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Mundo midiático
As duas outras exposições explicitamente tomam emprestado
seu título a um livro. "Au-delà du Spectacle" alude ao ensaio
de Guy Debord, "A Sociedade do Espetáculo" (Ed.
Contraponto), e "Bruit de Fond", ao romance de Don DeLillo,
"Ruído Branco" (Companhia das Letras). Uma e outra se
põem assim a serviço da crítica do mundo midiático,
publicitário e televisivo, ilustrado tanto pelo teórico do
situacionismo como pelo romancista dos acontecimentos
estranhos orquestrados pela televisão na cidadezinha de
Blacksmith. Elas dão testemunho de uma arte que já não opõe
a pureza das formas ao comércio das imagens.
É possível opor as formas às imagens, contanto que estas
apareçam como os duplos supérfluos das coisas. Mas o que
implica o conceito de espetáculo é que as imagens não são
mais o duplo das coisas, são as coisas elas mesmas, a
realidade de um mundo em que uma e outra já não se
distinguem. Onde a imagem não se opõe mais à coisa, a forma
tampouco se oporá à imagem. O que a ela se opõe é uma outra
imagem. Mas uma outra imagem não é uma imagem com teor
diverso. É uma imagem disposta diversamente, ofertada num
outro registro perceptivo. "Au-delà du Spectacle" não opõe
nenhuma pintura às imagens da mídia. E se "Bruit de Fond"
apresenta fotografias, não é tanto como obra de fotógrafos, é
como material de que se servem os artistas em registros cuja
função é aprender a ler as imagens e as mensagens e a brincar
com elas.
Brincar e aprender são dois opostos que os pedagogos
progressistas insistem em querer conciliar. Se as instalações
de "Voilà" evocam os gabinetes de curiosidade, são antes a
registros de pedagogia lúdica a que se aparentam aquelas de
"Au-delà du Spectacle". Ao lado de uma mesa de bilhar, de
uma mesa de futebol de botão gigante e de um carrossel,
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05/09/2020 Folha de S.Paulo - + autores - Jacques Rancière: O destino das imagens
Figuras banalizadas
Arte-arquivo, arte-escola. Contra essas duas figuras
banalizadas de uma arte constituída de imagens cuja
radicalidade estaria na própria semelhança com imagens do
mundo, retorna periodicamente a nostalgia de uma arte
instauradora de uma co-presença entre homens e coisas e dos
homens entre si. Recentemente foi inaugurada no Palácio de
Belas-Artes de Bruxelas, sob os auspícios do crítico e teórico
Thierry de Duve, uma exposição de "cem anos de arte
contemporânea", com o título escolhido a dedo por seu valor
polêmico.
Ao "Voilà" da exposição parisiense a exposição de Bruxelas
opõe um "Voici". "Voici" é em francês o demonstrativo da
presença no presente. A exposição e o livro que o
acompanham surgem, pois, como o manifesto de uma arte
concebida como arte da presença e do olhar, de uma
"facingness" oposta à "flatness" formal valorizada pelo grande
teórico da modernidade pictórica, Clement Greenberg. Mas
será em vão que se buscará nela algum retrato, cena de grupo
ou natureza-morta à moda antiga. Várias obras arroladas sob a
bandeira do "Voici" figurariam sem dificuldade sob aquela do
"Voilà": retratos de estrelas de Andy Warhol, composições
fotográficas hiper-realistas de Jeff Wall, documentos da mítica
"seção das águias" do museu ficcional de Marcel Broodthaers,
instalação de Josef Beuys de um lote de mercadorias da RDA,
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