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DIVINAS AVENTURAS
HISTÓRIAS DA MITOLOGIA GREGA.

ESCRITO POR HELOISA PRIETO


ILUSTRADO POR MARIA EUGÊNIA

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DE UMA LONGA
HISTÓRIA FAÇAMOS UMA PEQ!JENA

C om certeza, você já ouviu falar da Grécia, aquele país europeu banhado


pelo mar Mediterrâneo. Mas e daquela outra Grécia,bastante afastada na história
e que foi o berço de uma das maiores civilizaçõesque a humanidade conheceu,
alguém já ouviu falar? Bem, vamos por partes. Foi por volta de 2000 a. C. (antes
do nascimento de Cristo) que surgiu essa região hoje reconhecida como Grécia,
a qual se formou a partir da invasão de uma série de povos invasores, que se espa-
lharam primeiro pelo continente e depois pelas ilhas ao redor.
Pouco se sabe sobre esse período e as principais fontes históricas são atribuí-
das a um poeta chamado Homero, que nos legou duas grandes obras: a Jlíadae a
Odisséia.Enquanto a primeira trata das guerras da época, a segunda narra as peripé-
ciasde Odisseus (Ulisses),rei de Ítaca. O que importa é entender que foram vários
os povos que ajudaram a formar essa civilização:helenos, aqueus e mais tarde os
p dórios e os jônios, só para citar os grupos mais relevantes.
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Que tal falar agora da localização dessa Grécia? Afinal, os limites geográfi-
cos dos países estão sempre se alterando. Então vamos lá: a Grécia antiga -
chamada Hélade, pelos antigos gregos (daí vem o nome da civilização helêni-
ca) - ocupava o Sul da península dos Bálcãs, as ilhas dos mares Egeu e Tônio
e o litoral da Ásia Menor. A Grécia européia, por sua vez, dividia-se em três re-
( )
o giões:a Grécia continental, a Grécia peninsular e a Grécia insular.
Você já deve estar notando que a Grécia não era uma nação igual às que
hoje conhecemos, consistindo numa série de cidades independentes que tinham
em comum apenas a sua língua, sua cultura e uma grande mitologia. No início
essascidades viviam da agricultura e do pastoreio; mais tarde desenvolveram-se
o artesanato e o comércio, e foi nesse período, também, que começou a escra-
vidão - já que os povos inimigos vencidos nas batalhas tomavam-se cativos -,
assim como estouraram diversas guerras civis, que levariam, anos depois, à
decadência da civilização grega.
Mas é melhor esperar um pouco: tudo tem um começo, um meio e um final.
Quetal falaragorade algunselementostípicosdas cidadesgregas?A Acrópole
(acro= alto) representavao centro da cidade e se situava numa colina bem alta, que
abrigava,ainda, a residênciado rei (basileus)e o templo das divindadeslocais.A
parte baixa da cidade, juntamente com a Acrópole, constituía a pólis.Havia tam-
bém a ágora,que era uma espécie de centro de reunião da população. Além disso,
apesar de não serem muito grandes, essas cidades tinham ginásios de esportes,
fontes para o abastecimento de água e teatros (que no século v a. C. conhece-
ram autores importantes como Ésquilo, Sófocles e Eurípides).
Dentre as várias cidades gregas, duas se destacaram: Espartae Atenas. Esparta
dominou a região a partir de IXa. C. e impôs uma cultura militar a seu povo.
Atenas, cujo período de glória ocupou o século v a. c., nos deixou um dos
maiores exemplos de luta pela democracia e pela cidadania. Ou seja, estamos
falando da faculdade que todos nós temos, de lutar pela igualdade de direitos
e pelo acesso ao lazer, ao trabalho, enfim, à vida.
Mas essa história nos levaria muito longe e, no momento, o que precisamos
saber é que por volta do século N a. c., achando-se os campos devastados pelos
conflitos, o comércio prejudicado pela concorrência de outros povos, e o exérci-
to composto por mercenários - isto é, profissionais que eram deslocados de
outros lugares para defender as cidades -, a Grécia enfraqueceu-se, sendo facil-
mente vencida por potências como a Macedônia e mais tarde Roma. Pode-se
dizer que as civilizações são como as pessoas: nascem, conhecem seu apogeu e
depois morrem; ou melhor, descansam e deixam muitas lembranças.

CULTURA NA GRÉCIA: CONVERSANDO COM OS MITOS

Se alguém lhe disser que existem povos superiores a outros, DUVIDE. O que
existem são povos DIFERENTES entre si, com desejos e intenções variadas. Na ver-
dade, a maioria das nações faz de tudo um pouco, mas determinados aspectos
recebem mais ênfase: algumas apostam na tecnologia, outras nos rituais; algu-
mas investem tudo no comércio, outras se especializam na análise das plantas;
e outras, ainda, "nascem com o desejo de cultura". Os gregos tinham uma
"queda" pela cultura e por isso mesmo a desenvolveram até não mais poder: no
teatro, na arte, mas sobretudo na religião e em seus mitos.
Você sabe o que é ser politeísta?Significaacreditar em muitos deuses. E é isso
que faziam os povos gregos.Julgavamque seus deuses eram os senhores do céu e
da terra e que habitavam em um monte Olímpico, que depois recebeu o nome
de Olimpo. Por outro lado, essesdeuses eram todos antropomorfos, ou seja, tinha~
forma humana, sentimentos, virtudes, mas também carregavam suas fraquezas.
E era com eles e entre eles que se desenvolviam mitos e mais mitos. E o que é
um mito? Imagine uma bela história. Pense agora num enredo cheio de cenas
fantásticas. Essassituações aparentemente desligadas da sua vida dialogam não

J
com sua experiência imediata, mas com os seus problemas e com suas inquie-
tações mais profundas. E tem mais: repare que essa mesma história faria sentido
para todo o seu grupo de amigos. Pois o mito é quase isso, com a diferença de
que ele é sempre coletivo. Cada povo tem suas próprias contradições e, em vez de
só se lamentar, acaba criando. Pois é, a humanidade não se contenta apenas em
sobreviver,gostamos de pensar sobre a realidade, imaginar e criar símbolos.
Mas assim como nas histórias que você lê - as quais trazem heróis fortes ou
fracos,pessoas inteligentes e poderosas e outras tão desfavorecidas-, também nos
mitos gregos as personagens se repetem, e guardam uma clara divisão de áreas de
atuação.Vocêverá como existe uma hierarquia entre essesdeuses e cada um à sua
maneira cumpre funções definidas: Zeus era o senhor todo-poderoso do céu e
da terra. A ele, seguiam-se Hera, irmã e mulher de Zeus; Peboou Apoio, deus do
Sol e protetor das artes; Ares, deus da guerra; Hefaísto, ferreiro dos deuses;
Hermes,o mensageiro do Olimpo e deus do comércio; Posêidon,deus do mar;
PalasAtena, deusa da sabedoria; Afrodite, deusa do amor e da beleza; Deméter,
deusa da agricultura; Ártemis, deusa da caça; Héstia,deusa do fogo; Dioniso,deus
do vinho; e Hades, soberano das profundezas. Além dessas personagens, havia
ainda os heróis e as Musas, que eram considerados divindades menores, mas
nem por isso desempenhavam papéis menos importantes nos enredos.
São muitos nomes e variadas as histórias que revelam como entender a
mitologia grega, é como adentrar um recinto que tem várias portas: todas levam
ao lugar certo - o mito está sempre onde deve estar -, mas são diferentes os
lugaresa que se pode chegar.
Seu desafio de agora em diante não é tão fácil como parece. Afinal, a estru-
tura dos mitos não segue a mesma linguagem do nosso dia-a-dia. Não tem
seqüência, às vezes até parece não ter lógica, e guarda uma moral diferente
daquela a que estamos acostumados. Mas, tal qual a lembrança desorganizada
dos nossos sonhos, que mal-e-mal reconhecemos pela manhã, assim são os
mitos:falam mesmo quando parece que nada dizem. É só se deixar levar.
Mitos são bons para pensar. Iluminam nossa história pessoal e coletiva,
nossosmedos e desejos e conversam sobre eles por meio de imagens e de ale-
gorias.Os mitos gregos, ao falar de si próprios, falam muito de nós mesmos.
Afinal,nosso mundo também está cheio de mocinhos e vilões que fazem parte
da televisão e do cinema mas estão também na imaginação de cada um, e,
muitasvezes, até parece que moram bem embaixo dos nossos travesseiros.
Vamosao convite.Agora que você já conhece tantos heróis e tantos conceitos,
levetudo na bagageme é só embarcar nessaviagem.Sozinho ou acompanhado você
verácomo a história grega pode ser, ao mesmo tempo, tão antiga e tão moderna.

Lilia Moritz Schwarcz

9
No LABIRINTOSECRETO
DOS MITOS GREGOS

~ são realmente esses famosos deuses gregos? Foi o que me


perguntei quando decidi falar a vocês sobre os mitos da antiga Grécia.
Consultei vários livros, alguns especialistas, mas tinha a impressão de
que, quanto mais eu lia, menos eu aprendia. Havia tantas versões para cada
história... Qual seria a mais verdadeira?
Eu estava assim indecisa quando ouvi o som da televisão que meus filhos
haviam ligado na outra sala. Passei a pensar no que eles andavam assistindo:
Super-Homem, Cavaleirosdo Zodíaco, Batman... De repente, percebi que esses
filmes têm muito dos antigos mitos gregos: o Super-Homem, por exemplo,
me lembrou ApoIo, com sua força e beleza; a Mulher-Maravilha, notei que é
bastante parecida com a deusa Ártemis, ambas lindíssimas guerreiras; a
esperteza de Batman me recordou a de Hermes, o deus mensageiro. Acabei
concluindo que todas as histórias são novas e velhas ao mesmo tempo.
Vou tentar explicar esse quase-mistério: quando uma história nasce, é
como se ela fosse feita de muitas camadas. Certos trechos têm o poder de
reavivar a época em que a história foi criada; outros dão origem a outras
histórias.
É como quando as pessoas sentam ao redor de uma mesa e uma delas
começa a contar uma história de assombração. Todo mundo quer partici-
par e passa a contar os casos que conhece. E cada caso é um caso, embora
todos sejam meio parecidos.
Podemos ainda comparar a música, que tem seus temas e variações,
com os mitos: nestes também os temas parecem se repetir, só que em cada
história surge uma novidade, uma variação, e sentimos vontade de voltar ao
início e lê-Ia mais uma vez para entender melhor o todo.
É claro que os criadores dos super-heróis de nosso século leram muita
mitologia grega. Os monstros, os poderes fantásticos dos deuses, os mun-
dos secretos, como o Olimpo: tudo isso está presente nas nossas aventuras
modernas e interplanetárias.
Quando percebi tudo isso, as histórias começaram a existir dentro de
mim. Convidei os deuses para que se apresentassem a vocês e contassem a
sua própria versão de cada aventura.
É ler para conhecer.

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ATENA

Meu nome é Atena.


Sou a deusa da sabedoria.
Nasci à margem do lago Tritônio, na Líbia.
Sou filha de Zeus, o deus do universo, e de Métis, a deusa da prudência.
De meu pai, herdei o poder da luz e do cosmos; de minha mãe, recebi a
força do pensamento.
Nasci guerreando. Meu corpo é veloz, minha lança é mágica e a mira
perfeita.
Vivo no Olimpo, o reino das nuvens, o universo eterno mas invisível
que paira em torno do mundo dos homens.
Há quem pense que desapareci. Mas, enquanto existirem crianças, en-
quanto os homens forem capazes de fantasiar, estarei viva, usando minhas
armas e sabedoria para proteger os que têm coragem, ousadia e talento.
Foi por admirar a força da juventude e a pureza de espírito que resolvi
ajudar Perseu, o mais nobre de todos os jovens guerreiros da antiga Grécia.
Tudo começou inesperadamente, no meio de uma festa.

o DIA EM Q1JE VI PÉGASO NASCER


Eu costumava observar Perseu do alto do Olimpo e acompanhar seu
treinamento de guerreiro. Ele era jovem, veloz, esperto, mas gostava de ten-
tar fazer coisas além de suas forças.
Convidado para jantar na casa do rei, Perseu decidiu que precisava
impressioná-Io. E declarou, diante de todos os convidados, que arriscaria
a vida para matar Medusa, minha monstruosa inimiga, a criatura gigan," ATENA
tesca que destruía todos os que se atrevessem a entrar em seu. esconderijo Deusa da
nas cavernas. sabedoria
Medusa era o nome de uma das três cabeças das górgonas que habi- Protegea luz
tavam o corpo de um enorme dragão. Suas patas mortais eram de bronze, e e o cosmos.

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as pequenas asas, de ouro. Seu olhar era tão poderoso que transformava ho-
mens em estátuas de pedra. Para vencê-Ia seria necessária muita força, agili-
dade e toda a proteção do mundo.
Quando me contaram que Perseu havia se oferecido para enfrentar a
fera, admirei sua coragem e resolvi ajudá-Io. Assim que a luta entre ambos
foi marcada, tive uma idéia: chamei à minha presença Hermes, meu irmão,
o mensageiro dos deuses, e juntos nos revelamos a Perseu. Nós lhe dissemos
que precisávamos estar ao seu lado durante a luta e que, caso desejasse a
vitória, deveria obedecer às nossas ordens.
Primeiro lhe pedimos que procurasse as ninfas, as jovens mágicas dos
lagos e rios, pois elas o amavam e fabricariam uma arma especial para ele.
Perseu obedeceu, e das lindas ninfas ganhou sandálias aladas, uma sacola
mágica e um capacete que lhe conferiu o poder da invisibilidade.
Hermes, achando que Perseu necessitava de mais uma arma, ofereceu-
lhe uma lança, leve e cortante como a minha. Quanto a mim, resolvi acom-
panhá-Io pessoalmente e lutar ao seu lado caso fosse preciso.

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No dia do combate, desci até a gruta do monstro e me escondi num
canto. O lugar era repugnante. A fera exalava um cheiro horrível, o ar esta-
va úmido e pesado, por todos os lados eu via estátuas de pedras, na verdade
os corpos dos guerreiros assassinados por Medusa e suas irmãs.
A entrada de Perseu foi inesquecível. Ele rasgou os céus como uma
águia. Rapidamente aplicou um golpe certeiro no monstro e cortou uma de
suas cabeças. Sangue verde espalhou-se por toda a caverna, e as duas cabeças
restantes começaram a urrar. Ainda voando, Perseu afastou-se e, em segui-
da, apontou sua lança contra a segunda cabeça. Ela também caiu por terra.
Só que, qua~do isso aconteceu, uma das patas do monstro o atingiu e Per-
seu perdeu o equilíbrio. Seu capacete despencou no chão e ele imediata-
mente se tornou visível.
- Ah! Jovem atrevido! - gritou a Medusa com sua voz grossa e tene-
brosa. No ar, Perseu voava em círculos, mantendo-se de costas para o mons-
tro. Ele sabia que, caso a fitasse nos olhos, se transformaria numa estátua.
- Agora você não me escapa!
Percebi que precisava entrar em cena. Lembrei-me de que tinha um escu-
do comigo. Gritei:
- Perseu! Apanhe o escudo, proteja-se!
Recuperando as forças Perseu agarrou meu escudo no ar. Ele havia sido
forjado pelas ninfas. Sua superfície brilhava com a limpidez das águas e
refletia imagens como um espelho. Empunhando-o, Perseu desafiou a fera:
- Olhe para mim, criatura medonha!
Quando ela percebeu o truque, era tarde demais. Perseu levantou o escu-
do na altura da cabeça do monstro. Assim que Medusa olhou para a própria
imagem refletida em sua superfície polida, sentiu o corpo todo enrijecer-se
e transformar-se numa gigantesca estátua acinzentada.
Perseu desceu ao solo e eu o amparei. Ele se recostou contra a parede e,
ao seu lado, presenciei uma das mais belas cenas de minha longa vida de
deusa. Do sangue verde e viscoso das horríveis górgonas saiu uma luz
dourada e brilhante que aos poucos foi tomando forma. Lentamente foram
surgindo os contornos de um maravilhoso cavalo alado.
O magnífico animal aproximou-se de nós e abaixou a cabeça, balan-
çando a crina ondulante e prateada como se nos cumprimentasse. O nome
Pégaso estampou-se em minha mente e eu o acariciei. Em seguida, Perseu
montou no dorso do animal para que este o levasse até seu rei. Perseu pro-
metera entregar-lhe a cabeça cortada de Medusa.
E que espanto meu jovem amigo causaria ao mostrar aos gregos seu
luminoso animal e seu novo escudo, com a face tenebrosa de Medusa eter-
namente marcada em sua superfície mágica!

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H ERME S

Meu nome é Hermes.


Sou o deus da palavra, das viagens, do comércio e da música.
Acompanho os viajantes em suas jornadas. Revelo-me aos homens por
meio de seus sonhos, de sua música e de sua escrita.
Quem se perde pelos caminhos da Terra e da vida, deve fazer uma pausa
e chamar por mim. Posso surgir no meio de um cruzamento na estrada, ou
no momento de uma indecisão, para apontar a direção certa a seguir.
Nasci numa quarta-feira, dentro de uma caverna no monte Cilene.
Meu pai é Zeus, o deus do universo, e minha mãe Maia, a mais bela
ninfa das montanhas. Sou meio-irmão de Atena., por quem tenho muito
afeto e admiração; juntos protegemos os herÓis da humanidade como
Perseu, Hércules e Ulisses.
Minha primeira aventura aconteceu quando eu 'ainda era quase um
bebê. Por causa dela fui chamado de falso, ardiloso, o deus da mentira. Mas
nada disso é verdade. Vou contar-Ihes exatamente como tudo se deu.

COMO INVENTEI A LIRA E A FLAUTA

Quando nasci, senti que atavam meus pequenos braços e pernas pen-
sando que assim eu dormiria tranqüilo em meu berço. Mas sempre detestei
a imobilidade. Deus do vôo e das viagens, não suportava ficar preso um
minuto sequer. Assim que me vi sozinho, me debati até libertar-me das
ataduras. HERMES
Fugi de meu quarto e corri para os campos, onde meu irmão ApoIo cui- Deus das
dava de um rebanho de gado. Lembro-me muito bem da sensação indes- invenções e
critívelde liberdade que experimentei ao deslizar pelos prados verdes com da criatividade
o vento acariciando meu rosto e balançando meus cabelos. Amo a veloci- Protege a escrita,
dade, a rapidez, deus algum jamais foi capaz de movimentar-se com a as viagens
mesma agilidade que eu. e a música.

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Quando ApoIo me viu, pareceu feliz. Brincamos um pouco e me diverti
bastante. Ele me ensinou o nome dos animais, seus hábitos, os segredos do
ofício de pastor. Fiquei encantado com seus animais. Eu os desejei para
mim. Mas não queria roubá-los de meu irmão, como disseram mais tarde.
O problema é que ApoIo sempre foi um deus distraído. E quando Hime-
neu, seu melhor amigo, veio visitá-lo, ele simplesmente se esqueceu de uma
parte do rebanho. Eu não podia deixá-l os daquele jeito: os pobres animais
se perderiam pelo pasto, e foi por isso que resolvi levá-los comigo. Reuni
doze vacas, cem novilhas e um touro.
Prendi um galhinho na cauda de cada animal e conduzi o rebanho
através da Grécia até chegarmos a Pilos. Lá, sacrifiquei dois animais de meu
rebanho e fiz uma oferenda de doze partes de carne de vaca para os outros
deuses do Olimpo. Em seguida, guardei cuidadosamente meu rebanho num
local seguro, pedi aos deuses que eu havia homenageado que o protegessem
e regressei à gruta de Cilene, o monte onde nasci.
Quando cheguei, à entrada da caverna encontrei uma pequena tartaru-
ga. Ela me fitou nos olhos e disse:
- Hermes, olhe bem para mim. Trago na alma a melodia da música. Não
quero viver para sempre como um simples animal. Se você me tirar a vida,
prometo que lhe darei em troca os mais belos sons que já se ouviram na Terra.
Obedeci à pequena tartaruga e a matei. Joguei suas entranhas fora, lavei
seu casco e, por algumas horas, eu não soube o que devia fazer. Aquele casco
vazio não produzia som algum. Por que será que a tartarugazinha havia me
pedido que a sacrificasse?
Adormeci com seu casco no colo. Não me recordo bem como surgiu a
idéia. Não sei se foi de meus sonhos. Mas quando despertei eu sabia muito
bem o que deveria fazer. Apanhei as cordas que fizera com as tripas das
vacas que eu havia sacrificado. Depois as amarrei no casco da tartaruga, esti-
cando-as com toda a minha força. Ao tocá-Ias com os dedos para me certi-
ficar de que estavam bem atadas, percebi que produziam sons maravilho-
sos. A pequena tartaruga havia se transformado num instrumento musical.
Finalmente eu compreendia seu pedido. Chamei esse instrumento de lira e
me pus a tocá-lo por horas a fio. Anos depois, os homens inventaram um
outro tipo de lira que vocês, pequenos amigos, já devem ter visto em algum
lugar. No lugar do casco da tartaruga puseram uma barra torcida em forma
de U e nela esticaram as cordas. Não sei muito bem por quê, mas as ima-
gens de anjinhos que os homens começaram a pintar sempre os mostravam
sentados em nuvens tocando minha lira.
Mas agora voltemos a nossa história. Meu irmão ApoIo, que me busca-
--- -

va enfurecido pelos campos, não conseguindo me encontrar, foi até Zeus,


nosso pai, e pediu-lhe que me punisse por ter lhe tomado os animais. Só
que,como eu já disse, eu não os havia roubado. ApoIo os esquecera pelos cam-
pos e, sem mim, eles provavelmente não teriam sido capazes de sobreviver.
Na manhã seguinte, meu pai e meu irmão entraram na caverna absolu-
tamente furiosos comigo. Gritavam para que eu devolvesse os animais ao
rebanho de ApoIo. Quando os avistei, nem sequer respondi; estava muito
entretido com minha maviosa harpa.
Assim que ApoIo ouviu a doce melodia de meu novo instrumento, dese-
jou minha harpa mais do que qualquer outra coisa na vida.
- Se Hermes me entregar esta harpa, eu lhe darei em troca todo o meu
rebanho - declarou a nosso pai.
Cansado das disputas entre seus dois filhos, Zeus concordou imediata-
mente. Afinal, tinha assuntos bem mais sérios a tratar.
Depois desse acerto de contas, libertei meus animais nos pastos e, certo
dia, ao entardecer, inventei outro instrumento: a flauta. Eu observava as ár-
vores e a melodia do vento quando ele as movimenta. Pensei que, se eu
apanhasse um pedaço de madeira oca, bem fininha, e nela soprasse, seria
capaz de produzir um som musical. No início não deu muito certo, mas,
quando percebi que precisava fazer alguns furinhos na madeira para que o
ar pudesse atravessá-Ia, consegui, por fim, Foi maravilhoso!
ApoIo novamente se encantou com a música que eu tocava e, em troca
de minha flauta, ofereceu-me seu cajado de ouro. Mas eu não o aceitei.
Desejavaoutra coisa. Sempre sentira ciúmes de ApoIo porque ele era capaz
de prever o futuro. Eu já tinha observado que ele atirava pedras no chão,
examinava o desenho que formavam e dizia tudo o que estava para aconte-
cer.Eu já havia tentado fazer isso várias vezes, mas nunca tinha conseguido.
Portanto, ofereci-lhe minha flauta em troca desse conhecimento. ApoIo
aceitou no mesmo instante. Apanhou pequenos pedregulhos e me ensinou
a entender o desenho mágico que traçavam ao caírem no chão. Cada ângu-
lo indicava um acontecimento oculto no futuro. Eu sabia que o estudo da \ \.
adivinhação me ajudaria a evitar problemas, a tomar decisões, a mudar o '
curso de minha vida. Fiquei muito satisfeito com o que aprendi.
Mas quem ficou ainda mais contente foi Zeus. Vendo que eu era um ~"
menino capaz de tantas invenções, escolheu-me para ser seu mensageiro. 1\..;
Meupai sabia que adoro viajar, que sou infinitamente curioso e que tenho d..
enorme talento para aprender os diferentes idiomas dos homens. E é assim
que tenho passad,o os séculos: viajando, conversando, inventando novi-
dades e protegendo os seres cuja mente é inquieta como a minha.

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ApOLO
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Meu nome é ApoIo.


Sou o deus do Sol, do amor e da beleza. Sou também o protetor da
medicina, da poesia e das artes.
Meu filho, Asclépio, é o' deus da cura.
Minhas companheiras são as musas, jovens maravilhosas que trazem a
inspiração e as idéias aos humanos.
Nasci na ilha de Delos, sob uma palmeira. Tenho uma irmã gêmea,
Ánemis, a deusa da Lua e dos animais selvagens. Sou meio-irmão de Atena
e Hermes.
Ánemis e eu sempre fomos muito unidos. Ela nasceu primeiro, e era
uma criança tão forte e inteligente que auxiliou nossa mãe na hora de eu vir
ao mundo. Portanto, o primeiro rosto que vi na vida foi a maravilhosa face
de minha divina irmã, a protetora das florestas e das montanhas.
Passei o primeiro ano de vida afastado de minha família. Ainda bebê,
fui raptado por pássaros sagrados que me levaram até a ilha do vento norte,
que vocês agora chamam de Grã-Bretanha.
Quando voltei para os braços de minha mãe, Leto, e de meu pai, Zeus,
ambos ficaram tão felizes que sua alegria se espalhou pela natureza, as cigar-
ras e pássaros começaram a cantar, e as águas das fontes tomaram-se ainda
mais puras. Esse foi o primeiro verão da antiga Grécia. Passei a. ser muito
amado pelos homens, por trazer-Ihes a luz, as flores e o calor de meu sol.
Mas nem tudo o que vivi foi tão fácil para mim quanto fazer nascer flo-
res ou despertar o canto dos pássaros. Quando ainda era menino, nossa
mãe foi ameaçada pelo terrível Píton, o monstro que nascera do fundo da
terra e matava homens e animais destruindo rios e fontes. APOLO
Píton, além de feroz, tinha um aspecto horrível: era um dragão ~sverdea- Deus do Sol
do extremamente mortal. Sua função era proteger um oráculo, um reci- e da saúde
piente em que guardava as águas mágicas que lhe revelavam o futuro. Quer Protege a
dizer, usando o oráculo, Píton era capaz de adivinhar quando seus inimigos medicina, a
se aproximavam. Essa vantagem, aliada à sua força descomunal, o tomava poesia e as artes.

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invencível. Pensei que perderia a vida e não seria capaz de salvar nossa mãe.
Foi então que Ártemis resolveu ajudar-me. E nosso plano foi o seguinte...

MINHA LUTA CONTRA O DRAGÃO PÍTON

- ApoIo, sei que você ama a paz, a ordem, a sabedoria, mas, para vencer
um monstro tão destrutivo quanto Píton, é preciso usar de astúcia e fazer da
surpresa a melhor arma! - disse-me Ártemis quando nos encontramos
para decidir como salvar a vida de nossa mãe.
Observando seu belo rosto iluminado pelo lua~, era-me difícil acreditar
que minha pequena irmã pudesse ser uma guerreira tão formidável, já que
eu, mesmo menino, preferia a companhia das musas, a poesia e os cantos
às lutas, corridas e perseguições.
Olhei para o arco prateado de Ártemis e percebi que ele trazia a cur-
vatura da lua brilhando no céu. Se eu era adorado pelos homens, minha
irmã era venerada pelas crianças e animais, os quais protegia.
Vendo que eu continuava calado e pensativo, Ártemis prosseguiu:
- ApoIo, agora você terá que agir como um guerreiro. Apanhe o arco e
flecha que ganhou de nosso pai.
Vários animais ficavam ao redor de Ártemis sempre que ela sentava numa
clareira da floresta. Uma grande ursa parda aproximou-se de sua protetora e
montou guarda às costas dela. E foi exatamente essa ursa quem me deu a idéia.
- Ártemis, o dragão tem dois trunfos: a força física e o poder de anteci-
par o futuro. Pois então devemos transformá-l os em desvantagens. Quem é
forte, nem sempre se preocupa em ser rápido; quem se habitua a adivinhar
o futuro, muitas vezes se esquece do presente.
Minha irmã sor,riu diante do que eu dizia, aproximou-se e completou
meu pensamento:
- Nossas flechas são rápidas e posso tomá-Ias invisíveis. Nós o atacare-
mos à noite, quando a lua estiver sob ,meu comando. Mas como fazer para
que ele não adivinhe nosso plano?
- É simples, querida. Veja sua imensa amiga ursa. Quando ela deseja o
mel, tem que enfrentar as abelhas, não é? É por isso que a ursa a ama tanto.
Sabe que você, a deusa da natureza, pode pedir às abelhas que lhe cedam
uma parte de seu mel, não é? Pois bem, quero que envie .suas abelhas até a
sala do oráculo. Elas devem ser numerosas para que possam impedir a visão
das águas que refletem as cenas do futuro. Píton ficará
completamente desorientado. Ele esqueceu como se
raciocina.
Atacamos na noite seguinte, noite de lua cheia. Não havia tempo a
perder. Entramo~ separadamente no esconderijo da fera. Era parte de nossa
estratégia levar o monstro a pensar que enfrentaria apenas um adversário.
Quando Píton me avistou, minúsculo, aos seus pés, empunhando
somente um arco munido de uma flecha, soltou uma gargalhada maligna.
Arrastando o corpo acinzentado em minha direção, ergueu as garras
enormes no ar. Foi nesse instante que Ánemis surgiu do lado esquerdo do
dragão, envolta numa luz tão forte que ele cambaleou e recuou, assustado.
Acertei-lhe uma flecha no olho direito, e sua cauda cheia de escamas
começou a bater para cima e para baixo. Ánemis o atingiu no olho esquer-
do, dando-me tempo de preparar outra flecha. Eu o ataquei novamente,
mirando a garganta e depois o coração. O monstro despencou no chão de
seu esconderijo.
A terra estremeceu e o solo se abriu para que ele encontrasse um refúgio.
Era Hera, a deusa do ciúme, que vinha em auxílio da criatura. Mas eu o
persegui até o centro da Terra e o matei para que nem nossa mãe nem os
habitantes do monte Parnaso corressem mais perigo.
Quando regressei à superfície, encontrei minha irmã ao lado do orácu-
lo. Pela primeira vez fitamos as águas que refletiam o futuro e nelas vimos
a face de nosso pai. Zeus nos cumprimentou pela vitória e ordenou que
todo ano eu preparasse um banquete e jogos para celebrar o fim da tirania
do monstro contra os habitantes do monte. Assim surgiram as festas de
Delfos, com os jogos e competições em minha homenagem. Mais tarde,
essas festas foram chamadas de Olimpíadas e dedicadas a Zeus. Embora
respeite meu pai, jamais compreendi bem por que fui deixado de lado.
Afinal, sou o deus da beleza física.
Lembro-me que, no início, as Olimpíadas eram uma data especial para
os gregos. E havi~ de tudo nas festas: danças, poesia, música e competições
esportivas. Mas o tempo me fez justiça, pois, quando foram criadas as Olim-
píadas modernas, no ano de 1896, as festas se transformaram numa cele-
bração do esporte. E agora, séculos depois, vocês, humanos, ainda conti-
nuam a me alegrar com suas magníficas Olimpíadas, de que participam
todos os países do mundo. Também me alegro ao perceber minha grande
influência entre os jovens, que cada vez mais se interessam pela saúde
do corpo, pelos esportes, pela emoção de superar a si próprios. Saibam
que zelo. por todos os esportistas, seja qual for sua idade, capacidade ou

nacionalidade.
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ARTEMIS

Meu nomeé Ártemis.


Sou a deusa da Lua, das montanhas, dos animais selvagens e das crianças.
Nasci à noite, na pequena ilha de Delos, sob uma palmeira. Minha mãe,
Leto, estava grávida de gêmeos, meu querido irmão, ApoIo, e eu.
Vim ao mundo primeiro e, assim que fui banhada pelo luar, senti meu
jovem corpo transformar-se no físico de uma garota. Quanto a meu irmão,
foi preciso que o sol brilhasse no horizonte para ele começar a nascer.
Nossa mãe estava exausta e não tinha ninguém para ajudá-Ia a cuidar de
nós. ApoIo chorava muito - era um bebê assustado - e eu o abracei. Mal
sua cabecinha com cabelos dourados pousou em meu peito, senti um amor
tão forte por ele que quase chorei. Até hoje protejo os bebês. Nada pode ser
mais emocionante do que o nascimento de uma criança.
ApoIo só crescia à luz do dia. Com o passar do tempo, tornou-se um me-
nino de aparência maravilhosa, calmo, ponderado e sensato. Eu sou dife-
rente. Amo a noite, as brumas, o mistério das florestas e o encanto das mon-
tanhas. Para mim, nada é mais valioso do que a liberdade. Nunca serei uma
deusa adulta, nunca me casarei.
Curiosamente, vivo cercada de jovens apaixonados. Talvez porque eu te-
nha me tornado uma espécie de desafio para eles, não sei bem como expli-
car. Em geral me divirto com a sua companhia, prego-lhes peças quando
tentam me surpreender à noite, mas quando o detestável gigante Otos ten-
tou raptar-me, a coisa ficou séria e fui obrigada a me defender. Foi a aven-
tura mais perigosa que já enfrentei...

ÁRTEMIS
RAPTADA POR UM GIGANTE Deusa da Lua
Protege as
- Isso é um ultraje! - gritou Zeus, irado. - Dois garotos declarando montanhas, os
guerra contra nós, os deuses do Olimpo! Conte-me, Hermes, quero saber animais selvagens
como tudo começou! e as crianças.

27
Hermes, meu meio-irmão, que exercia a função de mensageiro dos
deuses, explicou a nosso pai que Posêidon, o deus dos mares, tivera dois fi-
lhos com uma humana. A jovem, muito bela, conquistara Posêidon indo
tomar banho de mar todas as noites. Os dois jovens que nasceram de sua
união tinham uma estranha aparência, dezesseis metros de altura e uma
força descomunal.
Desobedientes e insolentes, os jovens simplesmente decidiram que con-
quistariam o Olimpo. Construíram uma escada enorme que os levaria ao
reino oculto nas nuvens e declararam que, caso os deuses desobedecessem
a eles, fariam o mar desaparecer da Terra.
E sabem qual era o maior desejo dos dois gigantes? Casar-se com deu-
sas! Um deles desejava casar-se com Hera e outro comigo! Fiquei furiosa
também! Ninguém jamais tentara me obrigar a nada. Meu pai sempre havia
permitido que eu vivesse como quisesse e apenas casasse se um dia sentisse
vontade.
Percebendo que Zeus estava perturbado demais para resolver a situ-
ação, reuni meus animais numa clareira da floresta e sentei-me para pen-
sar. Cercada por meus amados amigos, me senti melhor. Fechei os olhos e
invoquei a luz do luar. Assim que a lua me cobriu com seus raios
poderosos, fui envolta por muita paz, e quando abri os olhos tive uma feliz
surpresa!
Hécata, a deusa da magia, minha prima preferida, estava parada diante
de mim. Belíssima, os olhos imensos e negros, os cabelos esvoaçantes, o
sorriso translúcido, Hécata é uma deusa muito poderosa. Pode transfor-
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mar-se no animal que quiser, é capaz de quebrar a barreira dos tempos,
inventar poções mágicas que dão juventude aos idosos e paixão àqueles
que desconhecem o amor.
- Você está correndo grande perigo, minha prima - ela foi logo dizen-
do -, mas creio que posso ajudá-Ia. Responda: qual é o animal de corrida
mais rápida que conhece?
- Uma corça - respondi.
- É nisso que você se transformará! E essa será a perdição daqueles dois
presunçosos! - ela afirmou, enquanto tirava de sua bolsa de couro suas
H ÉCATA ervas encantadas. '
Deusa da magia Nunca pensei que um animal pudesse enxergar tantas coisas diferentes!
e das artes Transformada em corça, eu saltava com facilidade e leveza inimagináveis
divinatórias para qualquer ser, divino ou humano. Para mim, que tanto amo os animais,
Protege as ter me tomado um deles era uma experiência sem igual.
mulheres e as Muitos dias se passaram até que os gigantes viessem à minha floresta
crianças. raptar-me. Chegaram durante a noite. Caminhavam e gritavam chamando

28
por mim. Pisoteavam animais e arrancavam as árvores em seu caminho.
Senti muita raiva do desrespeito de ambos pela natureza.
Observando-os melhor, notei que, embora estivessem sempre juntos,
não se davam bem. Nervosos, eram grosseiros e ríspidos quando conver-
savam entre si. Isso me deu uma idéia, e agi rapidamente. De um salto me
pus na frente de um deles. Atraí sua atenção fazendo movimentos estra-
nhos no solo.
- Que animalzinho interessante! - disse o gigante, enquanto se abai-
xava para apanhar-me.
Permiti que me levantasse no ar. Enfeitiçada por Hécata, eu havia me
transformado num animal mágico. Era capaz de voar, e nada de mau iria
me acontecer.
O outro logo se aproximou para ver o que estava acontecendo.
- O que é isso na sua mão? Me dê esse animalzinho! Também quero
brincar com ele.
O gigante que me segurava afastou-se com suas passadas largas e gritou:
- Saia, vá embora! O bichinho é só meu! Cansei dessa brincadeira de
casar com deusas. Quero ficar um pouco aqui, com ele em minha mão.
O outro deu-lhe um tapa no rosto com tamanha força que o gigante
caiu. Quando isso aconteceu, o solo se abalou e várias árvores desabaram.
Saltei de sua mão, retomei minha forma humana e escondi-me atrás de uma
pedra para observar a cena.
- Está vendo? O bichinho fugiu! E por sua culpa! Estou tão cansado de
você! - gritou o gigante para o irmão.
A resposta do outro foi um soco. E assim se atracaram numa luta mortal,
destruindo tudo o que estivesse no seu caminho. Seus berros eram ensurde-
cedores. Lutando, caindo, rolando no chão, ambos chegaram à praia.
Saí de meu esconderijo para ver melhor. Mal eles entraram nas águas, já
coloridas pelo sol, uma onda gigantesca formou-se, veio crescendo e
engoliu os dois irmãos.
Que sorte!, pensei. De onde surgira a onda? O mar parecia tão tranqüi-
lo! Quando o vagalhão se aproximou das águas rasas, avistei Posêidon, o
deus do mar. Montado em imensos cavalos-marinhos, as longas barbas
brancas, o olhar enfurecido, o tridente nas mãos; o deus dos mares tinha me
salvado e eu lhe seria 'eternamente grata.
- Voltem já para casa! - ele gritou. - Nunca mais vocês tornarão a per-
turbar a vida da terra! Ficarão presos em meu palácio até o final dos tempos!
Tudo voltou a ser como antes. Menos o mar. Porque, até hoje, formam-
se grandes ondas, e eu me lembro de Posêidon e do dia em que os dois
gigantes foram condenados a desaparecer no fundo das águas.

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POSÊIDON

Meu mundo é imenso, maravilhoso, repleto de vida e mistério.


Todo ser humano se acha sob o encantamento de minhas águas.
Meu nome é Posêidon. Sou o deus dos mares.
Sou eu quem desmancha os castelos de areia construídos à beira de
meus mares, para que vocês, crianças humanas, aprendam desde cedo a usar
cada vez mais a imaginação.
Sou em quem assiste aos romances dos jovens apaixonados que visitam
minhas praias quando chega o verão. Sou eu quem deposita as mais lindas
conchas e estrelas-do-mar nas areias suaves para que todos percebam a deli-
cada beleza de minhas criaturas.
Quem sabe ver com os olhos da mente, percebe minhas longas barbas
brancas misturadas à espuma das ondas que estouram contra as rochas.
Quem sabe ouvir dentro do coração, escuta o canto inesquecível de minhas
belas sereias. E quem sabe sonhar, pode ser meu convidado e visitar meu
castelo oculto nas profundezas marítimas de meu reino eterno.

MEDUSA, MEU AMOR IMPOSSÍVEL

Infelizmente, nem todos compreendem minha maneira de ser: mutante,


inconstante, até muito raivoso, mas também capaz de sentir um amor pro-
fundo e eterno.
A deusa da sabedoria, Atena, nunca soube apreciar minhas melhores
qualidades. Talvez nossas naturezas sejam bastante diferentes, pois ela é POSÊIDON
calma, sábia, planeja cada uma de suas decisões. Eu, não. Quando me abor- Deus dos mares
reço, minhas águas invadem a terra, o céu se turva, e - devo confessar - Protege as
nesses momentos posso ser muito perigoso. criaturas
Atena e eu tivemos diversos desentendimentos ao longo de nossas vidas. marinhas,
Quando os homens começaram a formar suas cidades, todos os deuses do as praias e
Olimpo decidiram que teriam direito a esses centros. Mas Atena e eu nos os navegantes.

31
apaixonamos pelo mesmo lugar: a cidade de Acrópole. Levamos nossa dispu-
ta ao conselho dos deuses. Zeus e seus divinos companheiros foram injus-
tos: declararam que Atena seria a protetora da cidade, pois havia plantado
uma palmeira naquelas terras, garantindo assim seu direito de deusa.
Ofendido, injuriado, perdi a cabeça. Inundei todas as planícies das re-
dondezas de Acrópole das mais altas ondas que pude criar, destruindo tudo
o que estivesse entre mim e a cidade que eu tanto desejava. Foi nesse dia que
Atena se declarou minha inimiga, e essa foi minha perdição.
Alguns anos mais tarde, apaixonei-me por uma bela jovem. Olhos acin-
zentados, cabelos encaracolados, Medusa era a mulher mais linda que eu
havia conhecido. Sei que agora seu nome inspira horror e que seu rosto só
é lembrado com as feições deformadas de um monstro, mas nem sempre
foi assim. Como já lhes disse, Medusa era belíssima. Apaixonei-me por ela
quando veio banhar-se em minhas ondas à luz doce do luar. Meu amor foi
correspondido, e nossa união trouxe-me profunda felicidade.
Foi então que Atena surgiu para castigar-me pelas mortes que eu tinha
provocado em suas terras. Desceu do Olimpo, dirigiu-se à caverna à beira do
mar onde eu me encontrava com minha formosa amada e exigiu que eu a
abandonasse. Nossa discussão foi violenta, e Atena ergueu sua lança mági-
ca para atingir-me. Medusa se pôs entre nós, tentando me defender.
Esquecendo-se de sua bondade natural, Atena fez um gesto mágico e a
transformou num enorme dragão de três cabeças. A mais horrível das
cabeças pertencia a Medusa. Seus belos olhos negros tomaram-se armas
mortais, pois quem os fitasse se converteria em estátua no mesmo instante.
Totalmente desesperado, voltei para meu reino. Chamei Hécata, a deusa
da magia, e implorei-lhe que tentasse quebrar aquele encanto. Mas os pode-
res de Atena eram insuperáveis. Vendo-me tão triste e só, Hécata consolou-
me dizendo que Medusa e eu teríamos um filho. Seu nome seria Pégaso e
ele nasceria mesmo que sua mãe morresse. Pégaso teria a forma de um cava-
lo alado e seria uma criatura da luz, cuja missão era fazer o bem e trazer a
felicidade aos homens. Seu nascimento seria a prova de que o amor produz
sempre um bom fruto, mesmo que seja um amor impossível.
Quando Perseu, o jovem protegido de Atena, declarou que mataria mi-
nha amada, tentei fazer de tudo para impedi-l o, mas, como vocês talvez já
saibam, jamais consegui vencer a deusa da sabedoria. Ela ensinou Perseu a
usar o escudo da invencibilidade, e juntos aniquilaram minha amada, como
se ela não passasse de um monstro desprezível.

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No entanto, quando minha amada Medusa foi destruída, inesperada-
mente Pégaso, nosso belo filho, nasceu. Em homenagem a ele, o cavalo
mágico, o corcel da luz e da alegria, fiz surgir os pequenos cavalos-mari-
nhos. Até hoje eles povoam os mares, emprestando um pouco da beleza
insuperável de meu filho alado às criaturas aquáticas.
E quando vocês, pequenos filhos dos homens, puderem ver meus mi-
núsculos filhos graciosamente cavalgando as profundezas do oceano, sin-
tam um pouco de minha antiga alegria e lembrem-se que o nome de Medusa
também pode significar amor, beleza e felicidade.

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GAlA

~ já sentiu o aroma de minhas flores, o delicioso sabor de mi-


nhas frutas e a energia mágica que se acumula no cume de minhas mon-
tanhas, conhece a força de meu poder. Sou Gaia, a deusa da Terra.
O primeiro deus a surgir no mundo foi Caos; logo em seguida, eu nasci.
Fiz surgir o céu, os vales, planícies e cordilheiras. Imediatamente fui cober-
ta por florestas e habitada por animais.
Sou amada pelas crianças, que adoram lambuzar-se em minhas terras
enlameadas pela chuva e deitar-se sobre minhas relvas para contemplar os
céus,onde vive Zeus, meu neto querido. .

Aliás, tive doze filhos. Cronos, o deus do tempo, é meu caçula. Houve
uma época em que ele reinou sobre o mundo. Mas, infelizmente, Cronos
não soube usar seus poderes e transformou-se num temível tirano. Tolerei
seus atos o máximo que pude. Porém, quando ele tentou matar Zeus, fui
obrigada a agir...

COMO DESCOBRI OS SEGREDOS DO DESTINO

Cronos embebedou-se com seu próprio poder. Sendo o deus do tem-


po, decidiu que seu reinado como senhor do universo seria eterno. Adivi-
nhando que eu não concordaria com sua resolução, ocultou-a de mim.
Ele sabia' que eu não acreditava no poder supremo de um único gover-
nante. Conhecia minhas opiniões: creio na mudança de estações, no eter-
no movimento da vida; penso que os jovens precisam assumir o lugar de
seus pais para que o mundo se renove. Um dia, Cronos teria que ceder seu
trono ao filho. GAlA
Mais tarde, Cronos casou-se com Réia e dessa união nasceu o belo Zeus. Deusa da Terra
Encantada com meu neto, fui até o lago do destino, cujas águas previam o Protege as frutas,
futuro, e observei seus reflexos, procurando descobrir o que a vida reserva- as flores
va ao querido Zeus. A face adulta do menino surgiu através da transparên- e as florestas.

35
cia das águas e aos poucos notei que a cena ali estampada mostrava o
pequeno como o futuro senhor do universo.
Certa de que Cronos ficaria feliz em saber que seu poder seria herdado
pelo próprio filho, comuniquei-lhe o que o destino lhe traria. Cronos enfu-
receu-se. Fez as horas começarem a correr e os homens a envelhecer. Para
ele, desfrutar de um poder eterno era mais importante do que a vida de
Zeus.
Tentando proteger a vida de meu neto, voltei ao lago mágico para desco-
brir o segredo do futuro. Ao fitar novamente as águas prateadas, percebi que
o futuro está sempre em movimento e que o gênio que as habitava era uma
espécie de conselheiro indicando-me as escolhas possíveis. A primeira cena
mostrava a morte do pequeno Zeus. Afastei-me das águas, revoltada. De-
pois, reuni toda a minha coragem e as observei mais uma vez. A segunda
cena refletia minha imagem dentro de uma gruta. Foi então que fiquei
sabendo o que deveria fazer.
- Réia, entregue seu bebê para mim imediatamente. Cronos não pode
vê-Io -, fui dizendo assim que entrei no palácio de meu filho.
Chorando, a bela Réia passou-me a criança envolta num lindo tecido
branco. Eu o abracei com todo o carinho. Auxiliada por meu companheiro
Urano, corri até a gruta secreta e escondi o menino num cantinho acon-
chegante. Chamei uma ninfa para cuidar bem dele.
Quando regressei ao palácio de Cronos, encontrei todos em polvorosa.
- Onde está meu filho? -, gritava o deus do tempo, andando de um
lado para o outro.
Seu comportamento deu-me a certeza de que, infelizmente, meu filho
havia enlouquecido. Obedecendo ao conselho das águas mágicas do futuro,
entreguei a Cronos uma pedra do tamanho de um bebê envolta no mesmo
tecido que Réia usara para cobrir a criança. Cronos transformou-se num
gigante imenso e no mesmo instante engoliu o pacote inteiro. Convencido
de que havia destruído o próprio filho, a quem via como um rival, o deus
do tempo partiu para a terra, alegre e satisfeito.
Zeus cresceu em segredo e muito amado por todos os que o conheciam.
Quando se tomou um jovem, ganhou suas armas principais: o raio, a tem-
pestade e os trovões. Ele sabia que no futuro teria que enfrentar o próprio
pai. Para exercitar-se, montava nas nuvens, provocando as chuvas e fazendo
raios cortarem os céus. No início, os humanos assustaram-se muito. Bem,
para dizer a verdade, até hoje seus pequenos filhos temem as brincadeiras
de Zeus. Foi esse o motivo por que meu neto permitiu que os humanos
descobrissem uma parte do poder dos raios e o usassem em benefício
próprio. Mas isso já não pertence às histórias do início dos tempos...

36
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ZEUS

Para mim, é difícil explicar o que significa ser o deus dos deuses. Ter
o poder supremo da decisão, determinar os destinos das criaturas do uni-
verso, manter a ordem e a justiça na terra e nos céus.
Amo o conhecimento, as luzes, a filosofia, as artes da cura e as grandes
cidades. Amo também as mulheres. Jamais resisto aos seus encantos. Sou
casado com Hera, deusa belíssima, protetora dos casamentos. Porém, em-
bora eu a queira profundamente, continuo me apaixonando por lindas
jovens. Foi desses amores proibidos por Hera que nasceram Atena, Apolo'e
Ártemis, por exemplo. Os ciúmes de minha mulher sempre me causaram
inúmeros problemas e passei grande parte da vida protegendo os filhos
nascidos de meus romances proibidos. Hera nunca aceitou minha principal
missão divina que é fertilizar os seres, gerar criaturas excepcionais, aproxi-
mar os humanos dos deuses, criar jovens semideuses de talentos insupe-
ráveis. Além disso, ela jamais compreendeu a solidão de quem tem o poder
supremo e é responsável por todos os atos do universo.
Portanto, minha vida tem sido marcada pelas desavenças com Hera e pela
disputa com meu próprio pai, Cronos, o impiedoso deus do tempo...

MINHA LUTA CONTRA O TEMPO

Fui criado por ninfas, no interior de uma gruta secreta, longe dos olhos
de meu pai. Alimentado com mel e leite, fui muito amado por minhas do-
ces protetoras.
Cresci desfrutando da beleza da natureza, caminhando pelos campos e
praias, nadando em águas salgadas. Mas chegou o momento em que senti
que precisava finalmente enfrentar meu próprio pai. Chamei Métis, a deusa ZEUS
da prudência, para que ela me aconselhasse. Como poderia conquistar o Deus dos céus
poder que me fora destinado? Como poderia tornar-me o deus dos deuses, Protege a ordem
o senhor supremo do universo? e a justiça.

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Os olhos penetrantes de Métis fitaram-me por alguns instantes antes


que ela me dissesse o que fazer:
- Você tem irmãos, Zeus, e precisa salvá-Ios. Eles foram engolidos por
Cronos, mas não estão mortos, e você poderá trazê-l os de volta. Necessitará
da ajuda deles para conseguir conquistar o lugar que lhe pertence. Deve
apresentar-se diante de seu pai como se fosse um simples mortal e dar-lhe
esta poção. - Métis entregou-me um lindo frasco de vidro que continha
um líquido brilhante e prosseguiu: - Esta poção foi preparada por Hécata,
a pedido de sua mãe. Quando Cronos a beber, seus irmãos desaparecidos
ressurgirão. Juntos, vocês vencerão seu pai.
Quando entrei no luxuoso palácio de Cronos, aguardei na fila de mor-
tais que lhe imploravam favores. Jovens apaixonadas que haviam perdido
seus amados em guerras suplicavam a Cronos que ele fizesse o tempo voltar.
Inútil. "O que passou, passou", era o que ele lhes dizia, curta e secamente.
Velhos apavorados diante da morte pediam-lhe que retardasse a passagem
dos minutos. "O tempo não pára", ele repetia, impassível. Filhos saudosos
rogavam-lhe que ele apressasse as horas para que seus pais retomassem de
perigosas viagens o mais rapidamente possível. "Mas o tempo voa! Por que
querem mais rapidez ainda?", ele respondia com um sorriso irônico.
Quando chegou minha vez, declarei:
- Eu não desejo nada, mestre do tempo. Quero apenas dar-lhe um pre-
sente. O tempo tem sido bondoso comigo, pois durante toda a minha vida
só senti a felicidade.
Curioso, Cronos apanhou o belo frasco com seu líquido brilhante.
- O que é isso, meu jovem?
- Uma bebida de sabor inigualável, feita com mel de abelhas especial-
mente para Vossa Majestade.
Cronos sorriu e destampou o vidro. Olhei para o chão, tentando ocul-
tar minha ansiedade. De um só gole, meu pai bebeu o conteúdo do frasco.
E logo em seguida começou a contorcer-se. Abriu a boca, e dela saíram três
minúsculos bebezinhos. As crianças foram iluminadas por raios de luz e,
contrariando todas as leis do tempo, cresceram numa fração de segundo.
Depressa me vi cercado por vários irmãos e irmãs que instantaneamente se
posicionaram para enfrentar Cronos e seus ajudantes, os Titãs.
No entanto, como já disse, Cronos era o senhor absoluto do tempo.
Embora fôssemos muitos e bem mais fortes, nossos movimentos foram
retarqados pela lenta passagem das horas e nossa luta acabou durando dez
anos terrestres. Vencemos graças à ajuda dos Ciclopes, imensas criaturas
com apenas um olho no meio da testa, que, como nós, haviam sido preju-
dicados por Cronos.

40
A cada um de nós, filhos e adversários de Cronos, foi entregue uma arma
especial. Eu recebi os raios e trovões; Hades, meu valente irmão, recebeu um
capacete mágico que o tomava invisível; e Posêidon, o magnífico deus dos
mares, recebeu seu poderoso. tridente cujo golpe rompia terras e águas. E
assim, munidos de novos poderes, enfim triunfamos.
Após nossa vitória, repartimos o universo. Hades decidiu reinar nos
mundos subterrâneos e secretos, Posêidon, no universo marinho, e a mim
foram dados os céus e o trono de senhor do universo.
Fui encarregado ainda de governar o destino dos homens. À porta de
meu palácio, tenho dois enormes jarros. Um deles contém os bens da vida,
e o outro, os males. Ao longo da existência de meus súditos humanos, espa-
lho um pouco do conteúdo de cada um dos jarros. Infelizmente, já me des-
cuidei al~mas vezes; em conseqüência disso, certas pessoas foram premia-
das com uma vida de alegrias, e outras, com uma vida de tristezas. Mas
tenho sido mais cauteloso ultimamente. E também generoso. Em especial
parc:lcom vocês, que agora me ouvem confessar esses segredos.
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L. I /

...
CRONOS

S ou eu o verdadeiro deus do universo.


Meu filho Zeus acredita que governa o mundo sentado no alto das nu-
vens, comandando os raios e trovões. Mas até mesmo Zeus está sujeito às
minhas leis. E é por isso que, na realidade, ele jamais me derrotou.
Meu nome é Cronos, o senhor do tempo. Sou filho de Urano, deus do
cosmos, e de Caia, a deusa da Terra. Portanto, pertenço à primeira geração
de deuses.
Sei que Zeus me tratou como um inimigo, como um monstro insensí-
ve~.Tudo porque eu não queria abandonar o reino que é meu por direito.
Mas, na verdade, a disputa entre nós foi iniciada por Caia. Sem sua inter-
ferência teríamos sido muito próximos, desde o começo. Caia, porém, sem-
pre nos pôs um contra o outro, e por isso passaram-se muitas eras até nosso
reencontro acontecer...

MINHA ERA DE OURO

Por que o tempo do amor fica eterno quando se concentra no instante


de um beijo apaixonado?
Por que o tempo da dor é infinito quando o corpo sente sua fragilidade
diante das enfermidades?
Por que o tempo da alegria passa tão rápido e o tempo do tédio tão len-
tamente?
Controlo muitas camadas de tempo. Tenho inúmeros segredos. Às vezes,
vocês, humanos, tentam me acorrentar a relógios, dias, meses e anos. Afir- CRONOS
mam que o tempo tem uma lógica e falam da cronologia da vida. Mas, Deus do tempo
como eu já disse, o tempo tem segredos incontáveis. Às vezes permito que Protegea
um de vocês vislumbre minha verdadeira natureza. Assim foi com meu sabedoria
querido amigo, o sábio Einstein, mestre da física. Naturalmente vocês o e as criaturas
conhecem. Concluí que ele merecia minha proteção. Sua inteligência era invisíveis.

43
o
excepcional; sua sensibilidade e criatividade, magníficas. Permiti que ele
descobrisse como sou relativo, como também ordeno as leis do espaço.
Afinal, sou filho de Urano, deus do cosmos.
Meus problemas com Zeus iniciaram-se antes de ele nascer. Quando
Caia, minha mãe, a deusa capaz de prever o futuro, afirmou que um de
meus filhos me mataria e tomaria meu lugar, enlouqueci. Acreditei total-
mente em suas palavras. E esse foi, na verdade, meu grande erro. Não perce-
bi que o futuro pode ser modificado.
Engoli todos os meus filhos. Não os matei: apenas mantive-os presos
dentro de mim. Minha era não havia terminado. Eu ainda tinha muito o
que fazer.
Quando Zeus veio à luz, Caia o escondeu de mim. Depois o criou e o
preparou para enfrentar-me. Assim, iludido mais uma vez por minha mãe,
que na verdade controlava a todos nós, fui vencido e aprisionado.
Passei séculos acorrentado. No mundo, tudo acontecia com muita lenti-
dão. A vida na terra era marcada pela falsa lógica dos dias, horas e noites.
Até que, inesperadamente, Zeus me libertou.
- Percebi que era jovem demais para reinar sozinho sobre o universo,
meu pai - disse, ao soltar minhas correntes. - Quero que venha comigo.
Tenho muito o que aprender.
Mudamo-nos para a ilha da Felicidade e, no mundo terrestre, teve início
a era de ouro.
Nossos súditos humanos não tinham preocupação alguma, viviam sem
trabalhar e alimentavam-se unicamente de frutos silvestres e de mel, sacian-
do a sede com leite de cabra. Tendo o tempo mais uma vez sob meu contro-
le, ordenei que as horas parassem de passar e a humanidade deixasse de
envelhecer. Foi a era da eterna juventude. Todos dançavam e se divertiam
muito, e a morte não passava de uma boa noite de sono.
Infelizmente, a humanidade não soube ser feliz por muito tempo. E co-
meçaram a surgir homens de outra natureza, os homens da era de prata.
Briguentos, inquietos, desafiavam meus súditos para lutas e depressa os
matavam.
Por isso, antes que meus queridos súditos desaparecessem completa-
mente da face da terra, transformei-os em espíritos. Depois mandei que se
ocultassem no fundo das grutas, no coração das florestas e no centro das
montanhas. E até hoje eles vivem, oferecendo sua proteção aos seres de
alma alegre, aos humanos que, como eles, amam a natureza e a felicidade.
Mas sei que um dia a era de ouro voltará.
Deuses e homens viverão em harmonia com o universo. O tempo se
desdobrará e todos os medos desaparecerão. Para que isso aconteça, porém,
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é preciso acreditar na força da vida e confiar em nós, os eternos protetores
da humanidade.
Será que vocês, humanos, conquistarão a felicidade, finalmente?
Isso, meus amigos, só o tempo dirá!
Mas uma coisa eu posso lhes contar. Nossa era não acabou! Estamos em
todo lugar. Continuamos a falar entre nós, a brigar entre nós, a inventar
novas versões de nossas aventuras, a invadir a imaginação das crianças e dos
adultos para que nossas histórias nunca tenham um fim! E estou certo de
que, se vocês olharem ao redor, prestando bastante atenção, logo reconhe-
cerão a força mítica de nossa presença...

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Gostou do livro?
Quer poder lê-lo sempre?
Peça de presente aos seus pais!

Um beijo,
Professora Femanda

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