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Crítica de Arte
Obra: ‘‘Can’t Help Myself’’, de Sun Yuan e Peng Yu
Museu Guggenheim de Nova York, 2016-2019.
Bienal de Veneza, 2019.
A obra Can’t Help Myself, encomendada de Sun Yuan e Peng Yu pelo museu
Guggenheim de Nova York, se constitui em um robô industrial, majoritariamente
composto por aço inoxidável preso em uma grande caixa de acrílico. O braço
robótico tinha apenas uma tarefa: impedir que um líquido vermelho-escuro
viscoso, que mais se parece com sangue, escorresse pelos arredores, utilizando
sensores de reconhecimento visual e sistemas de software. Seu propósito consiste
em analisar a sociedade moderna, cada vez mais automatizada e dependente da
tecnologia, onde a relação das pessoas para com as máquinas está mudando em
níveis acelerados e onde os territórios são governados mecanicamente. Sua
performance se dá da seguinte maneira: o robô fica contido por paredes de acrílico
transparentes, onde precisa manter um fluido vermelho que se assemelha ao
sangue. Quando seus sensores detectam que o líquido está mais distante do que
deveria, o braço do robô o traz de volta para si freneticamente. Isso acaba por
deixar manchas no chão e respingos nas paredes.
Os artistas optaram por usar um robô para contemplar o desejo inicial de testar
algo que teria o potencial de substituir a vontade de um artista no processo de
criação e como isso poderia ser atingido usando uma máquina. O braço do robô, o
qual é tipicamente visto em fábricas de automóveis, foi modificado com o
acréscimo de uma pá personalizada em sua extremidade. Também, em parceria
com dois engenheiros de robótica, Sun Yuan e Peng Yu criaram trinta e dois
movimentos para serem reproduzidos pela máquina. Alguns dos nomes são
“scratch an itch” (coçar-se), “bow and shake” (curvar e sacudir) e “ass shake”
(sacudir a bunda), sendo possível ver a intenção dos artistas de animar uma
máquina.
Presa em um espaço que acaba por assemelhar-se a uma gaiola, o robô parece
adquirir consciência e se transformar em uma espécie de vida que foi confinada.
A arte como campo aberto de interpretações
Crítica por Clara Amaral
A obra de Sun Yuan e Peng Yu, apesar de ter sido concebida com um propósito,
abriu um leque de diversas interpretações. Seguindo a linha dos artistas, que são
conhecidos por fazerem obras polêmicas e de forte impacto no público, Can’t Help
Myself é carregada em simbologia: o líquido, que parece sangue; os gestos, que se
assemelham ao de um ser humano; a diminuição do ritmo dos movimentos, que é
percebido como cansaço; o cômodo, que é visto como um espaço de
aprisionamento; entre outros. Tais elementos metafóricos atingem os espectadores
de tal forma que gera-se um sentimento de pena e empatia para com a máquina,
além dos mais variados questionamentos e pontos de vista sobre o significado da
obra.
A obra de Sun Yuan e Peng Yu gerou forte comoção em janeiro de 2022 quando a
comparação dos vídeos do robô de 2016 e 2021, nas redes sociais, aparentava que
ele estava perdendo força, fazendo forte relação com o mundo humano atual
composto por pessoas exaustas, com burnout, que correm o dia todo e todos os dias
atrás de objetivos impostos pela grande massa midiática da sociedade. Vidas,
viagens, relacionamentos e famílias perfeitas expostas nessas mesmas redes
sociais onde circula o vídeo da obra em análise. Este é um ponto fundamental no
qual baseia-se a minha crítica: a normalização incessante de situações irreais
culminando na identificação e humanização de coisas não humanas, como o caso
do braço robótico da obra "Can't help myself".
Para mim, a minha primeira sensação ao observar a obra foi de agonia devido à
constante atividade do braço robótico em tentar conter algo que nunca será
contido. Foi imaginar a estafa e a irrealidade na tentativa de conter esse material,
de conter seu fluido, seu sangue. Eu então, como um membro da sociedade atual,
me identifiquei com a sensação de estar sempre buscando algo inalcançável, a
sensação de sempre estarmos nos contendo e nos segurando devido a padrões
impostos pela sociedade de como devemos nos comportar, agir e falar. É uma
representação física da sensação inacabável do trabalho de viver no mundo
contemporâneo, de sempre conter algo, melhorar algo, buscar alguma coisa em
alguma área, e que nunca é suficiente por não atingirmos os padrões sociais
impostos.
E por este motivo, a crítica de Arthur Danto está tão bem relacionada com essa obra
devido às suas argumentações, nas quais destaca a importância dos conceitos e
contextos do mundo atual na definição da arte contemporânea. Danto demonstra a
teoria do significado, afirmando que as obras possuem significados dependentes de
seu período histórico e cultural. Ele argumenta que o significado passou a ser mais
importante do que as características materiais ou estilísticas dos objetos, fator
estritamente representado na obra em questão com a utilização de um braço
robótico semelhante ao das empresas de montagem de carros. Este elemento não
apresenta importância material e muito menos estilística, mas é carregado de
significado e subjetividades, conforme a interpretação de cada observador. Danto
sugere que a obra seria interpretada de maneiras diferentes em épocas distintas,
deixando vividamente expresso que a arte não pode ser separada de seu significado
e contexto histórico e cultural. A arte é dependente da interpretação da sociedade
da época em que está inserida, como expresso por ele no trecho a seguir a respeito
de uma pintura, mas que se aplica aos outros tipos de arte:
“Não posso imaginar o que está por trás da pintura sem conhecer o seu
significado. O significado dela é filosófico, e internamente relacionado com
os observadores. Ela põe a vida deles em perspectiva”. (Danto, 2015, p.166)
Sendo assim a obra “Can’t help myself” atingiu com êxito o objetivo de uma obra
segundo a crítica de Danto, pois acima de todas as questões sua importância
interpretativa foi atingida com êxito ao incitar a análise subjetiva por parte de seus
espectadores, dependendo diretamente da época e contexto cultural em que estão
inseridos. Uma ótima experiência sobre essa obra seria expô-la em culturas
totalmente diferentes e destoantes das européias.
‘’Nos ambientes, é o corpo do espectador e não somente seu olhar que se inscreve na
obra. Na instalação, não é importante o objeto artístico clássico, fechado em si
mesmo, mas a confrontação dramática do ambiente com o espectador.’’
(Plaza, 1990, p. 14)
Portanto, a obra "Can't Help Myself" é uma obra de arte interativa que convida o
público a refletir sobre temas como alienação, inutilidade do trabalho, migração,
vigilância, autoritarismo e o papel da tecnologia na sociedade contemporânea. As
múltiplas camadas de interpretação da obra são possíveis graças à participação
ativa do espectador, que é convidado a interagir com a obra e construir seu próprio
significado.
Referências
BLACK MONSTER MEDIA. Showcase Friday: Sun Yuan e Peng Yu. Disponível em:
<https://www.blackmonstermedia.com/showcase-friday-sun-yuan-e-peng-yu/>
Tales of Our Time - Sun Yuan, Peng Yu. Guggenheim. Disponível em:
<https://www.guggenheim.org/video/sun-yuan-peng-yu-tales-of-our-time\>
Robô dançarino do Guggenheim perde a alegria após 5 anos e comove redes sociais.
Gizmodo. Disponível em:
<https://gizmodo.uol.com.br/robo-dancarino-do-guggenheim-perde-a-alegria-
apos-5-anos-e-comove-redes-sociais/>
DANTO, Arthur. Três maneiras de pensar sobre a arte. In: DANTO, Arthur. O abuso
da beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2015.