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Abstract: In all societies, there is the register of comic types that present
various social functions and act as questioners of the established order.
Clowns and clowns, built throughout history, a critical social reading
proposition that inspires the construction of laughter. This article aims to
establish links between the clownish singularity of the character "Cabíria" in
the film "Nights of Cabíria" and the comic-critical relationship that permeates
the universe of clowns.
1Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora na Área de
Comunicação e Artes do Senac Lapa Scipião – São Paulo.
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abordada no meio de uma estrada por Para Fellini esses tipos clássicos de
jovens que cantam e dançam. Ela caminha clowns, representam cabalmente a
com eles, encara a câmera e sorri. Para sociedade, e isso acaba provocando a
Souza (2003, p. 53), Fellini quebra, nesse identificação do público com o menos
momento, a representação de uma regra favorecido, no caso o clown Augusto.
clássica do cinema, “o olhar do
personagem para a câmera, inviabilizando [...] O augusto, que é a criança que faz
sujeira em cima, se revolta ante tanta
a moldura melodramática, sua fissura ao
perfeição, se embebeda, rola no chão
final parece reforçar toda farsa da vida de e na alma, numa rebeldia perpétua.
Cabíria, parece reinseri-la no palco e Essa é a luta entre o orgulhoso culto
revelá-la personagem”. da razão, onde o estético é proposto
de forma despótica, e o instinto, a
liberdade do instinto. [...] com efeito,
“Noites de Cabíria” apresenta em seu
quanto mais procures obrigar o
leito fílmico a teleologia de uma mulher
augusto a tocar violino, mais ele dará
visionária ao seu próprio inferno, dado
soprinhos com o trombone. O clown
que ela é refém da desventura, e à
branco ainda pretenderá que o
sua salvação, motivada
augusto seja elegante. Mas quanto
essencialmente pelo gesto final
mais autoritária seja essa intenção,
emocionado de tirar o espectador da
mais o outro se mostrará desajeitado.
sua posição de voyeur e o inserir na
É o apólogo de uma educação que
fábula como o olho do espírito que vê
procura pôr a vida em termos ideais e
o reflexo de si mesmo no outro (nesse
abstratos. [...] podia-se falar de Hegel
aspecto, o filme é uma lição de
e da dialética, acrescentar que os
alteridade). (MENDES, 2013, p. 194)
augustos são, mais justamente, uma
imagem subproletária do pátio dos
O clown é a exposição do ridículo e das milagres, com desnutridos, disformes,
fraquezas de cada um, assim, ele é um tipo marginais, capazes talvez de revoltas,
pessoal e único. Um ator pode ter não de revoluções. É provável que o
povo sempre os tenha tratado com
tendências para o clown Branco ou o clown
confiança por causa de sua condição
Augusto, dependendo de sua miserável, sentindo-se familiar ao
personalidade. Segundo Burnier (2001), o abismo. (FELLINI, 1986 p. 201)
Branco e o Augusto são os dois tipos
clássicos de clowns, sendo o clown Para Pantano (2007), o clown Augusto
Branco, a encarnação do patrão, o representa o expoente do andarilho, do
intelectual, a pessoal cerebral e o clown marginal, é aquele que não se ajustou, não
Augusto é o bobo, o eterno perdedor, o se integrou as regras da sociedade. Seu
ingênuo de boa-fé, o emocional. figurino, maquiagem e gestos demonstram
certa despreocupação com relação a
A construção da personagem Cabíria se normas ou padrões vigentes.
assemelha ao clown Augusto e sua
característica tipológica e suas ações, Se partirmos do contexto histórico,
perceberemos que o surgimento do
obedecem a um determinado perfil Augusto acontece em um momento
individual, que se apoia nas características em que a sociedade industrial
corporais da atriz e em sua subjetividade. procurava padronizar o indivíduo,
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Os clowns sempre terão um lugar e nos diz: O show tem que continuar! E vai
garantido na sociedade porque abrigam a caminhando novamente para a multidão.
lógica da complexidade. Possuindo ideias
que parecem incoerentes ou absurdas, Recebido em: 24/01/2018
eles assumem seus erros e sua Aceito em: 01/06/2018
irracionalidade, e assim, alojados à
Referências Bibliográficas
margem da sociedade, continuam
questionando as estruturas da ordem BAKHTIN, Mikhail M. A Cultura Popular
social. Cabíria, assim como os clowns, não na Idade Média e no Renascimento, o
tem um olhar lógico e sua crítica social contexto de François Rabelais. São
acontece quando ela nos revela que Paulo: Hucitec, 1987.
acredita na vida e, mesmo com todos os
tropeços e desilusões, continua BERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a
sobrevivendo. significação do cômico. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1980.
Cabíria e a simultaneidade temporal BOLOGNESI, Mário Fernando. Palhaços.
que ela incorpora na sequência da sua São Paulo: Editora Unesp, 2003.
partida criam um cristal de tempo que
congrega a reorganização poética de BURNIER, L. O. A arte de ator: da técnica
um mundo em reconstrução e as à representação. Campinas: Editora da
cicatrizes da miséria, da violência e da
guerra. Essa evidência justifica a Unicamp, 2001.
inclusão de “Noites de Cabíria” no rol FELLINI, Federico. Fellini por Fellini. 3.ed.
das obras-primas neorrealistas, pois o
filme e seu realizador herdaram do Porto Alegre: L&PM, 1986.
movimento cultural italiano do pós- FO, Dário. Manual mínimo do ator. São
Guerra o magma da forma estética e
da atitude ética a representar o mundo Paulo: SENAC, 1999.
com os tons imortais da realidade. KATZ, Helena. Corpomídia não tem
(MENDES, 2013, p. 197)
interface: o exemplo do corpo bomba. In:
Falar sobre o cinema de Fellini e mais RENGEL, Lenira; THARALLANO, Karin
precisamente sobre Cabíria, nos coloca (Orgs.). Coleção Corpo em Cena Volume
num universo alegórico, lúdico e poético. É 1. São Paulo: Editora Anadarco, 2010. pp.
ir de encontro com a harmonia da sua 9-23.
essência pictórica, fotográfica, literária, LECOQ, Jaques. O corpo poético. São
teatral e clownesca. Ela revela por meio da Paulo: Senac, 2010.
sua poética, um espetáculo por vezes
MACHADO, Maria Ângela de Ambrosis
cômico e dramático. Nele, sua máscara
Pinheiro. Uma nova mídia em cena: corpo
não esconde, ela nos revela. É a atração
comunicação e clown. 2005. 120 f. Tese
principal de um show que sempre
(Doutorado em Comunicação e Semiótica).
continuará, porque na sociedade sempre
Pontifícia Universidade Católica de São
existirá algo a ser revelado, sempre haverá
Paulo, São Paulo.
luzes e trevas. Cabíria nos olha nos olhos
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