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RESUMO
ABSTRACT:
The spectator's gaze and reaction influence the performance, in this way, the public's
appreciation addresses the problem of reception: although the spectator is perceived as an
individual and the audience as a set, one cannot be separated from the other. In this sense,
this work proposes to present the investigations carried out on the look that the spectator
directs to the woman's body and the inflections and gender issues that they insert in the
performative practices of the SAIA show, carried out in the city of São Paulo, by the
artists Carol Greco and Lika Pink. The show creates performative actions, which raise a
contrast to the stereotyped conceptions given to women's bodies, and proposes to expand
the representation of the social body and the identity of women in society, aiming at the
construction of new perspectives on the female body and on the reflections about of the
physical and psychic violence that these bodies suffer in our society.
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É artista da cena, diretora teatral, palhaça e performer. Doutoranda em Artes pelo Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP/SP), sob a orientação do Professor Dr.
Mario Fernando Bolognesi. É docente no Senac Lapa Scipião na Área de Comunicação e Artes e da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. É co-fundadora da Cia Impar Teatro e fundadora da Cia
do Riso companhia que pesquisa o universo do cômico e do palhaço. Participa do grupo de pesquisa: O
circo e o Riso, vinculado a CNPQ. Tem experiência nas Artes da Cena atuando em: arte educação,
palhaçaria, direção, performance, comicidade e circo.
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KEYWORDS: performance; body; woman; violence; viewer
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deparar com nenhuma “quarta parede”, estão teoricamente livres para olhar “atrás”. Ela
acredita que a diferença acontece, porque nenhuma das partes está repleta de autoridade,
conhecimento ou lei. Para a autora, o teatro brechtiano depende de uma estrutura de
representação, de expor e de tornar visível. O que aparece no Gestus só pode ser
provisório, indeterminado e não autoritário.
Para realizar uma análise sobre as práticas performativas no espetáculo SAIA, da
Cia Impar Teatro, particularmente no que se refere ao olhar do espectador à representação
do corpo feminino, buscamos como referência, a “crítica feminista géstica” de Elia
Diamond e entendemos que uma nova leitura feminista do Gestus pode abrir espaços,
para outras perspectivas de recepção.
SAIA, foi apresentada pela primeira vez como proposta de performance de rua, na
II Reunião Artístico Científica do GT Artes Cênicas na Rua, em São João Del Rei, Minas
Gerais e foi elaborada pelas atrizes Carol Greco e Lika Rosá da Cia Ímpar Teatro. A
performance convocava o desenvolvimento da temática sobre algumas formas de
violência de gênero e modos de violência que foram naturalizados ao longo da história, e
muitas vezes, estiveram mascarados por uma sociedade cuja cultural patriarcal silenciou,
segregou, culpabilizou e diferenciou negativamente a figura da mulher ao longo dos
séculos.
As cenas foram realizadas para serem apresentada na rua e em espaços públicos,
buscando o tempo real e imediato, ofertado pela transitoriedade e movimentos constantes
das cidades. A proposta foi construir uma performance que pudesse favorecer poéticas
espontâneas, que interrompesse os passantes, os transeuntes e os olhares da esfera
pública, atravessando os espectadores e espectadoras em espaços abertos, nas ruas, nas
feiras e praças.
Partindo da reflexão de que o tempo e o movimento ofertados pelas cidades
denotam em contextos próprios, criou-se uma performance onde o momento presente das
ruas e as ações das performers, pudessem se apropriar do espaço público, construindo
outros sentidos de usos e formas no ambiente urbano.
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Em 2021, a performance foi modificada, dando espaço para um espetáculo
performativo, expandindo o campo temático da violência e desigualdade de gênero.
No palco, diferente da rua, a iluminação e o diálogo com o projeto de multimídia,
explorou os signos representados anteriormente na rua, ampliando as marcas sociais nas
ações e corpos das performers. A cenografia foi construída para confluir com os figurinos
e as ações cênicas das atrizes-criadoras, buscando uma renovação estética de forma
continuada e progressiva. A realização desse projeto, tornou-se uma oportunidade para
ampliar a reflexão e modificar o olhar do espectador para as questões de gênero, de
sujeição e de violência ao corpo feminino, utilizando-se do Gestus como forma de levar
o espectador a reagir de uma maneira crítica e não somente emocional.
Com referencias acerca da “crítica géstica”, as atrizes-criadoras junto com as
outras colaboradoras da equipe técnica, construíram um espetáculo performativo cuja
produção das identidades femininas, encontrasse contraposição às concepções externas e
estereotipadas dadas aos seus corpos pelo olhar social.
Entendendo que o Gestus brechtiano nos convida a refletir sobre as ações
históricas e nos torna sujeitos dessas ações, buscou-se no espetáculo performativo SAIA,
reflexões co-criadas entre os espectadores e as performers. Aqui analisaremos dois
momentos/experimentos do espetáculo performativo, visando a expansão das cenas
enquanto performance de rua e posterior ao palco.
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na cabine de relatos, horas antes na praça. Todos os relatos lidos são casos de violência
domestica, física e psíquica sofrido por alguma mulher. A atriz não fala os nomes
relatados, somente as inicias dos nomes e a cidade onde o relato ocorreu. Após ler todos
os relatos, a atriz Lika Rosá, pega uma folha branca e se posiciona novamente diante do
microfone.
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- chão de relatos, escrever as palavras agressoras que constam nos relatos. Ela também
oferece para as mulheres da plateia, pedaços de giz. Sem pronunciar nenhuma palavra,
convida as mulheres em sua volta, a escrever palavras que foram em algum momento
agressoras aos seus corpos, ou aos corpos de outras mulheres. Após o preenchimento total
do chão de relatos, a atriz Lika Rosá, começa a apagar com seu próprio corpo todas as
palavras que estão registradas no chão de relatos.
As 20:00 do dia 23 de setembro de 2021, a artista Lika Rosá entra em cena
juntamente com Carol Greco para contarem os relatos colhidos desde de 2017,
atualizados até 2021. A performer Lika Rosá, retira um tapete branco da cabine, e
simultaneamente a ação da performer Lika, Carol Greco entra e recolhe as saias de várias
mulheres que estão compondo o cenário e as distribui na cabine. Enquanto Lika abre o
tapete no chão, Carol começa a falar todos os relatos escritos pelas mulheres na
performance de rua de 2017 e incluí também relatos atualizados de agressão, feminicídio
e violência contra a mulheridade que aconteceram no dia, na semana e no mês da
apresentação dentro do ano de 2021. Lika, começa a escrever as palavras mais
impactantes dos relatos contados por Carol, construindo ações escritas no chão. Enquanto
escreve, uma projeção amplia as palavras do chão para o palco, para a cabine e nas saias
usadas pela performer Carol, amplificando e destacando as palavras. O palco é invadido
por palavras que representam ações de violência, utilizadas nos corpos das mulheres,
relatadas anteriormente pela fala da performer Carol Greco. No chão, a performer Lika
Rosá, escreve cada palavra projetada, ampliando o significado de cada palavra. Essa
reconstrução dos sentidos, que antes acontecia na rua com iluminação natural e
proximidade com os espectadores, agora acontece no palco com expansão do campo
temático e com o uso de recursos de iluminação e multimídia. Essas ações, amplificam
os corpos das mulheres em cena, resignificando o olhar dos espectadores, estabelecendo
relações de ação/reação para a construção de uma crítica feminista géstica.
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Fig. 2: Chão de Relatos Amplificado
Momento/Experimento 2 – LIMPEZA/REALIMENTAÇÃO
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As 20:20 do dia 23 de setembro de 2021, a artista Lika Rosá entra em cena juntamente
com Carol Greco, estão em cena. O tapete branco, agora é vermelho e preenchido por
palavras escritas com giz vermelho. No corpo da performer Lika Rosá, partes dessas
palavras, borradas com giz. A performer Carol Greco começa a se limpar, retirando do
seu corpo as saias utilizadas no momento/experimento anterior, enquanto Lika começa a
limpar o giz que preenche a sua segunda pele. As duas performers vão se limpando
simultaneamente até começarem a limpeza uma na outra. Essa colaboração vai ganhando
dinâmica e força. Uma se nutri da ajuda da outra, construindo uma realimentação de
sentidos e afetos. O palco que antes era invadido pelo vermelho, se preenche de âmbar e
amarelo. A intensidade da claridade invade o palco, as performers se olham e se
relacionam, começam um diálogo com o texto:
Lika Rosá - Minha amiga perdeu uma coisa muito importante e eu ajudei a procurar.
Quando ela perdeu o rumo, fui bússola. Uma vez minha amiga perdeu um dente e eu
ajudei a colar, mas teve um dia que a minha amiga perdeu a alegria.
Carol Greco – Então fizemos bolo e café. Mas nem tudo dá para encontrar assim tão
rápido. Teve um dia que minha amiga esqueceu seu próprio nome e eu chamei por ela,
chamei e chamei até que ela se lembrasse quem era. Hoje eu chamo nomes de outras
mulheres pelas ruas. Qual é o seu nome?
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Fig. 3 – Limpeza/Realimentação
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Fig. 5 – Limpeza/Realimentação expandida II
Considerações Finais
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Nesse sentido, pode-se analisar que ao utilizar imagens e relatos reais e
historicizar as ações, o espetáculo performativo SAIA, utilizou-se do distanciamento e do
Gestus brechtiano, ampliando nas práticas performativas, gestos e ações
propositadamente codificadas, que tornaram-se visíveis aos espectadores e assim
puderam co-criar entre performers e espectadores, uma critica géstica, permitindo que o
olhar sobre a performance, aplicassem reflexões sobre ações e acontecimentos próprios
da realidade social daquela plateia.
A utilização do Gestus na recepção dos espectadores, envolveu todos os corpos,
construindo uma triangulação entre corpo/atrizes, corpo/espectadores e corpo/história.
Por mais que todos estivessem trabalhando em conjunto, atrizes-espectadoras, neste
paradigma brechtiano-feminista, a recepção dos espectadores foi libertada para a
“dialética” e o distanciamento arrebatado pelo olhar, construiu o engendramento de uma
postura reflexiva.
Ao historicizar as discussões sobre a violência nos corpos das mulheres, a partir
das conexões entre os relatos e as imagens das palavras apresentadas em ações e na
cenografia, demonstraram como o olhar social pode ser determinado pelo inconsciente da
sociedade patriarcal.
A urgente necessidade de se ampliar a representação do corpo social e a identidade
da mulheridade na sociedade, foi pautada por dispositivos visíveis, por palavras e
imagens, propondo mecanismos que mostram a naturalização e banalização da violência
nos corpos das mulheres, mostrando desse modo, como os efeitos dos estereótipos
fabricados diariamente causam a morte real e subjetiva da mulher na nossa sociedade.
A expanção da performance da rua para o palco, tornou-se uma oportunidade de
se modificar os discursos sobre o corpo da mulheridade e sobre o olhar dos espectadores
sobre esses corpos. Ao utilizar o Gestus brechtiano de modo performático, fazendo
referência a “crítica feminista géstica” de Elin Diamond, as atrizes convocaram a
construção um direcionamento feminista nas ações performativas, provocando outras
leituras acerca da produção das identidades femininas, em contraposição às concepções
externas e estereotipadas dadas aos seus corpos.
Se o Gestus nos convida a refletir sobre as ações históricas e nos torna sujeitos
dessas ações, as performers, as espectadoras e os espectadores, estivaram juntos nessa
relação que sugere uma prática crítica. A ruptura com a identificação e sua substituição
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por uma atitude crítica, são questões primordiais para a realização do Gestus, cujo
objetivo é convocar reações de uma maneira crítica, mesmo que em algum momento, haja
alguma relação emocional.
Referencias
BRECHT, Bertold. Estudos Sobre Teatro. Tradução: Fiama Pais Brandão. Rio de
Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1978.
DIAMOND, Elin. Teoria brechtiana / Teoria feminista: Para uma crítica feminista
géstica. In: Macedo, Ana Gabriela & RAYNER, Francesca (Org.) Gênero, cultura visual
e performance: Antologia crítica. Ribeirão: Edições Húmus, 2011.
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