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A CIDADE E O TEATRO

BOYER, M. Christine. “3. The City and the Theater”. Part 1. Historical Precedents for the City of
Collective Memory. In:
The city of collective memory: Its historical imagery and architectural entertainment. Cambridge:
MIT Press, 1998.
Paginas 74-127.
OBS - Esta tradução somente poderá ser utilizada pelos alunos de ELT, pois é inédita.

Quantas vezes a cidade, sua arquitetura, e o teatro foram entrelaçados, afinal o teatro quase
sempre é um
reflexo das representações da vida pública, e o espaço público é freqüentemente organizado como
se fosse um lugar para a representação teatral. Ambos o teatro e o espaço urbano são lugares da
representação, da reunião, e das trocas entre atores e espectadores, entre o drama e o lugar da
cena. Encontrando as suas raízes na experiência coletiva da vida cotidiana, eles tentam ordenar as
experiências desse caos. A palavra grega, "theatron", significa literalmente "lugar de ver”;
demonstrando analogicamente que os espaços teatrais e arquitetônicos são ambos prismas
culturais onde o espectador experimenta a realidade social e observa os mecanismos dessa
realidade espacial metafórica, estabelecendo uma cena como autêntica e verdadeira, ou como
fantasiosa e espetacular. Como recurso da perspectiva, o teatro e a arquitetura impõem
significados coerentes e representações ilusórias, que determinam o que chamamos de uma
performance bem feita (que funciona). As montagens ou os arranjos cenográficos teatrais são
espelhos sustentados para a sociedade. Refletindo freqüentemente a imagem aperfeiçoada de uma
cidade bem ordenada, estas encenações são verdadeiros retratos cívicos intencionalmente
relembrados. A forma arquitetônica da cena inserida no espaço urbano estabelece essa composição
teatral como um ponto focal, uma espécie de truque da memória artificial não apenas para
espectadores ao acaso, mas para os cidadãos de uma nação, de uma região, ou da própria cidade.
Até o final do século XIX, a cidade como uma obra de arte manteve uma sensação de ordem e
moral dentro de suas formas estéticas, trazendo a memória de uma sociedade harmoniosa para
uma revisão pública. Este ideal foi alcançado anteriormente em Atenas, no século V a. c., quando
o teatro ajudava nas representações das proezas e tragédias individuais ou coletivas, quando o
drama pretendia instruir o espectador recordando costumes, valores e leis da cidade, no desejo de
recordar o passado para inspirar atos aperfeiçoados no futuro. A cidade e o teatro estavam
literalmente fundidos: o drama alcançado não era apenas para instruir sua audiência, ao envolvê-la
dentro de sua mensagem, mas este ato de contenção foi reforçado ainda mais pela forma
semicircular do anfiteatro grego, que incluía os seus espectadores, ao mesmo tempo em que o
drama e o teatro eram confinados, sucessivamente, pelas definições geográficas e delimitações
ideológicas da cidade.

O teatro clássico forçava o espectador a participar do diálogo, uma dessas questões sobre o
significado do drama, julgava a lógica desses eventos e investigava o seu significado moral. O
drama veio de vários lugares e era direcionado para alguém. Na cidade contemporânea do
espetáculo, tudo que permanece no drama da arquitetura e da cidade é pura forma visual. Não
questionamos mais a performance, já que não existe mais argumento moral, narração lógica, ou
meio social para unir o drama e os espectadores no diálogo. Visualmente atraídos, nos
submetemos às exibições teatralizadas e suspendemos o julgamento crítico. O Agon das disputas
terrenas que colocou a encenação contra a audiência, o espaço do teatro contra a cidade, tem sido
ofuscado pela centralidade (centerless) esparramada (ou talvez descentralidade) da cidade
contemporânea. As dramaturgias publicitárias e as cenografias arquitetônicas da teatralizada
cidade contemporânea nos aproximam da condição que Jean Baudrillard descreve como "a
sedução dos sinais se tornaram mais importantes do que a emergência de qualquer verdade".
O teatro contém disputas terrenas dentro de sua estética, seja por sua visão utópica, por sua
posição de
resistência, por soluções libertárias, ou por ações conservadoras. É um prisma pelo qual o
espectador olha para perceber visualmente a realidade. Como a essência do teatro é revelar e
ocultar, esse prisma de fato distorce ou desvia completamente suas representações imaginárias. O
teatro é propriamente ambíguo: pode se emancipar por liberar paixões e imaginações ou por criar
uma sociedade fora de seus espectadores, mas também pode subjugar e controlar uma audiência
através de recursos de distanciamento e interiorização. Se há uma contínua mudança na natureza
teatral e na ordem de visão das cidades contemporâneas, então precisamos perguntar que tipo de
ruptura a cidade do espetáculo vinculou, quais as formas que o teatro vem descartando e quais
ainda contém? E, mais que tudo, o que precisamos explorar nesta história do teatro e da cidade
são os enigmas da sociedade. Se vamos ser envolvidos criticamente com o Agon da cidade, isso
implica que nós devemos tentar suprimir a distância que separa a arte da realidade, a forma da
cidade da moralidade política, o público fragmentado do ideal coletivo. Se o teatro e a cidade
viessem a estar junto, talvez pudéssemos entender a desconstrução e a natureza invisível da
cidade, pelos questionamentos das formas teatrais.

Vitruvius descreveu em De Architectura o que deveria ter sido o teatro clássico dos tempos de
Augustos, seu espaço de performance e formas cênicas. Este teatro continha uma cena
arquitetônica total que cercava o palco, o espectador, o anfiteatro, e a paisagem. Não havia
nenhuma cortina separando a audiência dos atores, e nenhuma iluminação submergindo os
espectadores na escuridão enquanto se realçava o palco. E a cidade, que recebia as instruções do
drama, podia sempre ser vista além do teatro, onde uma performance era encenada na luz do dia.
Isso mostra que o fundo da plataforma do palco (a scaena) era constituído por duas portas
decoradas para se assemelhar com aquelas de um grande palácio, e para a direita ou esquerda
havia portas para os aposentos dos convidados. Estes formavam um fundo plano para o palco que
serviam como entradas e saídas para os artistas. Além disso, o periaktoi era uma espécie de nicho
fixado aparte, para que os prismas com três faces fossem decorados com três cenas diferentes,
girados através de meios mecânicos. Estas cenas fixas - uma trágica, uma cômica, e uma satírica
-eram usadas para proporcionar uma atmosfera teatral. As cenas trágicas eram decoradas com
colunas, frontões, estátuas, e outros objetos cerimoniais, enquanto que a cena cômica era
completamente diferente, cheia de imagens de habitações privadas, sacadas, e uma série de
janelas. O cenário de Silvan com árvores, grotões, e montanhas decoravam a cena satírica.
Dificilmente ofereciam uma Ilusão cênica, porém, algumas convenções pareciam determinar a
mudança de localização: girando um dos periaktoi significava uma troca de cena dentro da mesma
cidade, enquanto que girando ambos significava um movimento para outro lugar; entrando de um
lado do palco implicava que aquele personagem vinha da
cidade, do outro lado significava que vinha de outro país. O teatro clássico não pretendia uma
ilusão cenográfica, mas emprestava-se à sugestão imaginativa ou ao maravilhamento. O diálogo
permanecia como o evento teatral mais importante e o cenário um embelezamento menor.

Embora a confusão reine com respeito ao palco clássico, Vitruvius parece dar evidências de que a
arte
cenográfica, uma ramificação da ótica que teria a ver com a representação da ilusão pictórica, era
conhecida dos antigos. Retratando uma representação precisa do espaço, ou projetando uma visão
como se o espectador estivesse lá, de fato, tendo que entender os princípios da perspectiva linear.
Ambas as ilusões arquitetônica e cenográfica confiavam nessas regras permitindo ao olho uma
viagem para trás, através da reentrância espacial dentro da cena ilustrada. Assim, Vitruvius
escreveu no volume 7 de seus trabalhos, “...Agatharcus em Atenas, quando Aeschylus estava
apresentando uma tragédia, pintou uma cena, e deixou um comentário sobre isto. Isso estimulou
Democritus e Anaxagoras a escrever sobre o mesmo assunto, mostrando como representar um
centro em um lugar definido, as linhas deveriam corresponder naturalmente com a devida
consideração com o ponto da visão e a divergência dos raios visuais, de forma que por este truque,
uma representação fiel da aparência de edifícios poderia ser dada em um cenário pintado, de
modo que, embora tudo fosse tirado de uma fachada plana vertical, algumas partes podiam
parecer que estavam sendo retiradas do fundo, e outras estavam se posicionando na frente”.

Esquecida no pó do tempo, as leis da ótica da perspectiva esboçada por Vitruvius, essenciais para
a arte
cenográfica e para a composição arquitetônica, seriam redescobertas junto com seus textos em
1414. Embora seu tratado tenha sido mutilado pela idade e encontrado cheio de omissões e
imperfeições, ele influenciou uma extensa linha de novos compêndios arquitetônicos. A De re
Aedificatoria, de Leon Baptista Alberti, foi o primeiro a se basear no trabalho de Vitruvius e que
foi impresso sem ilustrações em 1485, mesmo tendo circulado em forma de manuscrito desde
1452. Obtendo lições aprendidas e emprestadas dos gregos, os humanistas do Renascimento do
século XV tentaram insinuar uma sensação de composição e claridade na desordem caótica de
suas cidades projetando ilusões de harmonia e significado moral sobre o seu tecido urbano.

Alberti concebeu, portanto, uma cidade ideal como um teatro imaginário de cena trágica, cujas
ruas eram pavimentadas, perfeitamente limpas e enfileiradas com duas filas idênticas de casas ou
arcadas e pórticos de altura uniforme. Como uma obra de arte harmoniosa, esta cidade ideal foi
organizada como se todas as suas partes tivessem o seu lugar formal, número, proporção e ordem.
No centro de cidade, Alberti colocou uma biblioteca que representava a consciência cívica textual
e intacta, para seguir os gregos, ele também acreditava que sem a memória de suas origens e os
princípios de continuidade, uma cidade tenderia para destruição. Enfocando as praças de sua
cidade, palcos realmente teatrais cercados por diferentes arcadas históricas, ele deu para cada um
desses cenários uma função específica, como um mercado ou um lugar para exercícios físicos, e
os transformou em tipos de construções projetadas de acordo com as regras da proporção.
Considerando que o homem era a medida de todas as coisas, a própria altura formal de uma praça
deveria ser um terço, ou pelo menos um sexto, de sua largura e assim se elevavam dentro do
ângulo de visão do espectador. Ele escreveu sobre sua cidade ideal cheia dessas praças teatrais,
afirmando, “Glórias brotando nas praças públicas; a reputação é nutrida pela voz e pelo
julgamento de muitas pessoas de honra, no meio do povo. A fama escapa de todos os locais
solitários e privados para habitar alegremente na arena, onde multidões são reunidas e o encontro
é celebrado; lá o nome é brilhante e luminoso, daquele que com suor e trabalho duro e assíduo
para fins nobres é projetado para fora do silêncio, da escuridão, da ignorância, e do vício”.

O mundo ideal e real de Alberti estimulou existências separadas, e ele permaneceu pessimista
sobre como poderia, de fato, mudar a realidade e alcançar uma harmonia irrealizável. Não
obstante, um bom pintor, seguindo as regras da perspectiva, poderia criar a ilusão da unidade e
assim poderia infundir ideais humanistas em um mundo resistente. Um arquiteto bem treinado
poderia projetar palcos ideais da cidade e inseri-los ao acaso na mistura heterogênea das formas
urbanas, insinuando uma ilusão de ordem harmoniosa que controlava a caótica e incontrolável
realidade. Este era o ponto de fuga para o qual todas as teorias de Alberti se esforçavam: a
milagrosa ligação do aperfeiçoado mundo humanista com a realidade, do espiritual com o
temporal e, por extensão, os ideais teatrais reordenando a alma do espectador. Desse modo, sua
cidade imaginária se tornou um palco pictórico para a representação de ações significantes, um
meio teatral de poder e status, de encantamento e estabilidade, dignidade e glória que aconteciam
em um mundo enganoso e turbulento. O plano da cidade era estabelecido como a expressão mais
alta de virtude e propósito racional, apoiava a ilusão de um mundo perfeitamente harmonioso e
mantinha o seu mito intacto.
Alberti aconselhava o pintor para que ele pudesse apresentar a imagem e a realidade juntas e mais
próximas, seguindo as leis da perspectiva pelo uso de uma câmera obscura. Um pintor, ele
escreveu, “faz algumas coisas incríveis para serem fechadas em uma caixa pequena a serem vistas
por um buraco pequeno. Poderiam ser vistos, aqui, vastos planos e poderiam ser esparramados ao
redor de um mar enorme, e para longínquas regiões perdidas ao longe. Elecostumava chamar
essas coisas de demonstrações. Eram tantas que o instruído e o inculto poderiam afirmar que
nãoreconheciam aquilo como sendo feito com um pincel, mas como a verdadeira natureza”.

As leis da perspectiva permitiram que o artista pudesse resolver, matematicamente, o problema de


diminuiçãoem tamanho com a distância e assim produzir um espaço pictórico que era enfocado
centralmente e colocado em escala uniformemente. Edifícios e monumentos eram os objetos em
espaço que o artista analisava formalmente e comparava em suas relações proporcionais para
imitar, ordenadamente, o que o olho percebia. Em seguida, esta paisagem arquitetônica ideal era
projetada sobre um plano ou véu, num gesto que reduzia a diferença entre a construção e a pintura
para um meio. Assim, a perspectiva linear das pinturas abrangia as montagens arquitetônicas e
teatrais, recriando as praças da cidade com suas arcadas, fileiras de cornijas e janelas, que
desapareciam no ponto de fuga. Por conseguinte, ambas as arquiteturas pintadas e reais eram
aproximadas de maneira similar: ao longo de um eixo central do qual o observador imaginário ou
verdadeiro contemplava atentamente uma série de objetos proporcionalmente organizados que se
recolhiam em direção ao fundo. E ambos, o pintor e o espectador, olhavam pelo mesmo ponto de
vista em direção ao mesmo ponto de fuga.

Giulio Carlo Argan sublinhou este interesse figurativo e arquitetônico dos artistas do
Renascimento, descrevendo os painéis de Brunelleschi no Baptistry e no Palazzo della Signora.
Para ver o primeiro painel, o espectador tinha que olhar o seu reflexo em um espelho através de
um orifício na parte de trás do painel. O espelho era colocado a uma distância proporcional para a
que o artista tivesse de fato uma posição em seu trabalho, enquanto um fundo de prata polida
refletia o céu com suas nuvens em movimento. O segundo painel era muito grande para este ato
reflexivo, assim Brunelleschi recortou as estruturas seguindo os seus esboços do cume do telhado
e então colocou este trabalho contra um fundo do céu real. Argan sugere que Brunelleschi recorria
a tais manobras visuais para demonstrar as leis da simetria e da proporção que um bom pintor
deveria seguir. Por conformidade às leis da perspectiva linear o artista chegou à proporção, mas se
o único ponto de vista do olho do pintor para o plano do quadro não fosse seguido com precisão,
então a imagem invertida no espelho seria assimétrica e seus defeitos mais aparentes nesta visão
desacostumada. Tal demonstração permitia ao espectador estabelecer a precisão dos cálculos do
pintor e a exatidão na sua ilusão da realidade. Mas, segundo Argan, em nenhuma pintura
Brunelleschi pintou o céu, porque ele desejava demonstrar que o artista só deveria se interessar
em representar objetos no espaço que pudessem ser conhecidos por meio de medições e
comparações. Por suas limitações, a arquitetura deu definição ao espaço no qual era localizado e
que poderia ser medido, mas o céu sendo ilimitado era, por conseguinte, imensurável. Um
conhecimento exato do espaço tinha se tornado para o artista do Renascimento uma demonstração
suprema da dominação do homem sobre a realidade.

Esta perspectiva racional com sua ilusão de espaço fundo começa a abrir uma distância que separa
o espectador da imagem, o tema do objeto. Se nas experiências de Brunelleschi ou na câmera
obscura de Alberti, onde o realismo da visão representada revelou o controle do pintor sobre a
precisão estética da imagem, ou no efeito construído pela narrativa dramática que pretendia
educar moralmente e controlar socialmente o observador, os limites divorciavam os assuntos
percebidos no objeto representado. A visão pictórica emoldurada e o tema de composição
unificada excluíram elementos estranhos e subtemas periféricos da visão e refletiram a presença
de uma autoridade que a tudo via e a tudo compreendia, controlando a cena. Mas esta
representação da cena também incluía o espectador como a audiência teatral. Os eixos visuais que
radiavam do ponto focal de um piazza ou praça urbana eram reflexões do espelho dos eixos que
convergiam do olho do espectador e conseqüentemente, como Normal Bryson escreve em Visões
e Pinturas, “o espaço de AIberti voltava o corpo para si mesmo em sua própria imagem, como
unidades mensuráveis, visíveis, objetivadas....solidificava uma forma que desejava prover o
assunto observado com a primeira de suas objetivas identidades.”

O desenvolvimento da projeção em perspectiva dependia das técnicas de levantamento e


mapeamento que pudessem localizar e escalar cuidadosamente objetos no espaço tridimensional,
e representá-los em planos de superfícies uniformes. Sendo assim, existia no Renascimento uma
relação recíproca entre o desenvolvimento da perspectiva e da cartografia. Nos mapas medievais,
as cidades eram simbolicamente representadas como uma coleção típica, mas de monumentos
isolados. Tais mapas não pretendiam oferecer uma noção precisa da escala nem refletir a distância
medida entre dois objetos. O Renascimento buscou um sistema para que, coletivamente e
racionalmente pudesse exibir a ordem dos monumentos e o significado dos lugares na cidade;
para que simultaneamente e concretamente pudesse representar a topografia do espaço urbano.
Eles buscavam uma nova totalidade simbólica e espacial. Ambas congeladas em métodos de
mapeamento e visualização da extensão de terra da cidade. Conseqüentemente a cidade foi
submetida a uma ordem radial de ruas axiais que convergiam em pontos focais e praças
regularizadas. Este sistema de estradas axiais, além disso, foi concebido por cima do tecido
existente da cidade e se tornou um dispositivo gerador de uma nova totalidade simbólica e
espacial que juntou a cidade murada à sua região circunvizinha. Na visão de AIberti, essas rotas
axiais planejadas se tornariam o dispositivo principal de estruturação, seriam rotas processionais
flanqueadas por filas paralelas de edifícios de alturas uniformes, pórticos ou fileiras de árvores,
direcionando a visão do espectador para o ponto focal ou culminando na praça.

O interesse de Alberti pelas leis da ótica e pelo espaço topográfico combinava com o seu desejo
de expressar, mais precisamente, a imagem inspirada na antiguidade. Obcecado pela memória da
antiga Roma e ciente de que a cidade do século XV era uma pilha de ruínas e fragmentos
quebrados, que a cidade clássica se revelava realmente enterrada embaixo da cidade
contemporânea, Alberti começou um estudo exaustivo de todos os fatos conhecidos sobre os
monumentos de Roma e impulsionou a sua imediata restauração. Desenvolvendo um método
baseado no uso de coordenadas polares, ele estabeleceu sobre as medidas das paredes de Aurelian
e submeteu suas descobertas a um mapa na escala da cidade. Cada edifício foi colocado por duas
medidas, um levado de um raio que atravessava o edifício para o centro da cidade estabelecida
como o Capitolium, e o outro de um raio semelhante para um ponto em um horizonte circular.
Determinando distâncias precisas e a localização de monumentos importantes, uma nova
composição topográfica da totalidade da cidade emergiu, na qual muralhas e entradas, rios,
templos, monumentos cívicos e históricos, edifícios públicos e eclesiásticos ganharam significado
primário. Na expectativa de que essa análise sintética e morfológica pudesse ser uma chave visual
para uma eventual restauração da Roma antiga, Alberti pretendia oferecer para o espectador uma
experiência cerimonial e teatral da cidade, e por conseqüência ele desenvolveu um guia
sistemático para essas antigas ruínas e monumentos Cristãos.

Racionalmente traçado, o espaço arquitetônico descrito na visão em perspectiva foi transferido


para o palco teatral no trabalho de Sebastiano Serlio, cujos volumes ilustrados de Achitettura
começou a aparecer em 1537. Marcando o início da publicação arquitetônica, Serlio pretendia que
as ilustrações fossem o ponto principal de seu trabalho, justapondo seus comentários, os quais
utilizara extensamente no trabalho de Vitruvius e de Alberti, em uma página contrária à página
ilustrada. Serlio estabeleceu os desenhos da cena como um subproduto da arquitetura e descreveu
em seu segundo volume (publicado em 1545) as leis da perspectiva que transformou o palco
dentro do cubo cenográfico, um ato do qual raramente escapou. Suas ilustrações cênicas -
emprestadas das visões trágicas, cômicas e satíricas de Vitruvius - recriavam no palco ilusionista,
cenários arquitetônicos, praças públicas, e cenas de rua já representadas na perspectiva por Alberti
e por outros pintores do Renascimento. Em um anfiteatro semicircular baseado no padrão
clássico, porém, incluso e prolongado em sítios retangulares, Serlio eliminou o palácio do fundo
do palco clássico e o substituiu por um plano na frente do palco, onde a ação acontecia e uma
seção inclinada ficava por trás. Esta seção permitiu um quadro em perspectiva para ser organizado
usando três pares diferentes de enquadramentos alinhados em um ângulo, dos quais alguns eram
tridimensionais e outros achatados. Como suas ilustrações de xilogravura descreviam, Serlio
embelezou a cena de Vitruvius: no palco de arquitetura trágica, por exemplo, o espectador via
palácios, templos, arcos triunfais, obeliscos, pirâmides, e outras edificações, espaçosas praças e
longas vistas de avenidas com cruzamentos de ruas, tudo organizado paralelo ao plano da pintura,
mas retrocedendo de maneira idêntica em direção ao fundo pintado, cuja visão em perspectiva
levava o olho ainda mais longe da profundidade.

Os desenhos de Serlio, entretanto, deixaram de capturar as maravilhas da iluminação que


acompanhavam essas cenas: pedaços coloridos de vidros ou recipientes com líquidos coloridos
que refletiam luzes por detrás eram organizados cuidadosamente em pequenas aberturas de
cornijas e arquitraves ao longo da visão em perspectiva. Dissolvendo a arquitetura estática e o
palco clássico, Serlio ofereceu, ao invés de uma brilhante atmosfera de luz, uma cena que reluzia
como se estivesse adornada pelo brilho cintilante de pedras preciosas. E ainda mais importante, a
cena perspectivada de Serlio estabeleceu uma nova relação entre o espectador, o ator, e o palco
pictórico, onde as linhas em perspectiva estavam compostas em volta de um ponto de fuga central,
traçado perpendicular ao assento do soberano. Distinguindo-se do teatro clássico, que envolvia a
audiência inteira dentro do anfiteatro e do ponto de vista figurativo, no teatro de Serlio ambos o
ponto de vista do soberano e o ponto de fuga do cenário eram localizados em frente ao centro do
palco e elevados por cima do resto da audiência. O assento real ou estava em uma plataforma ou
inserido dentro da fileira de assentos concebida no anfiteatro de Vitruvius, e somente dessa
perspectiva que a cena pictórica era bem formada. Além disso, essa perspectiva do palco - sob o
pretexto de que era um espetáculo maravilhoso comandado pelo arquiteto - tornou-se parte da
exibição magnífica de poder e controle. Um espetáculo emoldurado em quadro, que oferecia uma
ilusão do espaço público real em que só o soberano via claramente, era como um espelho de
instrução política e social. A disposição dos assentos refletia a ordem centralizada e hierarquia
social daquela realidade, para aproximar o poder uma plataforma para o soberano e ocupar uma
alta posição, portanto o assento mais próximo para realeza e para o centro da visão perspectivada.
A posição de uma pessoa nos assentos determinava a claridade de sua visão, contudo, ninguém
desafiava aquela autoridade. Mas Serlio notou ainda mais adiante que as performances mais
elaboradas, os efeitos espetaculares de maquinaria mais caros, e a alta estima dos espectadores era
colocada sobre o príncipe. Uma imagem estável e consistente, sublinhada por (cheats of the eye)
truques de olho repentinos e recordados pela composição imaginária do todo, afinal só o poder
soberano é que poderia controlar a visão e organizar a imagem refletida.

Estes teatros em perspectiva, localizados dentro de uma das salas dos inúmeros palácios
magníficos na Itália, no princípio, eram simplesmente entretenimentos festivos. O lugar da
diversão onde eventos espetaculares eram desenvolvidos na totalidade e chamados de
“intermezzi”, onde ambientes visuais inteiros dependiam dos talentos de arquitetos, os quais
tinham que ser grandes maquinistas e pintores, maravilhosos decoradores e construtores. Os
“intermezzi” eram episódios realmente alegóricos exibidos entre os atos do drama, e as
maravilhas de suas montagens cênicas incluíam não apenas pinturas cenográficas rapidamente
trocadas, a iluminação pela luz de vela, e o reflexo dos espelhos, mas também fantasmas e diabos
que saltavam das portas de alçapões, nuvens brilhantes que desciam com multidões de pessoas,
arco-íris e tempestades com trovões, e ainda lindos tecidos de cortinas, como o velho Joseph
Furttenbach escreveu em seu Civil Archjtecture, de 1628, “o espectador é conquistado assim com
maravilhas que ele mal conhece seja estando no mundo real ou fora dele.”

A nova corte da sociedade européia, com seus duques, cardeais e príncipes que eram ricos e
poderosos o bastante para criar uma audiência aristocrática, compreendeu rapidamente a relação
básica entre teatralidade e o ponto de vista fixo do poder. Feito não só de espetáculos suntuosos
que sugeriam misteriosamente uma dominação de seus súditos através da reverência e do temor
religioso, mas também pelo cenário em perspectiva que lhes permitiam transformar idéias para
que os novos humanistas e cientistas embelezassem ainda mais a autoridade soberana. Assim os
poderes da visão eram teatralmente combinados, com truques de olho que era igualmente tão
importante quanto era matematicamente exata a cenografia ilusionista. Mas, naquele momento, a
distância entre o espectador e o espetáculo teatral começava a se ampliar: Serlio, por exemplo,
não só inventou uma cenário longo e comprido para aumentar a profundidade da perspectiva, mas
colocou também o ponto central onde a representação acontecia na frente da moldura do
proscênio. Este ponto central foi removido do fundo da cena assim como da audiência.
Analogicamente demonstrada, a ação percebida para refletir o poder soberano tomava lugar sob o
olhar atento de umespectador, mas de alguém removido pela distância, pelo respeito ou pelo
temor.Kernodle afirma que "o teatro moderno cresceu para além do desejo de ver e ouvir os atores
viverem leis antigas, histórias românticas e fantasias alegóricas já retratadas pelos pintores - além
do desejo de realçar as personalidades e eventos do presente favorecendo-os, por meio de uma
(rerepresentação) dramática, com o glamour da história e a aprovação de uma alegoria”. Mas esse
desejo de uma imagem pictórica parao teatro começou a silenciar ou desapontar a audiência, ao
chamá-la para um envolvimento recíproco; para um teatro dedicado às imagens e símbolos que
transmitia significados difíceis ao expressar diálogos reduzidos. Além disso, o espectador começa
a negar o seu papel de questionador do que não era visualmente aparente, permitindo assim
legitimar o poder do soberano ou no mínimo admiti-lo através desse gênero de entretenimento.

Existiram ainda outros desenvolvimentos que trouxeram mudanças para o teatro. Com a ascensão
de uma monarquia estável na Inglaterra do século XVI, por exemplo, o teatro se tornou um
monopólio da coroa, as companhias teatrais foram proibidas a menos que elas operassem sob a
licença e o patronato real. Mas esse controle e censura política sobre o teatro criou elites e
audiências ineficazes e abriu verdadeiramente uma brecha entre o teatro e a população em geral,
fazendo nascer um novo teatro público baseado na mistura da cultura popular com a tradicional e
erudita. Londres, cuja população inchara na maré do capitalismo comercial, foi a primeira cidade
a oferecer (entre 1570 e 1640) condições econômicas e demográficas sustentáveis para a
permanência pública e comercial dos teatros, uma forma teatral de orientação crescentemente
secular, provendo papéis separados para o investidor, o ator, o escritor e a audiência.

Como o teatro começou a refletir a mentalidade de uma sociedade crescentemente comercial, a


natureza da "teatralidade" adquiriu uma nova importância. No expansivo e crescente mercado da
abstração, sinais e símbolos sociais eram então completamente encenados, onde todo ato humano
era examinado minuciosamente para representar e enganar. Jean-Christophe Agnew afirmou, em
seu Worlds Apart, que as mudanças na relação entre o mercado e o teatro foram abreviadas pelo
inconstante significado da metáfora "theatrum-mundi" - ver o mundo como um palco. Desde a
antiguidade que o "theatrum-mundi" era usado para recordar a vaidade das realizações humanas,
em um mundo onde Deus era o último gerente da cena. Este significado se modificou no século
XVI para se referir não apenas ao mundo teatral, mas também para as habilidades individuais;
para se ver como um ator no palco, assumindo diferentes papéis e posturas. Já não era mais a
relação entre o indivíduo e o soberano (ou Deus) que continha a essência da teatralidade, mas a
vida secular. No mundo do mercado assim como no palco, julgava-se pelas aparências e não pelas
palavras, onde a observação restrita de poses e posturas tornava-se a chave para o sucesso das
performances. O teatro se transformou em um veículo essencial, ensaiando e repetindo novos
papéis sociais e relações de troca que aquela sociedade mercantil demandava; era um instrumento
que revelava também a transparência perdida das ações ordinárias. Meditando sobre teatralidade
do teatro, suas posturas e poses, simulações e dissimulações permitiam que o teatro se retirasse
dos rituais convencionais e das cerimônias estabelecidas no palco cotidiano da cidade medieval.
Distanciando-se de si mesmo, o teatro podia segurar então um espelho para a sociedade e se tornar
um encenador experimental para a relação angustiante do comprador com o vendedor -
explicando detalhadamente as novas condições da representação.

O ”Mercador de Veneza" (1596), de Shakespeare, pode ser visto tal como um ensaio de
representação e pretensão. Não faz apenas eventos extraordinários que exigem personagens para
disfarces desgastados e causas enganosas de identidades, mas esta peça, por integrar a burguesia
dentro da sociedade aristocrática e revelar as precariedades dos privilégios e exclusões
aristocráticas, atos fora de uma nova configuração social. Evocando os temores ingleses do
capitalismo e a postura pró-capitalista de Veneza, a peça também se esforça para alcançar a
aceitação de novas relações econômicas e a acomodação de um novo mercado de
comportamentos. Por outro lado, o fracasso dos códigos sociais tradicionais significou que todas
aquelas incertezas, inseguranças, e reversões da fortuna confrontavam constantemente os atores, e
estas também poderiam ser vistas como uma "ação para fora" dos novos arranjos sociais. Além
disso, estes teatros públicos experimentais retiravam-se espacialmente da cidade de Londres,
localizando-se para fora de seus muros em terras de ninguém chamadas de "Liberties". Ali eles
eram cercados por outros espetáculos marginais, como casas de jogo, tavernas, feiras, e bordéis,
mas eles também se livravam da autoridade direta da coroa, sendo fracamente controlados apenas
pela cidade. Como Steven Mullaney explica em “The Place of the Stage", “Nem na parte de fora
nem na parte de dentro da cidade, os ‘Liberties' serviam como uma espécie de enigma inscrito na
paisagem cultural. O enigma era uma sociedade, seus limites e suas entradas, e até a segunda
metade do século XVI apenas os cidadãos de Londres é que podiam analisar corretamente tais
mensagens, e assim se reconstituir e se definir como uma sociedade através de um processo de
interpretação do ritual.”

Marcando o advento da corrida por um teatro comercial de lucro privado, James Burbage ergueu
um teatro público ao ar livre nas "Liberties", em 1576, que ele chamou de "The Theater". Pela
primeira vez desde a antiguidade, o teatro tinha uma arquitetura construída expressamente para a
performance, e ao final do século XVI Londres era cercada por tais teatros, aprumados
estrategicamente nos portais da cidade. Localizando o teatro além do controle da coroa e da
cidade, Mullaney acredita que uma distância crítica se abriu, oferecendo para os dramaturgos e
atores elisabetanos um ponto de vantagem e um espaço no qual eles poderiam criticar e comentar
sobre as contradições e transformações de sua cultura e de seu tempo. Mas esta era uma
perspectiva excêntrica que confundia categorias, falsificava papéis, e ameaçava a ordem social.
Como um crítico do teatro notou em 1582, "Se os homens privados tiverem que sofrer para
abandonar suas vocações porque desejam caminhar como cavalheiros como em veludo & cetim,
com a fivela em seus calcanhares, a proporção é tão quebrada, as unidades tão dissolvidas, a
harmonia tão confundida, que o corpo inteiro deve ser desmembrado, e o príncipe ou a coroa não
podem escolher, mas adoecer".

Mais conservadores e aristocráticos, os espetáculos do poder e da autoridade do Renascimento


encontram simultaneamente seus meios na Inglaterra, no início do século XVII, através do
arquiteto da corte Inigo Jones. Reavivando a arte das masques da corte, Inigo Jones e Ben Jonson,
que colaboraram e disputaram por vinte e cincoanos, ofereceram montagens idealizadas de palcos
e ficções teatrais que reiteraram as realidades do poder e da política, o protocolo da corte e sua
aristocracia. Revolucionário para Inglaterra, por causa do uso cênico de Jones da perspectiva de
único ponto com seus raios concêntricos emanando do trono real, a masque era realmente uma
mistura de diferentes formas teatrais. Os espectadores eram elegantes masquers e dançarinos,
nunca atores ou performers, por conseqüência esta combinação ajudou a apagar os limites que
separavam a realidade do imaginário, o racional do fantástico, e estabelecia a forma representativa
da masque. Estes artistas do Renascimento eram determinados em revelar a profunda verdade, a
ordem cósmica e estrutura das relações harmônicas que se apresentava por trás do mundo das
aparências - daí seus interesses nos hieroglíficos e nos livros emblemáticos que uniam palavras,
imagens, e realidade. Nesse sentido, as composições cenográficas de Jones adotaram da herança
arquitetônica e teatral dos fólios ilustrados e recombinaram estas imagens em arranjos fantasiosos
e fictícios. Estes pinturas da cena, para deleite dos olhos, eram cobertas com mensagens morais;
como uma controlada encenação da imagem arquitetônica elas continham idéias simbólicas
tornadas visualmente perceptíveis. Inigo Jones procurou estabelecer expressamente a autonomia
da arquitetura teatral e o domínio da imagem visual em relação ao significado literário de uma
peça, com sua poética iluminação cênica em virtuosos papéis. O triunfo da arquitetura fictícia de
Inigo Jones sobre os textos poéticos de Ben Jonson marcaram a ascendência do espetáculo
moderno, onde um gosto excessivo de pureza visual, das fachadas e máscaras, decorava o estilo
dominante do espaço teatral. Dividindo seu palco em duas seções, uma parte superior para visões
celestiais e uma mais baixa para a peça principal, Inigo Jones transformou de fato o palco em uma
máquina eficaz como nuvens que desciam para o chão, tronos que subiam para o céu, e cortinas
que corriam para cima. Essas mudanças repentinas de quadros ou espetáculos cênicos tornaram-se
a ação teatral principal. E esta máquina teatral que ele implantou cuidadosamente dentro da
representação visual, era um aparato analogicamente projetado que confirmava e celebrava a
surpreendente formação da Grã Bretanha unificada e subordinada aos Stuarts. De modo que as
masques eram de fato celebrações do poder real: as pequenas comédias ou a agitação das
perseguições terrenas eram suas formas básicas para que fossem expulsas da cena por visões de
harmonia e paz real. Ali era o mundo ilusionista do teatro em perspectiva desenvolvido nas suas
alturas, como um instrumento ideal para a reforma educacional. O Rei sabia habilmente que para
controlar os costumes, no qual a audiência via o monarca, era preciso controlar igualmente as
respostas para a sua política. O poder para projetar estas imagens e o realismo de suas visões
perspectivadas, envolvia também o poder para dirigir ambos a imaginação dos espectadores e o
modo como eles olhavam a realidade. Mais ainda, as masques eram espelhos mágicos que
refletiam por trás do monarca, de forma aperfeiçoada, como ele desejava ver seu próprio reino -
uma ordem divina ao contrário de um mundo caótico.

Eventualmente, esses elaborados espetáculos do poder real entendiam, no entanto, que suas partes
alegóricas estavam em conflito com o conceito de papel que, também naquele momento, era
ensaiado e representado no palco público. Assim, tensões começaram a se desenvolver entre os
teatros aristocráticos e os teatros públicos, refletindo ambas as profundas lutas sociais e políticas e
os realinhamentos do poder. Nas primeiras décadas do século XVII, a Inglaterra embarcou em seu
curso de colonização trazendo em sua esteira a ascensão de uma nova elite, portanto, o surgimento
de uma classe mercantil e o início do declínio da corte, de seus pares e do clero. As masques eram
realmente uma forma de hieróglifos da corte, como Ben Jonson referiu-se sobre eles, uma espécie
de propaganda da corte que se voltava cada vez mais para dentro em si mesma. Como uma forma
teatral fechada, a masque se protegia contra ambos a teatralidade e o comercialidade do teatro
público, ao mesmo tempo em que sua visão arquitetônica da unidade do mundo e a posição do
espectador, dentro desse universo, não consentiam nem o desafio e nem o diálogo. Na verdade, no
início das masques de Tudor, os atores palacianos se recusavam a falar suas partes, preferindo
usar palavras significantes bordadas em seus vestuários. Na época de Ben Jonson e Inigo Jones, as
partes faladas eram executadas por profissionais chamados de “antimasques", onde o mundo da
desordem e do vício era apresentado. O mundo ideal retratado na masque palaciana estava
tencionado contra a luta, mas finalmente venceu e substituiu esta antimasque. Tais idealizações
foram, na realidade, elaboradas analogias de responsabilidade e glória do poder real, como a
Rainha Elizabeth dissera, "Nós príncipes, eu vos falo, estamos nos palcos, na percepção e na visão
de todo mundo que nos observar devidamente".

A Coroa também temia as vozes opostas que surgiam do teatro público, e por volta de 1605,
aumentou seu ontrole sobre o monopólio do teatro, restringindo seu patronato aos membros da
família real. Embora isto tenha reduzido o número de companhias de artistas teatrais, permitiu
para algumas poucas uma sobrevivência com maior segurança financeira. O teatro público
prosperou e se expandiu até 1614, quando seus lucros começaram a declinar. A sobrevivência
econômica acabou fazendo com que atores e teatrólogos voltassem suas atividades teatrais cada
vez mais para a corte e palco aristocrático. No ressuscitar dessa deserção, ocorreu o breve
florescimento do teatro público de Marlowe e Shakespeare - uma oposição aberta, questionado o
teatro começou a murchar - e com a erupção de guerra civil em 1642 o Parlamento fechou a
ambos os teatros privados e públicos, selando definitivamente o destino desse teatro público
emergente.

Não foi no século XVIII que uma esfera pública liberal burguesa começou a emergir, esculpindo
para o exterior um espaço discursivo de criticismo esclarecedor e julgamento racional e
negociando um terreno refinado entre a autoridade decadente da corte e o próspero espetáculo da
multidão. Enquanto o ilusionismo trompe l'oeil da pintura do palco permaneceu dominando a
forma cenográfica até o final do século XIX, a arquitetura teatral e seu papel na cidade começou a
mudar. O entretenimento público e os modos expressivos da arquitetura definiram e controlaram
uma nova cenografia urbana, na qual o teatro se tornou um tipo de edifício permanente, e que
culminou numa expressão cívica de bom gosto e restrição racional. Como os espectadores
queriam lugares para a exibição teatral, estes novos teatros urbanos foram projetados com muitas
entradas e saídas, fachadas e arcadas imponentes, escadas e salões de entrada, lojas e cafés
adjacentes. Eles vieram para dominar o desenvolvimento e o caráter de seus distritos
circunvizinhos. Como Jacques François Blondel esclareceu em 1771, afirmando que “Construir
um teatro significa primeiramente erguer um edifício público em uma cidade; secundariamente,
encontrar uma acomodação adequada para os espectadores dentro deste edifício e, finalmente,
preparar um espetáculo e colocá-lo de frente para o público."

Por mais que a cidade crescesse em população, inserir estas grandes estruturas monumentais nos
distritos da cidade, onde um grande número de freqüentadores de teatro poderia se juntar, não era
um evento muito fácil. Na maioria das vezes, os teatros eram situados em novos distritos da
cidade, onde se tornariam monumentos privilegiados, sua estrutura inteira partia de praças abertas
ou era disposta ao final de uma grande vista em perspectiva. Este gesto não apenas acentuou a
imagem teatral dessa estrutura, mas ofereceu também um monumento cívico próximo da cidade,
do qual o tráfego e os pedestres poderiam convergir e fluir simultaneamente, enquanto
minimizavam os riscos de fogo. O Théâtre de L'Odeon, em Paris, projetado por Charles de Wailly
e Marie-Joseph Peyre (1779-1782) é uma ilustração dessa nova posição do teatro na cidade. No
ponto de conversão dos três eixos principais, os quais enfatizavam as linhas de perspectiva que
reunia a cidade, o teatro e o palco juntos, L’Odeon era um grande monumento nacional e um gesto
magnífico de ostentação cívica. Elevado ao grau de um templo, como Quatremère de Quincy o
elogiou, “…do ponto de vista da arquitetura ele ainda é o único teatro merecedor que pode ser
chamado de monumento. O espaço que o cerca, a regularidade da praça na qual foi elevado, com
suas ruas adjacentes, e acima de tudo sua posição isolada - o faz merecedor de admiração e
nenhum teatro pode ser comparado a ele por sua fácil acessibilidade e avançada circulação”.
A popularidade das montagens cênicas ilusionistas combinava com o espírito da Revolução
francesa, contudo, pode ter trazido ainda uma outra reforma que empurrava o desenho do interior
do teatro para uma perfeição óptica e acústica. Atentos para que a visão em perspectiva do cenário
do palco fosse comumente distorcida nos projetos de teatro italiano, com suas fileiras de
camarotes e galerias, e desejando absoluto realismo cenográfico, os democráticos reformadores do
final do século XVIII evocaram um retorno ao teatro antigo, esperando reconciliar a caixa cênica
ilusionista burguesa com o anfiteatro semicircular dos gregos. Defendendo sua escolha incomum
de um auditório encurvando para o L’Odeon, Charles de Wailly escreveu, "deixe-nos observar as
pessoas quando elas estão tentando ver e ouvir um locutor em uma praça: primeiro eles formam
um semicírculo na frente dele e ele representará mais ou menos o centro desse raio; se o raio se
alongar, novos espectadores vão estender os lados do locutor, aumentando assim a circunferência
e finalmente formando três quartos de um círculo.."

Quando a aristocracia começou a desaparecer do palco político e da audiência, substituída por


uma burguesia estável, o gosto cenográfico também mudou. Em vez da imagem projetada e dos
truques de olho, empregados para encantar o espetáculo da autoridade soberana, agora as
representações realistas e o quadro visual transformaram-se na expressão teatral mais comum,
reforçando e sublinhando a moralidade da classe-média e a democrática realidade social.
Raymond Williams chegou a pensar que o ‘realismo’, como uma forma desenvolvida no drama
século XVIII, podia ser caracterizado por uma concentração nos valores seculares (não
religiosos), uma ação no mundo contemporâneo (não o passado histórico ou legendário),
utilizando temas cujo grau social era equivalente ao dos espectadores. Diderot aparece para incluir
estas mudanças em sua preferência por um quadro teatral silencioso em relação às mudanças
abruptas do ritmo narrativo, reversões do acaso, e revelações espetaculares que tinham sido antes
disso o repertório da ação teatral. Sua peça "Le Fils Naturel" (1756) era um drama doméstico (re-
representando) os eventos da vida, uma forma realista que ele achou satisfatória para as
audiências da classe-média.

Diderot propôs que os próprios dramaturgos se considerassem pintores e procurassem no quadro


vivo real, as composições cênicas que eram visualmente agradáveis à audiência, na natureza
estática e instantaneamente compreensível. Uma peça teatral podia então consistir em uma série
destes quadros pictóricos, reforçada pelas representações cênicas realistas onde os atores se
moviam. O espetáculo sentimental e a imediação do estereótipo visual entraram no teatro, já com
Diderot, começando a demonstrar o seu encanto universal. Os efeitos pictóricos e os gestos
mantinham a atenção dos olhos repetidamente, porque eram memorizados e julgados mais
importantes do que as próprias palavras. Nesse momento, o que unia o espectador para o quadro
teatral era um estado de encantamento ou de contemplação, e não mais os laços autoritários e
didáticos que ligavam o público ao soberano. Ao contrário, o quadro teatral estimulava o
observador se igualasse aquele modelo, interiorizando os valores morais da classe-média
racionalmente e repetitivamente reapresentados: os sacrifícios trouxeram causas virtuosas, a
disciplina conseguiu alcançar metas, as relações sentimentais entre pai e filho. Os olhos do
espectador se moviam lentamente por estes quadros visuais, com suas exibições cenográficas
realistas e seus efeitos atmosféricos, absorvidos assumidamente numa contemplação moral que
inspirava um amor à virtude e um horror ao vício. Diderot procurou solicitar a participação ativa
do espectador neste teatro visual da imaginação; para projetar meios estéticos que significassem
uma integridade cada vez mais ausente daquela realidade. Desta maneira, o quadro teatral de
Diderot ajudou a mediar a transição de uma sociedade altamente estratificada, marcada pelos
controles autoritários e didáticos para serem funcionalmente diferenciados, cada vez mais
resumidos, secularizados, e urbanizados pela exigência de novos modos de socialização e
disciplina da vida moderna.
O teatro respondeu a essas mudanças apresentando uma exibição visual de valores sociais e
estéticos, ou com cenas teatrais que confrontavam e falavam diretamente com o observador. As
montagens cênicas mais realistas (como se as cenas fossem tiradas da própria natureza) que
acumulava a cor local era entre eles modo ocupar o espectador. Em meados do século XVIII,
houve um retorno à precisão histórica das apresentações teatrais e um desejo de recapturar no
palco os registros pictóricos de famosos eventos. Aparecendo inicialmente no vestuário e no
figurino, este gosto logo se espalhou para o cenário e para a decoração num esforço de se
representar lugares históricos e topográficos com precisão. Em 1779, Philippe-Jacques de
Loutherbourg criou uma cena de paisagem para o teatro de esboços que ele fez de fato em
Derbyshire, e William Capon empreendeu pesquisas detalhadas de velhos edifícios em Londres
para ancorar o seu cenário shakespeariano em períodos descritos com precisão de tempo. Diderot
tinha muitos motivos para louvar os espetáculos de luz e sombra de Loutherbourg executados em
seu Eidophusikon (traduzido como "Representação da Natureza”). Diderot acreditava que, nesse
espetáculo, o espectador aprendia a considerar o efeito da arte como o da natureza, e o da natureza
como de uma cena.

Na medida em que o teatro foi se tornando obcecado com a ilusão histórica, o cenógrafo se tornou
nada mais nada menos do que um restaurador de monumentos históricos, compondo montagens
ilusionistas no mero vislumbre de um detalhe histórico, lendas, ou período, de como a imaginação
arqueológica era permitida em todo reino. Nesse registro duvidoso de fatos visuais, o cenógrafo
recriou literalmente um cenário totalizado, uma representação daquela localidade ou a atmosfera
de uma época, chamada então para ser uma testemunha que mostrasse a cena onde os eventos
dramáticos haviam ocorrido. O foco do cenógrafo estava no detalhe ornamental, e não na
estrutura arquitetônica. O seu trabalho era o de um copista, ou o de um reprodutor, já que ele era
apreciado pela universalidade e extravagância de sua visão: a representação de todos os estilos
decorativos, toda a flora e fauna, todo o hábitat do homem ao redor do mundo. No passado, como
foi notado, tudo o que era requerido de um cenógrafo era o conhecimento das leis da perspectiva e
da mecânica dos dispositivos teatrais. Mas, naquele momento, o cenógrafo tinha que ser um
homem instruído e tinha também que saber organizar montagens que agradassem pintores,
arqueólogos, escultores, arquitetos, e até mesmo os botânicos e os cientistas naturais. Esse
interesse por montagens realistas, mais precisas do que a realidade e mais agradáveis aos olhos,
conseguiram absorver o teatro até o final século XIX. Este quadro teatral, todavia, incluiu o
espectador dentro de seus deleites visuais, e por ser muito literal impediu a imaginação,
diminuindo o poder expressivo dos atores e estabelecendo a primazia da ilusão.

Portanto, quando os projetos teatrais de Karl Friedrich Schinkel foram publicados em Berlim, em
1819, eles surpreenderam a audiência com seu elevado grau de precisão histórica e ambiental e,
simultaneamente, introduziram uma radical simplificação do conjunto cênico e um retorno à
ordem clássica que não se repetiram até os trabalhos de Edward Gordon Craig, no início do século
XX. Assim como os desenhos de de Wailly e de Peyre para o Odeon, as cenas em perspectiva de
Schinkel eram seus próprios comentários sobre a arquitetura da cidade; eram representações
significativas do palco, assim como da cidade. Como era impossível encontrar o trabalho de um
arquiteto devido às Guerras napoleônicas das primeiras duas décadas do século XIX, Schinkel,
por sua vez, projetou cenários para o teatro e para panoramas e dioramas. Colhendo idéias já
desenvolvidas em desenhos de bico-de-pena e produzidas enquanto viajava pela Itália em 18O3-4,
suas paisagens e vistas da cidade, tiradas do alto de uma perspectiva que se elevava acima da
visão, eram quase sempre espalhadas de forma panorâmica em mais de duas páginas de seu
caderno de rascunhos. Tomando as três cenas de Serlio como um ponto de partida, Schinkel
desenvolveu sua própria forma de paisagens teatralizadas, organizando e reorganizando suas
formas dentro de uma montagem de palco agradável que enfatizava a profundidade e o horizonte,
assim como a natureza arquitetônica dos volumes e das formas. Essas visões panorâmicas ele
então as transferiu para o palco. Um de seus panoramas mais populares, o "The Burning of
Moscou by Napoleon in 1812”, era irresistível na escala, com suas medidas de 4,5 metros de
altura e 27,4 metros de comprimento. Deste efeito dramático que engolia o espectador, Schinkel
aprendeu a arte de compor enormes espaços públicos pelos quais o espectador se movia,
permitindo que o olho mudasse constantemente de vazios espaciais para conjuntos estruturais.

Em 1815, período em que Schinkel se tornou o arquiteto oficial encarregado por Friedrich
Wilhelm III para embelezar Berlim, ele encontrou uma cidade destituída de um plano, com a
aparência de uma coleção multicolorida e desigual de edifícios e uma desorganizada rede de
canais e ruas. No centro da cidade estava a ilha de Coln, onde o palácio real e a catedral
posicionavam-se perto de uma estéril e feia exibição do solo, cujas extremidades estavam
delineadas por uma série de armazéns, fábricas, lojas, e barracas. Esta era a ilha que Schinkel
queria transformar dentro de uma montagem cênica teatral para o lazer e o viver. Através de uma
série de desenhos para igrejas, praças públicas, um teatro cívico e um novo museu, armazéns e
estruturas residenciais, Schinkel transformou o centro de Berlim em uma série de vistas e
perspectivas agradáveis, variando a escala e a orientação.

Começando com seus desenhos para o Teatro Real (Schauspielhaus) em 1818, Schinkel revelou
sua forma cenográfica de tratar a cidade. O teatro era o ponto focal de uma praça já existente,
ladeada por duas igrejas cujas formas arquitetônicas ecoavam e reiteravam cuidadosamente o
trabalho de Schinkel. Para a noite de inauguração em 1821, Schinkel projetou um fundo teatral
que explicava sua idéia de uma disposição arquitetônica totalmente composta, porque seus
monumentos arquitetônicos não tencionavam serem vistos como objetos de arte isolados, mas
como parte de uma totalidade equilibrada dentro de uma cenografia urbana organizada. A
audiência olhava de um lado a outro do palco teatral, onde estavam sentados e atentos à visão
panorâmica do novo teatro, a qual era emoldurada pelas colunas do proscênio e projetada em um
ponto de vista para fora do teatro na direção da cidade. Assim Schinkel assinalou, "...Se a
cenografia tem que ter um caráter mais elevado, então o proscênio deveria adquirir cada vez mais
a essência da cena fixa dos tempos antigos e, por esse motivo, ser a moldura distinta para toda
representação teatral, uma moldura interna na qual a ação, saindo da cena como um ponto focal
projetado para o exterior, representaria o ponto luminoso mais importante de toda a
representação”.

Um jogo de vistas, o interior de alguém invertendo o seu exterior, demonstrando o controle de


Schinkel sobre a montagem teatral e a experiência visual da arquitetura na cidade. Tratando a
atual paisagem urbana como uma seqüência panorâmica de estruturas, Schinkel habilitou o
espectador para perceber estas cenas como um arranjo teatral de novos e vastos espaços urbanos,
nos quais os edifícios de altura uniforme recuavam na distância. Simultaneamente, Schinkel se
referiu ao antigo palco teatral como uma espécie de lente que se convergia, concentrando a ação
em um único ponto, e distanciando-se então da realidade circundante. E esse distanciamento, em
contraste às considerações de Diderot, era essencial para o efeito teatral de Schinkel, ao afirmar
que, "A maravilhosa ilusão de um aparente afastamento da própria cena, era a ilusão que consistia
no fato de que o espectador imaginava a ação como se ela estivesse acontecendo muito longe dele,
enquanto que ele, ao invés disso, estivesse vendo-a com a claridade proporcionada pela verdadeira
proximidade". Para Schinkel, este era o único modo para se criar uma verdadeira ilusão: prover
um único e grande telão de fundo, e permitir que a imaginação e o poder crítico dos espectadores
preenchessem o restante. Os desenhos de Schinkel, de 1822, para um novo museu construído no
lado norte de Lustgarten continuou enfatizando as suas habilidades urbanísticas de vistas variadas
e de composições de conjuntos públicos. No lado oposto do jardim do Palácio Real, Schinkel
ergueu seu museu em uma plataforma, proporcionando assim um melhor contraste para o Palácio
e habilitando sua colunata, quando era vista à distância, para ser compreendida como uma
unidade. A terceira fachada do jardim era formada por uma densa fileira de árvores com uma
igreja em seu centro. Estátuas eram postas de pé em pedestais na frente desta fileira e estavam
relacionas com as estátuas na ponte do palácio exatamente na direção oposta. Nesta cena
panorâmica organizada de um ponto ideal da perspectiva, aberturas eram equilibradas contra
massas, ao passo que as vistas eram alinhadas com seus pontos focais. De um saguão semifechado
do museu no segundo piso, por exemplo, o espectador olhava por trás através de uma dupla fileira
de colunas, em uma perspectiva oblíqua que colocava o museu contra o panorama da cidade como
um fundo. Esta era uma paisagem criada pelo homem que oferecia uma vista ordenada e estável,
onde o movimento rítmico e o distanciamento do olho de ângulos abertos e fechados, explorando
e percorrendo visões, representavam novos e importantes papéis. No trabalho de Schinkel o palco
em perspectiva conseguiu alcançar sua última façanha: o planejamento cenográfico da cidade
moderna.

Durante todo século XIX, porém, um gosto mais elaborado para os efeitos cênicos espetaculares,
para as reconstruções realistas, e para a pompa e ostentação foram os valores estéticos dominantes
da burguesia ascendente. O seu amor pela ornamentação, pela decoração exuberante, pelo
ecletismo, e pelo pastiche ficaram proeminentes nas montagens cênicas teatrais assim como na
cidade. O luxo decorativo teve muitas formas: na suntuosidade dos assentos; nas cores e
dourações, na elaborada disposição das escadas; nas audaciosas perspectivas cênicas de dois-
pontos, nas grandiosas ou monumentais reconstruções de exóticas arquiteturas cênicas. A
verossimilhança desta imagem cênica se tornou mais estudada e conhecida do que a própria
realidade. Sua qualidade ilusionística, ou os efeitos visuais em trompe l'oeil que recriavam
literalmente uma cena pictórica em frente aos olhos dos espectadores podia obscurecer suas
imaginações literárias e abater o valor da peça, mas como boas imitações e copias rigorosas essas
decorações espetaculares mascaravam os fracassos do drama e permitiam aos espectadores se
tornarem “viajantes de poltronas” para lugares distantes, ou autorizados examinadores da
fisionomia de uma cidade. O teatro podia facilmente exibir esse gosto para o espetáculo e para o
luxo, mas se tornou igualmente um lugar para ritos sociais especiais. Mais uma vez o centro do
foco retornou para o conjunto - não só o palco cênico, mas agora o auditório, a sacada, os salões
de entrada, as elegantes escadas representavam papéis específicos no espetáculo burguês de
comércio e empreendimento. Esperando ser distraída e esperando escapar dos problemas da
realidade, a burguesia foi para o teatro para ser vista; para mostrar a sua nova riqueza ostentada
em trajes e jóias; para passear e se pavonear com suas casadoiras filhas; para organizar seus
assuntos de negócio e armar suas intrigas. Embora os assentos da aristocracia estivessem, naquele
momento, ocupados pelos novos ricos, a hierarquia social acontecia em seu lugar no preço dos
ingressos, e desigualdade ainda permanecia, estabelecendo os assentos mais baratos nas galerias
superiores para uma visão parcial do palco, e igualmente localizado quase sempre para além do
alcance das vozes.

O epítome do teatro burguês, como quem diz seu ato culminante, foi a Ópera de Paris projetada
por Charles Garnier, em 1861. Na emblemática transformação que o Baron von Haussmann
estava empregando estrategicamente por toda Paris, a Ópera erguida no novo eixo de bulevares
que esculpiam suas vias principais no que restava da cidade medieval. Como uma ilha de tráfico
monumental suas fachadas ecléticas comandavam a visão de toda direção. Sua localização era
visualmente estratégica ainda de outra maneira: era a parte central do drama Haussmanniano que
separava a velha Paris da moderna. Localizado no novo distrito de prazer e de negócio, entre os
distritos residenciais da nova burguesia para o oeste e a região da classe operária para o leste,
representava, como Theophile Gautier sustentava, "um tipo de catedral mundana da civilização
onde arte, riqueza e elegância celebravam sua mais linda cerimônia".
Garnier criou um palco virtual para a performance dos rituais sociais provendo uma série de
entradas, saguões, foyers, e escadarias. Esses lugares de exibição ocupavam de fato um espaço tão
grande quanto o próprio palco. Interessado em oferecer para o espectador uma variedade de
perspectivas e experiências teatrais, Garnier criou realmente atores no público, adicionando sua
própria ornamentação para aquela suntuosa exibição: multidões que subiam e desciam as
escadarias, espectadores que se apoiavam sobre os balcões, espectadores brilhantemente vestidos
que se misturavam nos foyers e salões de entrada. Entrando no saguão, o freqüentador de teatro
poderia se estender calmamente, inspecionando as cabines de ingresso, os eixos de entrada para o
auditório, e a magnífica escada de honra. Ao final, Garnier reivindicava, "uma das mais
importantes disposições dos teatros, não só porque elas são indispensáveis para facilitar o
movimento e a circulação, mas também porque elas produzem um motivo artístico que pode ser
desenvolvido amplamente, e que pode contribuir para a beleza do edifício”. A intenção de Garnier
era proporcionar para o observador uma série de planos com quadros bidimensionais que
retrocediam no espaço, uma composição em camadas perspectivadas pela qual o espectador se
movia mudando o quadro na medida em que se deslocava de posição: primeiro através do plano
da fachada; em seguida pelo saguão; então uma seqüência de telas, arcos, e colunas; depois a
grande cúpula do auditório; e por fim pelo grande telhado do palco que formava o fundo para o
quadro teatral. Mas ao final do século XIX, os constrangimentos deste teatro de espetáculo
pareciam ser insuportáveis. A expansão de uma classe média produziu uma audiência de massa
que exigia constantemente novas formas de entretenimento não mais codificadas com o status quo
da moralidade burguesa. Porque esta classe média desejava mais uniformidade na disposição dos
assentos com maior visibilidade, novos projetos de teatro que respondessem a estas pressões e,
por conseguinte, se tornassem menos elaborados, com menos balcões, camarotes, e com uma
organização mais simples e comum. A instabilidade social, a multidão nas ruas, o caos urbano, o
crescimento metropolitano, e a mudança para uma administração corporativa e burocrática, enfim,
todos esses fatores traduziam as condições na qual o indivíduo sentia-se crescentemente alienado
da vida cotidiana. Escapar dessa sensação esmagadora de desamparo fomentada pelo afastamento
e isolamento urbano era uma demanda colocada no teatro. Mas o advento da iluminação teatral,
porém, teve o efeito oposto e conseguiu aumentar ainda mais o isolamento do espectador,
submergindo repentinamente o auditório em um mar de escuridão e realçando a ação no palco,
acontecendo ali algo além do controle ou participação do espectador. O palco estava se tornando
um espaço autônomo de si próprio enquanto os espectadores eram reduzidos a meras sombras na
escuridão. Como a integridade do conjunto teatral diminuía, os laços que ligavam a audiência aos
atores foram cortados: as cadeiras que antes haviam sido organizadas na extremidade do palco
foram removidas, a audiência não era mais permitida de interromper a performance, nem os atores
podiam mais repetir as seções da peça. Levando o estigma da alienação, um teatro de separações,
que exibia uma estética moderna altamente formalista, estava começando a emergir.

Ao final século XIX, Emile Zola estava ensinando o valor do cenário naturalista como um novo
modo de representação. Ele achava que o cenário não deveria representar um lugar atual, mas,
sim, sugerir um ambiente, uma mise-en-scène executada com força em volta de eventos. Desde de
que as ações dos homens foram afetadas pela ambiência de um lugar, seu genius loci ou
atmosfera, o cenário teatral deveria criar então um visual equivalente ao do espírito da peça,
estabelecendo ambos um humor que os atores não podiam jogar fora e um espaço dramático que
determinava a natureza e o fluxo de um drama. Seguindo estas instruções, Zola acreditou que o
teatro se tornaria mais uma vez um lugar de sonhos, um jogo de analogias. Além disso, a
iluminação elétrica ajudou a estabelecer essa atmosfera essencial do novo palco, destruindo
verdadeiramente o efeito de ilusão da perspectiva. A luz parecia ser abstrata na forma e no
movimento, e os atores pareciam estar desamparados neste enquadramento. Enquanto os atores se
relacionavam cada vez mais para e eram constituídos pelo ambiente criado no palco, o drama
cresceu a fundo e seu significado aumentou em obscuridade. De modo que a representação que
acontecia no palco iluminado precisava, agora, ser explicada e interpretada para uma audiência
que permanecia na escuridão. A encenação precisava ser reformulada até que a personalidade do
ator fosse removida e passasse a ocupar um papel subalterno (mais naturalista), submetendo à
unidade total da produção. Por conseguinte, o diretor teatral surgiu, impondo a sua interpretação
para a audiência, para os atores, para o cenário, para o espaço teatral, e para a peça até ele compor
uma nova obra de arte, o conjunto unificado da iluminação, do espaço, do movimento, e da
música. Nesse momento, o teatro e a vida urbana pareciam oferecer experiências relacionadas,
visto que não ir para o teatro significava se colocar sob o controle do diretor, subordinando o
desejo de alguém para sua interpretação, permitindo que a sua visão totalizadora fosse substituída
pela integridade tão ausente da realidade urbana?

Além de submergir a audiência na escuridão, e iluminar o palco de maneira abstrata, a eletricidade


trouxe outras reformas para o teatro. Claro que isso contribuiu para a projeção de ilusões cênicas,
mas ofereceu também novas possibilidades para o movimento e o ritmo. Através das rápidas
transformações, em um momento, a luz elétrica podia destacar uma parte do palco e podia
rapidamente trocar para outra parte, dramatizando e remodelando constantemente o espaço da
cena. Como resultado, o cubo cenográfico se desintegrou, não mais controlado pelas leis da
perspectiva e nem pelos constrangimentos estáticos da arquitetura. E o som era como uma
conformação efetiva desse espaço, projetando vozes e música por trás de um ator, para o lado ou
até mesmo para próximo de um espectador. Finalmente, o cinema aumentou esse impacto por
transformar a maneira na qual os espectadores iriam perceber o espaço interno, onde uma
narrativa iria ser desenrolada. Pontos de vista múltiplos, aproximações, grandes tomadas,
propagações instantâneas fragmentaram subitamente a perspectiva unificada da tradicional forma
narrativa. A montagem visual foi levada para a própria vida, como uma sucessão de imagens
móveis e flutuantes, revelando-se agora para tomar forma fora da posição do espectador, como se
eventos estivessem sendo projetados de um bem ponto distante. No início do século XX, as
reformas democráticas clamavam por um teatro verdadeiramente popular aberto e acessível para
as multidões, um teatro que extraísse dos ritos coletivos e rituais em que todo o público
participava. E como essas reformas eram encontradas, Adolphe Appia declarou, "o teatro é a
catedral do futuro" - um entretenimento para as massas inspirado por ambos pela religião e pelos
jogos esportivos. Appia parece ter sido o primeiro a notar o principal realinhamento cênico que
tomava forma nos primeiros anos do século XX, como entendeu também a nova tensão e o novo
contato criado entre os atores e os espectadores. Appia sustentava que essas reformas eram o
resultado de um novo interesse sobre os esportes e o renascimento dos jogos Olímpicos em 1896;
a escultura de Rodin e a dança de Isadora Duncan, todas as artes que introduziam uma nova
ênfase no adornamento do corpo vivo e no embelezamento natural do movimento. Para esse
mesmo autor, o teatro se tornaria uma nova arte harmoniosa do tempo e do espaço, e compensaria
ambos a alienação da existência moderna e, nos tempos contemporâneos, o fracasso da persuasão
moral e dos laços tradicionais nos quais o quadro contemplativo havia confiado. "Nossa arte
moderna, destinada para espectadores aprisionados dentro dela, nunca pode servir como um
exemplo nem como uma norma. Nossa pedra de toque será nossa experiência da beleza - uma
experiência feita em comum.”

Appia queria espaços rítmicos esculpidos fora das formas arquitetônicas simples, dramaticamente
marcados por corpos naturalistas e iluminados pelo movimento da luz, esses eram os ingredientes
essenciais para o seu expressivo teatro. Ele tinha experimentado, já nos anos de 1890, com o uso
de projeções: fotografias criando ambientes, informes tons rítmicos, e efeitos especiais como
nuvens, fogo ou água. Com a colaboração de Emile Jaques-Dalcroze, Appia criou uma arquitetura
cênica totalmente abstrata como um cenário apropriado para movimentos rítmicos. Dalcroze
estava desenvolvendo novas ginásticas rítmicas de movimentos e gestos esculturais do corpo que
não só buscavam interiorizar ritmos musicais, mas expressar também no espaço e no tempo os
sentimentos mais íntimos do corpo. Dalcroze escreveu: “Nós só podemos julgar um trabalho de
arquitetura em relação ao espaço no qual é construído; e, semelhantemente, só podem ser
apreciados ritmos musicais em relação à atmosfera e espaço onde eles se movem. Em outras
palavras, o ritmo musical só pode ser apreciado em relação ao silêncio e à imobilidade…”

No sistema de Dalcroze, Appia encontrou os meios perfeitos para exteriorizar a música e liberar o
corpo de seus movimentos desajeitados. Além disso, era suposto que a elaboração de seu conjunto
cênico representava os sentimentos físicos, o movimento, e a expressão do típico homem dos
tempos - o desportista e o atleta. Graças as suas coragens, Appia afirmava que o espectador tinha
ficado sensível, por extensão, para a articulação rítmica do movimento envolvida em toda criação
arquitetônica. Conseqüentemente o ator era para o espaço do palco, assim como o arquiteto era
para o espaço de sua edificação: ambos viviam no ambiente criado pelas suas imaginações. As
linguagens cênica e arquitetônica eram semelhantes: elas eram linguagens do gesto - a elevação
da coluna, o nascimento da abóbada, o retorno rítmico dos caminhos. O cubo cenográfico, com
seu ilusionismo e cenário trompe l'oeil, com o palco e sua moralidade sentimental e exemplares
normativos tinha explodido em pedaços por baixo das sensibilidades modernas; assim como o
espaço e o tempo, a forma e o movimento, os gestos e os ritmos tinham se tornado os elementos
emotivos.

Edward Cordon Craig levaria este cenário arquitetônico ainda mais adiante, por suas mãos a
cenografia se tornaria uma forma de arquitetura. Ele acreditava que o palco ilusionista tinha que
ser banido de uma vez por todas porque criava uma desarmonia entre o desenho arquitetônico do
teatro, a pintura do quadro cenográfico e a natureza volumétrica dos corpos em movimento no
palco. Craig preconizava que um único elemento característico que aparecia no palco, como uma
sacada, um pórtico, uma cadeira, ou uma fonte seria o suficiente para expressar a encenação
moderna como um todo. Tendo estudado e comparado mais de 250 modelos variados de
habitações ao redor do mundo, Craig rejeitava todo elemento não era encontrado nos outros até
que ele conseguiu reduzir esta habitação para os componentes universais usados por toda
humanidade desde o início dos tempos. Tudo o que permanecia era o chão, o teto, e as paredes.
Desta destilação ele fez apenas uma cena, argumentando que aquela cena-fabricada era uma arte e
não uma fábrica de brinquedo, que "o artista fala para os espectadores pela cena, ele não exibe
uma grande casa de boneca para eles". Tudo que era preciso adicionar para esta cena era um
sistema efetivo de iluminação, visto que só poderia mudar o humor teatral, envolvendo ou
repelindo os atores. Cena e luz deveriam ser como dois dançarinos ou cantores em perfeito
acordo. A iluminação ainda não inundava o palco ou escorriam pelas paredes; cortava ou
acariciava.

Depois de estudar drama clássico e espetáculos medievais, Craig decidiu que a sua forma básica,
tão diferente do palco ilusionista, era arquitetônica. Afinal, eles podiam evocar forças espirituais
muito mais profundamente do que cenografia realista podia fazer; eram teatros visuais que
tiravam proveito do recinto arquitetônico espetacular. Fosse num anfiteatro ou numa igreja, a
montagem inteira era o palco, e era um lugar genuíno com qualidades arquitetônicas simples que
ele desejava reproduzir. O movimento também foi importante nas reformas teatrais de Craig: ele
propôs que um palco onde paredes e formas se insurgissem e se abrissem, revelando ou
escondendo em incessante movimento pudesse se tornar uma performance sem qualquer ator.
Mais uma vez alguém na busca da reforma teatral volta a elogiar Loutherbourg, o último criador
de espetáculos do século XVIII que mostrava cidades em chamas e navios em tempestades sem,
no entanto, mostrar um ator no palco. O Eidophusikon de Loutherbourg era de fato um espetáculo
ilusionístico de luz e sombra, mas Craig viu isso como o precursor de seu palco móvel abstrato
que ele chamava de "Cena" - um lugar que poderia ter sido Atenas, Roma, ou Londres
contemporâneo, poderia ter sido uma casa de barro, um palácio, ou uma loja, mas representava
para Craig o lugar onde inúmeros dramas poderiam acontecer. O vínculo entre Craig e de
Loutherbourg dispunha o fato de que movimento e mudança fizeram da cenografia um agente
ativo no evento dramático. Craig dedicou suas 1906 gravuras das "Cenas" a Johann Sebastian
Bach, porque tinha sido o ritmo musical que livrou Craig do alcance dilacerado do teatro
ilusionista e o ajudou a desenvolver seu teatro cor, luz, formas cúbicas móveis, e espaços variados
que sublinhavam os aspectos de um drama, assim como a música sublinhava o movimento. Craig
escreveu, "A cena também tem o que eu chamo de uma face. Esta face expressa. Suas formas
recebem a luz, e visto que a luz muda sua posição e faz outras mudanças, e já que a própria cena
se altera junto como em uma dança - de tal maneira que isso expressa todas as emoções que eu
gostaria de expressar”.

Craig também foi estimulado pelas vistas perspectivadas do palco de Serlio; elas indicavam a
direção perfeita para serem seguidas, se o palco fosse limpado de todas suas confusões
decorativas e pictóricas ainda permanecidas no espaço puramente arquitetônico. A ilustração de
Serlio de um palco em forma de tabuleiro de xadrez inspirou Craig a conceber palco moderno de
paredes planas uniformes com partes móveis. Poderiam ser elevadas seções do tabuleiro de damas
ou poderiam ser abaixadas se fosse o desejo do diretor, telas móveis poderiam descer do teto ou se
mover para todas as direções a qualquer tempo. O palco se tornou, portanto, um dispositivo para
receber o jogo de luz ritmicamente, criando uma variedade infinita de formas cúbicas móveis e
espaços variados. Profundos poços, escadas, espaços abertos, plataformas, ou divisórias criavam
um palco de mobilidade completa, em que Craig acreditava atrair para a imaginação. Em seu
esquema mais ideal, Craig concebeu o proscênio como uma parte móvel, como a lente de uma
câmera de cinema. Sem quebrar a ação, poderia criar uma visão em close-up rapidamente,
contratando até um ator que podia tocar os quatro cantos da cena, ou de repente poderia se
expandir de modo que isto abarcasse de forma panorâmica uma enorme multidão.

Depois de estudar as masques de Inigo Jones e Ben Jonson, Craig percebeu que também podia
usar os seus padrões e procissões cerimoniais altamente estilizados para reformar o teatro. Contra
todo o ilusionismo e realismo fotográfico, o ritual das masques e o aparecimento misterioso dos
atores mascarados deu ao teatro uma nova força mágica e espiritual. Craig sentia que a face estava
separada do corpo e já não podia mais ser usada para oferecer formas realistas de expressão. Ao
invés disso tinha que retratar aspectos enigmáticos e espirituais de vida. Ele sugeriu, inclusive,
que os atores fossem substituídos por marionetes, que ele sentia apagadas nas expressões
desnecessárias de emoção e personalidade de um ator. Colocado completamente sob o controle do
diretor, marionetes poderiam refletir mais precisamente o seu desejo e intenção do que os próprios
atores. "A máscara deve apenas retornar para o palco para restaurar a expressão - a expressão
visível da mente - deve ser uma criação, e não uma cópia". Propondo diferentes espetáculos de
masques entre 1905 e 1910, na ”Masque of Hunger", por exemplo, Craig revelou a figura de um
homem com uma máscara horrorosa de pesar cercada por uma forte queda de chuva negra. A vida
do homem simbolicamente amplificada expressava esmagadora emoção e privação material.

Com Appia e especialmente com Craig, um teatro simbólico e não imitativo se desenvolveu onde
"o que não podia ser conhecido, mas apenas insinuado tinha a primazia sobre o que podia ser
alcançado e comparado.... no general, na representatividade, na inespecificidade, ganhando uma
autoridade acima do que era 'meramente' imitativo". Craig, porém, teria fracassado totalmente
promovendo as suas reformas teatrais, um fracasso que John Peter em Vladimir’s Carrot,
sustentava que era o resultado dele estar à frente de seu tempo, o primeiro defensor concreto de
uma forma teatral fechada antes daquele drama ter sido realmente criado. No trabalho de Craig, o
palco em perspectiva ilusionista foi transformado dentro de uma busca por algo ilimitado e para
além da representação: movimento na abstração, sons rítmicos desprovidos de significado,
imagens visuais sem revelação. Embora Craig defendesse um retorno para as formas da arte
popular, ele propôs não obstante um teatro de imaginação elitista; talvez até mesmo um teatro
monologuista sem uma audiência. Era uma forma teatral fechada que Peter definiu como sendo
uma declaração total do que estava tentando dizer, um drama não aberto para as questões.

Em sua inacessibilidade, fechada para o questionamento e para o diálogo, a arte de Craig já


profetizava as intenções da arquitetura moderna, que desejava inserir vazios cênicos e lugares
silenciosos na densa exibição visual da cidade. As elegantes e congeladas torres de vidro de Mies
van der Rohe, silenciosamente dispostas ao redor da Alexanderplatz (projeto de 1928) são
exemplos perfeitos dessas formas modernistas. Talvez a cidade pudesse ser vista através dos
espaços abertos que se configuravam entre essas estruturas de lajes equivalentes alinhadas
formalmente ao redor do círculo, embora este esquema urbanístico não propusesse um diálogo
concreto com a cidade; não observava a forma visual nem histórica de Berlim. Decompondo a
cidade, ao invés de substituir uma composição imóvel e abstrata, esse planejamento de formas
puras negou inevitavelmente a presença de uma audiência. O trabalho de Craig refletiu outros
movimentos modernistas como numa óbvia comparação feita por Kasimir Malevich, visto que ele
buscou romper os laços do realismo que seguravam a audiência em uma obra de arte, ao invés de
permitir que o artista pudesse se mover dentro de uma realidade de nível superior, para além de
uma profecia onde ele reivindicava, "eu destruí a linha do horizonte e saí do círculo de objetos, a
linha do horizonte que aprisionou o artista e as formas da natureza". Ou em uma comparação mais
íntima de Craig, Malevich descreveu sua “Black Square” da maneira seguinte: "Qualquer
superfície pintada é mais viva do que qualquer rosto no qual um par de olhos e um sorriso
projetam-se. Um rosto pintado em um quadro representa uma paródia desprezível de vida, e esta
alusão é meramente uma lembrança do viver. Mas uma superfície vive; nasceu”.

Os defensores das formas de arte que existiram nesse momento crítico de rompimento, nesse
limiar do novo, influenciaram obviamente as experiências Futuristas para o teatro eletrificado.
Lançando seus manifestos contra a natureza estática pintada no pano de fundo da arquitetura
cênica, que eles sentiam que também inibiam os vôos da imaginação visual e emocional, em vez
deles louvarem um novo teatro de passos rápidos, de movimento mecânico e mecanismo preciso -
lições que eles tiraram do drama moderno da eletricidade e da dinâmica urbana. Seguindo Craig,
eles acreditavam que o palco deveria ser transformado em uma enorme arquitetura
eletromecânica, um palco luminoso banhado por montagens multicoloridas de luz e movimento.
Mas em vez de formas teatrais fechadas, os Futuristas queriam estabelecer uma nova relação entre
os atores e a audiência. Eles pretendiam transformar seus palcos luminosos em uma performance
de improvisações exuberantes, provocações ultrajantes, e condensações inventivas. Marinetti
acreditava que as pessoas se reuniam no teatro em busca do riso e de uma fuga da rotina diária, e
não para lembrar os problemas da realidade. Para Marinetti, a fonte de inspiração teatral se
configurava nos espetáculos do teatro de variedade, no circo, e no burlesco. Através do uso
inteligente da paródia e do ridículo, no fluxo constante de cores, nas ações simultâneas, na
música, nos efeitos mecânicos, e nos espetáculos condensados ou pequenas performances, o teatro
Futurista esperava minar as formas tradicionais do drama burguês. Na confusão produzida por
surpresas sem lógica, debochando efeitos, e fazendo palhaçadas absurdas, o espectador não
entendia a razão de toda aquela ação, contudo, sentia o impacto direto de sua atração sensória.
Para reduzir a distância entre o ator e a audiência, um espectador se transformava repentinamente
em palhaço plantado na audiência, os acrobatas empreendiam proezas ousadas que falavam
diretamente com as emoções do espectador, e alegres entretenimentos controlavam o espetáculo.
Os Futuristas reivindicavam, "a realidade vibra ao redor de nós, nos atingindo com rupturas de
fragmentos com eventos entre eles, implantando a pessoa dentro de outra realidade, confusa,
emaranhada, caótica." No trabalho dos Futuristas as performances teatrais e as visões cenográficas
da cidade ambas eram contagiadas por uma nova percepção visual. Eles não apenas se rebelaram
contra as formas burguesas separando a arte da vida, bem como propuseram destruir o teatro
realista virando-o ao avesso, permitindo que o material da vida entrasse no palco e o performer
conseguisse o alcançar para chocar o espectador. Um jogo instintivo, de gestos transfigurativos,
de movimentos eletrificados e composições improvisadas, teatralizando ambos o palco e a
realidade. Deixando a sala para surpresas e acidentes, Marinetti escreveu, "Nosso teatro Futurista
zomba de Shakespeare, mas presta atenção para as bisbilhotices dos atores, é para fazer dormir
por uma linha de Ibsen, mas é inspirado por reflexões vermelhas ou verdes das primeiras filas de
poltronas. NÓS ALCANÇAMOS UM ABSOLUTO DINAMISMO PELA
INTERPENETRAÇÃO DE DIFERENTES ATMOSFERAS E TEMPOS". Suassensibilidades
visuais, longe de procurar formas teatrais fechadas e abstratas como Craig defendia, empurraram
cada espectador para uma visão cinematográfica, rompendo a qualidade contemplativa da arte e
enfatizando os efeitos visuais. Com suas expectativas em um teatro cinético raramente realizado,
os Futuristas queriam “ganhar a corrida com a cinematografia" comparando os efeitos cinemáticos
do palco tal como os quadros variáveis que abriam e fechavam, ou dividindo telas adaptadas ao
cinema e misturando cortes de filmes que entrelaçavam ações simultâneas.

Eventualmente, a influência do cinema nas formas teatrais teve que ser diretamente remetida.
Sergei Eisenstein empreendeu algumas dessas experimentações. Querendo criar um teatro em que
pudessem ser justapostas imagens práticas-concretas com formas fictícias-descritivas, ele trouxe o
teatro para próximo do cinema. Ele tentou procedimentos diferentes tais como aproximações
minuciosas (close-ups), exposições dobradas e múltiplas, imagens sobrepostas e direcionando
duas linhas paralelas contínuas, mas estas práticas cinemáticas eram muito difíceis para o teatro
revelar. Ele nunca alcançou no palco a unidade que ele desejava forjar fora da realidade e da
teatralidade. Esperando visualizar o redemoinho da Bolsa de valores, o tempo vertiginoso das ruas
da cidade, o surpreendente mar de luzes que as grandes cidades do capitalismo representavam, por
exemplo, Eisenstein sugeriu a idéia de um “cenário contínuo“ quando ele dirigiu uma peça teatral
escrita por Pletnev chamada “Precipice”. Para capturar o drama de um inventor que ou correu ou
foi perseguido pelas ruas de cidade, e que sentiu as armadilhas na impiedosa rede da cidade,
Eisenstein propôs que pedaços de edifícios e detalhes arquitetônicos fossem usados sobre o palco
por atores em patins de rodas. Dois banqueiros segurariam a bolsa de câmbio, o figurino dos
policiais seria decorado com ruas, caminhões, carros de passeio, e automóveis; e outros atores
transportariam uma chama de luzes de ruas e sinais elétricos. Essa dupla exposição de imagens
em transição e a dinâmica interseção do homem com o ambiente urbano eram esperadas para que
se fundissem naquele expressivo conjunto. Embora Eisenstein nunca tenha produzido essa peça,
nem projetado seu cenário, ele estava indicando, no entanto, os conceitos essenciais de montagem
do filme: quando duas imagens são justapostas, ou seja, as exposições duplas de atores móveis e
partes de edifícios, combinando um novo conceito que, ou expressava a tensão vertiginosa e as
perspectivas alteradas da cidade capitalista, ou a experiência urbana da labuta pelas ruas
comprimidas e perdidas em lugares surpreendentes.

Como os Futuristas, Eisenstein queria criar trabalhos teatrais permeados com vida, trabalhos que
incitavam o espectador a se entediar com a "Arte", ao invés de preferir o drama da realidade. Na
verdade, ele encenou sua produção “Gas Masks", de Tretiakov, em uma fábrica de gás em
Moscou, esperando sublinhar os aspectos da vida real no drama.

Observando as reações dos espectadores, porém, Eisenstein percebeu que eles estavam muito
mais interessados pelas turbinas, pelos trabalhadores, e cheiros da realidade do que pelas ilusões
daquela representação imaginária. Inevitavelmente o teatro foi insinuado com artifício, e parecia
ridículo assim no meio de uma fábrica de verdade. Eisenstein tinha lançado o teatro para além de
seus limites, para um ponto que realmente negava sua maquiagem fictícia. Por conseguinte,
Eisenstein se afastou do teatro e foi para o cinema, onde ele acreditava que doses de realidade
poderiam ser editadas para produzir então seqüências emocionais e experiências de montagens,
ele queria o espectador para montar e realizar.

Almejando formas de arte que compartilhassem limites com a vida, construções que revelassem
níveis de estilos no qual o mundo estivesse reunido, os artistas que estavam sob o fascínio dessa
teatralidade visual começaram a olhar a cidade como se ela fosse uma móvel e flutuante
montagem cênica. A realidade da cidade como um espetáculo começou a influenciar suas formas
de representação. Fernand Léger foi um dos primeiros artistas a ver a cidade dentro desta
perspectiva, vendo-a como uma paisagem industrial ainda composta de vidas, distanciamentos
(long-shots), e aproximações (close-ups) reagrupadas em um “salto-cortado” (jump-cut) do
espaço imaginário. Léger advertia que a arte moderna deveria glorificar o objeto industrial
seguindo o exemplo determinado pela indústria e comércio que mostravam para o artista como
interpretar esses objetos, como exibir suas qualidades cênicas e encantadoras, de certo modo,
apropriadas para o palco. Era o pequeno comerciante com a arte de adornar janelas que tinha
transformado as ruas da cidades em um espetáculo permanente de infinitas variedades. Os objetos
na cidade afirmavam sua autonomia pela sua maior proliferação e movimento: luzes, cores,
manequins, anúncios, e edifícios eram todos visualmente moveis chamando a atenção do público.
Conseqüentemente, a paisagem urbana era rica com objetos comuns e cotidianos que exibiam um
potencial teatral: Léger escreveu em 1924, "falar sobre espetáculos é imaginar o mundo
diariamente em todas as suas manifestações visuais”. A velocidade foi a essência da era urbana,
comprimindo todas as imagens e objetos de uma cidade em uma rápida série de visões
hipertrofiadas que colidiam uma com a outra, afirmando-se cortadas de si mesmas para em um
momento adiante serem substituídas por uma visão contrastante. Seguindo essa nova sensibilidade
da imagem da cidade, Léger declarou, “o teatro de espetáculo foi formado fora da luz, da cor, e
das imagens móveis. Apenas olhe para as ruas da cidade, e lá uma pessoa pode encontrar a origem
da performance moderna! Dois homens carregando letras gigantescas em um carrinho de mão há
pouco removidos da marquise de um teatro, por exemplo, eles transformaram as ruas da cidade
em um espetáculo que todo o mundo parou para assistir: esta era uma cidade espirituosa pulsando
energia e ritmo, contrastando vistas incongruentes, um ambiente totalmente artificial, mas
animado e vital”.

A Bauhaus também esteve envolvida com essa revolução visual e nas reformas que afetavam a
apresentação teatral e as vistas cenográficas da cidade. Laszlo Moholy-Nagy acreditava que o
teatro tradicional era um disseminador de ação centrada, uma espécie de relato de uma testemunha
ocular que subordinava a ilustração visual das formas narrativas ou propagandistas. Ao invés do
teatro moderno se transformar em uma nova montagem de som, cor, movimento, espaço e forma,
ele se desenvolveu para além de um contexto verbal e se orientou para a ação explosiva. Ele
também se virou para o circo, para a opereta, para o vaudeville, louvando estas artes por seus
feitos espetaculares e ações simultâneas. Pressentindo um novo teatro de pontes suspensas e
levadiças que perfuravam o palco em linhas diagonais, horizontais e verticais - onde plataformas
giravam, áreas avançavam ou recuavam, e palcos móveis traziam algumas ações para mais
próximo do público, enquanto outras eram mantidas no fundo - Moholy-Nagy viu a ação total do
palco como um grande processo rítmico-dinâmico em que o homem e o fundo da cena
alcançavam total harmonia, onde o espaço teatral e o espaço urbano se interpenetravam um no
outro. "O novo espaço se origina das superfícies livres da situação ou da definição linear dos
planos (instalações elétricas, antenas), de forma que as superfícies se levantem no tempo em uma
relação muito livre de uma com a outra, sem a necessidade de qualquer contato direto."

Moholy-Nagy falaria, em 1936, sobre o fato de se criar uma arquitetura monumental de luz -
exibições de luz realmente enorme ao ar livre. Utilizando materiais especiais e refletores, ele
sentia que seria possível projetar a luz sobre nuvens e outras substâncias gasosas, que seriam
vistas então por alguém que estivesse voando em um avião ou caminhando por esta névoa. "Com
a luz, a própria arquitetura pode ser mudada. Com a luz uma pessoa pode reagrupar paredes e
janelas ou pode as demolir em pequenas unidades. Com o néon ou outras luzes pode ser criado
durante a noite o esboço de um edifício completamente diferente no lugar de sua estrutura atual.
No futuro, a luz...será uma parte essencial na arquitetura". Simultaneamente as forma
arquitetônicas foram alteradas através do movimento: uma vez que a visão do eixo frontal tinha
dominado seu planejamento, mas com o advento do balão e do avião, Moholy-Nagy afirmava que
a arquitetura também poderia ser vista pelos lados, por cima, e até mesmo por baixo. "A
arquitetura aparece não mais como uma estrutura estática, mas, se nós pensarmos em termos de
aviões e carros, a arquitetura deve ser ligada ao movimento. Isto muda todo o seu aspecto, de
forma que uma congruência formal e estrutural e com este novo elemento, o tempo se manifesta".
Por conseguinte, a experiência visual de um pedestre ou de um motorista sobre os objetos difere:
de veículo móvel os objetos adquirem novas relações mutuamente, para as quais o pedestre não
tem visão. Essa nova articulação espacial na arquitetura, Moholy-Nagy acreditava que iria
provocar também uma melhor relação entre o solo e os edifícios. Já as enormes e indivisíveis
janelas de vidro das estruturas modernas permitiam que natureza penetrasse no interior da
estrutura; enquanto que diferentes espaços e configurações do tempo eram reunidos pelas
reflexões e espelhamentos das janelas de lojas e de automóveis. “Espelhamentos significam que
esta sensação de alteração do aspecto da visão, a identificação aguçada da penetração do interior e
do exterior”.

As transformações iniciais dentro da percepção visual moderna, que não envolviam apenas o
teatro e o cinema, mas também a cidade e a arquitetura, permitindo comparações com a Cidade de
Espetáculo, por mais uma vez nos tempos contemporâneos havia uma preocupação com o formal
e o visual, com o fluxo e as mudanças caleidoscópicas, com os padrões ilógicos e os temas
inenarráveis. Como os primeiros modernos, a Cidade do Espetáculo tomou os efeitos da forma
visual como os objetos de suas análises. A indagação que permanecia para ser respondida, porém,
era: enfocando tão estreitamente a percepção visual e o jogo representativo das formas, o que foi
ignorado? Como Peter bem notou em “Vladimir Carrot”, as expressões artísticas que subjugaram
o espectador com espetáculos visuais e ambientes fantásticos estavam, ao mesmo tempo, fechadas
para o diálogo e para o questionamento. "Qualquer tipo de arte é, ou nós pensamos que seja, a
criação de outros mundos com os quais podemos ter um diálogo. E se nós somos comprometidos
em um diálogo que não podemos suspender juízo nem podemos simplesmente submeter, e nem
mesmo em reconhecimento encantado ou um sentimento de identidade”.

Siegfried Kracauer estava atento para alguns dos aspectos negativos das primeiras admirações
modernistasde encantamento com o espetáculo. Ele chamou todas as formas visuais estruturadas
por um fluxo veloz de fragmentosdiscretos e eventos em curto prazo de "fenômenos efêmeros":
formas tais como as ruas da cidade, o circo, eventosesportivos e revistas teatrais. Kracauer sentiu
que essas imagens de espetáculos de entretenimento, longe de renovarsensibilidades perceptivas e
forjar novas associações políticas, estavam ao invés disso nas ornamentações superficiaisdo
século XX, que levou o espectador para um mundo de entretenimento visual passivo. O tempo do
lazer era umfenômeno novo para trabalhadores urbanos nas primeiras décadas do século XX, e o
teatro para as massas se tornousimplesmente uma diversão artificial do tempo. Audiências em
massa estavam emocionadas por reproduzirem a si mesmas nos padrões decorativos: seja na
precisão geométrica de dançarinos do teatro de revista, seja na formação dosginastas, seja nas
multidões em desfiles e paradas. Talvez estas formas coletivas e rotineiras, que Kracauer chamou
de"massa ornamentada", fosse apenas uma paródia da linha de montagem linear e a eficiência dos
movimentos do corpo Taylorizados, suas formas alienadas transcendiam por um espelhamento
prazeroso de seus padrões figurativos. Mas ospadrões ornamentais, só observáveis de uma visão
distante ou aérea, apagaram a presença do indivíduo na fabricaçãoorganizada das massas. Mais
que isto, eles enfocaram a atenção do espectador no fluxo visual de eventos discretos.

Kracauer argumentava que vida da cidade moderna era rotineira e despersonalizada, o prazer era
previsto como uma fuga imaginária da repetição e tédio em um mundo de puro jogo e artifício.
Por essa razão, interiores e fachadas como fascinantes e superficiais revestimentos que simulavam
várias arquiteturas se tornaram construções populares: o Vienna Room, o Bavarian Room, e o Jazz
Room de Haus Vaterland em Berlim de 1920, por exemplo, eram recriações cenográficas
inspiradas pelas canções populares líricas, mas pintadas em esmerados detalhes. Mas um passo
longe da coisa real, esse revestimento de estética superficial permitiu que todo o mundo
experimentasse momentaneamente o sentimento de que eles realmente eram ricos e famosos.
Apresentando quadros de terras distantes exóticos e hipnóticos, esses ambientes evocavam
distrações e abstrações da viagem, desviando a atenção para longe da monotonia e da feiúra da
vida cotidiana. Um vôo de imagens, a matança de tempo, um esvaziamento fora de todo
significado - Kracauer notou que isto fora oferecido como uma perfeita fuga ilusória para os
trabalhadores urbanos de colarinho-branco. O entretenimento no início do século XX, um tempo
quando muitos processos permaneciam inexplicáveis ou invisíveis a olho nu, eram limitados para
aparências superficiais, encantando no fácil reconhecimento de ícones e emblemas visuais
identificáveis. Só iguais nos tempos pós-modernos, mais adiante Kracauer sustentaria que estes
ambientes artificiais refletiam um mundo cada vez mais fragmentado, um globo dividido em
discretas unidades geográficas, mas re-experimentado como uma superfície uniforme através de
uma montagem combinatória de espaços cênicos distintos, mas coexistentes recompuseram tão
firmemente em uma unidade fascinante que uma imagem contraditória não poderia pressionar
pelo revestimento.

Kracauer acreditava que um estimulante fluxo de imagens vívidas fustigava o pedestre


constantemente em redor de um labirinto de ruas da cidade moderna. Esses choques visuais e
experiências fragmentadas eram reorganizados subseqüentemente pelo espectador em uma
compreensiva unidade, embora em uma distraída e sonâmbula maneira. Longe de ser uma nova
sensibilidade visual como os primeiros modernistas declaravam, a fragmentação da vida cotidiana
permitiu o superficial se insinuar na metrópole moderna, Kracauer achava que só produziam
suaves surpresas por sua postura despretensiosa, mas afirmativa. A cidadena verdade se tornou um
mecanismo para a diversão, exemplificada no esplendor arquitetônico e decorativo dos anos de
1920, nos “cinepalácios“ de Berlim. Estes teatros estavam sustentados no grande lucro pelo hábito
da massa urbana para a distração. Dentro desses palácios um interior escurecido e estilizado, uma
atmosfera de sonho envolvia o espectador que era absorvido passivamente pelo panorama visual
que se abria na tela. Construído em sensibilidades visuais modernas, estes teatros mantinham o
olho da audiência treinado no periférico, e subseqüentemente ocultava da consciência o fato de
que o espetáculo, na verdade, não produzia significados ou desenvolvia a consciência das
injustiças sociais que aconteciam fora das paredes do teatro.

A sucessiva experiência visual das ruas da cidade, e o choque em suas imaginações


constantemente alteradas e deslocadas foram traduzidos em uma forma cinemática dentro de um
lugar temeroso e impenetrável. Representado como uma ameaça corrupta e perigosa para a vida, a
cidade moderna montou suas armadilhas para capturar o modesto visitante ou para emaranhar o
herói bem-intencionado. O indivíduo tinha que lutar o máximo que podiam nessa aglomerada
selva, onde o tráfego e os pedestres fluíam e refluíam em indiferentes e descuidadas ondas. Carros
de bombeiros e da polícia eram filmados como eles corriam pelas ruas ou entravam em
perseguições contra fugitivos e ladrões. Inseguranças esmagadoras, inversões do destino, e
aventuras ameaçadoras eram os primeiros estilos de repertório do cinema para descrever a
existência metropolitana e para distrair o público com divertidas interpretações. Kracauer pensava
que a essência da modernidade fora capturada nestas imagens expressivas da metrópole. Às vezes,
como num sonho, poderiam ser freqüentemente ambíguas e vazias como meras fachadas
ornamentadas nas ruas da cidade, as imagens da cidade eram fugazes, sempre mudando, ao
mesmo tempo cheias de ansiedades nervosas e surpreendentes nuances. Qualquer que fossem suas
ambigüidades e ameaças, suas alegrias e promessas, elas evidenciavam sensibilidades visuais e
modos de experimentações da realidade que constituíam a essência de uma estética moderna.

Gostando ou não, o espetáculo arrebatou o espectador por sua atordoante teatralidade: sua
natureza era colocá-lo na exibição pela postura e provocação, superação e revelação. Assumindo
uma presença cênica, o teatral almejou um espaço repleto de espectadores que tentava atrair por
meio de uma armadura (panóplia) de truques visuais por meio de citações de formas históricas,
por meio de repetições que reduziam a imagem a um padrão formal, por meio de projeções
luminosas, escalamentos, nivelamentos, e sobreposições. Michael Fried escreveu em um ensaio,
intitulado "Art and Objecthood" (1967), que existia uma guerra entre as artes pictóricas e o teatro,
uma guerra na qual as artes visuais só poderiam ser as vencedoras, contanto que elas
permanecessem como composições auto-suficientes ou fechadas, e que só se relacionassem com
os seus próprios materiais e gêneros. Mas quando uma pintura é representada, quando se exibe na
frente de um público, que é quando a arte está preocupada em como seu olhar afeta a percepção
dos espectadores; então a arte se degenera no teatral. Seguindo as considerações de Fried contra o
teatral, as artes pictóricas deveriam permanecer como obras de arte fechadas, não abertas para o
questionamento ou para o diálogo. Como se observou, a linha que separa as formas teatrais de
trabalhos auto-suficientes nunca foi tão claramente representada. Bem-vindos ou não, os modos
performático e espetacular impuseram-se na estética da cidade, do teatro, e da arte - um simples
efeito da perspectiva revelava suas presenças. Mas como evocar o envolvimento da audiência;
como abrir o teatro para a vida cotidiana ou representar os valores cívicos e morais no palco,
como revelar algo espiritual além do alcance da expressão formal: todas essas perguntas sempre
foram o outro lado de toda tentativa para estabelecer as obras de arte como autônomas, puras, e
exclusivas.

Como o registro histórico mostrou, quase sempre o teatro construiu, intencionalmente ou não, um
modelo social da cidade. Richard Schechner chama este modelo de “cities-as-production” (talvez
cidades funcionalistas) e nota que elas às vezes são harmoniosas, mas freqüentemente
fracionadas. Ele reivindica que "pode haver unidade ritual ou contenciosa dialética no coração de
uma sociedade. Mas em qualquer caso a Cidade é um arranjo, uma negociação entre partes". Às
vezes, porém, o teatro se retira desta situação ideal e se declina para fórmulas fáceis, para as
audiências passivas, e para os textos apolíticos. Schechner acrescenta ainda que, “o que
permanece é o do que temos nesses tantos trabalhos solos [pós-modernos]: brilhantes, mas não o
bastante; personalistas em vez de envolvidos com a polis, com a vida da Cidade, com a vida das
pessoas... O que perde é um coração para a Cidade como tal. O trabalho não lamenta, ou está
enfurecido, ou contra a vida das pessoas. E não importa se queremos evitar assuntos sociais,
políticos, a vida das pessoas em suas manifestações coletivas, a Cidade - como tragédia, sátira,
celebração, farsa - não está relacionada apenas ao teatro, mas à sua glória principal".

Claro que podemos culpar a arquitetura moderna nos anos de 1920 por abandonar a “cidade-
como-produção” e substituí-la com uma forma “essencial” despojada de qualquer coisa que
significasse uma teatralidade. Ao invés de glorificar a metrópole para o espetáculo com seu ruído,
movimento, sua montagem visual caótica, a cultura moderna estava em um estado ortogonal da
mente que implorava por reorganizar essa fragmentada confusão de visões. Nesse sentido, Le
Corbusier acreditava que uma nova dignidade poderia ser levada para a cidade, se o arquiteto
impusesse uma configuração geométrica pura naquela cidade já existente, uma grade racional
cartesiana que separava cruelmente áreas funcionais, permitindo o domínio da linha direta e do
ângulo reto. Decomposta em formas puras, em rígidas classificações, e dedicada ainda à eficiência
da máquina e ao progresso tecnológico, a cidade moderna seria despojada de qualquer
composição cenográfica ou de gestos teatrais que acenassem para o observador. Isto era como
silenciar e emudecer uma cidade sempre que se pudesse.

É claro que as imagens puras e cristalinas da arquitetura moderna sempre produziram os prazeres
menos impuros do olhar, a cidade era observada para a arquitetura como um teatro visual, a
cidade no palco, e isto como sempre vimos um vínculo menos perfeito e um olhar freqüentemente
ambíguo. O espetáculo visual é a fascinação da sensualidade e o excesso que vive fora do delírio
produzido pelo que se vê e pelo que é visto. Seu jogo de sinais, a riqueza total de suas imagens,
que o modernismo não pôde apagar completamente, na verdade minava a coerência de sua forma
global. Estas tendências já eram aparentes nos musicais de Hollywood nos anos de 1940. "On the
Town" (1949), por exemplo, apresentava Nova Iorque como um artifício elaborado, numa
montagem gigantesca de locais onde os atores cantavam e dançavam. Mas essa encenação do
espaço urbano era uma forma inerente e ambivalente, e assim foi sugerida, a canção "Nova
Iorque, Nova Iorque é uma cidade maravilhosa. O Bronx é para cima e Battery para baixo...”, um
dispositivo que se repetia ao longo do filme, de fato se tornou uma sugestão e impediu que os
atores se perdessem na confusão de locais e de experiências ameaçadoras da vida na grande
cidade. A cidade do Pós-Guerra havia se tornado um lugar de acontecimentos em aberto (open-
ended) e de histórias ambíguas, onde as possibilidades combinatórias ultrapassaram a trama
narrativa. Uma vez mais, o espaço da cidade foi simbolizado como o local de sinais e um fluxo de
símbolos, embora sua plenitude e riqueza visual apresentassem uma ilusão que estava mudando
apenas a questão de transformar símbolos e sinais, reorganizando-os em novos padrões e motivos
combinatórios.

Assim a cidade pós-guerra retomou o teatro colocando-o entre parênteses por marcas de citações,
um “espetáculo-dentro-do-espetáculo“ que habilitava uma pausa no fluxo narrativo, mas não
projetava uma imagem crível da realidade. Este teatro de imaginação inerente problematizava a
presença dos atores e a recepção das audiências, gerando também uma divisão entre exibição e
referência, entre coisas e significados. Uma audiência unificada tinha se tornado uma alusão, uma
figura que tinha desaparecido lentamente desde os tempos de Inigo Jones. Naquele teatro
assumia-se naturalmente que os espectadores, provenientes de uma elite aristocrática,
compreendiam as mensagens visuais da autoridade soberana e a harmonia cívica que a montagem
teatral codificou. Mas o cinema e o teatro pós-moderno de imagens proliferadas, ao invés disso
tiveram que assumir uma pluralidade percepções públicas existentes, vínculos fraturados e
múltiplos pontos de vista. A performance pós-moderna está baseada na mesma rejeição de
experiência compartilhada e forma narrativa, esses imãs que mantêm unidos os pedaços e as
partes de uma peça teatral ou de um quadro em uma totalidade centrada e compreensível. Em vez
disso, o espetáculo pós-moderno é uma composição contínua, e a cidade ou a peça um arranjo
negociado de cenas. Toda essa teatralidade iludiu, na experiência do que estão sendo projetadas e
no fluxo de seus fragmentos, de seus começos e paradas, repetições e redobramentos,
empilhamentos e velocidades.

A “CIVIL warS" de Robert Wilson é protótipo do teatro contemporâneo, esse entrelaçado


complexo de imagens e sons foi desenvolvido não apenas em fragmentos deslocados e segmentos
desdobrados, cada um desempenhava uma parte diferente do mundo, mas neste panorama
ambulante não havia uma visão centrada, nenhuma mensagem coerente, nenhum enquadramento
em perspectiva. A exibição em si era uma projeção de imagens e símbolos de significados
indeterminados que reciclavam e retornavam, eram aumentados ou diminuídos, postos ou
transpostos, de forma que temas múltiplos da peça eram ligados em seqüências e levados juntos
por um único fluxo de movimento rítmico. Cada espectador era livre para seguir as sugestões que
o fluxo de visões instantâneas proporcionavam sem assumir que todo mundo tinha que ler a
mesma história, contando os mesmos mitos, escutando os mesmos fragmentos de conversações,
ou retendo as mesmas recordações. Significados flutuavam sobre, sob ou ao longo dessas
ambíguas e abertas seqüências de imagens,indicando apenas uma coerência nos traços e
fragmentos. Neste teatro de imagem, fluxo e mobilidade tinham uma vez contra dispersão toda
referência contextual enquanto formas literárias ou retóricas tinham explodido no visual, aludindo
para fora do palco mensagens e traços visuais, de “solipsismo, elipsismo”, e intertextual
referências (referenciality) e refrações que o espectador tinha que se conectar apesar de sua
indecifrável natureza. Esse pastiche emprestado da imaginação problematizou mais do que nunca
a presença do espectador e ameaçou a sua compreensão do significado e da forma.

A presença problemática de uma audiência coletiva e os fracassos da arquitetura como um gesto


narrativo também eram os dilemas ao redor dos quais a arquitetura na cidade parecia hesitar ainda
no início dos anos de 1970. Uma nostalgia impeliu vários arquitetos no princípio chamando-os
para o retorno de uma ordem simbólica e para mensagens icônicas atadas às realidades da
experiência cotidiana, esperando desta maneira serem purgadas das purezas alienantes e
formalismos abstratos do modernismo. Em referência ao cenário trágico e cômico do palco de
Serlio, eles contrastaram e compararam estas visões de forma re-trabalhada, fazendo uma
distinção entre arranjos cenográficos do passado e do presente. O palco ou a cena trágica tinha
assumido para ser da autoridade magnífica, na cidade ideal de Alberti formalmente composta e a
ordenadamente organizada, uma cena da qual a arquitetura urbana e as composições cenográficas
urbanas continuamente recorriam. Por outro lado, o palco ou a cena cômica representou a cidade
medieval caótica e tumultuosa, mais de uma cena cotidiana seria transformada pelo arquiteto em
uma totalidade mais digna e trágica.

Robert Venturi se referiu a esses palcos como a cena trágica do alto moderno e o cômico de arte
popular, um de uma visão aristocrática, e o outro de uma forma vulgar. Mas esta era uma falsa
comparação, para ambos os palcos como vimos era a vista em perspectiva, frontalmente
composta, enquadrada e limitada. Ambos representavam cenas que existiam anteriormente para
suas encenações, e abrangiam um método pelo qual se projetavam cópias apuradas de suas visões.
Porque ninguém realmente acreditava no mito da verossimilhança representativa, que o
verdadeiro e o ideal era um, a imagem visual necessariamente se tornou uma visão conflituosa
vista em perspectivas múltiplas. Mas os palcos ideais de Serlio assumiram, ao contrário, a
presença de uma visão universal pública para a qual suas imaginações estavam se dirigindo e se
impondo. Eles admitiram um formato narrativo e uma comunidade integrada que compartilharam
o mesmo ponto de vista. Tudo que discordou, tudo que desafiou, tudo que era marginal à tragédia
ou à farsa foi banido do palco, nesse particular que apagou o estado contraditório da
representação. Aqueles que extraíram uma falsa dicotomia entre o palco trágico o cômico
implicavam, além disso, que a tragédia da arte clássica ignorou o lúdico, o impróprio, o ordinário.
Na verdade, todas as formas de cultura popular, ao tentar estabelecer seu mundo utópico de
eloqüente e reservado decoro, removeram para longe as banalidades e vulgaridades da vida
cotidiana. Aliás, os limites entre arte alta e popular nunca estiveram tão claramente separados nem
cuidadosamente mantidos. O engenhoso e o vernacular, ou o amável e o decoroso, sempre foram
contaminados por imitações e traduções roubados um do outro. Um é dificilmente mais ideal e o
outro mais real como já foi presumido. Mantendo a mitologia e superestimando as purezas do alto
modernismo, os arquitetos das décadas de 1970 e 1980 esperavam que tradições perdidas fossem
recuperadas, que a história e o cotidiano da realidade visual uma vez rejeitada poderia ser
reinscritas em novas projeções do palco teatral cômico. Mas alguma coisa destruiu nossa
perspectiva visual das cenas da cidade, nossas recordações compartilhadas que estimulam visões
representativas. Na era atual, o cinema, a televisão, e o vídeo têm uma capacidade de organizar
nosso prazer visual que engana para longe da arquitetura de visões perspectivadas; há muito
tempo eles nos ensinaram a ver a cidade como um espetáculo gigantesco de contradição,
paradoxal, e de cenas ambíguas explicitamente construídas e representadas.

Se isto a matasse, como Victor Hugo escreveu, afirmando que o livro matou a arquitetura, então
Venturi foi astuto bastante para imaginar que a televisão matou o livro. Então ele propôs que a
arquitetura deveria tirar seu consolo dos meios de comunicação de massas e deveria aceitar um
papel como uma força social marginalizada e ainda ganhando em retorno a atração popular. A
pista, a rua principal americana, o corredor linear de movimento e mensagens era a quinta-
essência, ou como Venturi e Scott Brown acreditavam, o convencional e o senso comum da
paisagem urbana e da realidade da vida cotidiana que deveria configurar a arquitetura americana.
Aqui, como em anúncios e desenhos gráficos, encontram-se letreiros como ornamentos, imagens
híbridas e contraditórias de pura visibilidade, o teatral e o publicitário posam. Mas o real
problema com o retorno para a arquitetura secular narrativa com a mensagem, não com as formas,
como Venturi sugeriu, porque as fragmentações e redobramentos sucessivos dos meios de
comunicação de massas impedem o espectador de compreender a realidade como uma totalidade
coerentemente organizada. As imagens dos ambientes arquitetônicos apresentadas na televisão
para o espectador, em campanhas publicitárias, em outdoors, através de anúncios, e nos filmes são
formas estereotipadas tiradas de uma montagem de representações fictícias. Seus prazeres,
produzidos pelo rápido reconhecimento de quadros recordados, dificilmente é o efeito de um
sistema de símbolo profundamente estruturado ou em uma arquitetura que pretende comunicar.
Graficamente projetadas para atração do consumidor, estas imagens trabalham em nossas
emoções porque são visões ordinárias e anônimas, e repetindo mais uma vez elas se tornaram
padrões formais abstratos e fechados para qualquer crítica.
Como os arquitetos reduziram cada vez mais os seus trabalhos durante os anos de 1970 e
1980, apenas por outra forma de mercadoria, o julgamento sobre o gosto popular foi adiado,
porque sua arte se tornou apenas um comentário sobre os códigos da representação e dos
dispositivos teatrais do artifício e de sua apresentação. Não era um discurso nem sobre
significados simbólicos nem sobre a realidade urbana. Uma certa passividade prevaleceu, fazendo
com que o espectador aceitasse a cidade como aparência e esquecesse suas obrigações cívicas, os
sofrimentos da humanidade, ou a construção de percepções e conexões sociais. Fragmentos
tirados de livros sobre a história arquitetônica, pedaços de lembranças de paisagens viárias
(streetscapes) americanas, imagens tiradas dos meios de comunicação de massas, e então re-
agrupadas e transpostas, sobrepondo e entrelaçando formas não é outra coisa senão padrões da
linguagem hermeticamente fechados ou um jogo sintático de imagens destituído de qualquer
conteúdo semântico. Supostamente, a realidade do ambiente popular foi revelada no modo teatral
que a olhou, mas as imagens de cidade reduziram os dispositivos formalistas se tornou a Cidade
do Espetáculo: composições cenográficas organizadas para um espectador silencioso e não
questionador. A tendência para se esconder constantemente atrás de uma fachada puramente visual
minou, como Kracauer explicou, uma tentativa mais crítica para se ter uma forma arquitetônica e
um teatro total da cidade, realçada por atitudes e aspirações contemporâneas. Os artifícios e
ornamentos da arquitetura convencional e das formas cotidianas negam que arte possa instruir
pelo prazer e agradar pela instrução. Destituídos de uma estrutura social ou crítica, a maioria dos
arquitetos dos anos de 1970 e 1980 permaneceu desinteressada sobre como o espaço da cidade foi
produzido ou que controles econômicos, sociais, estéticos, e legais influenciaram sua forma.
Símbolos e signos não produzem mais os seus significados sozinhos. Não são suas formas visíveis
que carregam a mensagem, mas, sim, os códigos pelos quais eles são produzidos e o contexto
social que configuram suas expressões. Como formas dramáticas fechadas, ambos a arquitetura e
o teatro nos anos de 1970 e 1980 eclipsaram completamente esta relação da “cidade-como-
produção-teatral”.

ONDE ESTAO AS REFERÊNCIAS

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