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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Centro de Ensino a Distância-CED

Manual de Curso de Licenciatura em Ensino de História

HO205 – EVOLUÇÃO
DO PENSAMENTO
HISTÓRICO

Universidade Católica de Moçambique


Centro de Ensino à Distância
CED
1

Direitos de autor (copyright)


Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique, Centro de Ensino à Distância
(CED) e contêm reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste manual, no
seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico,
gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Universidade Católica de
Moçambique-Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passivel a
processos judiciais.

Elaborado Por: dr. Luís Meno,

Licenciado em História pela UEM- Maputo,

Colaborador do Curso de Licenciatura em ensino de História no Centro de Ensino à


Distância (CED) da Universidade Católica de Moçambique – UCM.

Universidade Católica de Moçambique


Centro de Ensino à Distância-CED
Rua Correira de Brito No 613-Ponta-Gêa·
Moçambique-Beira
Telefone: 23 32 64 05
Cel: 82 50 18 44 0
Fax: 23 32 64 06
E-mail: ced @ ucm.ac.mz
Website: www. ucm.ac.mz
2

Agradecimentos
A Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância, gostaria de agradecer a
colaboração dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:

Concepção, produção e revisao dr. Luís Manuel Meno

Pela Coordenaao e edição dra Georgina Nicolau


3

INDICE
Centro de Ensino a Distância-CED 1

Visão geral 7
Bem-vindo a Evolução do Pensamento Histórico .......................................................... 7
Objectivos da cadeira .................................................................................................... 8
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 8
Como está estruturado este módulo ............................................................................... 8
Ícones de actividade ...................................................................................................... 9
Habilidades de estudo ................................................................................................... 9
Precisa de apoio? ........................................................................................................ 10
Tarefas (avaliação e auto-avaliação)............................................................................ 10
Avaliação.................................................................................................................... 10

Unidade I 11
AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES HISTORIOGRAFICAS -
Antiguidade ................................................................................................................ 11
Introdução 11
2.1. A PERCEPÇÃO INICIAL DO PASSADO RUMO A HISTÓRIA:
mitografias e cosmogonias ........................................................................................ 11
Sumário ...................................................................................................................... 12
Exercícios ................................................................................................................... 12

Unidade II 14
O PENSAMENTO HISTÓRICO JUDAICO ............................................................... 14
Introdução 14
Sumário ...................................................................................................................... 16
Exercícios ................................................................................................................... 17

Unidade III 19
O PENSAMENTO HISTÓRICO GREGO .................................................................. 19
Introdução 19
Sumário ...................................................................................................................... 21
Exercícios ................................................................................................................... 21

Unidade IV 23
O PENSAMENTO HISTÓRICO ROMANO .............................................................. 23
Introdução 23
4

Sumário ...................................................................................................................... 25
Exercícios ................................................................................................................... 25

Unidade V 26
HISTORIOGRAFIA CRISTÃ ....................................... Erro! Marcador não definido.
5.1. Breve Historial do cristianismo ......................................................................... 26
5.2. Pensamento histórico cristão e suas características .......................................... 27
Sumário ...................................................................................................................... 28
Exercícios ................................................................................................................... 28

Unidade VI 29
IDADE MEDIA E A HISTÓRIA ................................................................................ 29
Introdução 29
Sumário ...................................................................................................................... 30
Exercícios ................................................................................................................... 31

Unidade VII 32
A influência do renascimento e do Humanismo na História ......................................... 32
Introdução 32
Sumário ...................................................................................................................... 34
Exercícios ................................................................................................................... 35
O PENSAMENTO HISTÓRICO SEISCENTISTA..................................................... 36
Introdução 36
Sumário ...................................................................................................................... 38
Exercícios ................................................................................................................... 38

Unidade IX 39
O PENSAMENTO HISTÓRICO SETECENTISTA ................................................... 39
Introdução 39
9.2. João Baptista Vico .............................................................................................. 40
Sumário ...................................................................................................................... 41
Exercícios ................................................................................................................... 41

Unidade X 42
O ILUMINISMO E A HISTÓRIA .............................................................................. 42
Introdução 42
5

10.1. O ILUMINISMO E SUAS FACETAS ............................................................ 42


10.2. A HISTÓRIA NA ERA ILUMINISTA ........................................................... 43
Sumário ...................................................................................................................... 44
Exercício .................................................................................................................... 44

Unidade XI 47

HISTORIOGRAFIA DO SÉCULO XIX Erro! Marcador não definido.


Introdução 47
Sumário ...................................................................................................................... 50
Exercícios ................................................................................................................... 50

Unidade XII 51
O PENSAMENTO HISTÓRICO DO SÉCULO XX ................................................... 51
Introdução 51
12.1. A CRISE DO POSITIVISMO E O HORIZONTE RUMO A
CONSOLIDAÇÃO DA HISTÓRIA COMO CIÊNCIA .......................................... 51
Sumário ...................................................................................................................... 54
Exercícios ................................................................................................................... 54

Unidade XIII 55
Introdução 55
Sumário ...................................................................................................................... 58
Exercícios ................................................................................................................... 58

Unidade XIV 60
CRISES DA NOVA HISTÓRIA ................................................................................. 60
Introdução 60
Sumário ...................................................................................................................... 63
Exercícios ................................................................................................................... 63
Sumário ...................................................................................................................... 64
Exercícios ................................................................................................................... 64

Unidade XV 65
HISTORIOGRAFIA AFRICANA: Tendência eurocentrista ....................................... 65
Introdução 65
Sumário ...................................................................................................................... 78
Exercícios ................................................................................................................... 78
Sumário ......................................................................... Erro! Marcador não definido.
Exercícios ...................................................................... Erro! Marcador não definido.

Unidade XVI 80
HISTORIOGRAFIA AFRICANA; Tendência afrocentrista ........................................ 80
Introdução 80
6

Sumário ...................................................................................................................... 82
Exercícios ................................................................................................................... 83

Unidade XVII 84
HISTORIOGRAFIA AFRICANA: Dos primórdios a presença Árabe ......................... 84
Introdução 84
Sumário ...................................................................................................................... 89
Exercícios ................................................................................................................... 89

Unidade XVIII 91
AS POTENCIALIDADES DA HISTORIOGRAFIA AFRICANA ............................. 91
Introdução 91
Sumário ...................................................................................................................... 94
Exercícios ................................................................................................................... 94

Unidade XIX 96
HISTORIOGRAFIA MOÇAMBICANA ....................... Erro! Marcador não definido.
Introdução 96
Sumário ...................................................................................................................... 98
Exercícios ................................................................................................................... 99

Unidade XX 101
AS TENDÊNCIAS DO PENSAMENTO HISTÓRICO DA
ACTUALIDADE Erro! Marcador não definido.
Introdução 101
Sumário .................................................................................................................... 102
Exercícios ................................................................................................................. 103
Referências Bibliográficas ........................................................................................ 104
7

Visão geral
Bem-vindo

A Evolução do Pensamento
Histórico

Caro cursante

Neste módulo, terá a oportunidade de perceber a evolução do pensamento


histórico, desde os primeiros momentos rumo a sua cientificidade. Deve-se dizer e
como o afirma Marc Bloch, o ser humano, vive em constante pressão
relativamente ao passado, e nalgumas vezes de modo inconsciente. Portanto, é
imprescindível perceber até que ponto esta ligação ao passado foi determinante na
vida das sociedades mais remotas, bem como o seu percurso até a actualidade.
Entretanto o estudo da evolução do pensamento histórico é sustentado pelo estudo
da historiografia e por conseguinte das correntes historiográficas que nelas
subjazem. Deste modo, o presente documento traz informações elaboradas a partir
de diversos autores, com intenção de facilitar o seu estudo, sem contudo significar
que outras leituras sejam imprescindíveis.

É sempre prudente perceber que cada uma das historiografias constitui parte da
atmosfera intelectual da época a que pertencem. Qualquer produção cultural é
dependente do modelo cultural e ideológico existente, e por isso a evolução do
pensamento histórico deverá ser percebido como sendo algo faseado em que cada
momento apresenta suas particularidades.

Portanto, está diante de um conjunto de dados que poderão ser bastante úteis para a
sua Introdução aos Estudos da História

Refira-se que este material, foi elaborado justamente para a aprendizagem e


recorreu-se a várias fontes. Acima de tudo, deve ser consumido como um suporte
de informação.

No fim do módulo, estão as referências bibliográficas que poderão ser


consultadas, na medida do possível para o aprofundamento dos assuntos.

Note que a ideia chave desta disciplina é perceber como é que as sociedades
humanas, ao longo do tempo conceberam e se relacionaram com o passado, e
mais: como é que o pensamento histórico evoluiu.
8

Objectivos da cadeira
Constituem oObjectivos da cadeira:

Identificar as correntes historiográficas;


Objectivos
Caracterizar as correntes Historiográficas;
Explicar o processo de evolução do pensamento histórico;
Identificar os representantes de cada corrente historiográfica.
Explicar a essência do progresso histórico.

Quem deveria estudar este


módulo
Este Módulo foi concebido para todos aqueles que Este Módulo foi concebido para todos
aqueles estudantes que queiram ser professores da disciplina de História, que estão a
frequentar o curso de Licenciatura em Ensino de História, do Centro de Ensino a
Distancia. Estendese a todos que queiram consolidar os seus conhecimentos sobre as
Instituições Políticas Áfricanas.

Como está estruturado este


módulo
Todos os módulos dos cursos produzidos pela Universidade Católica de Moçambique -
Centro de Ensino a Distância encontram-se estruturados da seguinte maneira:
Páginas introdutórias
 Um índice completo.
 Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os
aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de
começar o seu estudo.
9

Conteúdo do curso / módulo


O curso está estruturado em unidades. Cada unidade ncluirá uma
introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo
actividades de aprendizagem, um summary da unidade e uma ou mais
actividades para auto-avaliação.
Outros recursos
Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de
recursos adicionais para você explorer. Estes recursos podem incluir
livros, artigos ou sites na internet.
Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação
Tarefas de avaliação para este módulo encontram-seno final de cada
unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para
desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes
elementos encontram-se no final do modulo.
Comentários e sugestões
Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários sobre
a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários serão
úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / modulo.

Ícones de actividade
Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes icones
servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela
específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Acerca dos ícones


Pode ver o conjunto completo de ícones deste manual já a seguir, cada um com uma descrição do
seu significado e da forma como nós interpretámos esse significado para representar as várias
actividades ao longo deste curso / módulo.

Habilidades de estudo
Caro estudante, procure reservar no mínimo 2(duas) horas de estudo por dia e use ao máximo o
tempo disponível nos finais de semana. Lembre-te que é necessário elaborar um plano de estudo
individual, que inclui, a data, o dia, a hora, o que estudar, como estudar e com quem estudar
(sozinho, com colegas, outros).
Lembre-te que o teu sucesso depende da tua entrega, tu és o responsável pela tua própria
aprendizagem e cabe a ti planificar, organizar, gerir, controlar e avaliar o teu próprio progresso.
Evite plágio.
10

Precisa de apoio?
Caro estudante:
Os tutores têm por obrigação monitorar a sua aprendizagem, dai o estudante ter a oportunidade de
interagir objectivamente com o tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima.
Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interação. Em caso de problemas específicos, ele
deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o
problema for da natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440.
Os contactos so se podem efectuar nos dias úteis e nas horas normais de expediente.

Tarefas (avaliação e auto-


avaliação)
O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e auto-avaliação), contudo nem
todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues
antes do período presencial.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não cumprimento dos prazos de entrega,
implica a não classificação do estudante
Os trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docentes.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser
devidamente referenciados, respeitando os direitos do autor

Avaliação
Tu serás avaliado durante o estudo independente (80% do curso) e o período presencial (20%). A
avaliação do estudante é regulamentada com base no chamado regulamento de avaliação.
Os trabalhos de campo por ti desenvolvidos, durante o estudo individual, concorrem para os 25%
do cálculo da média de frequência da cadeira.
Os testes são realizados durante as sessões presenciais e concorrem para os 75% do cálculo da
média de frequência da cadeira.
Os exames são realizados no final da cadeira e durante as sessões presenciais, eles representam
60%, o que adicionado aos 40% da média de frequência, determinam a nota final com a qual o
estudante conclui a cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da cadeira. Nesta cadeira o estudante
deverá realizar: realizar 3 (três) trabalhos, 2 (dois) teste e 1 (um) exame. Algumas actividades
práticas, relatórios e reflexões serão utilizadas como ferramentas de avaliação formativa. Durante a
realização das avaliações, os estudantes devem ter em consideração a apresentação, a coerência
textual, o grau de cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as recomendações, a
identificação das referências utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros. Os objectivos
e critérios de avaliação estão indicados no manual. consulteos.
11

Unidade I
As Primeiras Manifestações
Historiograficas

Antiguidade
Introdução
Nesta unidade, terá oportunidade de aprender os primeiros contactos
dos seres humanos com o seu passado. Como é que surgiram as primeiras
manifestações historiográficas.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a segui. Assim,


constituem objectivos desta unidade:
Objectivo geral

 Conhecer as primeiras manifestações


historiográficas
Objectivos

Objectivos específicos

 Identificar as características das primeiras


manifestações historiográficas;
 Explicar a natureza das primeiras
manifestações historiográficas

2.1. A PERCEPÇÃO INICIAL DO PASSADO RUMO A HISTÓRIA:

Mitografias e cosmogonias

Os compêndios da ciência histórica procuram conceber o surgimento da História


equivalente ao da escrita. Porém, ressalve-se que a consciência de compreender
ou estudar o passado ou ainda, de deixar para o futuro um registo da memória é
uma elaboração mais complexa e que proveio antes da escrita, isto é, antes das
anotações dos templos da Suméria. Deve estar recordado que o surgimento da
escrita está associada aos sumérios.

Segundo a enciclopédia electrónica Wikipédia, diversas civilizações asiáticas


alcançaram a escrita e a história em seu próprio ritmo, através da compilação das
suas fontes teológicas sob a forma de livros sagrados - por vezes com trechos
históricos (como a Bíblia hebraica) ou sofisticações cronológicas (como os Vedas
12

hindu). Deste modo, estes povos, registaram os seus próprios anais e finalmente a
sua própria historiografia. Apesar de não estarem popularizadas as primeiras
manifestações historiográficas de todos os povos do planeta, há possibilidade de
perceber algumas sociedades, como a sociedade chinesa e os poços das Américas.

Os chineses por exemplo, têm o seu Heródoto na pessoa de Sima Qian ("Memórias
históricas", 109 a.C. – 91 a.C.), o qual alcançou uma definição clássica de história
tipificada e oficial, com o Livro dos Han de Ban Gu (século I). Estes documentos
constituíram-se num um padrão repetido sucessivamente pelos historiadores dos
períodos seguintes, de vinte e cinco "histórias tipificadas" até 1928, data em que
apareceu a última dessa monumental série.

No continente americano, salvo a civilização Maia, não há textos, de forma


alguma, comparáveis. No entanto, o desenvolvimento e a variedade que a
historiografia alcançou na Civilização Ocidental é de um nível diferente a todas
elas.

De um modo geral, a necessidade de se interpretar fenómenos que aconteciam com


alguma regularidade no seio dos homens, sobretudo para se explicar a sua origem,
criavam um contexto de mitografias.

A título de exemplo, a historiografia grega tem como o começo a existência de


mitografias e cosmogonias. Assim, a intenção de interpretar o universo fez com
que os primeiros Gregos se interessassem sobretudo com os mitos de criação (os
logógrafos). A sua narração podia apoiar-se em escritos, como foi o caso de
Hecateu de Mileto, na segunda metade do século VI a.C. Na fase de mitografias e
cosmogonia destaca-se Homero e Hesíodo.

Sumário
Nesta unidade foi abordada o tema sobre as primeiras
manifestações historiográficas da Humanidade. Ficou demonstrado que o
passado foi sempre uma referência para as sociedades antigas. Entretanto, o
passado era visto como o suporte para a explicação de vários fenómenos da
natureza muito dos quais ligados a religião.

Exercícios

1. Conceitue mitografias e cosmogonias


2. Explique o surgimento de mitografias e cosmogonias no
contexto da evolução do pensamento histórico.
13

Elabore um texto, comentando os primeiros


exercícios de contactos do homem com o passado. Não se
Auto-avaliação esqueça de identificar o principal sujeito da história
14

Unidade II
O PENSAMENTO HISTÓRICO
JUDAICO

Introdução

Nesta unidade terá a oportunidade de estudar uma das civilizações antigas e que
deixou uma marca indelével na história: a civilização Judaica. Porém, o enfoque
será na abordagem historiográfica

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a segui. Assim,


constituem objectivos desta unidade:

Objectivo geral

 Conhecer os elementos que compõe a historiografia


Objectivos Judaica;

Objectivos específicos

 Identificar os elementos marcantes da historiografia judaica;


 Relacionar a historiografia judaica e a história de outros
povos.

3.1. OS JUDEUS E A VALORIZAÇÃO DO PASSADO

A historiografia judaica pertence o famoso povo judeu, várias vezes enumerado


ao longo da História Universal. O seu protagonismo foi evidente no contacto
com outros povos da antiguidade.

Entretanto, quando estudamos as civilizações antigas da Mesopotâmia e outras


do Oriente Médio, esbarramos na falta de fontes documentadas para a
compreensão destas sociedades. É neste mar de incertezas e falta de
materialidade que a Historiografia utiliza as informações contidas nos Livros
Sagrados, o Torah para os hebreus e a Bíblia para os cristãos, lembrando que se
15

trata de um documento milenar. Conforme Nabeto (2006), "A Bíblia é muito


antiga: sua redacção começou por volta do séc. XV a.C. e somente se encerrou
no final do séc. I d.C. Aliás, Aqui, encontra-se o motivo pelo qual muitas
passagens são difíceis de serem compreendidas, obrigando, às vezes, a recorrer-
se a cursos bíblicos ou outros livros de apoio".

Deve-se referir que a Bíblia é um livro repleto de aspectos metafóricos e


narrativas fabulosas, o que faz com que a informação seja fértil para dúvidas.

O designado “Livro sagrado” pode ser considerado um documento histórico


quando apresenta exactidão nas narrativas e consoante a esta condição, pode-se
comprovar cientificamente as descrições.

Contudo, há informações relevantes sob ponto de vista de povos da antiguidade.


Assim, nos textos do Torah (Antigo Testamento) são descritos povos como os
filisteus, cananeus, egípcios, babilónicos, assírios entre outros. Enquanto isso, o
Novo Testamento, apresenta a influência grega e romana, bem como o
sincronismo entre as civilizações greco – romana e o cristianismo.

Por muito tempo a Bíblia foi usada como instrumento jurídico, uma vez que
religião e o Estado eram instituições hibridizadas. Os sacerdotes
desempenhavam funções de magistratura, principalmente no período que
antecede a era cristã como comprovam os pergaminhos datados deste período.

É interessante saber que com o da instituição Igreja, "a propagação do


cristianismo foi bastante forte. O cristianismo começou na data de Pentecostes
(At 2,1 ss), data considerada pelos historiadores como assinalando a fundação da
Igreja. Giordani (1968),

3.2. UMA BREVE REFLEXÃO EM TORNO DA BÍBLIA

As narrativas denominadas metafóricas bastante presentes nos textos sagrados


atendem a várias interpretações, tanto que as muitas correntes do cristianismo
apresentam distintas leituras destas mensagens. As várias peripécias pelo que o
povo hebreu passou é uma das formas de valorização de uma cultura sobre seus
rivais, nada melhor que inscrevê-las em um livro sagrado como garantia de
supremacia e manutenção de identidade cultural. Lembremos aqui a batalha
entre Golias e David, o primeiro na verdade representava o povo filisteu,
enquanto o segundo representava o povo judeu, o silogismo é usado para
representar antr supremacia Filisteia derrocada pelo pequeno povo hebreu, "os
escolhidos de Deus".

O mesmo se pode argumentar em relação a justificativa judaica / cristã para a


formação do mundo, um deus que em sete dias criou o mundo, sendo que a
mulher adveio de uma costela do homem:

Então o senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu, e tomou
uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o senhor Deus
16

tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora
osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do
homem foi tomada (BÍBLIA, A.T. Gêneses, 2;21-23).

Como as respostas para o surgimento da vida apresentam-se inacabadas e ainda


frágeis, o Criação apresenta-se ainda como uma legítima forma de compreensão
para a maioria da população cristã. Como lidar com estas questões metafóricas e
ou contistas?

Entretanto, quando as narrativas bíblicas encontram sustentáculo em indícios


arqueológicos, numismáticos, epigráficos e em documentos oficiais, entre outras
formas de cientificismo deve -se valorizar seu conteúdo, aprofundando as
pesquisas e trazendo a luz da ciência o seu conteúdo. Um exemplo desta
confirmação encontra-se nas descrições e acções romanas dos vários eventos do
início da expansão da doutrina cristã. Segundo, Silva e Mendes (2006, p. 162 e
163):

Sob o ponto de vista romano, verifica-se, junto à documentação, uma certa


tendência em ler a controvérsia entre os cristãos e judeus como pertencentes
estritamente ao âmbito da lei judaica. Somente quando ela ultrapassa esta
delimitação é que a autoridade romana intervém na questão. Há alguns bons
exemplos na documentação que reforçam tal argumento: (1) o prefeito da Judeia,
Pôncio Pilatos, parece não se mover quando Jesus de Nazaré lhe é trazido preso
e formalmente acusado por sectores da elite judaica de ser um agitador político;
(2) o legado da Síria e enviado especial de Tibério, L. Vitélio, depôs Caifás em
36 ou 37 por estar directamente envolvido nos actos que culminaram no
apedrejamento de Estêvão em 34 e (3) a morte de Tiago e de outros cristãos em
Jerusalém no ano de 62 por ordem do sumo-sacerdote Anás, o jovem, e do
Sinédrio. Agripa II reagiu prontamente, destituindo-o após três meses no cargo
por considerá-lo culpado por abuso de poder.

Nos documentos oficiais do Império Romano em especial no que tange o Direito


são inúmeras as leis e éditos a respeito do cristianismo, desde recomendações à
aplicação de penas, "segundo a qual ninguém possua deuses à parte, nem
estrangeiros a não ser que sejam admitidos pelo Estado. A Sansão prevista para
a transgressão dessa lei religiosa era a mais severa: a morte (CÍCERO aput
GIORDANI, 1968, P. 333)".

Sumário
A historiografia Judaica é uma referência no estudo da evolução do pensamento
histórico. Nela destaca-se a Bíblia, um conjunto de livros que acaba por se
assumir como fonte da região do próximo e médio oriente asiático. No entanto, a
17

bíblia apresenta um conjunto de informações que devem ser aprofundadas


devido à tendências metafóricas e fabulesca dalguns livros.

Exercícios
1. Exercício
Quais são as principais características da Historiografia Judaica?
Qual é a importância da Bíblia para a Historiografia

Actividades
Faça um comentário num texto de uma página e meia em que o
Auto-avaliação tema principal seja: A bíblia como principal fonte história.
Atenção: deve-se ler uma bíblia. A mesma deverá ser citada.
.
19

Unidade III
O PENSAMENTO HISTÓRICO
GREGO

Introdução

Nesta unidade é conferida a oportunidade de se estudar a


historiografia de uma das civilizações clássicas da humanidade - a
Grécia Antiga. Como é que essa civilização antiga se lidou com o
passado? Respostas para estas questões podem ser encontradas nas
linhas a seguir.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


segui. Assim, constituem objectivos desta unidade:
Objectivo Geral

 Perceber a tendências do pensamento historiográfico grego.

Objectivos específicos
Objectivos
 Identificar as contribuições historiográficas da civilização;
grega;
 Mencionar os principais pensadores da historiografia grega;
 Identificar o principal sujeito da história.

4.1. Os GREGOS, O PASSADO E A HISTÓRIA

Depois da abordagem sobre mitografias e cosmogonias, onde a


intenção era a de interpretar o universo a historiografia grega ganhou
uma outra forma.

No século V a.C. Heródoto de Halicarnaso diferenciou-se da visão de


Hesíodo e Homero, pela sua vontade de distinguir o verdadeiro do
falso; por isso, realizou a sua “investigação” (etimologicamente
20

“História”). Iniciavam assim, as primeiras referências da História


como ciência.

Heródoto foi o autor da história da invasão persa da Grécia nos


princípios do século V aC., conhecida simplesmente como As
histórias de Heródoto. Esta obra foi reconhecida como uma nova
forma de literatura pouco depois de ser publicada. Antes de
Heródoto, tinham existido crónicas e épicos, e também estes haviam
preservado o conhecimento do passado. Mas Heródoto foi o primeiro
não só a gravar o passado mas também a considerá-lo um problema
filosófico ou um projecto de pesquisa que podia revelar
conhecimento do comportamento humano. A sua criação deu-lhe o
título de "Pai da História" e a palavra que utilizou para descrever o
seu trabalho foi, história, que previamente tinha significado
simplesmente "pesquisa".

Para Colingwood, Heródoto preenchia os quatro requisitos básicos


para fazer uma história positivista, a saber:

a) Científica (começa por uma indagação e procura uma resposta);


b) Humanista (preocupa-se, basicamente com os feitos realizados
pelos homens);
c) Racional (busca fundamentar com provas as suas conclusões) e
d) Auto-reveladora (mostra aos homens o que os seus semelhantes
realizaram no passado).

Colingwood afirma que: "Heródoto não limita a sua atenção aos


simples acontecimentos, considerando estes acontecimentos, (...)
como acções dos seres humanos que tiveram suas razões para
actuarem como o fizeram". Mais do que isso, para Colingwood é
"claro que a história, para Heródoto é humanista, e não mística ou
teocrática".

Dentro de suas expectativas de narrar o que realmente aconteceu,


Heródoto vai encontrar suas preocupações com a História recente,
mais facilmente verificáveis. Entretanto, para Carbonell (Historiador
francês), Heródoto não limita os seus interesses ao passado imediato,
buscando em eras remotas as causas dos acontecimentos que estuda,
no caso as guerras greco-pérsicas. Todos esses factores levam
Carbonell a afirmar que, com Heródoto, "o tempo do historiador
finalmente triunfa. E a história nasce da ‘História’. Para ele,
Heródoto é pai da História".
21

Uma geração mais tarde depois de Heródoto, apareceu Tucídides,


que acrescentando o trabalho iniciado por Heródoto introduz a
crítica, com base na confrontação de diferentes fontes orais e escritas.
A sua “História da Guerra do Peloponeso” pode ser vista como a
primeira obra verdadeiramente historiográfica.

Os seguidores do novo género literário inaugurado por Heródoto e


Tucídides foram muito numerosos na Grécia Antiga e, entre eles
contam-se Xenofonte (autor do “Anábasis”), Posidónio Ctésias,
Apolodoro de Artémis, Apolodoro de Atenas e Aristóbulo de
Casandrea, entre outros.

No século II a.C. Políbio, em sua obra “Pragmateia” (traduzido


também como “História”), talvez tentando escrever uma obra de
Geografia, abordou a questão da sucessão dos regimes políticos para
explicar como é que o seu mundo entrou na órbita romana. Ele foi o
primeiro a procurar causas intrínsecas para o desenvolvimento da
história, mais do que invocar princípios externos. Nesta fase do
período helenístico, a biblioteca e o Museu de Alexandria
representavam o ápice do afã grego em preservar a memória do
passado, o que significa a sua valorização como uma ferramenta útil
para o presente e o futuro.

Sumário
Não se pode falar da evolução do pensamento histórico sem
destacar a civilização grega. Heródoto é tido como pai da história.
Logo a seguir se destaca Tucídedes. Estes olharam para a história
como uma realidade concreta e com muitas exigências, rumo a
verdade. Pelo facto da sua abordagem se aproximar a realidade da
actual ciência Histórica, a historiografia grega é uma referência

Exercícios
1. Mencione os pensadores que se destacaram na historiografia
grega.
22

2. Demonstre os primeiros passos concedidos pela historiografia


grega, relativamente a cientificidade da História.

Faça um comentário em torno dos posicionamentos de Heródoto


e Tucídedes relativamente a concepção e abordagem da
Auto-avaliação História.
23

Unidade IV

O PENSAMENTO HISTÓRICO
ROMANO

Introdução

Roma é para além da Grécia, a outra civilização clássica da


Antiguidade. Nesta unidade, será abordada a historiografia romana,
inserida na evolução do pensamento Histórico.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


segui. Assim, constituem objectivos desta unidade:
Objectivo Geral

 Conhecer a historiografia Romana;

Objectivos específicos
Objectivos
 Explicar os principais elementos que se destacaram na
evolução do pensamento histórico;
 Identificar o principal sujeito da história nessa civilização.

4.1. O PENSAMENTO ROMANO EM RELAÇÃO À


HISTÓRIA

A historiografia romana distingue-se pelo desenvolvimento de


crónicas e anais. Pelo menos desde a fase da República romana,
houve um cuidado especial pela recompilação de escritos em anais, a
legislação escrita e os arquivos vinculados ao sagrado dos templos.
Até às Guerras Púnicas, a recompilação dos principais sucessos
ocorridos estava a cargo dos pontífices, sob a forma de crónicas
anuais.

A primeira obra histórica latina (romana) completa é “As Origens” de


Catão, do século III a.C..
24

O contacto de Roma com o mundo mediterrâneo, primeiro com


Cartago, mas sobretudo com a Grécia, o Egipto e o Oriente, foi
fundamental para ampliar a visão e utilidade do seu género histórico.

Os historiadores (quer romanos quer gregos) acompanharam os


exércitos nas campanhas militares, com o objectivo declarado de
preservar a sua memória para a posteridade, de recolher informações
úteis e de justificar as suas acções.

Salústio, o Tucídides romano, escreveu De Coniuratione Catilinae


(A conjuração de Catilina, da qual foi contemporâneo, no ano de 63
a.C.). Este autor faz um extenso relato das causas remotas da
conjuração, assim como das ambições de Catilina, retractado como
um nobre degenerado e sem escrúpulos. Em Bellum Ingurthinum (“A
Guerra de Yugurta” rei dos númidas, 111 a.C. – 105 a.C.), denuncia
um escândalo colonial. Historiae foi a sua obra mais ambiciosa e
madura que abrange, em cinco livros, os doze anos transcorridos
após a morte de Sila em 78 a.C. até 67 a.C.. Para Salústio não é a
precisão histórica que lhe interessa, mas sim a narração de alguns
factos com as suas causas e consequências, assim como a
oportunidade de esclarecer o processo de degeneração em que a
República se viu imersa.

Além dos indivíduos, o objecto da sua observação centra-se nas


classes sociais e nas facções políticas: idealiza um passado virtuoso,
e detecta um processo de decadência que atribui aos vícios morais, à
discórdia social e ao abuso do poder pelas diferentes facções
políticas.

Uma outra referência na historiografia romana é Júlio César com o


seu “Commentarii Rerum Gestarum”, acerca de duas das maiores
operações militares que conduziu, as Guerras da Gália traduzido do
latim (De Bello Gallico 58 a.C. – 52 a.C.) e a guerra civil (traduzido
do latim De Bello Civili 49 a.C. – 48 )

Junta-se a Júlio César, Tito Lívio (59 a.C. – 17), com os cento e
quarenta e dois livros de “Ab Urbe Condita”, divididos em grupos de
dez livros, conhecidos como “Décadas”, em sua maior parte,
escreveu uma grande História nacional, cujo único tema é Roma
(“fortuna populi romani”), e cujos únicos actores são o Senado e as
pessoas de Roma (“senatus populusque romanus”,). O seu objectivo
geral é ético é didáctico; os seus métodos foram os do grego Isócrates
do século IV a.C.: é dever da História dizer a verdade e ser
imparcial, mas a verdade deve apresentar-se de uma maneira
25

elaborada e literária. Tácito (55 – 120), o grande historiador do


Império sob os Flávios, é, acima de tudo, um investigador das causas.

A lista de historiadores da época romana é vasta, tanto em língua


latina (Plínio, o velho, Suetónio e outros ou grega (Estrabão,
Plutarco).

Sumário
Nesta Unidade ficou reflectida a historiografia Romana.

Roma foi uma civilização que valorizou bastante a História. Cícero


dizia por exemplo, que a História era luz da verdade e mestra da
vida. A abordagem tem como principal sujeito o ser humano e a
própria sociedade romana. Há uma valorização da Pátria.

Exercícios
1. Mencione os pensadores que se destacaram na historiografia
Romana. Para cada um deles demonstre a sua particularidade
relativamente à História
2. Que factor determinou a valorização da história pelos romanos?

Faça um comentário em torno dos posicionamentos de Cícero


Auto-avaliação relativamente a concepção e abordagem da História.
26

Unidade V

Historiografia Cristã

Introdução
Depois da abordagem dos períodos marcados pelas civilizações
antigas de Grécia e Roma, a história universal registou um momento
bastante influenciado pelo movimento cristão. Este movimento
trouxe para a humanidade uma visão relativamente ao passado. Nesta
unidade, será abordada a historiografia cristã, inserida na evolução do
pensamento Histórico.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir.

Objectivo Geral

 Conhecer a historiografia as características da


historiografia cristã;

Objectivos Objectivos específicos

 Explicar os principais elementos que se destacaram na


evolução do pensamento histórico tendo como influencia o
cristianismo;
 Identificar o principal sujeito da história a luz do
cristianismo..

5.1. Breve Historial do cristianismo

No princípio, o cristianismo era só mais uma dentre as várias


doutrinas religiosas orientais. Nasceu no seio da religião judaica que,
como todas as religiões antigas, era nacional ou própria a uma
população bem identificada. Contudo, tinha uma perspectiva
completamente nova: a idéia de evangelização, a possibilidade de
espalhar a ‘boa nova’ para o mundo inteiro, a fim de converter os
pagãos ou não-cristãos. É neste sentido que se diferencia do
27

judaísmo, uma religião de um “povo eleito”, ou pertencente a uma


cultura em especial, como a religião egípcia ou grega, hoje
denominadas mitologias

5.2. Pensamento histórico cristão e suas características

Na decadência de Roma, o Cristianismo virá a dar uma mudança


metodológica radical, introduzindo o providencialismo.

A Teologia afirma que a História, em seu conjunto, deve ser


compreendida e julgada a partir do nascimento de Jesus Cristo.
Constitui ele o sentido último e o critério de toda a História, tanto a
que precedeu como a que segue. Esta pretensão histórica levantada
em favor de curta actividade de um profeta galileu, que terminou
supliciado sob um governador romano, está em flagrante contradição
com o princípio mesmo da História, segundo a concebe o historiador
moderno.

O cristianismo primitivo interessa-se realmente por uma série de


eventos de uma natureza especial, sobrenatural, anteriores e
posteriores ao ano 1 e que forma “a história bíblica”. Este todo
orgânico, relacionado com o referido acontecimento central, recebe
dele o seu sentido. Os primeiros cristãos pretendem lançar um
julgamento sem apelo sobre os dados da história geral e sobre a
totalidade dos acontecimentos do presente. A história “profana”
deixa pois de ser, para os cristãos, profana.

Assim vemos que o problema da história bíblica apresenta-se como


um problema teológico. De facto, esta história só adquire sentido ao
aproximar, interpretar e ligar os acontecimentos à realidade história
de Jesus, quando Jesus de Nazaré, realidade central da História, é
reconhecido como a revelação absoluta de Deus aos homens. Sem
este acto de fé, não somente não se pode dar valor normativo à
história bíblica, mas esta última deve parecer necessariamente
destituída de sentido. Inversamente mediante este acto de fé, não
pode haver norma fora da história bíblica, designada desde então
como história da revelação e da salvação. É sobre este ponto que
aparece a relação estreita que existe entre a revelação cristã e a
História; é aqui que reside, em última análise, o “carácter
escandaloso” que a concepção do tempo e da história do cristianismo
primitivo assume não somente para o historiador, mas para todo
pensamento “moderno”, incluso o pensamento teológico.
28

Deus revela-se de um modo todo especial no seio de uma história


estritamente limitada, mas contínua, e nela opera, de um modo
definitivo, a “salvação”. O pensador profano julga a História em
nome de um princípio, de uma ideia filosófica, fora da história. O
pensador cristão o faz em nome de um acontecimento particular,
específico, Jesus. A norma de julgamento da História é também
histórica.

Sumário
Nesta Unidade foi estudada a historiografia cristã. O estudo desta unidade
diz respeito ao cristianismo em si, no qual se distingue a figura de Jesus,
como a principal figura da história.

Ficou demosntrado que apesar da fé que envolve a história de salvação


patente na historiografia cristã, houve momentos em que os historiadores
cristãos procuramram estudar a historiografia desgnada de profana.

Exercícios

1.Qual é o elemento chave da historiografia cristã

2. De que modo este elemento constitui o ponto de referência na


abordagem do pensamento histórico relacionado ao cristianismo

Elabore um texto comentando acerca das principais


características da Historiografia cristã.

Auto-avaliação
29

Unidade VI

IDADE MEDIA E A HISTÓRIA

Introdução
Esta unidade distingue-se das primeiras, pelo facto de compreender o
momento histórico diferente, isto é, a Idade Média. De referir que as
unidades atrás estudadas fazem parte da Antiguidade.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir:
Objectivo Geral

 Conhecer a historiografia Medieval.

Objectivos específicos
Objectivos

 Explicar os principais elementos que destacaram na evolução


do pensamento histórico;
 Identificar o principal sujeito da história.

6.2. A IDADE MÉDIA E O PENSAMENTO HISTÓRICO: O


providencialismo&teocentrimo

Na Idade Média a historiografia apresenta relações teológicas que lhe


imprimem um carácter providencialista, apocalíptico e pessimista.
Deus está no centro das preocupações humanas. É o Teocentrismo.

Deste modo, o contexto ideológico era sustentado pelo facto de se


pensar que Deus estava no centro das atenções. Deus era o ser que
dominava a história. A evolução do pensamento histórico dependia
única e simplesmente de Deus.
30

Além, disso, neste período a Igreja Católica tinha o controle de todo


a sociedade. Note-se por exemplo, que se defendia a ideia de que
extra ecclesia, nulla salius, ou seja, fora da igreja não há salvação.

A preocupação do historiador devia ser a justificação da vinda do


filho de Deus ao Mundo, e depois desse evento, analisar as suas
repercussões.

6.3. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino

Esta historiografia destaca-se por existir hagiógrafos, cronistas,


membros do clero episcopal próximos ao poder, ou pelos monges.
Neste sentido, destacaram-se Sto Agostinho e São Tomás de Aquino,
que eram religiosos e que tiveram um papel muito importante sob
ponto de vista de doutrina e filosofia da Igreja.

O papel dos religiosos foi bastante importante. Foram eles que


escreveram genealogias, áridos anais, listas cronológicas de
acontecimentos ocorridos nos reinados dos seus soberanos (anais
reais) ou da sucessão de abades (anais monásticos); “vidas”
(biografias) de carácter edificante, como as dos santos Merovíngios,
ou, mais tarde, dos reis da França), e “histórias” que contam o
nascimento de uma nação cristã, exaltam uma dinastia ou,
inversamente, fustigam os ignóbeis de uma perspectiva religiosa.

Esta história, de que são exemplos Beda, o venerável (“História


Ecclesiástica Gentis Anglorum”, século VIII) ou Isidoro de Sevilha
(“Etimologias” e “Historia Gothorum”), é providencialista, de
inspiração agostiniana, e circunscreve as acções dos homens nos
desígnios de Deus. É preciso esperar até ao século XIV para que os
cronistas se interessem pelo povo, o grande ausente da produção
deste período, como por exemplo, a do francês Jean Froissart ou do
florentino Matteo Villani.

Sumário
. A segunda dimensão tem a ver com a idade Média, na qual se evidencia
a Igreja católica. Em ambas dimensões a presença da religião é
determinante para a percepção da História. Deus está no centro da
História. Por conseguinte o providencialismo é uma das características
principais deste período.
31

Exercícios

1.Mencione os principais os géneros literários da Idade Média

2. Mencione os pensadores desta época

Elabore um texto comentando acerca das principais


características da Historiografia Medieval, destacando as
obras literárias marcantes
Auto-avaliação
32

Unidade VII

A influência do renascimento e
do Humanismo na História

Introdução

Estudar a evolução do pensamento histórico é um exercício


diacrónico, em que cada época de análise constitui um momento
impar.

Nesta unidade será abordada o impacto de duas correntes no


pensamento histórico nomeadamente o Renascimento e o
humanismo.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir.
Objectivo geral

Conhecer a influência do renascimento e do humanismo na


concepção histórica;

Objectivos
Objectivos específicos

 Explicar o impacto do renascimento e do humanismo no


pensamento histórico.
 Identificar o principal sujeito da história a luz dessas
correntes

7.1. A ÉPOCA MODERNA E O PENSAMENTO HISTÓRICO

A historiografia Moderna é marcada pelo Renascimento e pelo


Humanismo. Estes dois movimentos trouxeram um gosto renovado
pelo estudo dos textos antigos, gregos ou latinos, mas também pelo
estudo de novos suportes: as inscrições (epigrafia); as moedas
33

(numismática) ou as cartas, diplomas e outros documentos


(diplomática). Um dos aspectos interessantes deste período é a
divisão da história em duas partes designadamente a história geral
(actualmente denominada simplesmente como "história") e a história
natural (actualmente as ciências naturais e a geografia).

O período que ficou tradicionalmente conhecido como Renascimento


ainda gera discussões quanto a sua determinação temporal, alguns
defendem a existência de um período único na história delimitado
por uma ruptura, enquanto outros posicionam-se desfavoráveis a este
tipo de pensamento. Como integrantes deste debate historiográfico
pode-se citar Jules Michelet - o primeiro a usar o termo
Renascimento -, defendendo a existência de um período diferenciado,
que confronta com as ideias de Jacob Burckhardt e Jean Delumeau.

O primeiro interpreta o momento como uma revolução, qualificando


este como uma ruptura que propiciaria o advento de uma nova época
na história da humanidade. Entretanto deixa claro que o
Renascimento é um facto especialmente europeu e que para
compreendê-lo é necessário relacionar os pensamentos dos homens
de uma mesma época. Michelet trata esse período como um momento
de ressurreição da antiguidade assim como do indivíduo e termina ao
configurar a ruptura acreditando na morte da Idade Média e no golpe
sofrido pelo cristianismo, de acordo com a interpretação feita por
Lucien Febvre a respeito do pensamento não sistemático de Michelet.

Na contraposição de ideias estão Jacob Bukhardt e Jean Delumeau.


Ambos acreditavam na continuidade histórica, todavia há algumas
variantes no pensamento de cada um deles. De acordo com
Delumeau configura-se um momento em que ocorre a promoção do
Ocidente, estando a Europa nesse foco e que irá se colocar numa
posição acima daqueles que mantinham uma certa ligação com a
mesma. Sendo assim, o Renascimento é um facto europeu também
para este autor, embora seja de destaque a representação da Itália,
identificada na vanguarda do movimento. O termo Renascimento,
para Delumeau, fornece um testemunho para o historiador das
mudanças sofridas por uma época, muito embora o acuse de ser
insuficiente. O Renascimento, ainda para este autor, é uma fase cuja
história se constrói através de desafios e respostas associando-se a
volta ao pensamento e a beleza. Do ponto de vista de Bukhardt a
ideia da influência da antiguidade é reforçada, porém um destaque
especial é dado a este fato na Itália. Este pais desfrutava de uma
situação favorável para o advento da Renascimento, além de que o
34

retorno à Antiguidade Clássica reafirmaria a força existente no


passado deste país.

Deste modo, as ruínas de Roma marcaram um diferencial, mas o


interesse em cultivar a inteligência, por parte dos italianos, foi
fundamental para que a Itália se tornasse a mais avançada região da
Europa no Renascimento. Em meio a este processo o
desenvolvimento dos Estados sofreu acentuada elevação, as línguas -
especialmente o grego, o latim e o hebraico - receberam especial
atenção e os livros e os monumentos se tornaram as grandes paixões
da Renascença.

Os humanistas estavam preocupados apenas com a história política,


não prestando atenção às forças económicas ou de análise social.

Os humanistas italianos estavam preocupados com a história dos


estados italianos, assim que naturalmente começou com a queda de
Roma. Assim, dividiu a história em dois períodos, antigos e
modernos.

Um dos primeiros exemplos da história humanista é a "Crónica


florentina 'de Giovanni Villani. Ele era um leigo, que escreveu
uma história da sua cidade e tentou criar uma periodização
adequada para a sua cidade. Mas ele ainda era medieval em
perspectiva: ele começou sua "Crónica", com a Torre de Babel, e
no seu tratamento, guias de Providencia em todas as acções.

Sumário
O movimento renascentista também chamado de renascença, foi
um momento marcante na História da Europa e determinou
alterações significativas na concepção da História. Com a
renascença inicia-se a ruptura com o providencialismo divino, aos
poucos o Homem passa a estar no centro da história. Por
conseguinte, o humanismo e o antropocentrismo se destacam como
correntes que fazem do ser Humano o principal sujeito da História.
35

Exercícios

1. Qual foi o impacto do renascimento e do humanismo na


concepção histórica?
2. Qual era a principal característica do humanismo
relativamente a História?

Faça uma breve comentário em relação ao debate acerca do


renascimento.

Auto-avaliação
36

Unidade VIII

O PENSAMENTO HISTÓRICO
SEISCENTISTA

Introdução

Esta unidade é sequência da primeira e procura identificar a


particularidade do século XVII, relativamente a história. Em termos
de época, ainda está-se sob influências do Renascimento e do
Humanismo

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir.

Objectivo Geral

 Conhecer as características da historiografia do século XVII.

Objectivos específicos
Objectivos
 Contextualizar o pensamento histórico deste período;
 Identificar as suas particularidades relativamente a
concepção histórica

8.1. O MODERNISMO E A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO


HISTÓRICO

A historiografia do século XVI, apresenta uma face que é


consequência das mudanças trazidas pelo renascimento e pelo
humanismo. Como foi referido, a tendência de se revalorizar a
antiguidade foi bastante determinante para a historiografia. Por
conseguinte, a temática da historiografia do século XVI, vai-se
identificar com este período.
37

Entretanto, segundo Mendes (1993), notabilizou-se neste período o


alargamento temático e humanização historiográfica.

Além disso, houve inserção de vários assuntos na História como a


geografia, a economia, a arte etc.

Ademais, notabiliza-se uma tendência para se distanciar do


providencialismo que existia durante a Idade Média. No debate da
época, procura-se uma história mais pragmática.

Um dos pensadores que se destacou foi Jean Bodin, que ensinou o


método fácil para o conhecimento da História. Este autor referia que
existiam três espécies de História nomeadamente a História humana, a
história natural, e a história sagrada

Entretanto, segundo Mendes (1993), Os historiadores do século


XVII, procuraram apresentar uma abordagem historiográfica tendo
em conta a dimensão crítica dos factos. Nesta senda destaca-se
Bossuet. A historiografia Moderna é marcada pelo gosto renovado
pelo estudo dos textos antigos, gregos ou latinos, mas também pelo
estudo de novos suportes: as inscrições (epigrafia); as moedas
(numismática) ou as cartas, diplomas e outros documentos
(diplomática). Estas novas ciências auxiliares da era moderna
contribuíram para enriquecer os métodos dos historiadores: em 1681

Dom Mabillon indicou os critérios para determinar a autenticidade de


um registo, pela comparação de diferentes fontes em "De Re
Diplomática". Giorgio Vasari com a obra "As vidas" ofereceu, por
sua vez, uma fonte e um método historiográfico para a História da
Arte.

Um dos aspectos interessantes deste período é a divisão da história


em duas partes designadamente a história geral (actualmente
denominada simplesmente como "história") e a história natural
(actualmente as ciências naturais e a geografia).

Contudo, é preciso ter em conta que o providencialismo de autores


como Jacques-Bénigne Bossuet ("Discurso sobre a história
universal", 1681), tende a desvalorizar o significado de qualquer
mudança histórica.

Também neste período a História mostra-se nacionalista e bastante


relacionada ao poder político. É assim que se põe ao serviço dos
38

príncipes, desde Nicolau Maquiavel até aos panegiristas de Luís XIV


de França, entre os quais se incluiu Jean Racine.

Sumário
A historiografia seiscentista é a continuidade da concepção
historiográfica da Modernidade. Aos poucos vais se distanciando
do providencialismo divino é vai se aglutinando a uma história
Mais pragmática.

Exercícios
1. Qual foi o posicionamento da historiografia do século XVII,
relativamente aos pressuposto da Idade Media

Faça uma breve síntese sobre as características da historiografia


seicentista.
Auto-avaliação
39

Unidade IX

O PENSAMENTO HISTÓRICO
SETECENTISTA

Introdução

Esta unidade é sequência da primeira e procura identificar a


particularidade da historiografia cartesiana, relativamente a história.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir:

Objectivo geral

 Conhecer as características da historiografia Cartesiana

Objectivos específicos
Objectivos
 Contextualizar as características do pensamento históricos
deste período;
 Identificar as suas particularidades relativamente a concepção
histórica

9.1. A TENDÊNCIA CRÍTICA NO PENSAMENTO


HISTÓRICO

A historiografia cartesiana é sequência de uma visão crítica da


história e que esteve bastante relacionada com o filósofo Rene
Descartes. Segundo Colingwood, durante a segunda metade do
século XVII, surgiu uma nova visão de estudo e percepção da
História. É a historiografia cartesiana. Esta denominação deve-se
ao facto desta historiografia se confinar a:

a) Cepticismo sistemático
b) Reconhecimento radical de princípios críticos.
40

O fundamento desta escola era de que não se devia aceitar o


testemunho da fonte sem submetê-lo a um processo de crítica
composta pelos seguintes princípios:

1. Nenhuma fonte deve induzir-nos a acreditar em algo que se


sabe que não deve ter acontecido
2. As diversas fontes que possam existir devem ser
confrontadas umas com as outras e devem ser harmonizadas
3. As fontes escritas devem ser verificadas através de provas
não literárias.

Por este viés, a história era fundamentalmente uma história


sustentada fundamentalmente em documentos escritos e
baseados na memória.

Como historiadores destaca-se Leibniz e Espinosa, contudo,


esta escola apresentou-se como anti-Histórica devido a uma
tendência à crítica

9.2. João Baptista Vico

Entretanto, a historiografia cartesiana entrou em descrédito e foi


ultrapassada pelo surgimento de uma nova visão não cartesiana.
Surge assim, o posicionamento de João Baptista Vico. Este
pensador defendeu uma ciência nova para a história na qual se
defendia uma teologia civil da providência divina. Na concepção de
Vico, a Humanidade é divina mas não há nenhum homem divino.
Vico reconhece que apesar de o homem ser estar sujeito ao plano
divino, ele é livre para realizar os seus projectos.

Por outras palavras viço está preocupado com a demonstração


histórica da Providência. Um outro dado que se pode reter neste
autor e a sua ligação aos pressupostos iluministas, na medida em
que valoriza a filosofia. O tema do iluminismo é abordado em
seguida.

Deste modo, pode-se concluir que para Vico, a providência divina


continua activa, mas o sujeito da história não é Deus é o Homem.
Mendes (1993: 50-51).
41

Contudo, o período que antecede e acompanha a Revolução Francesa


vai ser caracterizado por grandes filósofos, tais como Voltaire,
Montesquieu e Jean Jacques Rousseau, que irão lançar as bases
filosóficas de um novo Mundo. Como é óbvio, isto irá reflectir-se no
estudo da História e dá-se uma nova orientação do sentido de estudo,
atribuindo-se mais importância ao estudo das sociedades do que
propriamente das grandes personalidades.

Sumário
No século XVII, foi criado um contexto filosófico que defendia a
critica como o método de se chegar a ciência. As influências de
Descartes por meio da dúvida metódica foram evidentes. Então, à
História foi exigida um rigor apoiado pelo criticismo ou mesmo
pelo mesmo pelo hipercriticismo. Entretanto, esta corrente foi
ultrapassada e recontinuou-se com a desconstrução do
providencialismo divino. Assim, o autor Vico foi o que mais se
evidenciou.

Exercícios
1. Quais são os fundamentos da historiografia cartesiana?
2. Quais os princípios que compõem o fundamento da escola
Cartesiana?

Auto-avaliação Faça um comentário do pesamento de João Baptista Vico,


contretamente quando ele defende a teologia civil da divina
providência.
42

Unidade X

O ILUMINISMO E A HISTÓRIA

Introdução
O iluminismo foi uma corrente que teve um impacto na construção
e evolução do Pensamento Histórico. Mendes (1993) afirma que
com o iluminismo a história se tornou científica.

Constituem Objectivos deste tema:

Objectivo Geral
Objectivos  Conhecer a contribuição do iluminismo para a história.

Objectivos específicos
 Explicar as principais características do iluminismo e
relacioná-las à História.
 Identificar as mudanças ocorridas a luz desta corrente, no
que diz respeito ao pensamento histórico.

10.1. O ILUMINISMO E SUAS FACETAS

Deve-se ter em consideração que o século XVIII, sofreu muitas


influências do iluminismo. O Iluminismo foi o movimento cultural
e intelectual europeu que, herdeiro do humanismo do
Renascimento e originado do racionalismo e do empirismo do
século XVII, fundava-se no uso e na exaltação da razão, vista como
o atributo pelo qual o homem apreende o universo e aperfeiçoa sua
própria condição. Considerava que os objectivos do homem eram o
conhecimento, a liberdade e a felicidade.
43

O Iluminismo foi chamado pelos franceses de Siècle des Lumières,


ou apenas Lumières; pelos ingleses e americanos de
Enlightenment; e pelos alemães de Aufklärung.
A riqueza e complexidade do movimento iluminista tiveram como
base alguns pontos gerais:
a) Em primeiro lugar, a influência que os empreendimentos
científicos do século XVII e início do século XVIII tiveram
sobre as novas ideias. Na astronomia e na física, por
exemplo, Galileu Galilei, Johannes Kepler e Isaac Newton
levaram a conceber o universo como “natureza”, ou seja,
como um domínio ou realidade dinâmica, regida por leis
gerais que a razão sempre poderia acabar por descobrir.

b) Em segundo lugar, e como consequência, a substituição da


ideia de um Deus pessoal, responsável pelos
acontecimentos humanos e eventos naturais, por um
deísmo, que valorizava a ideia abstracta de Deus como
princípio ordenador da natureza, “arquitecto do mundo” e
criador de suas leis, mas que não intervém directamente
nele.

Embora a ideia do deísmo não tenha sido compartilhada por todos


os pensadores iluministas – alguns mantiveram a crença em um
Deus transcendente ao qual a humanidade concernia directamente,
enquanto outros radicalizaram suas opiniões e chegaram ao ateísmo
–, essa foi a tendência dominante do pensamento da época.

10.2. A HISTÓRIA NA ERA ILUMINISTA

O contexto atrás descrito foi favorável a um novo cenário científico,


que levou à crença no “progresso histórico” da humanidade. Tal
progresso era concebido não como produto de um plano divino, mas
como resultado da razão e dos esforços humanos. Formou-se assim
pela primeira vez a ideia de “humanidade” como integração de todos
os povos, acima de circunstanciais diferenças étnicas ou situações
temporais ou espaciais. Então o ser humano estava no centro das
atenções. Era o ser humano o principal sujeito da história

Assim, houve uma mudança fundamental: as abordagens intelectuais


do Iluminismo por um lado, e a descoberta de um "outro" em culturas
fora da Europa (o exotismo, o mito do "bom selvagem") por outro,
suscitam um novo espírito crítico (embora, na realidade, fossem
circunstâncias semelhantes às que se podiam observar em Heródoto).
44

São postos em questão os prejuízos culturais e o universalismo


clássico.

A descoberta de Pompéia renovou o interesse pela Antiguidade


clássica (neoclassicismo) e fornece os materiais que inauguram uma
ciência emergente da arqueologia. As nações europeias distantes do
Mediterrâneo buscam as suas origens históricas nos mitos e lendas
que, por vezes, foram inventadas (como em "Ossian" de James
Macpherson, que simulou ter encontrado o Homero Celta).

10.3. Um breve olhar sobre o Romantismo na História

Os historiadores românticos, como Augustin Thierry e Jules


Michelet, mantendo a qualidade da reflexão e a exploração crítica das
fontes, viam a história como uma arte. Os progressos metodológicos
não impediram contribuir para as ideias políticas de seu tempo.
Michelet, em sua "História da Revolução Francesa" (1847-1853),
contribuiu igualmente para a definição da nação francesa contra a
ditadura dos Bonapartes.

Sumário
Com o iluminismo a História torna-se Filosófica. O iluminismo
concretizou o distanciamento entre a providência divina e a
concepção da História. O culto pela Razão e a valorização do
progresso humano, constituíram cenários para a demonstração de
que O Homem é o principal sujeito da História.

Exercício
1. Qual foi a contribuição do Iluminismo para o pensamento
Histórico?
2. Mencione alguns historiadores deste período.
45

Faça uma breve comentário relacionando A riqueza e


complexidade do movimento iluminista e a evolução do
Auto-avaliação
pensamento histórico
47

Unidade XI

Historigrafia do Século XIX

Introdução

Nesta unidade é estudada a componente historiográfica do século


XIX. Quando se olha para o trajecto do pensamento histórico, viaja-
se para uma série de alterações verificadas ao nível do conhecimento
científico. O século XIX foi rico em pensamentos que
contextualizaram a evolução do pensamento histórico. Como é que
isso pode ser percebido? As linhas a seguir tratam disso.

Objectivo

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir:

Objectivo geral

 Conhecer as características historiográficas marcantes no


século XIX;

Objectivos específicos
 Explicar o impacto das correntes filosóficas deste período em
relação à evolução do pensamento histórico
 Identificar as mudanças ocorridas neste período relativamente
a história.
48

11.1. OS ANOS 1800 E O PENSAMENTO HISTÓRICO: A


afirmação da História como ciência

O século XIX foi um período rico em mudanças, tanto na maneira de


conceber a história como na de escrevê-la.

A historiografia Liberal e Romântica que surgiria na sequência do


movimento liberal que "invadiu" a Europa em pleno século XIX, irá
debruçar-se sobre o Homem, as sociedades e os municípios. É uma
História eminentemente regionalista, com grande simpatia pela Idade
Média (advento das nacionalidades) e que introduz subjectividade na
narrativa. É um período de grande divulgação cultural, há um
alargamento de público e os historiadores são, nalguns casos,
jornalistas como Thierry e Guizot.

Na Alemanha, esta evolução havia se produzido antes, e já estava


presente nas universidades da Idade Moderna. Agora, a
institucionalização da disciplina deu lugar a vastos corpos que
reuniam e transcreviam as fontes, sistematicamente. Entre estes, o
mais conhecido é o "Monumenta Germaniae Historica", a partir de
1819. A História ganha uma dimensão de erudição, mas também de
actualidade. Pretende rivalizar com as demais ciências, sobretudo
com o grande desenvolvimento que estas atravessam, à época.

Na França, foi considerada como uma disciplina intelectual distinta


de outros géneros literários desde o começo do século, quando os
historiadores profissionalizaram-se e fundaram os arquivos nacionais
franceses (1808). Em 1821 fundou-se a "Ècole nationale des
Chartes", primeira grande instituição para o ensino da História no
país.

A partir da década de 1860, o historiador Fustel de Coulanges


escreveu "a história não é uma arte, é uma ciência pura, como a
física ou a geologia". Sem dúvida, a história implica no debate da sua
época e é influenciada pelas grandes ideologias, como o liberalismo
de Alexis de Tocqueville e François Guizot. Sobretudo deixou-se
influenciar pelo nacionalismo e mesmo pelo racismo. Cada
historiador tende a encontrar as qualidades de seu povo (o "génio"). É
o momento de fundação das grandes histórias nacionais.

Com a Terceira República Francesa, o ensino da História conformou-


se a um instrumento de propaganda a serviço da formação dos
cidadãos, e continuou a sê-lo durante todo o século XX.
49

Um outro precursor destacável da historiografia no século XIX foi


Leopold Von Ranke, que se destacou pela sua elevada crítica com as
fontes usadas na História. Adepto das análises e das racionalizações,
o seu lema era "escrever a História tal como foi". Desejava relatos de
testemunhas visuais, enfatizando sobre o seu ponto de vista.

11.2. O POSITIVISMO

Com Auguste Comte são lançadas as bases do Positivismo que, como


diz Colingwood, é a aplicação da filosofia às ciências da Natureza.
Institui-se um método que ainda hoje é, na sua essência, utilizado e a
fim de contrariar a subjectividade romântica. O papel do historiador
passa a traduzir-se na pesquisa dos factos (pesquisa particularmente
cuidada) e na sua subsequente organização, fazendo a sua exposição
através de uma narrativa tão impessoal quanto possível. Há nesta fase
um valorização dos documentos escritos, tidos como os únicos que
traziam a verdade. Daqui surge a distinção entre a História da Pré-
história. Sendo assim, a história abrangia o período marcado pela
escrita e a Pré-História o período que antecedeu a criação da escrita.
Refira-se que no positivismo os documentos escritos eram
possuidores da verdade. Recorde-se que neste momento, não havia
espaço para interpretações dos factos.

Porque o rigor do Positivismo não seria, segundo alguns


historiadores, integralmente aplicável às ciências humanas, assiste-se
ao surgimento de um movimento denominado Historicista que passa
a dedicar grande atenção à subjectividade e interpretação, embora
aproveitando muito do método positivo. A História, que segundo os
positivistas não deveria ser interpretada mas redescoberta, passa a
constituir um processo pleno de subjectividade. É Ranke, que de
alguma forma indica a evolução que se vai seguir, ao dar grande
importância ao aspecto económico na evolução das sociedades.
Hegel e Karl Marx introduziram o viés social na História.

Os historiadores anteriores tinham-se concentrado nos ciclos de


apogeu e crise dos governos e das nações. Uma nova disciplina
emergente trouxe a análise e a comparação em grande escala: a
Sociologia. A partir da História da Arte, estudos como o de Jacob
Burckhardt sobre o Renascimento converteram-se na referência para
entender os fenómenos culturais. A Arqueologia pôs em contacto o
mito com a realidade histórica, tanto no Egipto como na
Mesopotâmia e Grécia (Heinrich Schliemann em Tróia, Micenas e
Tirinto, e mais tarde Arthur Evans em Creta); tudo isso em um
50

ambiente romântico e aventureiro que lentamente foi-se depurando


para tornar-se científico, ainda que não desapareça, como demonstra
a tardia aparição de de Howard Carter (Tutankhamon).

A Antropologia aplicada à explicação dos mitos produziu o


monumental trabalho de James George Frazer ("The Golden Bough;
a Study in Magic and Religion" ("O ramo de ouro", 1890), a partir do
qual os historiadores puderam repensar o seu ponto de vista sobre a
relação das sociedades humanas de todas as épocas com a magia, a
religião e inclusive a ciência.

Sumário
Nesta unidade ficou demonstrado que o século XIX foi um período
rico em mudanças, na concepção da história. Alem disso, o
surgimento da historiografia Liberal e Romântica na sequência do
movimento liberal que invadiu a Europa em pleno século XIX,
trouxe uma nova abordagem da história.

Ainda no período em análise aparece o positivismo que trará a sua


contribuição valorosa para a história devido a dimensão crítica e
rigorosa. Porém surge também o historicismo.

Entretanto, o grande debate reside no controle da subjectividade e das


interpretações e tem como referências as ciências naturais.

Exercícios
1. Até que ponto a divisão da história e Pré-história se relaciona
com o positivismo.
2. Mencione os historiadores deste período

 Faça um breve resumo sobre a evolução do pensamento


histórico no século XIX
Auto-avaliação
51

Unidade XII

O PENSAMENTO HISTÓRICO DO
SÉCULO XX

Introdução

Nesta unidade é abordada o posicionamento historiográfico do século


XX. Este período trouxe um contexto que permitiu um novo cenário
ao pensamento histórico. A História se afirma como ciência Contudo
é preciso perceber esse contexto e o pensamento histórico a ele
relacionado.

Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a


seguir:
Objectivos
Objectivo Geral

 Conhecer as particularidades historiográficas do século XX;

Objectivos específicos

 Explicar as principais mudanças ocorridas neste período


relativamente a consolidação da história como ciência;
 Identificar as principais correntes historiográficas
 Identificar os principais autores deste período;

12.1. A CRISE DO POSITIVISMO E O HORIZONTE RUMO A


CONSOLIDAÇÃO DA HISTÓRIA COMO CIÊNCIA

A história foi se afirmando como uma ciência social, uma disciplina


científica envolvida com a sociedade. Nos princípios do século XX, a
história já havia adquirido uma dimensão científica incontestável.
Porém, faziam-se sentir as influências do positivismo de Auguste
Comte. Como foi referido, notabilizou-se a valorização das fontes
52

escritas, porque se pensava que eram as fontes escritas as únicas que


traziam consigo a verdade.

Contudo, a grande transformação na história dos eventos vem de


contribuições externas: Por um lado, o materialismo histórico de
inspiração marxista, que introduz a economia nas preocupações do
historiador. Por outro lado, a perturbação provocadas pela
historiografia pelos desenvolvimentos políticos, técnicos,
económicos ou sociais vividos pelo mundo, sem esquecer os
conflitos mundiais. Novas ciências auxiliares surgem ou
desenvolvem-se consideravelmente: a Arqueologia, a Demografia, a
Sociologia e a Antropologia, sob a influência do estruturalismo.

12.2. O IMPACTO DA ESCOLA DOS ANNALES, DO


MARXISMO E DA HISTORIOGRAFIA QUANTITATIVA

Os três grandes núcleos da inovação historiográfica que


predominaram na segunda metade do séc. XX — a historiografia
marxista, a escola dos Annales e a historiografia quantitativa —
surgiram e se articularam, é certo, em torno de centros de interesse
bem diversos e alcançaram graus muito distintos de coesão e
homogeneidade. O paradigma relativamente unitário para a
historiografia conformado no séc. XIX foi sucedido no séc. XX, não
por um outro, mas por vários outros, criando uma situação nova.
Parte substancial desta novidade está não apenas na multiplicidade de
paradigmas, mas especialmente na circunstância de que os
paradigmas operaram de modo praticamente simultâneo, sem
constituir uma sequência de substituições.

Pode-se perceber que os anos posteriores à segunda guerra mundial


representaram, no desenvolvimento da historiografia contemporânea,
uma verdadeira revolução, paralela e conexa com o que se verificava
nas ciências sociais e nas ciências em geral.

A influência do marxismo foi profunda na trajectória das ciências


sociais, particularmente desde os anos 1930 e, em especial, dos
decénios que e se seguiram à segunda guerra mundial. Essa expansão
da metodologia marxista nas ciências sociais em seu conjunto teve,
no caso da historiografia, um impacto talvez ainda maior, pela
natureza da construção teórica marxista, cujo fundamento é a análise
da história. Nos países ocidentais falou-se de uma historiografia
marxista francesa (Labrousse, Vilar, Lefebvre, Soboul, Bouvier), de
53

uma inglesa (Dobb, Hill, Hobsbawm, Hilton, Thompson, Samuel,


Anderson), de uma italiana (Sereni, Zangheri, Procacci, Romeo,
Barbagallo), de uma espanhola (Fontana, Tuñón, Elorza, Pérez
Garzón, Ruiz), de uma brasileira (Caio Prado Jr., Gorender, Nelson
Werneck Sodré, entre outros).

Diversamente da escola dos Annales, cujo âmbito é quase que


exclusivamente francês, o marxismo possui uma difusão e uma
importância de natureza supranacional. No entanto, através um
conjunto de princípios comuns, deixa ela perceber a marca nacional
concreta que inspira o desenvolvimento geral da filosofia e da teoria
social marxista em cada caso.

O materialismo histórico se enuncia na obra de Marx e Engels na


encruzilhada decisiva dos anos quarenta do séc. XIX. Sua primeira
formulação elaborada aparece já na "Ideologia Alemã", escrita por
Marx e Engels em 1845-46, mas publicada quase um século depois.
Pierre Vilar recorda que a obra de Marx "introduziu a história no
campo da ciência", embora o conceito de história desde uma
perspectiva marxista ainda não estivesse acabado. Indicou também
que Marx é o "primeiro estudioso que propôs uma teoria geral das
sociedades em movimento", o que constitui, sem dúvida, uma
brilhante forma de remeter a uma definição do histórico que faz
justiça ao entendimento de Marx a esse respeito. Vilar insiste ainda
que uma "teoria geral" não é uma filosofia.

O método de análise marxista de todo o processo histórico tem como


eixo a dialéctica. Não é porém simples explicar o que se quer dizer
com dialéctico, para além da ideia das contradições inerentes a toda
realidade — tese e antítese — e sua superação em nova síntese. Para
o marxismo, essas contradições não se produzem, como queria
Hegel, em um movimento de ideias, mas sim nas condições materiais
básicas. As "relações de produção" são a categoria absolutamente
distintiva de cada estágio histórico. Tal relações de produção são um
reflexo do estado da "forças produtivas", mas aquelas não estão
necessariamente sujeitas a estas, de forma que em determinadas
conjunturas históricas ambos elementos entram em contradição
produzindo um conflito básico que dá lugar à mudança histórica. Os
estágios históricos determinados pela natureza das forças e relações
de produção existentes são pensados pelo marxismo como "modos de
produção", que são tanto uma construção categorial e um modelo
metodológico como, em termos reais, um estágio histórico. No plano
das realidades históricas concretas, todavia, os modos de produção
54

não se apresentam nunca da maneira que o modelo parece


estabelecer, mas com peculiaridades que obrigam a introduzir o
conceito de "formação social" específica.

Sumário
No século XX, a história se consolidou como ciência. Depois da
influência do positivismo, o marxismo e posicionamento da escola
dos Annales, trouxeram uma abordagem algo diferente das antigas
abordagens.

Entretanto, a situação da história era similar ao do das outras


ciências no geral.

Exercícios

Quais foram as correntes que mais se evidenciaram durante o


século relativamente a história XX?

Quais são os pensadores que se evidenciaram neste período?

Por quê é que se pode considerar que o pensamento histórico se

Auto-avaliação consolidou no século XX?


55

Unidade XIII

Modelo da verdade Histórica no


Século XX: O surgimento da nova
História

Introdução
Nesta unidade é aprofundado o pensamento histórico no século
XX. Será estudada o modelo do pensamento histórico do século e
suas peculiaridades com base na abordagem da Nova História e da
Escola dos Annales. Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado
os objectivos a seguir:
Objectivo Geral

Compreender a percepção da Escola dos Annales relativamente à


História;

Objectivos
Objectivos específicos

 Identificar os elementos que constituem a evolução do


pensamento histórico neste período:

 Explicar os elementos constitutivos da Nova História

13.1. A ESCOLA DOS ANNALES E A NOVA HISTÓRIA

Uma escola de pensamento conhecida como Escola dos Annales


formou-se em torno da revista "Annales d'histoire économique et
sociale", fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929, alargou o
âmbito da disciplina, solicitando a confluência das outras ciências, em
particular a da Sociologia, e, de maneira mais geral transforma a
história ampliando o seu objecto para além do evento e inscrevendo-o
56

na longa duração ("longue durée"). Todavia convém referir que essa


escola oferece uma referência para com a história ao caracterizar a
história anterior (com realce para a positivista) como tradicional,
elitista e individualista.

O papel do testemunho histórico muda: permanece no centro das


preocupações do historiador, mas já não é o objecto, senão o que se
considera como um útil para construir a história, útil que pode ser
obtido em qualquer domínio do conhecimento. Uma constelação de
autores mais ou menos próximos à "Annales" participa dessa
renovação metodológica que preenche as décadas centrais do século
XX (Georges Lefebvre, Ernest Labrousse).

A visão da Idade Média mudou completamente após uma releitura


crítica das fontes, que têm a sua melhor parte justamente no que não
mencionam (Georges Duby).

Privilegiando a longa duração ao tempo curto da história dos eventos,


muitos historiadores propõem repensar o campo da história a partir dos
"Annales", entre eles Emmanuel Le Roy Ladurie ou Pierre Goubert.

"Nova História" é a denominação, popularizada por Pierre Nora e


Jacques Le Goff ("Fazer a História", 1973), que designa a corrente
historiográfica que anima a terceira geração dos "Annales". A nova
história trata de estabelecer uma história serial das mentalidades, ou
seja, das representações colectivas e das estruturas mentais das
sociedades.

Outros historiadores franceses, alheios aos "Annales" como Philippe


Ariès, Jean Delumeau e Michel Foucault, este último nas fronteiras da
filosofia, descrevem a história dos temas da vida quotidiana, como a
morte, o medo e a sexualidade. Querem que a história escreva sobre
todos os temas, e que todas as perguntas sejam respondidas.

De uma orientação completamente oposto (a da direita católica),


Roland Mousnier realizou uma contribuição decisiva para a História
Social do Antigo Regime, negando a existência de luta de classes e
inclusive dessas mesmas classes, em benefício do que descreve como
uma sociedade de ordens e relações clientelistas.

Existe contudo um pormenor diferenciador, neste período peculiar:


enquanto o marxismo e o quantitativismo podem ser considerados
núcleos paradigmáticos com ampla projecção no campo geral das
ciências sociais, de onde evoluíram até alcançar a historiografia, no
57

caso do marxismo por certo com determinadas conotações particulares,


a escola dos Annales foi o primeiro movimento historiográfico do séc.
XX que se origina no próprio campo da investigação histórica.
Costuma-se indicar o ano de 1929 como a data de nascimento da
corrente de trabalho historiográfico que acabou por ser conhecida
como a "escola dos Annales".

Quanto a sua difusão, contudo, somente a partir de 1950 é que ela se


torna referência. Neste ano realiza-se em Paris o nono Congresso
Mundial das Ciências Históricas, durante o qual as novas concepções
historiográficas tiveram, por assim dizer, sua efectiva estreia mundial.

13.2. CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA DOS ANNALES NO


PENSAMENTO HISTÓRICO E DA VERDADE HISTÓRICA

A contribuição dos Annales significou um desenvolvimento


extraordinário de temas novos e um interesse marcante pelo emprego
de novos tipos de fonte. Ambas as tendências se reforçaram ao longo
da evolução da escola, promovendo — o que é de particular
importância — um relacionamento inteiramente renovado da prática
historiográfica com as ciências sociais como a geografia, a sociologia,
a antropologia, a economia.

Esse relacionamento interdisciplinar, no período áureo de influência da


escola, fê-la predominar ao ponto de poder falar em uma preeminência
"imperial" dos Annales. É a alguns historiadores desta escola — como
nos Écrits sur l'Histoire (1969) de Fernand Braudel, por exemplo —
que se devem os primeiros passos de formulação do conceito de
"história total", cunhado pela pretensão de abranger todos os aspectos
da acção racional humana — ou pelo menos de deixar o mínimo deles
de lado — por oposição aos conceitos, desgastados pela ilusão
positivista, de "história universal" ou "história geral". Do interior
mesmo da escola jamais saiu, todavia, uma aproximação sistematizada
de uma teoria histórica da sociedade.
58

Sumário
Nesta unidade ficou demonstrado que os Annales produziram, de
modo práticos trabalhos metodicamente inovadores, tratando de
assuntos longamente tidos por estranhos ao saber histórico. Deste
modo, romperam com os escrúpulos de abordar sectores do agir
humano que parecessem escapar ao olhar histórico — notadamente
a ruptura do tabu referente ao documento escrito.

Poucos formularam, contudo, contribuições teóricas quanto à


natureza do conhecimento histórico, à constituição da ciência
histórica, enfim à história como disciplina por si mesmas foram
evidentes.

Exercícios

Mencione os pensadores que compunham a escola dos Annales.

Identifique as datas importantes ligadas aos pensadores da escola


dos Annales
59

Auto-avaliação

Que aspectos novos foram apresentados pela Escola dos Annales e


que contribuíram para a evolução do pensamento histórico?
60

Unidade XIV

CRISES DA NOVA HISTÓRIA

Introdução
Esta unidade compreende um período em que a história já havia se
afirmado como ciência. Contudo, na sequência da abordagem
diacrónica que tem estado a ser tratada, houve algumas mudanças
que compões a evolução do pensamento histórico no que tange a
mudanças relativamente ao posicionamento da Escola dos Annales
e da História Nova. Que aspectos são esses? Ao terminar esta
unidade deverá ter alcançado os objectivos a seguir:

Objectivo Geral

 Conhecer os diversos cenários do pensamento


histórico pós anos 30 do século XX.
Objectivos
Objectivos específicos

 Explicar o contexto das alterações na abordagem


histórica nos anos 30 do século XX
 Identificar os pontos de ruptura em relação ao
pensamento da escola dos Annales

14.1. O TEMPO DE MUDANÇAS NOS PARADIGMAS


HISTORIOGRÁFICOS

Ao final dos anos 1970, tornaram cada vez mais evidentes sinais de
"esgotamento" dos três grandes modelos historiográficos
predominantes no período subsequente à segunda guerra mundial.
A busca de novas formas de representação nas ciências sociais tem
início nessa quadra de 1970. A crise já vinha aparecendo em
algumas ciências sociais vizinhas, a começar pela antropologia.
Não é de estranhar, portanto, que a influência dessa mudança na
61

antropologia tenha influenciado alguns intentos inovadores na


historiografia.

O inegável progresso historiográfico alcançado no período de 1940


a 1970 levou afinal a disciplina a um grau de desenvolvimento
irreversível, mas dando sinais de saturação. O abandono das
fórmulas historiográficas mais influentes nos anos 1960 não foi
seguido do aparecimento de um novo paradigma abrangente. A
multiplicidade de abordagens e práticas metódicas caracteriza os
anos 1980 e 1990. A maior parte das novas propostas, os esboços
de novos modelos historiográficos, concentram-se na apresentação
de escritos de reflexão, de fundamentação, de método e de teoria,
quando não de exortação e normalização.

Nos anos oitenta do século XX constata-se uma mudança no


panorama das tendências e ensaios no campo da teoria e da
pesquisa social em seu conjunto, incluída a historiografia em todas
as suas variações. O panorama ao final do séc. XX pode ser
caracterizado das mais diversas maneiras, mas certamente se impõe
o aspecto de certa dispersão, rica em propostas inovadoras, fértil
em modismos e abundante em "releituras".

A época das grandes propostas paradigmáticas, como as do


marxismo, dos Annales e do quantitativismo estrutural, que se
estendeu dos anos 1940 até os 1980, cedeu à fase da crise dos
paradigmas e da busca de novas formas de investigação e de
expressão. Assim, ao encerrar-se o séc. XX, a grande linha de
desenvolvimento que fez da história um inegável êxito cognitivo ao
longo de mais de cinquenta anos, parece ter sofrido uma forte
inflexão, da qual resultou a perda de atractivo da história-ciência
em benefício da história-ensaio.

O último quartel do século XX apresenta-se, em dúvida, como uma


fase de grandes mudanças. Mudanças económicas e políticas, mas
igualmente mudanças do padrão metódico do conhecimento
científico do homem e de seu agir. A evolução das ciências sociais
inclui a historiografia que se formou entre os três grandes
paradigmas do século: a dispersão algo narcisista dos Annales e de
seus seguidores, o escolasticismo dogmático do marxismo
(influente nas ciências sociais em geral) e o controvertido
quantitativismo (também presente em outras ciências sociais).
Formaram-se assim os descontentamentos com o que a
62

historiografia vinha produzindo, de que é exemplo o intenso e algo


disparatado debate sobre o pós-modernismo.

Ninguém contesta, por certo, que essas três grandes concepções da


historiografia (em parte rivais), assim como suas bases críticas e
técnica, deixaram ao menos um legado relevante e impossível de
ignorar para qualquer progresso ulterior. Pretender abstrair delas é
tão frívolo quão pouco plausível. No entanto, na historiografia
contemporânea continuam existindo não poucos trabalhos que
contêm fortes traços tradicionais da história "exemplar", descritora
dos "bons" temas, fornecedora das análises "certas" e propositora
da explicação "correcta".

14.2. O DESCONSTRUCIONISMO

A escrita da história também ocupou lugar nas preocupações da


linguística pós-estruturalista e do desconstrucionismo, uma das
variantes da primeira, que fala da necessidade de descodificar todo
texto. É evidente que a discussão da natureza da linguagem
humana, e a dos textos escritos, e de seu alcance exacto para
explicar o homem, têm certa incidência sobre a concepção do
histórico e, consequentemente, sobre a ideia do que consiste a
prática historiográfica. O desconstrucionismo apareceu, em certas
ocasiões, como a expressão mais acabada desta ideologia do pós-
modernismo como teoria da linguagem e da representação — ou de
sua impossibilidade — mediante a linguagem. A questão é que o
desconstrucionismo atinge a noção de "fonte histórica" e a ideia da
possibilidade da transmissão da imagem histórica afecta
profundamente a concepção habitual de "objectividade" do
conhecimento expresso por uma linguagem.

O desconstrucionismo implica, em suma, a não-diferença entre


realidade e a linguagem: todo o real, para o ser, tem de estar
elaborado como linguagem.

Um outro assunto não menos importante é a especulação filosófica


e linguística sobre a historiografia a partir das posições do pós-
modernismo. É mais difícil fazê-lo a partir de uma produção
historiográfica específica que se possa chamar de pós-moderna.
Não obstante, a influência cultural de tal forma de pensar deixa
sequelas claras, como propugnadora da morte da teoria.
63

Uma historiografia pensada pelo pós-modernismo condena


definitivamente o marxismo. Isso foi perfeitamente entendido por
F. Jameson, ao qualificar o pós-modernismo como mais um dos
produtos culturais emblemáticos do capitalismo tardio. É por isso
que parece estranho que, enquanto os pós-modernos recomendam e
louvam a morte da teoria, precisamente os fundadores da teoria
crítica literária, à qual se filia boa parte das ideias pós-modernas,
defendem uma "teoria da criação". Nesse meio tempo, a crítica
literária pós-moderna, que antes sustentava coisas do tipo "a
claridade é uma forma de opressão fascista", volta a recomendar a
leitura dos textos "referenciados" ao mundo exterior.

Até que ponto esse complexo de atitudes pós-modernas afectaram a


historiografia ainda está por ser avaliado, como afirmou Jorn
Rusen. De imediato, isso significa o abandono de duas ideias
tipicamente modernas acerca da história: a de que esta abarca todo
o desenvolvimento temporal e a de que seu curso é o progresso da
racionalidade. Por outra parte, o pós-modernismo é também uma
demissão, com sua rejeição de toda teoria — especialmente do
marxismo — sob o disfarce de buscar novas aproximações da
acção humana. Para o pós-modernismo, alguém teria inventado —
indevidamente — a ideia de que é possível "explicar" algo.

Sumário
Apesar da escola dos Annales ter dado um contributo muito salutar à
consolidação da História, os pressupostos avançados por esta escola não
permaneceram inertes. Novos posicionamentos foram aparecendo,
enriquecendo o pensamento histórico. O fluir de uma série de
conhecimentos, de várias áreas do saber, ligado à componente linguista,
inserido na modernidade, deram corpo a um novo posicionamento em
relação ao pensamento histórico.

Exercícios

1. A partir de que período iniciou a crise do posicionamento


da Escola dos Annales?
2. Mencione os pensadores desta escola.
64

Elabore um texto comentando as mudanças ocorridas depois da


Auto-avaliação afirmação da escola nos anais, relativamente a concepção
historiográfica. Atenção: Não se esqueça da dimensão contextual.

Sumário
Basicamente nesta unidade, ficou clara ideia de que a dimensão da crise
epistemológica da história no século XX, baniu por completo a
componente teórica do Marxismo e de outras teorias sobre a história. Há
quem pense que o contexto do capitalismo, condicionou a retirada da
teoria no pensamento histórico do século XX. Por este viés novas
abordagem vão surgindo e que de certo modo se distanciam dos
princípios da Nova história.

Exercícios
.

1. Qual ou quais foi ou foram a (s) teoria(s) que banida(S) pelo


pensamento histórico da Pós-modernidade?

Auto-avaliação
Elabore um texto no qual explique as mudanças epistemológicas
em história ao longo do século XX
65

Unidade XV

HISTORIOGRAFIA AFRICANA:
Tendência eurocentrista

Introdução
Nesta unidade é abordada o impacto da presença europeia
relativamente a África, quanto a dimensão historiográfica. Trata-se
um momento diferente do primeiro e apresenta certas
peculiaridades de abordagem relativamente ao pensamento
histórico. Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado os
objectivos a seguir:

Objectivo Geral

 Compreender a dimensão da presença a europeia


relativamente a historiografia europeia;

Objectivos específicos
Objectivos  Explicar as concepções historiográficas do período em
análise.
 Identificar o tipo de historiografia deste período, feita à luz de
influências eurocêntricas.

15.1. OS EUROPEUS E A HISTÓRIA DE ÁFRICA

A costa da Guiné foi a primeira região da África tropical


descoberta pelos europeus; ela foi o tema de toda uma série de
obras a partir de 1460, aproximadamente (Cadamosto), até o início
do século XVIII (Barbot e Bosman). Uma boa parte desse material
é de grande valor histórico, porque fornece testemunhos directos e
datados, graças aos quais podem-se situar várias outras relações de
carácter histórico. Há também nessas obras abundante material
histórico (entendido como não-contemporâneo), sobretudo em
Dapper (1688), que, ao contrário da maioria dos demais autores,
66

não era um observador directo, mas apenas um compilador de


relatos alheios. Porém, o objectivo essencial de todos esses autores
era mais descrever a situação contemporânea do que fazer história.
E é somente agora, depois que uma boa parte da história da África
ocidental foi reconstituída, que podemos avaliar correctamente
muitas das afirmações que eles fizeram 8.

Nas outras regiões que despertaram o interesse dos europeus nos


séculos XVI e XVII a situação era um pouco diferente. Isso talvez
se deva ao fato de terem sido o campo de actividade dos primeiros
esforços missionários, ao passo que o principal motor das
actividades europeias na Guiné foi sempre o comércio. Enquanto os
africanos forneciam as mercadorias que os europeus desejavam
comprar, como era em geral o caso da Guiné, os negociantes não se
sentiam impelidos a mudar a sociedade africana; eles se
contentavam em observá-la. Os missionários, ao contrário, sentiam-
se obrigados a tentar alterar o que encontravam e, nessas condições,
um certo grau de conhecimento da história da África poderia ser-
lhes útil.

Na Etiópia, as bases já existiam. Podia-se aprender o gueze e


aperfeiçoar seu estudo, bem como utilizar as crónicas e outros
escritos nessa língua. Obras históricas sobre a Etiópia foram
elaboradas por dois eminentes pioneiros entre os missionários,
Pedro Paez (morto em 1622) e Manoel de Almeida (1569-1646), e
uma história completa foi escrita por um dos primeiros orientalistas
da Europa, Hiob Ludolf (1634-1704).

No baixo vale do Congo e em Angola, assim como no vale do


Zambeze e em suas imediações, os interesses comerciais eram
provavelmente mais fortes que os da evangelização. Ocorre porém
que, em seu conjunto, a sociedade africana tradicional não estava
disposta a fornecer aos europeus o que eles desejavam, a não ser
que sofresse pressões consideráveis. O resultado é que ela foi
obrigada a mudar de modo tão drástico que mesmo os ensaios
descritivos dificilmente podiam deixar de ser em parte históricos.
De fato, importantes elementos de história podem ser encontrados
em livros de autores como Pigafetta e Lopez (1591) e Cavazzi
(1687). Em 1681, Cadornega publica uma História das Guerras
Angolanas.

A partir do século XVIII, parece que a África tropical recebeu dos


historiadores europeus a atenção que merecia. Era possível, por
67

exemplo, utilizar como fontes históricas os autores mais antigos,


sobretudo os descritivos como Leão, o Africano, e Dapper -, de
maneira que as histórias e geografias universais da época, como
The Universal History, publicada na Inglaterra entre 1736 e 1765,
podiam consagrar um número apreciável de páginas à África.
Houve também ensaios monográficos, como é o caso da História de
Angola, de Silva Correin (cerca de 1792), da Some Historical
account of Guinea, de Benezet (1772) e das duas histórias do
Daomé: Memórias do Reino de Bossa Ahadée, de Norris (1789) e
History of Dahomey, de Dalzel (1793).

Mas uma advertência se faz necessária aqui. O livro de Silva


Correin só foi publicado mais tarde e a razão pela qual as três obras
mencionadas acima foram publicadas naquela época deve-se ao
facto de que, no fim do século XVIII, começava a acirrar-se a
controvérsia em tomo do tráfico de escravos, que tinha sido o
principal elemento das relações entre a Europa e a África tropical
havia pelo menos 150 anos. Dalzel e Norris, ambos recorrendo à
sua experiência no comércio de escravos no Daomé, assim como
Benezet, desempenharam o papel de historiadores, mas seus
trabalhos tinham como objectivo fornecer argumentos a favor ou
contra a abolição do tráfico negreiro.
Se não fosse por isso, não se tem como certo que esses livros
tivessem encontrado compradores, pois nessa época a principal
tendência da cultura europeia começava a considerar de forma cada
vez mais desfavorável as sociedades não-europeias e a declarar que
elas não possuíam uma história digna de ser estudada. Essa
mentalidade resultava sobretudo da convergência de correntes de
pensamento oriundas do Renascimento, do Iluminismo e da
crescente revolução científica e industrial. O resultado foi que,
baseando-se no que era considerado uma herança greco-romana
única, os intelectuais europeus convenceram-se de que os
objectivos, os conhecimentos, o poder e a riqueza de sua sociedade
eram tão preponderantes que a civilização europeia deveria
prevalecer sobre todas as demais. Consequentemente, sua história
constituía a chave de todo conhecimento, e a história das outras
sociedades não tinha nenhuma importância. Esta atitude era
adoptada sobretudo em relação à África.

De facto, nessa época os europeus só conheciam a África e os


africanos sob o ângulo do comércio de escravos, num momento em
que o próprio tráfico era causador de um caos social cada vez mais
grave em numerosas partes do continente.
68

Hegel (1770-1831) definiu explicitamente essa posição em sua


Filosofia da História, que contém afirmações como as que seguem:
"A África não é um continente histórico; ela não demonstra nem
mudança nem desenvolvimento". Os povos negros "são incapazes
de se desenvolver e de receber uma educação. Eles sempre foram
tal como os vemos hoje".

É interessante notar que, já em 1793, o responsável pela publicação


do livro de Dalzel julgara necessário justificar o surgimento de uma
história do Daomé. Assumindo claramente a mesma posição de
Hegel, ele declarava: "Para chegar a um justo conhecimento da
natureza humana, é absolutamente necessário preparar o caminho
através da história das nações menos civilizadas (...) Não há
nenhum outro) meio de julgar o valor da cultura, na avaliação da
felicidade humana, a não ser através de comparações deste tipo" .

Ainda que a influência directa de Hegel na elaboração da história


da África tenha sido fraca, a opinião que ele representava foi aceita
pela ortodoxia histórica do século XIX. Essa opinião anacrónica e
destituída de fundamento ainda hoje não deixa de ter adeptos. Um
professor de História Moderna na Universidade de Oxford, por
exemplo, teria declarado: "Pode ser que, no futuro, haja uma
história da África para ser ensinada. No presente, porém, ela não
existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são
trevas...e as trevas não constituem tema de história.

Por ironia do destino, foi durante a vida de Hegel que os europeus


empreenderam a exploração real, moderna e científica da África e
começaram assim a lançar os fundamentos de uma avaliação
racional da história e das realizações das sociedades africanas. Essa
exploração era ligada, em parte, à reacção contra a escravidão e o
tráfico de escravos, e, em parte, à competição pelos mercados
africanos.
Alguns dos primeiros europeus eram impelidos por um desejo
sincero de aprender tudo o que pudessem a respeito do passado dos
povos africanos e recolhiam todo o material que encontravam:
documentos escritos, quando os havia, ou ainda tradições orais e
testemunhos que descobriam sobre os traços do passado. A
literatura produzida pelos exploradores é imensa. Alguns desses
trabalhos contêm história no melhor sentido do termo, e em sua
totalidade, tal literatura constitui um material de grande valor para
os historiadores. Uma pequena lista dos principais títulos poderia
incluir Travels to Discoverer the Sources of the Nile de James
69

Bruce (1790); os capítulos especificamente históricos dos relatos de


visitas a Kumasi, capital de Ashanti, de T. E. Bowdich (Mission
from Cape Coast to Ashantee, 1819) e de Joseph Dupuis (Journal
of a Residence in Ashantee, 1824); Reisen und Entdeckungen in
Nord-und Zentral Afrika (1857-1858) de Heinrich Barth;
Documents sur I'Histoire, Ia Géographie et le Commerce de
l'Afrique Oriental de M. Guillain (1856); e Saara und Sudan de
Gustav Nachtigal (1879-1889).

A carreira de Nachtigal prosseguiu numa fase inteiramente nova da


história da África: aquela em que os europeus haviam iniciado a
conquista do continente e o domínio de suas populações. Como
essas tentativas pareciam necessitar de uma justificativa moral, as
considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos
princípios de Darwin. O resultado sintomático disso tudo foi o
aparecimento de uma nova ciência, a Antropologia, que é um
método não-histórico de estudar e avaliar as culturas e as
sociedades dos povos "primitivos", os que não possuíam "uma
história digna de ser estudada", aqueles que eram "inferiores" aos
europeus e que podiam ser diferenciados destes pela pigmentação
de sua pele.
E interessante citar aqui o caso de Richard Burton (1821-1890), um
dos grandes viajantes europeus na África durante o século XIX.
Trata-se de um espírito curioso, cultivado, sempre atento e um
orientalista eminente. Ele foi, em 1863, um dos fundadores da
London Anthropological Society (que tornar-se-ia mais tarde o
Royal Anthropological Institute). Entretanto, de modo bem mais
acentuado que Nachtigal, sua carreira marca o fim da exploração
científica e imparcial da África, que havia começado com James
Bruce. Encontramos, por exemplo, em sua Mission to Gelele, King
of Dahomey (1864), uma notável digressão sobre "o lugar do negro
na natureza" (e não, como se pode notar, "o lugar do negro na
história"). Pode-se ler aí frases como esta: "O negro puro se coloca
na família humana abaixo das duas grandes raças, árabe e ariana"
(a maioria dos seus contemporâneos teria classificado estas duas
últimas em ordem inversa) e "o negro, colectivamente, não
progredirá além de um determinado ponto, que não merecerá
consideração; mentalmente ele permanecerá uma criança..." Foi em
vão que certos intelectuais africanos, como James Africanus
Horton, responderam a essas colocações, polemizando com os
membros influentes da London Anthropological Society.
As coisas ficaram ainda mais difíceis para o estudo da história da
África após o aparecimento, nessa época e em particular na
70

Alemanha, de uma nova concepção sobre o trabalho do historiador,


que passava a ser encarado mais como uma actividade científica
fundada sobre a análise rigorosa de fontes originais do que como
uma actividade ligada à literatura ou à filosofia. É evidente que,
para a história da Europa, essas fontes eram sobretudo fontes
escritas, e nesse domínio a África parecia especialmente deficiente.
Tal concepção foi exposta de forma muito precisa pelo professor A.
P. Newton, em 1923, numa conferência diante da Royal African
Society de Londres, sobre "A África e a pesquisa histórica".
Segundo ele, a África não possuía "nenhuma história antes da
chegada dos europeus. A história começa quando o homem se põe
a escrever". Assim, o passado da África antes do início do
imperialismo europeu só podia ser reconstituído "a partir de
testemunhos dos restos materiais, da linguagem e dos costumes
primitivos", coisas que não diziam respeito aos historiadores, e sim
aos arqueólogos, aos linguistas e aos antropólogos.

De fato, o próprio Newton encontrava-se um pouco à margem do


papel de historiador tal como era concebido na época. Durante
grande parte do século XIX alguns dos mais eminentes
historiadores britânicos, como James Stephen (1789-1859),
Herman Merivale (1806-1874), J. A. Froude (1818-1894) e J. R.
Seeley (1834-1895), haviam demonstrado muito interesse pelas
atividades dos europeus (ou pelo menos de seus compatriotas) no
resto do mundo. Mas o sucessor de Seeley no cargo de Regius
Professor de História Moderna em Cambridge foi Lord Acton
(1834-1902), que havia se graduado na Alemanha. Acton começara
imediatamente a preparar The Cambridge Modern History, cujos
catorze volumes apareceram entre 1902 e 1910. Essa obra é tão
centrada na Europa que chega a ignorar quase totalmente até
mesmo as actividades dos próprios europeus pelo mundo. Em
consequência, a história colonial foi geralmente deixada a cargo de
homens como Sir Charles Lucas (ou, na França, Gabriel Hanotaux)
que, como Stephen, Merivale e Froude, já haviam se encarregado
ativamente dos assuntos coloniais.

15.2. O PERÍODO COLONIAL


A história colonial ou imperial se fez aceitar, mesmo
permanecendo à margem da profissão. The New Cambridge
Modern History, que começara a aparecer em 1957 sob a direção
de Sir George Clark, traz alguns capítulos sobre a África, a Ásia e a
América em seus doze volumes e, por outro lado, a colecção de
história de Cambridge havia sido enriquecida nessa época com a
série The Cambridge History of lhe British Empire (1929- -1959),
71

da qual Newton foi um dos directores fundadores. Mas basta um


exame superficial desse trabalho para perceber que a história
colonial, mesmo no que se refere à África, é muito diferente da
história da África.
Dos oito volumes dessa obra, quatro são consagrados ao Canadá, à
Austrália, à Nova Zelândia e à Índia Britânica. Restam então três
volumes gerais, nitidamente orientados para a política imperial (de
68 capítulos, somente quatro referem-se directamente às relações
da Inglaterra com a África) e um volume consagrado à África do
Sul, o único lugar da África subsaariana no qual os colonos
europeus realmente se estabeleceram. A quase totalidade desse
volume (o maior dos oito) é dedicada aos intrincados negócios
desses colonos europeus desde sua chegada em 1652. Os povos
africanos, que constituem a maioria da população, são relegados a
um capítulo introdutório (e essencialmente não-histórico) redigido
por um antropólogo social, e a dois capítulos que, embora escritos
pelos dois historiadores sul-africanos mais lúcidos de sua geração,
C. W. de Kiewiet e W. M. MacMillan, os consideram, por
necessidade, sob a perspectiva de sua reação à presença européia.
Em outros lugares, a história da África aparecia muito timidamente
em coleções mais ou menos monumentais, como por exemplo,
Peuples et Civilizations, História Geral, 20 volumes, Paris, 1927-
52; G. Glotz, editor, Histoire Générale, organizada por G. Glotz, 10
volumes, Paris, 1925-1938; Propyliien Weltgeschichte, 10
volumes, Berlim, 1929-1933; Historia Mundi, ein Handbuch der
Weltgeschichte in 10 Bänden, Bern, 1952 ff; Vsemirnaja lstoriya
(World History), 10 volumes, Moscou, 1955 ff. O italiano C. Conti
Rossini publicou em Roma, em 1928, uma importante Storia d'
Etiópia.
Os historiadores coloniais profissionais estavam, assim como os
historiadores profissionais em geral, apegados à concepção de que
os povos africanos ao sul do Sahara não possuíam uma história
susceptível ou digna de ser estudada. Como vimos, Newton
considerava essa história como domínio exclusivo dos arqueólogos,
linguistas e antropólogos. Mas se é verdade que os arqueólogos,
assim como os historiadores, por força de sua profissão se
interessam pelo passado do homem e de suas sociedades, eles
estavam quase tão desinteressados quanto os historiadores em
dedicar-se a descobrir e elucidar a história da sociedade humana na
África subsaariana. Concorriam para isso duas razões principais.
Em primeiro lugar, uma das correntes mais importantes da
Arqueologia, ciência então em desenvolvimento, professava que,
assim como a História, ela deveria orientar-se essencialmente pelas
fontes escritas. Consagrava-se a problemas como encontrar o local
exacto da antiga cidade de Tróia ou detectar fatos ainda
desconhecidos através de fontes literárias relativas às antigas
sociedades da Grécia, de Roma ou do Egipto, cujos principais
monumentos haviam sido fontes de especulações durante séculos.
A Arqueologia era - e às vezes ainda é - estreitamente ligada ao
72

ramo da História conhecido pelo nome de História Antiga. Em


geral, ela se preocupava mais em procurar e decifrar antigas
inscrições do que em encontrar outras relíquias. Só muito
raramente - por exemplo em Axum e Zimbabwe e em torno desses
sítios - admitia-se que a África subsaariana possuía monumentos
suficientemente importantes para atrair a atenção dessa escola de
arqueologia. Em segundo lugar, uma outra actividade essencial da
pesquisa arqueológica se concentrava nas origens do homem, tendo
como consequência uma perspectiva mais geológica do que
histórica de seu passado. É verdade que, em função de especialistas
como L. S. B. Leakey e Raymond Dart, uma parte substancial
dessa pesquisa acabou finalmente por se concentrar na África
oriental e do sul. Mas esses homens buscavam um passado
longínquo demais, no qual não se podia afirmar que existissem
sociedades; além disso, habitualmente havia um abismo entre as
conjecturas sobre os fósseis que esses pesquisadores descobriam e
as populações modernas cujo passado os historiadores desejavam
estudar.
Enquanto a maioria dos arqueólogos e dos historiadores
considerava a África subsaariana, até os anos 50,
aproximadamente, não digna de sua atenção, a imensa variedade de
tipos físicos, de sociedades e de línguas desse continente
despertava o interesse dos antropólogos e linguistas à medida que
suas disciplinas começavam a desenvolver-se. Foi possível a uns e
outros permanecerem durante muito tempo encerrados em seus
gabinetes de trabalho. Mas homens como Burton e S. W. Koelle
(Polyglotte Africana, 1854) em boa hora demonstraram o valor da
pesquisa de campo, e os antropólogos, em particular, tomaram-se
os pioneiros desse trabalho na África. Mas, ao contrário dos
historiadores e dos arqueólogos, nem os antropólogos nem os
linguistas sentiam-se obrigados a descobrir o que ocorrera no
passado. Na África, eles encontraram uma abundância de fatos
simplesmente à espera de descrição, classificação e análise, o que
representava uma imensa tarefa. Frequentemente eles só se
interessavam pelo passado na medida em que tentavam reconstruir
uma história que parecia-lhes estar na origem dos dados recolhidos
e seria capaz de explicá-los.
No entanto, nem sempre eles percebiam o quanto essas
reconstruções eram especulativas e hipotéticas. Um exemplo
clássico é o do antropólogo C. G. Seligman que, na obra Races of
Africa, publicada em 1930, escrevia sem rodeios: "As civilizações
da África são as civilizações dos camitas, e sua história, os anais
desses povos e de sua interação com duas outras raças africanas, a
negra e a bosquímana..." 19
Inferimos dessa afirmação que essas "duas outras raças africanas"
são inferiores e que todo o progresso que tenham conseguido seria
resultante da influência "camítica" que sofreram de forma mais ou
menos intensa. Em outro trecho dessa mesma obra, ele fala da
chegada, "vaga após vaga", de pastores "camitas" que estavam
73

"melhor armados e eram ao mesmo tempo mais inteligentes" que


"os cultivadores negros atrasados" sobre os quais exerciam
influência. Mas, na realidade, não há nenhuma prova histórica que
sustente as afirmações de que "as civilizações da África são as
civilizações das camitas", ou que os progressos históricos
verificados na África subsaariana se devam apenas ou
principalmente a eles. O próprio livro não apresenta nenhuma
evidência histórica, e muitas das hipóteses sobre as quais ele se
apoia sabe-se agora não terem nenhum fundamento. J. H.
Greenberg, por exemplo, demonstrou de uma vez por todas que os
termos "camita" e "camítico" não têm nenhum sentido, a não ser, e
na melhor das hipóteses, como categorias da classificação
linguística.
É certo que não existe, necessariamente, uma correlação entre a
língua falada por uma população e sua origem racial ou sua cultura.
Assim, Greenberg pode citar, entre outros, este maravilhoso
exemplo: "os cultivadores haussa, que falam uma língua 'camítica',
estão sob a dominação dos pastores fulani que falam (...) uma
língua níger-congolesa" (isto é, uma língua negra) . Ele refuta
igualmente a base camítica que sustentava grande parte da
reconstrução feita por Seligman da história cultural dos negros em
outras partes da África, sobretudo das populações de língua bantu.

Destaque-se particularmente Seligman porque ele se situava entre


as personalidades mais destacadas de sua profissão na Grã-
Bretanha (foi um dos primeiros a empreender sérias pesquisas de
campo na África) e porque seu livro tornou-se, de certa forma, um
modelo, várias vezes reeditado. Ainda em 1966 ele era divulgado
como "um clássico em seu género". Mas essa adopção do mito da
superioridade dos povos de pele clara sobre os de pele escura era
somente uma parte dos preconceitos correntes na Europa no fim do
século XIX e no início do século XX.

Os europeus acreditavam que sua pretensa superioridade sobre os


negros africanos estava confirmada por sua conquista colonial. Em
consequência disso, em muitas partes da África, especialmente no
cinturão sudanês e na região dos grandes lagos, eles estavam
convictos de que apenas davam continuidade a um processo de
civilização que outros invasores de pele clara, chamados
genericamente de camitas, haviam começado antes deles. O mesmo
tema reaparece ao longo de muitas outras obras do período que vai
de 1890 a 1940, aproximadamente, e que contêm uma quantidade
bem maior de elementos sérios de história do que os encontrados
no pequeno manual de Seligman. Em sua maioria, essas obras
foram escritas por homens e mulheres que tinham participado
pessoalmente da conquista ou da colonização e que não eram nem
antropólogos, nem linguistas, nem historiadores profissionais.
74

Tratava-se sim de amadores no melhor sentido da palavra, que se


interessavam sinceramente pelas sociedades exóticas que haviam
descoberto, e que desejavam obter mais informações a seu respeito
e partilhar seus conhecimentos com outras pessoas. Sir Harry
Johnston e Maurice Delafosse, por exemplo, trouxeram
contribuições notáveis para a linguística africana (assim como para
outros ramos do conhecimento). Mas o primeiro denominou seu
grande estudo geral de A History of the Colonization of Africa by
Alien Races (1899, obra revista e ampliada em 1913), e, nas seções
históricas do magistral estudo de Delafosse sobre o Sudão
ocidental, Haut-Sénégal-Niger (1912), o tema geral aparece quando
ele invoca uma migração judaico-síria para fundar a antiga Gana.
Flora Shaw (A Tropical Dependency, 1906) era fascinada pela
contribuição dos muçulmanos à história da África. Margery
Perham, amiga e biógrafa de Lord Lugard, refere-se com
propriedade ao "movimento majestoso da história desde as
primeiras conquistas árabes da África às de Goldie e de Lugard".
Um excelente historiador amador, Yves Urvoy (Histoire des
Populations du Soudan Central, 1936 e Histoire du Bornou, 1949),
equivoca-se completamente a respeito do significado das interações
entre os nômades do Saara e os negros sedentários que ele descreve
com precisão; ao mesmo tempo, Sir Richmond Palmer (Sudanese
Memoirs, 1928 e The Bornu Sahara and Sudan, 1936), arqueólogo
inspirado, procura sempre as origens da ação dos povos nigerianos
em lugares tão distantes quanto Trípoli ou o Iêmen.

No entanto, após Seligman, os antropólogos sociais britânicos


conseguiram de certa forma escapar à influência do mito camítico.
Sua formação, a partir desse momento, foi dominada pela
influência de B. Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown, que se
opunham decididamente a qualquer espécie de história fundada em
conjecturas. De fato, o método estritamente funcionalista adoptado
pelos antropólogos britânicos entre 1930 e 1950 para o estudo das
sociedades africanas tendia a desencorajar qualquer interesse
histórico, mesmo quando, graças a seu trabalho de campo, eles se
encontravam numa situação excepcionalmente favorável para obter
dados históricos.

Porém, no continente europeu (e também na América do Norte,


ainda que poucos antropólogos americanos tenham trabalhado na
África antes dos anos 50) subsistia uma tradição mais antiga de
etnografia que, entre outras características, dava tanto peso à
cultura material quanto à estrutura social.
Isso gerou uma grande quantidade de trabalhos de importância
histórica, como por exemplo The King of Ganda, de Tor Irstam
(1944), ou The trade of Guinea, de Lar Sundstrom (1965).
Entretanto, duas obras merecem destaque especial; Volkerkunde
von Afrika, de Hermann Baumann (1940) e Geschichte Afrikas de
Diedrich Westermann (1952).
75

A primeira era um estudo enciclopédico dos povos e civilizações da


África que valorizava bastante as partes conhecidas de sua história
e até hoje não foi superado como manual de um só volume. O livro
mais recente, África: its Peoples and their Culture History (1959),
escrito pelo antropólogo americano G. P. Murdock, fica
prejudicado na comparação por faltar ao seu autor experiência
directa da África, o que lhe teria permitido avaliar correctamente os
materiais de que dispunha, e por ele ter fornecido alguns esquemas
hipotéticos tão excêntricos em seu género quanto os de Seligman,
embora menos perniciosos .

Quanto a Westermann, ele era sobretudo um linguista. Sua obra


sobre a classificação das línguas da África é, em muitos aspectos, a
precursora da de Greenberg; além disso, ele contribuiu com uma
secção linguística para o livro de Baumann. Mas sua Geschichte,
infelizmente deformada pela teoria camítica, é também uma
compilação muito valiosa das tradições orais africanas tais como se
apresentavam em sua época.

A estes trabalhos pode-se talvez acrescentar o de H. A. Wieschoff,


The Zimbabwe-Monomotapa Culture (1943), ainda que seja só
para apresentar seu mestre, Leo Frobenius. Frobenius era etnólogo
e antropólogo cultural, mas era também um arqueólogo disfarçado
de historiador. Durante seu período de actividade, que corresponde
aproximadamente às quatro primeiras décadas do século XX, ele
foi quase com certeza o mais produtivo dos historiadores da África.
Ele empreendeu inúmeros trabalhos de campo em quase todas as
partes do continente africano e apresentou seus resultados numa
série regular de publicações (pouco lidas actualmente). Escrevia em
alemão, língua que se tornou pouco importante para a África e os
africanistas. Somente uma pequena parte de suas obras foi
traduzida, e seu sentido é geralmente difícil de recuperar, porque
elas estão repletas de teorias míticas relativas à Atlântida, à
influência etrusca sobre a cultura africana, etc.

Aos olhos dos historiadores, arqueólogos e antropólogos actuais, de


formação bastante rigorosa, Frobenius parece um autodidacta
original cujos trabalhos são desvalorizados não apenas por suas
interpretações um tanto ousadas, mas também por seu método de
trabalho rápido, sumário e às vezes destrutivo. Contudo, ele chegou
a alguns resultados que anteciparam claramente os obtidos por
pesquisadores que trabalharam com maior rigor científico e que
surgiram depois dele, e a outros difíceis ou mesmo impossíveis de
obter nas condições actuais. Parece que ele possuía um talento
instintivo para ganhar a confiança dos informantes e descobrir
dados históricos. Os historiadores modernos deveriam procurar
esses dados nas obras de Frobenius e reavaliá-los em função dos
conhecimentos actuais, liberando-os das interpretações fantasiosas
76

acrescentadas por ele.

As singularidades de um génio autodidacta como Frobenius, que


buscava inspiração em si mesmo, contribuíram para reforçar a
opinião dos historiadores profissionais de que a história da África
não constituía um campo aceitável para sua profissão e desviar
assim a atenção de muitos trabalhos sérios realizados durante o
período colonial. O crescimento do interesse dos europeus pela
África havia proporcionado aos africanos grande variedade de
culturas escritas, o que lhes permitia exprimir seu interesse por sua
própria história. Foi esse o caso principalmente da África ocidental,
onde o contacto com os europeus havia sido mais longo e mais
constante, e onde - sobretudo nas regiões que se tornaram colónias
britânicas - uma demanda pela instrução europeia já existia desde o
início do século XIX. Assim como os eruditos islamizados de
Tombuctu se puseram rapidamente a escrever seus ta'rikh em árabe
ou na língua ajami, no fim do século XIX também os africanos que
haviam aprendido a ler o alfabeto latino sentiram necessidade de
deixar por escrito o que eles conheciam da história de seus povos,
para evitar que estes fossem completamente tragados pelos
europeus e sua história.

Entre os primeiros clássicos desse género, escritos por africanos


que - como os autores dos ta'rikh antes deles - haviam exercido
uma atividade na religião da cultura importada e dela haviam
extraído seus nomes, pode-se citar A History of the Gold Coast and
Asante de Carl Christian Reindorf (1895) e History of the Yorubas
de Samuel Johnson (terminada em 1897 mas publicada somente em
1921). Trata-se de duas obras de história bastante sérias; até hoje
ninguém pode empreender um trabalho sobre a história dos Iorubas
sem consultar Johnson. Mas talvez fosse inevitável que a ensaios
históricos desta ordem se incorporassem as obras dos primeiros
protonacionalistas, desde J. A. B. Horton (1835-1883) e E. W.
Blyden (1832-1912) a J. M. Sarbah (1864-1910), J. E. Casely-
Hayford (1866-1930) e J. B. Danquah (1895- -1965), que
abordaram muitas questões históricas mas, na maioria das vezes,
com o propósito de fazer propaganda. É provável que J. W, de
Graft-Johnson (Towards Nationhood in West Africa, 1928;
Historical Geography of the Gold Coast, 1929) e E. J. P. Brown (A
Gold Coast and Asiante Reader, 1929) pertençam às duas
categorias. Depois deles, porém, pode-se observar em certos
ensaios uma tendência a glorificar o passado africano no intuito de
combater o mito da superioridade cultural européia, como por
exemplo em J. O. Lucas, The Religion of Yoruba (1949) e J. W. de
Graft-Johnson, African Glory (1954). Alguns autores europeus
demonstraram uma tendência análoga. É o caso, por exemplo, de
Eva L. R. Meyerowitz, que, em seus livros sobre os Akan, tenta
outorgar-lhes gloriosos ancestrais mediterrânicos, comparáveis aos
que Lucas buscava para os Iorubas.
77

Por outro lado, numa escala mais reduzida, muitos africanos


continuaram a registrar as tradições históricas locais de modo sério
e confiável. Os contatos com os missionários cristãos parecem ter
desempenhado um papel significativo. Assim, floresceu em
Uganda uma escola importante de historiadores locais desde a
época de A. Kagwa (cuja primeira obra foi publicada em 1906); ao
mesmo tempo, R. C. C. Law anotou, para a região ioruba, 22
historiadores que haviam publicado trabalhos antes de 1940 , em
geral (como aliás os autores ugandenses) em línguas nativas.
Dentre as das obras desse tipo, uma tornou-se merecidamente
célebre: A Short History of Benin de J. U. Egharevba, reeditada
diversas vezes desde sua primeira publicação em 1934.
Por outro lado, certos colonizadores, espíritos inteligentes e
curiosos, tentavam descobrir e registar a história daqueles a quem
tinham vindo governar. Para eles, a história africana geralmente
apresentava um valor prático. Os europeus podiam ser melhores
administradores se possuíssem algum conhecimento sobre o
passado dos povos que eles haviam colonizado. Além do mais,
seria útil ensinar um pouco de história da África nas escolas, cada
vez mais numerosas, fundadas por eles e seus compatriotas
missionários, ainda que fosse apenas para servir como introdução
ao ensino, mais importante, da história da Inglaterra ou da França.
Isso possibilitaria aos africanos obter os school certificates e os
baccalauréats e ser recrutados depois como preciosos auxiliares
pseudo-europeus.
Flora Shaw, Harry Johnson, Maurice Delafosse, Yves Urvoy e
Richmond Palmer já foram mencionados anteriormente. Mas há
também outros que escreveram sobre a África obras históricas
relativamente isentas de preconceitos culturais, ainda que às vezes
tenham escolhido (eles ou seus editores) títulos bizarros. Entre
esses autores podemos citar: Ruth Fisher, Twilight Tales of the
Black Baganda (1912); C. H. Stigand, The Land of Zing (1913); Sir
Francis Fuller, A Vanished Dynasty: Ashanti (1921), exatamente
na tradição de Bowdich e Dupuis; E. W. Bouill, Caravans of the
Old Sahara (1933); numerosas obras eruditas de Charles Monteil
(por exemplo, Les Empires du Mali, 1929) ou de Louis Tauxier
(por exemplo, Histoire des Bambara, 1942). Parece que os
franceses foram mais bem sucedidos que os ingleses na elaboração
de uma história realmente africana. Alguns dos mais sólidos
trabalhos britânicos - por exemplo, History of the Gold Coast and
Ashanti (1915) de W. W. Claridge ou History of the Gambia
(1940) de Sir John Gray (exceção feita a alguns de seus artigos
mais recentes sobre a África oriental) - possuíam uma forte
tendência eurocêntrica. É conveniente notar também que, quando
de seu retorno à França, alguns administradores franceses (como
Delafosse, Georges Hardy, Henry Labouret ) elaboraram breves
histórias gerais a respeito de todo o continente ou do conjunto da
África subsaariana.
Isso se explica, em parte, pelo fato de que a administração colonial
78

francesa tendia a desenvolver estruturas mais rígidas para a


formação e a pesquisa do que a administração britânica. Pode-se
citar a instituição (em 1917) do Comité d'Etudes Historique et
Scientifique de l'AOF - Afrique Occidentale Française. e de seu
Bulletin, que levaram à criação do Institut Français d' Afrique
Noire, sediado em Dacar (1938), ao seu Bulletin e à série
Mémoires que editou; a partir daí, surgiram obras como o magistral
Tableau Géographique de l'Ouest Africain au Moyen Age (1961)
de Raymond Mauny. Apesar disso, os historiadores do período
colonial permaneceram amadores, marginalizados da principal
corrente historiográfica. Isto ocorreu tanto na França quanto na
Grã-Bretanha, pois, embora homens como Delafosse e Labouret
tivessem obtido cargos universitários quando retomaram à França,
fizeram-no como professores de línguas africanas ou de
administração colonial, e não como historiadores clássicos.

Sumário
Depois do contacto entre os africanos e os europeus, o continente
africano foi tido como um espaço sem história. Contudo, alguns trabalhos
de levantamento de dados sobre a cultura africana foram feitos.
Entretanto, com o percorrer dos tempos, começou-se a perceber que a
diversidade cultural patente no continente negro era rico em matéria para
ser escrita.

Exercícios
1. Qual foi o impacto da visão hegeliana sobre os africanos e
sua História?
2. Refira-se às características das primeiras manifestações de
escrita da história de África.
3. Identifique os autores que buscaram escrever sobre África
nesta unidade e contextualize-os.
79

Auto-avaliação Explique a concepção europeia relativamente a historiografia


africana, mencionando os principais defensores.
80

Unidade XVI

HISTORIOGRAFIA AFRICANA;
Tendência afrocentrista

Introdução
Nesta unidade é abordada a alteração relativa ao cenário da
historiografia de África. Ao terminar esta unidade deverá ter
alcançado os objectivos a seguir:

Objectivo Geral

 Compreender o cenário das mudanças na concepção


relativamente a historiografia africana;

Objectivos específicos
Objectivos  Identificar as particularidades da historiografia africana neste
período;
 Demonstrar por meio de exemplos, as abordagens
historiográficas deste contexto.

16.1. O NOVO POSICIONAMENTO HISTORIOGRÁFICO


EM TORNO DE ÁFRICA E PENSADORES

A partir de 1947, a Société Africaine de Culture e sua revista


Présence Africaine empenharam-se na promoção de uma história'
da África descolonizada. Ao mesmo tempo, uma geração de
intelectuais africanos que havia dominado as técnicas europeias de
investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em
relação ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma
identidade cultural negada pelo colonialismo. Esses intelectuais
refinaram e ampliaram as técnicas da metodologia histórica
desembaraçando-a, ao mesmo tempo, de uma série de mitos e
preconceitos subjectivos. A esse propósito devemos mencionar o
simpósio organizado pela UNESCO no Cairo em 1974, que
permitiu a pesquisadores africanos e não-africanos confrontar
81

livremente seus pontos de vista sobre o problema do povoamento


do antigo Egito.

Em 1948, apareceu a obra History of the Gold Coast de W. E. F.


Ward. No mesmo ano, a Universidade de Londres criava o cargo de
lecturer em História da África na School of Oriental and African
Studies, confiado ao Dr. Roland Oliver e a partir dessa mesma data
que a Grã-Bretanha empreende um programa de desenvolvimento
das universidades nos territórios que dela dependiam: fundação de
estabelecimentos universitários na Costa do Ouro e na Nigéria;
elevação do Gordon College de Cartum e do Makerere College de
Kampala à categoria de universidades. Nas colônias francesas e
belgas, desenrolava-se um processo semelhante. Em 1950 era
criada a Escola Superior de Letras de Dacar que, sete anos mais
tarde, adquiriria o estatuto de universidade francesa. Lovanium, a
primeira universidade do Congo (mais tarde Zaire), começou a
funcionar em 1954.
Do ponto de vista da historiografia africana, a multiplicação das
novas universidades a partir de 1948 foi seguramente mais
significativa que a existência dos raros estabelecimentos criados
antes, mas que vegetavam por falta de recursos, tais como o Liberia
College de Monróvia e do Fourah Bay College de Serra Leoa,
fundados respectivamente em 1864 e 1876.
Por outro lado, as nove universidades que existiam na África do Sul
em 1940 eram prejudicadas pela política segregacionista do regime
de Pretória: tanto a pesquisa histórica quanto o ensino eram
eurocêntricas, e a história da África não passava da história dos
imigrantes brancos.
Todas as novas universidades, ao contrário, organizaram logo
departamentos de história, o que, pela primeira vez, levou um
número considerável de historiadores profissionais a trabalhar na
África. Era inevitável, no início, que a maioria desses historiadores
fosse proveniente de universidades não -africanas. Mas a
africanização sobreveio rapidamente. O primeiro director africano
de um departamento de história, o professor K. O. Dike, foi
nomeado em 1956, em Ibadã.
Formaram-se muitos estudantes africanos. Os professores africanos
que se tornaram historiadores profissionais sentiram necessidade de
ampliar a parte reservada à história da África em seus programas e,
quando essa história fosse pouco conhecida, de incluí-la em suas
pesquisas.
A partir de 1948, a historiografia da África vai progressivamente se
assemelhando à de qualquer outra parte do mundo. É evidente que
82

ela possui problemas específicos, como a escassez relativa de


fontes escritas para os períodos antigos e a consequente
necessidade de lançar mão de outras fontes como a tradição oral, a
linguística ou a arqueologia. Mas, embora a historiografia africana
tenha trazido importantes contribuições no que diz respeito ao uso e
à interpretação dessas fontes, ela não se distingue
fundamentalmente da historiografia de certos países da América
Latina, da Ásia e da Europa que enfrentam problemas análogos.
Aliás, o conhecimento da proveniência dos materiais não é
essencial para o historiador, cuja tarefa fundamental consiste em
fazer deles uma utilização crítica e comparativa, de modo a criar
uma descrição inteligente e significativa do passado. O importante
é que, nos últimos 25 anos, equipes de universitários africanos vêm
se dedicando ao ofício de historiador. O estudo da história africana
constitui hoje uma actividade bem estabelecida, a cargo de
especialistas de alto nível. Seu desenvolvimento ulterior será
assegurado pelos intercâmbios interafricanos e pelas relações entre
as universidades da África e as de outras partes do mundo. Mas é
preciso ressaltar que esta evolução positiva teria sido impossível
sem o processo de libertação da África do jugo colonial: o levante
armado de Madagáscar em 1947, a independência do Marrocos em
1955, a heróica luta do povo argelino e as guerras de libertação em
todas as colónias da África contribuíram enormemente para esse
processo já que criaram, para os povos africanos, a possibilidade de
retomar o contacto com sua própria história e de controlar a sua
organização. Compreendendo desde logo esta necessidade, a
Unesco promoveu ou facilitou a realização de encontros entre
especialistas. Acertadamente, colocou como pré-requisito a colecta
sistemática de tradições orais. Respondendo aos desejos dos
intelectuais e dos Estados Africanos. Essa entidade lançou, a partir
de 1966, a ideia da elaboração de uma História Geral da África. A
execução desse importante projecto foi iniciada sob os seus
auspícios, em 1969.

Sumário
Com o alvorecer das independências, África passou a ter
intelectuais que procuraram apresentar uma história africana.
Entretanto o pensamento histórico esteve bastante ligado aos ideais
nacionalistas africanos.
83

Entretanto a historiografia africana apesar do valor acrescentado


proveniente dos intelectuais africanos enfrentou o problema de falta
de fontes.

É preciso referir que a Unesco contribuiu bastante para a escrita da


História geral de África na qual participaram vários historiadores.
Como foi referida, a primeira edição foi em língua Inglesa.
Actualmente já existe na versão portuguesa.

Exercícios
Mencione os historiadores e seus respectivos contributos para a
história de África nesta unidade.

Sintetize a informação desta unidade referindo-se a evolução do


pensamento histórico destacando as regiões africanas em que o
mesmo surgiu
Auto-avaliação
84

Unidade XVII

HISTORIOGRAFIA AFRICANA:
Dos primórdios a presença Árabe

Introdução
Esta unidade dá o inicio da abordagem da historiografia africana.
Pela sua vastidão os assuntos sobre a historiografia africana são
abordados noutras duas unidades. Nesta, é estudada a abordagem
destes os primórdios até a presença árabe. Ao terminar esta unidade
deverá ter alcançado os objectivos a seguir:

Objectivo geral

Conhecer os primeiros sinais do aparecimento de África na


historiografia.

Objectivos específicos
Objectivos
 Explicar os primeiros reflexos em torno de uma historiografia
de ou sobre África.
 Contextualizar a abordagem historiográfica

17.1. OS PRIMEIROS REFLEXOS EM TORNO DE UMA


HISTORIOGRAFIA DE OU SOBRE ÁFRICA E
PENSADORES

O subtítulo que inicia este texto é propositado. Isso deve-se ao


facto de durante muito tempo se pensar que África não tinha
História.
Entretanto, os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão
antigos quanto o início da história escrita. Os historiadores do
velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval
tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo
conhecido, que compreendia uma considerável porção da África. A
África ao norte do Sahara era parte integrante dessas duas
civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse
85

dos historiadores, do mesmo modo que o passado da Europa


meridional ou o do Oriente Próximo. A história do norte da África
continuou a ser parte essencial dos estudos históricos até a
expansão do Império Otomano, no século XVI.

Após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto em 1798, o


norte da África tornou-se novamente um campo de estudos que os
historiadores não podiam negligenciar. Com a expansão do poder
colonial europeu nessa parte da África - após a conquista de Argel
pelos franceses em 1830 e a ocupação do Egipto pelos britânicos
em 1882 - um ponto de vista europeu colonialista passou a dominar
os trabalhos sobre a história da porção norte da África. No entanto,
a partir de 1930, o movimento modernizador no Islão, o
desenvolvimento da instrução de estilo europeu nas colónias da
África do Norte e o nascimento dos movimentos nacionalistas
norte-africanos começaram a combinar-se para dar origem a
escolas autóctones de história que produziam obras não apenas em
árabe, mas também em francês e inglês, restabelecendo assim o
equilíbrio nos estudos históricos dessa região do continente.
Assim sendo, o presente capítulo preocupar-se-á sobretudo com a
historiografia da África ocidental, central, oriental e meridional.
Ainda que nem os historiadores clássicos nem os historiadores
islâmicos medievais tenham considerado a África tropical como
destituída de interesse, seus horizontes estavam limitados pela
escassez de contactos que podiam estabelecer com ela, seja através
do Sahara em direcção à "Etiópia" ou o Bilad-al-Suden, seja ao
longo da costa do mar Vermelho e do oceano Indico, até os limites
que a navegação de monções permitia atingir.

As informações fornecidas pelos antigos autores no que se refere


mais particularmente à África ocidental eram raras e esporádicas.
Heródoto, Manetão, Plínio, o Velho, Estrabão e alguns outros
descrevem apenas umas poucas viagens através do Sahara, ou
breves incursões marítimas ao longo da costa Atlântica, sendo a
autenticidade de alguns desses relatos objecto de animadas
discussões entre especialistas. As informações clássicas a respeito
do mar Vermelho e do oceano Índico têm um fundamento mais
sólido, pois é certo que os mercadores mediterrânicos, ou ao menos
os alexandrinos, comerciavam nessas costas. O Périplo do Mar da
Eritréia (mais ou menos no ano +100) e as obras de Cláudio
Ptolomeu (por volta do ano +150, embora a versão que chegou até
nós pareça referir-se sobretudo ao ano +400, aproximadamente) e
de Cosmas Indicopleustes (+647) constituem ainda as principais
86

fontes da história antiga da África oriental.


Os autores árabes eram mais bem informados, uma vez que em sua
época a utilização do camelo pelos povos do Sahara havia
facilitado o estabelecimento de um comércio regular com a África
ocidental e a instalação de negociantes norte-africanos nas
principais cidades do Sudão ocidental. Por outro lado, o comércio
com a parte ocidental do oceano Indico tinha se desenvolvido a tal
ponto que um número considerável de mercadores da Arábia e do
Oriente Próximo se instalara ao longo da costa oriental da África.
Assim, as obras de homens como al-Mas'udi (que morreu por volta
de +950), Al-Bakri (1029-1094), Al-Idrisi (1154), Yakut (cerca de
1200), Abu'I-Fida' (1273- -1331), Al'Umari (1301-1349), Ibn
Battuta (1304-1369) e Hassan Ibn Mohammad Al-Wuzza'n
(conhecido na Europa pelo nome de Leão, o Africano, 1494-1552
aproximadamente) são de grande importância para a reconstrução
da história da África, em particular a do Sudão ocidental e central,
durante o período compreendido entre os séculos IX e XV.

No entanto, por mais úteis que sejam essas obras para os


historiadores modernos, pairam dúvidas de que possamos incluir
algum desses autores ou de seus predecessores clássicos entre os
principais historiadores da África. O essencial da contribuição de
cada um deles consiste numa descrição das regiões da África a
partir das informações que puderam recolher na época em que
escreveram. Não existe nenhum estudo sistemático sobre as
mudanças ocorridas ao longo do tempo e que constituem o
verdadeiro objectivo do historiador. Aliás, tal descrição nem chega
a ser realmente sincrónica, pois se é verdade que uma parte das
informações pode ser contemporânea, outras delas, embora
pudessem ainda ser consideradas verdadeiras na época em que o
autor vivia, muitas vezes poderiam ser provenientes de relatos mais
antigos. Além disso, essas obras apresentam o inconveniente de
que, em geral, não há nenhum meio de avaliar a autoridade da
informação, de saber, por exemplo, se o autor a obteve por sua
observação pessoal ou a partir da observação directa de um
contemporâneo, ou se ele simplesmente relata rumores correntes na
época ou a opinião de autores antigos. Leão, o Africano, constitui
um exemplo interessante desse problema. Assim como Ibn Battuta,
ele próprio viajou pela África, mas, ao contrário deste, não se pode
afirmar com certeza que todas as informações que ele nos fornece
tenham provindo de suas observações pessoais.
87

Talvez fosse útil relembrar aqui que o termo "história" não deixa de
ser ambíguo. Actualmente, pode ser definido como "um relato
metódico dos acontecimentos de um determinado período", mas
pode também ter o sentido mais antigo de "descrição sistemática de
fenómenos naturais". É essencialmente nessa acepção que ele é
empregado no título em inglês da obra de Leão, o Africano (Leo
Africanus, A Geographical History of África; em francês,
Description de l' Afrique), significado que só permanece hoje na
ultrapassada expressão "história natural" (que, aliás, era o título da
obra de Plínio).

17.2. O DESTACÁVEL HISTORIADOR IBN KHALDUN


Entre os primeiros historiadores da África, porém, encontra-se um
muito importante, um grande historiador no sentido amplo do
termo: referimo-nos a Ibn Khaldun (1332-1406) que, se fosse mais
conhecido pelos especialistas ocidentais, poderia legitimamente
roubar de Heródoto o título de "pai da história". Ibn Khaldun era
um norte-africano nascido em Túnis. Uma parte de sua obra é
consagrada à África e às suas relações com os outros povos do
Mediterrâneo e do Oriente Próximo. Da compreensão dessas
relações ele induziu uma concepção que faz da história um
fenómeno cíclico, no qual os nómadas das estepes e dos desertos
conquistam as terras aráveis dos povos sedentários e aí estabelecem
vastos reinos, que, depois de cerca de três gerações, perdem sua
vitalidade e se tomam vítimas de novas invasões de nómadas.
Trata-se, sem dúvida, de um bom modelo para grande parte da
história do norte da África e um importante historiador, Marc
Bloch, utilizou-o para sua brilhante explicação da história da
Europa no início da Idade Média. Ora, Ibn Khaldun distingue-se de
seus contemporâneos não somente por ter concebido uma filosofia
da história, mas também - e talvez principalmente - por não ter,
como os demais, atribuído o mesmo peso e o mesmo valor a todo
fragmento de informação que pudesse encontrar sobre o passado;
acreditava que era preciso aproximar-se da verdade passo a passo,
através da crítica e da comparação.
Ibn Khaldun é, realmente, um historiador muito moderno e é a ele
que devemos o que se pode considerar quase como história da
África tropical, em sentido moderno. Na qualidade de norte-
africano e também pelo facto de ter trabalhado, a despeito da
novidade de sua filosofia e de seu método, no quadro das antigas
tradições mediterrâneas e islâmicas, ele não deixou de se preocupar
com o que ocorria no outro lado do Sahara. Assim, um dos
capítulos de sua obra é uma história do Império do Mali, que na
88

época em que ele viveu atingia seu auge. Esse capítulo é


parcialmente fundamentado na tradição oral da época e, por esta
razão, permanece até hoje como uma das bases essenciais da
história desse grande Estado africano.

17.3. PRIMEIRAS OBRAS RELATIVAS A HISTÓRIA DE


ÁFRICA
Nenhum Estado vasto e poderoso como o Mali, nem mesmo os
Estados de menor importância como os primeiros reinados Haussa
ou as cidades independentes da costa oriental da África, podiam
manter sua identidade ou sua integridade sem uma tradição
reconhecida relativa à sua fundação e ao seu desenvolvimento.
Quando o Islão atravessou o Sahara e se expandiu ao longo da
costa oriental trazendo consigo a escrita árabe, os negros africanos
passaram a utilizar textos escritos ao lado dos documentos orais de
que já dispunham para conservar sua história.
Os mais elaborados dentre esses primeiros exemplos de obras de
história actualmente conhecidos são provavelmente o Ta'rikh al-
Sudan e o Ta'rikh el- -Fattash, ambos escritos em Tombuctu,
principalmente no século XVII. Nos dois casos, os autores fazem
um relato dos acontecimentos de sua época e do período
imediatamente anterior, com muitos detalhes e sem omitir a análise
e a interpretação. Mas antecedendo esses relatos críticos há também
uma evocação das tradições orais relativas a períodos mais antigos.
Dessa forma, o resultado não é somente uma história do Império
Songhai, de sua conquista e dominação pelos marroquinos, mas
também uma tentativa de determinar o que era importante na
história da região, sobretudo nos antigos impérios de Gana e do
Mali. Em função disso, é importante distinguir os Ta'rikh de
Tombuctu de outras obras históricas escritas em árabe pelos
africanos, tais como as conhecidas pelos nomes de Crónica de
Kano e Crónica de Kilwa. Estes últimos nos oferecem somente
anotações directas, por escrito, de tradições que até então eram,
sem dúvida alguma, transmitidas oralmente. Embora uma versão da
Crónica de Kilwa pareça ter sido utilizada pelo historiador
português de Barros no século XVI, não há nada que prove que a
Crónica de Kano tenha existido antes do início do século XIX.
É interessante notar que as crónicas dessa natureza escritas em
árabe não se limitam necessariamente às regiões da África que
foram inteiramente islamizadas. Assim, o centro da actual Gana
produziu sua Crónica de Gonja (Kitab al-Ghunja) no século XVIII.
Por outro lado, é preciso não esquecer que uma parte da África
tropical - a actual Etiópia - possuía sua própria língua semítica,
89

inicialmente o gueze e mais tarde o amárico, na qual uma tradição


literária foi preservada e desenvolvida durante quase 2 mil anos.
Sem dúvida nenhuma, essa tradição produziu obras históricas já no
século XIV, das quais um exemplo é a História das Guerras, de
Amda Syôn. As obras históricas escritas em outras línguas
africanas como o haussa e o swahili, distintas das escritas em árabe
clássico importado mas utilizando sua escrita, só apareceram no
século XIX.
No século XV os europeus começaram a entrar em contacto com as
regiões costeiras da África tropical, facto que desencadeou a
produção de obras literárias que constituem preciosas fontes de
estudo para os historiadores modernos. Quatro regiões da África
tropical foram objecto de particular atenção: a costa da Guiné na
África ocidental; a região do Baixo Zaire e de Angola; o vale do
Zambeze e as altas terras vizinhas; e, por fim, a Etiópia. Nessas
regiões, durante os séculos XVI e XVII, houve uma considerável
penetração em direcção ao interior. Mas, como no caso dos
escritores antigos, clássicos ou árabes, o resultado não foi sempre, e
em geral não de forma imediata, a produção de obras de história da
África.

Sumário
Nesta unidade foi tratada os primeiros escritos sobre África,
relativamente à Historiografia. Dentre tantos aspectos destaca-se a
predominância de escritores árabes sobre a História de África.
Além disso, há um destaque especial a pesquisador Ibn Khaldun,
como tendo sido um homem cujos escritos foram importantes para
a História de África, apesar da inexistência de fontes.

Exercícios
 Que regiões de África foram tidas como pioneiras em
termos de abordagem historiográfica?
 Comente a contribuição árabe para a historiografia africana
 Refira-se à figura de Ibn Khaldun para a história de África
90

 Faça um texto explicando as primeiras abordagens da


historiografia africana
Auto-avaliação
91

Unidade XVIII

AS POTENCIALIDADES DA
HISTORIOGRAFIA AFRICANA

Introdução

Nesta unidade, serão apresentados os aspectos fundamentais sobre


a tradição oral. Dentre vários serão considerada a preservação de
fontes.

Constituem objectivos desta unidade:

 Conhecer as características da tradição oral;


 Explicar a importância da tradição oral para a história.
Objectivos

18.1. A TRADIÇÃO ORAL:


Conceitualização e Particularidades
Define-se como tradição oral à forma de transmitir desde tempos
anteriores a cultura, a experiência e as tradições de uma sociedade
através de relatos, cantos, orações, lendas, fábulas, conjuros, mitos,
contos, etc. Transmite-se de pais a filhos, de geração a geração,
chegando até nossos dias, e tem como função primordial a de
conservar os conhecimentos ancestrais através dos tempos.
Dependendo do contexto os relatos podem ser antropomórficos,
teogónicos, escatológicos, etc.

Desde épocas remotas no que o homem começou a se comunicar


através da fala, a oralidade tem sido fonte de transmissão de
conhecimentos, ao ser o médio de comunicação mais rápido, fácil e
utilizado. Esta forma de transmissão costuma distorcer os factos
com o passo dos anos, pelo que estes relatos sofrem variações nas
maneiras de se contar, perdendo às vezes seu sentido inicial.

A tradição oral tem sido fonte de grande informação para o


conhecimento da história e costumes de grande valor em frente aos
92

que têm defendido a historiografia como único método fiável de


conhecimento da História e da vida.

As fontes orais sempre têm sido tomadas com prevenção pelos


historiadores, e submetidas a crítica documental, ainda que desde o
princípio da história como ciência se utilizaram.

Dantes do desenvolvimento da escritura, a tradição oral, os mitos,


os ritos, os costumes e a cultura material eram os únicos meios para
a transmissão de informação de uma geração a outra.

Apesar de que o surgimento da história na Grécia (Heródoto,


Tucídides) manejava fundamentalmente depoimentos orais e o
continuou fazendo durante a época romana (Estrabón) e a Idade
Média (Froissart), ocorria mais bem que o historiador redigia suas
próprias memórias. A preponderância da utilização do registo
escrito de historiadores precedentes (fontes secundárias) ou de
registos escritos sem uma finalidade necessariamente histórica
(fontes primárias de todo o tipo) é consubstancial à tarefa do
historiador.

As citadas prevenções e usos profissionais dos historiadores


provocaram que a certificação a profissionalização e a
institucionalização da disciplina deixassem claramente relegadas as
fontes orais, vinculadas desde finais do século XVIII aos estudos
folclóricos, considerados interessantes pela filologia e a
antropologia (por exemplo, os irmãos Grimm na Alemanha). A
vinculação da história oral com as capas populares da sociedade ou
com as culturas que não conhecem a escritura segue sendo
evidente. Isto pressupõe que
"Com frequência, o objectivo declarado de muitos
pesquisadores é dar a palavra a quem não têm voz para resgatar do
passado a experiência de maiorias silenciosas ou silenciadas, pois
as elites (políticas, económicas e intelectuais) têm tido mais
oportunidades para manifestar ideias e legar depoimentos. Neste
aspecto, as fontes orais são muito úteis para pesquisar a história
familiar na medida em que oferecem vivências de gente corrente".

O envolvimento do historiador com o tema (habitualmente muito


emotivo) e com as pessoas que são suas fontes pode constituir um
problema de subjectividade, que como em todos os casos, deve
tentar compensar com a preocupação por manter a objectividade
científica, que realmente é não é um frio e impossível afastamento,
senão a consciência da intersubjectividade.

A partir dos History Workshops da década de 1960, e historiadores


como Paul Thompson, Phillippe Joutard e Ralph Samuel, a história
oral ligada a tradição oral se estendeu a outros países como Itália
93

(Luisa Passerini para a memória do antifascismo em Turín) ou


Argentina (Doura Schwarzstein o exílio republicano espanhol).

A institucionalização da disciplina se verificada em publicações


periódicas como História e fonte oral , Storia orale, Oral History e
arquivos como o Arquivo da Palavra, em México, e o Arquivo oral
da Universidade de Buenos Aires ou o Arquivo oral do Instituto
Dei Tella na Argentina.

18.2. Metodologia da história oral


A diferença nas fontes exige do historiador uma renovação do
aparelho metodológico, e inclusive da utilidade técnica técnico.
Como a principal ferramenta de obtenção de dados é a entrevista, é
seu registo adequado a primeira preocupação do pesquisador. O de
menos quiçá é o procedimento técnico que pode sofisticar-se a cada
vez mais com a sofisticação dos suportes (os tradicionais apontes e
as gravações magnetofónicas dos anos 1970 ou as gravações em
vídeo).

O historiador-entrevistador deve tentar influir o menos possível à


hora de recolher os depoimentos, pois se não se produz uma
alteração evidente dos mesmos: a utilização de conceitos,
categorias ou até factos ou interpretações dos factos que o
entrevistado tem obtido de seu contacto com ele e não de sua
experiência pessoal. É lógico que qualquer entrevistado tenha
tendência a contar o que acha que seu entrevistador espera ouvir
dele. A tarefa propriamente historiográfica e interpretativa, que
corresponde ao historiador, tem de ser posterior, depois de ter
reunido um corpus suficiente de material, que deve utilizar com
respeito, mas sem renunciar à crítica, como a qualquer outra fonte
documental. Assim mesmo, devem contrastar-se as fontes e não
renunciar à utilização como apoio de outras especialidades
históricas.

Como estratégia educativa, os docentes da área de Ciências Sociais


(não só no meio universitário senão também nos ensinos médios)
podem utilizar à história oral como recurso para o estudo o passado
recente. Esta metodologia acerca aos jovens às práticas de
investigação e permite-lhes participar activamente do processo de
aprendizagem. O envolvimento do aluno (em muitas ocasiões
através de sua família) no tema concreto que se está a estudar
propõe ademais o problema da objectividade e a subjectividade nos
estudos históricos. A entrevista de história oral é o recurso
mediante o qual o aluno-entrevistador (neste caso) recupera as
experiências armazenadas na memória dos entrevistados e as
regista em uma gravação. Portanto, na entrevista participam tanto o
entrevistado como o entrevistador; este último “procura”, na
94

memória individual do entrevistado a partir de um questionário em


cuja elaboração participou em forma activa e consciente.

A tradição oral origina-se do primórdio dos tempos, quando ainda


não havia a escrita e os materiais que pudessem manter e circular
os registos históricos, e na actualidade própria das classes iletradas,
a tradição oral tem sido, contudo, muito valorizada pelos eruditos
que se dedicam ao seu estudo e compilação (os contos dos Irmãos
Grimm, por exemplo), ao considerarem que é na tradição oral que
se fundamenta a identidade cultural mais profunda de um povo.
Supõe-se, por exemplo, que a Ilíada e a Odisseia de Homero
foram, inicialmente, longos poemas recitados de memória. No
romantismo voltou-se a valorizar estes temas, como é visível, por
exemplo, nas Lendas e Narrativas, de Alexandre Herculano, em
Portugal. Exemplos contemporâneos de momentos da tradição oral
podem ser consultados no site do Projecto Memoriamedia.

O folclore também é visto como fonte rica para a tradição oral. Se


pensarmos nas inúmeras versões que existe dos contos, fábulas,
lendas em todo mundo, concluí-se o quanto a oralidade é
importante na historicidade do ser humano e até mesmo
antropologicamente.

Sumário
A tradição ral constitui uma realidade muito importante na História.
Desde os tempos remotos, a tradição oral foi um veículo de preservação
da história de vários povos, com realce para os povos sem escrita.

Exercícios

3. Explique a Tradição oral.


95

Contextualize o aparecimento da tradição oral


Auto-avaliação
Refira-se a importância da tradição oral para a história
96

Unidade XIX

Historiografia Moçambicana

Introdução
Esta unidade trata da historiografia de Moçambique e procura
relatar alguns pontos importantes relativamente a este país. Ao
terminar esta unidade deverá ter alcançado os objectivos a seguir:

Objectivo Geral

 Compreender as características da historiografia moçambicana


e suas tendências;

Objectivos Objectivos específicos

 Identificar os desafios colocados pela historiografia


Moçambicana.
 Destacar os períodos da historiografia moçambicana.

19.1. CARACTERÍSTICAS DA HISTORIOGRAFIA


MOÇAMBICANA

A historiografia de Moçambique pode ser percebida como a


concepção e o modo de fazer história em Moçambique. A mesma
pode ser estudada ou analisada sob ponto de vista diacrónico.

Assim, pode-se encontrar características peculiares da historiografia


em fases distintas. Esta concepção é defendida por José Capela
(1991), numa abordagem analítica da história em Moçambique.

Assim, distingue-se:

-Abordagem da História do período de 1975 a 1990:

-Abordagem da História do período pós 1990.


97

É de salientar que estas datas não são estanques e por conseguinte


não encerram uma visão absolutamente fechada. Porém, as
características comuns da concepção da História transmitem o
agrupamento nesse sentido.

A abordagem da História desde 1975 a 1990, enquadra-se no


contexto político, marcado pela independência nacional, portanto, o
nascimento de uma nação. Notabilizou-se, neste contexto, a ligação
profunda do governo moçambicano às ideologias marxistas-
leninistas. Uma vez que, independência de Moçambique era vista
como Revolução Socialista de Moçambique, enquadrada na visão
ideológica supracitada e ligada aos pressupostos patrióticos, a
história teve que ser o veículo de consolidação dos valores da
independência e da nação. Deste modo, ela caracterizava-se pela
defesa da criação do Homem novo, e estava ao serviço directo do
estado Moçambicano e fundamentalmente à nação. Neste sentido
pode-se afirmar que a situação foi semelhante ao cenário ocorrido na
Europa na época moderna. Entretanto, investigação não é muito
profunda, sobretudo no que diz respeito a cultura, religião e a
economia de Moçambique.

Em todo o caso, surge uma tendência de trazer fundamentalmente a


História política, numa abordagem cujos temas aparecem com uma
certa superficialidade e naturalmente com espaços para ser
enriquecida.

Em termos de material escritos, destacam-se os cadernos de história,


o lançamento da obra de História da Universidade Eduardo
Mondlane, intitulada História de Moçambique Volume I. entre vários
ensaios do departamento de História.

No que diz respeito a pesquisadores da História de Moçambique


destaca-se Carlos Serra, Aquino Bragança, António Rita Ferreira,
José Capela, João B. Coelho, entre outros.

Contudo, a história de Moçambique também foi estudada por


indivíduos não moçambicanos, e que segundo alguns autores
apresentaram alguma profundidade nos seus trabalhos relativamente
aos pesquisadores moçambicanos, A justificação prende-se ao
contexto político-histórico vivido em Moçambique. Neste sentido,
destacam-se Malyn Newitte, Rene Pellessier, Gerhard Liesegang,
Bertil Egero e dupla Abrhamson E Nilson entre outros.
98

Porém, depois da década 90, com a assinatura dos Acordos de Roma,


a entrada em vigor da constituição de 1990, em suma, um novo
contexto político, a situação da historiografia de Moçambique, sofreu
algumas alterações. Surgem mais estudos de pesquisadores
moçambicanos. Mas em termos de linha educacional, continuou-se a
ensinar mais a história política do que as outras áreas de
conhecimentos, nomeadamente económica, social e cultural. Assim,
surgiram interessantes pesquisas em História, elaboradas por Arlindo
Chilundo, Joel das Neves Tembe, Luís Covane, David Hedges,
Amélia Souto, Benigna Zimba, Luís Filipe Pereira, Hipólito
Sengulane, Alda Saúte, dentre outros por publicar. Convém realçar
que estes estudiosos tiveram e têm uma contribuição extremamente
valiosa para a história de Moçambique.

No entanto, há ainda muitos aspectos por se estudar em


Moçambique, alguns dos quais deixam transparecer ser bastante
sensíveis. Neste sentido, temas como a Luta de Libertação, os heróis
de Moçambique, os reaccionários e revolucionários, Morte de
Eduardo Mondlane e de Samora, a guerra dos 16 anos, são assuntos
que aparecem na actualidade cobertos de muitas questões? Todavia é
preciso ter em conta que a historiografia de Moçambique assenta-se
nos pressupostos epistemológicos da ciência histórica e que apesar de
novos dados que aparecem, a investigação deve ser aprofundada e
não ser tomada de ânimo leve.

Nos últimos anos, o ARPAC-instituto de investigação sócio-cultural,


tem levado a cabo uma série de estudos sobre os heróis. Trata-se de
um trabalho bastante salutar.

Entretanto, urge criar-se um debate epistemológico sobre a história


de Moçambique. Esta classe dos historiadores parece não existir em
Moçambique. Os trabalhos quase que não são reeditados. Aliás,
deve-se referir que a história não se confina aos assuntos políticos.

Sumário
Moçambique é um estado em que a produção Historiográfica teve o
seu trajecto, mas ainda precisa de ser aprofundada e estruturada.
Nesta unidade foram destacados alguns pontos sobre a valorização
do pensamento histórico em Moçambique, bem como as áreas que
precisam de ser ainda estudadas.
99

Exercícios
1. Quais são as fases de abordagem
historiográficas existentes em
Moçambique?
2. Indique s estudiosos da Historiografia
moçambicana
100

Actividade de Auto avaliação

Comente em torno da tendência da historiografia de Moçambique,


tendo em conta a componente epistemológica que a estudou
Auto-avaliação
101

Unidade XX

As tendências do pensamento
histórico da actualidade

Introdução
Nesta Ultima unidade, é tratada a abordagem sobre as tendências
actuais da história e focaliza concretamente a construção do saber
Histórico. Será que ainda se segue as ideias da Nova História. Será
que surge um novo termo? Qual é a situação pela qual a História
tem estado a passar? Ao terminar esta unidade deverá ter alcançado
os objectivos a seguir:

Objectivo Geral

 Conhecer as novas tendências historiográficas.

Objectivo específicos
 Contextualizar as novas tendências historiográficas;
Objectivos  Explicar a possibilidade de aplicação da micro-história na
historiografia africana e moçambicana

20.1. AS NOVAS TENDÊNCIAS HISTORIOGRÁFICAS

Sem dúvida a questão da verdade "na" história e "sobre" a história


é uma das trazidas ao primeiro plano pela análise do discurso. A
verdade deve ser restaurada como uma das especificidades do
discurso histórico, perante a pretensão de uma história-ficção. Na
historiografia de hoje como na mais antiga, nada menos
problemático do que essa questão. O que não é pouco, pois — com
a abundância e a variedade das fontes — há, por assim dizer, mais
"história" do que antes.

Verdadeiramente nunca se dispôs de tantos livros de história como


depois da segunda guerra mundial, com forte incremento a partir
102

dos anos sessenta. Nunca os historiadores produziram tanto


"stultifying trivial", como julga o historiador tradicional J. H.
Hexter, em que se teria perdido muito do "rigor and sophistication
of method". Parece claro, certamente, que a nova busca de novos
modelos de historiografia é também uma das presenças sentidas
numa época em que as buscas, e nem sempre as descobertas, são o
que caracteriza inconfundivelmente o panorama.

Neste contexto destacam-se três propostas que merecem,


seguramente, consideração especial: a da micro-história, a da
história sócio-estrutural e a da história sócio-cultural.

A micro história e a nova história cultural, que têm relação


explícita com diversas das ideias e posições do pós-modernismo, e
a "ciência história sócio-cultural", expressão de ampla abrangência
introduzido por Christopher Lloyd para abarcar a proposta
historiográfica que se reclama dessas três esferas: ciência, história,
sociedade e cultura (cf. Lloyd 1996).

O certo é que nenhuma nova historiografia parece deixar de


reconhecer a influência de uma sorte cultural, o que representa uma
nova concepção teórica abrangente da história como ciência
integradora dos factores de constituição da identidade subjectiva e
objectiva dos agentes racionais humanos, individual e
colectivamente

Deste modo, há uma supervalorização da componente cultural e


uma abordagem mais circunscrita da História

Sumário
Nesta unidade destaca-se fundamentalmente que depois de uma
evolução do pensamento histórico, o qual determinou a existência
de métodos e técnicas, surgem novas abordagem. Neste sentido, a
micro-história é vista como uma das novas abordagem na qual se
valoriza um estudo mais confinado a espaços reduzidos sem se
perder de vista a essência da ciência histórica.
103

Exercícios

Explique a micro-história Mencione as tendências actuais


relativamente a história.

Faça um comentário usando exemplos concretos em torno das


tendências estudadas.

Auto-avaliação
104

Referências Bibliográficas
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