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Análise de “Cut Piece”, de Yoko Ono

À luz de “O Espectador Emancipado”, “Art as Experience” e “Ways of


Seeing”
Utilizador
Beatriz Liliana de Sousa e Costa

MAC – Direção de Cena e Produção


UC: Estética e Teoria da Arte I
Docente: Renata Gaspar
01/2024
Yoko Ono é uma figura complexa e influente que transcende várias disciplinas
artísticas, com um papel de destaque no conceptualismo, na performance, no cinema e
música experimental a nível internacional. Assumindo assim um papel de artista
responsável por vários contributos de impacto no que diz respeito ao trabalho artístico
performativo feminista e influência na vanguarda artística e cultural do século XX.
Com uma postura notoriamente sócio-crítica envolveu-se ativamente em várias
causas sociais e políticas, como protestos antiguerra, movimentos feministas e a luta
pelos direitos humanos. Esta visão de Yoko Ono determinou a base do seu trabalho,
onde põe em causa os modelos tradicionais da sociedade e discute fortemente os valores
patriarcais. No seu percurso traz a vida para a arte, desafiando a separação entre arte e
quotidiano sugere-nos que a arte não está confinada a espaços institucionais ou
convencionais, mas pode sim tornar-se numa parte orgânica da nossa experiência diária.
A linha estética do seu trabalho assenta na ênfase da participação do público nas
suas performances e instalações, bem como no desafio e expectativas quanto à
integridade física e privacidade do próprio corpo, desconstruindo então a visão de arte
tradicional. A abordagem de questões feministas também é um dos seus critérios,
desafia as representações tradicionais da mulher nas artes e na sociedade, ao mesmo
passo que ela própria contribui também para a corroboração da exploração desta
premissa, sendo um símbolo, uma figura feminina forte e influente na cena artística.
Com esta abordagem inovadora, experimental e provocativa, Yoko Ono
transcende limites e desafia as normas estabelecidas, direcionando o seu trabalho por
novas formas de expressão artística e social, onde se inclui Cut Piece (1964), a obra
escolhida para análise no presente trabalho.
Cut Piece (1964), é uma performance artística de grande significado para a
história da arte contemporânea e cultural. A obra destacou-se tanto pelo seu impacto
visual quanto pela sua abordagem inovadora em relação à participação do público. É
uma obra que não só rompe com as convenções artísticas estabelecidas, mas também
encapsula em si as transformações sociais e culturais da década de 1960. Época marcada
a nível social e cultural pela Guerra Vietnamita, pela sensibilidade da luta pelos direitos
civis, pela globalização da arte, protestos, movimentos pacifistas e feministas.
A performance é levada pela primeira vez a público a 20 de julho de 1964 no
Yamaichi Concert Hall em Quioto, Japão. Yoko Ono encontra-se em palco, sentada,
imóvel, um par de tesouras está pousado em frente ao seu corpo, um anúncio é ouvido
pelo público, no qual é indicado que um a um suba a palco, corte um pedaço da roupa

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da artista e o leve consigo. Uma ação de destruição coletiva perante um corpo feminino
vulnerável e uma consequente memória deste ato simbolizada no tecido cortado.
Ação esta que naturalmente despoletou variadas reações do público que por vezes agia
educadamente e com alguma sensibilidade e outras vezes recorria à agressividade
rasgando o tecido de forma violenta expondo o corpo de Yoko Ono.
Aqui o espectador é parte da criação da obra, que pode ser vista como uma
experiência emancipadora para o público, como nos propõe Jacques Rancière (2012):

A emancipação, por sua vez, começa quando se questiona a oposição entre olhar
e agir, quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações
do dizer, do ver e do fazer pertencem à estrutura da dominação e da sujeição. (p.
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Em Cut Piece o espectador não é um ser passivo, é-lhe proposto um poder de


ação, bem como um poder de produção de sentido. Yoko Ono não entrega a sua
mensagem através de palavras ou explicações, deixa que seja o espectador a ir em busca
desse conhecimento, desse encurtamento da ignorância, impõe que o público seja ativo
intelectual e fisicamente.
Podemos também observar que a performance promove uma experiência
emancipadora no sentido em que descentraliza a autoridade do artista e dá ao espectador
um papel crucial, tanto na interpretação como no acontecimento. Desafiando as
hierarquias pré-estabelecidas entre artistas e espectadores.
Seguindo o conteúdo de Rancière, Ono desafia a ideia do espectador passivo que
vai assistir a um trabalho artístico, do seu confortável habitat de espectador submisso,
que vai assistir a algo ou alguma ação executada por outro alguém. Nesta performance a
artista inverte os papeis, sentada, imóvel, com uma apatia própria de quem vê e recebe
informação, parece apropriar-se do local de espectador, mas na realidade habita o palco,
local do que é visto. Ao mesmo tempo é como um objeto inanimado que sofre a ação do
ator simbolizado no público.

(…) é preciso arrancar o espectador ao embrutecimento do parvo fascinado pela


aparência e conquistado pela empatia que o faz identificar-se com as
personagens da cena. A este será mostrado, portanto, um espetáculo estranho,
inabitual, um enigma cujo sentido ele precise buscar. Assim, será obrigado a

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trocar a posição de espectador passivo pela de inquiridor ou experimentador
científico que observa os fenômenos e procura suas causas. (Rancière, 2012;
p.10)

Yoko Ono pretende chamar a atenção do espectador para temas de extrema


urgência, o feminismo, a objetificação do corpo da mulher, a violência e a humilhação
quanto ao ser-se mulher. Ono, através de Cut Piece pretende “produzir uma forma de
consciência, uma intensidade de sentimento, uma energia para a ação.” (Rancière, 2012;
p.18) para que a mudança possa acontecer, para que a igualdade de géneros se
aproxime.

À luz de Art as Experience, John Dewey (1980) remete-nos para a ideia de que a
experiência estética é uma interação entre o espectador e a obra de arte, com ênfase na
continuidade entre quotidiano e arte. O mesmo nos mostra Yoko Ono que tem por base
dos seus trabalhos o trazer para a sua arte tanto elementos do quotidiano como ações e
temas, como podemos observar com o objeto tesoura trazido para esta performance e a
ação de cortar tecido, ou menos natural (mas extremamente necessário) o ato de
violentar outro alguém, traduzido no ato de destruir as suas roupas, expondo-o à
vulnerabilidade.
A mensagem que Ono nos quer trazer só é possível existindo público e uma
troca diretamente física entre a artista e o espectador, uma relação, uma troca de energia
e significados. Para esta relação podemos ler a citação que se segue.

In an experience, flow is from something to something. As one part leads into


another and as one part carries on what went before, each gains distinctness in
itself. The enduring whole is diversified by successive phases that are emphases
of its varied colors. (Dewey, 1980; p.36)

Fica assim destacada a importância do processo criativo quanto à participação


ativa por parte do público. Transcendendo fronteiras tradicionais da arte, convidando o
espectador a ser parte integrante e ativa da criação de um significado.
Remetendo agora para este significado criado simbioticamente entre artista e
espectador, podemos tomar ações de violência do passado (e infelizmente ainda
presentes) contra o corpo feminino como exemplo de o que não fazer e o que alterar na

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sociedade. Seguindo o exemplo de Dewey, faremos a análise em sentido inverso,
analisamos os insucessos do passado para não os repetirmos no futuro.

But the live creature adopts its past; it can make friends with even its
stupidities, using them as warnings that increase present wariness. Instead of
trying to live upon whatever may have been achieved in the past, it uses past
successes to inform the present. Every living experience owes its richness to
what Santayana well calls “hushed reverberations. (Dewey, 1980; p.18)

Esta imagem criada por Cute Piece, de uma mulher com roupa rasgada, que
chega a permanecer nua em palco, alvo de violência de terceiros, desafia as expectativas
visuais, criando, através da instalação do desconforto, reflexões sobre a objetificação,
identidade e vulnerabilidade do corpo. John Berger, em Ways of Seeing (1972),
argumenta que a forma como vemos as imagens molda a nossa compreensão do mundo.
Sendo assim essencial o trabalho desenvolvido por Ono para que se possa observar
questões de extrema importância, chocar o público com as suas imagens e assim
progredir na evolução enquanto seres humanos em sociedade.
Berger explora a relação entre a imagem e o espectador, destacando como a
visão é influenciada por contextos culturais e sociais. Acrescenta ainda que “The
relation between what we see and what we know is never settled.” há então uma
necessidade em atribuirmos significados, vermos e revermos, sermos estimulados e
pensarmos em coletivo acerca das imagens que nos são apresentadas.
Sob a ótica de "Ways of Seeing" de John Berger, Cut Piece desafia as normas
estabelecidas da representação feminina na arte. A obra subverte as expectativas de
voyeurismo ao transformar o ato de cortar numa metáfora poderosa para a violação do
corpo feminino, convidando assim o espectador a confrontar as suas próprias atitudes
em relação à objetificação e controlo. Yoko Ono cria uma narrativa visual que ultrapassa
as fronteiras culturais, desafiando estruturas de poder enraizadas na sociedade.
Para concluir, é fundamental destacar a profundidade e complexidade da obra
Cut Piece, esta transcende as fronteiras convencionais da arte, desafiando não apenas as
noções tradicionais de autoria, mas também as expectativas sobre a participação do
espectador.
Através da lente deste, a obra rompe com a passividade comum associada à
experiência artística. Em Cut Piece, o espectador é convidado a desempenhar um papel

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ativo, tornando-se parte integrante ao decidir o ritmo e a extensão da intervenção, o que
reflete uma abordagem mais democrática e colaborativa para a produção de arte,
permitindo assim que a audiência influencie diretamente o significado e a forma da
obra, que vai mutando juntamente com a mudança dos espectadores.
Cut Piece oferece uma jornada única, a interação física e emocional entre o
performer e o espectador transcende a mera observação estética, transformando-se numa
vivência intensa e até desconfortável. A experiência sensorial desafia as convenções
tradicionais da apreciação artística ao convidar todos os participantes a refletir sobre a
obra, mas também sobre a sua própria relação com o corpo, a vulnerabilidade e o poder.
Em síntese, a obra não é apenas uma obra de arte, mas um convite à reflexão
profunda sobre a natureza da participação do espectador, a experiência artística e as
formas de ver. Yoko Ono desafia as convenções ao empoderar o público a envolver-se
ativamente na criação do significado, acabando por redefinir as fronteiras entre o artista,
a obra e o observador.

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Referências Bibliográficas

Rancière, J. (2012). O Espectador Emancipado (I. C. Benedetti, Trad.). São Paulo;


WMF Martins Fontes.
(Obra original publicada em 2008).

Dewey, J. (1972). Art as experience. New York: G. P. Putnam's Sons

Berger, J. (1972) Ways of Seeing. De: https://www.youtube.com/watch?


v=0pDE4VX_9Kk

Bibliografia Secundária:
https://www.p55.art/blogs/p55-magazine/como-artista-yoko-ono-mudou-arte-
contemporanea
https://harpersbazaar.uol.com.br/cultura/bazaarart-entre-as-performances-
historicas-yoko-ono/

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Apresentação oral:
Opção 1:
Prezados colegas e professores, boa tarde.

É com grande entusiasmo que hoje vos apresento uma análise aprofundada da obra "Cut Piece"
de Yoko Ono, uma figura multifacetada e influente nas artes cénicas contemporâneas. Esta
performance, realizada pela primeira vez em 1964, não só desafia as convenções artísticas
estabelecidas, mas também propõe uma experiência única de interação entre a artista e o
público.

Yoko Ono destaca-se no cenário artístico internacional por seu papel proeminente no
conceptualismo, na performance, no cinema e na música experimental. Sua abordagem
inovadora transcende as fronteiras tradicionais da arte, desafiando a separação entre arte e
quotidiano. A sua postura notoriamente sócio-crítica a envolveu em várias causas sociais e
políticas, tornando-se uma figura influente no movimento feminista e na vanguarda artística e
cultural do século XX.

A obra "Cut Piece" é emblemática e reveladora das preocupações de Yoko Ono. Realizada em
1964, em meio à Guerra do Vietnã e aos movimentos feministas e pacifistas, a performance
propõe uma experiência única ao público. Sentada imóvel no palco, Ono convida os
espectadores a cortarem pedaços de sua roupa, desafiando a integridade física e privacidade do
corpo feminino. Essa ação coletiva provocou diversas reações, desde atos educados até
momentos de agressividade, expondo a vulnerabilidade do corpo de Ono.

A participação ativa do público em "Cut Piece" é crucial para a compreensão da obra. Yoko
Ono desafia a ideia do espectador passivo, propondo um poder de ação e produção de sentido. A
performance emancipa o público ao descentralizar a autoridade do artista, desafiando as
hierarquias estabelecidas entre artistas e espectadores.

Ao analisarmos a obra à luz das teorias de Jacques Rancière e John Dewey, percebemos a
importância da participação ativa na criação de significado. "Cut Piece" promove uma
experiência emancipadora, estimulando o espectador a questionar as estruturas de dominação e
sujeição presentes na sociedade.

A abordagem de Yoko Ono, que incorpora elementos do quotidiano e temas relevantes, destaca-
se também na análise de John Berger. A obra desafia as normas da representação feminina na
arte, convidando o espectador a refletir sobre questões como objetificação, identidade e
vulnerabilidade do corpo feminino.

Em síntese, "Cut Piece" não é apenas uma obra de arte, mas um convite à reflexão profunda
sobre a natureza da participação do espectador. A interação física e emocional entre a artista e o
público transcende a mera observação estética, transformando-se numa vivência intensa e
desconfortável. Yoko Ono redefine as fronteiras entre o artista, a obra e o observador,
proporcionando uma experiência única e provocativa que desafia as normas estabelecidas na
apreciação artística contemporânea.

Muito obrigada pela vossa atenção. Estou disponível para responder a eventuais questões e
discutir este fascinante trabalho de Yoko Ono.

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Senhoras e senhores, distinguidos membros do corpo docente e colegas estudantes,

É uma honra apresentar-vos uma análise da figura influente e complexa no campo da arte
contemporânea, Yoko Ono. Yoko Ono transcende várias disciplinas artísticas, desempenhando
um papel proeminente no conceptualismo, na performance, no cinema experimental e na música
a nível internacional. As suas contribuições tiveram um impacto significativo na arte
performativa feminista e influenciaram a vanguarda artística e cultural do século XX.

Yoko Ono, conhecida pela sua postura sócio-crítica, envolveu-se ativamente em várias causas
sociais e políticas, incluindo protestos anti-guerra, movimentos feministas e defesa dos direitos
humanos. A sua visão desafia os modelos sociais tradicionais e critica fortemente os valores
patriarcais, trazendo vida para a arte e borrando as fronteiras entre a expressão artística e a vida
quotidiana. Através da sua abordagem inovadora, experimental e provocativa, Ono ultrapassa
limites, sugerindo que a arte não está confinada a espaços institucionais, mas pode tornar-se
parte integrante da nossa experiência diária.

Uma das suas obras inovadoras é "Cut Piece" (1964), uma performance que tem grande
significado na história da arte contemporânea e cultural. Esta obra não apenas quebra as
convenções artísticas estabelecidas, mas encapsula as transformações sociais e culturais da
década de 1960, marcada pela Guerra do Vietname, pelos movimentos pelos direitos civis,
globalização da arte, protestos e movimentos feministas.

Em "Cut Piece", Yoko Ono convida ativamente o público a participar na criação da obra,
desafiando as noções tradicionais de espectador passivo. Inspirada por Jacques Rancière, a
audiência torna-se uma parte integral da experiência, com o poder de agir e produzir
significado. A performance visa emancipar o espetador, questionando as hierarquias
estabelecidas entre artistas e público.

A inversão de papéis por parte de Ono, ao assumir uma posição aparentemente passiva no palco
enquanto a audiência se torna o ator, desafia a ideia do espetador passivo. A audiência não está
apenas a observar; está ativamente envolvida, intelectual e fisicamente. A intenção de Ono é
sensibilizar para questões urgentes como feminismo, objetificação do corpo feminino, violência
e humilhação contra as mulheres.

À luz de "A Arte como Experiência" de John Dewey, Ono destaca a interação entre o espetador
e a obra de arte, unindo o quotidiano à arte. "Cut Piece" incorpora elementos do quotidiano,
como tesouras, e aborda temas que são tanto naturais como desconfortáveis, refletindo a
essência das ideias de Dewey sobre a experiência estética.

O trabalho de Yoko Ono desafia os espetadores a refletir sobre atos passados de violência contra
as mulheres e incentiva uma contemplação coletiva. Ao analisar os insucessos passados,
conforme sugerido por Dewey, podemos evitá-los no futuro. "Cut Piece" cria uma imagem
poderosa de uma mulher, suas roupas rasgadas, exposta à violência, desafiando expectativas
visuais e provocando reflexões sobre a objetificação, identidade e vulnerabilidade do corpo
feminino.

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Através da ótica de "Formas de Ver" de John Berger, a obra desafia as normas estabelecidas da
representação feminina na arte, subvertendo as expectativas voyeurísticas. A narrativa visual de
Ono atravessa fronteiras culturais, desafiando estruturas de poder enraizadas na sociedade.

Em conclusão, "Cut Piece" é uma obra profunda e complexa que vai além das fronteiras
artísticas convencionais. Desafia não apenas as noções tradicionais de autoria, mas também as
expectativas em relação à participação do espetador. A audiência não é apenas um observador
passivo; desempenha um papel ativo na construção do significado e da forma da obra. Yoko
Ono redefine as fronteiras entre o artista, a obra e o observador, oferecendo uma jornada única e
intensa que convida à reflexão profunda sobre a participação do espetador, a experiência
artística e as formas de ver.

Excelentíssimos professores e colegas,

É com grande entusiasmo que apresento uma análise sobre a figura complexa e influente no
mundo das artes cénicas, Yoko Ono. Com um papel proeminente no conceptualismo, na
performance, no cinema e na música experimental a nível internacional, Yoko Ono destaca-se
como uma artista multifacetada que deixou um impacto significativo no trabalho artístico
performativo feminista e na vanguarda artística e cultural do século XX.

A postura notoriamente sócio-crítica de Yoko Ono reflete-se no seu envolvimento ativo em


diversas causas sociais e políticas, desde protestos antiguerra até aos movimentos feministas e à
luta pelos direitos humanos. A sua visão, que questiona modelos tradicionais da sociedade e
critica valores patriarcais, permeia todo o seu percurso artístico, desafiando a dicotomia entre
arte e quotidiano e propondo que a arte seja uma parte orgânica da nossa experiência diária.

A estética única do trabalho de Ono destaca-se pela ênfase na participação do público nas suas
performances e instalações, bem como no desafio às expectativas relacionadas com a
integridade física e a privacidade do corpo humano. Esta abordagem desconstrói a visão
tradicional da arte, enquanto também aborda questões feministas, desafiando representações
convencionais da mulher nas artes e na sociedade. Yoko Ono, por si mesma, torna-se um
símbolo forte e influente na cena artística.

Com uma abordagem inovadora, experimental e provocativa, Yoko Ono ultrapassa limites,
desafiando normas estabelecidas e explorando novas formas de expressão artística e social. Um
exemplo marcante do seu trabalho é "Cut Piece" (1964), uma performance que não só rompe
com as convenções artísticas, mas encapsula as transformações sociais e culturais da década de
1960.

"Cut Piece" é uma obra de grande significado na história da arte contemporânea, destacando-se
pelo impacto visual e pela abordagem inovadora em relação à participação do público.
Realizada pela primeira vez a 20 de julho de 1964, no Yamaichi Concert Hall em Quioto, Japão,
a performance envolve Yoko Ono sentada e imóvel, com um par de tesouras à sua frente. O
público é convidado a subir ao palco, cortar um pedaço da roupa da artista e levar consigo,
resultando numa ação de destruição coletiva perante um corpo feminino vulnerável, simbolizada
nos tecidos cortados.

As reações variadas do público, desde a educação até à agressividade, destacam a participação


ativa do espectador na criação da obra. Através da lente de Jacques Rancière, a emancipação do
espectador é evidente, pois é proposto um poder de ação e produção de sentido. Yoko Ono

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deixa que o público busque o conhecimento e encurte a ignorância, promovendo uma
experiência emancipadora que desafia as hierarquias entre artistas e espetadores.

Seguindo a filosofia de Rancière, Ono inverte os papéis tradicionais, tornando-se uma figura
aparentemente passiva no palco, habitando o local do espectador, enquanto o público se torna o
ator. O espectador é chamado a abandonar a passividade e tornar-se um inquiridor ativo,
questionando as normas estabelecidas.

A performance também é uma chamada de atenção para questões urgentes, como o feminismo,
a objetificação do corpo feminino, a violência e a humilhação. Através de "Cut Piece", Yoko
Ono pretende "produzir uma forma de consciência, uma intensidade de sentimento, uma energia
para a ação," conforme sugerido por Rancière, contribuindo assim para a aproximação da
igualdade de géneros.

Na perspetiva de John Dewey em "Art as Experience," destaca-se a interação entre o espetador e


a obra de arte, com ênfase na continuidade entre o quotidiano e a arte. Yoko Ono incorpora
elementos do quotidiano nas suas obras, como as tesouras em "Cut Piece," desafiando as
convenções tradicionais e convidando a uma participação ativa do público.

A importância do processo criativo e a participação ativa do público são enfatizadas,


transcendendo fronteiras convencionais da arte. A relação simbiótica entre artista e espetador é
essencial para a criação de significado, conforme destacado por Dewey.

Em síntese, "Cut Piece" não é apenas uma obra de arte, mas um convite à reflexão profunda
sobre a natureza da participação do espetador, a experiência artística e as formas de ver. Yoko
Ono desafia as convenções ao empoderar o público a envolver-se ativamente na criação de
significado, redefinindo as fronteiras entre artista, obra e observador. A obra oferece uma
jornada única, intensa e desconfortável, desafiando as convenções tradicionais da apreciação
artística e convidando todos os participantes a refletir sobre o corpo, a vulnerabilidade e o
poder.

Obrigada pela vossa atenção.

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