Você está na página 1de 16

Eixo: Pedagogia Histórico-Crítica

O TEATRO E AS ARTES NA EDUCAÇÃO INTEGRAL OMNILATERAL.

Elaine Cristina da Silva Melo Gonçalves (UNICAMP)1


Juliana Gonçalves Gobbe (UNICAMP)2

Resumo: O presente trabalho tem como proposta um estudo sobre a importância da arte,
do teatro, da música e da literatura numa perspectiva pedagógica voltada para a Educação
Integral. Para tanto, usamos como referência metodológica o materialismo dialético
caracterizando teatro e educação numa proposta pautada na Pedagogia Histórico-Crítica.
Os pressupostos utilizados no artigo remetem à arte numa perspectiva que oriente não só
esteticamente o aluno, mas também traga em si os elementos políticos, possibilitando
além de um apurado senso estético, uma aguçada crítica em relação à sociedade vigente.
Os estudos sobre a Escola Integral corroboram com a perspectiva de omnilateralidade e
suas consequências positivas no que diz respeito ao processo de formação humana.

Palavras-chave: Educação integral, marxismo, pedagogia histórico-crítica e teatro.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo discutir a relevância da arte em suas várias
formas: teatro, música e literatura na proposta de uma educação integral enfatizando a
Pedagogia Histórico-Crítica em sua perspectiva marxista. Ao longo da história a arte faz

1 Elaine Cristina da Silva Melo Gonçalves, Universidade estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail:
elaynemellog@hotmail.com
2 Juliana Gonçalves Gobbe, Universidade estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: julianagobbe@gmail.com>
parte da atividade humana, não somente para entreter os homens, mas também para
modifica-los num processo de integração entre autor – obra e público.

O teatro como expressão da arte que engloba em seu bojo diversas dimensões das
concepções artísticas também torna-se fundamental para o enriquecimento de uma
perspectiva estética e crítica.

Quando se fala em teatro e educação estabelecemos um grande percurso, pois aqui


no Brasil, até mesmo os jesuítas faziam uso dos textos tetrais como instrumento
pedagógico. A problemática maior que encontramos para o “uso” do teatro como
ferramenta pedagógica encerra-se em aspectos que encontram-se muito além dos muros
da escola.

Uma sociedade comprometida apenas com traços mercadológicos que não oferece
ao professor uma formação orientada pelo e para os clássicos numa movimentação
historicizante destes, perde a capacidade e a oportunidade de uma educação não somente
“do sensível”, mas para o sensível que é também racional.

Assim, a escola passa por diversos programas de orientação integral, mas que
infelizmente nada mais fazem do que oferecer nas atividades extras, o assistencialismo
oferecido por ONGs ou até mesmo a prática, muitas vezes inócuas de atividades físicas
pouco estimuladoras e mal orientadas.

Arte e sociedade – A crítica como caminho

No memorável Os Persas de Ésquilo temos uma das pesquisas mais minuciosas,


no que diz respeito às ricas variantes linguísticas de seu tempo. O vocabulário grego foi
ali amplamente investigado por este autor.

Sendo a única tragédia grega sobre um fato histórico, ou seja, o árduo caminho
percorrido por Xerxes e seu exército no confronto entre gregos e persas após a batalha de
Salamina (VIEIRA,2013)

Nesta tragédia, a rainha, mãe de Xerxes entra em crise ao receber a notícia que
seu filho estava ferido, mas esta angústia não decorre do fato dos ferimentos em si, mas
pela possibilidade dos trajes de Xerxes estarem precários e sujos.
Assim encontram-se também os artistas do nosso tempo, preocupados com
questões adjetivas, deixando as substantivas de lado.

Para Lukács:

A atividade espiritual do homem dispõe, pois de uma certa e relativa autonomia


para cada um dos seus campos; e isso diz respeito sobretudo à arte e à literatura.
Cada campo, cada esfera de atividade se desenvolve espontâneamente – por
trabalho do sujeito criador – vinculando-se de modo imediato às suas criações
precedentes e desenvolvendo-as depois, ainda quando por meio de críticas e
polêmicas. Já advertimos quanto ao fato de ser relativa esta autonomia e não
comportar a mesma, em absoluto, a negação da prioridade da base econômica;
disso, porém, não resulta, de modo algum, que a convicção subjetiva de que
cada esfera da vida espiritual se desenvolva espontâneamente seja mera ilusão.
A autonomia a que nos referimos é fundada objetivamente na essência
mesma do desenvolvimento, na divisão social do trabalho. (Lukács,
1965, p.16)

Condicionados aos fatores econômicos os artistas de todos os tempos vão retratando sua
realidade sob a diretriz de suas consciências que fatalmente vão seguir determinadas
ideologias.

Tanto para Lukács como para outros estudiosos da arte sob a perspectiva marxista:

A profundidade da influência cultural de uma obra de arte é, ela própria, um


dado de avaliação altamente problemática, de vez que a intensidade
momentânea da sua repercussão pode nos iludir e nos fazer aceitar como
profundo aquilo que, embora barulhento, é apenas episódico. E, além disso,
não podemos esperar que uma obra de arte mostre possuir uma influência
comprovadamente duradoura, pois não podemos transferir para o futuro uma
avaliação que nos compete tentar fazer no presente. A dificuldade para a crítica
de arte (e para a teorização estética que ela exige) não reside tanto na avaliação
das obras de arte já consagradas pela longa vida como na avaliação da
produção artística recente ou contemporânea, avaliação cujo empreendimento
lhe cabe fazer como tarefa inescamoteável. ( Konder, 2013, p.23)
Observamos aqui que a história sempre consagrará as obras mais importantes para
a nossa sociedade, com destaque para os clássicos, que desde a antiguidade grega são
fundamentais para a formação humana.

Cabe lembrar que hoje também, devido aos amplos problemas da má formação
temos uma crítica mal preparada para avaliar até mesmo as obras menos complexas
apresentadas pelos pós-modernos.

Porém:

Do ponto de vista do materialismo dialético, entretanto, existe o tertius: a


opção pela produção de uma arte inteira, digna, verdadeira, convicta de si como
expressão da humanidade de um homem efetivamente contemporâneo,
consciente de sua realidade histórica e social, que vive o drama de sua época;
um homem autoconsciente, ou seja, que se sabe parte e construtor da história
à busca – sim, será necessariamente busca, dado que o alcance é relativo – de
apreender o movimento do real pela reflexão e, como ser humano dotado de
sensibilidade, expressá-lo pelo e no movimento da criação de obras de arte.
(Peixoto,2003, p.24)

O homem racional tragado hoje pela irracionalidade contemporânea está em busca


de uma arte que o aguce em suas dimensões psicológicas, visto que não devem jamais ser
excluídas, mas também, em suas dimensões sociais.

O bom desempenho de artistas, como o brasileiro Sebastião Salgado e Ron Mueck


comprova o interesse pelo real que se ancora no social para realizar-se.

Neste ponto aprende-se também a importância do teatro para uma educação que
abarque a vida social.

Teatro e educação: Aproximações.

O teatro não é uma expressão artística contemporânea, pois a história nos mostra
que nas manifestações orais que decorriam sempre de festas nas quais homenageavam se
os deuses antigos lá estavam os homens ainda no início do que podemos chamar aqui de
representação da vida.

Para Costa
O teatro sempre esteve presente, desde as mais remotas épocas, no processo de
educação da criança e jovens e adultos. Se nos voltarmos para as antigas
civilizações, guiando-nos não por indícios à margem do problema educativo,
mas através de documentos ou descobertas arqueológicas, comprovaremos que
existiu em eras longínquas, um teatro para criança ou cenas nas quais as
crianças participavam. Nas criptas e sepulturas das crianças egípcias, gregas e
romanas foram encontrados bonecos articulados como as marionetes de hoje,
fazendo pensar que assim como eram distrações para os adultos poderiam ser
também para as crianças. Sabemos com certeza que na antiga Grécia, a criança
era exercitada, durante seus primeiros anos, levando em conta seus desejos e
instintos, em jogos educativos, aptos para encaminhá-la a seu aperfeiçoamento
como adulta. (Costa, 2012, p.12 ).

Sem dúvida, que temos na Grécia com a tragédia um grande momento da


representação, pois os festivais gregos eram esperados por muitos. Por lá reinavam
Ésquilo, Sófocles e o ousado Eurípedes. Vale lembrar que o drama de Édipo é até hoje
encenado com louvor nos palcos mundo afora.

Como vimos no excerto, nos tempos mais longínquos já havia o interesse de


crianças em manusear bonecos com o objetivo de contar histórias.

Segundo Costa

Os jesuítas, que, como se sabe, aprendiam em sua ordem de estudos também a


técnica teatral, favoreciam amplamente o gosto dos índios pelo canto, pela
dança, mímica e oratória, valendo-se também de seus costumes, das máscaras
e das vistosas plumagens para criar e enriquecer uma produção teatral com
finalidade de catequese. Os espetáculos estavam destinados a ser um ótimo
meio de apostolado, a ilustração de um catequismo elementar e o
prolongamento de uma liturgia rudimentar. Pode-se dizer que, com essa
pedagogia coletiva, ocuparam-se os padres, por todo o tempo em que no Brasil
permaneceram, até 1759, ano de sua expulsão imposta pelo Marquês de
Pombal, em promover a conversão dos indígenas e, por extensão, a educação
dos colonizadores. ( Costa,2012,p. 24).

Aqui no Brasil os jesuítas com as rédeas curtas da doutrinação dos índios também
fomentavam seus trabalhos com a arte na perspectiva dos fins religiosos, mas não
deixavam de inserir em suas práticas, o canto e até mesmo o uso de máscaras com a
pretensão de um fazer teatral alicerçado em pressupostos catequéticos.
O horizonte teatral aqui era o da doutrinação para o aprendizado da moral. Até
hoje em alguns trabalhos sobre teatro na formação escolar ainda vemos o conceito de
“moral” fortemente atrelado a um viés religioso. Aprende-se teatro para que através dos
textos as crianças também possam “aprender” o moralismo burguês.

Sabe-se que :

A cultura popular é uma forma amena de contestação, no sentido de resistência


à sociabilidade brutalista imposta pelo capitalismo. Foram os militantes do
teatro épico, desde a revolução Soviética, que resgataram como legítimas todas
as formas populares de teatro que nem sequer eram consideradas teatro durante
o século XIX. Foi o processo revolucionário que colocou tudo isso na ordem
do dia, a começar pelos maiores dramaturgos da revolução russa . ( Costa,
2012, p.135)

Dentro de uma perspectiva marxista, temos o teatro como expressão


revolucionária. Os russos, por exemplo, empenharam se muito para trazer ao mundo, não
só na literatura, mas no teatro uma fonte inesgotável do pensamento crítico.

No livro Viagem de Graciliano Ramos, o autor narra a sua experiência na União


Soviética, relatando uma vida artística intensa, inclusive na expressão teatral. O escritor
brasileiro conta ao seu público o grande sucesso de uma peça de Shakespeare encenada
em Moscou.

Bertolt Brecht na antiga Alemanha também procurou através de suas peças dar
voz ao proletariado num processo dialético caracterizador de um teatro eminentemente
pedagógico.

A aproximação de Brecht em relação à educação nos traz alguns questionamentos


importantes em relação ao papel do teatro na escola.

Para Rosenfeld:

O teatro científico não precisa “emigrar do reino do agradável” e converter-se


em “órgão de publicidade”. Mesmo didático, tem de continuar totalmente
teatro e, como tal, divertidíssimo, tanto mais porque “não falamos em nome da
moral, mas em nome dos prejudicados”. Porém, os divertimentos de épocas
diversas são, naturalmente, diversos, conforme o convívio social dos homens.
O povo helênico, dominado por tiranos, tinha que ser entretido de outra forma
do que a da corte feudal de Luís XIV. ( Rosenfeld, 2012, p.83).

A constatação de Rosenfeld implica em bom senso quando se pensa na


implantação de um teatro crítico na escola, seja ela de tempo integral ou não, pois afeto,
cientificidade, estética e política podem ser um agrupamento de conceitos interessantes
para se pensar a representação em âmbito escolar. O que não podemos é perpetuar o
sensível como se este não fosse também racional. Por isso a importância de estudos
comprometidos sobre o conceito de omnilateralidade a ser mais aprofundado no decorrer
deste artigo.

O teatro na escola não pode ser mais um “tapa buraco” para os dias festivos onde
professores “usam” peças comerciais. Os alunos devem ter acesso ao arsenal das tragédias
gregas, e também ao teatro de Shakespeare, Ibsen, Brecht e Piscator.

Infelizmente o que vemos hoje, principalmente na literatura é a inserção dos


clássicos como “Lusíadas para crianças”. Uma versão facilitada que menospreza a obra,
pois lhe tira o vocabulário original, certamente caro ao autor. Ler não é algo fácil como
mostra a grande mídia em suas propagandas fantasiosas. A leitura demanda habilidade
conquistada com o tempo e o oferecimento de obras que fomentem tanto os aspectos
críticos como os estéticos.

O imediatismo nos impede muitas vezes de vislumbrar o que é realmente


importante para o aluno na sala de aula, na ânsia de seguirmos as cartilhas prontas de
programas de governo imersos nas “urgências cotidianas” vamos nos esquecendo de uma
formação mais ampla e alicerçada na história.

Segundo Duarte:

Marx entendia que o desenvolvimento histórico do gênero humano tem sido


um processo contraditório e conflituoso, movido pela luta de classes e pela
contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais
de produção. Uma das maneiras como pode ser entendido o conceito de
liberdade em Marx é justamente a de que o gênero humano constrói sua
liberdade à medida que os processos sociais sejam fruto de decisões coletivas
e conscientes, diferenciando-se dos processos naturais espontâneos e
superando os processos sociais alienados nos quais aquilo que é social, e
portanto criado pelos próprios seres humanos, domina estes como se fossem
forças naturais incontroláveis tais como um terremoto, um furação, a erupção
de um vulcão etc.( Duarte,2004,p.47)

As relações escolares estão antes de tudo imersas numa sociedade que oprime a
cada instante. O coletivo citado por Duarte deve cada vez mais estar instrumentalizado
em termos de teoria e prática para que possamos transformar através da luta nossa
tenebrosa realidade.

Os estudantes de vários estados brasileiros estão mostrando suas garras em


protestos pela garantia de uma boa educação. Tudo nos leva a considerar uma privatização
futura. Antes disso haverá a luta necessária para que isso não ocorra.

Pensar a arte em seu contexto emancipador, estético e político é o dever dos


educadores para uma escola integral e integradora.

A educação integral e a necessidade de uma formação omnilateral.

É nítida a necessidade que o capital possui de estruturar a sociedade e a educação


conforme seus próprios interesses. A sociedade capitalista produz cada vez mais
necessidades alienadas de consumo, mas não produz o processo de humanização, não
produz a necessidade de apropriação dos conhecimentos mais elevados, não produz
necessidades enriquecedoras.

A necessidade de apropriação de conhecimentos clássicos na sociedade atual é


urgente. Vivemos em uma sociedade que o avanço da burguesia ultrapassa todos os
limites. Fica cada vez mais evidente o quanto a sociedade capitalista de um modo geral
contribui para que nos tornemos seres unilaterais, alienados e pobres, não apenas no
sentido econômico, mas também pobres de conhecimento e de formação como seres
humanos. Diante disso se faz necessário uma educação integral na qual a arte em todas
suas forma : a música, o teatro, literatura, se oponham ao caráter unilateral na sociedade
capitalista contemporânea, levando a assim a uma formação omnilateral, completa e
humana. Para ser alcançar o nível de humanização em que os conteúdos clássicos, gere
uma necessidade aos indivíduos, é preciso que as necessidades básicas da vida estejam
satisfeitas. E isso só é possível diante da superação da sociedade atual, ou seja, da
sociedade capitalista.

A educação integral deve gerar no aluno uma necessidade de apropriação de


conhecimentos e fazer com que essa necessidade aumente cada vez mais, deve-se formar
numa perspectiva omnilateral, rompendo com o caráter unilateral.

A arte em todas as suas formas é um dos mais poderosos recursos culturais para o
desenvolvimento da subjetividade humana.

A arte e teatro

A arte em todas as suas formas é um dos mais poderosos recursos culturais para o
desenvolvimento da subjetividade humana, ela exerce forte influência na formação do
indivíduo, contribuindo assim para a visão e realidade do mundo. Sendo assim a
incorporação destes na educação integral é imprescindível.

O teatro que faz parte desse mundo artístico estimula o aluno para o processo da
sua omnilateralidade humana, pois contribui para o processo construtivo da consciência
do aluno. Dessa forma é de extrema importância para a educação integral omnilateral. Ele
não é somente arte, mas também educação. Através do e teatro é possível apreender a
totalidade das manifestações e ideias humanas.

Considerando que os clássicos devem ser incorporados na educação de tempo


integral, acreditamos ser importante a inserção do teatro clássico, principalmente as
tragédias gregas, que tem grande representação como objeto de cultura.

Em relação a arte, há uma desvalorização na educação escolar. Ela é tratada


somente como mais uma disciplina, na maioria das vezes de forma totalmente desarticula
com o que verdadeiramente é arte.

Para Martins:

[...] ainda é comum as aulas de arte serem confundidas com lazer, terapia,
descanso das aulas sérias, o momento para fazer a decoração da escola, as
festas, comemorar determinada data cívica, fazer o presente do dias dos pais,
pintar o coelho da páscoa e árvore de natal (MARTINS,1998, p. 10).
A arte não é valorizada na escola pública, é negado o acesso a esse tipo de saber.
Dessa forma algo essencial à formação humana acaba não fazendo parte da formação dos
alunos. Na sociedade capitalista atual a arte tornou-se um produto da burguesia, não há
socialização com a classe trabalhadora, é negado a ela esse tipo de saber rico e humano.
Para Duarte 2009 , se a arte propiciar aos indivíduos uma vivência subjetiva intensificada
de conflitos que impulsionem a autoconsciência a níveis cada vez mais elevados, ela
desempenhará uma função formadora, isto é, educativa.

Através da arte é possível apropriar-se da realidade e transformá-la. Segundo Kosik:

A arte, no sentido próprio da palavra, é ao mesmo tempo desmistificadora e


revolucionária, pois conduz o homem desde as representações e os
preconceitos sobre a realidade, até a própria realidade e à sua verdade. Na arte
autêntica e na autêntica filosofia revela-se a verdade da história: aqui a
humanidade se defronta com a própria realidade. Qual é a realidade que na arte
se revela ao homem? Talvez uma realidade que o homem já conhece e da qual
deseja apenas apropriar-se sob outra forma, isto é, representando-a
sensivelmente? (KOSIK, 1994, p.130)

É lamentável a forma com que, a arte parece distanciar-se das pessoas. A escola
que tem o papel de transmitir os conhecimentos clássicos, que teria o papel de ensinar a
arte na sua forma mais desenvolvida acaba se consolidando em formar os indivíduos a
serviço da organização do mercado.

Segundo Lukács:

[...] nas grandes obras de arte, os homens revivem o presente e o passado da


humanidade, as perspectivas de seu desenvolvimento futuro, mas os revivem
não como fatos exteriores cujo conhecimento pode ser mais ou menos
importante e sim como algo essencial para a própria vida, como momento
importante também para a própria existência individual. (LUKÁCS, 1970, p.
268)

Para ele a obra de arte liga o percurso da vida individual ao percurso histórico da
humanidade, dá oportunidade do indivíduo reviver o passado, o presente de uma forma
muito intensa como se isso fizesse parte da sua própria vida.
A música
A música tem o poder de exercer influência nas emoções e sentimentos, dessa
forma obviamente contribui para o desenvolvimento do pensamento, da memória e da
atenção. Como qualquer manifestação artística, ela influência na vida e na formação da
identidade de qualquer pessoa, ela envolve um processo intelectual. A educação musical
é parte muito importante da formação omnilateral que almejamos para essa sociedade. É
claro que precisamos superar o capitalismo para que possamos ter verdadeiramente uma
educação comprometida coma formação completa do ser humano.

Segundo Saviani a música tem uma grande contribuição para o desenvolvimento integral
do ser humano.
[...] É uma educação de caráter desinteressado que, além do conhecimento da
natureza e da cultura envolve as formas estéticas, a apreciação das coisas e das
pessoas pelo que elas são em si mesmas, sem outro objetivo senão o de
relacionar-se com elas. Abre-se aqui todo um campo para a educação artística
que, portanto, deve integrar o currículo das escolas. E, nesse âmbito, sobreleva,
em meu entender, a educação musical. Com efeito, a música é um tipo de arte
com imenso potencial educativo já que, a par de manifestação estética por
excelência, explicitamente ela se vincula a conhecimentos científicos ligados
à física e à matemática além de exigir habilidade motora e destreza manual que
a colocam, sem dúvida, como um dos recursos mais eficazes na direção de uma
educação voltada para o objetivo de se atingir o desenvolvimento integral do
ser humano. (SAVIANI, 2008, p.328).

Para Saviani, a música envolve a física, matemática, habilidade motora para tocar
os instrumentos, desenvolve a nossa subjetividade afetiva, dessa forma contribui de forma
significativa para a educação e formação no indivíduo.

O ser humano deve apropriar-se das ricas e desenvolvidas objetividades existente


da música, construindo assim a sua subjetividade de forma completa, ou seja omnilateral.

A literatura

A literatura, assim como a arte, é uma forma de conhecimento, de perceber o


mundo, de construir nossa consciência crítica. Ela nos dá o prazer de entender e conhecer
melhor o mundo e nós mesmos, contribui para o enriquecimento intelectual e cultural de
cada leitor, ela nos encanta.

Notadamente há uma desvalorização dos conhecimentos clássicos na educação


escolar, com a literatura não seria diferente, mas, porque a escola não oportuniza ao
indivíduo conhecer a literatura clássica? Não teria ela essa tarefa de ensinar a ler, a gostar
de ler? A literatura tem um grande valor cultural, dessa forma necessita ser socializada e
isso é necessário ser feito através da educação escolar. É necessário que a escola
primeiramente ensine a criança a ler e desde então estimule a leitura. As propostas de
ensino atual não valorizam a literatura em sala de aula, dessa forma fica muito difícil o
contato da criança com os livros, pois muitas vezes chegam em casa e também não há
incentivo e muitos pais sequer sabem ler.

Diante desse quadro a educação integral deve valorizar leitura, propondo


atividades voltadas à literatura, despertando no individuo a paixão pela arte de ler.

A literatura tem um valor tão significativo na vida dos indivíduos que tem contato
com ela que você não precisa ter o conhecimento de determinada época, ou determinado
lugar para entender uma história literária, ela tem um poder tão imenso, que nos
envolvemos na história, revivendo-a. Ela ajuda entender sentimentos e proporciona a
expressividade pela arte.

Rumo a uma educação integral Omnilateral: Contribuições da pedagogia


histórico crítica.

A educação integral tem se limitado à questão do tempo diário de permanência da


criança na escola, sem uma proposta pedagógica que verdadeiramente assuma o
compromisso com a superação do caráter unilateral da formação e da vida humana na
sociedade burguesa.

Nesse sentido, cabe à escola transmitir os conhecimentos produzidos


historicamente, produzindo assim nos alunos a necessidade de apropriação cada vez
maior desses conhecimentos em seus níveis mais elevados. Pois assim como o trabalho é
repartido alienado e fragmentado a educação nessa sociedade também, é cada vez mais
unilateral e subordinada ao cotidiano alienado.

Estará assim contribuindo para a formação de um ser humano rico e desenvolvido.


Segundo Marx (2004, p. 112-113)

O homem rico é simultaneamente o homem carente de uma totalidade da


manifestação humana de vida. O homem, no qual a sua efetivação própria
existe como necessidade interior, como falta. Não só a riqueza, também a
pobreza do homem consegue na mesma medida – sob o pressuposto do
socialismo – uma significação humana e, portanto, social. Ela é o elo passivo
que deixa sentir ao homem a maior riqueza, o outro homem como necessidade.
A dominação da essência objetiva em mim, a irrupção sensível da atividade
essencial é a paixão, que com isto se torna a atividade da minha essência.
Segundo essa concepção de Marx, o ser humano, o homem rico é alguém que tem
a necessidade de se apropriar das objetivações do gênero humano nas suas formas mais
desenvolvidas. É nesse sentido que a escola deve produzir essa riqueza nos alunos, não
riqueza no sentido econômico tão idolatrada na sociedade capitalista, mas sim riqueza
plena de conteúdo. A escola atual produz necessidades cotidianas e para o imediato aos
alunos, à contraposição a pedagogia histórico critica defende a produção de necessidades
ricas e completas, fazendo com que haja a apropriação das objetivações humanas como a
arte, a ciência, a filosofia, levando o indivíduo uma formação integral, omnilateral.
Esclarece, porém, Duarte (2013, p. 215) que se faz necessário trabalhar com uma
contradição:
A educação escolar na sociedade capitalista não poderá formar plenamente
esse ser humano rico, pois isso só poderá ser alcançado com a superação dessa
sociedade. Mas já é possível, nas condições atuais, fazer com que os
conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos se tornem necessários para
os indivíduos, produzindo o movimento de superação dos limites da vida
cotidiana e da individualidade centradas na satisfação das necessidades
particulares. Para isso, porém, o trabalho educativo escolar precisa ter como
referência, do ponto de vista da formação dos alunos, o movimento de
superação da individualidade em si, por sua incorporação à individualidade
para si; e precisa ter como referência, para a definição dos conteúdos e métodos
de ensino, as objetivações mais desenvolvidas do gênero humano. (Duarte
2013, p. 215)

Ao contrário, da formação humana unilateral, fragmentada e alienada, a


formação omnilateral, desenvolve o ser humano em todos os sentidos e aptidões. A
dimensão subjetiva da existência humana deve ser para além da alienação, isso é
enfatizado na seguinte citação do Marx:

Pressupondo o homem como homem e seu comportamento com o mundo


enquanto um [comportamento] humano, tu só podes trocar amor por amor,
confiança por confiança etc. Se tu quiseres fluir da arte, tens de ser uma pessoa
artisticamente cultivada; se queres influência sobre outros seres humanos, tu
tens de ser um ser homem que atue efetivamente sobre os outros de modo
estimulante e encorajador. Cada uma das tuas relações com o homem e com a
natureza tem de ser uma externação (Äusserung) determinada da vida
individual efetiva correspondente ao objeto da tua vontade. Se tu amas sem
despertar amor recíproco, isto é, se teu amor, enquanto amor, não produz amor
recíproco, se mediante tua externação de vida (Lebensäusserung) como
homem amante não te tornas homem amado, então teu amor é impotente, é
uma infelicidade. (Marx, 2004, p.161)
Marx deixa bem claro na citação acima como deve ser o ser humano ominilateral,
ou seja completo. Esse é um ideal de educação integral, voltada para a formação completa,
das aptidões fisicas e psiquicas.

Considerações Finais

Sabendo-se que a educação participa na vida e no crescimento da sociedade, a


escola tem por obrigação ensinar o conhecimento humano na sua forma mais elevada. A
educação integral, a escola integral, portanto deve formar seres integrais de modo pleno.
A ideia que se tem hoje do que seja uma boa educação é reduzida ao cotidiano alienado
e pragmático, enquanto que por exemplo: as artes em todas as suas formas, a história
antiga, a música, a filosofia e os conteúdos clássicos que contribuem para o
desenvolvimento dos indivíduos são descartados pois não tem vantagem comercial e nem
política perante a sociedade atual. Isso causa profundas implicações na educação uma vez
que esta é regida por políticas totalmente hegemônicas dificultando assim a apropriação
de conhecimentos necessários para a construção de uma visão de mundo rica e consciente.
A escola integral precisa assumir uma proposta pedagógica que verdadeiramente
comprometa-se com a superação do caráter unilateral da formação e da vida humana na
sociedade burguesa. Contribuindo para edificação do ser humano, para sua formação
verdadeiramente humana, omnilateral.

Referências Bibliográficas:

COSTA, H. A importância do teatro na escola e formação do aluno. 2012. Trabalho de


conclusão de curso. Instituto de Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

COSTA, Iná. Nem uma lágrima. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, Nanquim, 2012.
DUARTE, N. Arte e educação contra o fetichismo generalizado na sociabilidade
contemporânea PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 27, n. 2, 461-479, jul./dez. 2009

DUARTE, Newton. A Individualidade Para Si: contribuição a uma teoria histórico-crítica


da formação do indivíduo. Campinas, Autores Associados, 3ª ed. 2013.

DUARTE, N. Formação do indivíduo, consciência e alienação: O ser humano na


psicologia de A. N. Leontiev. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 44-63, abril 2004.

KONDER, Leandro. Os marxistas e a arte. 2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

KOSIK, K. Dialética do concreto. trad. Célia Neves e Alderico Toríbio. 2ª ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1995

LUKÀCS, Georg. Ensaios sobre literatura.1.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1965.

LUKÁCS, George. Introdução a uma estética marxista. Sobre a particularidade como


categoria estética. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira.

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa: GUERRA, Maria Terezinha Telles.


Didática do Ensino de Arte - A língua do mundo. Poetizar fruir e conhecer arte. São
Paulo: FTD, 1998.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo. Boitempo editorial, 2004

RAMOS, Graciliano. Viagem. 6.ed. São Paulo: Martins,1970.

ROSENFELD, Anatol. Brecht e o teatro épico.1.ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.

SAVIANI, D. Escola e democracia. 41.ed. Campinas: Autores Associados, 2008.

VIEIRA, Trajano. Os Persas de Ésquilo.1.ed. São Paulo: Perspectiva: 2013.

VAZQUEZ, A. S. As ideias estéticas de Marx.; trad. Carlos Nelson Coutinho. 2ª ed. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

Você também pode gostar