como ocorria com os patriarcas. O próprio Jó oferece sacrifícios pela
sua família, como era o costume dos patriarcas. No entanto, ele parece
desconhecer a oferta pelo pecado e outras práticas mosaicas.

Esse tipo de consideração faz com que muitos estudiosos acreditem que o
prólogo (1.1-3.1) e o epílogo (42.7-16), nos quais aparece essa informação,
reflitam um registro mais antigo que serviu de base para o diálogo poético que
foi escrito bem mais tarde.

Não encontramos nenhuma alusão no livro de Jó que poderia nos ajudar na


averiguação da data da sua composição. Portanto, o único meio de definir uma
data segura seria a sua relação literária com outros materiais da mesma época.
Infelizmente, não existe muito material desse tipo para nos ajudar a encontrar
essa data. Ezequiel (14.1420) cita um homem com esse nome, mas não se
sabe se ele conhecia o livro de Jó. A maldição de Jeremias em relação ao dia do
seu nascimento (20.14) e a de Jó (3.1-26) são notavelmente semelhantes, mas é
impossível dizer qual deles poderia ter a obra do outro em mente. Malaquias
3.13-18 poderia facilmente ter sido escrito com o livro de Jó em mente. Robert
H. Pfeiffer (1941, p.145) argumenta “que
Jó foi escrito antes do poema do servo-sofredor de Isaías (52.13-53.12), alegando
que o sofrimento vicário em Isaías é teologicamente mais avançado do que a
compreensão de Jó acerca do significado do sofrimento imerecido”,
mas esse é um argumento baseado em uma premissa duvidosa. A descoberta
de um Targum de Jó nas cavernas de Qumrã prova que o livro já estava em
circulação durante algum tempo antes do primeiro século a.C.

A data do livro de Jó permanece uma questão aberta, mas a opinião majoritária


é que o diálogo ocorreu no século VII a.C. (GRAY, op. cit., p. 37).

1.8. Lugar no Cânon

O livro de Jó faz parte da terceira divisão do cânon hebraico, o Kethubim, os


hagiógrafos, ou Escritos. A ordem nessa divisão tem variado nas
diferentes tradições. Atualmente Jó é colocado entre Provérbios e Cantares de
Salomão (Cânticos de Salomão) no cânon hebraico. A Tradução Brasileira
coloca Jó entre Ester e os Salmos, onde Jó é o primeiro dos três grandes livros
poéticos. Essa é a ordem usada por Jerônimo na sua tradução

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Pr. Mateus Duarte Página 13
Vulgata e subseqüentemente ela foi confirmada no Concílio de Trento
(1545-1563) em sua declaração oficial do cânon das Escrituras.

1.9. Lugar, conteúdo e valor

Como já firmamos acima, pensa-se que a “terra de Uz” (Jó 1.1), ficava ao longo
dos limites da Palestina com a Arábia, estendendo-se de Edom, pelo Norte e
Leste, ao rio Eufrates, e ladeando a rota de caravanas entre a Babilônia e o Egito.
O distrito da terra Uz, que a tradição tem dado como pátria de Jó era Haurã,
região ao leste do mar da Galiléia, conhecida pela fertilidade do solo e seus
cereais, que já foi densamente povoada, hoje pontilhada de ruínas de 300
cidades.

Quatro amigos de Jó -Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú -representam tudo que a


teologia ortodoxa teria a dizer acerca do significado das calamidades que
haviam arrasado a felicidade e a estabilidade de Jó. Com a possível exceção de
Eliú, a sua contribuição é gravemente limitada por uma inexorável
interpretação do sofrimento: o sofrimento como conseqüência do pecado
pessoal. Se eles se tivessem limitado a estabelecer a solidariedade humana no
pecado, Jó ter-lhe-ia dado a sua imediata aprovação, visto que ele jamais se
considera um homem perfeito; mas ao ouvi-los insinuar e depois direta e
claramente afirmar que o seu sofrimento era o inevitável fruto da semente do
pecado que ele cometera e de que só Deus era testemunha, Jó nega
veementemente e coerentemente a exatidão do seu juízo.

O livro de Jó é um livro universal porque se dirige a uma necessidade universal


-a agonia do coração humano torturado pela angústia e pelas muitas aflições a
que a carne é sujeita. Para o afirmar bastar-nos-ia o testemunho de uma
mulher que, ao morrer de um cancro, declarava que o livro de Jó falava à sua
alma como nenhum outro livro da Bíblia. Ao testemunho dos
grandes sofredores se têm juntado as vozes de grandes cristãos e grandes
poetas num coro de admiração pelas verdades que o livro transmite, por vezes,
através da mais elevada poesia. Lutero afirmava que o livro de Jó era
"magnífico e sublime como nenhum outro das Escrituras". Tennyson chamava-
lhe "o maior poema de todos os tempos -antigos e modernos".

Qual é, então, a mensagem do livro, como se dirige ele à grande necessidade


universal?

O livro denuncia, de maneira notável, a insuficiência dos horizontes humanos


para uma compreensão adequada do problema do sofrimento. Todas as figuras
do drama falam com o desconhecimento absoluto das alegações de Satanás
contra a piedade de Jó, descritas no prólogo, e da conseqüente permissão
divina -a permissão concedida a Satanás, de provar, se puder, a exatidão das
suas acusações. Com o prólogo como pano de fundo, os sofrimentos de

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Pr. Mateus Duarte Página 14
Jó aparecem, portanto, não como irrefutável prova de castigo divino, como
pretendiam os amigos, mas como prova de confiança divina no seu
caráter. Devemos evitar o uso de linguagem que possa fazer supor que
um Deus onisciente necessitava de uma demonstração da integridade do Seu
servo para pôr termo a uma pequena dúvida que surgira na Sua mente;
mas podemos encontrar na história a sugestão daquela verdade de que
"agora vemos por espelho, em enigma". Jó e os seus amigos tentavam
resolver um problema para o qual lhes faltavam elementos; era como se
procurassem formar a figura de um quebra-cabeça sem possuírem todas as
peças. Conseqüentemente, o livro de Jó é um eloqüente comentário à
insuficiência da mente humana para reduzir a complexidade do problema a
fórmulas simples e acessíveis. É um livro em que o homem silencioso, o
homem que se cala, realiza mais do que o que discorre e o que discursa (Cfr.
2.13; 13.5).

Mas o autor, que recomenda, sem dúvida, a humildade perante o sofrimento,


jamais advoga o desespero. Ele crê num Deus que pode satisfazer a necessidade
humana. O aparecimento dos homens que vêm aconselhar Jó conduz à
controvérsia, à desilusão e ao desespero; a revelação de Deus
promove a submissão, a fé e a coragem. A palavra do homem é impotente para
penetrar a escuridão da mente de Jó; a palavra de Deus traz luz e luz eterna. O
Deus da teofania não responde a nenhuma das questões tão calorosamente
debatidas em todo o livro; mas satisfaz a necessidade do coração de Jó. Não
explica cada fase da batalha; mas torna Jó mais do que vencedor nessa batalha.

Como os restantes livros do Velho Testamento, Jó anuncia-nos Cristo. Surgem


problemas e ouvem-se grandes soluços de agonia a que só Jesus pode
responder. O livro toma o seu lugar no testemunho de todas as idades e de
todos os tempos: no coração humano existe um vazio que só Jesus pode
preencher.

Jó é um dos livros sapienciais e poéticos do Antigo Testamento; “sapiencial”,


porque trata profundamente de relevantes assuntos universais da humanidade;
“poético”, porque a quase totalidade do livro está elaborada em estilo poético.
Sua poesia, todavia, tem por base um personagem histórico e real (Ez
14.14,20) e um evento histórico e real (Tg 5.11).

Victor Hugo disse: “O livro de Jó é talvez a maior obra-prima do espírito


humano”.

Thomas Carlyle: “Denomino este livro, à parte de todas as teorias a seu


respeito, uma das maiores coisas que já se escreveram”.

1.10. O livro de Jó lida com a pergunta dos séculos

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Pr. Mateus Duarte Página 15
“Se Deus é justo e amoroso, por que permite que um homem realmente justo,
tal como Jó (Jó 1.1,8) sofra tanto?” Sobre esse assunto o livro revela as
seguintes verdades:

(a) Satanás, como adversário de Deus, teve permissão para provar a


autenticidade da fé de um homem justo, por meio da aflição, mas a graça de
Deus triunfou sobre o sofrimento, porque Jó permaneceu firme e constante na
fé, mesmo quando parecia não haver qualquer proveito em permanecer fiel a
Deus.

(b) Deus lida com situações demais elevadas para a plena compreensão da
mente humana (Jó 37.5). Nesses casos, não vemos as coisas com a amplitude
que Deus vê e precisamos da sua graciosa autorevelação (Jó
38—41).

(c) A verdadeira base da fé acha-se, não nas bênçãos de Deus, nem em


circunstâncias pessoais, nem em teses formuladas pelo intelecto, mas na
revelação do próprio Deus.

(d) Deus, às vezes, permite que Satanás prove os justos mediante


contratempos, a fim de purificar a sua fé e vida, assim como o ouro é
refinado pelo fogo (Jó 23.10; confronte 1Pe 1.6,7). Tal provação resulta numa
maior integridade espiritual e humildade do seu povo
(Jó 42.1-10).

(e) Embora os métodos de Deus agir, às vezes, pareçam contraditórios e cruéis


(conforme o próprio Jó pensava), ver-se-á, no fim, que Ele é plenamente
compassivo e misericordioso (Jó 42.7-17; confronte Tg 5.11).

1.11. O livro de Jó e seu cumprimento no Novo Testamento

O Redentor a quem Jó confessa (Jó 19.25-27), o Mediador por quem ele


anseia (Jó 9.32,33) e as respostas às suas perguntas e necessidades mais
profundas, todos têm em Jesus Cristo o seu cumprimento. Jesus identificouse
inteiramente com o sofrimento humano (confronte Hb 4.15,16; 5.8), ao ser
enviado pelo Pai como Redentor, mediador, sabedoria, cura, luz e vida. A
profecia da parte do Espírito sobre a vinda de Cristo, temo-la mais claramente
em Jó 19.25-27. Menção explícita de Jó, temos duas vezes no Novo
Testamento:

(a) Uma citação (Jó 5.13, em 1Co 3.19).

(b) Uma referência à perseverança de Jó na aflição e o resultado misericordioso


da maneira de Deus lidar com ele (Tg 5.11).

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Pr. Mateus Duarte Página 16
Jó ilustra muito bem a verdade neotestamentária de que quando o crente
experimenta perseguição ou algum outro severo sofrimento, deve
perseverar firme na fé e continuar a confiar naquele que julga corretamente,
assim como fez o próprio Jesus quando aqui sofreu (1Pe 2.23). Jó 1.6—2.10
é o mais detalhado quadro do nosso adversário, juntamente com 1Pe 5.8,9.

1.12. A Contribuição Teológica

Todos os livros da Bíblia devem ser estudados como um todo, com suas partes
vistas em relação ao propósito geral do autor. Isso merece atenção
especial em Jó. Suas partes não devem ser arrancadas do todo, e suas
ênfases principais não devem ser cristalizados em princípios rígidos nem
calibrados em proposições estreitas.

1.12.1. A Liberdade Divina

Para os portadores da sabedoria convencional, o livro apresenta um Deus livre


para realizar suas surpresas, corrigir distorções humanas e revisar os livros
escritos a seu respeito. Deus é livre para entrar no teste de Satanás e não dizer
nada a respeito disso aos participantes do teste. Ele estabelece o momento de
sua intervenção e determina sua agenda. Deus é livre para não responder às
perguntas provocativas de J ó e para não concordar com as doutrinas
pretensiosas dos amigos. Acima de tudo, ele é livre para preocuparse
suficientemente a fim de confrontar Jó e perdoar os amigos.

Assim como toda a Escritura, o autor de Jó retrata um Deus não obrigado pelos
interesses humanos nem limitado pelos conceitos humanos a seu respeito. O
que Deus faz brota livremente da própria vontade dele. Não há diretrizes a que
precise conformar-se. Ele optou por criar e manter o universo, optou por
inaugurar e governar a marcha da história. Deus pode agir de acordo com a
ordem e o padrão anunciado em Deuteronômio e Provérbios ou
transcender esses limites em Jó. Uma lição nisso é que as pessoas só
encontram a liberdade à medida que reconhecem a liberdade divina. Nada é
mais frustrante
e limitador que estabelecer regras para Deus e depois ficar querendo saber por
que ele não obedece a elas.

1.12.2. A Provação de Satanás

Uma das primeiras referências do Antigo Testamento a esse adversário é seu


aparecimento no prólogo (cf. 1Cr 21.1; Zc 3.1). Satanás tem acesso à presença de
Javé, mas é governado pela soberania dele. Nada dá a entender que
Satanás seja mais que criatura de Deus; a doutrina bíblica da criação bane
toda forma real de dualismo. Mas tudo dá a entender que as intenções
de Satanás são nocivas. Ele representa o conflito e a inimizade. Seus propósitos
são contrários aos alvos de Deus e hostis ao bem-estar de Jó.

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Pr. Mateus Duarte Página 17
A ausência de Satanás no epílogo não deve ser "lamentada como uma falha na
harmonia entre o prólogo e o epílogo". (ROBERT e FEUILLET, p. 425,
s.d.). Trata-se de um fator deliberado na mensagem do livro. Deus, não Satanás,
é soberano. O teste foi vencido. A história aponta para o futuro de Jó, não seu
passado. Satanás não passa de um intruso no relacionamento entre Deus e Jó,
conforme descrito no início e no fim do livro.

A função de Satanás em Jó anuncia sua função no restante da Bíblia. Ele é uma


criatura de Deus, mas um inimigo da vontade de Deus (cf. Mt 4.1-11; Lc
4.1-13). Ele procura perturbar o povo de Deus física (2Co 12.7) e espiri-
tualmente (11.14). Ele foi derrotado pela obediência de Cristo e desaparecerá da
história no final (Ap 20.2,7, 10).

O centro da estratégia de Satanás não era induzir Jó a cometer pecados tais


como imoralidade, desonestidade ou violência, mas tentá-Io para que
cometesse o pecado -ser desleal a Deus. A lealdade, a confiança e a fidelidade
são a essência da piedade bíblica, as raízes de onde brotam todos os frutos da
justiça. Satanás, seguindo seu padrão de sempre, buscou a raiz do problema: o
relacionamento de Jó com Deus. Jó passou pelo teste de lealdade e conquistou
notas máximas, apesar de seus protestos e contestações.

1.12.3. Retribuição e Justiça

A mensagem de Jó reformula o entendimento da doutrina da retribuição divina.


O padrão geral de justa retribuição permanece operante: bons atos beneficiam,
maus atos prejudicam. Esse princípio, porém, não é absoluto. Forças e
poderes, celestiais e terrenos, interrompem a seqüência de causa e efeito.
Alguns perversos podem prosperar e ter vida longa; alguns justos podem sofrer
agonia crônica (caps. 21; 24.1-17). Só o julgamento final de Deus trará justiça a
todos.

Além disso, a história de Jó alerta contra a aplicação desse princípio a todas as


situações. Desde que o justo pode sofrer e o perverso, prosperar, é perigoso
rotular o sofredor de culpado de algum pecado secreto ou louvar o próspero,
considerando-o justo. O desígnio moral do universo é por demais
complexo para prestar-se a esse princípio simples. A dor, as dificuldades e a
tragédia não requerem dos que têm servido fielmente a Deus que se
sintam culpados ou duvidem de seu relacionamento com Deus.

Os discursos de Javé ensinam que Deus restringe o movimento dos perversos


e promove o bem geral de cada dimensão da criação -o deserto e o oásis, o
selvagem e o domesticado. Deus busca o equilíbrio e a liberdade dentro
da criação, não só a aplicação da retribuição. Em seu governo há graça e

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Pr. Mateus Duarte Página 18
tolerância. Deus promove o bem-estar dos que o buscam com sinceridade,
ainda que escolha o momento e o lugar. A prosperidade abundante de Jó após
seu encontro com Deus era em princípio um dom da graça de Deus. Não era
um prêmio conquistado por ele ter enfrentado o sofrimento.

A experiência de Jó demonstra que a pessoa pode servir resoluta a Deus na


adversidade e na riqueza. A maior virtude humana é ver a Deus, como
Já confessou em sua resposta ao segundo discurso de Javé (42.5). A presença e
a aceitação de Deus muito excedem o peso de qualquer sofrimento temporal,
mesmo da pior situação possível.

Jó apegou-se à própria fé e integridade durante toda a sua


provação. Prevaleceu sobre o sofrimento imerecido e abriu caminho para o
retrato do servo sofredor pintado por Isaías, o qual, ainda que justo, sofre em
favor dos outros (49.1-7; 50.4-9; 52.13-53.12). A dura sorte de Jó torna possível
crer que Jesus, o Messias, era de fato justo, ainda que tenha sofrido uma
morte martirizante entre criminosos.
1.12.4. Força no Sofrimento

Nem todas as vidas sofrerão aflições da magnitude das de Jó. Ainda


assim, sofrimentos intensos e prolongados serão um fardo de praticamente
todos os seres humanos. Com certeza um dos propósitos de Jó é ajudar-nos a
enfrentar tais adversidades.

O livro faz isso preparando o leitor para aceitar a liberdade divina. Jó esmaga os
ídolos da mente das pessoas e deixa um quadro realista de Deus. A visão do
Deus livre abre as pessoas para propósitos misteriosos, para alvos justos no
sofrimento por ele permitido. Deus é visto como alguém poderoso, mas
não mesquinho; vitorioso, mas não vingativo. O leitor pode crer que Deus trará
o bem por meio do sofrimento, mesmo que o justo odeie cada fração da dor.

Jó também ensina a importância da amizade no sofrimento. Especialmente


condenados são a admoestação simplista, o conselho ingênuo e o falso
consolo. Eles causam dano, mesmo quando motivados pelo desejo de
defender Deus diante de palavras cáusticas proferidas por alguém que esteja
sofrendo. A maior tragédia do livro pode ser a do fracasso da amizade
agravado por uma teologia plausível mal-aplicada.

Jó não sofreu em silêncio, mas discutiu com seus amigos e reclamou com
Deus. No fim, Deus rechaçou essas reclamações, mas não julgou Jó por elas.
Independentemente do que possa estar incluído num relacionamento
bíblico com Deus, com certeza há espaço para uma confiança em Deus
construída com honestidade e para a segurança de seu amor. Alguns dos
mais nobres personagens da Bíblia -Jeremias, os salmistas, Habacuque e até

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Pr. Mateus Duarte Página 19
Jesus Cristo (Mc 14.36; 15.34) -queixaram-se de sua condição e assim
encontraram alívio no sofrimento.

Uma última lição sobre como lidar com o sofrimento vem do senso de lealdade
a Deus demonstrado por Jó. A consciência de Jó estava limpa. Sua dor, ainda
que lancinante, não era agravada pelo peso da culpa. “A rebelião aberta,
a deslealdade flagrante e a recusa do perdão podem, todas, tornar insuportável
o sofrimento de qualquer pessoa. À dor, elas acrescentam o medo da culpa. Mas
Jó sabia que seu compromisso com Deus estava íntegro e confiou nesse
compromisso como sustentação até a morte e depois dela” (19.23-29).
(STEELY, 1980, p. 245).

"Observaste o meu servo Jó?" (1.8; 2.3) é uma pergunta que serve para todos.
Tiago usou Jó como exemplo dos que aprendem a felicidade na escola do
sofrimento: "Eis que temos por felizes os que perseveram firmes. Tendes
ouvido da perseverança de Jó e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o
Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo" (Tg 5.11). “Haveria
resumo melhor da mensagem do livro -um sofredor perseverante mantido nos
braços de um Deus determinado e compassivo?” (LASOR, 1999, p. 541).

1.13. Pontos Salientes

A. O Sofrimento dos Justos

Jó 2.7,8: “Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de uma chaga


maligna, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. E Jó, tomando um pedaço
de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da cinza.”

A fidelidade a Deus não é garantia de que o crente não passará por aflições,
dores e sofrimentos nesta vida (At 28.16). Na realidade, Jesus ensinou que tais
coisas poderão acontecer ao crente (Jo 16.1-4,33; 2Tm 3.12). A Bíblia contém
numerosos exemplos de santos que passaram por grandes sofrimentos,
por diversas razões e.g., José, Davi, Jó, Jeremias e Paulo.

1.13.1. Por que os crentes sofrem? São diversas as razões por que os crentes
sofrem.

O crente experimenta sofrimento como uma decorrência da queda de Adão e


Eva. Quando o pecado entrou no mundo, entrou também a dor, a tristeza, o
conflito e, finalmente, a morte sobre o ser humano (Gn 3.16-19). A Bíblia afirma

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Pr. Mateus Duarte Página 20
o seguinte: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que
todos pecaram” (Rm 5.12). Realmente, a totalidade da criação geme sob os
efeitos do pecado, e anseia por um novo céu e nova terra (Rm 8.20-23; 2Pe
3.10-13). É nosso dever sempre recorrermos à graça, fortaleza e consolo
divinos (1Co 10.13).

Certos crentes sofrem pela mesma razão que os descrentes sofrem, i.e.,
conseqüência de seus próprios atos. A lei bíblica “Tudo o que o homem
semear, isso também ceifará” (Gl 6.7) aplica-se a todos de modo geral. Se
guiarmos com imprudência o nosso automóvel, poderemos sofrer graves
danos. Se não formos comedidos em nossos hábitos alimentares, certamente
vamos ter graves problemas de saúde. É nosso dever sempre proceder com
sabedoria e de acordo com a Palavra de Deus e evitar tudo o que nos privaria
do cuidado providente de Deus.

O crente também sofre, pelo menos no seu espírito, por habitar num
mundo pecaminoso e corrompido. Por toda parte ao nosso redor estão os
efeitos do pecado. Sentimos aflição e angústia ao vermos o domínio da
iniqüidade sobre tantas vidas (Ez 9.4; At 17.16; 2Pe 2.8). É nosso dever orar a
Deus para que Ele suplante vitoriosamente o poder do pecado.
1.13.2. Os crentes enfrentam ataques do diabo

(a) As Escrituras claramente mostram que Satanás, como “o deus deste século”
(2Co 4.4), controla o presente século mau (1Jo 5.19; Gl 1.4; Hb
2.14). Ele recebe permissão para afligir crentes de várias maneiras (1Pe
5.8,9). Jó, um homem reto e temente a Deus, foi atormentado por Satanás por
permissão de Deus (ver principalmente Jó 1—2). Jesus afirmou que
uma das mulheres por Ele curada estava presa por Satanás há dezoito anos (cf.
Lc 13.11,16). Paulo reconhecia que o seu espinho na carne era “um mensageiro
de Satanás, para me esbofetear” (2Co 12.7). Na medida
em que travamos guerra espiritual contra “os príncipes das trevas deste
século” (Ef 6.12), é inevitável a ocorrência de adversidades. Por isso, Deus nos
proveu de armadura espiritual (Ef 6.10-18; 6.11) e armas espirituais
(2Co 10.3-6). É nosso dever revestir-nos de toda armadura de Deus e orar
(Ef 6.10-18), decididos a permanecer fiéis ao Senhor, segundo a força que
Ele nos dá.

(b) Satanás e seus seguidores se comprazem em perseguir os crentes. Os que


amam ao Senhor Jesus e seguem os seus princípios de verdade e retidão serão
perseguidos por causa da sua fé. Evidentemente, esse sofrimento por causa da
justiça pode ser uma indicação da nossa fiel devoção a Cristo (Mt 5.10). É nosso
dever, uma vez que todos os crentes também são chamados a sofrer
perseguição e desprezo por causa da

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Pr. Mateus Duarte Página 21
justiça, continuar firmes, confiando naquele que julga com justiça (Mt
5.10,11; 1Co 15.58; 1Pe 2.21-23).

De um ponto de vista essencialmente bíblico, o crente também sofre


porque “nós temos a mente de Cristo” (1Co 2.16). Ser cristão significa estar em
Cristo, estar em união com Ele; nisso, compartilhamos dos seus
sofrimentos (1Pe
2.21). Por exemplo, assim como Cristo chorou em agonia por causa da cidade
ímpia de Jerusalém, cujos habitantes se recusavam a arrepender-se e a aceitar
a salvação (Lc 19.41), também devemos chorar pela pecaminosidade e
condição perdida da raça humana. Paulo incluiu na lista de seus sofrimentos
por amor a Cristo (2Co 11.23-32; 11.23) a sua preocupação diária pelas igrejas
que fundara: “quem enfraquece, que eu também não enfraqueça? Quem
se escandaliza, que eu não me abrase?” (2Co 11.29). Semelhante angústia
mental por causa daqueles que amamos em Cristo deve ser uma parte natural
da nossa vida: “chorai com os que choram” (Rm 12.15). Realmente,
compartilhar dos sofrimentos de Cristo é uma condição para sermos
glorificados com Cristo (Rm 8.17). É nosso dever dar graças a Deus, pois,
assim como os sofrimentos de Cristo são nossos, assim também nosso é o seu
consolo (2Co 1.5).

1.13.3. Deus pode usar o sofrimento como catalisador para o nosso


crescimento ou melhoramento espiritual

(a) Freqüentemente, Ele emprega o sofrimento a fim de chamar a si o seu povo


desgarrado, para arrependimento dos seus pecados e renovação espiritual. É
nosso dever confessar nossos pecados conhecidos e examinar nossa vida para
ver se há alguma coisa que desagrada o Espírito Santo.

(b) Deus, às vezes, usa o sofrimento para testar a nossa fé, para ver se
permanecemos fiéis a Ele. A Bíblia diz que as provações que enfrentamos são “a
prova da vossa fé” (Tg 1.3; 1.2); elas são um meio de aperfeiçoamento da nossa
fé em Cristo (Dt 8.3; 1Pe 1.7). É nosso dever reconhecer que uma fé autêntica
resultará em “louvor, e honra, e glória na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.7).

(c) Deus emprega o sofrimento, não somente para fortalecer a nossa fé, mas
também para nos ajudar no desenvolvimento do caráter cristão e da retidão.
Segundo vemos nas cartas de Paulo e Tiago, Deus quer que
aprendamos a ser pacientes mediante o sofrimento (Rm 5.3-5; Tg 1.3). No
sofrimento, aprendemos a depender menos de nós mesmos e mais de
Deus e da sua graça (Rm 5.3; 2Co 12.9). É nosso dever estar afinados com aquilo
que Deus quer que aprendamos através do sofrimento.

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Pr. Mateus Duarte Página 22
(d) Deus também pode permitir que soframos dor e aflição para que
possamos melhor consolar e animar outros que estão a sofrer (2Co 1.4). É nosso
dever usar nossa experiência advinda do sofrimento para encorajar e fortalecer
outros crentes.

Finalmente, Deus pode usar, e usa mesmo, o sofrimento dos justos para
propagar o seu reino e seu plano redentor. Por exemplo: toda injustiça por que
José passou nas mãos dos seus irmãos e dos egípcios faziam parte do plano de
Deus “para conservar vossa sucessão na terra e para guardar-vos em vida por
um grande livramento”. O principal exemplo, aqui, é o sofrimento de Cristo,
“o Santo e o Justo” (At 3.14), que experimentou perseguição, agonia e morte
para que o plano divino da salvação fosse plenamente cumprido. Isso não
exime da iniqüidade aqueles que o crucificaram (At 2.23), mas indica,
sim, como Deus pode usar o sofrimento dos justos pelos pecadores, para
seus próprios propósitos e sua própria glória.

1.13.4. O Relacionamento de Deus com o sofrimento do crente

O primeiro fato a ser lembrado é este: Deus acompanha o nosso sofrer. Satanás
é o deus deste século, mas ele só pode afligir um filho de Deus pela vontade
permissiva de Deus (cf. 1—2). Deus promete na sua Palavra que Ele não
permitirá sermos tentados além do que podemos suportar (1Co 10.13).

Temos também de Deus a promessa que Ele converterá em bem todos os


sofrimentos e perseguições daqueles que o amam e obedecem aos seus
mandamentos (Rm 8.28). José verificou esta verdade na sua própria vida de
sofrimento (Gn 50.20), e o autor de Hebreus demonstra como Deus usa
os tempos de apertos da nossa vida para nosso próprio crescimento e benefício
(Hb 12.5).

Além disso, Deus promete que ficará conosco na hora da dor; que andará
conosco “pelo vale da sombra da morte” (Sl 23.4; cf. Is 43.2).

1.13.5. Vitória sobre o sofrimento pessoal

Se você está sob provações e aflições, que deve fazer para triunfar sobre tal
situação?

Primeiro: examinar as várias razões por que o ser humano sofre (ver seção 1,
supra) e ver em que sentido o sofrimento concerne a você. Uma
vez identificada a razão específica, você deve proceder conforme o contido em
“É nosso dever”.

Creia que Deus se importa sobremaneira com você, independente da


severidade das suas circunstâncias (Rm 8.36; 2Co 1.8-10; Tg 5.11; 1Pe 5.7). O
sofrimento nunca deve fazer você concluir que Deus não lhe ama, nem rejeitá-

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Pr. Mateus Duarte Página 23
lo como seu Senhor e Salvador.

Recorra a Deus em oração sincera e busque a sua face. Espere nEle até que
liberte você da sua aflição (Sl 27.8-14; 40.1-3; 130).

Confie que Deus lhe dará a graça para suportar a aflição até chegar o
livramento (1Co 10.13; 2Co 12.7-10). Convém lembrar de que sempre “somos
mais do que vencedores, por aquele que nos amou” (Rm 8.37; Jo 16.33). A fé
cristã não consiste na remoção de fraquezas e sofrimento, mas na
manifestação do poder divino através da fraqueza humana (2Co 4.7).

Leia a Palavra de Deus, principalmente os salmos de conforto em tempos de


lutas (e.g., Sl 11; 16; 23; 27; 40; 46; 61; 91; 121; 125; 138).

Busque revelação e discernimento da parte de Deus referente à sua situação


específica — mediante a oração, as Escrituras, a iluminação do Espírito Santo ou
o conselho de um santo e experiente irmão.

No sofrimento, lembre-se da predição de Cristo, de que você terá aflições na sua


vida como crente (Jo 16.33). Aguarde com alegria aquele ditoso tempo
quando “Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte,
nem pranto, nem clamor” (Ap 21.4).

B. A Morte

Jó19.25,26: “Eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre
a terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a
Deus.”

Todo ser humano, tanto crente quanto incrédulo, está sujeito à morte. A palavra
“morte” tem, porém, mais de um sentido na Bíblia. É importante para
o crente compreender os vários sentidos do termo morte.

1.13.6. A morte como resultado do pecado

Gênesis 2—3 ensina que a morte penetrou no mundo por causa do pecado.
Nossos primeiros pais foram criados capazes de viverem para sempre. Ao
desobedecerem o mandamento de Deus, tornaram-se sujeitos à penalidade do
pecado, que é a morte.

Adão e Eva ficaram agora sujeitos à morte física. Deus colocara a árvore da vida
no jardim do Éden para que, ao comer continuamente dela, o ser humano nunca
morresse (Gn 2.9). Mas, depois de Adão e Eva comerem do fruto da
árvore do bem e do mal, Deus pronunciou estas palavras: “és pó e em pó te
tornarás” (Gn 3.19). Eles não morreram fisicamente no dia em que comeram,
mas ficaram sujeitos à lei da morte como resultado da maldição divina.

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 24
Adão e Eva também morreram no sentido moral, Deus advertia Adão que se
comesse do fruto proibido, ele certamente morreria (Gn 2.17). Adão e sua
esposa não morreram fisicamente naquele dia, mas moralmente, sim, i.e.,
a sua natureza tornou-se pecaminosa. A partir de Adão e Eva, todos nasceram
com uma natureza pecaminosa (Rm 8.5-8), i.e., uma tendência inata de seguir
seu próprio caminho egoísta, alheio a Deus e ao próximo (Gn 3.6; Rm 3.10-18;
Ef 2.3; Cl 2.13).

Adão e Eva também morreram espiritualmente quando desobedeceram a


Deus, pois isso destruiu o relacionamento íntimo que tinham antes com Deus
(Gn 3.6). Já não anelavam caminhar e conversar com Deus no jardim;
pelo contrário, esconderam-se da sua presença (Gn 3.8). A Bíblia também ensina
que, à parte de Cristo, todos estão alienados de Deus e da vida nEle (Ef
4.17,18); i.e., estão espiritualmente mortos.

Finalmente, a morte, como resultado do pecado, importa em morte eterna. A


vida eterna viria pela obediência de Adão e Eva (cf. Gn 3.22); ao invés disso, a
lei da morte eterna entrou em operação. A morte eterna é a eterna condenação
e separação de Deus como resultado da desobediência do homem para com
Deus.

A única maneira de o ser humano escapar da morte em todos os seus


aspectos é através de Jesus Cristo, que “aboliu a morte e trouxe à luz a vida e
a incorrupção” (2Tm 1.10). Ele, mediante a sua morte, reconciliou-nos com
Deus, e, assim, desfez a separação e alienação espirituais resultantes do
pecado (Gn 3.24; 2Co 5.18). Pela sua ressurreição Ele venceu e aboliu o poder de
Satanás, do pecado e da morte física (Gn 3.15; Rm 6.10; cf. Rm 5.18,19;
1Co 15.12-28; 1Jo 3.8).

1.13.7. A morte física do crente

Embora o crente em Cristo tenha a certeza da vida ressurreta, não deixará de


experimentar a morte física. O crente, porém, encara a morte de modo
diferente do incrédulo.

A morte, para os salvos, não é o fim da vida, mas um novo começo.


Neste caso, ela não é um terror (1Co 15.55-57), mas um meio de transição para
uma vida mais plena. Para o salvo, morrer é ser liberto das aflições deste
mundo (2Co 4.17) e do corpo terreno, para ser revestido da vida e glória
celestiais (2Co 5.1-5). Paulo se refere à morte como sono (1Co 15.6,18,20; 1Ts
4.13-15),
o que dá a entender que morrer é descansar do labor e das lutas terrenas (cf. Ap
14.13).

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Pr. Mateus Duarte Página 25
A Bíblia refere-se à morte do crente em termos consoladores. Por exemplo, ela
afirma que a morte do santo “Preciosa é à vista do SENHOR” (Sl 116.15). É a
entrada na paz (Is 57.1,2) e na glória (Sl 73.24); é ser levado pelos anjos “para
o seio de Abraão” (Lc 16.22); é ir ao “Paraíso” (Lc 23.43); é ir à casa de nosso Pai,
onde há “muitas moradas” (Jo 14.2); é uma partida bemaventurada para estar
“com Cristo” (Fp 1.23); é ir “habitar com o Senhor” (2Co 5.8); é um dormir em
Cristo (1Co 15.18; cf. Jo 11.11; 1Ts 4.13); “é ganho... ainda muito melhor” (Fp
1.21,23), é a ocasião de receber a “coroa da justiça” (2Tm 4.8).

Quanto ao estado dos salvos, entre sua morte e a ressurreição do corpo, as


Escrituras ensinam o seguinte:

(a) No momento da morte, o crente é conduzido à presença de Cristo


(2Co 5.8; Fp 1.23).

(b) Permanece em plena consciência (Lc 16.19-31) e desfruta de alegria


diante da bondade e amor de Deus (cf.
(c) O céEuf é2.c7o).mo um lar, i.e., um maravilhoso lugar de repouso e
segurança (Ap 6.11) e de convívio e comunhão com os santos (Jo 14.2).

(d) O viver no céu incluirá a adoração e o louvor a Deus (Sl 87; Ap


14.2,3; 15.3).

(e) Os salvos nos céu, até o dia da ressurreição do corpo, não são espíritos
incorpóreos e invisíveis, mas seres dotados de uma forma corpórea celestial
temporária (Lc 9.30-32; 2Co 5.1-4).

(f) No céu, os crentes conservam sua identidade individual (Mt 8.11; Lc


9.30-32).

(g) Os crentes que passam para o céu continuam a almejar que os propósitos
de Deus na terra se cumpram (Ap 6.9-11).

Embora o salvo tenha grande esperança e alegria ao morrer, os demais


crentes que ficam não deixam de lamentar a morte de um ente querido.
Quando Jacó faleceu, por exemplo, José lamentou profundamente a perda de
seu pai. O que se deu com José ante a morte de seu pai é semelhante ao que
acontece a todos os crentes, quando falece um seu ente querido (Gn 50.1).
35

O Livro dos Salmos

2.1. Esboço do Livro

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Pr. Mateus Duarte Página 26
I Livro 1 Salmos 1—41
II Livro 2 Salmos 42—72
III Livro 3 Salmos 73—89

Duas observações quanto ao esboço acima são dignas de nota: Desde os


tempos antigos, os 150 salmos são organizados em cinco livros, tendo cada um,
na sua conclusão, uma enunciação de louvor e invocação dirigida a
Deus, a saber: Livro 1 — 41.13; Livro 2 — 72.19; Livro 3 — 89.52; Livro 4 —
106.48; Livro 5 — 150.1-6. O salmo 150 não é apenas o último dos salmos; é
também uma enunciação de louvor e invocação a Deus; ele é também uma
doxologia para todo o saltério. O gráfico a seguir enseja uma visão
panorâmica da divisão dos Salmos em cinco livros.

2.2. Abordagem introdutória

O livro de Salmos é o primeiro livro na terceira divisão da Bíblia


hebraica. Conhecida como Kethubhim ou Escritos, essa
terceira divisão era popularmente conhecida pelo nome do
primeiro livro, isto é, "Os Salmos". Deste modo, Jesus incluiu todo o Antigo
Testamento no que tange às profecias
a seu respeito "na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos" (Lc 24.44).

O título em português vem da tradução grega, Septuaginta, concluída em cerca


de 150 a.C. Psalmoi, o termo grego, significa "cânticos" ou "cânticos sagrados"
e é derivado da raiz que significa "impulso, toque", em cordas de
um instrumento de cordas. O título hebraico é Tehillim, e significa
"louvores" ou "cânticos de louvor".

Os Salmos têm uma importância especial na Bíblia. Lutero descreveu esse


livro como "uma Bíblia em miniatura" (THOMPSON, 1962, p. 1059). Calvino o
descreveu como "uma anatomia de todas as partes da alma", visto que, como
explicou, "não existe emoção que não é representada aqui como
em um espelho" (MCCULLOUGH, 1955, p. 15); Johannes Arnd escreveu: "O
que o coração é para o homem, os Salmos são para a Bíblia". (ARND, p. 1); W.
O.
E. Oesterley descreve os Salmos como "a maior sinfonia de louvor a Deus que
já foi escrita na terra". (OESTERLEY, 1947, p. 107);

O Saltério hebraico detém uma posição singular na literatura religiosa da


humanidade. Ele tem sido o hinário de duas grandes religiões e tem
expressado a vida espiritual mais profunda dessas religiões ao longo dos
séculos. Esse Saltério tem ministrado a homens e mulheres de raças,
línguas e culturas muito diferentes. Ele tem trazido conforto e inspiração
aos aflitos e abatidos de coração em todas as épocas. Suas palavras
podem se adaptar às necessidades das pessoas que não têm

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 27
conhecimento algum acerca de sua forma original e pouca compreensão a
respeito das condições sob as quais foi formado. Nenhuma outra parte do
Antigo Testamento tem exercido uma influência tão ampla, profunda e
permanente na alma humana. (ROBINSON, 1947, p. 107).

O lugar que Salmos recebe no Novo Testamento claramente testifica sobre o


valor desse importante livro. Dos aproximadamente 263 textos do Antigo
Testamento citados no Novo Testamento, um pouco mais de um terço, ou seja,
um total de 93 é tirado do livro de Salmos. Alguns deles, mais particularmente
os Salmos 2 e 110, são citados diversas vezes. W. E. Barnes escreve:
"Somente a existência de uma verdadeira continuidade espiritual entre os
Salmos e o Evangelho pode explicar o profundo sentimento de afeição
com que os cristãos de todas as épocas têm tratado o Saltério". (With
Introduciton and Notes, I, xli).
Um dos valores mais importantes dos Salmos para o estudo do Antigo
Testamento é a percepção que se recebe acerca da verdadeira natureza da
religião do Antigo Testamento. Infelizmente, temos, com bastante
freqüência, associado a religião do Antigo Testamento ao farisaísmo e legalismo
descritos nos evangelhos e nos escritos de Paulo. Os Salmos mostram
claramente que nos tempos do Antigo Testamento a piedade era uma fé viva,
espiritual, alegre
e intensamente pessoal. Os Salmos refletem um nível de espiritualidade
que muitos da dispensação cristã mais favorecida não conseguem alcançar.
Como
A. F. Kirkpatrick observou:

Os Salmos representam o aspecto interior e espiritual da religião de Israel. Eles


são a expressão múltipla da intensa devoção das almas piedosas a Deus, do
sentimento de confiança, esperança e amor que alcançava um clímax em
diversos Salmos como o 23; 42; 43; 63 e 84. Eles são a voz da oração de
tonalidade múltipla no sentido mais amplo, à medida que a alma se dirige a
Deus por meio da confissão, petição, intercessão, meditação, ações de graças,
louvor, tanto em público como em particular. Eles oferecem a prova mais
completa, se é que isso era necessário, de como é completamente falsa a noção
de que a religião de Israel era um sistema formal de ritos e cerimoniais
externos. (1894, I, lxcii)

2.3. Estrutura do Livro

Desde os primórdios da sua história o livro de Salmos no hebraico tem


sido subdividido em cinco "livros" ou divisões que são especificados na maioria
das traduções modernas. O Livro I inclui os Salmos 1-41. O Livro lI,
inclui os Salmos 42-72, o Livro IlI, os Salmos 73-89, o Livro IV, os Salmos 90-106
e o Livro V, os Salmos 107-150.

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Pr. Mateus Duarte Página 28
O Midrash judaico, ou comentário dos Salmos, compara esses cinco livros com
os cinco livros de Moisés, o Pentateuco. A divisão está provavelmente
relacionada com o ciclo de três anos da leitura da Lei que predominava na
Palestina primitiva. O livro de Gênesis era lido nos primeiros quarenta e um
sábados. A leitura de Êxodo começava no quadragésimo segundo sábado,
Levítico no septuagésimo terceiro sábado, Números no nonagésimo e
Deuteronômio no centésimo sétimo sábado -correspondendo com o
primeiro salmo de cada livro. (SNAITH, 1966, p. xxxix-xli).

Também é provável que o livro de Salmos atual seja, na verdade, uma coleção
de coleções. Isto se observa tanto na natureza como no agrupamento de títulos
e na afirmação em 72.20: "Findam aqui as orações de Davi, filho de Jessé". Um
exame nos títulos dos salmos no Livro I revela que todos eles são creditados a
Davi com exceção de 1; 2; 10 e 33. O Livro I foi provavelmente o primeiro
saltério oficial. Este livro usa livremente o nome da aliança para Deus,
o termo hebraico Yahweh, traduzido por "Javé" na ASV e "SENHOR" na ARC e
ARA e impresso em versalete (ou seja, letra que tem a mesma forma das
maiúsculas escrita no tamanho das minúsculas).

Uma segunda coleção, aparentemente organizada mais tarde, é


encontrada no Livro lI, Salmos 42-72. Desse número, sete (42; 44-49) são
dedicados "aos filhos de Corá", um é identificado como sendo de Asafe
(50), oito de Davi, um de Salomão (72) e quatro estão sem títulos (43; 66;
67; 71). Que essa coleção foi originariamente separada do primeiro livro é
demonstrado pela repetição do Salmo 14 no Salmo 54 e parte do Salmo 40 no
salmo 70, e pelo fato de que o termo Elohim (traduzido por "Deus") é
constantemente usado como o nome divino em vez de Yahweh. Os salmos de
Asafe do Livro IlI, 73-83, também usam preferivelmente Elohim em lugar de
Yahweh, embora os salmos restantes do livro se refiram a Deus como Yahweh.
Nenhuma boa razão é dada pelo uso diversificado do nome divino. Mas
parece que isso ocorreu de maneira intencional e cuidadosa. É verdade que o
judaísmo posterior considerava o nome Yahweh sagrado demais para ser
usado, mas essa atitude surgiu muito tempo depois que os salmos foram
concluídos. (BEACON, 2005, p. 104).

No Livro III, o núcleo básico é formado por um grupo de salmos (73-83)


atribuídos a Asafe, que era ministro de louvor de Davi (1Cr 16.4-7). Com base
na menção do avivamento de Ezequias na salmódia de Davi e Asafe (2Cr
29.30), Delitzsch conjectura “que a coleção representada pelo Livro II pode ter
sido acrescentada na época de Ezequias” (Op. cit., p. 22) O restante dos
salmos neste que é o mais breve dos cinco livros é atribuído por meio dos seus
títulos aos filhos de Corá (84; 85; 87; talvez 88), a Davi (86), a Hemã, o ezraíta
(88; cf. 2Cr 35.15) e a Etã, o ezraíta (89; cf. 1Cr 2.6). Hemã e Etã são descritos
em 1Reis 4.31 como homens de sabedoria notável. De acordo com 1Crônicas.

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Pr. Mateus Duarte Página 29
2.6 eles poderiam ser netos de Judá, mas 2Crônicas 35.15 mostra que um dos
filhos de Asafe se chamava Hemã.

Os salmos nos últimos dois livros em sua maioria não têm descrição, embora
um dos títulos atribua o Salmo 90 a Moisés; quinze salmos desse grupo são
atribuídos a Davi, um a Salomão (127) e o Salmo 96 e parte do Salmo 105 a Davi
conforme 1Crônicas 16.7-33. Existem três agrupamentos discerníveis de salmos
no Livro IV. Os Salmos 90-99 formam um grupo de dez salmos sabáticos,
e o Salmo 100 é o salmo tradicional para o dia da semana. “Os Salmos
103-104 são os dois Salmos de Bênção e Adoração, que têm como base o
refrão: ‘Bendize, ó minha alma, ao Senhor! ’. Os Salmos 105-106
constituem dois Salmos de Aleluia” (SNAITH, op. cit, p. 14).

No Livro V temos dois grupos davídicos, 108-110 e 138-145, além de dois outros
salmos também atribuídos a Davi (112; 133). Os Salmos 113-118 são conhecidos
como o HalIel egípcio (referindo-se ao Êxodo no Salmo 114). O "HalIel" é um
cântico de louvor. Hallelu-Yah ("aleluia!") no original hebraico significa "Louvai
ao Senhor". O HalIel egípcio é tradicionalmente usado em conexão com a
comemoração da Páscoa. Os Salmos 120-134, "Cânticos dos Degraus" ou
"Cânticos da Subida", são um grupo de cânticos de peregrinos comemorando o
retorno do exílio e usados pelos devotos na sua peregrinação anual a Jerusalém.
Estes quinze salmos formam um saltério em miniatura, divididos em cinco
grupos de três salmos cada. Os Salmos 146150 são conhecidos como o Grande
HalIel. Cada um desses cinco salmos inicia e
termina com a palavra hebraica Hallelu-Yah, que significa: "Louvai ao Senhor".

Embora haja exceções à regra, Kirkpatrick ressalta que os salmos do Livro I


são na maioria pessoais; os salmos dos Livros II e III são basicamente
nacionais e os Livros IV e V são, em grande parte, litúrgicos ou
designados para serem usados na adoração pública. (1894, I, xlii).

2.4. Os Títulos

Sabe-se que os títulos atribuídos a cerca de cem Salmos são de data anterior à
Septuaginta e merecem ser tratados com respeito por causa da antigüidade da
sua origem. O hebraico pode significar "de", "para", "pertencendo a", isto
é, "aparentado com".

Ao todo, cerca de dois terços dos salmos têm títulos, que geralmente vêm
impressos na tradução portuguesa acima do primeiro versículo. Embora os
títulos não tenham feito parte do texto original do salmo, são muito antigos. Os
tradutores da Septuaginta, ou versão grega da Bíblia Hebraica,

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Pr. Mateus Duarte Página 30
encontraram esses títulos anexados aos salmos, mas tão obscuros que eram
incapazes de entender o seu significado geral. A Septuaginta (abreviada, LXX)
dos Salmos tornou-se de uso comum em torno de 150 a.C.

Em geral, existem cinco tipos de títulos. Há aqueles que descrevem a natureza


do poema, e.g., salmo, cântico, masquil, mictão, shiggaion, oração, louvor.
Outros estão conectados com o cenário musical ou execução dos salmos.
Exemplos típicos disso são: "para o cantor-mor", "sobre Neguinote", "sobre
Neilote", "Alamote", "Seminite" ou "Gitite" (provavelmente os nomes
de instrumentos musicais), "sobre Mute-Laben", "Aijelete-HásSaar",
etc. (representando melodias).

Um terceiro tipo de títulos é atribuído ao uso litúrgico dos salmos -por


exemplo, para uma dedicação (SI 30), para o sábado (SI 92) e os Cânticos dos
Degraus
(SI 120-134). Outros títulos estão associados à autoria ou possivelmente a
dedicações. A frase hebraica encontrada nos cabeçalhos de cerca de vinte e três
salmos, le-David, e traduzidos por "de Davi", podem igualmente ser traduzidos
"para Davi", "pertencente a Davi" ou "segundo o modo ou estilo de Davi".
Títulos desse tipo, além dos setenta e três salmos atribuídos a Davi, podem ser
encontrados para o Salmo 90 (Moisés), Salmos
72 e 127 (Salomão). Salmos 50; 73-83 (Asafe), Salmo 88 (Hemã), Salmo 89 (Etã) e
dez ou onze salmos atribuídos aos "filhos de Corá".

Uma última classe de títulos destaca a ocasião da composição do salmo. Eles


podem ser encontrados principalmente nos salmos creditados a Davi: e.g.,
capítulo 3: "quando fugiu diante da face de Absalão, seu filho"; capítulo
7: "que cantou ao Senhor, sobre as palavras de Cuxe, benjamita"; capítulo
18: "que disse as palavras deste cântico ao Senhor, no dia em que o Senhor
o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul: e ele disse"; capítulo
34: "quando mudou o seu semblante perante Abimeleque, que o expulsou, e ele
se foi"; etc.

Onde os títulos requerem uma explanação, isso é feito neste comentário


ao tratar do salmo específico.

2.5. Classificação dos Salmos

Existem muitas tentativas de classificação dos salmos, mas nenhuma delas é


inteiramente satisfatória. Certo número de salmos contém materiais de mais de
um tipo, tornando qualquer tentativa de classificação necessariamente
experimental. A classificação abaixo, baseada em um número de fontes
padronizadas de informações, pelo menos ilustra a amplitude e variedade
a serem encontradas nesse hinário da Bíblia:

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Pr. Mateus Duarte Página 31
(a) Salmos de Sabedoria e de Contraste Moral: 1; 9; 10; 12; 14; 19; 25; 34;
36; 37; 49; 50; 52; 53; 73; 78; 82; 92; 94; 111; 112; 119.

(b) Salmos Reais e Messiânicos: 2; 16; 22; 40; 45; 68; 72; 89; 101; 110;
144.

(c) Cânticos de Lamentação, Individual e Nacional: 3-5; 7; 11; 13; 17; 2628;
31; 39; 41-44; 54-57; 59-64; 70; 71; 74; 77; 79; 80; 86; 88; 90; 140
142.

(d) Salmos de Penitência: 6; 32; 38; 51; 102; 130; 143.

(e) Salmos de Devoção, Adoração, Louvor e Ações de graça: 8; 18; 23; 29;
30; 33; 46-48; 65-67; 75; 76; 81; 85; 87; 91; 93; 103-108; 135; 136; 138;
139; 145-150.

(f) Salmos Litúrgicos: 15; 20; 21; 24; 84; 95-100; 113-118; 120-134.
(g) Salmos Imprecatórios: 35; 58; 69; 83; 109; 137.

Os títulos dados aos salmos conforme registrado no Sumário


oferecem evidências adicionais ao vasto âmbito dos assuntos considerados
nesses hinos antigos.

Merecem uma atenção especial os salmos classificados por último. Estes


salmos têm sido denominados "imprecatórios" por causa das maldições
que eles invocam sobre os ímpios em geral e sobre os inimigos do
salmista em particular. Tem-se defendido amplamente que os salmos
imprecatórios são anticristãos e impróprios de constarem na Bíblia Sagrada.
Precisamos admitir prontamente que eles parecem não alcançar o padrão
traçado por Jesus no Sermão do Monte (particularmente Mateus 5.43-44).

No entanto, existem alguns pontos que deveríamos ter em mente ao


lermos estes salmos.

Primeiro, eles nunca foram usados durante a adoração na sinagoga e


nunca se tornaram parte do ritual judaico. A destruição dos ímpios tem sido
entendida tradicionalmente pelos judeus como significando que Deus
destruiria, não os pecadores, mas o pecado em si. Existe uma história
bastante conhecida de um rabino famoso do segundo século d.C., que
estava sendo provocado pelo comportamento fora da lei de alguns dos
seus vizinhos. Ele orou para que morressem. Sua esposa reprovou sua
atitude: "Como você pode agir dessa forma? O salmista disse: 'Que os
pecados acabem na terra'. E, depois, ele acrescenta: 'E os ímpios deixarão de
existir'. Isto ensina que tão logo o pecado desapareça, não haverá mais
pecadores. Portanto, ore não pela destruição desses homens perversos, mas

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Pr. Mateus Duarte Página 32
pelo seu arrependimento". A história se firma no fato de que é possível
entender "pecados" onde consta "pecadores" na língua hebraica. (SIMPSON,
1965, p. 61).

Em segundo lugar, embora a retaliação pessoal seja contrária ao espírito


do Novo Testamento, a Bíblia deixa claro que todos os homens, em última
análise, colhem as conseqüências das suas escolhas. Como Franz Delitzsch
afirma:

O reino de Deus não vem somente por meio da graça, mas também por meio
do julgamento; o suplicante do Antigo bem como do Novo
Testamento anela pela vinda do reino de Deus (veja 9.21; 59.14 etc.); e
nos Salmos cada imprecação de julgamento sobre aqueles que se colocam contra
a vinda desse reino é feita com base na suposição da sua persistente
impenitência (7.13ss; 109.17). (Op. cit., p. 99).

Em terceiro lugar, “é difícil distinguir gramaticalmente entre ‘Que isto aconteça’


e ‘Isto acontecerá’. Ou seja, não podemos ter certeza de que o salmista não
tenha tido a intenção de que suas palavras amargas fossem
predições do que acabaria acontecendo inevitavelmente com os ímpios”
(M’CAW, 1956,
p. 414).

Em quarto lugar, as palavras do salmista não refletem necessariamente


qualquer rancor pessoal ou de crueldade. Esses homens estavam preocupados
com os inimigos de Deus e com seus próprios inimigos, ou melhor, eles
os consideravam seus inimigos porque eram inimigos de Deus. Salmos
139.21 expressa essa idéia: "Não aborreço eu, ó Senhor, aqueles que te
aborrecem?"
O zelo por Deus, e não o desejo de vingança, está por trás de muitos textos
imprecatórios.

Finalmente, os salmos imprecatórios expressam um forte senso da lei


moral que governa o universo. Como C. S. Lewis escreveu:

Se os judeus amaldiçoavam de forma mais amarga do que os pagãos, isto


ocorria, eu penso, pelo menos em parte, porque eles levavam o certo e o
errado mais a sério. Porque, se observamos as suas repreensões,
percebemos que eles geralmente estão irados não simplesmente porque essas
coisas tenham sido feitas contra eles, mas porque essas coisas estão
manifestamente erradas e são detestáveis a Deus bem como à vítima. A
idéia de um "Senhor justo" -que certamente deve detestar essas coisas
tanto quanto eles as detestam, e que certamente deve (mas que demora
terrível!) "julgar" ou punir, sempre está lá, mesmo que somente como pano
de fundo. (HARCOURT, 1958,p. 30).

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Claro que existe perigo em uma equação casual demais em relação ao nosso
interesse pessoal pelo reino de Deus. Percebemos que os próprios salmistas não
estavam despercebidos disso ao lermos as palavras que seguem a
exclamação em Salmos 139.12-22: "Não aborreço eu, ó Senhor, aqueles que
te aborrecem, e não me aflijo por causa dos que se levantam contra ti?
Aborreço-os com ódio completo; tenho-os por inimigos". Mas a
oração continua: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e
conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau e guia-
me pelo caminho eterno" (23-24).

2.6. A Data dos Salmos

O padrão da crítica bíblica no passado tem sido datar os salmos em


época muito posterior ao reinado de Davi. Alguns estudiosos têm defendido a
idéia de datas pós exílio, e mesmo da época dos macabeus, para a maioria dos
salmos (e.g., 520-150 a.C.). Outras conclusões foram tiradas a partir de um
suposto desenvolvimento evolucionário das formas de pensamento
expressas nos salmos.

“O quadro, no entanto, tem mudado radicalmente com um estudo mais


cuidadoso dos textos de Ras Shamra ou de Ugarite. O impacto completo dessas
descobertas ainda não foi sentido”. (DAHOOD, p. xv-xxxii). Ligado a
isso está a evidência ainda mais recente dos textos de Qumrã (os Manuscritos
do Mar Morto). Mitchell Dahood resume as tendências mais recentes nessa
cronologia dos salmos: "Um exame do vocabulário desses salmos revela que
virtualmente cada palavra, imagem e paralelismo são agora relatados nos
textos cananeus da Idade do Bronze. (...) Se eles são poemas compostos pouco
antes da LXX, por que então os tradutores judeus em Alexandria os entendiam
tão imperfeitamente? As obras contemporâneas deveriam se sair melhor na
tradução deles". (DAHOOD, p. xxix). Dahood continua:

Embora não tenhamos evidências diretas que nos permitiriam datar a


conclusão da coleção inteira, a grande diferença na linguagem e métrica
entre o saltério canônico e o Hodayot de Qumrã torna impossível aceitar uma
data do tempo dos macabeus para qualquer um dos salmos, posição essa que
ainda é mantida por um número razoável de estudiosos. Uma data
helenística também não é aceitável. O fato de os tradutores da LXX estarem
perdidos diante de tantas palavras e frases arcaicas evidencia uma lacuna
cronológica considerável entre eles e os salmistas originais. (1938, p. 1-18).

2.7. Compilação

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Pr. Mateus Duarte Página 34
Sabe-se que existiram hinos, usados no culto em Babilônia e no Egito, por
muitos séculos antes de Abraão e José. Embora fosse um caso notável se a
salmodia hebraica não se apresentasse sinais de ter crescido de tal solo, uma
semelhança de estrutura literária, como por exemplo, o uso extenso do
paralelismo, não é índice de igual riqueza e vigor espirituais. Neste aspecto, os
Salmos de Israel não têm rival. Além disso, o seu uso comum por parte de uma
congregação de adoradores, bem como pelos sacerdotes oficiantes, era uma
prática desconhecida em todos os lugares.

Quando os filhos de Israel estabeleceram o culto de Jeová, na Palestina,


fizeram-no no meio de um povo que possuía um considerável depósito
de poesia religiosa. Isto é indicado pelas tábuas de Ras Shamra e está implícito
nos cânticos de júbilo e de maldição entoados pelos Siquemitas no tempo de
Abimeleque (Jz 9.27). É a este período que devemos atribuir a poesia israelita
como o Cântico de Moisés (Êx 15) e o Cântico de Débora (Jz 5). Estas poesias
constituíram precedentes e ofereceram incentivos para os salmos mais
recentes.

A base do Saltério parece ser constituída por uma coleção dos hinos davídicos.
Davi esteve tradicionalmente associado com o culto organizado (1Cr 15-16) e
os seus dons excepcionais combinaram-se com a sua notável experiência
espiritual. O grupo principal pareceria ser Sl 51-72, mas há outros grupos
davídicos, nomeadamente, 2-41 (omitindo o 33), 108-110 e 137-145. Talvez nem
todos estes sejam atribuíveis a Davi, mas a sua composição marca
o estilo e constitui o núcleo. É presumível que tenha havido mais do que um
centro onde os hinos hebraicos foram colecionados, do mesmo modo que
houve mais do que uma "escola de profetas". Durante os séculos em que estes
grupos se fundiram, algumas repetições foram aceitas. Estas continham
habitualmente variantes, em que aparecia a palavra Eloim para o nome de
Deus, de hinos que se referiam a Deus como Jeová, mas havia ainda outras
diferenças ligeiras (2Sm 22 e Sl 18). Os principais salmos duplicados são o Sl
14 e o Sl 53; o 40.13-17 e o Sl 70.

Pouco depois da constituição dos primeiros grupos davídicos vieram associar-


se com eles duas coleções de Salmos levíticos, a de Coré (42-49) e a de Asafe (50,
73-83). Alguns destes podem ter-se originado nos principais regentes das
escolas de cantores (1Cr 6.31,39); outros receberam os seus títulos como uma
indicação do estilo ou do lugar de origem. Os Salmos de Asafe são mais
didáticos, dão maior proeminência às tribos de José e fazem um maior uso da
imagem do pastor e do discurso direto por parte de Deus. A estes
grupos combinados foram acrescentados uns poucos Salmos anônimos (33; 84-
89) e também o Sl 1, introdutório.

Os Salmos restantes, 90-150, revestem-se de um caráter muito mais litúrgico e


incluem vários grupos de hinos que têm uma forte unidade tradicional,

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por exemplo, o Hallel Egípcio (113-118), os quinze Cânticos dos Degraus
(120134),
e o grupo final (145-150). Outros, como 95-100 (os cânticos sabáticos de
alegria), estão obviamente relacionados uns com os outros como estão
também os Salmos 92-94 e 103-104. Moisés foi tradicionalmente associado
com os Salmos 90 e 91, e há um fundo histórico comum para Salmos como
105-107; 135-136. A sua ênfase sobre o êxodo é equilibrada por uma
reverência profunda pela Torá, como se expressa no Sl 119 de uma forma hábil
mas devota. Não é possível explicar como estes grupos de Salmos chegaram a
ser selecionados, coordenados e finalmente combinados numa grande coleção.
A poucos deles pode atribuir-se uma data definida; uns são de Davi, outros são
distintamente pós-exílicos. É absolutamente possível que muitos tenham sido
revistos através de séculos de uso litúrgico. (Nota: alguns "Salmos" aparecem
dispersos pelo Velho Testamento, como, por exemplo, Êx 15.1-21; Dt 32; Jn 2; Hc
3 e mesmo os oráculos de Balaão em Nm 23-24).

Outra questão sobre que há grande diferença de opiniões é até que ponto os
Salmos se conservam ainda na sua composição pessoal original e até que ponto
foram compostos para uso no culto público? Alguns Salmos são tão íntimos e
pessoais como o amor e a morte (por exemplo, 22; 51; 139), mas foram mais
tarde adaptados para uso nos serviços do templo. Um exemplo interessante
disto acha-se no fim do Sl 51. Muitos Salmos, porém, foram compostos, sem
dúvida, para uso em cultos coletivos (por exemplo, 67; 115), e alguns dos
poemas hebraicos mais antigos eram deste caráter, como os
Cânticos de Miriã e Débora (Êx 15.20 e seguinte e Jz 5). Deve notar-se também
que Salmos em que aparece o pronome "EU" podem não ter sido
originalmente pessoais. A sociedade hebraica encontrava-se de tal modo unida
que o indivíduo podia identificar-se com o grupo a que pertencia e o povo,
como um todo, podia ser considerado como uma personalidade coletiva. Eis
por que muitos Salmos, que parecem ser pessoais, podem entender-se como
expressões de uma comunidade unificada por alguma experiência geral e
falando por meio de uma pessoa representativa.

2.8. Uso litúrgico

A associação íntima do Saltério e do Pentateuco e a leitura contínua da Torá


fizeram, com o tempo, que certos Salmos se tornassem ligados a dias e
ocasiões particulares. O Sl 145 era usado em cada uma das três festividades
anuais (é provável que seja o hino referido em Mc 14.26); o Sl 130, com
a expectativa e o desejo intensos por perdão que o caracterizam, era usado no
dia da expiação; o Sl 135 era um hino habitualmente pascal. Os velhos
cânticos peregrinos (120-134) foram adotados para a festa dos tabernáculos e, no
tempo do templo de Herodes, eram habitualmente entoados por um coro de
levitas, de pé, nos quinze degraus que ligavam os dois pátios do templo.

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Pr. Mateus Duarte Página 36
Alguns eram tradicionalmente considerados sabáticos (por exemplo: 92-100), e
cada dia da semana tinha o seu Salmo habitual.

2.9. Interpretação

A interpretação dos Salmos depende do nosso conhecimento da condição da


crença religiosa e da revelação ao tempo da sua composição e da nossa
própria experiência de Deus em Cristo. Pensa-se muitas vezes que certas
passagens se referem à vida depois da morte (por exemplo, 16.10; 17.15;
49.16; 73.24,36; 118.17), e tanto quanto conhecermos o poder da ressurreição de
Cristo, podemos ler tais declarações à luz daquela verdade. O salmista não
conhecia tal certeza, embora compartilhasse com o profeta um discernimento
parcial de coisas maiores do que podia expressar em palavras. Certamente
que estas passagens não se encontravam vazias de esperança quando
primeiramente foram enunciadas, mas a qualidade dessa "certeza" é que era
variável. Constituía principalmente uma inferência da experiência pessoal
do autor com Deus e a sua percepção de um propósito divino correndo através
da História. Ele tinha fé suficiente para vislumbrar a promessa, embora
esta estivesse muito longínqua. As suas palavras podem incluir, muitas
vezes, a esperança de ser livrado de uma morte física imediata, mas não
podemos limitar a isso o seu significado.
O elemento de predição é mesmo mais forte na forma profética, mais geral, de
alguns Salmos. É verdade que cada predição tem de esperar pelo
cumprimento antes de poder ser completamente compreendida, mas
existe, de algum modo, desde a sua primeira expressão. Por exemplo, o Sl
16.8-11 é interpretado em At 2.25-32 e o Sl 2 é compreendido em At 4.26;
Hb 1.5; 5.5, de uma forma que esclarece e preenche completamente o que,
na maior parte, podia ter sido apenas parcial e esquemático na mente do
salmista. De fato, a origem da idéia pode ter para ele uma relação
secundária com a sua interpretação final. A revelação de Deus em Cristo é
o ponto central da história do mundo (Hb 9.26; Rm 8.19-22). Não é, pois,
surpreendente que, à medida que os séculos deslizam para o passado, tal
verdade eterna causasse em homens piedosos uma "advertência"
crescente de acontecimentos iminentes e relacionados. O Senhor escolheu Israel
para certo propósito. Do ponto de vista divino esse objetivo já estava cumprido
(1Pe 1.20; Ef 1.10) e a corrente da experiência humana, sob Deus, incluía
recursos que tornavam possível a sua revelação. Para um estudo dos vários
aspectos da esperança messiânica e do significado das referências dos Salmos.
(HEBERT, p. 39-69).

Em conclusão, devemos considerar o Saltério de um modo muito semelhante à


forma como encaramos uma catedral; não meramente como um agregado de
estilos arquitetônicos e sistemas decorativos constituídos pelo curso da história
numa unidade, mas como um lugar cujo propósito é servir de auxílio no culto a
Deus. Contudo, por mais interessantes que sejam os elementos de arquitetura

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Pr. Mateus Duarte Página 37
ou literários, ambos perderiam a razão essencial da sua existência se o
seu significado espiritual e função fossem ignorados ou rebaixados.

2.10. Contribuições para a Teologia Bíblica

Assim como as janelas e as esculturas das catedrais medievais, os salmos


eram quadros de fé bíblica para um povo que não possuía cópias das
Escrituras em casa e não podia lê-las. Representam um compêndio de fé
veterotestamentária. Resumos de histórias (e.g., Sl 78; 105-106; 136),
instruções sobre piedade (e.g., 1; 119), celebrações da criação (8; 19; 104),
reconhecimento do julgamento divino (37; 49; 73), garantias de seu
cuidado constante (103) e consciência de sua soberania sobre todas as nações (2;
110) foram instalados no centro da fé israelita com o apoio do Saltério.

Acima de tudo, os salmos eram declarações de relacionamento entre o povo e


seu Senhor. Pressupunham a aliança entre ambos e as implicações de
provisão, proteção e preservação dessa aliança. Seus cânticos de adoração;
confissões de pecado, protestos de inocência, queixas de sofrimento, pedidos de
livramento, garantias de ser ouvido, petições antes das batalhas e ação de
graças depois delas são, todos, expressões do relacionamento ímpar que
tinham com o único Deus verdadeiro.
Temor e intimidade combinavam-se no entendimento que os israelitas tinham
desse relacionamento. Eles temiam o poder e a glória de Deus, sua majestade
e soberania. Ao mesmo tempo, protestavam diante dele, discutindo suas
decisões e pedindo sua intervenção. Eles o reverenciavam como Senhor e o
reconheciam como Pai.

Esse senso de relacionamento especial é o que melhor explica os salmos que


amaldiçoam os inimigos de Israel. A aliança era tão estreita que qualquer
inimigo de Israel era um inimigo de Deus e vice-versa. E mais, o
relacionamento de Israel com Deus era expresso num ódio feroz contra o mal,
exigindo um julgamento tão severo quanto o crime (109; 137.7-9). Mesmo essa
exigência de julgamento era um produto da aliança, uma convicção de que o
Senhor justo protegeria seu povo e puniria os que desdenhassem seu culto ou
sua lei. Ao que parece, o julgamento ocorreria durante a vida do perverso. “O
ensino de Jesus sobre o amor para com os inimigos (Mt 5.43-48) pode fazer com
que os cristãos tenham dificuldades em usá-los como oração, mas os
cristãos não devem perder o ódio pelo pecado nem o zelo pela santidade de
Deus que os originaram”. (LEWIS, 1958, p. 20).

G. von Rad dá o seguinte subtítulo à seção de sua Teologia do Antigo


Testamento sobre a literatura de sabedoria: "A Resposta de Israel". (1965, p.
355).

Os salmos são de fato respostas dos sacerdotes e do povo diante dos atos de
livramento e de revelação de Deus na história deles. São revelação e também

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Pr. Mateus Duarte Página 38
resposta. Por meio deles aprende-se o que a salvação divina em sua variada
plenitude significa para o povo de Deus, bem como o nível de adoração e a
amplitude da obediência a que devem almejar. Não é de surpreender que
Salmos, juntamente com Isaías, tenha sido o livro mais citado por Jesus e
seus apóstolos. Os cristãos primitivos, como seus antepassados judeus,
ouviram a palavra de Deus nesses hinos, queixas e instruções e fizeram deles o
fundamento da vida e do culto. (LASOR, 1999,
p. 484).

2.11. Pontos Salientes

A. O louvor a Deus

Sl 9.1,2 “Eu te louvarei, SENHOR, de todo o meu coração; contarei todas as tuas
maravilhas. Em ti me alegrarei e saltarei de prazer; cantarei louvores ao teu
nome, ó Altíssimo.”

2.11.1. A importância do louvor

O Antigo Testamento emprega três palavras básicas para conclamar os israelitas


a louvarem a Deus: a palavra barak (também traduzida “bendizer”); a palavra
balal (da qual deriva a palavra “aleluia”, que literalmente significa
“louvai ao Senhor”); e a palavra yadah (às vezes traduzida por “dar graças”).

O primeiro cântico na Bíblia, entoado depois de os israelitas atravessarem


o mar Vermelho, foi, em síntese, um hino de louvor e ação de graças a Deus (Êx
15.2). Moisés instruiu os israelitas a louvarem a Deus pela sua bondade
em conceder-lhes a terra prometida (Dt 8.10). O cântico de Débora, por sua vez,
congregou o povo expressamente para louvar ao Senhor (Jz 5.9). A disposição
de Davi em louvar a Deus está gravada, tanto na história da sua vida
(2Sm
22.4,47,50; 1Cr 16.4 ,9, 25, 35, 36; 29.20), como nos salmos que escreveu
(9.1,2; 18.3; 22.23; 52.9; 108.1, 3; 145). Os demais salmistas também
convocam o povo de Deus a, enquanto viver, sempre louvá-lo (33.1,2; 47.6,7;
75.9; 96.1-4; 100; 150). Finalmente, os profetas do Antigo Testamento ordenam
que o povo de Deus o louve (Is 42.10,12; Jr 20.13; Sl 12.1; 25.1; Jr 33.9; Jl
2.26; Hc 3.3).

O chamado para louvar a Deus também ecoa por todo o Novo Testamento. O
próprio Jesus louvou a seu Pai celestial (Mt 11.25; Lc 10.21). Paulo espera que
todas as nações louvem a Deus (Rm 15.9-11; Ef 1.3,6,12) e Tiago nos
conclama a louvar ao Senhor (Tg 3.9; 5.13). E, no fim, o quadro vislumbrado no
Apocalipse é o de uma vasta multidão de santos e anjos, louvando a
Deus continuamente (Ap 4.9-11; 5.8-14; 7.9-12; 11.16-18).

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Louvar a Deus é uma das atribuições principais dos anjos (103.20; 148.2) e é
privilégio do povo de Deus, tanto crianças (Mt 21.16; ver Sl 8.2), como adultos
(30.4; 135.1,2,19-21). Além disso, Deus também conclama todas as nações a
louvá-lo (67.3-5; 117.1; 148.11-13; Is 42.10-12; Rm 15.11). Isto quer dizer que tudo
quanto tem fôlego está convocado a entoar bem alto os louvores de Deus
(150.6). E, se tanto não bastasse, Deus também conclama a natureza
inanimada a louvá-lo — como, por exemplo, o sol, a lua e as estrelas (148.3,4; cf.
Sl 19.1,2); os raios, o granizo, a neve e o vento (148.8); as montanhas,
colinas, rios e mares (98.7,8; 148.9; Is 44.23); todos os tipos de árvores (148.9;
Is 55.12) e todos os tipos de seres vivos (69.34; 148.10).

2.11.2. Métodos de louvor

O louvor é algo fundamental na adoração coletiva prestada pelo povo de Deus


(100.4). Tanto na adoração coletiva como noutros casos, uma maneira de
louvar a Deus é cantar salmos, hinos e cânticos espirituais (96.1-4; 147.1; Ef
5.19,20; Cl 3.16,17). O cântico de louvor pode ser com a mente (i.e., em
idiomas humanos conhecidos) ou com o espírito (i.e., em línguas; 1Co 14.14-
16).

O louvor mediante instrumentos musicais. Neste particular o Antigo


Testamento menciona instrumentos variados, de sopro, como chifre de carneiro
e trombetas (1Cr 15.28; Sl 150.3), flauta (1Sm 10.5; Sl 150.4); instrumentos de
cordas, como harpa e lira (1Cr 13.8; Sl 149.3; 150.3), e instrumentos de
percussão, como tamborins e címbalos (Êx 15.20; Sl 150.4,5).

Podemos, também, louvar a Deus, ao falar ao nosso próximo das maravilhas de


Deus para conosco, pessoalmente. Davi, por exemplo, depois da
experiência do perdão divino, estava ansioso para relatar aos outros, o que o
Senhor fizera por ele (51.12,13,15). Outros escritores bíblicos nos exortam a
declarar a glória e louvor de Deus, na congregação do seu povo (22.22-
25;
111.1; Hb 2.12) e entre as nações (18.49; 96.3,4; Is 42.10-12). Pedro conclama
o povo de Deus “para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Noutras palavras, a obra
missionária é um meio de louvar a Deus.

Finalmente, o crente que vive a sua vida para a glória de Deus está a louvar ao
Senhor. Jesus nos relembra que quando o crente faz brilhar a sua luz, o povo vê
as suas boas obras e glorifica e louva a Deus (Mt 5.16; Jo 15.8). De modo
semelhante, Paulo também mostra que uma vida cheia de frutos da
justiça louva a Deus (Fp 1.11).

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2.11.3. Motivos para louvar a Deus

Por que o povo louva ao Senhor? Uma das evidentes razões vem do
esplendor, glória e majestade do nosso Deus, aquele que criou os céus e
a terra (96.4-6; 145.3; 148.13), aquele a quem devemos exaltar na sua santidade
(99.3; Is 6.3). A nossa experiência dos atos poderosos de Deus, especialmente
dos seus atos de salvação e de redenção, é uma razão extraordinária para
louvarmos ao seu nome (96.1-3; 106.1,2; 148.14; 150.2; Lc 1.68-75; 2.14, 20); deste
modo, louvamos a Deus pela sua misericórdia, graça e amor imutáveis (57.9, 10;
89.1,2; 117; 145.8-10; Ef 1.6).

Também devemos louvar a Deus por todos os seus atos de livramento


em nossa vida, tais como livramento de inimigos ou cura de enfermidades (9.1-
5;
40.1-3; 59.16; 124; Jr 20.13; Lc 13.13; At 3.7-9).

Finalmente, o cuidado providente de Deus para conosco, dia após dia,


tanto material como espiritualmente, é uma grandiosa razão para
louvarmos e bendizermos o seu nome (68.19; 103; 147; Is 63.7).

B. A esperança do crente segundo a Bíblia

Sl 33.18,19 “Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que o temem, sobre os
que esperam na sua misericórdia, para livrar a sua alma da morte e para
conservá-los vivos na fome.”
2.11.4. A esperança bíblica do crente

A esperança, pela sua própria natureza, diz respeito ao futuro (cf. Rm 8.24,25).
Porém, ela abrange muito mais do que uma simples vontade ou anseio
por algo futuro. Esta esperança consiste numa certeza na alma, i.e., uma
firme confiança sobre as coisas futuras, porque tais coisas decorrem da
revelação e das promessas de Deus. Noutras palavras, a esperança bíblica do
crente está intimamente vinculada a uma fé firme (Rm 15.13; Hb 11.1) e a
uma sólida confiança em Deus (Sl 33.21,22). O salmista expressa
claramente este fato mediante um paralelo entre “confiança” e “esperança”:
“Não confieis em príncipes nem em filhos de homens, em quem não há
salvação. Bem- aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio e
cuja esperança está posta no SENHOR, seu Deus” (Sl 146.3,5; cf. Jr 17.7). Por
conseguinte, a esperança firme do crente é uma esperança que “não traz
confusão” (Rm 5.5; cf. Sl 22.4,5; Is 49.23); a esperança, portanto, é uma
âncora para o crente através da vida (Hb 6.19,20).

2.11.5. A base da esperança do crente

As Escrituras revelam como Deus sempre foi fiel, no passado, ao seu povo. O
Salmo 22, por exemplo, revela a luta de Davi numa situação pessoal

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crítica, que ameaça a sua vida. Todavia, ao meditar nos feitos de Deus no
passado ele confia que Deus o livrará: “Em ti confiaram nossos pais;
confiaram, e tu os livraste” (22.4). O poder maravilhoso que o Deus
Criador já manifestou em favor do seu povo está exemplificado no êxodo, na
conquista de Canaã, nos milagres de Jesus e dos apóstolos, e em casos
semelhantes, os quais edificam
a nossa confiança no Senhor como nosso Ajudador (105; 124.8; Hb 13.6; Êx
6.7). Por outro lado, aqueles que não conhecem a Deus não têm em que se
firmar para terem esperança (Ef 2.12; 1Ts 4.13).

A plenitude da revelação do novo concerto em Jesus Cristo acresce mais


uma razão para a esperança inabalável em Deus. Para o crente, o Filho de Deus
veio para destruir as obras do diabo (1Jo 3.8), que é o “deus deste século” (2Co
4.4; cf.
Gl 1.4; Hb 2.14; 1Jo 5.19). Jesus, ao expulsar demônios durante o seu ministério
terreno, demonstrou seu poder sobre Satanás. Além disso, pela sua morte
e ressurreição, Ele esmagou o poder de Satanás (cf. Jo 12.31) e demonstrou o
poder do reino de Deus. Não é de se estranhar, portanto, o que Pedro exclama a
respeito da nossa esperança: “Bendito seja
o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande
misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de
Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3). Jesus é, pois, chamado nossa
esperança (Cl 1.27; 1Tm 1.1); devemos depositar nEle a nossa esperança,
mediante o poder do Espírito Santo (Rm 15.12,13; cf. 1Pe 1.13; Êx 17.11).

A Palavra de Deus é a terceira base da esperança. Deus revelou sua Palavra


através dos profetas e apóstolos no passado; Ele os inspirou pelo Espírito
Santo para escreverem isentos de erros (2Tm 3.16; 2Pe 1.19-21). Pelo fato de que
sua eterna Palavra permanece firme nos céus (Sl 119.89), podemos depositar
nossa esperança nessa Palavra (Sl 119.49, 74, 81, 114, 147; 130.5;
cf. At 26.6; Rm 15.4). De fato, tudo quanto sabemos a respeito de Deus e de
Jesus Cristo vem da revelação infalível das Sagradas Escrituras.

2.11.6. A suma esperança do crente

A suprema esperança e confiança do crente não deve estar em seres humanos


(Sl 33.16,17; 147.10,11), nem em bens materiais, nem em dinheiro (Sl 20.7; Mt
6.19-21; Lc 12.13-21; 1Tm 6.17; Nm 18.20), antes deve estar em Deus, no seu
Filho Jesus e na sua Palavra. E em que consiste esta esperança? Temos
esperança na graça de Deus e no livramento que Ele nos oferece, nas
tribulações desta vida presente (Sl 33.18,19; 42.1-5; 71.1-5,1314; Jr 17.17,18).

Temos esperança de que chegará o dia em que nossas tribulações cessarão aqui
na terra, quando esta não estará mais sujeita à corrupção, e terá lugar a
redenção (ressurreição) do nosso corpo (Rm 8.18-25; cf. Sl 16.9,10; 2Pe 3.12;

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At 24.15).

Temos esperança da consumação da nossa salvação (1Ts 5.8).

Temos a esperança de uma casa eterna nos novos céus (2Co 5.1-5; 2Pe 3.13; Jo
14.2), naquela cidade cujo arquiteto e edificador é Deus (Hb 11.10).

Temos a bendita esperança da vinda gloriosa do nosso grande Deus e


Salvador, Jesus Cristo (Tt 2.13), quando, então, os crentes serão arrebatados da
terra, para o encontro com Ele nos ares (1Ts 4.13-18), e, quando, então, nós o
veremos como Ele é e nos tornaremos semelhantes a Ele (Fp 3.20,21;
1Jo 3.2,3).

Temos a esperança de receber a coroa da justiça (2Tm 4.8), de glória (1Pe 5.4)
e da vida (Ap 2.10). Finalmente, temos a esperança da vida eterna (Tt 1.2; 3.7);
da vida garantida a todos que confiam no Senhor Jesus Cristo e o obedecem (Jo
3.16,36; 6.47; 1Jo 5.11-13). Com promessas tão grandes reservadas àqueles
que esperam em Deus e no seu Filho Jesus, Pedro nos conclama: “estai
sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que
vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15).

C. Os Atributos de Deus

Sl 139.7,8 “Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face?
Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu
ali estás também.”

A Bíblia não procura comprovar que Deus existe. Em vez disso, ela declara a
sua existência e apresenta numerosos atributos seus. Muitos desses atributos
são exclusivos dEle, como Deus; outros existem em parte no ser humano, pelo
fato de ter sido criado à imagem de Deus.

2.11.7. Atributos exclusivos de Deus

Deus é onipresente — i.e., Ele está presente em todos os lugares a um só


tempo. O salmista afirma que, não importa para onde formos Deus está ali (Sl
139.7-12; cf. Jr 23.23,24; At 17.27,28); Deus observa tudo quanto fazemos.

Deus é onisciente — i.e., Ele sabe todas as coisas (Sl 139.1-6; 147.5). Ele
conhece, não somente nosso procedimento, mas também nossos próprios
pensamentos (1Sm 16.7; 1Rs 8.39; Sl 44.21; Jr 17.9,10). Quando a Bíblia fala da
presciência de Deus (Is 42.9; At 2.23; 1Pe 1.2), significa que Ele conhece com
precisão a condição de todas as coisas e de todos os acontecimentos
exeqüíveis, reais, possíveis, futuros, passados ou predestinados (1Sm 23.10-
13; Jr 38.17-20). A presciência de Deus não subentende determinismo
filosófico. Deus é plenamente soberano para tomar decisões e alterar seus

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Pr. Mateus Duarte Página 43
propósitos no tempo e na história, segundo sua própria vontade e sabedoria.
Noutras palavras, Deus não é limitado à sua própria presciência (Nm 14.1120;
2Rs 20.1-7).

Deus é onipotente — i.e., Ele é o Todo-poderoso e detém a autoridade total


sobre todas as coisas e sobre todas as criaturas (Sl 147.13-18; Jr 32.17; Mt
19.26; Lc 1.37). Isso não quer dizer, jamais, que Deus empregue todo o seu
poder e autoridade em todos os momentos. Por exemplo, Deus tem poder para
exterminar totalmente o pecado, mas optou por não fazer assim até o final da
história humana (1Jo 5.19). Em muitos casos, Deus limita o seu poder, quando
o emprega através do seu povo (2Co 12.7-10); em casos assim, o seu poder
depende do nosso grau de entrega e de submissão a Ele (Ef 3.20).

Deus é transcendente — Ele é diferente e independente da sua criação


(Êx
24.9-18; Is 6.1-3; 40.12-26; 55.8,9). Seu ser e sua existência são infinitamente
maiores e mais elevados do que a ordem por Ele criada (1Rs 8.27; Is 66.1,2; At
17.24,25). Ele subsiste de modo absolutamente perfeito e puro, muito além
daquilo que Ele criou. Ele mesmo é incriado e existe à parte da criação (1Tm
6.16). A transcendência de Deus não significa, porém, que Ele não possa estar
entre o seu povo como seu Deus (Lv 26.11,12; Ez 37.27; 43.7; 2Co 6.16).
Deus é eterno — i.e., Ele é de eternidade à eternidade (Sl 90.1,2; 102.12; Is
57.12). Nunca houve nem haverá um tempo, nem no passado nem no futuro,
em que Deus não existisse ou que não existirá; Ele não está limitado pelo
tempo humano (Sl 90.4; 2Pe 3.8), e é, portanto, melhor descrito como “EU
SOU” (Êx 3.14; Jo 8.58).

Deus é imutável — i.e., Ele é inalterável nos seus atributos, nas suas
perfeições e nos seus propósitos para a raça humana (Nm 23.19; Sl 102.2628;
Is 41.4; Ml 3.6; Hb 1.11,12; Tg 1.17). Isso não significa, porém, que Deus
nunca altere seus propósitos temporários ante o proceder humano. Ele pode,
por exemplo, alterar suas decisões de castigo por causa do
arrependimento sincero dos pecadores (Jn 3.6-10). Além disso, Ele é livre
para atender as necessidades do ser humano e às orações do seu povo.
Em vários casos a Bíblia fala de Deus mudando uma decisão como
resultado das orações
perseverantes dos justos (Nm 14.1-20; 2Rs 20.2-6; Is 38.2-6; Lc 18.1-8).

Deus é perfeito e santo — i.e., Ele é absolutamente isento de pecado e


perfeitamente justo (Lv 11.44,45; Sl 85.13; 145.17; Mt 5.48). Adão e Eva foram
criados sem pecado (cf. Gn 1.31), mas com a possibilidade de pecarem. Deus, no
entanto, não pode pecar (Nm 23.19; 2Tm 2.13; Tt 1.2; Hb 6.18). Sua
santidade inclui, também, sua dedicação à realização dos seus propósitos
e planos.

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Pr. Mateus Duarte Página 44
Deus é trino e uno — i.e., Ele é um só Deus (Dt 6.4; Is 45.21; 1Co 8.5,6; Ef 4.6;
1Tm 2.5), manifesto em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo (Mt 28.19;
2Co 13.14; 1Pe 1.2). Cada pessoa é plenamente divina, igual às duas outras;
mas não são três deuses, e sim um só Deus (Mt 3.17; Mc 1.11). Deus é
revelado nas Escrituras como um só Deus, existente como Pai, Filho e Espírito
Santo (cf. Mt 3.16,17; 28.19; Mc 1.9-11; 2Co 13.14; Ef 4.4-6; 1Pe 1.2; Jd
20,21). Esta é a doutrina da Trindade, expressando a verdade de que dentro da
essência una de Deus, subsistem três Pessoas distintas, compartilhando uma
só natureza divina comum. Assim, segundo as Escrituras, Deus é singular (i.e.,
uma unidade) num sentido, e plural (i.e., trina), noutro. As Escrituras declaram
que Deus é um só uma união perfeita de uma só natureza, substância e essência
(Dt 6.4; Mc 12.29; Gl 3.20). Das pessoas da deidade, nenhuma é
Deus sem as outras, e cada uma, juntamente com as outras, é Deus. O Deus
único existe numa pluralidade de três pessoas identificáveis, distintas; mas não
separadas. As três não são três deuses, nem três partes ou expressões de
Deus, mas são três pessoas tão perfeitamente unidas que constituem o único
Deus verdadeiro e eterno. O Filho e também o Espírito Santo possuem
atributos que somente Deus possui (Jo 20.28; 1.1,14; 5.18; 14.16; 16.8,13; Gn
1.2; Is 61.1; At 5.3,4; 1Co 2.10,11; Rm 8.2,26,27; 2Ts 2.13; Hb 9.14). Nem o
Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo, foram feitos ou criados em tempo
algum, mas cada um é igual ao outro em essência, atributos, poder e glória. O
Deus único, existente em três pessoas, torna possível desde toda a eternidade o
amor recíproco, a comunhão, o exercício dos atributos divinos, a mútua
comunhão no
conhecimento e o inter-relacionamento dentro da deidade (cf. Jo 10.15; 11.27;
17.24; 1Co 2.10).

2.11.8. Atributos morais de Deus

Muitas características do Deus único e verdadeiro, especialmente seus


atributos morais, têm certa similitude com as qualidades humanas; sendo,
porém, evidente que todos os seus atributos existem em grau
infinitamente superior aos humanos. Por exemplo, embora Deus e o ser
humano possuam a capacidade de amar, nenhum ser humano é capaz de amar
com o mesmo grau de intensidade como Deus ama. Além disso,
devemos ressaltar que a capacidade humana de ter essas características vem
do fato de sermos criados
à imagem de Deus (Gn 1.26,27); noutras palavras, temos a sua semelhança, mas
Ele não tem a nossa; i.e., Ele não é como nós.

Deus é bom (Sl 25.8; 106.1; Mc 10.18). Tudo quanto Deus criou originalmente
era bom, era uma extensão da sua própria natureza
(Gn1.4,10,12,18,21,25,31). Ele continua sendo bom para sua criação, ao sustentá-
la, para o bem de todas as suas criaturas (Sl 104.10-28; 145.9); Ele cuida até dos
ímpios (Mt 5.45; At 14.17). Deus é bom, principalmente para os seus, que
o invocam em verdade (Sl 145.18-20).

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Deus é amor (1Jo 4.8). Seu amor é altruísta, pois abraça o mundo inteiro,
composto de humanidade pecadora (Jo 3.16; Rm 5.8). A manifestação principal
desse seu amor foi a de enviar seu único Filho, Jesus, para morrer em lugar dos
pecadores (1Jo 4.9,10). Além disso, Deus tem amor paternal especial
àqueles que estão reconciliados com Ele por meio de Jesus (Jo 16.27).

Deus é misericordioso e clemente (Êx 34.6; Dt 4.31; 2Cr 30.9; Sl 103.8; 145.8;
Jl 2.13); Ele não extermina o ser humano conforme merecemos devido aos
nossos pecados (Sl 103.10), mas nos outorga o seu perdão como dom gratuito
a ser recebido pela fé em Jesus Cristo.

Deus é compassivo (2Rs 13.23; Sl 86.15; 111.4). Ser compassivo significa


sentir tristeza pelo sofrimento doutra pessoa, com desejo de ajudar. Deus, por
sua compaixão pela humanidade, proveu-lhe perdão e salvação (cf. Sl 78.38).
Semelhantemente, Jesus, o Filho de Deus, demonstrou compaixão pelas
multidões ao pregar o evangelho aos pobres, proclamar libertação aos cativos,
dar vista aos cegos e pôr em liberdade os oprimidos (Lc 4.18; cf. Mt 9.36;
14.14; 15.32; 20.34; Mc 1.41; Mc 6.34).
Deus é paciente e lento em irar-se (Êx 34.6; Nm 14.18; Rm 2.4; 1Tm 1.16).
Deus expressou esta característica pela primeira vez no jardim do Éden após
o pecado de Adão e Eva, quando deixou de destruir a raça humana conforme
era seu direito (cf. Gn 2.16,17). Deus também foi paciente nos dias de
Noé, enquanto a arca estava sendo construída (1Pe 3.20). E Deus
continua demonstrando paciência com a raça humana pecadora; Ele não julga
na devida ocasião, pois destruiria os pecadores, mas na sua paciência concede a
todos a oportunidade de se arrependerem e serem salvos (2Pe 3.9).

Deus é a verdade (Dt 32.4; Sl 31.5; Is 65.16; Jo 3.33). Jesus chamou-se a si mesmo
“a verdade” (Jo 14.6), e o Espírito é chamado o “Espírito da verdade” (Jo 14.17;
cf. 1Jo 5.6). Porque Deus é absolutamente fidedigno e verdadeiro em tudo
quanto diz e faz, a sua Palavra também é chamada a verdade (2Sm
7.28; Sl 119.43; Is 45.19; Jo 17.17). Em harmonia com este fato, a Bíblia deixa
claro que Deus não tolera a mentira nem falsidade alguma (Nm 23.19; Tt 1.2; Hb
6.18).

Deus é fiel (Êx 34.6; Dt 7.9; Is 49.7; Lm 3.23; Hb 10.23). Deus fará aquilo que Ele
tem revelado na sua Palavra; Ele cumprirá tanto as suas promessas,
quanto as suas advertências (Nm 14.32-35; 2Sm 7.28; Jó 34.12; At
13.23,32,33; 2Tm 2.13). A fidelidade de Deus é de consolo inexprimível para
o crente, e grande medo de condenação para todos aqueles que não se
arrependerem nem crerem no Senhor Jesus (Hb 6.4-8; 10.26-31).

Finalmente, Deus é justo (Dt 32.4; 1Jo 1.9). Ser justo significa que Deus
mantém a ordem moral do universo, é reto e sem pecado na sua maneira de

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Pr. Mateus Duarte Página 46
tratar a humanidade (Ne 9.33; Dn 9.14). A decisão de Deus de castigar com a
morte os pecadores (Rm 5.12), procede da sua justiça (Rm 6.23; cf. Gn
2.16,17); sua ira contra o pecado decorre do seu amor à justiça (Rm 3.5,6; ver
Jz 10.7 ). Ele revela a sua ira contra todas as formas da iniqüidade (Rm 1.18),
principalmente a idolatria (1Rs 14.9,15,22), a incredulidade (Sl 78.21,22; Jn
3.36) e o tratamento injusto com o próximo (Is 10.1-4; Am 2.6,7). Jesus Cristo,
que é chamado o “Justo” (At 7.52; 22.14; cf. At 3.14), também ama a justiça e
abomina o mal (Mc 3.5; Rm 1.18; Hb 1.9). Note que a justiça de Deus não se
opõe ao seu amor. Pelo contrário, foi para satisfazer a sua justiça que Ele
enviou Jesus a este mundo, como sua dádiva de amor (Jo 3.16; 1Jo 4.9,10) e
como seu sacrifício pelo pecado em lugar do ser humano (Is 53.5,6; Rm 4.25;
1Pe 3.18), a fim de nos reconciliar consigo mesmo (2Co 5.18-21). A revelação
final que Deus fez de si mesmo está em Jesus Cristo (Jo 1.18; Hb 1.1-4);
noutras palavras, se quisermos entender completamente a pessoa de Deus,
devemos olhar para Cristo, porque nEle habita toda a plenitude da divindade
(Cl 2.9).

O Livro de Provérbios

3.1. Esboço do Livro

I. Prólogo: Propósito e Temas de Provérbios (1.1-7)

II. Treze Discursos à Juventude sobre a Sabedoria (1.8—9.18) A. Obedece a Teus


Pais e Segue Seus Conselhos (1.8,9)
B. Recuse Todas as Tentações dos Incrédulos (1.10-19)

C. Submeta-se à Sabedoria e ao Temor do Senhor (1.20-33)


D. Busque a Sabedoria e Seu Discernimento e Virtude (2.1-22)

E. Características e Benefícios da Verdadeira Sabedoria (3.1-35) F. A Sabedoria


Como Tesouro da Família (4.1—13, 20-27)
G. A Sabedoria e os Dois Caminhos da Vida (4.14-19) H. A Tentação e Loucura
da Impureza Sexual (5.1-14)
I. Exortação à Fidelidade Conjugal (5.15-23)

J. Evite Ser Fiador, Preguiçoso e Enganador (6.1-19)

K. A Loucura Inominável da Impureza Sexual sob Qualquer Pretexto


(6.20—7.27)

L. O Convite da Sabedoria (8.1-36)

M. Contraste entre a Sabedoria e a Insensatez (9.1-18)

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III. A Compilação Principal dos Provérbios de Salomão (10.1—22.16)

A. Provérbios Contrastantes sobre o Justo e o Ímpio (10.1—15.33) B. Provérbios


de Incentivo à Vida de Retidão (16.1—22.16)
Outros Provérbios dos Sábios (22.17—24. 34)
Provérbios de Salomão Registrados pelos Homens de Ezequias
(25.1— 29.27)

A. Provérbios sobre Vários Tipos de Pessoas (25.1—26.28)

B. Provérbios sobre Vários Tipos de Procedimentos (27.1—29.27) VI. Palavras


Finais de Sabedoria (30.1—31.31)
A. De Agur (30.1-33) B. De Lemuel (31.1-9)
C. Acerca da Esposa Sábia (31.10-31)

3.2. Preliminares

O livro de Provérbios é uma antologia inspirada de sabedoria hebraica.


Esta sabedoria, no entanto, não é meramente intelectual ou
secular. É principalmente a aplicação dos princípios da fé revelada às
tarefas da vida diária. Nos Salmos temos o hinário dos hebreus; em Provérbios
temos o seu manual para a justiça diária. Neste último encontramos orientações
práticas e éticas para a religião pura e sem mácula. Jones e Walls dizem: "Os
provérbios nesse livro não são tanto ditos populares como a essência da
sabedoria de mestres que conheciam a lei de Deus e estavam aplicando os seus
princípios à vida na sua totalidade (...) São palavras de recomendação ao
homem que está na jornada e que busca trilhar o caminho da santidade" (1953,
p. 516).

O Antigo Testamento hebraico era em regra dividido em três partes: a Lei, os


Profetas e os Escritos (confronte Lc 24.44). Na terceira parte estavam os livros
poéticos e sapienciais, a saber: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes etc.
Semelhantemente, o Israel antigo tinha três categorias de ministros:
os sacerdotes, os profetas e os sábios. Estes últimos eram especialmente dotados
de sabedoria e conselho divinos a respeito de princípios e práticas da vida.

O livro de Provérbios representa a sabedoria inspirada dos sábios. A palavra


hebraica mashal, traduzida por “provérbio”, tem os sentidos de “oráculo”,
“parábola”, ou “máxima sábia”. Por isso, há declarações longas no livro de
Provérbios (por exemplo, 1.20-33; 2.1-22; 5.1-14), mas há também as concisas,
mas ricas de sentido e sabedoria, para se viver de modo prudente e justo. O
conteúdo de Provérbios representa uma forma de ensino comum no Oriente

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Pr. Mateus Duarte Página 48
Próximo antigo, mas no caso deste livro, sua sabedoria é diferente porque veio
da parte de Deus, com seus padrões justos para o povo do seu concerto.

O ensino mediante provérbios era popular naqueles antigos tempos, em virtude


da sua grande clareza e facilidade de memorização e transmissão de geração em
geração.

Assim como Davi é o manancial da tradição salmódica em Israel, Salomão é


o manancial da tradição sapiencial em Israel (ver Pv 1.1; 10.1; 25.1). Conforme
1Rs 4.32, Salomão produziu 3.000 provérbios e 1.005 cânticos. Outros autores
mencionados por nome em Provérbios são Agur (Pv 30.1-33) e o rei Lemuel (Pv
31.1-9), ambos desconhecidos.

3.3. Autoria

O título geral é "Provérbios de Salomão, filho de Davi". Em diversos pontos do


livro, entretanto, ocorrem rubricas que denotam a autoria de diferentes seções.
Assim, há seções atribuídas a Salomão em 10.1 e aos "sábios", em
22.17 e 24.23. Em 25.1 existe uma interessante rubrica: "provérbios de
Salomão, os quais transcreveram os homens de Ezequias, rei de Judá"; o
capítulo 30 é introduzido como: "palavras de Agur, filho de Jaque"; e o capítulo
31 com os seguintes termos: "palavras do rei Lemuel", ou melhor, de sua mãe.

Os rabinos diziam: "Ezequias e seus homens escreveram Isaías, Provérbios,


Cantares e Eclesiastes" (Baba Bathra 15a); em outras palavras, editaram ou
publicaram esses livros. No que tange ao livro de Provérbios é duvidoso que
essa declaração rabínica esteja baseada em outra coisa além da rubrica de
25.1.

O ceticismo que desde o século 1 tem reduzido ao mínimo o elemento


salomônico, atualmente parece estar desaparecendo. Quanto a uma revisão de
algum criticismo moderno sobre Provérbios. Anteriormente, a literatura de
Sabedoria, como um todo, era geralmente atribuída a uma data pós-
exílica. Agora o devido reconhecimento está sendo dado à poesia de Sabedoria,
não apenas nos escritos proféticos, mas também nos escritos pré-proféticos (cf.
Jz
9.8 e segs.). Por exemplo, escreve W. Baumgartner: "Portanto, visto que não
pode ter surgido simplesmente como sucessor da Lei e da Profecia, em tempos
pós-exílicos, uma data tão posterior exige cuidadoso reexame" (editado por H.
H. Rowley, 1951, p. 211). O resultado desse reexame, por parte de
eruditos críticos, tem levado, geralmente falando, a uma conceituação mais
séria sobre as rubricas. Consideremos os autores nomeados nessas rubricas.

3.3.1. Salomão

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Pr. Mateus Duarte Página 49
No livro de Provérbios, a sabedoria não é simplesmente intelectual, mas
envolve o homem inteiro; e dessa sabedoria Salomão, no zênite de sua fama, e
a materialização. Ele amava ao Senhor (1Rs 3.3); ele orou pedindo um coração
entendido pala discernir entre o bem e o mal (1Rs 3.9,12); sua sabedoria foi-lhe
proporcionada por Deus (1Rs 4.29), e era acompanhada por profunda
humildade (1Rs 3.7); foi testada em questões práticas, tais como administração
justa (1Rs 3.16-28) e diplomacia (1Rs 5.12). Sua sabedoria tornou-se famosa no
oriente (1Rs 4.30 e segs.; 10.1-13); ele compôs provérbios e cânticos (1Rs
4.32) e respondeu "enigmas" (1Rs 10.1); e muito de sua coletânea de fatos foi
tirado da natureza (1Rs 4.33).

Consideramos que as coleções em Pv 10--22.13 e 25--29


vieram substancialmente dele. Existem, naturalmente, outros
elementos salomônicos em outras porções do livro. Mas mesmo assim,
essas coleções podem ser apenas uma seleção inspirada dentre sua sabedoria,
pois não existem cerca de
3.000 provérbios em todo o livro de Provérbios (cf. 1Rs 4.32).

A tradição hebraica atribuiu o livro de Provérbios a Salomão assim como


atribuiu o de Salmos a Davi. Israel considerava o rei Salomão o seu sábio por
excelência. E há justificativas suficientes para esse reconhecimento. O reinado
de quarenta anos de Salomão em Israel foi realmente brilhante. É evidente que
esses anos não deixaram de ter os seus defeitos. Os muitos casamentos de
Salomão não contam pontos a favor dele (1Rs 11.1-9). Na parte final do seu
reinado ele preparou o cenário para a dissolução do seu grande império (1Rs
12.10). Não obstante, ele realizou um ótimo reinado durante os anos
dourados de prosperidade e poder de Israel. A arqueologia é
testemunha das suas habilidades na arquitetura e engenharia, da sua
competência na administração e da sua capacidade como industrialista. O
historiador sacro de 1Reis nos conta que Salomão amou o Senhor (3.3); ele orou
pedindo a Deus um coração compreensivo (3.3-14); ele mostrou possuir
sabedoria em questões práticas da administração (3.16-28); a sua sabedoria
foi concedida por Deus (4.29); ele era conhecido por sua sabedoria superior
entre as nações vizinhas (4.29-
34); ele escreveu
3.000 provérbios e mais de mil hinos (4.32); e foi capaz de responder às
perguntas mais difíceis da rainha de Sabá (10.1-10). (MADALINE, 1956, p. 692).

3.3.2. Os sábios

As nações do oriente antigo tinham os seus "sábios", cujas funções iam desde
a política do estado até a educação. (Quanto ao Egito, cf., por exemplo, Gn
41.8; quanto a Edom, cf. Ob 8). Em Israel, onde era reconhecido que "o temor

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Pr. Mateus Duarte Página 50
do Senhor é o princípio da ciência", os "sábios" também ocupavam uma função
mais importante. Jr 18.18 demonstra que, no tempo daquele profeta, os sábios
estavam no mesmo nível com o profeta e com o sacerdote como órgão da
revelação de Deus. Porém, assim como os verdadeiros profetas tiveram de
entrar em luta com profetas e sacerdotes movidos por motivos indignos,
semelhantemente, muitos dos "sábios"
transigiram em sua função que era de declarar o "conselho de Jeová" (Is 29.14;
Jr 8.8-9).

Existem pelo menos duas coleções de "palavras dos sábios" no livro de


Provérbios; estas se encontram em 22.17-24.22 e em 24.23-34. Talvez que os
capítulos 1-9, que contêm uma exposição do alvo e do conteúdo do "conselho
dos sábios", venham da mesma origem. É virtualmente impossível datar essas
coleções. Provavelmente representam a sabedoria destilada de muitos
indivíduos que temiam a Deus e viveram dentro de um considerável período de
tempo. Porém muito desse material é de data antiga. E. J. Young sugere que
pode ser até pré-salomônico (op. cit., p. 302).

3.3.3. Os homens de Ezequias

Por 2Cr 29.25-30 aprendemos que Ezequias providenciou para restaurar a


ordem davídica no templo, bem como os instrumentos davídicos e os salmos de
Davi e de Asafe. Não há dúvida que um reavivamento de interesse na
sabedoria "clássica" de Salomão foi outra conseqüência dessa reforma, um
reavivamento motivado, não pelo amor às coisas antiquadas, mas pelo desejo
de explorar novamente a sabedoria de alguém que
havia amado supremamente a Jeová. E assim, a coleção salomônica dos
capítulos 25--29 foi editada e publicada. A. Bentzen (Introduction to the
Old Testament, Copenhague, 1949, Vol. II, p. 173) apresenta a interessante
sugestão que essa coleção até aquele tempo tinha sido preservada
exclusivamente em forma oral.

3.3.4. Agur, filho de Jaque

Não sabemos quem foi Agur. É possível que devêssemos traduzir a


palavra que aparece como "oráculo", em 30.1, como "de Massá". Massá era uma
tribo árabe que descendia de Abraão por meio de Ismael (Gn 25.14), e as
tribos orientais eram famosas por sua sabedoria (1Rs 4.30). Mas isso de modo
algum pode ser mantido com certeza.

3.3.5. Rei Lemuel

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Pr. Mateus Duarte Página 51
A mãe desse rei aparece como a originária da seção de 31.1-9, mas ela é
igualmente uma personagem desconhecida, embora também se possa traduzir
como "de Massá" a palavra que aqui surge como "profecia". Não precisamos
supor que ele tenha sido o autor do magnífico poema da Esposa Perfeita
(31.10-31), que forma um apêndice ao livro de Provérbios.

Sua identidade -Rei Lemuel -é desconhecida, sendo que alguns o consideram


um príncipe árabe, e outros um nome fictício usado por Salomão ao revelar os
conselhos de Bate-Seba.

3.4. Data

O que dissemos sobre as coleções individuais é bastante. Mas, quando foram


elas reunidas, formando um livro conforme o conhecemos agora? Embora
grande parte do livro de Provérbios tenha sua origem na época de Salomão, no
décimo século a.C., a conclusão da obra não pode ser datada antes de 700
a.C., aproximadamente duzentos e cinqüenta anos após o seu reinado. Uma
seção (25.1-29.27) contém a coleção de provérbios que os escribas de
Ezequias copiaram de obras anteriores de Salomão. Alguns estudiosos datam
a edição final de Provérbios ainda mais tarde, mas antes do período de
conclusão do Antigo Testamento -400 a.C. Outros ainda chegam a datar a
edição final no período intertestamental. Uma referência ao livro de Provérbios
no livro apócrifo de "Eclesiástico" ("A Sabedoria de Jesus Ben Sirach"), escrito
em torno de 180 a.C., indica que nessa época Provérbios era amplamente
aceito como parte da tradição religiosa e literária de Israel.

3.5. Definição e Forma literária

A palavra "provérbio", em nossos dias significa um ditado breve e


incisivo, expressando uma observação verdadeira e conhecida
concernente à experiência humana -por exemplo: "Deus ajuda quem cedo
madruga". Há diversas coletâneas de provérbios modernos publicadas nas
mais diversas línguas e culturas. Para o antigo hebreu, no entanto, a
palavra "provérbio" (mashal) tinha um significado muito mais amplo. Era
usada não somente para expressar uma máxima, mas para interpretar um
ensino ético da fé do povo de Israel. A palavra vem do verbo que significa
"ser como" ou "comparar". Por isso, no livro de Provérbios encontramos
uma série de símiles, contrastes e paralelismos. O paralelismo de duas linhas
é a forma predominante encontrada em Provérbios. Dentro dos limites desse
modo de expressão há uma variedade extraordinária. Existe o paralelismo
antitético (10.1), o paralelismo sinônimo (22.1) e o paralelismo
progressivo, ou sintético (11.22). Encontramos o paralelismo também em
outras partes das Escrituras do Antigo Testamento, especialmente em
Salmos.

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Pr. Mateus Duarte Página 52
Em algumas partes do Antigo Testamento o mashal tem ainda usos mais
amplos. Em Juízes é usado para descrever uma fábula (9.7-21) e como
designação de um enigma (14.12). Em 2 Samuel 12.1-6 e Ezequiel 17.2-10
refere-se a uma parábola ou alegoria. Em Jeremias 24.9 identifica um
provérbio. Em Isaías caracteriza um insulto (14.4) e em Miquéias um lamento
(2.4).

O livro de Provérbios é escrito e estruturado em forma poética, sendo que os


ditos aparecem geralmente em parelhas de versos (dísticos). Muitas versões e
traduções modernas seguem o padrão poético do original hebraico. Não é
difícil perceber a estrutura das partes principais do livro. No entanto, o
conteúdo em cada uma dessas partes muitas vezes resiste a um arranjo bem-
organizado. Em muitos casos não há conexão lógica entre um provérbio e os
adjacentes.

3.6. Provérbios e o Restante da Literatura Sapiencial

A literatura sapiencial do Antigo Testamento inclui o livro de Jó, Eclesiastes e


Cântico dos Cânticos, além de Provérbios. Não se pode negar que essa
sabedoria hebréia teve seus antecedentes em culturas mais antigas e seus
paralelos com nações vizinhas. Israel estava situado na "encruzilhada cultural
do Crescente Fértil". (BERNHARD, 1957, p. 465). Salomão e Ezequias e os
sábios da sua época estavam sintonizados com a sua época e sem dúvida
estavam em contato com a literatura existente nos seus dias.

A arqueologia nos deu uma série de coleções do antigo Egito e da


Mesopotâmia. Duas dessas são particularmente significativas: "As palavras de
Ahiqar" e "A instrução de Amen-em-opet [Amenemope]". Em virtude
da semelhança de idéias e estrutura entre esses escritos e o livro de Provérbios,
eruditos críticos tendem a defender a opinião de que houve dependência direta
ou indireta dos hebreus dessa literatura sapiencial. Esses estudiosos chamam
atenção especial para as semelhanças entre Provérbios 22.17-23.14 e "A
instrução de Amen-em-opet (Amenemope)". (JOHN WILSON, 1950, 42124).
Fritsch nos lembra, no entanto, que "não podemos negligenciar a possibilidade
de que Provérbios 22.17-23.14 já existissem como unidade de texto muito
antes de sua incorporação nesse livro, e que na verdade esse texto pudesse ter
influenciado o escriba egípcio". (GEORGE, 1955, p. 769).

A erudição bíblica conservadora rejeita a idéia de que os autores hebreus


tenham dependido da literatura egípcia com base no fato de que há contrastes
como também semelhanças e certamente grandes diferenças teológicas.
Kitchen diz: "A discordância completa em relação à ordem dos tópicos e
as claras diferenças teológicas entre Provérbios 22.1-24.22 e
Amenemope impedem cópia direta em qualquer direção". (1960, p. 73). Edward
J. Young crê que o politeísmo de Amenemope teria causado repulsa ao hebreu

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Pr. Mateus Duarte Página 53
monoteísta e teria assim impedido a dependência da literatura egípcia por
parte do autor hebreu. (1950, p.3030-4).

3.7. Mensagem Relevante

A mensagem do livro de Provérbios é sempre relevante. Os seus ensinos


"cobrem todo o horizonte dos interesses práticos do cotidiano, tocando em cada
faceta da existência humana. O homem é ensinado a ser honesto,
diligente, autoconfiante, bom vizinho, cidadão ideal e modelo de marido e pai.
Acima de tudo, o sábio deve andar de forma reta e justa diante do Senhor".
(PURKISER, 1955, p. 255).

A sabedoria de Provérbios coloca Deus no centro da vida do homem. A


sabedoria expressa por Salomão no Antigo Testamento, teria a sua
revelação mais plena em Jesus Cristo nos dias da nova aliança. Disse Jesus: "A
Rainha do Sul se levantará no Dia do Juízo com esta geração e a condenará,
porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que
está aqui quem é mais do que Salomão" (Mt
12.42; Lc 11.31). Paulo falou de Cristo como a "sabedoria de Deus" (1Co 1.24; CI
2.3). Kidner diz que no livro de Provérbios a sabedoria "é centrada em
Deus, e mesmo quando é extrema-mente real e relacionada ao dia-a-dia
consiste da maneira inteligente
e sadia de conduzir a vida no mundo de Deus, em submissão à sua vontade"
(1964,

p. 13). Sabedoria é encontrar a graça de Deus e viver diariamente em


harmonia com os propósitos salvadores que Ele tem para nós.

3.8. Forma e conteúdo

A palavra traduzida "provérbio" (mashal) se deriva de uma raiz que


parece significar "representar" ou "assemelhar-se". Sua significação básica,
portanto, é uma comparação ou símile. Seu germe pode ser uma analogia
entre os mundos natural e espiritual (cf. 1Rs 4.33 e Pv 10.26). A mesma
palavra é apropriadamente traduzida como "parábola" em Ez 17.2. Esse
termo, entretanto, também denotava afirmações onde nenhuma analogia é
evidente e veio a designar um dito expressivo ou máxima (cf. 1Sm 10.12).

Porém, os provérbios deste livro não são tanto máximas populares como
a destilação da sabedoria de mestres que conheciam a lei de Deus e estavam
aplicando seus princípios a todos os aspectos da vida. O título do livro,
na Septuaginta -Paroimiai -que pode ser latinizado para obter dicta, dá uma boa
idéia de seu conteúdo. São palavras pelo caminho para os caminhantes que
estão buscando palmilhar pelo caminho da santidade.

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Pr. Mateus Duarte Página 54
O livro inteiro é composto em forma poética, geralmente aos pares. Os
capítulos 1--9 e 30--31 são discursos poéticos ligados e de alguma extensão. No
resto do livro os provérbios são em sua maioria, breves, como máximas
independentes, cada qual completa em si mesma.

3.9. O uso do livro de Provérbios

O Reitor Wheeler Robinson descreveu a sabedoria do Antigo Testamento como


"a disciplina pela qual era ensinada a aplicação da verdade profética à vida
individual, à luz da experiência" (Inspiration and Revelation in the old
Testament, p. 241). É isso que torna o livro perenemente relevante. Trata-se de
um livro de disciplina: toca em cada departamento da vida e demonstra que ela
é alvo do interesse direto de Deus. A sabedoria não consiste da contemplação
de princípios abstratos que governem o universo, mas de uma relação com
Deus em que um reverente conhecimento produz conduta consonante com
aquela relação, em situações concretas. O homem que rejeita isso é,
francamente, um insensato. E a sabedoria precisa dominar a vida inteira; não
apenas a devoção de um homem, mas também sua atitude para com sua
esposa, seus filhos, seu trabalho, seus métodos de negócio -e até mesmo suas
maneiras à mesa. Já foi admiravelmente dito que "Para os escritores de
Provérbios... religião significa um bem formado intelecto a empregar os
melhores meios de realizar as mais altas finalidades. A debilidade, a
superficialidade, os pontos de vista e os propósitos estreitos e contraídos,
encontram-se do outro lado" (W. T. Davison, The Wisdem Literature of the Old
Testament, p. 134).

Há ampla evidência que nosso Senhor, estando na terra, amava esse livro. De
vez em quando encontramos um eco de sua linguagem em Seu próprio ensino:
por exemplo, em Suas palavras acerca daqueles que procuram os
principais assentos (cf. Pv 25.6-7), ou à parábola dos homens sábio e insensato e
suas casas (cf. Pv 14.11), ou a parábola do rico insensato (cf. Pv 27.1). A
Nicodemos Ele revelou a resposta da pergunta apresentada por Agur, filho de
Jaque (cf. Pv 30.4 com Jo 3.13). E Ele relembra aqueles que, à semelhança dos
"insensatos" sem discriminação do livro de Provérbios, não reconhecem a Ele ou
à Sua mensagem de que "a sabedoria é justificada por seus filhos" (Mt
11.19).

Nosso Senhor, de fato, usou em Suas parábolas exatamente o método de


ensino encontrado no livro de Provérbios. O termo hebraico mashal é melhor
traduzido para o grego como parabolê, "parábola"; e a mesma palavra grega
pode traduzir o termo hebraico hidhah, "enigma" ou "adivinhação". Por isso, em
Mc 4.11 vemos que, para aqueles que não O reconhecem, tudo quanto está
ligado ao reino aparece na forma de enigmas, que ouvem mas não
podem interpretar.

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Pr. Mateus Duarte Página 55
Teria sido devido à companhia com nosso Senhor que Pedro derivou seu gosto
pelos provérbios? Seja como for, suas epístolas demonstram uma íntima
familiaridade com o livro de Provérbios (cf. 1Pe 2.17 com Pv 24.21; 1Pe 3.13 com
Pv 16.7; 1Pe 4.8 com Pv 10.12; 1Pe 4.18 com Pv 11.31; 2Pe
2.22 com Pv 26.11). Paulo também cita e reflete esse livro (cf., por exemplo,
Rm 12.20 com Pv 25.21 e segs.), e quando o apóstolo fala sobre "Cristo, poder de
Deus, e sabedoria de Deus" (1Co 1.24), Pv 8 lança um rico significado a
essas suas palavras. Hb 12.5 e segs. nos ordena que não nos esqueçamos da
"exortação que argumenta convosco como filhos", e que não desprezemos o
castigo do Senhor. A citação é tirada de Pv 3.11 e segs. E isso nos fornece um
quadro sobre a verdadeira natureza do livro de Provérbios -um estudo a
respeito da disciplina paternal de Deus.

As afirmações -como as parábolas de nosso Senhor -precisam ser ponderadas


para poderem ser plenamente apreciadas e provavelmente é melhor considerar
cada afirmação de Provérbios separadamente, lendo apenas algumas de cada
vez. "Um número de pequenos quadros, acumulados sobre as paredes de uma
grande galeria não podem receber muita atenção individual de um
visitante, especialmente se ele estiver fazendo uma visita apressada" (Davison,
op. cit.,
p. 126). Por outro lado, é importante relembrar que cada afirmação faz parte de
um corpo completo de ensinamento. Tirar um provérbio completamente fora de
suas relações para com o todo e buscar aplicá-lo a qualquer situação,
pode enganar muito.

3.10. Texto e versões

Há muitas dificuldades e pontos obscuros no texto hebraico, particularmente na


principal seção salomônica, como já era de esperar-se num documento tão
antigo. “Recentes descobertas filológicas, no entanto, nos advertem contra
correções apressadas. A Septuaginta nos fornece menos ajuda aqui que
em certos livros, visto que tem um caráter literário todo seu”.
(GERLEMANN,
1950).

3.11. Características Especiais

A sabedoria da parte de Deus não está primeiramente vinculada à inteligência


ou a grandes conhecimentos, e sim diretamente ao “temor do SENHOR” (1.7).
Daí, sábios são aqueles que andam com Deus e observam a sua Palavra. O
temor do Senhor é um tema freqüente através do livro de Provérbios (1.7, 29;
2.5; 3.7; 8.13; 9.10; 10.27; 14.26,27; 15.16, 33; 16.6; 19.23; 22.4; 23.17; 24.21).

Provérbios é o livro mais prático do Antigo Testamento, pois abrange


uma ampla área de princípios básicos de relacionamentos e

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Pr. Mateus Duarte Página 56
comportamentos corretos na vida cotidiana — princípios estes aplicáveis a
todas as gerações e culturas.

Sua sabedoria prática, seus preceitos santos, e seus princípios básicos para a
vida são expressos em declarações breves e convincentes, de fácil
memorização e recordação pela juventude como diretrizes para a vida.

A família ocupa um lugar de vital importância em Provérbios, assim como


ocupava no concerto entre Deus e Israel (confronte Êx 20.12, 14, 17; Dt 6.19).
Pecados que violam o propósito de Deus para a família são expostos
abertamente com a devida advertência contra eles.

Os destaques literários de Provérbios, a saber: o farto emprego de linguagem


expressiva e figurativa (por exemplo, Símiles e metáforas), paralelismos e
contrastes, preceitos concisos e repetições.

A esposa e mãe sábia, retratada no fim do livro (cap. 31) é incomparável na


literatura antiga, quanto à maneira elevada e nobre de abordar o assunto da
mulher.

As exortações sapienciais de Provérbios são os precursores do Antigo


Testamento às muitas exortações práticas das epístolas do Novo Testamento

3.12. Ponto Saliente

A. O Coração

Pv 4.23 “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele
procedem as saídas da vida.”

3.12.1. Definição de coração

O povo da atualidade geralmente considera que o cérebro é o centro diretor da


atividade humana. A Bíblia, no entanto, refere-se ao coração como esse centro;
“dele procedem as saídas da vida” (4.23; cf. Lc 6.45). Biblicamente, o coração
pode ser considerado como algo que abarca a totalidade do nosso intelecto,
emoção e volição (Mc 7.20-23).

O coração é o centro do intelecto. As pessoas sabem as coisas em seus


corações (Dt 8.5), oram no coração (1Sm 1.12,13), meditam no coração (Sl
19.14), escondem a Palavra de Deus no coração (Sl 119.11), maquinam males no
coração (Sl 140.2), guardam as palavras da sabedoria no coração (4.21),
pensam no coração (Mc 2.8), duvidam no coração (Mc 11.23), conferem as
coisas no coração (Lc 2.19), crêem no coração (Rm 10.9) e cantam no coração (Ef
5.19). Todas essas ações do coração são primordialmente fatos a envolver
a mente.

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Pr. Mateus Duarte Página 57
O coração é o centro das emoções. A Bíblia fala a respeito do coração alegre (Êx
4.14), do coração amoroso (Dt 6.5), do coração medroso (Js 5.1), do coração
corajoso (Sl 27.14), do coração arrependido (Sl 51.17), do coração ansioso (12.25),
do coração irado (19.3), do coração avivado (Is 57.15), do coração angustiado (Jr
4.19; Rm 9.2), do coração gozoso (Jr 15.16), do
coração pesaroso (Lm 2.18), do coração humilde (Mt 11.29), do coração ardente
pela Palavra do Senhor (Lc 24.32) e do coração perturbado (Jo 14.1). Todas essas
atitudes do coração são, antes de tudo, de natureza emocional.

Por fim, o coração é o centro da vontade humana. Lemos nas Escrituras


a respeito do coração endurecido que se recusa a fazer o que Deus ordena (Êx
4.21), do coração submisso a Deus (Js 24.23), do coração que decide fazer
algo para Deus (2Cr 6.7), do coração que se dedica a buscar o Senhor (1Cr
22.19), do coração que deseja receber as bênçãos do Senhor (Sl 21.1-3), do
coração inclinado aos estatutos de Deus (Sl 119.36) e do coração que deseja fazer
algo pelos outros (Rm 10.1). Todas essas atividades ocorrem na vontade
humana.

3.12.2. A natureza do coração distante de Deus

Quando Adão e Eva deram ouvidos à tentação da serpente para


que comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal, sua decisão afetou
horrivelmente o coração humano, o qual ficou repleto de maldade. Desde
então, segundo o testemunho de Jeremias: “Enganoso é o coração, mais do
que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Jesus
confirmou a descrição de Jeremias, quando disse que o que contamina
uma pessoa diante de Deus não é o descumprimento de uma lei cerimonial,
mas, sim, a obediência às inclinações malignas alojadas no coração tais como
“os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos,
a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a
soberba, a loucura” (Mc 7.21,22). Jesus expôs a gravidade do pecado no
coração ao declarar que o pecado da ira é igual ao assassinato (Mt 5.21,22), e
que o pecado da concupiscência é tão grave como o próprio adultério
(Mt
5.27,28; Êx 20.14; Mt 5.28).

Um coração entregue à prática da iniqüidade corre o grave risco de tornar-se


endurecido. Quem se recusa continuamente a ouvir a palavra de Deus e
a obedecer ao que Deus ordena e, em vez disso, segue os desejos pecaminosos
do seu coração, verá que, depois, Deus endurecerá seu coração de tal modo que
se tornará insensível para com a Palavra de Deus e os apelos do Espírito Santo
(Êx 7.3; Hb 3.8). O principal exemplo bíblico desse fato é o coração de Faraó, na
ocasião do êxodo (Êx 7.3, 13, 22-23; 8.15, 32; 9.12; 10.1; 11.10;
14.17).

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Pr. Mateus Duarte Página 58
Paulo viu o mesmo princípio geral em ação na sociedade ímpia da presente era
(Rm 1.24,26,28) e predisse que também ocorreria o mesmo fato nos dias do
anticristo (2Ts 2.11,12). O livro aos Hebreus contém muitas advertências
ao crente, no para que não endureça o seu coração (e.g., Hb 3.8-12). Todo aquele
que persistir na rejeição da Palavra de Deus, terá por fim um coração
endurecido.

3.12.3. O coração regenerado

A solução de Deus para o coração pecaminoso é a regeneração, que tem lugar


em todo aquele que se arrepende dos seus pecados, volta-se para Deus, e
pela fé aceita a Jesus como seu Salvador e Senhor pessoal.

A regeneração está ligada ao coração. Aquele que, de todo o coração, se


arrepende e confessa que Jesus é Senhor (Rm 10.9), nasce de novo e recebe da
parte de Deus um coração novo (Sl 51.10; Ez 11.19).

No coração daquele que experimenta o nascimento espiritual, Deus cria o


desejo de amá-lo e de obedecê-lo. Repetidas vezes, Deus realça diante do seu
povo a necessidade do amor que provém do coração (Dt 4.29; 6.6). Tal amor e
dedicação a Deus não podem estar separados da obediência à sua lei (Sl
119.34,69,112). Jesus ensinou que o amor a Deus, de todo o coração,
juntamente com o amor ao próximo, resume toda a lei de Deus (Mt 22.37-40).

O amor de todo o coração é o elemento essencial a uma vida de obediência.


Repetidas vezes, o povo de Deus, no passado, procurou substituir o verdadeiro
amor do coração pela observação de formalidades religiosas exteriores
(tais como festas, ofertas e sacrifícios; Is 1.10-17; Nm 5.21-26; Dt 10.12). A
observância exterior sem o desejo interior de servir a Deus é hipocrisia, e foi
severamente condenada por nosso Senhor (Mt 23.13-28; Lc 21.1-4).

Muitos outros fatos espirituais têm lugar no coração da pessoa regenerada. Ela
louva a Deus de todo o coração (Sl 9.1), medita no coração (Sl 19.14), clama a
Deus do coração (Sl 84.2), busca a Deus de todo o coração (Sl 119.2, 10),
oculta a Palavra de Deus no seu coração (Sl 119.11; Dt 6.6), confia no Senhor de
todo o coração (3.5), experimenta o amor de Deus derramado em seu
coração (Rm 5.5) e canta a Deus no seu coração (Ef 5.19; Cl 3.16).

O Livro de Eclesiastes

4.1. Esboço do Livro

Título (1.1)

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Pr. Mateus Duarte Página 59
I. Introdução: A Inutilidade Geral da Vida Natural (1.2-11) II. A Inutilidade de
uma Vida Egocêntrica (1.12-2.26)
A. A Insuficiência da Sabedoria e Filosofia Humanas (1.12-18) B. A Banalidade
dos Prazeres e Riquezas (2.1-11)
C. A Transitoriedade das Grandes Realizações (2.12-17)

D. Injustiça Associada ao Trabalho Esforçado (2.18-23)


E. Conclusão: O Real Prazer em Viver Está Somente em Deus (2.24-26)
III. Reflexões Diversas sobre as Experiências da Vida (3.1—11.6) A.
Concernentes às Coisas Criadas (3.1-22)
1. Há um Tempo para Tudo (3.1-8)
2. A Beleza da Criação (3.9-14)
3. Deus é o Juiz de Todos (3.15-22)

B. Experiências Vãs da Vida Natural (4.1-16)


1. Opressão (4.1-3)
2. Trabalho Competitivo (4.4-6)
3. Não Ter Amigos (4.7-12)
4. Rejeitar Conselhos (4.13-16)

C. Advertências a Todos (5.1—6.12)


1. Reverência na Presença do Senhor (5.1-7)
2. O Acúmulo de Bens (5.8-20)
3. Vida e Morte do Ser Humano (6.1-12)
D. Provérbios Diversos a Respeito da Sabedoria (7.1—8.1)

E. Sobre a Justiça (8.2—9.12)


1. Obediência ao Rei (8.2-8)
2. Transgressão e Castigo (8.9-13)
3. Justiça Verdadeira (8.14-17)
4. Justiça, Afinal, para Todos (9.1-7)
5. O Papel da Fé (9.8-12)

F. Mais Provérbios Variados sobre a Sabedoria (9.13—11.6) IV. Admoestações


Finais (11.7—12.14)
A. Regozijar-se na Juventude (11.7-10)

B. Lembrar-se de Deus na Juventude (12.1-8) C. Apegar-se a um só Livro (12.9-


12)
D. Temer a Deus e Guardar Seus Mandamentos (12.13,14)

4.2. Importância e Título

Poucos escritos bíblicos têm provocado gama tão grande de opiniões com
respeito ao significado como Eclesiastes. Tentar determinar o centro de

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Pr. Mateus Duarte Página 60
sua mensagem revela-se uma tortura e uma frustração, mas não deixa de
ser também importante. O livro nos apresenta uma caixa repleta de enigmas.
Cada vez que a abrimos temos de enfrentar de novo seu estilo, percorrer
seus argumentos, decodificar suas figuras. E ao fazer isso percebemos
Deus agindo, vemos nossos problemas humanos diminuídos, encontramos
alertas contra nossas soluções simplistas. Aguçamos nossos anseios por aquele
cuja cruz e ressurreição são janelas para a plenitude do que Deus deseja
para a vida humana.

O título hebraico “Koheleth” (derivado de kahal, “reunir-se”) significa


"Pregador" ou "alguém que se dirige à uma assembléia". O termo é usado
sete vezes nesse livro, mas não aparece em nenhum outro do Antigo
Testamento. Os tradutores gregos deram-lhe o nome de "Eclesiastes", que
significa "função de pregador". É um título bem apropriado, pois contém muitas
características de sermão, embora não principie por texto bíblico.

No versículo inicial de Eclesiastes, o autor se identifica como "pregador"


(koheleth). A palavra vem de uma raiz que significa "reunir", e, assim,
provavelmente indica alguém que reúne uma assembléia para ouvi-Io falar,
portanto, um orador ou pregador. A Septuaginta usou o termo grego
Ecclesiastes, que as traduções em inglês e português transpuseram como o
nome do livro. O termo designa "um membro da ecclesia, a assembléia dos
cidadãos na Grécia". Já no início da era cristã, ecclesia era o termo usado para se
referir à Igreja.

4.3. Autoria

Quem era Koheleth? A linguagem de 1.1 e a descrição do capítulo 2 parecem


indicar o rei Salomão. A autoria salomônica foi aceita tanto pela tradição
judaica como pela tradição cristã até épocas relativamente recentes. Martinho
Lutero parece ter sido o primeiro a negar isso, e provavelmente a maioria dos
estudiosos da Bíblia concordaria com ele. Purkiser escreveu:

No primeiro versículo, o livro é atribuído ao "filho de Davi, rei em


Jerusalém" [...] Entretanto, em 1.12 diz: "Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em
Jerusalém". Claramente, nunca houve época alguma na vida de Salomão
em que ele pudesse se referir ao seu reino no pretérito. Em 2.4-
11 também são descritos os feitos do reinado de Salomão como algo que
já era passado no tempo em que foi escrito.

Novamente, em 1.16 o autor diz: "e sobrepujei em sabedoria a todos os


que houve antes de mim, em Jerusalém". O mesmo pensamento se repete em
2.7. No caso de Salomão, apenas Davi precedeu Salomão como rei em
Jerusalém. Mais uma vez devemos lembrar que os judeus usavam o termo
"filho" para qualquer descendente; assim, Jesus também é descrito como o "filho
de Davi". (1947, p. 149-50).

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 61
Entre os estudiosos mais recentes e conservadores, Young escreve: "O autor do
livro foi alguém que viveu no período pós-exílico e colocou suas palavras na
boca de Salomão, assim empregando um artifício literário para transmitir sua
mensagem" (1950, p. 340). Hendry considera a autoria não-salomônica
uma questão tão fechada que ele não a discute em sua introdução. (1953, p. 338-
39). Aqueles que rejeitam a Salomão como o autor normalmente datam o livro
entre 400 e 200 a.C., alguns ainda mais tarde.

O argumento aparentemente mais forte contra a autoria salomônica é a


presença de palavras aramaicas no texto que não parecem ter sido usadas no
tempo de Salomão. Archer, entretanto, argumenta contra a validade dessa
evidência, declarando que "o livro de Eclesiastes não se encaixa em nenhum
período na história da língua hebraica [...] não existe no momento
nenhum fundamento concreto para datar esse livro com base em aspectos
lingüísticos (embora não seja mais estranho ao hebraico do século X do
que é para o hebraico do século V ou do século II). (MOODY PRESS, 1964,
p.465).

Por um lado, depois de Lutero ter negado a autoria salomônica, a maioria dos
eruditos da Bíblia negaram-na. Eis as principais razões:
(a) As condições históricas não parecem ser da época de Salomão. (b) O nome
de Salomão não aparece no livro, como no Livro de
Provérbios e Cantares.

(c) A linguagem, o uso das palavras e o estilo são supostamente pósexílio,


contendo muito do aramaico.

(d) A introdução refere-se à Salomão como a um herói, não como a um autor.

Por outro lado, muitos eruditos conservadores sustentam que Salomão foi
o autor pelas seguintes razões:

(a) As auto-identificações do autor indicam Salomão (1.1,12; 2.7,9; 12.9). Caso


Salomão não fosse seu autor, a falsa personificação do mais sábio de todos os
homens sábios teria sido descoberta há muito tempo pelos rabinos de Israel, e
esses não permitiriam a inclusão do livro no Cânon.

(b) O autor identifica-se como aquele que reuniu e organizou muitos


provérbios (12.9; comparar com 1Rs 4.32).

(c) A tradição judaica atribuiu o livro à Salomão. As experiências, argumentos


e conclusões apresentados requerem um autor como Salomão, pessoa de grande
sabedoria, riqueza, fama, sucesso nos negócios e paixão por mulheres. Não
houve ninguém tão maravilhosamente bem-dotado para

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 62
a tarefa de pesquisar e escrever esse livro como Salomão.

4.4. Interpretação

Como devemos interpretar a mensagem deste livro? O leitor logo


fica impressionado por pontos de vista evidentemente contraditórios. Uma
teoria persistente defende que o livro é um diálogo com perspectivas
contraditórias apresentadas por personagens diferentes. Se este ponto de vista
for aceito, a expressão freqüentemente repetida "vaidade de vaidades" seria o
veredicto do autor num panorama que se restringe apenas ao mundo
presente. Outra abordagem favorita tem sido associar a perspectiva
consistentemente pessimista ao autor inicial e explicar pontos de vista
contraditórios como inserções de autores posteriores que tentaram corrigir
afirmações exageradas com o propósito de tornar o livro mais coerente com os
ensinamentos religiosos em vigor na época.

O livro de fato apresenta oscilações entre confiança e pessimismo. Mas elas não
precisam nos instigar a abandonar a convicção na unidade e integridade de
Eclesiastes. Tais oscilações não seriam uma conseqüência natural da luta entre a
fé, por um lado, e os interesses pelos assuntos mundanos, por outro, tanto no
coração do próprio Salomão como na vida centrada na terra que o livro
retrata? Barton escreve: "Quando um homem contemporâneo percebe
quantos conceitos diferentes e estados de humor ele pode ter, descobre menos
autores em um livro como Koheleth" (1908, p. 162).

Se este livro representa a luta de uma alma com dúvidas sombrias, também
revela o comportamento de um homem que notou o lado positivo das coisas.
Apesar de sua atitude pessimista, a vida é tão preciosa quanto um "copo de
ouro" (12.6), e a resposta final ao sentido da vida é: "Teme a Deus e guarda os
seus mandamentos" (12.13).

4.5. Organização

Eclesiastes não é um livro racional ou organizado de maneira lógica. É como


um diário no qual um homem registrou suas impressões de tempos em tempos.
Muitas vezes ele prefere expressar sentimentos do momento e reações
emocionais a apresentar uma filosofia equilibrada sobre a vida. Geralmente o
estado de espírito é de ceticismo, mas ainda assim Peterson escreve: "Teria sido
uma desgraça e uma grande pena se um livro que foi escrito para ser a Bíblia de
todos os homens não se referisse ou deixasse de lidar com o espírito de
ceticismo que é comum a todos os homens" (1954, p. 30).

A estrutura do livro faz dele um livro tão difícil de esboçar que muitos
comentaristas nem tentam identificar um padrão lógico. Às vezes o leitor

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 63
cuidadoso irá perceber que um destaque aponta para um pensamento
significativo daquela seção mais do que para um resumo de tudo que está ali.

Embora ocasionalmente os parágrafos estejam relacionados


apenas vagamente entre si, todos eles estão relacionados ao tema do livro
-talvez isso só seja verdade porque esse tema é tão amplo quanto a própria
vida!

4.6. Estilo

Eclesiastes ou Pregador é, em muitos aspectos, um livro enigmático. De


construção um tanto desconexa, de vocabulário obscuro, com estilo
freqüentemente complicado, desafia o entendimento do leitor. Contém
certo número de palavras que não se encontram no resto do Antigo Testamento,
e cujo significado é difícil de determinar com precisão. Faz alusão a incidentes,
costumes e dizeres que teriam sido facilmente entendidos por seus primeiros
leitores, mas sobre os quais não possuímos indicação alguma.
Contém incoerências aparentes, o que torna difícil precisar qual o ponto
de vista do próprio autor. Esses contrastes têm levado alguns a supor que o
livro original foi reescrito e "expurgado" por diversas mãos. O modo pelo
qual o escritor arrumou seu material sugere que não houve a preocupação
de dar qualquer seqüência ligada de pensamento a correr livro afora. O
livro pode ser antes uma coleção de fragmentos ou anotações, à
semelhança do Pensées, de Pascal, com a qual tem sido freqüentemente
comparado.

A despeito de todas essas dificuldades e obscuridades, entretanto, o livro


exerce um poderoso fascínio. Torna-se imediatamente evidente, para o
leitor dotado de discernimento, que aqui temos uma penetrante observação
e criticismo sobre a cena humana. A profundeza daquelas observações do
escritor que podemos entender de pronto nos impele a sondar seus mais
profundos discernimentos, como certa vez Sócrates, deleitado pela sabedoria de
Heráclito a falar com clareza, foi impelido a procurar uma sabedoria mais
profunda nos pontos obscuros daquele.

4.7. Características Literárias

4.7.1. Reflexões

A espinha dorsal do estilo literário do Koheleth é uma série de narrativas em


prosa em primeira pessoa, nas quais o Pregador relata suas observações
sobre a futilidade da vida. Essas reflexões (Zimmerli as chama "confissões"),
(1974, p. 257), começam com frases como: "Apliquei o coração" (1.13, 17),
"Atentei para todas as obras" (v. 14), "Disse comigo" (v. 16; 2.1), "Vi
ainda" (3.16; 4.1; 9.11), "Também vi" (9.13). A observação ocupa posição

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Pr. Mateus Duarte Página 64
chave, refletida no uso repetido do verbo "ver", que pode significar tanto
"observar" como "refletir". J. G. Williams, seguindo Zimmerli, encontrou
nesse "estilo confessional" um "distanciamento em relação à segurança e à
convicção pessoal dos sábios" (1971, p. 179). Questionando se é
possível tirar conclusões claras a respeito do lugar do homem no cosmo
de Deus, como ensinavam outros sábios, o Koheleth só consegue recitar o que
pesquisou, viu
e concluiu. A forma literária reflexiva casa-se perfeitamente com seu
entendimento da realidade: empírica, apesar de racional e pessoal.

Com freqüência essas reflexões resumem suas conclusões, em geral numa


frase de remate: "vim, a saber, que também isto é correr atrás do vento" (1.17);
"Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, [...] e eis que tudo era
vaidade e correr atrás do vento" (2.11; cf. 2.26; 4.4, 16; 6.9). (HERZBERG,
1967, p. 88).

4.7.2. Provérbios

O Koheleth empregou provérbios de maneira convencional e nãoconvencional.


Como seus colegas sábios, empregou dois tipos principais: (a) declarações
(chamados "ditados sobre a verdade" por Ellermeier) que
simplesmente afirmam como é a realidade: "Quem ama o dinheiro jamais
dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda"
(5.10 [TM 9]); (b) admoestações (ou "conselhos") que consistem em
ordens com motivações. Esses provérbios são às vezes positivos: "Lança o
teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás" (11.1); às
vezes negativos: "Não te apresses em irar-te, porque a ira se abriga no íntimo
dos insensatos" (7.9).

Uma fórmula muito utilizada é a de duas linhas de conduta, uma "melhor" que
a outra (4.6, 9, 13; 5.5; 7.1-3, 5, 8; 9.17s.). Essa fórmula literária é uma barreira
contra o pessimismo e o niilismo: talvez as coisas não sejam totalmente boas ou
ruins, mas com certeza algumas são melhores que outras. A fórmula é
também empregada para subverter a sabedoria convencional, considerando
bom o que em geral se considera ruim.

Os provérbios ocorrem em dois pontos principais: (a) embutidos nas reflexões,


onde reforçam ou resumem as conclusões (1.15, 18, 4.5s.; os v. 912 agem
quase como um provérbio numérico como Pv 30.5,18,21,24,29); e
(b) agrupados nas seções de "palavras de advertência" (5.1-12; 7. 1-8.9; 9.13-
12.8).

O mais importante é a função que exercem no argumento: o Koheleth emprega


provérbios para ajudar seus ouvintes a enfrentar as dificuldades da vida. Tais
provérbios tornam-se um comentário sobre sua conclusão

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Pr. Mateus Duarte Página 65
positiva, conclamando seus seguidores a gozar a vida no presente,
conforme Deus a concede. As "palavras de advertência" em 5.1-12; 9.13-12.8
estão repletas de conselhos sadios sobre como tirar o melhor proveito da vida.

O Koheleth cita outros provérbios para argumentar contra eles. Cita


a sabedoria convencional e depois a rebate com declarações próprias (2.14;
4.5s.). Em 9.18, a primeira linha representa o valor tradicional atribuído à
sabedoria: "Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra". Talvez seja, diz
Koheleth, mas não se deve superestimá-Ia porque "um só pecador destrói
muitas coisas boas". (GORDIS, s.d. p. 95).

Um recurso engenhoso é o uso dos "antiprovérbios", máximas formadas


no estilo de sabedoria, mas com mensagem oposta à encontrada na
tradição: “Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência
aumenta tristeza” (1.18).

O contraste entre essas declarações e a felicidade prometida pela sabedoria


em passagens como Provérbios 2.10; 3.13; 8.34-36 é contundente e deve ter
ofendido profundamente os oponentes do Koheleth.

4.7.3. As Perguntas Retóricas

Para conduzir os ouvintes através de seus argumentos e forçá-Ios a um "sim"


em relação ao veredicto de vaidade, o Koheleth recorre freqüentemente a
perguntas retóricas. Uma vez que costumam ocorrer no final das seções,
fornecem a chave para o intuito do autor: "Pois que tem o homem de todo o seu
trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do
sol?" (2.22); "Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?" (3.9).

4.7.4. A Linguagem Descritiva

"Goze a vida agora conforme Deus a dá" é a conclusão positiva do


Pregador. No final do livro, ele a reforça com uma série de quadros bem
delineados (12.2-7). Seu ponto principal, destacado num conselho
("Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade"; v. 1) é sustentado por
imagens da velhice e sua fragilidade, da morte e de um funeral. Uma
propriedade é imobilizada pela morte de um de seus membros: a escuridão
cobre, como mortalha, o lugar (v. 2); todo trabalho na plantação é
interrompido quando os empregados, dentro e fora, são tomados de
tristeza ou param de trabalhar por causa do funeral (v. 3); portas fechadas
protegem a casa enlutada, quase vazia; a voz de um pássaro indica vida na
presença das "filhas da música" que entoam seus cantos fúnebres (v.
4), as amendoeiras cheias de flores igualmente anunciam vida ao cortejo funesto
(v. 5); o fio de prata, o copo de ouro, o cântaro e a roda são figuras das funções
vitais engolidas pela morte (v. 6). A linguagem pictórica é introduzida por
um provérbio para que seu significado e propósito fiquem claros; de modo

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Pr. Mateus Duarte Página 66
semelhante, fecha-se com uma descrição literal da morte (v. 7) que elimina a
necessidade de uma especulação quanto à ênfase geral, ainda que a
interpretação dos detalhes possa variar. (SHEFFIELD,
1987 p. 246).

4.8. Contribuições para a Teologia Bíblica

4.8.1. A Liberdade Divina e os Limites da Sabedoria

Longe de um simples cético ou pessimista, o Koheleth procurou contribuir de


maneira positiva para o relacionamento de seus contemporâneos com
Deus. Ele o fez destacando os limites da compreensão e da capacidade
humana. Assim, até seu veredicto acerca da vaidade do empreendimento
humano seria para ele uma contribuição positiva.

As pessoas são limitadas pelo que Deus determinou quanto ao que vai ocorrer
na vida delas. Elas têm pouca capacidade de mudar o curso da história: Aquilo
que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular (1.15).

Esse provérbio reflete-se nas perguntas retóricas: Atenta para as obras de


Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu? (7.13).

Até o tempo em que ocorrem as experiências humanas é estabelecido de tal


maneira que a labuta humana não consegue alterá-Io (3.1-9). "Debaixo do sol"
é um lembrete quase enfadonho de que a humanidade perplexa tem a
vida atrelada à terra. Seu significado essencial é que as pessoas estão no mundo,
não no céu, onde habita Deus. Em muitos contextos, isso também dá a
entender que o sol dificulta implacavelmente o trabalho eo labor, assim como
implacavelmente expõe à vista todas as coisas, mostrando como são "vãs" e
assim como confere implacavelmente a passagem incessante de dias e noites.

As criaturas humanas são limitadas por sua incapacidade de descobrir os


caminhos de Deus. Ainda que possam compreender que a vida é determinada
pela soberania de Deus, não conseguem compreender como nem por quê. Isso
era especialmente exasperador para os sábios de Israel, que procuravam
saber o tempo próprio para cada uma das tarefas da vida: O homem se alegra
em dar resposta adequada, e a palavra, a seu tempo, quão boa é! (Pv 15.23).

O problema não é de Deus, mas da humanidade: Tudo fez Deus formoso no seu
devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este
possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim (3.11).

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Pr. Mateus Duarte Página 67
A idéia de não compreender e de não descobrir domina os capítulos 7-11.30
Por isso, o Koheleth aconselha contra a audácia na oração: "... porque Deus está
nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras" (5.2).

Os sábios de Provérbios reconheciam os limites da sabedoria humana e a


soberania dos caminhos de Deus: O coração do homem traça o seu caminho,
mas o SENHOR lhe dirige os passos (Pv 16.9).

Muitos propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do SENHOR


permanecerá (19.21).

Mas, ao que parece, os companheiros do Koheleth haviam descartado essas


verdades. Eles confiavam demais na capacidade de dirigir o próprio
destino. Por que o Koheleth resolveu destacar essas limitações?

Teria sido por causa de uma perda de confiança em Deus, acompanhada de um


desejo radical de encontrar uma ordem mais sistemática na vida e de
discernir o futuro com mais clareza do que ousavam os sábios mais antigos? O
Koheleth seria um tipo de "guarda de fronteira" que se recusava a permitir que
os sábios se arrogassem uma capacidade totalmente abrangente no controle da
vida? O Koheleth sabia que o "verdadeiro temor de Deus nunca permite que
uma pessoa humana em sua 'arte de dirigir' tome o leme nas próprias mãos"
(ZIMMERLI, 1964, p. 158). O silêncio do Koheleth a respeito da eleição
de Israel seria um lembrete negativo de que uma doutrina da criação por
si é incompleta até que tenha a "ousadia de crer que o criador é o Deus que em
livre bondade se prometeu para seu povo?"

4.8.2. Enfrentando as Realidades da Vida

4.8.2.1. Graça

Ainda que o Koheleth não indique interesse pela experiência israelita de


aliança ou de redenção, é certo que ele tinha consciência da graça de Deus. Para
ele, a graça se manifestava na provisão divina dos elementos bons da
criação. Sua conclusão positiva ("Nada há melhor para o homem do que
comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho" está
baseada na bondade de Deus: "No entanto, (...) isto vem da mão de
Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrarse?"
(2.24s.). Em outro trecho (3.13), tudo isso é descrito como "dom de Deus". Uma
dezena de vezes a raiz nãtan, "dar", é empregada tendo Deus por sujeito.

As realidades da graça e da limitação humana convergem no uso dado


pelo Koheleth à palavra "porção" (heb. hêleq;, 2.10, 21; 3.22; 5.18s; 9.9).
Traduzido por "recompensa" (2.10; 3.22) ou "parte” (9.6), o termo indica a
natureza parcial e limitada das dádivas de Deus. Ele não dá todas as
coisas para os mortais, ainda que esses prazeres simples sejam dádivas para se

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 68
empregarem com gratidão. "Porção" contrasta com "proveito" ou "ganho"
(yitrôn), outra palavra freqüente (1.3; 2.11, 13; 3.9; 5.9; 16; 7.12;
10.10s.; cf. a palavra afim, môtar, "vantagem"', 3.19). "Proveito" descreve o saldo
positivo que o esforço humano pode gerar; "porção" retrata a parte concedida
pela graça divina. A humanidade nada pode obter; Deus cuida para que ela
tenha o suficiente. (WILLIAMS, 1971, p. 185-190).

4.8.2.2. Morte

A chegada da morte é óbvia, mas não o seu tempo. É o destino que chega
para todos -sábios e tolos (2.14s.; 9.2s.), pessoas e animais (3.19). A morte faz as
pessoas confrontarem suas limitações de modo mais drástico, lembrando-
lhes continuamente que o controle do futuro está fora de seu alcance. Ela as põe
nuas, quer se tenham empenhado com sabedoria para deixar seus bens para
pessoas que não os mereçam (2.21), quer tenham desejado legá-Ios para
um herdeiro, mas perdendo-os antes (5.13-17). A descrição da morte, feita
pelo Koheleth, parece basear-se na narrativa de Gênesis 2, onde o sopro
divino e o pó da terra foram combinados para formar
o homem. Na morte, o processo parece reverter-se: "... e o pó volte à
terra, como o era, e o espírito [NRSV, "sopro"] volte a Deus, que o deu"
(12.7), “embora o Koheleth questione o quanto é possível ser dogmático (3.20s.).
Para ele, a morte era o grande desencorajador do falso otimismo” (ZIMMERLI,
1964,
p. 156).

4.8.2.3. Gozo

Se "labutar" (heb. 'ãmãl) dominava o que o Koheleth entendia como os rigores


da vida, (2.10,21; 3.13; 4.4,6,8s.; 5.15,19; 6.7; 8.15; 10.15; forma verbal 'ãmãl:
1.3; 2.11, 19s.; 5.16; 8.17), ele empregava "gozo" ou "prazer" com freqüência,
especialmente ao declarar sua conclusão positiva (2.24s.; 3.12,22; 5.18-20;
7.14; 9.7-9; 11.8s). Tão implacável como o presente sofrido e o futuro precário,
o prazer é possível quando buscado no lugar correto: gratidão e
apreciação diante das dádivas simples de alimento, bebida, trabalho e
amor concedidas por Deus. Escrevendo para uma sociedade preocupada com a
necessidade de obter vencer, conquistar, produzir e controlar, [M. Dahood
observa a freqüência de termos comerciais como (yitôn, môtar), labutar
(‘ãmal), negócio (uinyãn), dinheiro (kesep), porção (hêleq), sucesso
(kishrôn), riquezas (‘õsher), proprietário (baual) e déficit (hesrôn)]o Koheleth
alertou contra o desprazer e a futilidade de tais esforços. “A alegria não
seria encontrada em realizações humanas, tão ilusórias como caçar o vento

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Pr. Mateus Duarte Página 69
(2.11, 17, etc.), mas nas dádivas diárias concedidas pelo Criador” (WRIGHT,
1946, p. 18).

4.9. A Preparação para o Evangelho

Embora o Koheleth não contenha nenhum material profético ou tipológico


reconhecível, prepara o caminho para o evangelho cristão. “Isso não significa
que esse seja o propósito principal do livro ou sua função no cânon.
Como crítica contra os extremos da escola de sabedoria, uma janela para
as tragédias e injustiças da vida, um sinalizador das alegrias da existência,
mantém-se como palavra de Deus para toda a humanidade” (CHILDS, s.d.
p.588).

Contudo, seu valor cristão não deve ser ignorado. Seu realismo ao retratar as
ironias do sofrimento e da morte ajuda a explicar a importância crucial
da crucificação e da ressurreição de Jesus.

Seus tristes retratos da labuta enfadonha abriram caminho para o convite do


Mestre para deixarmos o trabalho árduo a fim de entrar no descanso da graça
(Mt 11.28-30). Sua ordem para que se tenha prazer nas dádivas simples de
Deus, sem ansiedade, encontrou eco nas exortações de Jesus a que se confie no
Deus dos lírios e dos pássaros (6.25-33). Seu veredicto de "vaidade"
preparou o cenário para a avaliação abrangente de Paulo: "Pois a criação está
sujeita à vaidade" (Rm 8.20).

“Com olhos flamejantes e pena mordaz, o Koheleth desafiou a confiança


excessiva da sabedoria mais antiga e seu mau uso na cultura de sua época.
Assim, ele abriu caminho para alguém ‘maior do que Salomão’ (Mt 12.42), ‘em
quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos’". (CI
2.3) (HUBBARD, 1991, p. 15).

4.10. Propósito do Livro

Segundo a tradição judaica, Salomão escreveu Cantares quando jovem;


Provérbios, quando estava na meia-idade, e Eclesiastes, no final da vida.
O efeito conjunto do declínio espiritual de Salomão, da sua idolatria e da sua
vida extravagante, deixou-o por fim desiludido, com os prazeres desta vida e
o materialismo, como caminho da felicidade.

Eclesiastes registra suas reflexões negativistas a respeito da futilidade de


buscar felicidade nesta vida, à parte de Deus e da sua Palavra. Ele teve
riquezas, poder, honrarias, fama e prazeres sensuais, em grande abundância,
mas no fim, o resultado de tudo foi o vazio e a desilusão: “vaidade de vaidades!
É tudo vaidade” (1.2). Seu propósito principal ao escrever Eclesiastes pode ter
sido compartilhar com o próximo, especialmente os jovens, antes de

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 70
morrer, seus pensamentos e seu testemunho, a fim de que outros não
cometessem os mesmos erros que ele cometera. Revela de uma vez por
todas, a total futilidade do ser humano considerar bens materiais e
conquistas pessoais como os reais valores da vida. Embora os jovens
devam desfrutar da sua juventude (11.9,10), o mais importante é que se
dediquem ao seu Criador (12.1) e que decidam temer a Deus e
guardar os seus mandamentos (12.13,14). Esse é o único caminho que dá
sentido à vida.

4.11. Visão Panorâmica

É difícil fazer uma análise precisa de Eclesiastes. Sem muito trabalho, nenhum
esboço consegue um bom ordenamento de todos os versículos ou parágrafos
deste livro. Em certo sentido, Eclesiastes parece uma seleção de trechos do
diário pessoal de um filósofo, nos seus últimos anos, com suas desilusões.
Começa com uma declaração do tema predominante: a vida no seu todo
é vaidade e aflição de espírito (1.1-14). O primeiro grande bloco de matéria do
livro é estritamente autobiográfico; Salomão aborda os fatos principais da sua
vida altamente egocêntrica, envolta em riquezas, prazeres e sucessos materiais
(1.12—2.23). A vida “debaixo do sol” (expressão que ocorre vinte e nove vezes
no livro) é a vida segundo o conceito do homem incrédulo, caracterizada pela
injustiça, incertezas, mudanças inesperadas no setor das riquezas e justiça
falha. Salomão consegue divisar o verdadeiro alvo da vida somente quando
olha “para além do sol”, para Deus. Viver somente para a busca do
prazer terreno é mediocridade e estultícia; a juventude é
demasiadamente breve e fugaz para ser esbanjada insensatamente. O livro
termina, mandando os jovens lembrarem-se de Deus na sua juventude,
para não chegarem à idade avançada com amargos lamentos e triste
incumbência de prestar contas a Deus por uma vida desperdiçada.

4.12. O Livro de Eclesiastes ante o Novo Testamento

Possivelmente, apenas um texto de Eclesiastes é citado no Novo Testamento (Ec


7.20 em Rm 3.10, sobre a universalidade do pecado). Todavia, não deixa de
haver várias e possíveis alusões: Ec 3.17; 11.9; 12.14; Mt 16.27; Rm 2.68;
2Co 5.10; 2Ts 1.6,7; Ec 5.15, em 1Tm 6.7. A conclusão do autor, quanto à
futilidade da busca de riquezas materiais, Jesus a reiterou quando disse:

(a) Que não devemos acumular tesouros na terra (Mt 6.19-


21,24).
(b) Que é estultícia alguém ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma
(Mt 16.26).

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Pr. Mateus Duarte Página 71
O tema de Eclesiastes, de que a vida, à parte de Deus, é vaidade e nulidade,
prepara o caminho para a mensagem do Novo Testamento, a da graça: o
contentamento, a salvação e a vida eterna, nós os obtemos como dádiva de
Deus (confronte Jo 10.10; Rm 6.23). De várias maneiras este livro preparou o
caminho para a revelação do Novo Testamento, no sentido inverso. Suas
freqüentes referências à futilidade da vida, e à certeza da morte, preparam o
leitor para a resposta de Deus sobre a morte e o juízo, isto é a vida eterna por
Jesus Cristo. Salomão, como o homem mais sábio do Antigo Testamento não
conseguiu respostas satisfatórias para os seus problemas da vida através de
prazeres egoístas, riqueza e acúmulo de conhecimentos. Portanto, deve-se
buscar a resposta nAquele de quem o Novo Testamento afirma que “é mais do
que Salomão” (Mt 12.42), isto é em Jesus Cristo, “em quem estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2.3).

4.13. Pontos salientes

A. A natureza humana

Ec 12.6,7 (Lembra-te do teu Criador) “antes que se quebre a cadeia de prata, e se


despedace o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se
despedace a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, como o era, e o espírito
volte a Deus, que o deu.”

De todas as criaturas que Deus fez, o ser humano é incomparavelmente


superior e também a mais complexa. Por seu orgulho, no entanto, o ser
humano comumente se esquece de que Deus é o seu Criador, que ele é um ser
criado, e que depende de Deus. Este estudo examina a perspectiva bíblica da
natureza humana.

4.13.1. A natureza humana à imagem de Deus

A Bíblia ensina claramente que Deus, mediante decisão especial criou a raça
humana, à sua imagem e semelhança (Gn 1.26,27). Portanto, nem Adão nem
Eva são produtos de evolução (Gn 1.27; Mt 19.4; Mc 10.6). Por terem sido
criados à semelhança de Deus. Adão e Eva podiam comunicar-se com Deus, ter
comunhão com Ele e espelhar o seu amor, glória e santidade (Gn 1.26).

Note-se pelo menos três diferentes aspectos da imagem de Deus na raça


humana (Gn 1.26): Adão e Eva tinham semelhança moral com Deus, por serem
justos e santos (Ef 4.24), com um coração capaz de amar e também
determinado a fazer o que era bom. Tinham semelhança com Deus na
inteligência, pois foram criados com espírito, emoções e capacidade de escolha
(Gn 2.19,20; 3.6,7). Deus plasmou no ser humano a imagem em que Ele
mesmo lhe apareceria visivelmente no Antigo Testamento (Gn 18.1,2), e
na forma que seu Filho um dia tomaria (Lc 1.35; Fp 2.7).

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 72
Quando Adão e Eva pecaram, essa imagem de Deus neles, foi seriamente
danificada, mas não totalmente destruída.

(a) Inevitavelmente, a semelhança moral de Deus, no homem, ficou arruinada


quando Adão e Eva pecaram (cf. Gn 6.5); deixaram de ser
perfeitos e santos e passaram a ser propensos ao pecado; propensão esta, ou
tendência que transmitiram aos filhos (Gn 4; Rm 5.12). O Novo Testamento
confirma o estrago da imagem de Deus no homem, quando
declara que o crente redimido deve ser renovado segundo a semelhança
moral de Deus (cf. Ef 4.22,24; Cl 3.10).
(b) Apesar de o ser humano ser pecador como é, ainda retém uma porção
elevada da semelhança de Deus, na sua inteligência, e na capacidade de
comunhão e comunicação com Ele (Gn 3.8-19; At 17.27,28).

4.13.2. Componentes da natureza humana

A Bíblia revela que a natureza humana, criada à imagem de Deus, é


trina e una, composta de três componentes, a saber: espírito, alma e corpo (1Ts
5.23; Hb 4.12).

Deus formou Adão do pó da terra (seu corpo) e soprou nas suas narinas
o fôlego da vida (seu espírito), e ele tornou-se um ser vivente (sua alma: Gn 2.7).
A intenção de Deus era que o ser humano, pelo comer da árvore da vida e pela
obediência à sua proibição de comer da árvore do conhecimento do bem e do
mal, nunca morresse, mas vivesse para sempre (Gn 2.16,17; 3.2224). Somente
depois da morte entrar no mundo, como resultado do pecado humano, é que
passou a haver a separação da pessoa, em pó que volta à terra e no espírito que
volta a Deus (Gn 3.19; 35.18,19; Ec 12.7; Ap 6.9). Noutras palavras, a
separação entre o corpo, por um lado, e o espírito e a alma, por outro, é
resultado do juízo divino sobre a raça humana por causa do pecado, e esse
juízo somente será removido mediante a ressurreição do corpo no último dia.

A alma (hb. nephesh; gr. psyche ), freqüentemente traduzida por “vida”, pode
ser definida, de modo resumido, como os aspectos imateriais da mente,
das emoções e da vontade, no ser humano, resultantes da união entre o espírito
e
o corpo. A alma, juntamente com o espírito humano, continuará a existir após a
morte física da pessoa. A alma está tão ligada à natureza imaterial do ser
humano, que, às vezes, o termo “alma” é usado como sinônimo de “pessoa”
(Lv 4.2; 7.20; Js 20.3).

O corpo (hb. basar; gr. soma) pode ser definido, em resumo, como o
componente do ser humano que volta ao pó quando a pessoa morre (às vezes,

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 73
é chamado “carne”).

O espírito (hb. ruach; gr. pneuma) pode ser definido, em resumo, como o
componente imaterial do ser humano, em que reside nossa faculdade
espiritual, inclusive a consciência. É principalmente através desse componente
que se tem comunhão com o Espírito de Deus.

Desses três componentes, que constituem a completa natureza humana,


somente o espírito e a alma são indestrutíveis e sobrevivem à morte, para
então seguirem para o céu (Ap 6.9; 20.4) ou para o inferno (Sl 16.10; Mt 16.26).
Quanto ao corpo, a Bíblia ensina repetidamente que enquanto o crente
aqui viver, deve cuidar bem do seu corpo, através da sua conservação, isento de
imoralidade e de iniqüidade (Rm 6.6,12,13; 1Co 6.1320; 1Ts 4.3,4) e da sua
dedicação ao serviço de Deus (Rm 6.13; 12.1). O corpo dos salvos será
transformado no dia da ressurreição, quando então a sua redenção estará
completa; isto para os que estão em Cristo Jesus.

Quando Deus criou o ser humano, Ele lhe confiou várias responsabilidades.

(a) Deus o criou à sua própria imagem a fim de poder manter comunhão
com ele, de modo amoroso e pessoal por toda eternidade, e para que ele o
glorificasse como Senhor. Deus desejava de tal maneira que o ser humano
o amasse, o glorificasse, e vivesse em santidade e justiça diante dEle, que
quando Satanás induziu Adão e Eva à rebelião e desobediência a Deus, o
Senhor prometeu que enviaria um Salvador a fim de redimir o mundo (Gn
3.15).

(b) Era a vontade de Deus que o ser humano o amasse acima de tudo e amasse o
seu próximo como a si mesmo. Esse duplo mandamento do
amor, resume a totalidade da lei de Deus (Lv 19.18; Dt 6.4,5; Mt 22.37-40; Rm
13.9,10).

(c) Também no Jardim do Éden, Deus estabeleceu a instituição do casamento


(Gn 2.21-24). O propósito de Deus é que o casamento seja monogâmico e
vitalício (Mt 19.5-9; Ef 5.22-33). Dentro dos limites do casamento, Deus ordenou
que a raça humana fosse frutífera e se multiplicasse (Gn 1.28; 9.7). O homem e a
mulher deviam gerar filhos tementes a Deus, no ambiente do lar. Deus vê a
família cristã e a criação
de filhos, sob a convivência salutar doméstica, como uma alta prioridade no
mundo (Gn 1.28).

(d) Deus também ordenou que Adão e seus descendentes sujeitassem a terra.
Ele disse: “dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos
céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” (Gn 1.28). Ainda no
Jardim do Éden, a Adão foi confiada a responsabilidade de cuidar do jardim
e de dar nomes aos animais (Gn 2.15,19,20).

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 74
(e) Note-se que quando Adão e Eva pecaram por comerem do fruto proibido,
eles perderam parte do seu domínio sobre o mundo, a qual foi entregue a
Satanás que, agora como “deus deste século”, (2Co 4.4)
controla este presente mundo mau (1Jo 5.19; Gl 1.4; Ef 6.12). Ainda assim, Deus
espera que os crentes cumpram o seu divino propósito quanto à terra,
a saber: cuidar devidamente dela; dedicar tudo dela a Deus e administrar sua
criação de modo a glorificar a Deus (cf. Sl 8.6-8; Hb 2.7,8).

(f) Por causa da presença do pecado no mundo, Deus enviou o seu Filho
Jesus para redimir o mundo. A tarefa transcendente de transmitir a mensagem
do amor redentor de Deus foi confiada aos salvos, pois foi a
eles que Ele chamou para serem testemunhas de Cristo e da sua salvação, até
aos confins da terra (Mt 28.18-20; At 1.8) e para serem luz do mundo e
sal da terra (Mt 5.13-16).

O Livro de Cantares

5.1. Esboço do Livro

Título (1.1)

I. O Primeiro Poema: O Anelo da Noiva pelo Noivo (1.2—2.7) A. A Expressão


do Anelo da Noiva (1.2-4a)
B. O Apoio das Amigas da Noiva (1.4b) C. A Pergunta da Noiva (1.5-7)
D. O Conselho das Amigas da Noiva (1.8) E. A Presença e a Fala do Noivo (1.9-
11)
F. O Amor Mútuo entre a Noiva e o Noivo (1.12—2.7)
II. O Segundo Poema: A Busca e o Encontro dos Dois Amados (2.8—3.5)

A. A Noiva Percebe a Vinda do Noivo (2.8,9) B. Os Pedidos do Noivo (2.10-15)


C. O Amor Irrestrito da Noiva pelo Noivo (2.16,17) D. A Perda e o Achado do
Noivo (3.1-5)
III. O Terceiro Poema: O Cortejo Nupcial (3.6—5.1) A. A Aproximação do
Noivo (3.6-11)
B. O Amor do Noivo pela Noiva (4.1-15) C. A Reunião dos Noivos (4.16—5.1)
IV. O Quarto Poema: A Noiva Teme Perder o Noivo (5.2—6.3) A. O Sonho da
Noiva (5.2-7)
B. A Noiva e Suas Amigas Conversam sobre o Noivo (5.8-16) C. O Lugar Onde
Encontra-se o Noivo (6.1-3)
V. O Quinto Poema: A Formosura da Noiva (6.4—8.4) A. A Descrição da Noiva
pelo Noivo (6.4-9)

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B. O Noivo e Seus Amigos Conversam sobre a Noiva (6.10-13) C. Outras
Descrições da Noiva (7.1-8)
D. O Amor da Noiva pelo Noivo (7.9—8.4)

VI. O Sexto Poema: A Suprema Beleza do Amor (8.5-14) A. A Intensidade do


Amor (8.5-7)
B. O Desenvolvimento do Amor (8.8,9) C. O Contentamento do Amor (8.10-14)
5.2. Preliminares

O título hebraico deste livro pode ser traduzido literalmente por “O Cântico dos
Cânticos”, expressão esta que significa “O Maior Cântico” (assim como “Rei
dos reis” significa “O Maior Rei”). É portanto, o maior cântico nupcial já escrito.
Salomão foi um escritor prolífico de 1005 cânticos (1Rs 4.32). Seu nome consta
no versículo inicial, que também fornece o título do livro (Ct 1.1), e em seis
outros trechos do livro (Ct 1.5; 3.7,9,11; 8.11,12). O escritor também identifica- se
com o noivo; é possível que o livro tenha sido originalmente uma série de
poemas trocados entre ele e a noiva. Os oito capítulos do livro fazem referência
a pelo menos quinze espécies diferentes de animais e vinte e uma espécies de
plantas. Esses dois campos foram investigados e mencionados por Salomão
em numerosos outros cânticos (1Rs 4.33). Finalmente, há referências geográficas
no livro de lugares de todas as partes da terra de Israel, o que
sugere que o livro foi composto antes da divisão da nação em Reino do Norte e
Reino do Sul. Salomão deve ter composto este livro no início do seu reinado,
muito antes de sua execrável poligamia. Liturgicamente, Cantares de Salomão
veio a ser um dos cinco rolos da terceira parte da Bíblia hebraica, os
Hagiographa (“Escritos Sagrados”). Cada um desses rolos era lido
publicamente numa das festas anuais dos judeus.

5.3. Propósito

Este livro foi inspirado pelo Espírito Santo e inserido nas Escrituras para
ressaltar a origem divina da alegria e dignidade do amor humano
no casamento. O livro de Gênesis revela que a sexualidade humana e
casamento existiam antes da queda de Adão e Eva no pecado (Gn 2.18-
25). Embora o pecado tenha maculado essa área importante da experiência
humana, Deus quer que saibamos que a dita área da vida pode ser pura,
sadia e nobre. Cantares de Salomão, portanto, oferece um modelo
correto entre dois extremos através da história: (a) o abandono do amor
conjugal para a adoção da perversão sexual (isto é conjunção carnal de
homossexuais ou de lésbicas)
e prática heterossexual fora do casamento e uma abstinência sexual, tida
(erroneamente) como o conceito cristão do sexo, que nega o valor positivo do
amor físico e normal conjugal.

Tanto Cantares de Salomão como o título alternativo O Cântico dos Cânticos


vêm do primeiro versículo do livro. O cabeçalho Cântico dos Cânticos é uma

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Pr. Mateus Duarte Página 76
tradução literal do hebraico shir hashirim. Essa linguagem coloca a ênfase na
qualidade superlativa -portanto o cântico é descrito como o melhor ou o mais
excelente cântico (Gn 9.25; Êx 26.33; Ec 1.2). Na Vulgata (Bíblia latina) o livro
é chamado de Cânticos.

Nas escrituras hebraicas, Cantares é o primeiro de cinco livros curtos


chamados "Rolos" (Megilloth). Os outros quatro são Rute, Lamentações,
Eclesiastes e Ester. Cada um desses livros era lido em um dos grandes
festivais anuais judeus, sendo que Cantares era usado na época da Páscoa
dos judeus.

5.4. Forma Literária

Cantares é um exemplo da poesia hebraica lírica; é por isso que as traduções


para as línguas modernas são dispostas de forma poética (cf. Berkeley, RSV;
Moffatt). Este antigo poema hebraico não tinha rima ou métrica como em nossa
forma ocidental. Existe muito mais um equilíbrio e um ritmo de pensamentos
do que de sílabas ou sons. As linhas são distribuídas de tal forma que o
pensamento é apresentado de maneiras diferentes, pela repetição, ampliação,
contraste ou resposta, como em 8.6: “Porque o amor é forte como a morte, e
duro como a sepultura o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, labaredas do
SENHOR”.

5.5. Sugestões de Interpretação

Os estudiosos não conseguem concordar acerca da origem, do significado e do


propósito de Cântico dos Cânticos -Cantares. “As líricas eróticas, a ausência do
tom religioso e a trama obscura os deixam desconcertados e lhes desafiam a
capacidade imaginativa. Os recursos da erudição moderna descobertas
arqueológicas, recuperação de corpos extensos de
literatura antiga, percepções da psicologia e da sociologia oriental -
não têm produzido consenso acadêmico visível” (ROWLEY, 1977, p. 89).

5.5.1. Alegórica

As mais antigas interpretações judaicas registradas (Mishná, Talmude


e Targum) encontram nele um retrato de amor de Deus por Israel. Isso
responde pelo uso do livro na Páscoa, que celebra o amor de Deus selado na
aliança. Não satisfeitos com alusões gerais ao relacionamento entre Deus e
Israel, os rabinos lutavam para descobrir referências específicas à história de
Israel. Os Pais da Igreja reinterpretaram Cântico dos Cânticos, vendo nele
o amor de Cristo pela Igreja ou pelo cristão como indivíduo. Os cristãos
também têm contribuído com interpretações detalhadas e imaginativas,
conforme atestam os cabeçalhos tradicionalmente encontrados na KJV,
contendo resumos interpretativos como "O amor mútuo de Cristo e sua

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Pr. Mateus Duarte Página 77
Igreja" ou "A Igreja professa sua fé em Cristo". O valor da alegoria é
apresentado em alguns comentários católicos romanos modernos.

Desde a época do Talmude (150 a 500 d.C.) era comum entre os judeus
classificar este livro como uma música alegórica do amor de Deus por seu povo
escolhido. Seguindo esse padrão, os cristãos viram essa idéia no contexto do
amor de Cristo pela igreja. J. Hudson Taylor, seguindo o pensamento de
Orígenes, encontrou aí uma descrição do relacionamento do crente com o seu
Senhor. (Union and Communion, s.d.)

É natural que a interpretação alegórica tenha encontrado adeptos entre os


homens devotos e estudiosos desde antigamente até os dias de hoje. O amor
terreno imutável é o nosso relacionamento humano mais precioso e
significativo. Sabemos que o nosso relacionamento com Deus deveria ser ao
menos tão perfeito e de tão excelente qualidade quanto esse, então
empregamos as nossas melhores ilustrações humanas na tentativa de
descrever o amor e a resposta humano-divina.

Mas apesar do que foi dito a favor de uma interpretação alegórica do livro, este
ponto de vista contém um defeito decisivo. Adam Clarke, o deão
dos comentaristas wesleyanos, está entre aqueles que expõem essa fraqueza.
Se essa maneira de interpretação (alegórica) fosse aplicada às Escrituras em
geral, (e por que não, se é legítimo aqui?) a que estado a religião logo chegaria!
Quem poderia ver qualquer coisa certa, determinada e estabelecida no
significado dos oráculos divinos, quando fantasia e imaginação devem
ser os intérpretes-padrão? Deus não entregou a sua palavra à vontade do
homem dessa maneira (...) nada (deveria ser) recebido como a doutrina do
Senhor a não ser o que deriva daquelas palavras claras do Altíssimo (...)

Alegorias, metáforas e figuras de linguagem em geral, nas quais o desígnio está


claramente indicado, que é o caso de todas aquelas empregadas pelos
autores sacros, deveriam ilustrar e aplicar de forma mais clara a verdade
divina; mas extrair à força significados celestiais de um livro santo onde não
existe tal indicação, com certeza não é o caminho para se chegar ao
conhecimento do Deus verdadeiro, e de Jesus a quem Ele enviou. (The Holy
Bible with a Commentary and Citical Notes, p. 845).

Ao contrário da opinião de alguns estudiosos, parece questionável que a


interpretação alegórica entre os judeus tenha sido um fator importante para a
inclusão de Cantares no cânon do Antigo Testamento. O cânon foi finalmente
aprovado por volta do fim do primeiro século d.C., e as interpretações
alegóricas que são conhecidas há mais tempo aparecem no Talmude (do
século II ao século V). Gottwald diz: "É provável que a interpretação alegórica
tenha surgido após a canonicidade, e não antes dela". (IDB, IV, p. 422). É
verdade que Orígenes e outros pais da igreja mantiveram a interpretação

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Pr. Mateus Duarte Página 78
alegórica de Cantares. Mas Orígenes aplicou este mesmo método a outros
livros da Bíblia, e nós já não aceitamos essa interpretação como válida
para eles. Então por que seria necessário aceitá-Ia no caso de Cantares de
Salomão?

Meek escreve: "A interpretação alegórica poderia fazer com que o livro
significasse qualquer coisa que a imaginação fértil do intérprete pudesse
inventar, e, no final, as suas próprias extravagâncias seriam a sua ruína,
de forma que hoje esta escola de interpretação praticamente desapareceu" (1956,
p. 93).

5.5.2. Literal

Com base nas premissas expressas acima está claro que o método alegórico
deve ser rejeitado por ser um caminho inaceitável de interpretar a Bíblia. Por
essa razão só aceitamos os métodos que nos permitem extrair o significado
das palavras com base no sentido claro delas, como foram escritas.
Fundamentado nisso, o Cantares de Salomão está falando do amor humano
entre um homem e uma mulher. Foi esse amor que estava faltando quando
Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só; far-Ihe-ei uma auxiliadora que
lhe seja idônea" (Gn 2.18). Mas mesmo quando Cantares é interpretado de
maneira literal, existe uma grande variedade de interpretações.

5.5.3. Tipológica

Para evitar a subjetividade da interpretação alegórica e honrar o sentido literal


do poema, esse método destaca os principais temas do amor e da devoção, em
vez dos detalhes da história. No calor e na força da afeição mútua dos dois
apaixonados, os intérpretes tipológicos vêem insinuações do
relacionamento entre Cristo e sua Igreja. A justificativa para essa idéia baseia-se
em paralelos com poemas de amor árabes, que podem ter significados
esotéricos ou místicos; com o uso que Cristo fez da história de Jonas (Mt
12.40) ou da serpente no deserto (Jo 3.14); e com as bem-conhecidas analogias
bíblicas do casamento espiritual (e.g., Jr 2.2; 3.1ss.; Ez 16.6ss.; Os 1-3; Ef
5.22-33; Ap
19.9).

São inegáveis os benefícios devocionais das interpretações alegóricas


ou tipológicas de Cântico dos Cânticos. Questiona-se, porém, a intenção
do autor. Qualquer leitura alegórica é perigosa porque as possibilidades de
interpretação são ilimitadas. Estamos mais propensos a descobrir nossas idéias
do que a discernir o propósito do autor. Além disso, o texto não fornece
indícios de que Cântico dos Cânticos deva ser lido em outro sentido, que não
o natural.

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 79
5.5.4. Cultual

Com a descoberta das antigas liturgias de culto do Oriente Próximo, emergiu


uma teoria que interpretava o Cantares como um ritual pagão que havia sido
secularizado ou até se adaptado para o louvor de Javé. Mas Gottwald ressalta
que "existiriam problemas terríveis" se aceitássemos esta interpretação
(IDB, IV, p. 423).

5.5.5. Lírica ou cântico de Amor

Em décadas recentes, alguns estudiosos têm visto Cântico dos Cânticos como
um poema ou uma coleção de poemas de amor, talvez, mas não
necessariamente, ligados a celebrações de casamento ou
ocasiões específicas. Tenta-se dividir Cântico dos Cânticos em
alguns poemas independentes. Mas percebe-se um tom dominante de unidade
na continuidade do tema, nas repetições que soam como refrães (e.g., 2.7;
3.5; 8.4), na estrutura encadeada que liga cada parte à anterior, preparações
nos capítulos
1-3 para a consumação do relacionamento amoroso em 4.9-5.1; nas
implicações dessa consumação em 5.2-8.14.

Pode-se sentir a mensagem de Cântico dos Cânticos no tom da poesia lírica.


Embora o movimento seja evidente, só se vê um esboço nebuloso da trama. O
amor do casal é tão intenso no início como no fim; assim, a força do poema não
está num clímax apoteótico (ainda que o ponto central seja a cena de
consumação, 4.9-5.1), mas nas repetições criativas e delicadas dos temas de
amor um amor almejado quando separados (e.g., 3.1-5) e plenamente
desfrutado quando juntos (e.g., cap. 7), vivenciado no esplendor do
palácio (e.g., 1.2-4) ou na serenidade do campo (7.11ss.) e reservado
exclusivamente para o companheiro da aliança (2.16; 6.3; 7.10). É um amor tão
forte quanto a morte, que a água não consegue extinguir nem uma
enchente, afogar, um amor que se dá de bom grado, a qualquer custo (8.6s.)

5.5.6. Ritos Litúrgicos

Uns poucos estudiosos procuraram iluminar passagens obscuras do Antigo


Testamento comparando-os com os costumes religiosos da Mesopotâmia,
Egito ou Canaã. “Um exemplo é a teoria de que Cântico dos Cânticos deriva de
ritos litúrgicos do culto a Tamuz (cf. Ez 8.14), deus babilônio da
fertilidade. Esses ritos celebravam o casamento sagrado (gr. hieros gamos) de
Tamuz e sua consorte, Istar (Astarte), que produzia a fertilidade anual da
primavera”. (WHITE, 1956, p. 24). A cultura ocidental moderna mostra que a
religião pagã pode deixar um legado de terminologia sem influenciar crenças
religiosas (e.g., nomes dos meses), “mesmo assim, parece altamente
questionável que os hebreus aceitassem a liturgia pagã, com gosto de idolatria

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Livros Poéticos
Pr. Mateus Duarte Página 80
e imoralidade, sem uma revisão completa de acordo com a fé característica
de Israel” (WHITE, ibid., p. 24). Cântico dos Cânticos não carrega marcas de
uma revisão desse tipo.

5.5.7. Dramática

A presença de diálogos, monólogos e coros tem levado estudiosos


de literatura, tanto antigos (e.g., Orígenes, c. 240 d.C.) como modernos
(e.g., Milton), a tratá-Io como um drama. Duas formas de análise
dramática têm dominado:

(a) Dois personagens principais, Salomão e a sulamita, identificada por


alguns com a filha do faraó, com a qual Salomão se casou por
conveniência (1Rs 3.1).

(b) Três personagens, incluindo o pastor, que ama a virgem, bem como
Salomão e a sulamita. A trama gira em torno da fidelidade da sulamita a seu
amado rude, apesar das tentativas suntuosas de Salomão em cortejá-Ia e
conquistá-Ia.

O ponto de vista dos três personagens foi desenvolvido primeiramente por Ibn
Ezra, popularizado por J. F. Jacobi (1771), e explicado de maneira detalhada e
cuidadosa por Heinrich Ewald (1826). (MEEK, op cit., p. 93). Mesmo Meek, que
rejeita esse ponto de vista, escreve: "Se o livro deve ser interpretado
literalmente, existem dois amantes, um rei e um pastor". (Ibid., p. 94). Em 1891
Driver escreveu: "De acordo com [...] [esse] ponto de vista [...] aceito pela
maioria dos críticos e intérpretes modernos, existem três personagens, isto é:
Salomão, a serva sulamita e seu amante pastor". (CHARLES, 1891, p. 410).
Esta perspectiva foi defendida e desenvolvida mais recentemente por
Terry (The Song of Songs, s.d.), e Pouget (The Canticle of Cnticles,1948).

De acordo com a interpretação dos três personagens, a jovem mulher era


a única filha entre vários irmãos que pertenciam a uma mãe viúva morando em
Suném. Ela se apaixonou por um belo jovem pastor e eles então
noivaram. Enquanto isso, em uma visita pela vizinhança, o rei Salomão foi
atraído pela beleza e graça da jovem. Ela foi levada à força para a corte de
Salomão ou simplesmente sob um impulso do momento (cf. 6.12) que veio dela
mesma em acordo com os servos do rei. Aqui o rei tentou cortejá-Ia, mas foi
rejeitado. Por causa da urgência que sentia, Salomão tentou fasciná-Ia com
sua pompa e esplendor. Mas todas as suas promessas de jóias, prestígio e
a mais alta posição entre suas esposas não conquistaram o amor da
jovem. De modo imperturbável ela declarou o seu amor pelo seu amado do
campo. Finalmente, reconhecendo a profundidade e a natureza do seu amor,
Salomão permitiu que
a moça deixasse sua corte. Acompanhada pelo seu querido pastor, ela deixou

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Pr. Mateus Duarte Página 81
a corte e retomou ao seu humilde lar no campo.

As duas concepções têm fraquezas: a ausência de instruções dramáticas e a


complexidade decorrente, caso a sulamita esteja reagindo à corte de Salomão
com lembranças de seu amado pastor. Um obstáculo importante a todas
as interpretações desse tipo é a escassez de indícios de dramas formais entre os
semitas e, em particular, entre os hebreus.

5.6. Autoria do livro

Já que as opiniões diferem entre si tão amplamente no que tange à


interpretação, é natural que exista pouca concordância entre os estudiosos
quanto a autoria do livro.

O ponto de vista tradicional, baseado em 1.1, é que o livro foi escrito pelo rei
Salomão. Mas a linguagem do versículo pode ser entendida como de Salomão,
para Salomão, ou sobre Salomão.

Muitos estudiosos rejeitam essa posição tradicional tendo por base que o livro
possui palavras em aramaico que não existiam em Israel nos tempos de
Salomão. Como resposta, alguém pode dizer que, em vista do contato de Israel
com o mundo afora, tais termos poderiam ter sido facilmente aprendidos e
usados nesse período.

Se aceitarmos a interpretação dos três personagens adotada neste comentário,


a autoria de Salomão é questionada com base em fundamentos psicológicos.
Argumenta-se que não seria muito comum o rei Salomão contar a história de
sua rejeição por essa jovem, pela qual ele teria se apaixonado. Mas não seria
sustentável que um homem com a mente e disposição filosófica como as de
Salomão poderia ter escrito o Cântico como o temos hoje? Não é provável que
ele o teria feito de imediato. Mas não poderia um Salomão mais velho e mais
sábio, ao lembrar dessas experiências, ter se sentido motivado a escrever esse
relatório? Será que não existe um ponto de referência, principalmente no fim da
vida, a partir do qual a pessoa pode apreciar os fortes ímpetos da
atração física, reconhecer as alegrias do amor humano e ao mesmo tempo dar
um alto valor à lealdade constante que coloca a integridade acima da fascinação
pela nobreza e riqueza? Se foi psicologicamente possível ao rei liberar com
honra a jovem que ele poderia ter mantido pela força, não parece impossível o
mesmo homem ter escrito a história.

O que devemos concluir? Dois estudiosos recentes e conservadores


discordam. Woudstra (embora não aceite a interpretação dos
três personagens) escreve: "Não existem bases suficientes para desviar-se
desse ponto de vista histórico (a autoria de Salomão)", (The Wycliffe
Bible Commentary, 1962, p. 595). Cameron confirma: "Se Ewald for seguido

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quando afirma que existe um amante pastor (...), a convicção na autoria de
Salomão é fracamente sustentável, e é impossível descobrir quem é o autor" .
(Op. cit., p.
547).

Conclui-se que de acordo com o título pode significar ou que Cantares


fora composto por Salomão ou a respeito dele. A tradição uniformemente
favorece
a primeira interpretação. Contudo, conforme o exposto acima alguns eruditos
modernos, têm mantido que o grande número de vocábulos estrangeiros,
encontrados no poema, não ocorreriam na literatura de Israel antes do período
pós-exílico. Outros pensam, com Driver, que os contactos generalizados de
Israel com nações estrangeiras, durante o reinado de Salomão, explicariam
suficientemente a presença dessas palavras no livro. Se esse ponto de vista for
aceito, e se for suposto que existem apenas dois personagens principais nos
Cantares, parece não haver qualquer motivo substancial para pôr de lado
o ponto de vista tradicional sobre a autoria. Mas, se seguirmos Ewald, o
qual afirmava que existe um pastor amante em adição, a crença na
autoria de Salomão dificilmente pode ser mantida, e é impossível dizer quem
foi o autor do livro.

5.7. Data do livro

Datar o livro depende do ponto de vista que temos acerca do seu autor.
Se Salomão escreveu o Cantares, precisa ser datado no século X a.C. Os eruditos
que procuram datá-lo de acordo com a ocorrência de palavras estrangeiras no
texto situam o livro entre 700 a.C. e 300 a.C.

5.8. Características Especiais

É o único livro na Bíblia que trata exclusivamente do amor


especificamente conjugal; é uma obra-prima incomparável da literatura,
repleta de linguagem imaginativa; discreta, mas realista; tomada
principalmente do mundo da natureza. As várias metáforas e a
linguagem descritiva retratam a emoção, poder e beleza do amor romântico e
conjugal, que era puro e casto entre os judeus, o povo de Deus dos tempos
bíblicos; é um dos poucos livros do Antigo Testamento de que não se faz
referência no Novo Testamento; neste livro, consta apenas uma vez o nome
de Deus, em Ct 8.6, mas a inspiração divina permeia o livro, principalmente nos
seus símbolos e figuras.

5.9. O Livro de Cantares ante o Novo Testamento

Cantares de Salomão prenuncia um tema do Novo Testamento revelado


ao escritor de Hebreus: “Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito

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sem mácula” (Hb 13.4). O cristão pode e deve desfrutar do amor
romântico e conjugal. Muitos intérpretes do passado abordam este livro
primordialmente como uma alegoria profética do amor entre Deus e Israel, ou
entre Cristo e a igreja, sua noiva. O Novo Testamento não se refere a
Cantares de Salomão sobre este aspecto, nem faz referência a este livro.
Por outro lado, vários trechos básicos do Novo Testamento descrevem o amor
de Cristo à igreja sob
a figura do relacionamento marital (por exemplo, 2Co 11.2; Ef 5.22,23; Ap 19.7-
9; 21.1,2,9). Daí, pode-se considerar Cantares de Salomão uma ilustração da
qualidade de amor existente entre Cristo e a sua noiva, a igreja. É um amor
indiviso, devotado e estritamente pessoal, ao qual nenhum estranho tem
acesso.

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