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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES


DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO E CULTURA

Anna Luísa Araujo Mascarenhas


N°USP: 13646933

Do ato criador ao ato expositivo: arte, artista e distintas ambiências

São Paulo
2022
Ao se pensar em exposições dentro de museus, nem sempre o que se vem à cabeça em
primeiro lugar é sobre o ato criador. Como historiadora em formação, logo penso sobre o
contexto em que a obra foi feita, o que aquilo pode me dizer sobre uma determinada
sociedade, a importância dessa obra no momento em que foi produzida e nos dias atuais.
Contudo, após entrar em contato com materiais de referência para a realização desse relato
crítico, minha mente pode se abrir a partir de uma nova perspectiva, dessa vez, mais artística.
Falo aqui de modo breve e individual sobre cada uma dessas referências, concluindo com
uma reflexão.
Para mim, a exposição MemoriÁntonia foi um ponto fora da curva. Ali era onde a
história estava mais relacionada com as obras a tal ponto que, enquanto fazia a visita, refletia
muito mais sobre a história da ditadura civil-militar brasileira do que sobre as obras expostas.
Já a exposição Encantar na Fronteira do Conhecimento me trouxe de volta à arte de maneira
total. Durante a visita, fiz conexões mentais das obras com as leituras realizadas sobre
Duchamp e Mira Schendel - como as obras ganham significado, o que é isso que parece não
ser nem uma coisa, nem outra. Para mim, a arte contemporânea é algo difícil de ser
compreendido, mas a exposição de Boeschenstein pareceu-me coerente com as frases aqui
citadas. Como os limões, linhas, chuteiras e sombras ganham significados? Provavelmente
cada pessoa os enxerga de uma maneira diferente, por isso esses não devem ser encaixados
em nem uma definição nem outra.
O primeiro filme exposto em sala de aula denominado ‘Cave of Forgotten Dreams’
também pode ser relacionado com essa questão do significado. Os artistas não fizeram as
pinturas conscientes de que no futuro, aquilo seria arte - provavelmente, eles nem possuíam
algo para conceituar arte. Eles estavam apenas se expressando, passando o tempo, realizando
seus ritos, registrando suas rotinas - e mesmo assim, mesmo sem o artista estar consciente,
para a sociedade contemporânea isso é arte. O que abre o inesgotável debate do que seria arte.
O artista tem que estar ciente de que está fazendo arte para essa ser considerada tal? Qualquer
coisa pode ser arte? Já o segundo filme visto em aula, ‘Afterimage’ pode ser visto como o
oposto do filme anterior. Aqui o artista está tão consciente de sua arte e tão apegado a seus
princípios - que são expressos em suas obras - que acaba morrendo em decorrência indireta
disso.
Com certeza a referência mais desafiadora foi o livro de Octavio Paz ‘Marcel
Duchamp ou o castelo da pureza’. Ao longo do livro, é possível conhecer melhor a
complexidade das artes de Duchamp - as obras de Duchamp desafiavam a sua realidade de
maneira irônica, mas ao mesmo tempo que desafiava, ele a representava em suas obras. A
principal estratégia de fazer artístico de Duchamp eram os ready-mades - essas obras,
principalmente a ‘Fonte’ - levou toda a sociedade artística à reflexão do significado de arte.
Duchamp também foi um grande crítico da arte retiniana, que privilegia a visão em relação
aos outros sentidos.
O texto escrito pelo próprio Duchamp explicita bem a questão sobre significado da
arte e o ato criador. É possível que uma obra que no passado foi atual, no presente também
seja - contudo, por razões distintas. Isso porque, o significado de uma obra não é atribuído
apenas pelo artista, mas também - e principalmente - pelo público. O ato criador seria o
resultado da soma da criação mais a observação. Assim, podemos afirmar que o público cria
a arte também. Isso leva a uma reflexão: a arte que não tem público então não é arte, já que
não foi finalizada?
Ainda dentro dessa discussão do sentido das obras, Mira Schendel afirmava que cada
pessoa enxergava suas artes do jeito que conseguia. Assim, cada uma tirava um significado
diferente de suas obras, cada uma via uma obra diferente. Claro que isso se aplica a todos os
artistas, e não apenas a Schendel. Guy Brett afirmou que ela não era alguém que tinha a
pretensão de fazer carreira ou criar um novo movimento artístico - ela apenas gostava de
experimentar. Não pude deixar de fazer uma relação com o filme ‘Cave of Forgotten Dreams’
já que os homens paleolíticos também estavam apenas experimentando com os materiais
disponíveis. Em diferentes graus, ambos criaram arte mesmo sem estarem cientes disso.
Sobre a arte criada por Schendel, Guy Brett afirma que é algo entre a linguagem e a
não-linguagem, é uma pré-linguagem que o público deve ler para decifrar o que a artista quis
passar. Talvez isso contradiga a própria Mira Schendel, já que ela afirma que cada pessoa vê
o que consegue, então talvez não haja uma mensagem a ser decifrada, e sim várias mensagens
para várias visões possíveis. Assim como Sandra Boeschenstein, Mira também brinca com o
transparente, o tangível e não tangível, algo que ultrapassa o tempo.
Por fim, a última referência foi um seminário sobre arte e ciência, com foco no artista
Cildo Meireles. Como o próprio título sugere, durante as falas podemos ver a relação da arte
com duas ciências completamente distintas: matemática e sociologia. A simetria estudada na
matemática pode ser encontrada em diversas obras, principalmente, nas arquitetônicas. Na
sociologia, a professora Maria Arminda Arruda evidencia como as obras possuem uma
relação com a sociedade que está inserida, mas além disso, a arte também forma a sociedade -
ela usa o exemplo de como os romances franceses criaram o nosso estereótipo de amor. No
final do seminário temos a fala do artista Cildo Meireles - que assim como Duchamp, se
utilizou muitas vezes de ready-mades, transformando a mercadoria em arte -, que evidencia o
processo de suas principais obras.
O estudo dessas referências me tirou da minha zona de conforto. Pensar sobre o ato de
criar, os significados da arte e a intenção dos artistas era algo que nunca antes havia refletido
já que possuo certa dificuldade para tal. Mas concluo que creio que esse seja o papel da arte,
principalmente da arte contemporânea - tirar da zona de conforto. A arte deve desafiar, nos
impactar e nos fazer refletir

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