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Os elementos visuais
Arquitetura X pintura
Convenção X realismo
Evolução da cenografia
As unidades de ação, lugar e tempo da tragédia grega, mesmo não sendo tão
rígidas como a exegese restritiva da posteridade fez crer, simplificaram muito o
problema da cenografia, que se bastava com fachadas de palácios, templos e
tendas de campanha. Mecanismos destinados a produzir efeitos especiais
enriqueciam o aspecto visual do espetáculo: o ekiclema mostrava de improviso ao
público uma cena ocorrida no interior do cenário; a mecané levava aos céus deuses
e heróis; e o teologéion incumbia-se de revelar uma divindade, sobretudo no final
das tragédias euripidianas. Alçapões traziam ao palco, vindas do solo, sombras de
mortos.
A cenografia latina, principalmente no tempo dos imperadores, acompanhava
as construções faustosas dos teatros, buscando o impacto visual de riqueza e luxo.
Essa fase, porém, é posterior ao aparecimento dos principais dramaturgos romanos,
e sugere, na senda do que se observou na Grécia em matéria de edificações, que a
parte exterior predomina quando o elemento literário está esgotado.
O drama religioso da Idade Média teve uma evolução particular. No início,
confundindo-se com a própria liturgia, seu cenário era o interior da igreja. Ao tornar-
se drama semilitúrgico, emoldurava-o o pórtico dos templos. Finalmente, os
mistérios se representavam nas praças, e a enorme variedade de locais das cenas
impôs o invento de uma decoração especial, inédita no teatro: o cenário simultâneo,
em que diversas indicações, muito sumárias, se justapunham ao longo de um
estrado. Um simples portão sugeria uma cidade, uma pequena elevação simbolizava
uma montanha, e assim por diante. No canto esquerdo do estrado, uma enorme boca
de dragão servia para a passagem dos demônios e a ida para o inferno dos
pecadores irremissíveis. Na parte direita, acima do chão, situava-se o paraíso, lugar
de felicidade eterna. Esse enquadramento permanente, encontrável nos mais
diversos mistérios, revelava o profundo vínculo da cenografia com o espírito do
texto: a vida humana como transitoriedade para um desses dois destinos
inapeláveis.
A maquinaria medieval esmerou-se em efeitos cênicos. As execuções
passavam-se em face do público. Os canhões, utilizados nas batalhas, chegaram a
provocar mortes ou queimaduras graves. Narra Gustave Cohen (1879-1958) que o
pintor flamengo Karl Van Maender preparou um dilúvio com tanta perfeição que os
espectadores de um mistério ficaram também inundados. A admiração pelo engenho
foi maior do que o possível desagrado com o banho imprevisto.
A dramaturgia clássica retornou aos princípios greco-latinos, adotando as
unidades aristotélicas. Um só cenário prestava-se a todos os diálogos. Os
divertimentos de Corte, que se tornaram particularmente brilhantes em Versalhes,
apelaram de novo para a suntuosidade.
No livro Drama — its costume and decor (A Studio Publication, 1951 ), James
Laver afirma que “cenário” é sempre Barroco, e Barroco é o teatro em flor, isto é, em
sua maior teatralidade, quando ele invade cada departamento da vida” (p. 18).
Adiante, o ensaísta acrescenta que “o teatro moderno, ou talvez seria mais
verdadeiro dizer o teatro cujo ciclo se está finando, é o descendente direto do teatro
de Corte do período Barroco” (p. 74). As perspectivas sucessivas tiveram o objetivo
de alargar ilusoriamente a dependência do palácio escolhida como cenário. Serlio
(1475-1554), Torelli (1608-1678) e a família Galli de Bibiena [Ferdinando (1657-
1743) inventou os cenários em perspectiva diagonal] foram alguns dos mestres
italianos que fizeram o barroco triunfar em toda a Europa. A grandiosa construção
arquitetônica desses cenários, porém, presta-se menos ao teatro declamado que à
ópera. Dentro de tantas colunas, cúpulas, arcos e perspectivas, a presença humana
se reduz, e só se faz sentir pelo canto vigoroso.
O romantismo depôs o arquiteto em favor do pintor de paisagem, observa
ainda James Laver (p. 198). O duque de Meiningen (1826-1914) principiou a reforma
realista, e Antoine (1858-1943), no Théâtre Libre, chegou a utilizar pedaços de carne
verdadeira no cenário de um açougue. A propósito dessa alteração, escreve Pierre
Sonrel (1903-1983): “A fotografia representa na segunda metade do século XIX o
mesmo papel do diorama no fim do século XVIII e da perspectiva no século XVII.
Admira-se aí o trompe-l’oeil e a imitação servil, objetiva, da natureza” (ver Pierre
SONREL, Traité de scénographie, Paris, Libr. Théátrale, 1956, p. 89). A mera
reprodução da realidade à volta, certamente, não poderia continuar por muito tempo
um ideal artístico.
Na Grécia, em Roma e na Idade Média, os espetáculos realizavam-se
durante o dia, aceitando-se a luz do sol para iluminação em todas as circunstâncias.
A passagem do teatro para as salas fechadas e os horários noturnos levou a
iluminar-se o palco, primeiro com óleo e depois com gás. A descoberta da
eletricidade teve profunda repercussão na cenografia, modificando completamente
os recursos luminosos, a partir de fins do século passado. Appia elege fator básico
de uma boa decoração a luz, que salienta a plasticidade do corpo humano. A luz,
seccionando espaços, no palco, e crescendo ou diminuindo de intensidade, pode
funcionar sozinha como cenário, e mais de uma vez tem resolvido admiravelmente
os problemas inacessíveis aos elementos construídos. A instalação de numerosos
refletores, rotina dos teatros bem aparelhados, facilita os jogos luminosos, e ressalta
um ator ou um pormenor. Se a pintura, por si, ganha em ser contemplada numa luz
uniforme, a incorporação da eletricidade confirmou o lugar da cenografia na área
arquitetônica.
A enorme tradição recolhida do passado dá liberdade ao artista atual para
mover-se em qualquer campo, de acordo com o seu temperamento. Alguns
cenógrafos continuam na linha pictórica, tratada pelas pesquisas plásticas de hoje.
Outros reformulam o construtivismo. Ainda uns terceiros fundem as duas tendências,
e utilizam em quantidade as projeções, facilitadas pelos recursos técnicos modernos.
Um novo desejo de reconstituir uma síntese teatral, a partir da decoração, ameaça
de formalismo certos espetáculos. Outros cenógrafos, acreditando que o importante
é sublinhar o vigor interpretativo, reduzem conscientemente sua obra a elementos
cênicos, o que não deixa de ser um desvio.
Entre essas várias tendências oscila o palco de hoje, aberto ao mais amplo
experimentalismo.
Indumentária
Complemento auditivo
Lugar certo