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anne c a u q u e l in

A ARTE^
CONTEMPORÂNEA

C O L E C Ç íà O
— C u ítu ra ã e ta í —
Título Original:

L'ART CONTEMPORAIN,
coi. Que sais-je?

Tradução de:

Joana Ferreira da Silva

© Presses Universitaires de France


Direitos para Portugal e
África-Lusófona
RÉS-Editora, Lda.
Pr. Marquês de Pombal, 78
4000 PORTO-PORTUGAL
INTRODUÇÃO

O público, afrontado com a dispersão dos lugares de cul­


tura, com a diversidade das “obras” apresentadas, com o seu nú­
mero cada vez maior, com o número também crescente de revis­
tas, jornais, publicidades, solicitado pelos anúncios, balançando
para aqui e para acolá à vontade dos críticos de arte, acumulando
os catálogos, parece confundido perante a arte contemporânea. É o
menos que podemos dizer. O mais extraordinário é a boa vontade
sem enfraquecimento deste mesmo público, sempre pronto a res­
ponder a todas as so lic ita ç õ e s, deam bulando pelas ruas de
Beaubourg ou da Bastille, convite na mão, e não deixando de
querer apreender alguma coisa da arte contemporânea. Pouco pre­
parado para esta apreensão, o público parece contar com a acumu­
lação das suas experiências, com um certo acostumar, maneira de
habituar os olhos, olhando para tudo o que lhe é dado ver, para
tentar possuir um certo julgamento estético, ou, na sua falta, poder
sentir um certo “reencontro”.
Por um lado, com efeito, ele é “educado” — tem havido
a tentativa, à vários decênios, de inculcar-lhe valores culturais a tí­
tulo de uma modernidade ou de um modernismo necessário como
a marca de um “standing” elevado, como uma obrigação cívica,

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A Arte Contemporânea

uma regra de conveniência, quiçá um princípio de desenvolvi­


mento. Os países desenvolvidos deviam, paralelamente ao pro­
gresso técnico-científico que os caracteriza, aderir a uma certa
ideia do desenvolvimento da cultura.
Por outro lado, combinado com este cuidado honroso, o
público é, com efeito, posto ao par do interesse comercial de obras
que podem de, um dia para o outro, ultrapassar de longe os bene­
fícios que podemos esperar de uma normal aplicação de capitais.
Esta atracção dupla ainda toma mais cruel a indecisão em
que se encontra: “Esta obra terá valor? Se eu a comprar, terá van­
tagem? Porque vale mais esta do que aquela? Deverei seguir o
meu “gosto”? e qual é ele, na realidade? Devo seguir as opiniões
de outro? e quais são os seus critérios?” Acontece que, a maior
parte das vezes, ele dirige-se para os valores atestados, aqueles em
que tem fé, que seguem os preços praticados, ou porque o artista é
“reconhecido”, faz parte da nomenclatura, e não o podemos igno­
rar sem sermos tachados de beócios. Estando a compra fora de
questão, é a contemplação tranqüila que é conveniente, nas gran­
des festas consensuais e ritualizadas. ERA PRECISO TER VISTO
a exposição Van Gogh, ERA PRECISO TER IDO ao Museu
Picasso. O doloroso rito iniciático consiste em intermináveis filas
de espera, preço a pagar por um sentimento de pessoa culta.

I
Moderno ou contemporâneo?

Infelizmente, neste caso, não se trata da arte contemporâ­


nea, no sentido restrito do termo. É arte do agora, a arte que se
manifesta no mesmo momento e no próprio momento em que o

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Introdução

público a apercebe. Muito precisamente, trata-se da arte “moder­


na”, se entendermos por moderno o século XX em geral.
À arte contemporânea, em compensação, falta o tempo
da sua constituição, de uma formalização estabilizada, e portanto
do seu reconhecimento.' A sua simultaneidade — o que se passa
agora — exige uma reunião, uma elaboração: o aqui-agora, de
uma certeza sensível, não pode ser apercebido directamente,
Hegel, no primeiro capítulo da Fenomenologia do espírito, faz a
seguinte constatação: o agora já não o é quando o designamos, ele
já passou; quanto ao aqui, ele exige a constituição de um lugar
que o envolva. Trabalho que, se se faz sem o sabermos para as
coisas da vida quotidiana, reclama uma atenção especial quando
se trata do domínio da arte, na medida em que as produções artís­
ticas estão isoladas dos nossos interesses vitais, da urgência das
nossas necessidades, e formam uma esfera quase autônoma.
Para apreender a arte como contemporânea, falta-nos en­
tão estabelecer certos critérios, distinções que isolarão o conjunto
dito “contemporâneo” da totalidade das produções artísticas. Ora
esses critérios não podem ser procurados no único conteúdo das
obras, na sua forma, composição, no emprego de tal ou tal ma­
terial, nem sequer na sua inserção neste ou naquele movimento
dito ou não de “vanguarda”. Com efeito, nós seremos ainda, neste
propósito, afrontados com a dispersão, com a pluralidade incon-
trolável dos “agora”. De facto, os trabalhos que tentam dar conta
das obras dos artistas contemporâneos são obrigados a irem procu­
rar o que as pode tomar legíveis fora da esfera artística, seja nos
“temas” culturais, consultados nos registos literários e filosóficos
— desconstrução, simulação, vazio, ruínas, descrédito e recupera­
ção — seja ainda numa sucessão temporal — classificada em
“neo”, “dianteira”, “pós” ou “trans” — lógica de evolução muito
difícil de manter. A menos que nos contentemos em classificar por
ordem alfabética as diferentes tendências que se manifestam na
A Arte Contemporânea

esfera artística, e sejamos obrigados a admitir que muitos artistas


pertencem, de acordo com o momento, a muitas dessas tendências.
Uma estrutura justifica-se portanto indispensável, como
um invólucro, uma capa. Esta estrutura deve conseguir operar à
vez a separação entre a arte contemporânea e aquilo que não a é, e
por outro lado, reunir, segundo uma certa ordem, as suas manifes­
tações disseminadas.

II
A riqueza da arte

Uma das características mais aparentes da relação que o


público mantém com a arte contemporânea é a questão, sempre
colocada, do seu valor econômico. Do seu preço. Se é admitido,
com efeito, que as obras do passado podem muito bem atingir so­
mas consideráveis — o velho é sempre “mais” caro, como para os
móveis ditos “da época” — os preços do contemporâneo parecem
exorbitantes, exagerados. Falamos então de especulação, de valor
refúgio, de mercado fictício. Acusamos os “grandes mercadores”,
as galerias, os intermediários especuladores. As obras, e aí está
um paradoxo mal experimentado, são cada vez mais numerosas,
os museus, as galerias crescem e multiplicam-se e a arte nunca
esteve tão afastada do seu público.
Será preciso ver nesta acusação feita contra os “mercado­
res” uma reacção à incompreensão que as obras suscitam? Acusa­
ção que se apoia no argumento econômico para recusar entrar no
jogo. Ou então uma doença, a de ficar enterrado no domínio da
arte, desapropriado em que medida? Trata-se de falta de informa­
ção, de perda das referências estéticas, ou de uma aplicação nas

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Introdução

obras de critérios mal talhados, não pertinentes para a arte con­


temporânea, pois eles reflectem os critérios válidos para as obras
do passado? Neste caso, tratar-se-ia da adesão do público a uma
ideologia, a uma ideia convencional do que devia ser a arte, o
artista, o mercado e o amador.
Parece que todos estes factores jogam simultânea, e cada
um alternadamente, o que leva a uma confusão máxima.
A conclusão a tirar deste estado das coisas, é que o públi­
co percebe um conjunto, um domínio em que os elementos são
inseparáveis, e não — como ele queria e como nós poderíamos
crer — as obras dos artistas de um lado e uma rede de distribuição
econômica do outro. Ele está perante um conjunto complexo, de
que não percebe a articulação, em que, tentando reconhecer c
interesse das obras postas perante o seu olhar, não as consegue
isolar de uma espécie de vasto “embrulho”, de que se apercebe
confusamente. Ele sente-se enganado, e não são as informações,
cada vez mais numerosas, mais dispersas e pontuais, dispensadas
pelas revistas, os jornais, os catálogos, ou as obras especializadas
que o podem esclarecer sobre este dispositivo.

III
A arte: um sistema

Ora, e é um ponto que é preciso sublinhar, o público não


se engana quando tem esta visão global. A sua intuição é correcta;
existe mesmo um “sistema” da arte, e é o bom conhecimento deste
sistema que permite apreender o conteúdo das obras. Não que esse
sistema seja pura e simplesmente econômico, quanto ao esquema
tradicional da oferta e da procura; não que as determinações do

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A Arte Contemporânea

mercado tenham um efeito directo sobre a obra, que seria apenas


um reflexo delas, pois o sistema compreende também o lugar e o
papel dos diversos agentes activos no sistema: o produtor, o
comprador — coleccion ad or ou amador — passando pelos
críticos, os comissários, os conservadores, as instituições, museus,
Estado, etc.
E um tal sistem a, no seu estado contemporâneo, que
tentaremos apresentar aqui. “Estado contemporâneo” significa que
este sistema não é mais o sistema que prevaleceu até há pouco; ele
é o produto de uma tal agitação da estrutura, que não podemos
julgar nem as obras nem a sua produção e distribuição à luz do
antigo sistema. E justamente aí que se aloja a doença: avaliar a
arte segundo os critérios em vigor há somente dois decênios, é não
compreender absolutamente nada do que se passa.

Esta situação inquieta e intriga um certo número de investiga­


dores: sociólogos, politolólogos, economistas, tomam a tarefa da análise,
até então reservada à crítica artística, à história da arte ou à teoria estética.
O divórcio entre a arte contemporânea e o seu público toma-se num as­
sunto de Estado — em todo o sentido do termo.
Podemos organizar os seus estudos, cada dia mais numerosos,
segundo os seus ângulos de ataque: existem grosso modo três tipos que
tomam por alvo:

1. A noção de modernidade. — Em que é que a arte contempo­


rânea está em ruptura ou continuidade com o que é convencionalmente
chamado de arte moderna. Temos então que definir as noções de moder­
nidade, de modernismo, de arte moderna, de vanguarda, de pós-modemis-
mo ou de arte pós-modema. Trata-se de estudos acerca do conteúdo dos
movimentos artísticos1.
2. O mercado de arte. — Descrição dos dispositivos postos em
acção, papel do Estado, da política cultural, dos grandes “mercadores”, da
arte internacional. Trata-se então de repartir as funções entre produtores e
consumidores, de dotar um quadro dos diferentes agentes e de avaliar
os seus poderes^.

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Introdução

3. A recepção. — Trata-se de analisar os meios em que a arte


contemporânea é (ou não) apreendida. Quem freqüenta tais manifestações
e em que número. A nálise de opiniões. Análise crítica da educação
artística^.

Segundo os casos, a causa desta mudança é atribuída aos


próprios artistas — que seguem ou contestam o movimento de dis­
persão actual — que pervertem o mercado — à política de estado
— que tem muito ou pouco poder — ao desconhecimento, devido
a uma educação defeituosa da parte do público.

IV
Um obstáculo: a ideia de arte

Com o simples enunciado destas explicações, sob a for­


ma de censura ou de queixa, apercebemo-nos que a arte, na sua
forma contemporânea, coloca um doloroso problema a todos: ao
público, mas também e talvez ainda mais àqueles que têm a mis­
são de a analisar...
Podemos perguntarmo-nos se a arte não contemporânea
— a do século XIX e dos princípios do século XX — tinha quali­
dades brilhantes, tanto do ponto de vista da inovação, do estatuto
econômico e do reconhecimento do público, a ponto de se tomar
oportuno exalçá-la e chorar o seu desaparecimento...
Somos sem dúvida estorvados por certo número de ideias
recebidas e que supomos universais e duráveis, esquecendo as di­
ferentes formas e os diferentes estatutos aos quais a obra e o artis­
ta foram submetidos nos diferentes períodos da história. A ideia,
por exemplo, de uma continuidade do comprimento de uma cadeia

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A Arte Contemporânea

temporal marcada pela inovação: a velha noção de progresso, que,


se bem que geralmente contestada no domínio da arte, continua o
seu caminho simples (como o provam a existência de vanguardas,
a noção de um avanço); a ideia de uma arte em ruptura com o po­
der instituído (o artista contra o burguês, os valores da recusa, da
revolta, o exilado da sociedade); a ideia de um valor em si da
obra, válida para todos (a autonomia da arte, desinteressada, como
que suspensa nas nuvens do idealismo); a ideia de uma comunica-
bilidade universal das obras, baseada na intuição sensível (a ques­
tão do gosto, a que todos têm acesso); a ideia do “sentido” (o artis­
ta dá um sentido, abre um mundo, mostra a verdadeira natureza
das coisas, “a natureza serve-se do génio para fornecer as suas re­
gras à arte”, dizia Kant).
Esta constelação de opiniões, feita daqui e dali, herdada
em parte das teorias do século XVIII (Kant, Hegel e o romantis­
mo) em parte do XX (a crítica social e a arte para todos), está
fortemente enraizada e forma um “ecran”, um biombo, através do
qual tentamos apreender em vão a contemporaneidade4.
É-nos preciso então passar esse “ecran” de fumo e tentar
perceber esta realidade escondida da arte actual. Não apenas pas­
sar o quadro de um estado actual — o que é a questão da arte ago­
ra — mas também explicar o que põe obstáculos ao seu reconhe­
cimento. Dito de outra forma, ver em que medida a arte do passa­
do nos impede de apreender a do nosso tempo.
Ora o passado, no que concerne à arte, é para nós ontem,
é a arte que nós chamamos “moderna” e sobre a qual pensamos ter
apreciações justas, ao reconhecê-la como arte verdadeira, orgulho­
sos de termos cultura que nos proporcione isso.
Sem dúvida que é esta arte moderna que nos impede de
ver a arte contemporânea no que ela é. Muito próxima, ela desem­
penha o papel de “nova”, e nós temos tendência em querer e fazer
entrar, com toda a força, as manifestações actuais.

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Introdução

Assim, consagraremos a primeira parte deste trabalho a


esboçar os dois mundos em confronto, do moderno e do contem­
porâneo, os seus dispositivos de produção e de distribuição —
descrição dos sistemas — antes de entrar na segunda parte, na
análise dos movimentos que sulcaram e muitas vezes anunciaram,
no interior do domínio artístico, o novo estado da arte — análise
do que podemos chamar “arrancadores”, palavras de ordem e in-
junções, acontecimentos espectaculares ou sugestões insidiosas
que abriram o caminho a uma nova concepção da relação da arte e
do público, assim como as reacções a essas perturbações. Enfim,
tentaremos dar conta das actividades artísticas contemporâneas,
tendo atenção a esta grelha de leitura.

NOTAS:

1 Por exemplo A. Compagnon, Les cinq paradoxes de la modernité, Le Seuil,


1990.
2 P. Simmonot, DoWart, Gaüimard, 1990; H. Cueco e P. Gaudibert, L'arène de
l'a rt, G alilée, 1988; Y. M ichaud, L 'a rtiste et les com m issaires, Jacqueline
Chambon, 1989; L'artiste, le prince, pouvoirs publics et création, sob a direcção
de E. Wailon, PUG, 1990; La mise en scène de l‘arl contemporain, Colloque de
Bruxelles, 1989, Les Eperonniers, 1990; Art contemporain et musée, Cahiers du
Musée National d'Art moderne, n9 18, 1989.
3 Ver em particular: Publics et perception esthétique, in Sociologie de l'art, sob a
direcção de R. Moulin, Documentation française, 1986.
4 Cf. E. Kris e O. Kurz, L'im age de Vartiste, Ed. Rivages, 1979. Os autores
mostram até que ponto esta imagem é fabricada pelo rumor, pelos recitais dados, e
até que ponto nós nos agarramos ainda a essa ficção.

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I

CAPÍTULO I

A Arte Moderna
ou o ‘Rggime de Consumo

Os termos “moderno”, “modernismo” e “modernida­


de” suscitam muitas interpretações. E muito diversas. Pare­
ce então necessário definir o seu uso, no domínio do exer­
cício em que entendemos utilizá-los, se queremos ter um
discurso coerente. A parte que se segue é a da clareza,
com o risco da simplificação. Fiarmo-nos na linguagem,
com o seu uso acostumado, parece com efeito uma estraté­
gia útil, na medida em que permite um acesso “público” ã
significação e não requere referências “privadas”, que ape­
nas beneficiam o círculo restrito dos historiadores de arte e
dos críticos e teóricos informados1.

A maior parte dos teóricos da arte "moderna” interessa-se


pelo conteúdo das obras, pela repartição das tendências no seio
dos m ovim entos que eles analisam , e por um a avaliação dos
caracteres que as marcam. É assim que o term o "modernismo” é,
para o grande crítico e teórico Greenberg e para todos os críticos
e teóricos que o seguem (os “G reenbergers”) oposto ao term o

17
A Arte Contemporânea

“m oderno”, que vem a ser, numa m esm a feição, distinto do de


"m odernidade”, ou até mesmo contrário. O modernismo é, com
e fe ito , p ara G re e n b e rg , a ra d ic a liz a ç ã o d o s tra ç o s da a rte
moderna, e transporta com ele as qualidades de abstracção da
pureza abstracta, da abstracção formal, que tendem a dar à arte
um a a u to n o m ia to ta l, de ixa nd o bem p ara trá s as referências
exógenas, extra-picturais que ainda caracterizam a arte moderna.
O que nós cham am os a (ou nossa) m odernidade encontra-se
então ao lado deste m ovim ento de a u to n o m iza çã o , de auto-
referenciação da arte2 apartando ou excluindo q u alquer outra
significação e sobretudo o termo "moderno” aplicado à arte. É bem
certo que a clivagem entre termos tão vizinhos escapa à maior
parte do público não especializado.

Deixando de lado as análises de conteúdo, uma


visão mais global da significação é que nos vai reter. Assim,
poderíamos propor que modernismo, segundo a linguagem,
designe um comportamento, uma atitude frente às inova­
ções culturais e sociais. É “modernista” aquele que é “pela”
novidade, seja em que domínio for. Como podemos ser, em
oposição, passadistas. O modernista é aquele que gosta de
estar ao corrente das “modas”, partilha-as com entusiasmo,
propaga-as e contribui em fabricá-las.
Enquanto designar um comportamento deixado ao
livre arbítrio de cada um, este termo não nos vai deter.
A modernidade, termo abstracto, designa o conjun­
to dos traços de sociedade e de cultura que podem ser
observados num dado momento, numa dada sociedade. A
este título, o termo “modernidade” também se pode aplicar
à época que nos é contemporânea, agora em 1991, (“a
nossa modernidade” é 1991) tal como se aplica a não im­
porta que outra época, no momento em que a adesão à cul­

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A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

tura dessa época é reivindicada. Há também uma moderni­


dade de 1920, de 1950, ou 1960, etc. A única observação a
fazer aqui sobre o emprego deste termo é de ordem socio-
histórica: só recentemente, na história, é que a “moderni­
dade” é reivindicada por certos grupos de actores sociais.
Marca uma adesão à “sua” época, no que ela tem de ino­
vadora, quer dizer de crítica frente aos valores conven­
cionais; esta reivindicação é sobretudo feita pelos inte­
lectuais, artistas, e por certos fabricantes de opiniões. Nesta
óptica, o modelo clássico da querela entre os Antigos e os
Modernos é sempre válido. Dizemos que este modelo, de­
pois do século XIX, tende a tornar-se normativo. Há um im­
perativo da modernidade, à qual seria incorrecto tirá-lo.
Nisso, a “modernidade”, qualquer que seja o seu conteúdo,
é a ponta de lança do modernismo. É preciso ser moderno,
sob pena de se ser ultrapassado. Quer dizer que é preciso
entender estes dois termos como pertencendo aos “modos”
de vida, à moda.

Se o histórico da noção3 pode abarcar todos os períodos,


a partir do termo modernus atestado no baixo latim (no século V) e
enraizado numa tradição ainda mais antiga, atravessando a Idade
Média, a R enascença e o século XVIII, com esta ideia de uma
tem poralidade sempre renovável e duma criação contínua, opondo
o passado ao presente e marcando, de certa maneira, a fronteira,
é som ente depois de "As curiosidades estéticas” e "O pintor da
vida m oderna”, de Baudelaire (1859), que é convencionado ligar
“modernidade” a "moda”. Dando à "m oda” um valor específico de
tem poralidade efêmera, de acontecimento — “Libertar da moda o
que ela pode conter de poético no histórico, tira r o eterno do
transitório” — Baudelaire põe a tônica sobre o alcance estético de
um o lh a r "m o d a l”, no o lh a r do p re se n te que se a lim e n ta nas
m odificações que as condições sociais e históricas impõem ao
artista, ao pensador. É pôr em evidência a necessidade — dupla e

19
A Arte Contemporânea

p o r is s o a m b íg u a — de “ a d e r ir ” ao p re s e n te , à m o d a (“ A
m odernidade é o transitório, o contingente o fu g itiv o ”) e de se
separar para fazer suceder "a outra metade da arte, o eterno e o
im utável”, o que, por definição, não é essencial. "P rolongar no
desconhecido para encontrar o novo”. O novo, ou a modernidade,
tal é daqui em diante a palavra de ordem da estética.

Assim ligados, o conceito de modernidade e a prá­


tica estética fundem-se no que se vai tornar a arte moderna.
Vamo-nos servir então do termo moderno como
qualificando uma certa forma de arte, que conquista o seu
lugar (ao mesmo tempo que toma o seu nome) cerca de
1860, e que se prolonga até que intervém o que chamare­
mos de arte contemporânea. Este posicionamento histórico,
ligado à apelação “moderna”, chega de momento para su­
gerir os conteúdos nacionais que vamos evocar: o gosto pe­
la novidade, a recusa do passado qualificado de acadêmi­
co, a posição ambivalente de uma arte à vez “modal” (efê­
mera) e substancial (a eternidade). Assim situada, a arte
moderna realça um período econômico bem definido, o da
era industrial; o seu desenvolvimento; o seu resultado últi­
mo, numa sociedade de consumo.

M odernidade, arte e sistema industrial

Esta situação comanda um certo número de impul­


sos, tais como o compromisso sucessivo no circuito do con­
sumo de massas, o escorregamento do estatuto da obra de
arte para o de “produto”, e paralelamente a transformação
(ou a deturpação) do produto industrial em produto estético.
Tudo o que é produto deve ser consumido, para ser renová­
vel e consumido de novo. É esta omnipresença do consu­

20
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

mo que rege a arte moderna, por excesso ou por defeito,


por adesão ou por recusa. Importa então traçar em grandes
linhas o regime do consumo geral, para em seguida posicio­
nar os actores do campo especifico da arte: artistas, inter­
mediários e público.

Não se trata aqui de pretender que as obras reflitam uma


determinada realidade social, nem que a grande determinante seja
econômica, mas muito simplesmente que a circulação das obras,
os lugares ocupados pelos diferentes actores do campo artístico e
a recepção das obras pelo público estejam ligadas, por um lado, à
imagem da arte e dos artistas que é reconhecida como válida num
dado m om ento, e por outro, aos m ecanism os que põem essa
imagem em circulação, a propagandeiam, e a tornam eficaz.
Ora as posições desses actores, responsáveis pela aura
da obra, pelo seu poder de sedução e portanto pelo seu valor,
tanto no plano do julgamento estético como no plano econômico,
são elas próprias dep e n d e n te s do que uma so ciedade atribui
como valor à sua produção, da maneira como ela entende utilizá-
-la, do lugar que o seu sistema hierarquizado de distribuição dos
bens dá à arte.

I
O regime de consumo ou a
sociedade moderna

Vemos tanto mais claramente os caracteres da so­


ciedade dos fins do século XIX até aos anos de 1980, quan­
to mais estamos afastados. O efeito da distância permite re­
duções, ver as anamorfoses esclarecedoras: assim a “so­
ciedade do espectáculo”, que fez as belas horas das gera­

21
A Arte Contemporânea

ções de 1960, diz por si, a posteriori, a verdade sobre um


século de consumo. As reacções dos situacionistas esclare­
cem o interior dos mecanismos postos em prática e explora­
dos muito antes da crise de 1968. Passa-se o mesmo na
“sociedade de consumo”4. Consumimos o produto sob a
forma de espectáculo, consumimos os sinais espectacula-
res enquanto produtos, sendo os produtos como que sinal
do consumo dos produtos... em suma, consumimos. Porquê?
Como? Porque é preciso que a mercadoria circule, que ela
se escoe: a teoria dos fluídos é a mesma que explica a eco­
nomia: o dinheiro “derrama-se”, arrasta consigo os objectos
que desvia, levados por esse movimento líquido. Sempre os
mesmos e sempre diferentes. “No mesmo rio nunca entra­
mos duas vezes”5.
O movimento de consumo, que se generaliza, pro­
vém desta tensão entre o mesmo e o diferente, entre o des­
vio do rio e o que podemos reter, para imediatamente o deixa­
rmos fugir. Está aqui bem retomada esta dupla corrente da
“modernidade” tal como é definida cerca de 1860: seguir a
onda efêmera e retê-la, como o areeiro que eternamente
deixa filtrar a areia-instante e conta o tempo-duração.
Contudo, para que a passagem da produção inces­
sante de novidade do consumo por igual se faça, em conti­
nuidade, são necessários mecanismos, roldanas.
Uma espécie de grande máquina industriosa, pro-
vocadora, tentacular, põe-se em acção. A isso chama-se
“mercado”, mas muito rapidamente a simples lei da oferta e
da procura, de acordo com as “necessidades”, afrouxa: é
preciso excitar a procura, excitar o acontecimento, provocá-
-lo, rodá-lo, fabricá-lo. Pois a modernidade alimenta-se.

22
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

1. Um esquema linear

As análises que evocamos demonstram muito bem


as últimas etapas da transformação do regime industrial
clássico em regime de puro consumo. O movimento nasce
durante os anos de 1850, com o poder crescente da peque­
na e média burguesia. Não esqueçamos que o fim do sécu­
lo XIX e toda a primeira metade do século XX são ocupa­
dos com o debate sobre as teorias econômicas que suben­
tendem os movimentos sociais, reivindicações, do sujeito
de trabalho, pelo justo salário, pelo direito à expressão, que
o valor de uso e de troca se afrontam em conflitos regula-
res. Enquanto que os craques financeiros e as especula­
ções bolsistas caminham regularmente, uma classe média
emerge lentamente e estabiliza-se nos seus gostos, nos
seus comportamentos e nas suas opiniões.
Os valores de progresso (progresso científico e
técnico e também de progressão na escala social) de tra­
balho, que dá acesso à propriedade, a tônica posta na edu­
cação — condutora de “situações” futuras — e nas boas
maneiras (entre as quais se conta o bom gosto e a cultura)
tudo concorre para desenhar um modelo que segue estrita­
mente o esquema tripartido bem conhecido: produção-dis-
tribuição-consum o. Esquema que concerne não só aos
bens materiais mas também aos bens simbólicos. Produto­
res: os fornecedores de matéria prima, os industriais, pe­
quenos e grandes, mas também os educadores, os inte­
lectuais (científicos ou literários), os artistas. Distribuidores:
os comerciantes, negociantes, marchands. Consumidores:
toda a gente. Sem excepção (pois mesmo o pobre, ainda
que miserável, consome qualquer coisa). Num tal sistema,
as posições estão bem claras e definidas, e se nem todos

23
A Arte Contemporânea

encontram o seu lugar, pelo menos os que o encontram


estão “arrumados”. É porém preciso que este equilíbrio se
possa manter. Por isso o consumo dos bens deve, no míni­
mo, avaliar a produção, e, melhor ainda, relançá-la. Nada
de tempo perdido. É a velocidade contínua, sem inter­
rupção, desastrosa para o equilíbrio do conjunto, que aqui é
lei. Aos dois extremos da cadeia produção e consumo lan­
ça-se um desafio permanente. Eles são necessários um ao
outro, pois enquanto que peça da máquina, o consumidor é
pelo menos tão necessário como o produtor: é um cliente,
um membro da família, quer esteja actualmente em vias de
consumir ou seja unicamente virtual.

2. Os intermediários, fabricantes da procura

Vemos instalar-se uma circularidade na continuida­


de linear do esquema, se bem que podemos pretender que
o consumidor, num certo sentido, também “produz”: ele pro­
duz a procura, a qual é produzida, por seu turno, pelos in-
termediários-marchands. Estes encarregam-se do “anún­
cio”, provocação à compra, incitação ao consumo. O produ­
tor e o intermediário tiram disso benefício. Mantendo cada
um no seu lugar, todos se encarregam porém de fazer rodar
o sistema, alternadamente, produtores e consumidores:
eles estão ligados pela máquina. Sabemos muito bem que
esta máquina se pode desregular, enlouquecer, que os con­
sumidores não são suficientes para a conveniência de
absorção, que deste modo, a simples apresentação se
transforma em sistema de publicidade, aumentando assim o
número de intermediários (surgem os “mediadores”), entre­
tanto especializados em funções diferentes — desde o es­

24
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

tudo de mercado aos cenários da venda. O esquema com­


plica-se, os alvos multiplicam-se: jovens, velhos, reforma­
dos, quadros, operários, mães de família ou celibatários exi­
gem tratamentos diferentes; as publicidades visam, com uma
precisão maníaca, grupos cada vez mais restritos, enquanto
que o número global dos consumidores aumenta.
Na repartição dos papeis, o lugar do intermediário,
aquele que faz a ligação entre a produção e o consumo tor­
na-se predominante. Ele deve activar a procura, introduzir
essa espécie de picante que torna os bens desejáveis, de­
ve escolher os alvos propícios, fragmentá-los, regular assim
o escoamento da mercadoria, provocando então uma pro­
dução de acordo com a fabricação das famosas “necessida­
des". Estas “necessidades”, porque assim é preciso, vão en­
contrar um campo particularmente propício à renovação: o
domínio da cultura, os bens “simbólicos”. Aqui, é o interme­
diário que institui a regra, fornece os critérios, transforma-os,
e renova assim os modelos por esse tipo de necessidades.
Em suma, divisão das grandes concentrações eco­
nômicas, multiplicação dos postos de venda e dos interme­
diários, fragmentação da clientela e, paralelamente, acesso
ao consumo mais largo, consumo que diz tanto respeito aos
bens materiais como aos bens simbólicos, como sinais de
um êxito social. Ou ainda como simples sinais de uma ade­
quação à lógica de consumo, quer dizer, de uma adequa­
ção de cada um enquanto consumidor ao sistema de troca
geral, que é também troca social conseguida6.
É num tal contexto que convém situar o que con­
cerne à arte moderna: a sua emergência e a sua constitui­
ção em sistema, sistema que funcionará durante uma cen­
tena de anos neste esquema.

25
A Arte Contemporânea

II
Os efeitos do regime de
consumo no registro da arte

1. Contra a Academia

Não é por acaso que concordamos em situar o iní­


cio da Arte moderna cerca de 1860. O fim do século XIX re­
gistra, com efeito, o recuo da dominação da Academia, ins­
tituição destinada a gerir a carreira dos artistas, estabele­
cendo os preços, provocando as encomendas. Porquê este
recuo? Por causa do desenvolvimento industrial que suce­
de, com o Segundo Império, a um período tumultuoso. O
enriquecimento de uma classe burguesa provoca um afluxo
de potenciais compradores de arte, enquanto que, do outro
lado, os pintores reivindicam um estatuto menos ferozmente
centralizador, menos autoritário — libertando-se do incômo­
do do Salão de Paris, com o seu júri distribuindo os prêmios
ou excluindo dos certames os pintores que não lhes agra­
davam. Reivindicação de um sistema mais livre, mais dócil,
direito à exposição. Resultado, o Salão é declarado “livre”
em 1848 e são apresentadas 5180 telas em vez das 2536
de 1847: duas vezes o número atingido anteriormente. Há,
a partir de 1850, cerca de 200 000 telas produzidas por ano,
obras de cerca de 3000 pintores agrupados em Paris, e de
1000 outros que trabalham na província. Um crescimento
considerável.
Ora, perante este impulso, o sistema acadêmico
oferece uma só escola — as Belas Artes — um só Salão, o
de Paris, um só júri (mesmo se os seus membros mudam
frequentemente) submetidos aos mesmos constrangimen­

26
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

tos e pressões, alguns prêmios, as medalhas e os fora-con-


cursos, que podem fazer-se reconhecer e obter encomen­
das do Estado.

"As funçõe s econôm icas de que a A cadem ia Real se


isentou, desde há muito, fazem muitas vezes uma falta cruel. O
H o te l D ro u o t e ra a ú n ic a re s e rv a da e s tru tu ra a c a d é m ic a -
governamental que permitia vender as obras de arte às pessoas.
A inda por cima, a m aior parte das vendas em leilões que eram
organizadas constavam de mestres antigos e de antiguidades. O
sistem a acadêmico não soube nem desenvolver nem cultivar os
diversos mercados que existiam potencialm ente num público de
c o m p ra d o re s a la rg a d o , co m o não so u b e , c o rre la tiv a m e n te ,
encorajar a identificação das individualidades artísticas com os
seus m ercados”7.

Outra falha, manifesta a contradição entre duas


crenças paralelas e opostas: a crença dos pintores na ne­
cessidade de uma instituição oficial, dotada de um poder de
julgamento “sério”, e crença no julgamento de um público
de quem depende a reputação e a venda das obras.
Resposta a estas contradições? A especialização
dos Salões e a sua descentralização. Dito de outro modo, a
abertura de um mercado independente: o “sistema mer-
cado-crítico”8.

2. Que quer dizer “libertação”?

A “libertação”, que a arte moderna entende prosse­


guir face ao sistema da arte acadêmica, está ligada ao libe­
ralismo econômico, que é a marca de um regime de pro­

27
A Arte Contemporânea

dução e consumo. Portanto, apesar disso, essa libertação


da arte não significa que renunciemos a um certo apego aos
valores seguros do êxito oficial. “Contra a Academia” é uma
palavra de ordem que tem mais de constatação da impotên­
cia em gerir o domínio da arte e dos artistas do que uma re­
cusa dos valores atestados e defendidos por esse sistema.
Com efeito “êxito”, no sistema acadêmico, significa
reconhecimento, confirmação e portanto dinheiro. Se o Sa­
lão anual e o seu júri não conseguiam desempenhar a ta­
refa de declarar admissível ou não um número crescente de
artistas, era então preciso que qualquer instituição, esta
não-oficial, se encarregasse de assegurar uma função idên­
tica: o reconhecimento do talento e uma remuneração. Os
valores permanecem os mesmos, simplesmente a sua dis­
tribuição muda de mãos. Era este, muitas vezes, paralela­
mente ao Grande Salão e às suas decisões, o.trabalho dos
órgãos privados, sendo os marchands e os críticos pre­
ciosos auxiliares e o alvo os compradores.

“As exposições fazem -se à margem dos lugares oficiais:


C o u rb e t e M a n e t têm o seu p ró p rio p a v ilh ã o na E x p o s iç ã o
universal de 1867. Os im pressionistas decidem reagrupar-se na
casa de Nadar (1874), na de Durand-Ruel (1876), depois num lo­
cal da rue Le Peletier (1877). O dinamismo desloca-se progressi­
vamente, a partir das empresas privadas, nas sociedades como a
dos á g u a -fo rtis ta s (1 8 6 2 ) ou nas g a le ria s de e xp o s iç õ e s de
marchands c omo Durand-Ruel...”9.

3. O crítico -marchand

Uma vez que o Estado já não podia absorver as


encomendas, um outro público devia substituí-lo. Mas, para

28
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

isso, era preciso que ele estivesse informado, e que se deli­


neasse um movimento, na opinião, em favor desta margem
crescente de pintores “recusados” ou simplesmente deixa­
dos de lado pelo sistema acadêmico. Esta tarefa vai ser to­
mada em conta por uma personagem até então “influente”,
mas cujo papel era o de acompanhar os seus comentários
— apresentar, sustentar ou reprovar — tal artista ou tal
exposição, e que agora vai ser o elo indispensável ao lan­
çamento em circulação das obras: o crítico.
Escritor, jornalista, mesmo folhetinista cotado e que
exerce uma certa influência sobre os seus leitores, o crítico
torna-se num profissional da mediação junto de um público
bastante mais extenso: o dos amadores de arte, ou dos
simples curiosos. Ele “fabrica” a opinião, e contribui para a
construção de uma imagem da arte, do artista, da obra em
“geral” — e de tal artista ou grupo de artistas a que ele se
liga em particular.
Formam-se pares, ou muitas vezes trios: marchands
com os seus críticos, artistas com os seus marchands e crí­
ticos que os sustentam. Não se tratará mais de sustentar
um grupo oposicional em conflito com os oficiais, sistema
de duas vozes opostas, mas de jogar subtilmente num mer­
cado aberto, e de encontrar o “seu” artista ou o “seu” grupo,
sobre o qual joga a sua reputação de crítico. Pois são estes
críticos que vão designar os movimentos, e, designando-os,
constituem-nos como tal.

Sabemos, por exemplo, que o termo "im pressionista” foi


lançado com o um in su lto por um certo Leroy, num a rtig o do
Charivari de Abril de 1874, a propósito de uma pintura de Monet,
Impression soleil levant. Notado como um desafio, a palavra serve
depois como estandarte de todo o grupo.

29
A Arte Contemporânea

Assim o papel do crítico é muitas vezes o de “colo­


car” um artista, seja integrando-o num grupo oposicional,
seja isolando-o como figura singular e, portanto, original.
Originalidade compensada — já que o que é demais parece
mal — pelo tratamento do comentário que mediatiza os
efeitos. Pois o “colocar” na sua prosa ou nos seus escritos,
é provocar a atenção do público, e também a venda. Por
outro lado, o crítico ao fazer conhecer o artista faz-se co­
nhecer a ele próprio. Ele tem necessidade desse reconhe­
cimento pois, contrariamente aos escritores já conhecidos,
que cometam tal ou tal acontecimento artístico à margem
ou para além do seu trabalho habitual, o crítico mediador
deve mostrar-se para existir.
Portanto, ele mostra-se. Escreve nos jornais espe­
cializados.

Uma dezena de periódicos especializados em arte, em


1850, mas já uma vintena em 1860. Sem contar os quotidianos,
com a sua rubrica “Arte”, e as revistas existentes, como a Revue
des Deux Mondes, que consagra páginas aos "Salões”. Se, em
1859 Charles Blanc funda a Gazette des Beaux-Arts, a partir de
1861 não c o n ta m o s s e q u e r as fu n d a ç õ e s : as do C o u rrie r
artistique, da La Revue fantaisiste, da La Chronique des arts et de
la curiosité, do Petit journal, do Nain jaune.

Em 1882, a desvinculação do Estado na organiza­


ção do Salão anual e a constituição da Sociedade dos Artis­
tas franceses, de ora em diante encarregada da sua gestão,
dá ainda mais importância ao papel do crítico, agora o único
habilitado a distribuir os elogios ou as censuras.

30
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

4. O crítico, juiz do gosto

É preciso não acreditar, no entanto, que vai emergir


de um só golpe uma nova maneira de julgar, que — pela
cria çã o, ã m argem da A cadem ia e numa espécie de
oposição com ela, de um dispositivo de amostragem e de
custo das obras — os valores atribuídos vão mudar brusca­
mente. E então o crítico, nova estrela que sobe ao firma­
mento da arte, vai revolucionar subitamente o jogo. Pois,
enquanto intermediário entre o artista e o público, que ele
tenta convencer, o crítico deve manter-se o mais próximo
possível de valores já reconhecidos anteriormente. De facto,
ele supre o júri dos Salões, onde o substitui. Ele vai então
promover, durante um certo tempo, os mesmos temas e a
mesma hierarquia aceite pela Academia. Num primeiro tem­
po, triunfa ainda a classificação com base na pintura mi­
tológica, nus, retratos.
A paisagem, antes de se tornar preponderante,
emerge lentamente como um tema válido, mas continua li­
gada às figuras que pintam “motivo”.

(M ille t, Breton ou B a stie n -L e p a g e retêm o in te re sse ,


porque não renunciam ao motivo, enquanto que são m antidos
afastados Pissaro, Manet ou Renoir).

É preciso, neste amálgama de obras e diante da


afluência do público curioso às exposições, ressaltar, dis­
tinguir, hierarquizar. O sistema destas escolhas resiste às
novas “figuras” que os pintores propõem ao olhar. A crítica
marca o passo, faz-se rogada, segue com atraso aqueles a
quem deve promover as obras.

31
A Arte Contemporânea

A mudança opera-se, portanto, sob duas formas:

— A existência de artistas independentes obriga o


crítico a escolher o seu campo, a firmar as suas posições.
Esses julgamentos de valor não concernem apenas à esco­
lha, pelo pintor, de tal ou ta l“ tema” e o seu tratamento mais
ou menos conseguido, mas serão influenciados pela esco­
lha ideológica. É ele a favor ou contra os movimentos “opo-
sicionais”? Vai ele inscrever-se ou não como actor do mer­
cado livre? Num ou noutro caso, o estilo das suas propos­
tas será necessariamente diferente.
— Se ele decide entrar no jogo “livre”, a simples
descrição literária, à qual as obras de tema se prestavam
até então, deve ceder diante da apreciação da forma plás­
tica. O crítico transforma-se em mestre de atelier, julga um
rascunho, um modelo, um efeito de luz. Ele entra ainda mais
no detalhe da obra. Assim se torna, aos olhos do público
não iniciado, num verdadeiro profissional, que sabe do que
fala. O jovem escritor conquista assim as suas posições, a
sua notariedade: os jogos econômicos e a renovação das
estéticas permitem-lhe singularizar-se.

A primeira escolha, que é “política” ou ideológica,


traz então consigo uma obrigação de estilo. Na medida em
que é obrigado a romper com a tradição clássica, acadêmi­
ca, da descrição dos temas (os novos pintores que se pro­
põe defender não se prendem aos temas), o crítico está ne­
cessariamente colocado em situação de inovar.
Quando a existência e a consistência de um mer­
cado independente estão devidamente estabelecidos, a
partir dos anos 1890, o poder da crítica de arte é dominan­
te, sobre todos os planos, e substitui-se progressivamente
ao do reconhecimento “oficial".

32
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

A crítica da arte não é mais um acompanhamento,


nem uma transposição; ela torna-se — além do seu destino
mercantil — numa tentativa de descrever e teorizar as no­
vas formas plásticas. Assim, ela conquista uma certa auto­
nomia, que vai a par com a nova independência adquirida
dos artistas e concorre para estabelecer a. autonomia da
forma pictórica, enquanto tal.

F élix Fénéon (1 8 6 1 -19 4 4 ) é um bom e xem plo d e s ta


vontade do crítico “m oderno” de seguir de muito perto o trabalho
dos artistas que ele elegeu: inventor do termo "neo-impressionis-
ta ”, ele é o teórico de Seurat, Signac, Pissaro. Constata o efeito
o b je c tiv o do q u a d ro c o n s id e ra d o c o m o um fa c to p ic tu ra l
autônom o, analisa a mistura óptica, analisa a esquadria branca
em S eurat, a sua c rític a co n trib u i para fixa r os ca ra cte re s do
q u a d ro com o p ic tu ra lid a d e p u ra , c o n s id e ra d o co m o e s ta d o
essencial do quadro, sem referência a qualquer sujeito. "Objecto
visual negligente a fruir directam ente”, como notava, em 1886, o
crítico Teodor W yzeka10; os pintores desviavam o discurso crítico
para a análise plástica. Enquanto que esse mesmo discurso lhes
fornecia uma argumentação científica11.

Também ela independente, a crítica da arte afirma


a sua autonomia, tornando-se num gênero à parte. Ela
encaminha-se para a exploração de críticas internas à
pictoralidade, e deixa o domínio das avaliações normativas
que concernem ao formato, temas, adequação das figuras
ao tema, em suma o tratamento iconográfico que era até
então a substância da crítica oficial.
Deste modo, não somente ela segue de perto os
artistas e os grupos que privilegia, como, tecendo o laço
entre o mundo da arte e o mundo dos amadores, ela pro­

33
A Arte Contemporânea

porciona ao público problemas propriamente picturais, e fa­


brica, para a opinião, a imagem do artista “moderno”, que
projecta no futuro como “vanguarda”.

5. O crítico vanguardista

Tal como, no plano econômico, o intermediário


marchand-publicitário se torna no motor da produção e do
consumo, o crítico de arte realiza, no domínio da arte, o tra­
balho, novo na tradição crítica, de “projectar”. O seu propó­
sito visa o futuro, desenvolve as possibilidades ainda laten­
tes do grupo que ele defende, possibilita-lhes um futuro
pictoral.

A pollinaire — enquanto que crítico de arte — escreve


textos para sustentar os seus amigos cubistas, mas ao mesmo
tem po traça uma via para alguns de entre eles. A propósito de
D u c h a m p 12: " ... e s ta rá ta lv e z re s e rv a d o a um a rtis ta tã o
preocupado com a energia como Mareei Duchamp, reconciliar a
Arte e o P ovo...” “Uma arte que terá como objectivo extrair da
Natureza, não as generalizações intelectuais, mas as formas e as
cores colectivas, em que a percepção ainda não se tornou numa
noção muito concebível, e parece que um pin to r como Mareei
Duchamp está em vias de o realizar.”

O crítico, ao influenciar o marchand nas suas esco­


lhas, ao escrever nas revistas onde se acotovelam escrito­
res e poetas, alimenta uma “vanguarda” resolutamente
orientada para o moderno. É por pequenos grupos, que
unem as amizades e as questões, que se formam estes
postos avançados da arte. Os pintores de quem eles fazem

34
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

os elogios são em geral também os amigos — freqüenta­


ram as Belas-Artes juntos, expuseram em conjunto, têm os
seus ateliers próximos, possuem muitas vezes as obras de
um ou de outro. Reúnem-se frequentemente. Criticam-se,
imitam-se ou distinguem-se.

Passa-se isso no grupo dos impressionistas, tantas vezes


descrito, mas tam bém no dos cubistas, dos Picasso, Duchamp,
Villon, dos anos 1915, do laço entre Breton, os surrealistas e os
pintores da época.

O crítico da vanguarda está lá para cimentar os gru­


pos, para teorizar os seus diferendos, para se bater contra
os conservadores, e para convencer o público. É um traba­
lho de promoção, em que o argumento de venda se baseia
na profecia auto-realizadora. Assim, Apollinaire usa o futuro
predicativo, que tem por efeito projectar no futuro um cubis­
mo de expressão recente, da segunda maneira, e de pro­
longar na sombra os movimentos da antiga. O impressionis-
mo é dos esquecidos. A modernidade reclama-se, não mais
de uma simultaneidade, como era a questão com Baudelaire,
mas de um “avanço”. A arte deve desenhar a via futura,
traçar as bases de uma nova sociedade, se o futurismo não
é admitido pelos críticos franceses, nem por isso é menos
uma lição: a modernidade está a realizar-se “para além” do
conservadorismo burguês. Sempre à frente.
Tomada assim como farol de um progresso social,
a arte vanguardista tinge-se de política. Os críticos que
teorizam os seus movimentos travam um combate ideológi­
co, cujo tom é muitas vezes o do manifesto.

35
A Arte Contemporânea

O “Cabaret Voltaire” expõe as obras de Arp, Van Rees,


Picasso, Eggeling, Kandisky e Marinetti; fundado em plena guerra
em M uniqu e, ele p re ce d e o m o v im e n to D ada. O m o vim e n to
politiza-se muito depressa. Toma partido pela revolução proletária.
O slo g a n “ D ada é p o lític o ” ; la n ça do em 1920, é se g u id o de
exposição a escândalos e manifestos sucessivos. A revista Dada
aparece em fascículos numerados, enquanto que Schwitters lança
M e rz n a s m a rg e n s do c u b is m o e do fu tu ris m o . E s te s
"vanguardistas” têm o seu chantre: André Breton, director, a partir
de 1926, da revista La Révolution surréaliste 13.
A im p o rtâ n c ia do c rític o de va n g u a rd a não d e ixa de
a u m e n ta r, m esm o se, nas p ro x im id a d e s do s anos 1950, as
divergências políticas e as tom adas de partido ideológico se fazem
se n tir m enos. A va n g u a rd a d e fin e -se então p ro gressivam ente
como “A ponta do movimento da arte moderna” e reagrupa artistas
bastante afastados uns dos outros, mas que representam o que
de m ais "a va n ça d o ” se faz neste dom ínio. São ainda aqui os
críticos que lançam esta vanguarda referindo-a, e pondo-a em
evidência. A escola de Nice é um exemplo significativo14. O termo
é utilizado pela primeira vez no jornal Combat, pelo crítico Claude
Riviére; depois é lançado de novo, em 1965, no UExpress, por
O tto H ahn; reto m a d o p o r G a u m o n t, é a d o p ta d o por Ben em
Identités. O ra este te rm o liga p in to re s com h o rizo n te s m uito
diferentes: os novos realistas, os pintores de suporte-superfície,
a s sim co m o os in d e p e n d e n te s , que se lig a m “ p o rq u e um a
chancela é muito importante para os jovens artistas”15.

6. O produtor: o artista

Neste sistema “marchand-crítico”, deixamos de lado


voluntariamente as duas extremidades da cadeia: o pro­
dutor do objecto posto em circulação e o consumidor. Am­
bos sofreram as transformações em relação ao esquema da
arte acadêmica, diremos que não pelo seu inteiro alvedrio,
mas por ricochete.

36
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

0 artista, ao isolar-se de um sistema que lhe asse­


gura a segurança, torna-se por isso numa figura marginal.
Submetido às flutuações do mercado — devidas, numa boa
parte, à concorrência, ao número crescente de artistas — ,
ele preocupa-se com a sua sobrevivência e coloca-se então
sob a dependência de marchands e críticos. Mas “marginal”
não quer dizer, por enquanto, “solitário”; ele faz parte de um
grupo que é a sua salvaguarda. O grupo tem um nome (que
nem sempre o pintor tem), os apoios, uma audiência. Ele
produz e protege. O sistema de consumo promove um gru­
po, não um artista isolado, pela simples razão, calculada
sobre o mercado, de que um produto único atrai menos
consumidores que uma constelação de produtos que osten­
tam a mesma chancela. Numa mesma gama, certos objec-
tos serão produzidos primeiro e atrairão os outros menos
reputados, e portanto menos caros, e susceptíveis por “co­
loração” de serem procurados pelos compradores menos
abastados (o correspondente aos pequenos mestres do
século XVIII).
O termo da escola é substituído por um nome que
agrupando pintores que trabalham de uma determinada
maneira, sustentados pelos mesmos críticos e vendidos
pelos mesmos marchands. Por este facto, a singularidade
de um dos artistas deste grupo só será visível quando se
impelir o retrato para a excentricidade, talvez a extrava­
gância. Pelo menos a sua biografia deverá ser objecto de
um tratamento romanesco. O artista compreende isto per­
feitamente, e dá matéria a esse tratamento, quando não é
ele próprio que a fabrica. A vanguarda, em nome da qual o
crítico se ocupa dele, quer-se provocante. Da atitude “bur­
guesa” dos primeiros recusados, desejosos de ganharem a
sua vida, de não serem escorraçados da (boa) sociedade,

37
A Arte Contemporânea

em suma desejosos de honorabilidade — como era o caso


para os impressionistas — passamos cada vez mais para
uma atitude contestatária, aos “happenings”, às encena­
ções (as prestações de Dali, Y. Klein atirando o seu lingote
de ouro no Sena...). Não é apenas a imagem do artista que
se inverte; esta inversão torna-se norma, ao ponto das bio­
grafias dos pintores do passado serem reconstruídas sobre
o mesmo modelo16.
É o meio de manter intacta a fonte da produção, o
criador, independente do mercado e portanto livre de qual­
quer suspeita de comercialização, para que a sua credibili­
dade junto do público continue intacta. Voluntária ou não, a
exibição do artista como anti, fora, ou para além das regras
do mercado de consumo está provada. Táctica bem conse­
guida, pois se de facto ele já não é o estudante pobre na
sua mansarda, que freqüenta as tabernas com os seus ami­
gos e arruina a sua saúde e a sua família, imagem herdada
do século XIX romântico, a imagem que o público faz do
artista não está muito afastada desta composição. De facto,
ele recusa a ideia de qualquer enriquecimento do artista,
agarrando-se à arte desinteressada, à criação “livre”, devida
ao sofrimento, deixa de avaliar os lucros muito reais, acu­
sando muitas vezes os intermediários de explorarem o pro­
dutor, o artista. Van Gogh, o maldito, o exilado da socieda­
de, fixa o paradigma, ostenta todos os sofrimentos.

7. O consumidor: amador, coleccionador.

Para que os mediadores-intermediários da cadeia


de consumo da obra de arte — como de qualquer outro pro­
duto — sejam eficazes, é portanto necessário isolar o pro­

38
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

dutor, o artista, como se ele estivesse inconsciente da saída


da sua produção. Esta consciência, é o mediador que a tem,
a desenvolve, a sustenta. Pois é ele quem tem conhecimen­
to do virtual consumidor. Quem é então este consumidor?
Em primeiro lugar, o coleccionador, geralmente
qualificado de “grande”. É uma reunião do grande burguês
ou do aristocrata esclarecido, amador das coisas belas, e
tendo os meios para satisfazer os seus gostos. O seu ecle­
tismo garante, em princípio, um largo leque de possíveis
escolhas no que lhe será proposto. Como está “ã vista”, ele
é a melhor publicidade para os pintores que compra. Ele faz
o papel da locomotiva. Faz também o papel de tesouro
público. Com efeito, a tradição quer que ele legue a sua co-
lecção a um museu, a uma fundação, pondo assim à dispo­
sição de todos uma quantidade não negligenciável de obras
maiores e de outras menos importantes, quem sabe se
desconhecidas. Agente activo do mercado, assegura assim
a troca com outros coleccionadores, faz as obras transita­
rem de país para país. Enquanto tal, ele reforça a activida­
de dos mediadores. Tece o laço entre marchands e críticos,
é um ponto central do dispositivo.
Do mecenas histórico, guardou alguns traços: não,
como pensamos comummente, por prestar ajuda financeira
aos artistas escolhidos, mas pela perseguição da glória, que
se juntará a ele, e o desejo simultâneo de enriquecer o pa­
trimônio público de uma obra, a sua, monumento consagra­
do que terá o seu nome. Esta óptica não o impede, natural­
mente, de ser um homem de negócios, em que o gosto para
as obras depende em grande parte do seu “faro” para os
bons negócios17.
Em seguida vêem os amadores, informados, que
compram para seu prazer e com o pensamento reservado

39
A Arte Contemporânea

de terem feito um bom negócio. O meio, para os interme­


diários, de tocar nesta clientela, é evidentemente fazer bri­
lhar os benefícios possíveis: uma tela pode subitamente
atingir uma quota importante. Curiosidade, risco pelo gosto,
prazer por ter tido o “golpe de olho”, sentimento de partici­
par num mundo à parte, justamente o mundo dos coleccio-
nadores, eis os iscos para o turista-amador.
Outro caso a figurar: os amadores fazem muitas ve­
zes parte do ciclo de amigos que rodeiam os pintores, ou
são os próprios pintores que, no interior do seu grupo, tro­
cam ou compram mutuamente as suas obras. Comunicam
entre si as moradas dos marchands, os lugares de exposi­
ção, discutem as condições do seu trabalho, em suma auto-
consomem-se, de alguma maneira, como um organismo
que se alimenta de si próprio.
Enfim, o público que consome pelo olhar. Que fica
em frente à vitrine, tendo o papel passivo, mas importante,
do puro espectador; pela sua massa flutuante, ele sustenta
o conjunto do dispositivo. Cabe-lhe o reconhecimento, a
opinião estabelecida. É ele quem transporta o rumor. É a
ele que compete formar e transformar a imagem do artista,
a da arte. Sem ele, nada de vanguarda, a quem faltaria
então o objecto de uma provocação renovável.

Contudo, esta massa diminui à medida que o poder dos


interm ediários aumenta. Não temos mais, como se passava nos
Salões anuais, aquele afluxo de amadores ou de simples curiosos,
idos lá com o clientes, e que se am ontoavam ao ponto de não
poderem se quer respirar, em frente das cim ácias cobertas de
te la s 18. A dispersão, a d issem inação em m últiplas galerias, a
abundância das manifestações, desencorajam o público, em vez
de aumentarem o seu número. Ele desinteressa-se das vanguar­

40
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

das e continua a fixar-se sobre os valores da arte, m oderna, é


certo, mas representados, para ele, pelos Impressionistas. Trata-
se então de um “não-público”, como o entendem certos sociólogos
da a rte 19? A recusa do p ú blico em levar a sé rio as obras de
vanguarda, algumas vezes mesmo quase as destruindo, indicaria
que esse público entende perm anecer fiel à sua ideia de uma
ética, baseada essencialm ente na conform idade às norm as, à
c o n ve n iê n cia , ao que um “bem c u ltu ra l” deve re p re se n ta r no
conjunto dos valores de consumo. O exemplo de Beaubourg tende
a provar que está certo enquanto não se integrar no sistema de
consum o habitual em que a arte vanguardista é recusada. Se
Beaubourg, como tantos espaços culturais, é largamente freqüen­
tado, é enquanto serviço livre, pólo de diversas actividades, lugar
de encontros.
"... B ib lio te ca a p e tre ch a d a de cafeteria, e p ro vid a de
escadas, série de pequenas salas de exposições tem porárias,
abertas à noite, grande hall, onde vimos gozar o “mundo”, durante
longas horas, apoiados nos varandins do mezzanino, etapa rápida
sobre o terraço panorâmico, entre o Forum des Halles e o Bazar
do Hotel de Ville...”20.

III
A arte moderna

Esta descrição, sucinta, do estado da arte moderna


valora certos traços característicos.

1) A arte moderna encontra a sua fonte numa ruptu


ra com o antigo sistema do academismo, hiper-protegido,

41
A Arte Contemporânea

centralizado, centrado sobre o julgamento que o Salão


anual suscitava. Mas esta ruptura não acarreta, por en­
quanto, o abandono dos valores de reconhecimento nem o
desejo de segurança que o academismo oferece a um pe­
queno número de pintores.
2) Ao fraccionarem-se em pequenos grupos, inde­
pendentes, descentralizados, mas geograficamente situados
na região parisiense, os pintores oferecem a possibilidade à
opinião de formar uma imagem do artista em “exílio”, per­
tencendo a uma esfera à parte, tanto valorizada como es­
tranha. Ele é concebido como oposto ao sistema mercantil
que o explora, como incapaz de estratégia, vivendo num
mundo “artista”, inconseqüente e desconectado dos impera­
tivos materiais. O artista está assim isolado enquanto que
produtor, e é confirmado nesta função pelos críticos, pela
literatura, e pelas biografias.
3) O espaço intermediário entre produtor e consu­
midor povoa-se de uma grande quantidade de figuras — do
marchand ao galerista, passando pelos críticos, os especta­
dores, os coleccionadores. Se este espaço tende a misturar
estas figuras: coleccionador e marchand, crítico e especta­
dor, galerista e coleccionador, já não resta de maneira ne­
nhuma um universo fechado, com papel bem definido.
4) A visibilidade social do pintor está dependente do
seu compromisso ou não numa vanguarda, num movimento
— é o grupo que distinguimos — que vem contrariar o valor
de isolamento em que pomos a essência do artista. Daí
uma lenta dissociação e um recuo do público. Ele não acei­
ta que as leis do mercado econômico se apliquem no domí­
nio artístico. Do mesmo modo, a concentração das exposi­
ções na capital, paralela à sua fragmentação, leva a um
desinvestimento do público.

42
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

O que produz este estranho dispositivo:

— Onde continuamos a opor ao que realmente se


passa a ilusão de um estado de arte, onde o lugar do círcu­
lo intermediário tende a invadir os outros dois círculos.
Quando temos por válido este modelo “moderno”, tal estado
de coisas é sentido como uma catástrofe.
— Onde continuamos a sonhar com uma vanguar­
da, como se ela devesse fazer parte do domínio artístico a
título de um imperativo sine qua non, enquanto constata­
mos a sua desaparição.
— Onde continuamos a crer na imagem do artista
isolado e exposto aos especuladores, enquanto temos o
exemplo do enriquecimento dos pintores mais conhecidos,
e sabemos que eles são também grandes coleccionadores,
até mesmo corretores.
— Onde continuamos a supor apresentar um pú­
blico de massa, e a tentar acções educativas, enquanto sa­
bemos bem que está cada vez mais ausente da cena artís­
tica.

De facto, a imagem da arte moderna, que se man­


tém através de toda a espécie de médias, contribui para
desconsiderar a arte contemporânea: julgamos o presente
com a medida do tempo passado, onde os critérios de valor
subsistiam, onde toda a “modernidade” estava situada e
pertencia, ao conceito de “vanguarda”, onde a arte, ao que
parece, assumia a sua função crítica.
Teremos então, hoje em dia, perdido toda a medi­
da, todo o julgamento, e todos os valores? É uma longa de­
cadência que nos espera, ou é preciso, para apreender a
realidade contemporânea, utilizar um outro modelo?
A Arte Contemporânea

NOTAS:

1 O importante número de obras e de artigos de revistas consagrados à colocação


de noções de modemo, de modernismo, e de pós-modemismo atesta o embaraço da
análise. Para lembrar: H. Meschonnic, Modernité, modernilé, Verdier, 1988; Les
Cahiers du Musée N ational d 'A rt moderne, 19-20, Junho 1987, e na 22,
Dezembro 1987; A. Compagnon, Les cinq paradoxes de la modernité, Le Seuil,
1990.
2 Clément Greenberg, Art et Culture. Essais critiques, Boston, 1961, trad. franç.,
Macula, 1988. E também, os primeiros trabalhos de R. Krauss e de Michael Fried.
3 Ver o belo estudo de H. R. Jauss, La modernité dans la tradition littéraire et la
conscience d’aujourd’hui, in Pour une esthétique de la réceplion, Gallimard, 1978.
4 J. Baudrillard, La société de consommation, Gallimard, 1970.
5 Heráclito, frag. 91, trad. Bollack.
6 J. Baudrillard, Pour une critique de Véconomie politique du signe, Gallimard,
1972.
^ H. e C. W hite, La carrière des peintres au X IX siècle, 1965, trad. franc.,
Flammarion, 1991, p. 157.
O _ #
° H. et C. White, La carrière des peintres au XIX siècle, ibid.
9 La promenade du critique influent, Anthologie de la critique d'art en France,
1850-1900, textos reunidos e apresentados por J.-P. Bouillon, N. Dubreuil-Blondin,
A. Ehrard, C. Naubert-Riser, Hazan, 1991, p. 100.
La promenade du critique influent, op. cit., p. 283 e sq.
F. Fénéon, Définition du néo-impressionisme, V A rt moderne, Maio 1887; Les
neo-im pressionistes, L 'A rt m oderne. Abril 1988. Ver tam bém , A u-delà de
iim pressionisme, Fénéon, textos apresentados por Françoise Cachin, Hermann,
1966.
G. Apollinaire, Les peintres cubistes, 1913, Hermann, 1965, 2® ed., Hermann,
1980.
R. Passeron, Histoire de la peinture surréaliste. Livraria geral francesa, 1968.
^ E. Valdman, Le roman de l'école de Nice, La Différence, 1991.
Interview de César, in Le roman de l'école de Nice, op. cit.

44
A Arte Moderna ou o Regime de Consumo

Sobre esta fabricação e refabricação constante da imagem do artista a obra de


Kris e Kurt (já cilada) oferece-nos uma análise subtil. É preciso acrescentar aqui o
livro de Martin Wamke, L ’artiste et la cour, aux origines de l'artiste moderne,
Editons de la Maison des Sciences de l ’Homme, 1989.
Boime, Les hommes d ’affaires et les arts en France au XIX siècle, in Actes de
la Recherche en Sciences sociales, n9 28, Junho de 1979.
^ H . e C . White, La carrière des peintres au XIX siècle, op. cit.
Dario Gamboni, L’iconoclasme contemporain, le gôut vulgaire et le “non-
public”, in Sociologie de l'Art, op. cit.
20 Nathalie Heinich, La sociologie et les publies de l ’art, in Sociologie de l'art, op.
cit.

45
CAPÍTULO II

O Regime, da Comunicação ou
a Arte Contemporânea

Vimos, com a arte moderna, crescer a distância que


separa o produtor, o artista, do seu comprador, o amador
de arte. Como em toda a sociedade de consumo, o número
de intermediários aumenta e acompanha-se da formação
de uma esfera de profissionais, verdadeiros managers.
Aparição das figuras do grande mercado, do grande co-
leccionador, aumento do poder dos media, e naturalmente
a especulação sobre os produtos, papel das quotas, varia­
ções das avaliações em função de um mercado.
Mas, contrariamente à ideia recebida, não é num
movimento contínuo de crescimento destes fenômenos, não
é numa progressão linear do regime de consumo que se
ligam os caracteres da arte contemporânea.
Sempre pensamos mal da ruptura, a maior parte
das vezes tornamos a ligar os novos dados aos que já co­
nhecemos, indo do mal conhecido ao mais conhecido, para
A Arte Contemporânea

apreender as modulações: procedimento econômico que


evita ter de estruturar a realidade de ponta a ponta.
Ora, aqui, parece bem que nós não conseguimos
escapar à tarefa de repensar a transformação do domínio
artístico, pois os traços, mesmo consideráveis, do regime de
consumo não explicam o conjunto dos fenômenos actuais.
Para compreendermos, é-nos necessário, logo à
partida, descobrir os mecanismos induzidos pelo regime da
comunicação, em acção na sociedade contemporânea, de
esboçar as principais manifestações.
Primeira constatação: passamos do consumo à
comunicação. Banalidade desta constatação. Banalidade
tão grande, que a constatação, segundo parece, basta-se a
ela própria. E, curiosamente, enquanto que se faz um gran­
de barulho no que refere à análise dos processos de comu­
nicação, em tudo o que diz respeito à organização social e
aos diferentes esquemas tecnológicos de transmissão da
inform ação, enquanto que os conceitos em vigor nas
“técnico-ciências” são sabiamente analisados, quando se
afinam as práticas que os conceitos sustentam, a arte pare­
ce ficar ao lado de toda a análise verdadeira da mudança
de perspectiva. Facto ainda mais estranho, as práticas
artísticas absorveram bem esta mudança, mas não susci­
tam nenhum comentário que se tome em conta para re­
formular os princípios do seu exercício.
Ora, o mundo da arte, como as outras actividades,
foi agitado pelas “novas comunicações”, suporta-lhes os
efeitos, e parece pronto para tratar esses efeitos como da­
nos superficiais. Analisar os princípios de comunicação à
obra, em seguida as conseqüências singulares, é então a
primeira tarefa que se nos apresenta.

48
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

Esses efeitos são de muitas espécies:

— Uns concernem à ideia que a sociedade faz dela


própria, de outra maneira, à ideologia dominante. Nesta
ideologia, certos conceitos jogam o papel de palavras de
passe e tecem entre eles um léxico, mesmo uma sintaxe,
uma linguagem através da qual se atravessa uma realida­
de, se nomeia, se define. Conceitos chaves que também
servem para compreender o que se passa no interior desse
mundo.
— Os outros dizem respeito aos domínios particula­
res, que a aura da comunicação transformou particularmen­
te — é o caso do domínio da arte — enquanto que outros
domínios ficam numa estabilidade relativa, admitindo algu­
mas manifestações ã margem — o sistema de educação,
por exemplo. (Além disso, é esta disparidade nos efeitos que
cria dificuldades a uma visão ciara da mudança).

I
A ideologia da comunicação
na sociedade com o mesmo nome

Jã não é segredo para ninguém o aumento em fle­


cha dos dispositivos de comunicação. Cada vez mais sofis­
ticados e numerosos, eles são objecto de uma competição
internacional, e inscrevem-se como uma necessidade so­
cial: eles são encarregados de assegurar o nível tecnológi­
co que se reconhece numa sociedade desenvolvida e a uni­
dade dos agrupamentos sociais em vias de desagregação.

49
A Arte Contemporânea

A tecnologia tem então a cargo dois princípios essenciais: o


do progresso, o da identidade. Supostamente muito acessí­
veis a todos, estes dispositivos sustentam além disso a ideia
de uma igualdade perante a informação, que, distribuída em
tempo real, atesta que há a transparência total entre o
acontecimento retransmitido e a realidade presente. Palavra
de ordem tão autorizada, que discutir o seu fundamento
eqüivaleria a sair do campo. A contrario, a competência co­
municativa é reconhecida como uma das primeiras virtudes
de um cidadão responsável e serve de abertura a toda e
qualquer carreira. Ensino, colóquios, obras que se multipli­
cam. Enquanto que, paralelamente, se põem em acção as
actividades específicas: departamento já chamado, nas em­
presas, de “relações públicas”, e agora designado como
“departamento ou serviço de comunicação”. Não me esten-'
derei mais longamente sobre o assunto, mas examinarei
com mais atenção as noções que suportam este movimento
de comunicação generalizada. São verdadeiros “efectuado-
res”1.
Em primeiro lugar, a noção de “rede” : redes co­
nectadas e meta-redes.
Depois vêm: 2) a anelação, ou autonomia; 3) a re­
dundância, ou saturação da rede ; 4) a nominação, ou pre­
valência do continente (a rede sobre o conteúdo); 5) a
construção de uma realidade de segundo grau, ou simulação.
Sob o signo destes diferentes efectuadores colo-
cam-se as práticas de comunicação, que de tal modo pare­
cem funcionar por si, que os seus princípios são ignorados
pelos próprios que os utilizam.

50
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

1. Rede

Em termos de comunicação, a rede é um sistema


de ligações multi-polares, ao qual pode ser ligado um nú­
mero não definido de entradas, podendo servir cada ponto
da rede geral de saída para outras micro-redes. Isto quer
dizer que o conjunto é extensível. Neste conjunto, pouco
importa a maneira como se efectua a entrada. Os diversos
canais tecnológicos estão ligados entre si: telefonia, audio­
visual ou informática e inteligência artificial. Entrar numa re­
de significa ter acesso a todos os pontos do conjunto, a
conexão agindo à maneira das sinopses no sistema neural.
Conseqüência: uma mobilidade extrema, uma es­
truturação permanente, que tem mais de topologia que de
organigrama, quer seja piramidal, linear, em árvore ou
estrela. Nesta topologia, a importância não é dada a um
centro, a uma origem de informação que aí circula, mas ao
movimento que permite a conexão.; Quer dizer que a noção
de “sujeito” comunicante se apaga, em proveito de uma pro­
dução global de comunicações. O que designamos também
com o nome de interactividade (noção que sugere uma
acção cuja finalidade é tornar a ligar dois “sujeitos” num
diálogo supostamente enriquecedor, e que é geralmente
bem visto, como um aspecto benéfico da comunicação, na
interpretação sociológica e psicológica da rede). Um exem­
plo: as informações que nos fornecem os diferentes média
(imprensa ou televisão) não têm “autores”. Elas provêm de
redes interconectadas, que se auto-organizam reper­
cutindo-se umas sobre as outras. O autor, é a meta-rede2.

51
A Arte Contemporânea

2. Anelação

Uma das características da rede é que a sua extre­


ma extensibilidade, devida às conexões sempre reactiva-
das, produz um efeito de aneiação; dito de outro modo, não
só já não se pode sair da rede, uma vez que se está rami­
ficado (há uma memória da rede), como ainda, uma vez que
não há orientação principal mas uma infinidade de pontos e
de nós, cada entrada é ela própria o seu começo e o seu
fim. Cada parte da rede é virtualmente a rede total. A circu­
laridade, cujo princípio é a reversibilidade sempre possível,
conduz então ao que podemos chamar de tautologia. A re­
de repete-se a si própria, indefinidamente, os diversos canais
de ligações repetem sempre a mesma mensagem nas suas
d ife re n te s versões técn ica s sendo a m ensagem , em
definitivo: “Existe uma rede, vocês estão bem nessa rede.”

3. Redundância e saturação

Se a anelação por repetição da mesma é sinal de


autonomia, é sinal também dos limites de um exercício. A
redundância dos diferentes vectores assegura bem, com
efeito, a manutenção da rede, mas condena-a também à
usura por saturação. Do mesmo modo que uma proposição
necessita de uma certa taxa de redundância para ser com­
preendida e se torna inaudível se essa taxa é ultrapassada,
também o sistema de rede se torna inutilizável após uma
certa taxa de repetição. A falha do sistema de rede é de
não puder sair dele próprio; com efeito, ele digere as infor­
mações “novas”, os acontecimentos, impondo-lhes uma re-
distribuição instantânea, que anula a diferença. Do mesmo

52
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

modo que o autor (de uma mensagem) só tem o seu lugar


na origem, também o acontecimento já não é novidade.
Todo o conteúdo está aqui no mesmo plano, na mesma
circularidade.

4. Nominação

Para atenuar esta dificuldade, recorremos então às


nominações. O nome cria uma diferença, marca um objecto
sobre a rede indiferenciada das comunicações. Nomes de
código, ritos de passagem. É instaurada uma sociedade no­
minativa, onde o nome tem lugar de identidade, classe e
designa uma particularidade. Quer referente a um grupo ou
a uma pessoa, a nominação é, com efeito, individualizante.
Ela opera uma classificação nas diferentes entradas co­
nectadas entre si, numa hierarquia por níveis de complexi­
dade; obtemos assim uma série de encaixamentos, e o nú­
mero de ligações que podem ser introduzidas a partir desta
ou daquela entrada serve de medida de complexidade. A
nominação permite, por um lado, reenvios entre partes e to­
talidade, e, por outro, permite escapar à ideia muito desa­
gradável de não ser mais do que um ponto sem espessura
numa rede cuja totalidade escaparia a qualquer apreensão.

Há porém que evitar confundir nominação e nominalismo.


O term o nominalismo designa uma teoria filosófica bem precisa,
que teve a sua origem na filosofia medieval, e cujo prolongamento
actual é um assun to da lógica. O nom inalism o con ce rn e aos
nomes, mas o seu fim é marcar a ruptura entre o que pertence à
essência e o que pertence à existência: toda a realidade é negada
aos conceitos abstractos e só os indivíduos (objectos ou seres)

53
A Arte Contemporânea

são reconhecidos como existentes. Enquanto que a nominação é


um rem édio p a ra a re a lid a d e de um a a b stra cçã o (a rede), o
nom inalism o afirm a não haver senão os e xistentes concretos,
pontuais3. Quanto ao “nominalismo pictoral”4, ele tem muito mais
de uma teoria da construção da realidade pela linguagem que de
um nominalismo lógico.

5. Construção da realidade

Se a comunicação é reconhecida como dando à so­


ciedade a ligação indispensável ao seu funcionamento, o
papel da linguagem, o seu exercício, tornam-se dominan­
tes. É pela linguagem que se estruturam não apenas os
grupos humanos, mas ainda a apreensão das realidades
exteriores, a visão do mundo, a sua percepção e a sua
organização. Assim, a pouco e pouco, apaga-se a presença
positivada de uma realidade dada pelos sentidos, o sense
data, em favor de uma construção da realidade em segun­
do grau, até mesmo de realidades no plural, em que a ver­
dade ou falsidade não são mais do que marcas distintivas.
Quer isto dizer que a rede de relações, de que esboçámos
os princípios, determina, constrói um mundo, e o modo de
aproximação com o que podemos ter é igualmente tecido
na linguagem da rede. À apreensão vulgar do mundo em
que continuamos a acreditar e para o qual nos servimos da
nossa linguagem comum, sobrepõem-se então — ou subs­
titui-se — uma construção idiomal, em que os enunciados
têm valor de injunções, determinando assim o campo das
acções possíveis. Será dizer que as intenções dos sujeitos,
a intencionalidade — no sentido de vontades ou desejos
próprios de um sujeito — cede o passo á intenção única de

54
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

utilizar a linguagem para comunicar: pois a sintaxe, o léxico,


numa palavra, as regras de linguagem, encarregam-se do
resto. Se o mundo ambiental tem para nós qualquer realida­
de objectiva, é a de construir a linguagem que utilizamos.
Não podemos escapar a este universo da linguagem. O que
significa, além do mais, que o desenvolvimento de lingua­
gens artificiais e a sua utilização, cada vez mais generaliza­
da, modifica a nossa visão da realidade. Constrói, pouco a
pouco, um outro mundo.

O s filó s o fo s a n a lític o s , d e p o is de W ittg e n s te in ,


orientaram nesse sentido os trabalhos dos linguistas, mas também
e sobretudo, os dos cognitivistas (os investigadores da inteligência
artificial, os filósofos das novas comunicações). A aprendizagem
d o s “jo g o s d e lin g u a g e m ” , s e n d o a m e s m a d a re a lid a d e ,
e sta b e le ce um p ra g m a tis m o lin g ü ís tic o . V e r os tra b a lh o s de
Austin, de Searles, da escola de Paio Alto, cujo actual chefe de
fila, P. Watzslawick, intitula um desses ensaios de: “A realidade da
realidade”5.

Os conceitos que foram brevemente apresentados


são os novos utensílios de apreensão das realidades que
nos rodeiam. “Tecnologias de espírito”, como lhes chama L.
Sfez6, eles estão efectivamente ligados à concepção e à
construção de um mundo da comunicação e são indispensá­
veis a uma análise dos fenômenos contemporâneos. Con­
ceitos esses fundamentais, de que nos vamos servir para
percebermos as transformações profundas da arte de hoje.
Essas transformações tocam o domínio artístico em
dois pontos: no registo da sua circulação, quer dizer do mer­
cado (ou invólucro), no registro intra-artístico (ou conteúdo
das obras).

55
A Arte Contemporânea

II
Os efeitos da comunicação
no registo do mercado da arte

1. O efeito rede

Falámos — ou entendemos haver falado — quanto


à arte moderna, de “redes” de venda das obras. Então, o
termo remetia a uma definição mínima da rede, indicando
somente que o tecido de intermediários, entre o artista e o
público, se complicava com novos derivados, por assim
dizer adensava-se, até se tornar opaco aos artistas e ao
público. Mas esta acepção restritiva do termo rede deve ce­
der diante daquela, global, que vamos definir. Entre tecido
complicado e rede complexa aloja-se a diferença considerá­
vel entre um mercado do consumo clássico e um mercado
ligado à comunicação.

No seu im portante artigo de 1986, R. M oulin7 introduz


novos dados: intervenção de poderes públicos e do Estado-provi-
dência, e a tom ada de um tem po “curto” , anim ada de uma v e ­
locidade acrescida do mercado, vizinho da imediatidade, para falar
de uma "com plexidade” nova. T rata-se portanto ainda mais, na
s u a a n á lis e , de c o m p lic a r um e s q u e m a e x is te n te do q u e
reformular os novos dados. Assim, fala de "rede internacional de
galerias e de rede interaccional das instituições c u ltu ra is” fala
tam bém de "interacção entre m ercados, onde se elaboram os
preços, e campo cultural, onde se operam as avaliações estéticas,
e o reconhecimento social”. Dois termos — rede e interacção —
que vimos redefinidos pelas teorias da comunicação. Mas estas
interacções e estas redes são trabalhadas a partir dos conteúdos
estéticos: a partir, por exemplo, da batalha figurativo/não-figura-
tivo, ou da que opõe os antigos vanguardistas ao actual “não im ­

56
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

porta o quê”, o valor artístico absoluto, ao que R. Moulin ainda


chama de “modernidade” e que se definiria por um retorno atrás.
Mas se querem os fica r na análise do mercado contem porâneo,
devemos tom ar em conta justamente a lei da comunicação, que
exclui toda a "intenção” da parte dos actores e privilegia o con­
teúdo, quer dizer, os seus papéis e os seus lugares, acima dos
seus conteúdos intencionais.

A) Os produtores

Numa rede complexa de comunicação, os actores


são, activos segundo as ligações de que dispõem, em maior
ou menor número, sendo conectados mais ou menos
directamente — quer dizer, mais ou menos rapidamente —
com outros actores, também eles activos. Assim, no do­
mínio artístico, os actores mais activos são os que dispõem
de uma grande quantidade de informações, vindas do con­
junto da rede e isto o mais rapidamente possível. Estes
actores privilegiados são os mestres da praça. Eles comuni­
cam uns com os outros — portanto transformam a informa­
ção — através dos circuitos ultra-rápidos que as novas co­
municações põem à sua disposição: Fax, terminais de com­
putadores, rádio, anuários electrónicos, mailing... Conserva­
dores de grandes museus, importantes marchand-galeris-
tas, peritos, directores de fundações internacionais, os que
chamamos “profissionais”. São eles que primeiro obtêm e
passam a informação: o da cota (o preço) e por conseqüên­
cia o do “valor” estético. Mas passar a informação, numa
rede de comunicação, é também fabricá-la. Esta lei que ge­
re a emissão e a distribuição das informações na imprensa
escrita e audio-visual é também a que gere o mundo da
arte. Dito de outro modo, esses agentes activos são verda­

57
A Arte Contemporânea

deiros produtores. São eles que produzem o valor como re­


sultado da sua corrida para a velocidade.

Os agentes activos, por exemplo, de grandes colecciona-


dores americanos, "... Sabendo que uma galeria-líder se prepara
para expõr um pintor europeu, podem operar aquisições no país
de origem do artista, tendo a favor uma taxa de troca favorável, e
antes do efeito da exposição sobre o preço, as obras que reven­
derão entre eles, uma vez a cota em alta”, nota R. Moulin8.

É preciso notar, nesta breve nota de pé-de-página,


os traços que referem implicitamente a rede comunicacio-
nal: o primeiro, é a velocidade de transmissão de um ponto
ao outro do mundo. O segundo, é o avanço do signo sobre
a coisa: antes de ter sido exposta, a obra de um pintor, ou
ainda melhor, o seu signo, já circula pelos circuitos da rede.
O signo precede então aquilo de que é sinal. Depois, recen­
temente, a utilização da rede para a revenda entre os acto-
res produtivos. Enfim, característica não negligenciável, a
posta entre parentesis do artista, o que “faz” o objecto-obra
faz também o objecto de uma troca de signos. Nada que
provenha, neste dispositivo, de um qualquer julgamento
estético da parte dos produtores de valores. É sub-entendi-
do que a escolha do artista pela galeria reconhecida como
galeria-líder não é discutível. Se a galeria em questão faz
parte da rede, o produto que ela vai lançar é portanto o
bom. Inútil ir ver mais de perto9.

B) Níveis de produção

No dispositivo rede, se de facto toda a entrada


fragmentária participa do conjunto das informações, existem
contudo as redes de primeira grandeza e as redes satélites.
Com efeito, a rede é estruturada por níveis hierarquizados e

58
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

interconectados. Podemos actuar sobre uma rede deixan­


do-nos andar ao acaso dos encontros, confiando de qual­
quer maneira no poder de ligação que ela desenvolve, mas
também podemos trabalhar activamente em construir uma
super-rede, mais fiável, quer dizer mais rápida e ligando os
pontos mais afastados uns dos outros. Uma das caracte­
rísticas do poder da rede é, com efeito, a da fluidez do po­
der de decisão: que não é central, tem mais um lugar pró­
prio, não parte de um sujeito ou de um grupo de sujeitos
para se transmitir às periferias; uma instituição, mesmo lo­
calizada e centralizada, só tem poder na medida em que é
capaz de estar presente sobre toda a rede. Ela só será ver­
dadeiramente activa pelo número e diversidade das suas li­
gações.
Os profissionais da rede são mesmo os produtores
da rede e das obras. Isto quanto ao título de valor que será
atribuído ao produto, desde que circula e enquanto que signo.
Sobre este primeiro nível de comunicação, insinua-
-se em seguida um segundo dispositivo: o das encomendas.

C) A encomenda

A encomenda das obras provém, a maior parte das


vezes, de instituições tais como museus ou departamentos
de arte contemporânea, fundos regionais de arte contem­
porâneas (FRAC) de forma e modalidades diversas. Enten­
dendo-se que estas instituições têm por função designar ao
público o que é a arte contemporânea, são actores impor­
tantes na rede. Os conservadores ou directores de institui­
ções deste tipo entram no jogo com o trunfo que consiste em
promover as obras, sem tirar, em princípio, os benefícios
ligados à especulação. Neutralidade que, sempre em princí­

59
A Arte Contemporânea

pio, preservará a escolha segundo critérios puramente esté­


ticos. Mas a rede não o entende desta maneira, pois não tem
em conta o conteúdo das transmissões, mas apenas o único
tacto da circulação da informação. Se existem especificida-
des na constituição das redes parciais, não é a especificida­
de dos conteúdos, mas a da sua extensão. Por isso, a enco­
menda não se pode constituir em rede desconectada das
redes de profissionais-marchands do primeiro tipo, pois é o
mesmo fluxo de comunicação que as alimenta. Assim a en­
comenda irá para as obras já escolhidas e valorizadas pelos
primeiros, pois se for de outra maneira, as instituições mu-
seólogas por-se-ão fora do circuito. Ora, importa-lhes serem
competitivas, tanto para acrescerem o seu valor potencial
econômico, detendo uma parte das obras do mercado inter­
nacional, como para assegurarem a sua credibilidade —
frente às outras instâncias no mundo, e frente ao público —
apresentando as obras reconhecidas pela e através da rede.
Vemos então, naqueles que chamaremos de produ­
tores, estabelecer-se uma circularidade — um percurso em
anel — os grandes coleccionadores-marchands, que inter­
vém nas cotações remetem aos conservadores — que não
são outros senão os coleccionadores do Estado e que são
supostos intervenientes no valor estético. Se uns se interes­
sam pelo benefício propriamente econômico, os outros tra­
balham em benefício da imagem cultural que valoriza a ins­
tituição que eles dirigem e, em conseqüência, o Estado,
que a subvenciona.

D) Os auxiliares da produção

Os produtores de que vamos falar extraem e difun­


dem as suas informações através de uma rede onde encon­

60
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

tramos misturada a imprensa especializada — adidos de


imprensa, agências, jornalistas — , críticos de arte, ligados
às galerias ou aos museus, os peritos e os comissários de
exposição10- espécie de cenógrafos para a visualização das
obras, e os agentes comerciais que sulcam o céu e fazem a
importação-exportação de informações ou corredores que
transportam as obras. Observamos que o crítico, que não
faz muito tempo era uma figura influente11 no dispositivo da
arte moderna, não é o único a assegurar a articulação entre
obra e público, surge acompanhado — e dissolve-se — nu­
ma nuvem de profissionais de publicidade, e faz mal em
manter um estatuto inteiramente à parte. É uma peça do
dispositivo de visualização12, entre outras, cujo papel é mui­
tas vezes reduzido a prefaciar os catálogos de tal ou tal
artista, tal ou tal galeria. Entretanto, ele vai poder desempe­
nhar outros papéis no interior deste sistema.
Assim, podemos dizer que, no sistema de comuni­
cação onde triunfa a rede, os efeitos “paradoxais” sobre­
vêm. O profissionalismo, sublinhado por todas as análises
críticas, corresponde bem a uma especialização; a produ­
ção da arte depende dos grandes marchands e dos gran­
des coleccionadores — especialistas de informação e da vi­
sualização — mas ao mesmo tempo, no interior desta esfe­
ra de profissionalismo, os papeis não são individuais; um
conservador de museu que mostra arte contemporânea po­
de também escrever (prefácios de catálogos), pode asse­
gurar o papel de comissário de exposição, pode ainda ser
gestor — trocar ou comprar as obras e aumentar-lhes as
cotações, como todo o bom especulador, de maneira a co­
locar-se no mercado internacional. O crítico, esse pode mui­
to bem não escrever, mas servir de introdutor das obras
que escolheu junto das galerias ou coleccionadores da sua

61
A Arte Contemporânea

rede. Ele também pode ser comissário de exposição ou de­


sempenhar o papel de perito diante de um museu de arte
contemporânea13.

E) Os “artistas-criadores"

Diante desta impressionante assembleia de produ­


tores, gerindo as redes a diferentes níveis, como são enca­
rados os que são objecto objecto (nos dois sentidos do ter­
mo) dos seus atentos cuidados? Se a comunicação cami­
nha — segundo parece — em circuito autônomo, é preciso
por isso um pretexto, ainda que minimal. Onde se situa
então o autor, o “criador”, a obra? Se a rede exclui a figura
individualizada de um autor de mensagem, fica o nosso
artista muito mal, por desajustamento à vontade dos gesto­
res da rede. Entretanto, toda esta agitação comunicacional
tem um ponto nodal: a arte ou a sua ideia, o artista ou a sua
figura na cultura tradicional. Nem um nem outro são chama­
dos a desaparecer, pelo contrário. Entãq,como acomodar a
liberdade ou a autonomia (no sentido usual) de uma obra
reputada de “única”, em sumq,os valores tanto morais como
estéticos que a ideia da arte assume?
Em princípio, e não sem contradições, a obra e o
artista-serão “tratados” pela rede de comunicação, tanto co­
mo elementos constitutivos (sem eles, a rede não pode
existir), como também como um produto da rede (sem a re­
de, nem a obra nem o artista têm existência visível). São as
noções-princípio da comunicação: anelação, saturação e
nominação, que darão conta do seu estatuto contemporâneo.

62
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

2. O efeito da anelação

Tal como a vamos descrever, a rede de comunica­


ção que a arte contemporânea possui caracteriza-se por
uma anelação, dito de outra maneira, por uma circularidade
total do dispositivo: reconhecemos, expostas ao olhar públi­
co, não tanto as obras singulares, produzidas pelos auto­
res, mas uma imagem da própria rede. Quando vemos uma
obra dita de “arte contemporânea”, vemos de facto a arte
contemporânea no seu conjunto, que se faz notar no seu
processo de produção, mostrando-se como totalidade, e
totalidade anelada, apoiada nos seus mecanismos de trans­
missão. Estes não estão escondidos: exibem-se, por exem­
plo, nas suas publicações de listas e de avaliações, suposta­
mente para auxiliarem os produtores a fazerem boas esco­
lhas, ou a ensinarem o público acerca dos “melhores” artis­
tas. É o que se passa com o Kunst Kompass14 que esta­
belece uma escala de notariedade dos artistas a partir do
grau de reconhecimento que obtiveram no ano (número de
exposições, individuais ou colectivas, compras pelos mu­
seus, pelos coleccionadores, em suma, grau de visibilidade
do que já se tornou visível). Esta lista determinada assim,
predetermina as escolhas futuras... que não são outras se­
não as já operadas pelos produtores, uma vez que foram
eles que viabilizaram os artistas que a lista hierarquiza.
Este sistema de afixação pertence ao próprio prin­
cípio da comunicação: “ tudo” dizer, “tudo” tornar público.
Sendo a palavra de ordem da comunicação a transparên­
cia, e não se ficando as informações pela calada, nenhum
produtor pode trabalhar encoberto. A informação não é “ma­
nipulada”, como muitas vezes o cremos, pois a manipula­
ção é o facto do antigo regime, aquele em que o produtor

63
A Arte Contemporânea

(artista) era distinto do intermediário (crítico, marchand, ga­


lerista) o qual era distinto do consumidor (o amador, o pú­
blico). Aqui, tudo se passa a céu aberto, nenhum segredo,
só a velocidade da transmissão é que pode representar um
papel descriminante entre os grandes produtores e os seus
seguidores.
A velocidade de transmissão tem por corolário a
procura da ubiquidade. Na top league (a lista dos melhores
artistas, que corresponde nos E.U.A. ao Kunst Kompass
alemão) o que é contabilizado é o número de lugares onde,
no mesmo ano, um tal artista é exposto: é preciso que este­
ja em toda a parte, sucessiva e simultaneamente: ilustração
manifesta do princípio de comunicação generalizada15.
Assim, para o artista, ou é internacional ou não é
nada; paga o preço da rede, ou fica de fora. In ou out.
Escolha bem difícil de assumir por um artista, e que, muitas
vezes, é operada pelos produtores-descobridores.
Esta_ubiquidade — uma vez entrados na rede, os
artistas reconhecem-se em todo o lado e são objecto de um
giro circular — isto produz uma espécie de vertigem, ou, se­
gundo o termo que utilizámos, uma saturação.
Torna-se então necessário — é um efeito de anela­
ção e saturação — renovar de qualquer maneira esta mas­
sa que gira para o idêntico, proceder a uma individualiza-
ção, dito de outra maneira, multiplicar as novas entradas. É
o percurso para a mudança, à procura de novas apelações,
de novos artistas, de novos “movimentos”. Versão contem­
porânea do antigo sistema vanguardista que caracterizava
a arte moderna.

As análises sociológicas do mercado da arte16 propõem


esta renovação perm anente dos m ovim entos ou dos artistas —

64
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

cada vez mais jovens — mas parecem considerar este facto como
um a evolução interna no dom ínio artístico, um traço autônom o
característico deste campo singular, "uma lógica da m oda”, um
“turbilhão inovador perpetuai”, o “tem po curto oposto ao tem po
longo”, etc... É de crer portanto que este movimento de renovação
esteja ligado, não a uma intenção particular, mas seja uma conse­
qüência do próprio sistema. Ao contrário das vanguardas da arte
moderna, que se colocavam fora do mercado oficial para preser­
varem a autonomia da arte, com a arte contem porânea dá-se uma
absorção da autonomia pela comunicação.

O artista que entra ou que “é levado a entrar” na re­


de é levado a aceitar as regras para lá permanecer. Quer
dizer, renovar-se e individualizar-se permanentemente, sob
pena de desaparecer no movimento perpetuai de nomina­
ção que mantém a rede à tona. Mas esta exigência de re­
novação e individualização contradiz constantemente uma
outra exigência: a da repetição, da redundância. Com efei­
to, para que a sua obra sature a rede e seja mostrada em
toda a parte sucessiva e simultaneamente, é preciso que se
lhe reconheça um sinal de identidade. É preciso então que
se repita. Que faça eco a ela própria. Entre inovação e re­
petição obrigatórias instala-se então uma espécie de usura,
não do seu talento — supondo que ele existe — mas da
sua visualização ofuscante, fatigante, sobre a qual nenhu­
ma exibição ou operação de descoberta pode ser acres­
centada. Demasiadamente exposto, o artista não é protegi­
do da comunicação, que o dirigiu, a ele e à sua obra. Todas
as espécies de artifícios entram então em acção, dos quais
os mais conhecidos e utilizados são os retornos atrás, os
empréstimos e citações, a procura de scoops, golpes17, a
procura de espaços artísticos diferentes, as mudanças de

65
A Arte Contemporânea

papeis. De artista, ele pode passar a comissário de “exposi­


ção”, ou crítico, agente da sua própria publicidade, assegu­
rando assim uma anelação completa18.

O consumidor da rede

Temos então, de um lado os produtores — profis­


sionais do lançamento em circulação — do outro lado as
obras e os artistas-objectos — pretextos dessa transmissão
— mas podemos interrogarmo-nos para onde vai esta co­
municação, e quem são os destinatários. !
A definição tradicional da comunicação é a passa­
gem de uma informação de um emissor a um destinatário
(dizemos qualquer coisa a alguém). Em princípio, os dois
sujeitos, o emissor e o destinatário, são distintos (mesmo se
falamos sozinhos, é a outro-alguém que nos dirigimos: ope­
ra-se um desdobramento). Ora, com o sistema da rede de
comunicação em anel, os destinatários não são outros se­
não os gestores da rede. Quer dizer que, para o sistema da
arte contemporânea, o fabricante, produtor do lançamento
na rede de uma informação (aqui, de uma obra) destina-a a
ele próprio, e consome-a depois de a ter fabricado.
O (ou os) produtor, como mostrámos, produz um
artista — e aqui nos dois sentidos do termo produzir: produ­
zir alguém na cena e fabricar um objecto — não para o ven­
der a outro, quer dizer, a um público distinto, fora do domí­
nio que é o seu, mas para ele próprio a comprar e a reven­
der a outros produtores, e aqui numa circularidade sem fim.
O comanditário-produtor é também aquele que con­
some, como o era no tempo dos “príncipes e dos artistas”.
Com esta única diferença: a visualização do produto é tor­
nada pública. Curta seqüência de exposição, antes que o

66
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

produto entre numa colecção privada, onde se pode trocar


e servir de contra-valor, ou acabar nas caves de um museu.
O que nós chamamos “o público", quer dizer, os ci­
dadãos vulgares, são convidados para o espectáculo, ao
qual apenas podem subscrever. O seu julgamento estético
é posto entre parentesis; trata-se, antes de mais, que se ' ^
apercebam da arte e da arte contemporânea, independen­
temente do que eles próprios podem pensar. O preço, a co­
tação, estão lá para lhes assegurar que o espectáculo tem
o seu valor. Provado já está que tudo aquilo é arte, uma vez
que as obras são expostas no lugar ad hoc, no museu ou
nas galerias de arte contemporânea.
Nesta última etapa, que deveria coroar o circuito
pondo à disposição de todos o resultado de um labor tão
prolongado, é ainda uma vez mais o invólucro que importa,
acima dos conteúdos; é “ a visualização” que traz a signifi­
cação: “isto aqui é a arte”, não são as obras. É a rede que
afixa a sua própria mensagem:, aqui está o mundo da arte
contemporânea./Assim o público consome da rede, enquan­
to que a rede se consome a si própria.
Com o dispositivo da auto-consumação e da auto-
-exibição da arte, a anelação da rede está perfeitamente
assegurada. Pode funcionar a coberto das intempéries.

3. O efeito “realidade-segunda”

Este breve esquema do regime de comunicação da


arte contemporânea pode esclarecer muito cruamente os
aspectos que o público prefere não ver e que os actores da
rede vestem, muitas vezes, com as melhores das inten­
ções, com um manto de cores convenientes.

67
A Arte Contemporânea

Pois existe mesmo um efeito de encobrimento: a


imagem que fazemos da arte entra em contradição com o
processo contemporâneo da sua valorização. Ideia da arte
— autonomia, valor absoluto, critérios estéticos — e parale­
lamente ideia do artista — experimentando uma realidade
nova, ou exprimindo-se de maneira nova, crítico da socieda­
de e dos seus valores mercantis (a arte não tem preço) —
contribuem para encobrir os processos descritos. E quando
eles não são pudicamente encobertos ou ignorados — mas
qual é o profissional, a qualquer nível que esteja, que os
pode ignorar? — então os traços característicos deste mun­
do artístico em rede são violentamente criticados. Não são
senão nostalgias, lanientações, resmungos, em suma, re-
acção. O que serve de plataforma a estas reivindicaçõés, é
o hábito que se adquiriu de um certo tipo de construção
mental relativamente à arte. Há o desejo de manter esta
construção, custe o que custar. Entendemos então o que
leva numerosos galeristas, que são bem agentes activos da
rede, a increparem resolutamente uma crise: “Isto não pode
durar, o mercado vai-se afundar... já vemos os sinais per-
cursores de um retorno à ordem...”, enquanto que, ao mes­
mo tempo, eles dizem a um jovem pintor: “Não, não me fal­
ta pintura, crie então um acontecimento, tem algum adido
de imprensa com quem trabalhe?” Em suma: “Tem capaci­
dade para se tornar num artista internacional?”

A arte contemporânea e a sua imagem

Este espelho dado aos artistas e onde eles podem


perceber o conjunto — o sistema — do mundo artístico con­
temporâneo reflecte a construção de uma realidade um
pouco diferente daquela que corria há alguns decênios.

68
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

Podemos ver, ainda aqui, o domínio de um dos príncipes da


nova sociedade de comunicação, que já tinhamos evocado:
o de uma realidade em segundo (ou em X2) grau, que se
substitui à realidade que tinhamos por costume tomar para
um dado objectivo. Daí esta hesitação, esta ambigüidade:
será sempre a arte o que era “antes", ligada a estes crité­
rios estéticos, ou cede então o lugar a uma realidade que
não tem mais nada a ver com o gosto, o belo, o génio, o
único, ou a carga crítica? Dito de outro modo, a arte (as
obras) têm ainda alguma realidade nelas próprias, vindas
das suas próprias qualidades e podendo ser julgadas como
tais — uma espécie de autonomia — ou são então tributá­
rias da imagem que a comunicação pode fazer circular?
A “realidade”, quer dizer a substância da arte, per­
tence ainda à obra ou encontra-se deslocada para o exte­
rior do objecto pretextado, como a sua imagem — um signo
— , submetido então a todos os outros critérios?
Parece bem que a análise do mecanismo de produ­
ção e de distribuição da arte contemporânea nos leva para
a segunda resposta. A realidade da arte contemporânea
constrói-se fora das qualidades próprias obra, na imagem
que ela suscita nos circuitos de comunicação.

P odem os fa la r, a este p ropósito, de “s im u la c ro ” se 0


term o não for portador de uma referência à realidade do objecto
sim u la d o . Q uem diz s im u la c ro a p e la, com e fe ito , a d a r um a
realid ade s u p e rio r ao o b je cto -fo n te da sim ulação. A fís ic a de
Epicuro, na origem desta noção, estabelecia, com efeito, que nós
apercebíamos não as coisas, mas os seus duplos subtis, que se
escapam dos objectos sob a form a de átomos dados, que vêm
to c a r 0 ó rg ã o d a v is ta . P e lo c o n trá rio , no que c o n c e rn e à
circulação do signo, nenhuma realidade é posta anteriormente a
esta mesma realidade.

69
A Arte Contemporânea

Daí o embaraço dos profissionais que querem ficar


fiéis à imagem que fazem do seu trabalho (eles são os
descobridores, os defensores da inovação, os amorosos da
arte, os juizes peritos em matéria de qualidade das obras)
todos constrangidos pela existência da rede a adoptar-de-
outros valores.
Para resumir numa fórmula esta passagem de uma
realidade a outra, poderíamos propor duas definições:
estética é o termo que convém ao domínio da actividade na
qual são julgadas as obras, os artistas e os comentários
que eles suscitam. A estética insiste sobre os valores ditos
“reais", substanciais ou ainda essenciais, da arte.
Pelo contrário, artístico delimita o campo das acti-
vidades da arte contemporânea. O termo insiste sobre a
denominação: será dita artística toda a obra que aparece
no campo definido como domínio da “arte”.
Duas ideias do que é a arte, que levam a duas ati­
tudes diante da obra. Mas sobretudo, pois as afirmações e
as tomadas de posição não são jamais claras, acavalamen-
to, sobreposição.

É assim que observamos os partidários e os praticantes


de uma arte tecnológica — e portanto alimentados pelas “novas
te cn o lo g ia s de co m u n ic a ç ã o ”, elo g ia n d o as “ novas im a g e n s” ,
imagens numéricas ou de síntese — que teoricam ente deveriam
a c e ita r o e s q u e m a de c o m u n ic a ç ã o e c o n trib u ir p a ra e ste ,
m o s tra re m -s e os d e fe n s o re s da e s té tic a tra d ic io n a l, de que
partilham os valores, valores esses que eles se esforçam por
reivindicar para os seus trabalhos. Mais coerentes na sua recusa,
os p a rtid á rio s d a re a lid a d e de um a a u to n o m ia das o b ra s ,
de sd e n h a m das re a liz a ç õ e s da te c n o lo g ia , a g a rra n d o -s e ao
charme da aguarela. Esta coerência dá-lhes peso, faz com que os

70
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

e scu te m , não ap e n a s o p ú b lic o pouco a visa d o so b re a arte


contem porânea, mas ainda os produtores da rede, pois tudo o que
pode sustentar a ideia de arte, prom over a sua imagem, qualquer
que ela seja, é benéfico.

Vamos na mesma, agora, esboçar os esquemas da


visualização da obra de arte, tendo em conta as posições
dos actores em cada uma delas.
Notamos para o esquema 2, logo de entrada, um
estreitamento do circuito, uma vez que ele roda sobre si
próprio, e o lugar reduzido que têm as obras. Notamos
igualmente, em oposição ao esquema 1, que o domínio
artístico se confunde com a própria sociedade, pois os me­
canismos e a atribuição dos valores são idênticos. Enfim,
último traço característico: as obras não mais são classifica­
das em academismo e vanguarda. Elas são ou não incluí­
das no circuito.

71
A Arte Contemporânea

Consumo

ESQUEMA 1 — A arte é um campo específico com os seus


actores individuais. Uma linha atravessa o esquema, que vai da
produção ao consumo, pelo biais de actores-mediadores.

ESQUEMA 2. — O esquema é circular. N os produtores


encontram-se todos os agentes da comunicação dos signos.

72
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea

NOTAS:

1 Sobre a ideologia da comunicação e a sua crítica, ver L. Sfez, Critique de la


communication, 2i ed., Le Seuil, 1990, e Dictionnaire critique de la communica-
tion, dirigido por L. Sfez, PUF, 1992.
2 Sobre a rede, A. Cauquelin, Conceptpour un passage, in Quaderni, nQ3. 1988.
3 P. Vignaux, Nominalisme au XIV siècle, Vrin, 1981; A. de Libera, Le nominalis-
me, PUF, “Que sais-je?”, 1989.
4 T. de Duve, na sua obra: Le nominalisme pictural, trata de facto da relação entre
linguagem textual e imagem na arte conceptual, e não do nominalismo propria­
mente dito.
5 J. Searles, L'intentionnalitè, Ed. de Minuit, 1988; L ’invention de la réalitè,
dirigida por P. Watzslawick, Le Seuil, 1985; La nouvelle communication, textos
recolhidos e comentados por Y. Winkin, Le Seuil, 1981.
6 L. Sfez, op. cit., p. 379 et sq.
^ R. M oulin, Le m arché et le m usée, la constitution des valeurs artistiques
contemporaines, in Revue Française de Sociologie, Julho 1986, XXVII-3.
8 R. Moulin, art. cit.
9 F. Latraverse, L’amour de l'art, in £TC, n9 16, Montréal, 1991.
Y. Michaud, L'artiste et le commissaire, Jacqueline Chambon, 1989.
11 La promenade du critique influent, Montréal-Paris, Hazan, 1990, op. cit.
La mise en vue de Vart contemporain, Actes du Colloque de Bruxelles, Outubro
1989, Les Eperonniers, 1990.
Já em 1972, L. Alloway tinha assinalado e descrito esta característica sob a
expressão de role blurring. Ver NetWork: The Art World Describes as a system,
Artforum, Setembro 1972, pp. 28-32.
Para um a análise detalhada do K unst Kompass, ver Annie V erger, L ’art
d ’estim er l ’art. Comment classer l ’incom parable?, Actes de la recherche en
sciences sociales, ns 67/68, Março, 1987, pp.105-121.

73
A Arte Contemporânea

É necessário ser internacional ou nada..., L'Arène de l'a rl, H. Cucco et P.


Gaudibert, Galilée, 1988.
R. Moulin, art. cit., mas também La mise en scène de 1'arl contemporain, op.
cit., e L ‘artiste et le peintre, sous la direction de E. Wallon, PUG, 1991.
17 Jeff Koons, por exemplo, assegura assim um “golpe” todos os anos, qualquer
coisa de muito visível para ser transmitido nos média: o seu casamento com a
estrela pomo italiana e deputada radical Cicciolina, o deslocamento e substituição
de um monumento Kitch (em bronze) de Munster para a sua cópia em inox...
Internacional pelos seus lugares de exposição e pela publicação dos golpes. Ver a
revista Ari Press, ne 51, Outubro 1989.
1Q
10 Buren é um bom exemplo desta ubiquidade dos papéis.

74
Segunda Parte
CAPÍTULO I

Os Arrancadores

Existe mesmo uma ruptura entre os dois modelos


apresentados, o da arte moderna, pertencendo ao regime
de consumo, e o da arte contemporânea, que pertence ao
da comunicação. No entanto, mesmo no seio do “moderno”,
muitos índices podem deixar prever a chegada de um novo
estado de coisas. Com efeito, se, no domínio social e políti­
co, as teorias por vezes antecipam as práticas, no domínio
da arte, pelo contrário, o movimento de ruptura é levado, a
maior parte das vezes, pelas figuras singulares, às práticas,
do “fazer”, que antes de mais desconcertam, e que anun­
ciam, de longe, uma nova realidade. A estas figuras indi­
ciais, chamamos de “arrancadores”.

O term o arrancador designa, em lingüística, as unidades


qu e têm d u p la fu n ç ã o e du p lo re g im e ; elas re m e te m p a ra o
enunciado (a mensagem, recebida no presente) e ao anunciador

77
A Arte Contemporânea

que a a n un ciou (a n te rio rm e n te ). Os p ro n o m es p e sso a is são


considerados como os arrancadores, pois eles ocupam um certo
lugar no enunciado, no qual são tom ados com o elem entos de
código, e para além disso estão numa relação existencial com um
elemento extra-linguístico: o que faz acto de palavra1.
Isolando, aqui, os “arrancadores”, fazem os referência a
estes dois modos temporais, uma mensagem que recebemos no
presente e o seu enunciador — que foi o autor, e assim fazemos
referência à conexão que é operada entre passado e presente,
mas também ao djuplo jogo destas unidades, colocadas no limite
do objectivo — a m ensagem libertada — e do subjectivo — a
singularidade daquele que enuncia. Se nos colocarmos no ponto
de vista do contem porâneo, o facto do retornar a mensagem —
entendida no presente — ao seu antigo autor pertence à figura de
pensamento dita “anáfora”, ou movimento que leva para trás, e faz
ressurgir os elementos do passado na esfera da actualidade.

Ora, parece, tanto pela frequência de citações como


pelo movimento de pensamento que provocam ainda hoje
em dia, que duas ou três figuras — que a cronologia pode­
ria situar na arte moderna — podem ser caracterizadas co­
mo “arrancadores” do novo regime, e vamos colocá-los, por
esse facto, na arte contemporânea.
Nesta óptica, trataremos em primeiro lugar de dois
artistas: Mareei Duchamp e Andy Warhol, e em segundo lu­
gar de um marcftand-galerista-coleccionador: Leo Castelli.
Estas três personagens têm em comum o exercício
de uma actividade que responde aos axiomas chaves do
regime da comunicação.

78
Os Arrancadores

I
O ar rançado r Mareei Duchamp
(1887-1968)

O fenômeno Duchamp tem tanto de interessante, a


este propósito, que a sua influência sobre a arte contem­
porânea parece crescer com os anos. De um lado, o núme­
ro de obras que lhe são consagradas é cada vez mais im­
portante2, por outro lado, ele é a referência, explícita ou
não, de numerosos artistas de hoje. Porquê? Porque este
artista — que se defendia de ser um — parece carregar o
modelo de um comportamento singular, que corresponde às
esperanças contemporâneas.
E isto não tanto por causa do conteúdo “estético”
da sua obra, mas pela maneira como ele via a relação do
seu trabalho com o regime da arte e da sua circulação.
Noutros termos, são as seguintes posições que lhe
dão o seu atractivo e o põem em primeiro lugar no grau dos
“arrancadores”.
1. A distinção da esfera da arte e da estética.

(Estética designando o conteúdo das obras, o seu valor


em si, sendo a arte simplesmente uma esfera de actividades entre
outras, sem que seja necessário um conteúdo particular).

2. Na esfera da arte, em que ela já não é depen­


dente de uma estética, os papéis do agente já não são assi­
nados como precedentemente.

(Produtores, interm ediários e consumidores não podem


já ser distinguidos... Todos os papéis podem ser desempenhados
ao mesmo tempo. O percurso de uma obra até ao seu consum idor
presumível já não é linear, antes forma um anel).

79
A Arte Contemporânea

3. Esta esfera já não entra em conflito com as outras


esferas de actividades, mas integra-se.

(Abandono dos movimentos das vanguardas e do rom an­


tism o da figura "artista”).

4. Sendo a arte um sistema de signos entre outros


signos, a realidade que lhe é descoberta é construída pela
linguagem, que é o motor determinante.

(Importância dos jogos de linguagem e da construção da


realidade; a arte não é mais emoção, ela é pensamento; o obser­
vador e o observado estão ligados pela e nesta construção)

É bem evidente que estes quatro pontos não foram


perceptíveis desde logo. Eles entram em conflito com o re­
gime “moderno” dominante, e possuem uma carga oposicio-
nal demasiado pesada para serem, não somente admitidos,
mas percebidos. Ou antes, eram admitidos como o ponto
extremo de uma arte moderna. De um lado, com efeito, as
obras de Duchamp não apresentam nenhuma característica
estética que suscite um julgamento de gosto; por outro la­
do, elas eram muitas vezes materialmente imperceptíveis,
consistindo em afirmação pura, em um ironismo de afirma-
ção3 da existência de uma esfera de arte.
Para dar justiça à sua novidade, não devemos
então passar pela análise termo a termo das obras, o que
seria o caso de uma história da arte, mas pela colocação da
marcha duchampiana num lugar global.

80
Os Arrancadores

1. Primeira proposição:
a distinção estética/arte

A) A ruptura

Continuidade, filiações, rupturas: os pintores geral­


mente são presa de um filete de referências que os liga aos
seus predecessores. Os movimentos artísticos desenvol­
vem-se — crescem e morrem — para reviver sob uma outra
forma, como as árvores, de ramos solidários. Duchamp, jo­
vem, pinta “como” ou em “oposição a”. De 1907 a 1910, ele
pinta uma série de telas à maneira dos impressionistas, de­
pois aproxima-se de Cézanne, em 1911, com Courant d ’a ir
sur un pom m ier du Japon, e atravessa o cubismo com
Jeune homme triste dans un train, enfim, põe termo ao
picturalismo com Nu descendant un escalier, que data de
19124. Ele está então rodeado de pintores, de poetas ou de
escritores. Os seus dois irmãos, Jacques Villon e Raymond
Duchamp-Villon, são pintores e escultores. Participa do mo­
vimento surrealista e do cubismo, pelo menos nas discus­
sões e no freqüentar dos Breton e dos Apollinaire, destaca-
-se, evita Cézanne e projecta-se entretanto, não já tanto pe­
la sua maneira de pintar como pela sua caminhada inte­
lectual. Uma passagem pela Alemanha, em Munique, em
1912, e peio movimento Dada, e faz-se o vácuo5. Duchamp
rompe com a prática estética da pintura: declara-se “anti-
artista”. E aí começa a aventura.
Esta ruptura não é uma oposição, que estaria liga­
da à sua antítese, seguindo uma cadeia causai, mas um
deslocamento de domínio. A arte não é mais para ele uma
questão de conteúdos (formas, cores, visões, interpretações
da realidade, maneira ou base) mas um invólucro. Assim

81
A Arte Contemporânea

dirá, cinqüenta anos mais tarde, McLuhan: “O médium é a


mensagem” apagando a distinção clássica entre mensagem
(conteúdo intencional) e canal de transmissão (neutro e
objectivo) para estabelecer a unicidade da comunicação
através do médium6.
Mesmo num apagamento, segundo Duchamp, do
conteúdo intencional da obra em relação ao continente, este
é suficiente para afirmar que se trata de arte.

A titude c o n trá ria à de um W a lte r B enjam in que, num


fam oso texto, lamenta a perda de aura da obra de arte, que, de
única e não reproduzível, se torna numa peça, num jogo mecânico
de reprodução técnica. Outrora ligada ao lugar onde e pela qual foi
concebida, a obra é agora exposta a todos, nos lugares que não
foram feitos para ela7. Para W alter Benjam in, a exposição é a
marca, moderna, da inautenticidade das obras.

B) Os ready-made

Em 1913, Duchap expõe os primeiros ready-made,


La Roue de bicyclette, depois, em 1917, a Fontaine, nos In­
dependentes de Nova Iorque. Ele deixou o terreno estético
propriamente dito, o ‘leito à mão”. Mais base, mais maneira,
apenas os “signos”, quer dizer, um sistema de indicadores
que baliza os lugares. Expondo os objectos “já feitos” bem
ali, e geralmente utilizados na vida quotidiana, como a bici­
cleta ou um urinol baptizado de “fonte”, ele assinala que
apenas o lugar de exposição faz desses objectos obras de
arte. É esse lugar que dá o valor artístico de um objecto,
por pouco estético que este seja. É mesmo o invólucro que
carrega a carga artística: galeria, salão, museu. Ou ainda
textos, jornais, notas, publicações, até mesmo notas de ro­

82
O s Arrancadores

dapé, como aquelas que Duchamp transporta com ele, o


seu museu portátil, as suas “malas”, è as suas “caixas”
(caixa de 1914, caixa verde, caixas em malas)*.
O próprio termo “caixa” mostra bem qual a função
que Duchamp atribui ao invólucro. O Museu portátil jamais
pode ser aberto, ou ainda, uma caixa pode estar selada, e
não conter nada: “Fazer um ready-made com uma caixa,
fechando qualquer coisa irreconhecível pelo som, e soldar a
caixa”9.
Quanto ã obra, ela pode então ser não importa o
quê mas a tal hora. O valor mudou de local: agora liga-se
ao lugar e ao tempo, desertou do próprio objecto. A partilha
entre a estética e a arte faz-se em benefício de uma esfera
localizada como cena, onde o que é mostrado é arte.
Neste caso, o autor, como artista-pintor desapare­
ce; ele é apenas o que mostra. É-lhe suficiente apontar, as­
sinalar. A única mostra da sua existência, a assinatura que
acompanha o objecto já feito, o que é marcante, ainda que
mesmo esta seja muitas vezes disfarçada: como é o caso
de R. Mutt que assina o u.rinol, do R. Rose Sélavy, ou ainda
algumas assistências (os ready-made assistidos, como A
bruit secret (1916)). Um novelo de cordel é apertado entre
duas placas de latão. No interior do novelo, Duchamp pede
a Arensberg para colocar um pequeno objecto, de que
Duchamp (e portanto o espectador) ignora tudo, a não ser
que ele emite um ruído quando se desloca o ready-made.
As informações (inserir as informações) que acompanham o
objecto são também as marcas que disfarçam, ironicamen­
te, desta vez não o nome do autor, mas o próprio objecto: é
assim que o pente de aço traz, gravado sobre a aresta, a
seguinte frase: “três ou quatro gotas de altura não têm nada
a ver com a selvajaria” O mesmo pente pode também ser

83
A Arte Contemporânea

acompanhado da fórmula “impossibilidade do ferro” (do


fazer). O jogo de palavras é patente, se se trata mesmo de
marcar a ruptura com o “feito à mão”, a picturalidade enten­
dida como estética.

C) O acaso e a escolha

Se o fazer é impossível, resta a escolha, à qual é


reduzida a parte do artista. Com efeito, se o invólucro espa­
cial é importante, o continente temporal, o momento é-o
igualmente, pois a escolha do objecto pertence ao acaso,
ao encontro, à ocasião. Duchamp vai chamar a este exer­
cício temporal acaso em conserva.
Sem dúvida que é este o último signo para uma
figura do passado: a marca de uma presença inventiva, de
uma intuição imaginativa, que terá ainda efeito na activida­
de artística. É na encenação do encontro do acaso que se
refugia o saber-fazer, quer dizer, o saber-escolher do artis­
ta, considerado com um anti-artista. Como não-pintor.
O ready-made, encontrado por um acaso escolhido
e reservado, indica o estado de arte num dado momento.
Ele existe numa relação de fragmento com a totalidade dos
acontecimentos da arte. Em nenhum caso ele é uma obra à
parte, uma obra em si, dotada de um valor estético; é um in­
dicador, um sinal num sistema sintáxico. Ele manifesta essa
sintaxe unicamente pelo seu posicionamento.

2. Segunda proposição:
a indistinção dos papéis

Se a estética, o saber fazer à mão são assim deixa­


dos de lado, se o artista é o que mostra, se ele produz os

84
Os Arrancadores

sinais, é necessário reconsiderar toda a distribuição dos pa­


peis no interior do domínio da arte. Duchamp empenha-se
nisso.

A) O artista como produtor

O artista é, neste novo jogo, o que produz, quer di­


zer, põe diante de, exibe um objecto. Ele dispõe-no e colo­
ca-o. Ele identifica-se, talqualmente o galerista-marchand,
que também “produz” os artistas sobre o cenário de arte.
Dispõem estes e, de alguma maneira, também se dispõe.
Além disso, ele identifica-se com o fabricante do objecto em
questão. Sobre um objecto fabricado, a intervenção do
artista é, acima de tudo, minimal. Algumas vezes, assiste
ao ready-made ou assina-o, mas a materialidade do objecto
permanece fora dele. O que mostra, que põe em cena, a
sua actividade demonstra-se no deslocamento do objecto:
ele muda-o de lugar, de temporalidade. Assim, toda a pre­
tensão à criação das formas e das cores é derrotada, ou re­
jeitada. O artista não cria, ele utiliza o material. “Fazer qual­
quer coisa é escolher um tubo azul, um tubo vermelho...
Este tubo, você não o comprou, você não o fez. Você com­
prou-o como um ready-made\ todas as telas do mundo são
ready-made socorridos e trabalhos de embalagem..."
O que Duchamp mostra, é simplesmente a condição
de toda a obra, de toda a pintura, “mesmo normal” 10.
O primeiro produtor da obra, é o industrial, o segun­
do, é o artista que decide utilizar um objecto fabricado. O
artista é identificado com uma etapa da produção industrial,
ele sustenta um simples “coeficiente de arte”. Assistência
ao ready-made, mas também ao fabricante.

85
A Arte Contemporânea

B) 0 produtor como contemplador

Segunda deslocação dos papéis. A famosa proposi­


ção de Duchamp: “É o contemplador que faz o quadro” é
para tomar à letra. Ela não se refere — como muitas vezes
se pensa — a uma qualquer metafísica do olhar, a um idea­
lismo do sujeito que percebe, mas corresponde a uma lei
bem conhecida da cibernética, retomada nas ideias da co­
municação: o observador faz parte do sistema que observa;
ao observar, ele produz as condições da sua observação e
transforma o objecto observado. Vemos que não se trata
mais de separar o artista do seu consumidor virtual, mas de
os ligar a ambos numa mesma produção. O lugar do artista
encontra-se então identificado, por um lado, com o fabrican­
te, e por outro, com o observador.

(No grand verre, o vidro extra-fino deixa o observador


com o seu próprio reflexo, misturado com as inscrições gravadas
no vidro. O espectador faz parte da obra.)

C) O artista como conservador

Mais uma vez, aqui, os papeis estão baralhados: o


intermediário — conservador, galerista ou marchand, é o
próprio artista. Não somente Duchamp “conserva” o acaso
conservado, mas ele conserva as notas, textos e objectos
fotocopiados nas suas malas, nas suas caixas, dentro de
malas. Ele acumula-os e transporta-os consigo. Por outro
lado, para prefazer o ciclo, ele torna-se conservador do de­
partamento do museu de Filadélfia, que apresenta as 45
obras da colecção Arensberg: as suas próprias obras. Ele é
também membro de um júri, tendo dois papéis ao mesmo

86
Os Arrancadores

tempo: o do artista que apresenta o seu trabalho e o de


membro do júri... que recusa a sua “fonte”.

Em Abril de 1917, na Sociedade dos Independentes, ele


apresenta um urinol em barro esmaltado, assinado R. Mutt. “Eu
estava no júri, mas os vários agentes não sabiam que tinha sido
eu que o tinha enviado, pois tinha inscrito o nome de Mutt, para
evitar as relações com as coisas pessoais... De qualquer maneira,
era muito provocante...”11.

A demonstração é perfeita: o artista não é um ele­


mento à parte, separado do sistema global: não há autor,
não há receptor, apenas uma cadeia de “comunicação” que
se anela em si própria.

3. Terceira proposição:
o sistema de arte é organizado em rede

As duas primeiras proposições ligam-se directa-


mente à terceira. Com efeito, a reiação da arte com o siste­
ma geral (social, político, econômico) ó uma relação de inte­
gração, não de conflito. Jogando em partituras simultâneas,
Duchamp desmonta a antiga ideologia do artista exilado, re­
cusado, contestatário: a estética não é um domínio que tem
as suas leis diferentes do sistema geral. Ela é uma simples
peça num jogo de comunicação onde, quer a entrada quer
a saída, não se podem achar. Nem origem, nem fim. Um
anel. As operações que se desenrolam no interior da rede
são de facto propriedades da rede, não da vontade do artis­
ta. Cada ponto da rede está ligado aos outros, cada interve-
niente pode estar em todo o lado ao mesmo tempo.

87
A Arte Contemporânea

Neste caso, não existe vanguarda propriamente di­


ta; não existem m anifestações anti-sociedade ou anti-
marchands. Bem pelo contrário, o jogo da arte consiste em
especular sobre o valor da simples exposição de um objecto
manufacturado. A exposição, a circulação apenas faz o va­
lor do signo, este valor especulado provém, de pleno direito,
de um direito teoricamente axiomatizado ao domínio da
arte.
A singularidade de Duchamp — com a incompreen­
são que suscita muitas vezes — é de ter posto a nu um fun­
cionamento, de ter esvaziado o artista e a obra do seu con­
teúdo intencional, emocional. A La Mariée mise à nu é bem
arte ela própria, libertada dos ouropéis estéticos. Através do
Grand Verre, frio, e dos seus mecanismos esmagadores, é
o novo regime da arte contemporânea que se perfila, e a
sua lógica impecável.
Lógica da rede anônima: a Société anonyme, cujo
título é de Man Ray, e fundada por Katherine Dreier e
Duchamp, realiza uma colecção internacional permanente,
que devia estar ligada a um museu, neste caso, à Yale Uni-
versity Gallery; é uma lógica internacional, tecida entre Nova
Iorque, Paris e Buenos Aires.

4. Quarta proposição:
a arte pensa com as palavras

Último efeito da ordem axiomática: a importância da


linguagem. Num jogo de designação e de demonstração,
que consiste em apontar o objecto já na vulgaridade do
consumo e de lhe afectar um coeficiente de arte,a assistên­
cia pode vir de uma nova embalagem mas também, e mais

88
O s Arrancadores

necessariamente, das intitulações que a acompanham.


Expor um tal objecto, é intitulá-lo. O urinol é fonte, o cabide
lançado por terra é armadilha-, quando o objecto é reconhe­
cível como objecto estético (como a Joconde), então o título
dado desloca o valor estético: LHOOQ, desacraliza-a.
Por outro lado, as notas e textos que se encontram
no museu portátil, fechadas em caixas, são obras do mes­
mo título dos objectos acabados. São mastros. São também
formulações “acabados”, quase impenetráveis. Ready made
em palavras. Aí a sintaxe é perfeita, e o sentido escapa.
Diferentemente dos jogos surrealistas, nenhum efeito poéti­
co é procurado em particular; é o exercício puro da lingua­
gem, que se renova a si própria. Não sentimos, de modo
nenhum, a “pata” do artista, as proposições estão como que
congeladas na sua pureza definitiva. Daí a sua admiração
por Roussel e por Brisset: “Pensava que enquanto pintor,
era melhor ser influenciado por um escritor do que por um
outro pintor... eu tenho muito da expressão “estúpido como
um pintor”.
Se o conteúdo físico da pintura — cores e formas
— é rejeitado, se a arte não mais é mais retida, se ela é
“inóptica”, então é porque deve utilizar um outro suporte.
Ora as palavras são signos impalpáveis, pouco pesados,
que a cadeia de comunicação pode fazer oscilar na balan­
ça. Eles servem ao mesmo de lugar e de tempo aos objectos
que entitulam, e substituem-se à matéria: o título é uma cor.
Ainda mas, como temos vindo a sublinhar para as
fórmulas, a linguagem é um já-lá, um ready made, pronto a
ser empregue. Os utilizadores da linguagem não a inven­
tam, eles rodeiam ou deslocam algumas vezes os elementos.
O mesmo então que os jogos de linguagem para um
Wittgenstein, que esclarecem, não a mensagem, mas o sis­

89
A Arte Contemporânea

tema da linguagem e o seu uso; assim, as proposições de


Duchamp surgem como ready made — ou são utilizadas
como ready made — esclarecem não tanto os objectos em
si próprios — e que tendem cada vez mais a obscurecer o
significado habitual — mas o funcionamento da arte.

5. O transformador Duchamp

A obra de Duchamp contém em germe os desen­


volvimentos que os artistas que virão depois dele possuirão,
num sentido ou noutro: a arte conceptual, o minimalismo, a
Pop arte, as instalações, mesmo os happenings que eles
trabalham ao seu gosto. Mas não é neste seguimento histó­
rico, nesta continuidade de desenvolvimento de um conteúdo
estético que é preciso procurar a transformação Duchamp.
Seria operar um contrasenso fundamental. É nas proposi­
ções axiomáticas, que anunciam e fundamentam o regime
da arte contemporânea, que o seu trabalho é verdadeira­
mente transformador. É aí que a esfera da arte se articula à
era da comunicação toda-poderosa.
Resumamos brevemente estas articulações:

— Passagem da mensagem intencional, com emis­


sor e receptor ao sinal produzido, por e na rede, e susceptí­
vel de aí circular (anonimato ou disfarçamento da assinatu­
ra, banalidade do objecto, congelador de toda a emoção de
origem retiniana).
Paralelamente, desaparição do autor como sujeito
livre e voluntário. O acaso encontrado, a escolha substitui o
fazer; a ocasião e a velocidade substituem-se ao trabalho:
“Não importa o quê, mas a tal hora”. Aqui, Duchamp prefi-

90
O s Arrancadores

gura o movimento da retirada do sujeito, o seu lugar como


elemento determinado pelo sistema. Prefigura Foucault e
Barthes.
— Importância da linguagem, não como expressão
de um pensamento, mas como fundo radical do próprio
pensamento. A linguagem pensa-se, como a arte se pensa
através dela. É toda a escola pragmática anglo-saxónica e
o trabalho de Wittgenstein que estão aqui prefigurados. É
comum, para os artistas americanos dos anos sessenta,
citarem Wittgenstein12. Em França, é Duchamp quem é ci­
tado como referência (Ben é um seu admirador apaixo­
nado).
Desaparecimento das vanguardas e da mensagem
socio-política.

Dois efeitos ligados: com efeito, para os críticos de arte


tradicionais, a vanguarda é um fenômeno que pertence à história
da arte. É o motor do desenvolvimento da arte, pela sua procura
da novidade, as suas provocações. Se nós nos situarm os, com
Duchamp, fora da história da arte estética, maior é a tom ada de
posição, que vale pela sua novidade formal, por conseqüência,
mais vanguardista (nunca um a posição de rectaguarda). Outro
fenôm eno, o realce quase instantâneo de quanto possa passar por
vanguarda. S endo tudo adm itido, recebido e sublinhado como
actual, a vanguarda não se pode nunca destacar do pelotão.

Por outro lado, a mensagem política e social das


vanguardas era abertamente crítica da sociedade mercantil,
e situava-se como denunciadora ou refúgio dos valores do
capital. Integrando a arte na sociedade como uma esfera
entre outras, esta mensagem encontra-se bloqueada. Como
se trata menos, na sociedade da comunicação, de dinheiro

91
A Arte Contemporânea

do que de informação — a informação e a sua circulação


eram a verdadeira riqueza — o conflito resolve-se a si pró­
prio.
— Procura das condições mínimas da transforma­
ção de um signo: a assinatura torna-se o garante da arte, o
seu coeficiente de valor artístico: a obra pertence ao gênero
do cheque.

Duchamp faz um cheque-símile, que ele dá ao seu den­


tista Tzanck, em pagamento pelos seus trabalhos. Apenas a inser­
ção da sua assinatura de artista vai dar o valor ao seu cheque...
vinte anos mais tarde. Lem bram o-nos da encenação de Yves
Klein: Vender “uma zona de sensibilidade pictural” vem a ser o
que o com prador paga em ouro; este obtém, em troca, um recibo
que deve queimar, enquanto que o artista atira a metade desse
ouro ao rio (na ocorrência, ao Sena).
Em ressonância, ainda, os negócios de Warhol, que se
intitula "artista de negócios”.

— Avançar do conteúdo espacial que coloca o


objecto em situação de obra. (O desenvolvim ento dos
museus, galerias, fundações, fundos regionais fazem hoje
em dia eco e realizam plenamente este axioma).
Esboço de uma exposição a nu da rede formada
pelos profissionais da arte. (Apesar da ignorância ou incom­
preensão e a recusa do público, apesar das poucas obras
visíveis, os profissionais — um pequeno núcleo elítico — fa­
zem a cotação).
O modelo Duchamp, tão discreto que apenas alguns
iniciados têm dele conhecimento, de modo nenhum oferece
. “novas imagens”, mas sim a única imagem possível de um
exercício da Arte, num sistema que começa já a instaurar-se
(o da comunicação) a que a sua obra serve de analisador.

92
O s Arrancadores

A partir deste momento, o domínio da arte não é


mais o do retraimento e da má interpretação, do conflito
com a sociedade, mas o de uma aclaração, circunstancia­
da, dos mecanismos que o animam13.
Exibindo esses mesmos mecanismos, nos quais se
inserem, os artistas “anti-artistas” vão lucrar largamente
com esta irônica conivência. Como será o caso do segundo
arrancador que trataremos, Andy Warhol.

II
O arrancador Warhol (1928-1987)

Se a obra de Duchamp é de difícil acesso, quase


tida em segredo, tornando assim opaca a sua relação com
a sociedade do seu tempo, de tal maneira que é necessária
uma análise para aí encontrar os princípios gerais de um
regime da comunicação, a obra de Warhol é, pelo contrário,
tão pública e serve-se de maneira tão notória das vias e
meios da publicidade mercantil, que torna também difícil a
avaliação da sua contemporaneidade.

1. Um falso moderno,
um verdadeiro contemporâneo

Com efeito, os termos que se retêm normalmente a


seu propósito são os que caracterizam uma sociedade de
consumo “moderna”: máquina de produção, sistema de pu­
blicidade, máquina de consumo. As suas séries, as suas

93
A Arte Contemporânea

repetições esteriotipadas de produtos de consumo, a sua


empresa (a factory 14 concebida como um verdadeiro con­
sórcio, as declarações que as acompanham, em forma de
slogans publicitários: tudo parece indicar que ele é o porta-
voz lúcido e satírico desta sociedade de consumo. A arte
vai-se reger pelas leis do mercado dos produtos, e será um
produto como qualquer outro.
Esta constatação, que Warhol, longe de desmentir,
afirma com insolência, dá o fio de retorno aos críticos. Se
Warhol é um “artista” — e não podemos ignorá-lo como tal
— é porque a sua obra será dupla: de um lado, vai-se situar
bem no sistema de mercado, mas de outro lado, exibindo
notoriamente esse sistema, ela critica-o — Warhol faz ne­
gócios e não se esconde, o que deixa muito pouco à vonta­
de os comentadores da arte “moderna”. O julgamento esté­
tico: Warhol tem talento, ele tem olho (“ele tinha um verda­
deiro dom”, diz Greenberg), é coberto por um julgamento
moral: Warhol quer que falem dele: “Desde a sua chegada
a Nova Iorque, em 1949, Warhol tem perseguido a sua ce­
lebridade com a obstinação de um salmão na estação
fresca...”15.

A) A crítica embaraçada

Para evitar este julgamento moral e o problema que


ele suscita, é preciso que os críticos se livrem das caretas.
Falaremos do desejo de Warhol de se identificar a uma má­
quina, de uma participação-denunciação da vida americana,
do seu kitsch, de uma denunciação pública do banal, do
mecânico, da série pela reduplicação da própria série, de
um espelho de dupla face que reflecte a realidade da vida
social, “Onde está a realidade quando dois espelhos ficam

94
O s Arrancadores

frente?” De uma obsessão trágica pela morte, alojada na


repetição, do carácter duplo da técnica, ao mesmo tempo
prejudicial e salutar, segundo a análise de Heidegger... Em
suma, tentamos fazer colar a imagem tradicional do artista,
crítico da sociedade, e de “homem de negócios” à procura
do dinheiro, do poder. Salvamos o que podemos da Arte (e
portanto do artista Warhol), apelando à intenção, à profun­
deza, etc. Fazendo-o, adoptamos uma atitude contraditória,
o que pensamos corresponder bem ao seu trabalho, em su­
ma pagamos-lhe na mesma moeda. Contraditória, dúplice
ou dupla, algumas vezes tripla — houve três Warhol... O
primeiro, simples desenhador de publicidade, o segundo
artista Pop reconhecido, o terceiro, empreendedor de ne­
gócios16...
É verdade que Warhol, na história da arte, pertence
à Pop Arte, aos anos sessenta — anos do triunfo america­
no — e portanto à arte moderna. Mas se é o mesmo que os
Rosenquist, os Lichtenstein e os Oldenburg, eie distingue-
-se, no entanto, pela maneira como visualiza o modo, como
a arte se articula na sociedade e em particular no mundo
dos negócios. É sobre esta articulação que convém reflectir,
e é ela que nos leva a considerar Warhol como fazendo
parte da arte contemporânea, enquanto que arrancador da
sociedade de comunicação. Se fosse necessário, podería­
mos também situá-lo em referência a Duchamp, por inter­
médio da sua devoção para Jaspers Johns, e pela sua pro­
ximidade com as ideias da arte conceptual.
Reflexão que permite situar a obra de Warhol na
sua complexidade, sem ter que tomar partido sobre a moral
dos seus “negócios”, ou ainda situar esta atitude como re­
sultado de uma filosofia da comunicação e não como uma
perversão cínica do sistema de consumo.

95
A Arte Contemporânea

2. O W arhol’s system

Retomamos então os pontos que servem de princí­


pios à arte em regime de comunicação:

A) O abandono da estética

Como Duchamp, Warhol abandona a estética, dei­


xa o seu emprego de desenhador, renuncia à base, ao
saber-fazer à mão, e consagra-se à Arte. Esfera que se
dissocia das questões de gosto, do belo e do único. Os
objectos que ele vai mostrar serão banais, kitsch, de mau
gosto. Serão os objectos de consumo corrente: garrafas de
Coca-Cola, fotografias dos jornais, e reembalagens. Em
suma, asjduplicações, os re-made. Tal como Duchamp,
trata-se de mostrar o já-lá, mas ao ready made assistido por
Duchamp, que permanece único e quase impossível de
encontrar, Warhol opõe a repetição em série, a saturação
das imagens, e o paradoxo de uma despersonalização
hiper-personalizada...
“Seria formidável se mais gente empregasse a seri-
grafia, nunca saberíamos se o meu quadro é mesmo meu
ou o de um outro”. Quer dizer que todos os quadros pode­
riam muito bem ser seus...
Pois se Duchamp tinha assinado o encargo de ser
o portador da mensagem “Isto aqui é arte”, renunciando
assim ao saber-fazer e à estética do gosto, apagando-se da
cena, por assim dizer, e preservando o seu quanto-a-si,
Warhol, pondo em prática o seu conhecimento das redes,
abandona este último refúgio e esta última marca de arte
que é o lugar de exposição, para se estabelecer sobre o es­
paço inteiro das comunicações. Passagem de um lugar (to­

96
O s ArrancadLores

pos) determinado, marca de uma etiqueta “arte” ao conjunto


de um circuito que ele vai ocupar todo. A despersonalização
visada vái então transformar-se em personalização a todo o
transe, pelo alastramento do nome “Warhol" a todos os
suportes.
Serigrafia e fotografia, aumentam as imagens já co­
nhecidas, cores violentas, fidelidade ao motivo, apagamen-
to da intenção, apagamento do autor, anti-expressionismo:
se é verdade que os artistas Pop dos anos sessenta traba­
lham as imagens do quotidiano da mesma maneira, tendo
todos operado uma separação com a estética das formas e
do “saber-fazer à mão”, de qualquer modo eles não explora­
ram nem levaram a seu termo os outros conceitos que re­
gem a comunicação17: a rede, com a redundância e a satu­
ração, o paradoxo, com a anelação sobre si, a auto-procla-
mação com o nominalismo, a circulação dos signos na re­
de, sem autor nem receptor, e enfim o totalitarismo, com a
internacionalização do sistema de comunicação.
Ora, são estes preceitos ou princípios que Warhol
vai utilizar no melhor...

B) A rede de comunicação

Warhol compreende muito depressa o sistema pu­


blicitário. Quando, em 1960, abandona a arte comercial, ele
sabe “como é que anda”. Esta experiência é fundamental,
pois ela vai-lhe servir para construir a sua própria imagem e
a utilizar os mecanismos da publicidade, para a tornar co­
nhecida. (Em suma, ele é o fabricante de um produto cha­
mado Warhol, e o publicitário que transforma 0 produto em
imagem e o vende). Assim, ele sabe que é preciso entrar na
rede no momento, onde tem mais hipóteses de ser imedia­

97
A Arte Contemporânea

tamente conectado com o mundo que visa: a galeria de Leo


Castelli. E ele vai entrar em 1964.

C) A repetição

A segunda “lei” da rede de comunicação, é a repeti­


ção ou tautologia. Ao contrário da obra única e original, que
é uma das exigências da estética internacional, trata-se de
reduplicar o mais depressa possível, e com o maior número
possível de entradas, a mesma mensagem. A publicidade
mostra-lhe a via. Admitindo que o trabalho do artista da Pop
Arte consiste não em “fazer” mas em escolher a imagem
que vai mostrar, é preciso escolher a imagem que fará sen­
sação, ou escolher o meio de tornar não importa qualquer
imagem sensacional.
No primeiro caso, as fotografias de catástrofes, apa­
recidas na imprensa, fornecerão o assunto. É a série dos
Disasters'. Tunafish Disaster (1963) Five death ou Saturday
Disaster.

Para Tunafish Disaster, são as imagens de embalagens


de atum, segundo o princípio das garrafas de Coca-Cola, ou as
sopas C am pbell’s, mas estas em balagens tinham sido suposta­
mente a causa de morte de muitas pessoas. As fotografias das
vítim as são colocadas abaixo das embalagens mortais. A proxi­
midade desses rostos, quem quer que sejam, sorridentes, e da
sua morte em cadeia, causam justamente o choque sensacional.
A morte acom panha as páginas dos jornais, é esta morte quoti­
diana sob os-aspectos mais vulgares que W arhol faz aparecer.

Este tema da morte, se persegue a produção de


Warhol, não está ligado a uma intenção trágica, nem tem

98
O s Arrancadores

qualquer gosto mórbido — interpretação psicológica, que


exibimos tradicionalmente, mas que deve ser considerada
na óptica da rede: o efeito saturação-repetição traz em si o
seu próprio fim, soa como uma lamentação obsidiante.
No segundo caso, é o objecto, qualquer que seja,
nada sensacional que será escolhido. Este objecto, todo o
mundo o conhece. Ele é público. Ligando o seu nome ao
objecto da série conhecido de todos, Warhol torna-se assim
tão conhecido como a imagem que ele assina. Será o caso
da sopa Campbell’s, da Coca-Cola, das “estrelas”, ídolos do
público, como Marylin Monroe ou Liz Taylor, ou, melhor
ainda, da nota de 1$. Será suficiente tornar esses objectos
sensacionais, seja pelo tamanho — as 100 Marylin têm
205,5 cm por 567,5, as Liz, 211 por 564, os dólares, 228
por 177,5— , seja pela repetição: 100 Marylin, 112 garrafas:
Green Coca-Cola Bottles (1962).
É o impacto sobre o público que importa, é preciso
cobrir os muros, repetir, saturar. Pois a com unicação
cam inha para a tautologia, para a redundância. “ Uma
embalagem de sopa Campbeirs é uma embalagem de sopa
Campbell's é uma embalagem de sopa Cam pbeirs.” Os
MacDonald’s são os MacDonald’s que são os MacDonald’s:
“O que há de mais belo em Tóquio é o MacDonald’s, o que
há de mais belo em Estocolmo é o MacDonald’s, o que há
de mais belo em Florença é o MacDoriald's. Pequim e
Moscovo ainda não têm nada de belo."
Como ele diz ainda: “Todas as Coca-Colas são se­
melhantes. Elas são todas boas. Liz Taylor sabe-o, o Presi­
dente sabe-o, o mendigo sabe-o e nós também o sabe­
mos”. E como o sabemos, senão pela publicidade ?
É preciso então saturar as redes, e servir-se de to­
dos os suportes possíveis. Por isso, é preciso que o seu

99
A Arte Contemporânea

nome e as suas imagens ocupem de uma vez só todas as


posições possíveis na cadeia de comunicação, e o pequeno
mundo reunido na factory empenha-se nisso.

Rock: em 1965, W arhol monta o “Velvet underground”,


um g rupo de rock, que ele produz em 1966 em Nova Iorque.
Filmes: Sleep (que dura seis horas, pois assim o tem po pode ser
repetição e saturação), Chelsea Girls, Dracula...

Entrevistas, acontecimentos que tocam à “estrela”,


como o atentado que ele sofre em 2 de Junho de 1968, tu­
do isso circula na imprensa, nos écrans de televisão, no
mundo das redes internacionais, como para uma “estrela”
de cinema ou de rock.
“ Ser tão conhecido como a embalagem de sopa
Campbeirs!”18

D ) O paradoxo

O paradoxo é uma das leis-princípios da rede. Ele


refere-se à anelação entre o autor de uma mensagem e a
própria m ensagem 19.JMum sistema de comunicação, o
nome e a obra são idênticos. O nome de Warhol não é um
nome que assina uma ou muitas obras: é uma obra, o resul­
tado de um circuito de produção de múltiplas entradas
(assim, “frigidaire” é um nome genérico para todo o frigorífi­
co). Nesta visão, o signo Warhol marca uma série de produ­
ções em rede: pinturas, filmes, fotografias, exposições, es­
critos. “O autor Warhol identifica-se com a rede que faz cir­
cular os produtos Warhol”.
Como as “estrelas”, que são o resultado de uma ca­
deia de realizações cinematográficas e assinam essas reali­

100
O s Arrancadores

zações com a sua presença de “estrelas", a obra de Warhol


existe numa relação de “vedeta” com o sistema de produ­
ção que a leva adiante. Ou se quisermos, e como ele pró­
prio proclama, Warhol produz-se como sua obra própria,
como star (pois não existe “estrela” desconhecida... assim
como não há “marcas” desconhecidas). A estrela é, na sua
personalidade visível, impessoal, como um objecto. Ela não
envelhece (“Memorex impede as estrelas de envelhece­
rem”). Ela pertence à rede antes de pertencer a ela própria,
e multiplica-se identicamente.
O paradoxo — e a anelação própria do arranque
Warhol — é que ele é ao mesmo tempo o produtor de uma
imagem de star, que se aplica a fazer circular nas cadeias
de comunicação, e esta star que ele produz não é outra
senão ele próprio, como obra. O objecto que ele apresenta
— esta caixa, esta garrafa, ou esta “estrela”, traz a sua
marca, é Warhol20.
A ssim , a separação que existe entre o nome
designan-do um autor singular e a assinatura que promove
esse nome como signo válido para o nome, encontra-se
aqui apagada. Nome, assinatura e obra encontram-se con­
fundidos.

(Isto ao c o n trá rio de D ucham p, que re se rva va o seu


nom e " p ró p rio ” no que tin h a de s in g u la r, ao a b rig o de um a
a ss in a tu ra d isfa rça d a , p re s e rv a n d o assim o seu q u a n to -a -s i,
discreto, secreto).

Outro nível do paradoxo: o nó que forma a impes­


soalidade afixada do re-made — nada de saber-fazer, nada
de toque pessoal, nada de transformação do objecto mos­
trado, ele é reproduzido tal qual — e a hiper-personalização

101
A Arte Contemporânea

do nom e-assinatura, que será idolatrado pelos teen-


agers21, os jeans, os bonés, as tee-shirts, onde se estam­
pam os posters — pin-up — , não os objectos mostrados.
A interpretação sociológica, que consiste em expli­
car o sucesso de Warhol perto do jovem público americano
pela apresentação de objectos da vida quotidiana, geral­
mente deixados de lado pelos artistas “à mão”, não dá c o n -v
ta da especificidade do efeito Warhol, na medida em que os
outros artistas da Pop Art que trabalham os mesmos temas
estão longe de terem conhecido a mesma saída. É preciso
ver que a diferença está na exploração, por Warhol, da re­
de, e dos seus princípios.

3. A arte dos negócios

"C o m e ce i a m inha c a rre ira com o a rtis ta co m e rcia l e


quero acabá -la com o a rtista de n egócios... Eu q u e ria ser um
homem de negócios de arte ou um artista homem de negócios...
G anhar dinheiro é a arte, trabalhar é a arte e fazer bons negócios
é a melhor das Artes”22.

Esta declaração de Warhol fez correr muita tinta.


Ela pode parecer provocante, e é, mas sem dúvida que não
pelas razões que geralmente lhe atribuem. Ela sê-lo-ia da
parte de um autor que estaria na tradição ideológica de
artista, produzindo afastado do mundo uma obra genial,
tendo consciência de um valor único e incomparável. Mas,
já o vimos, esta exigência de pureza, esta recusa do comér­
cio e da arte comercial desapareceram com o abandono da
estética. As vanguardas, com o seu aspecto anti-comercial,
cederam o lugar aos artistas inteiramente determinados em

102
O s Arrancadores

se tornarem ricos e célebres e a jogarem para isso os seus


trunfos mundanos. Só que nenhum deles vai, como Warhol,
ao fundo da sua determinação, sem dúvida porque não
possuem como ele a mestria do processo.

A) Uma empresa: a factory

“No mundo dos negócios, não é a estatura que con­


ta, é a estatura que você quiser".
Para se tornar rico e célebre, para ter a estatura que
você quiser, é preciso freqüentar as celebridades, e melhor
ainda, fabricá-las, tornar-se o centro da vida in. É o que foi
a factory23. Ela esteve à altura que Warhol queria. De 1963
a 1965, aí se encontram: todas as espécies de subculturas,
a contra cultura, o pop, as “super estrelas”, todo o je t set... e
as “estrelas” que fabricam a factory. Em 1968, antes do
atentado de que foi vítima, Warhol tinha alargado o seu pú­
blico, a factory tinha-se tornado numa instituição. Warhol
podia então realizar a segunda parte da sua proposição:
tornar-se homem de negócios de arte.
Lembremo-nos que a arte, para Duchamp, não tinha
um conteúdo intencional, apenas existia em relação ao
lugar onde estava exposta a obra, a obra em si era um
objecto banal, já presente no mundo, já fabricado. A inter­
venção do artista consistia em exibir, primeiro deslocamen­
to, e em assiná-la com um pouco em assistência, segundo
deslocamento.
Conhecedor desta definição minimal, Warhol vai
também mostrar os objectos vulgares, não na sua materiali­
dade, em três dimensões, mas reproduzidos (serigrafias, fo­
tografias) sem nenhuma intervenção da sua parte que des­
loque ou poetise o motivo. A única acção pela qual então se

103
A Arte Contemporânea

define o seu trabalho consiste e m publicitar essa exposição,


em torná-la de qualquer maneira obsediante, inevitável.
Ora, essa publicitação é impensável fora de uma
rede de comunicação, em que é preciso dominar o proces­
so, e esse processo pertence, ele mesmo e o seu fundo, à
esfera do comércio, à dos “negócios”.

B) Uma definição: a arte é negócio

Aqui temos então a arte situada e definida pelo


mundo dos negócios. Espaço sempre em extensão, onde o
jogo consiste em tornar credível a publicidade, em fidelizar
a c lie n te la , em e sta b e le ce r os va lo res do que lhe é
proposto. Jogo de ilusões, onde verdadeiramente o objecto
é aquilo que queremos que seja. Tal como a arte: uma
ilusão credibilizada quer dizer, que atrai o crédito e que vive
desse crédito. Transformemos a primeira fórmula ao pro­
pormos “contar” de facto, isso dará tanto: “ Não é o valor do
objecto que conta, é o valor que você quiser que ele tenha.”
Não somente o objecto de Arte não é diferente de qualquer
outro objecto, que ele repete, mas ainda segue as mesmas
leis de propagação e de proclamação do valor.
Neste momento, o artista é aquele que conduz o
andamento desta propagação. Ele é “artista de negócios”,
pois os negócios são a arte, e, em troca, a arte é uma ques­
tão de negócios.
O negócio é garantido pelo Nome, que se auto-pro-
clama, pela ubiquidade (internacionalização) do produto,
pelo tamanho da empresa e das sua múltiplas filiais, pelos
papéis tidos, simultaneamente, pelos agentes da empresa.
São estes elementos que tornam credível, dito de outra ma­

104
O s Arrancadores

neira, que transformam a ilusão da realidade em realidade


de uma ilusão.

4. O transformador Warhol

Tornar credível uma ilusão, não é o próprio objecti-


vo da arte, desde a Antiguidade? Mas esta procura da ilu­
são não se exerce mais da mesma maneira, nem sobre os
mesmos objectos. Imitar os objectos da Natureza, ou o pro­
cesso da natureza, como o da luz ou da construção do visí­
vel, ainda põe o artista em situação de responder a um des­
tino imposto de fora. Trata-se agora de construir esse desti­
no comandando e gerindo a empresa ilusória.
A definição da arte como negócio e do artista como
homem de negócios da arte é uma proposição última, no
seguimento das proposições de Duchamp. Ela só parece cí­
nica para os olhos daqueles para quem a àrte ainda tem
alguma coisa a ver com a estética: o gosto, o belo e o úni­
co. De facto, ela ó não somente coerente com o Warhol’s
System, com as proposições da Pop'Art, da arte conceptual
e do minimalismo, mas portadora de uma desmistificação
fundamental, onde justamente reside a sedução da arte
contemporânea, baseada nos princípios da comunicação.
O percurso sublinhado por Andy Warhol: passar do
estatuto de agente comercial ao de artista de negócios é
um processo anelar. Pelo caminho, anela-se também a defi­
nição de arte contemporânea — ora subjectividade, ora ex­
pressividade — enquanto que o sistema de círculos circula
na rede. Definição estrita, quase insuportável no seu rigor.

105
A Arte Contemporânea

A estes dois arrancadores, que são Duchamp e


Warhol, convém juntar um terceiro elemento de transfor­
mação: Leo Castelli, agente de negócios.

III
Leo Castelli

Figura emblemática do mercado internacional, como


o chamou Raymonde Moulin24, o galerista-marchand Leo
Castelli compreendeu, como Warhol, o partido a tirar das
redes de comunicação. Muito cedo, ao longo dos anos
sessenta, ele representou o papel de líder para os outros
galeristas, participou directamente na fabricação de artistas
reconhecidos, lançou os artistas da Pop Art, os da arte
conceptual, do minimalismo.
Os a rtis ta s que d efe n d e u , cham am -se
Rauschenberg, Jaspers Johns, Stella, Warhol, Lichtenstein.
O sucesso da sua galeria deve-se à exploração dos seguin­
tes princípios:

A) A informação

É a pedra angular do êxito. Manter-se informado do


que se passa no meio da arte, não apenas na América mas
na Europa. Leo Castelli fala seis línguas, mantém relações
com os museus europeus, os marchands e os colecciona-
dores dos Estados-Unidos e do Canadá. As suas relações
só são possíveis se, em vez de jogar com a concorrência
(que é uma das leis do regime de consumo), jogarmos com

106
Os Arrancadores

a inteligência. Os seus assistentes è ele próprio exploram


os ateliers25.

Ivan Karp, por exemplo, mantem-no ao corrente do que


se passa no underground nova iorquino. É através dele que chega
a inform ação do que faz W arhol. Num a prim eira abordagem , a
visita ao atelier não lhe parece convincente, o trabalho é muito
próxim o do que faz Lichtenstein. Mas a exposição que W arhol
monta em 1962, na Stable Gallery, abre-lhe os olhos: ele vai ser o
galerista incondicional de Warhol, até à sua morte.

Manter-se informado, é ver os artistas, por um lado,


mas também documentar-se e documentar todo o eventual
comprador: os catálogos, os dossiers de imprensa são
largam ente distribuídos aos jornalistas. Os catálogos
tornam-se cada vez mais luxuosos.

B ) O consenso

No entanto, essas informações, para serem levadas


em conta, necessitam não somente da compreensão entre
galeristas, mas também de um certo consenso. Os críticos
de arte, os conservadores dos grandes museus, a imprensa
de arte formam um todo de quem depende a validação das
obras e dos movimentos.
Importa obter esse consenso para promover um no­
vo artista. Todo o trabalho de preparação é necessário.
Assim, o sucesso de Rauschenberg na Bienal de Veneza,
em 1964, foi precedido de uma multitude de exposições na
Europa. Mas também beneficiou do apoio da capelinha
formada pelos habitués da galeria Castelli, para os quais a
importância da arte americana era reconhecida: Richard

107
A Arte Contemporânea

Bellamy e David Whitney, o conservador Alan Solomon, a


crítica de arte Barbara Rose, assim como os coleccionado-
res R. e E. Scull.
O consenso assenta então nas relações mundanas
e mediáticas, uma verdadeira rede que Castelli mantém.
Ele próprio chama à sua galeria um clube.

C) A anelação

Uma vez estabelecido o sucesso de um artista, o


prestígio de Castelli aumenta. Quer dizer, a sua credibilida­
de, o que vem a ser: “Castelli era o maior marchand da arte
nova, pois representava um importante número de artistas,
apoiados por um consenso”. A sua reputação assenta
então sobre esse consenso, forjado por um longo labor, e a
sua reputação faz com que, logo que ele apresente um
artista, o consenso já está feito em seu favor. (Era por isso
que Warhol queria entrar no círculo Castelli). Assim, a
apresentação dos artistas que obtêm o consenso é ga­
rantida pelo nome Castelli, a quem, em troca garantem.
Associando o seu nome ao sucesso dos Jaspers Johns,
dos Lichtenstein, dos Stella, dos Rauschenberg e dos
Warhol, Leo Castelli forma uma marca. Uma etiqueta. Se
Leo Castelli não é a sopa Campbeirs, é ele quem vende ao
mundo inteiro a sopa Campbeirs.

D) A internacionalização

“Sempre pensei que os meus artistas tinham neces­


sidade de uma reputação mundial...” Estas palavras de Leo
Castelli indicam bem um dos fenômenos ligados à comuni­
cação. Para uma rede ser eficaz, deve-se estender, tornar-se

108
O s Arrancadores

praticamente mundial. Para fazer conhecer a arte america­


na nos Estados-Unidos, era necessário esse desvio pelo
estrangeiro. O esforço publicitário apoia-se sobre as gale­
rias e os marchands do outro lado do Atlântico. Uma rede
de galerias amigas — concluíram com ele acordos comer­
ciais prevendo a partilha de comissões — cobre os dois
continentes.
São as galerias dos Estados-Unidos, do Canadá e
da Europa que vão mostrar os “seus” artistas, e é por seu
intermédio que 70% das obras vão ser vendidas.
Illeana Sonnabend em Paris, depois Daniel Templon
e Yvon Lambert; Paul Maenz na Alemanha, Paul Mayor em
Londres. Margo Leavin; Jim Corcoran e em Los Angeles,
Dan Weinberg.
Estas galerias amigas dão confiança a Castelli; elas
concedem-lhe um crédito que, estão disso seguras, lhes
deve resultar numa notariedade acrescida. “Elas pensavam
vir até mim e ver que eu tinha bons artistas...; eu também
estou pronto a partilhar os artistas com outras galerias”26.
Segundo a lei, que quer que toda a informação que
circula numa rede seja, antes de mais, uma informação, ou
seja, uma realidade, mas ninguém se preocupa em saber a
qual verdade ou a qual ilusão artística corresponde esta
informação.
Assim Leo Castelli compreendeu a lição das redes;
ele não poderia ter só uma, é preciso que todas se mistu­
rem e se recubram. As redes mundiais (mostrar-se em todo
o lado, estar em todos os acontecimentos) têm tanta impor­
tância como as redes mediáticas (a sua cobertura é indis­
pensável) e estas são, em definitivo, redes comerciais.
Apresentar aqui Leo Castelli como um dos motores
de arranque da arte contemporânea, é sublinhar a impor­

109
A Arte Contemporânea

tância deste modelo para as galerias contemporâneas, que


aspiram, todas, em se tornarem o Casteili do momento;
mas nem todas compreenderam o processo de encaminha­
mento do sucesso que ele atingiu. É isto, por outro lado,
reconhecer a importância e a influência da arte americana,
de que ele foi o mais ferveroso defensor. É também pergun-
tar-mo-nos se o seu desejo de entrar na história da arte
promovendo os “seus" artistas, contribuindo assim para a
escrita das páginas contemporâneas — “Teria preferido ser
o director de um grande museu, mas dei-me conta de que
eles não tinham grande liberdade; o meu trabalho e a ma­
neira com o o exerço p e rm itiu -m e co m e te r todas as
loucuras”27 — não teria sido diferido pela utilização de um
sistema bem mais perto da comunicação do que por um
gosto e um julgamento estético infalível.

110
O s Arrancador es

NOTAS:

1 Jakobson, Essais de linguistique générale, Le Seuil, 1963.


2 Depois de Breton, Le phare de la mariée, em Le surrealisme et Ia peinlure,
Gallimard, 1965; Les entretiens avec Mareei Duchamp, de Pierre Cabanne, sob o
título de Mareei Duchamp, ingénieur du temps perdu, Belfond, 1967, reeditado em
1977; Jean Clair, Duchamp ou le grand ficlif, Gallilée, 1975; J-F. Lyotard, Les
transformateurs Duchamp, Galilée, 1980; Um colóquio de Cerisy sobre Duchamp,
UGE, “ 10/18”, 1979; De Thierry de Duve, Le nominalisme pictural, Minuit, 1984;
Rèsonances du ready made, Jacqueline Chambon, 1989; Cousus de fd s d'or, Art
édition, 1990; Jean Suquet, Le grand verre rêvé, Aubier, 1991. Por outro lado, os
textos de Duchamp estão reunidos sob o título Duchamp du signe, Flammarion,
1975.
3 Duchamp du signe, p. 46.
4 No entanto, ele vai pintar uma última tela Tu m' para Katherine Dreier em 1918,
col. Yale University Gallery.
“Dada foi muito útil como purgante” Duchamp du signe, p. 173.
^ O Pour comprendre les médias de McLuhan, é de 1964... As suas proposições,
antecipadas, de longe, pelas de Duchamp, fizeram o consenso dos artistas dos anos
sessenta.
^ W. Benjamin, L’ouvre d ’art à l’ère de sa reproduetibilité technique, in OEuvres,
II: Poésie et révolulion, Denoêl, 1971
®Entrelien avec Pierre Cabanne, p. 136 seg.
9 Duchamp du signe, p. 49.
Entretiens avec G. Charbonnier, RTF, 1961, et avec Katherine Kuh, citado por
Thieriy de Duve, Rèsonances du ready made, op. cit.
11 Entretiens avec Pierre Cabanne, p. 93.
12 Irving Sandler, Le triomphe de l'art américain, les années soixanle, Carré, p.
88-89.

111
A Arte Contemporânea

Segundo Goldin, e Kushner, Conceptual Art as Opera, Art News, Abril 1970:
“A contribuição da arte conceptual é provavelm ente um a reflexão sobre o
significado da arte, e não sobre o seu aspecto formal... apenas nos começamos a
perguntar como é que a arte absorve as ideias e em que é que elas contribuem à sua
significação”.
Em 1962, Warhol instala o seu atelier num loft, no 321, East Forty-seventh
Street, em Nova Iorque, ele vai baptizar o lugar de lhe factory. “ É um mundo dele,
com as paredes cobertas de folhas de prata, e povoadas de celebridades, de super
snobs e de inadaptados...” (Sandler, op. cit., p. 189). Em seguida, a factory vai-se
mudar para o 860, Broadway.
Calvin Tomkins, citado por Irving Sandler, Le triomphe de l’art américain, les
années soixanle, op. cit., p. 113.
Sobre as contradições da crítica, imitando as contradições de Warhol, ver os
artigos na Artstudio n9 8, 1988: Spécial Warhol, e nos Cahiers du Musée national
d'Art moderne, n9 3 1990 (Warholiana). Entre outros, ver Jean Baudrillard falando
da m áquina, Bruno Paradis da técnica de dupla visão, Bem ard M arcadé de
percepção diferida e de posta em abismo. Démosthènes Davvetas, de contradições.
É porque, se Oldenburg ou Rosenquist tiveram o seu tempo de glória, não
conheceram o efeito Warhol; com efeito, o que os ocupa agora, é o lugar das
formas, do conteúdo da sua mensagem, na sua inserção na história da arte das suas
épocas. Warhol, esse, apenas falará da inscrição social e de duplicação, evitando
cuidadosamente qualquer ideia de originalidade ou de profundidade. Ele falará
dele, não como sujeito-autor, mas como de um nome associado a um rosto.
Interview de Leo Castelli, Artstudio, n9 8.
Trata-se de auto-referência: a mensagem remete a ela própria, sem significar
outra coisa senão a sua simples presença sobre o circuito. Assim, retomando o
exemplo clássico: “Esta frase de 28 letras” não significa nada.
90
“O objecto não é senão o suporte do nome, propagação compulsiva de uma
assinatura” (Luc Lang, Trente Warhol valent mieux qu’un, in Artstudio, n- 8, 1988,
p. 42).
21 Em 1965, no Institute of Contemporary Art de Philadelphie, uma horda de teen-
-agers em folia invade a exposição. Foi preciso retirar os quadros.
22 The philosophy o f Andy Warhol, op. cit., p. 92.

112
O s Arrancadores

oo
Irving Sandler, Le triomphe de Vart américain, cap. 4, “L’artiste homme du
monde”.
24 R. M oulin, Le marché et le musée, la constitution des valeurs artistiques
contemporaines, Revue française de Sociologie, XX VH-3,1986.
Claude Berri renconlre Leo Castelli, editado por Ann Hindry, Renn, 1991.
26 Ibid, p. 69.
27 Ibid.

113
CAPÍTULO II

A ftctuattdade

Temos vindo a ver como é que os arrancadores


perturbaram o campo da actividade artística, introduziram
um novo jogo, ao lado dos valores tradicionais da estética,
lançaram as palavras de ordem, as direcções, senão as di-
rectrizes. Mas seria naífe e irrealista crer que a arte con­
temporânea — obras e artistas — se conforma à letra com
essas determinações. O que nós encontramos actualmente,
no domínio da arte, é mais uma mistura dos diversos ele­
mentos; os valores da arte moderna e os da arte a que cha­
mamos de contemporânea, sem entrar em conflito aberto,
tocam-se, trocam as suas fórmulas, constituem por isso dis­
positivos complexos, maleáveis, sempre em transformação.
O que trabalha “ã mão” e se fia nos critérios estéticos reto­
ma, portanto, os “Temas” dos arrancadores e serve-se das
redes de comunicação, à maneira de um Warhol. Um outro,
muito próximo de trabalhar “à Duchamp” continua tradicio­
nal na maneira de comunicar a sua obra ao público. Em su­
ma, é por fragmentos que as proposições dos arrancadores

115
' A Arte Contemporânea

são utilizadas. O mesmo se passa com os “profissionais” da


arte: poucos galeristas ou conservadores — sem falar dos
críticos de arte e dos historiadores — vos dirão que se
preocupam pouco com o génio, com o carácter artístico do
artista, com o alcance universal da sua obra ou as quali­
dades propriamente estéticas do seu trabalho: pelo contrá­
rio, eles desenvolvem um discurso de glorificação da ima­
gem do artista, tanto para não chocar a opinião, pois que
está nela uma fonte do mercado, como pela convicção ínti­
ma. Quanto aos artistas, se eles recuperam os “temas"
duchampianos, as suas proposições navegam à vista, num
clima que valoriza o artista e a arte, e estão muito longe de
mostrar o mesmo desinteresse irônico perante os valores.
Há, com efeito, insistência e interesse numa certa
ideia ou imagem da arte que se instrui com uma longa his­
tória, e cujo prestígio, longe de se apagar sob o impacto
das novas produções, aumenta, afastando a da perturba­
ção que a sua perda provocaria.

I
O pós-moderno ou a actualidade da arte

Essa mistura de tradicionalismo ou novidade, de


formas contemporâneas de encenação e de olhar para o
passado caracteriza aquilo que é conveniente chamar o
pós-moderno.
É portanto necessário distinguir a arte contempo­
rânea da arte actual. É actual o conjunto das práticas que
têm lugar nesse domínio, presentemente, sem cuidar das

116
A Actualidade

distinções de tendências, ou de declarações de pertenças,


de marcas. Com efeito, não podemos definir o pós-moderno
como “contemporâneo”, no sentido que lhe demos — virado
inteiramente para a comunicação, sem preocupação estéti­
ca — mas simplesmente como actual. O termo designa
justamente o compósito, ou a confusão de uma situação,
em que se conjugam a preocupação de manter a tradição
histórica da arte, retomando as formas artísticas experimen­
tadas e a de estar presente na transmissão da rede, com
desprezo de um conteúdo formal determinado. É portanto
uma fórmula mista que posiciona vantajosamente os produ­
tores de obras como portadores de uma nova mensagem, e
que desgosta ou inquieta os críticos ou historiadores de
arte, que têm dificuldade a encará-la e aplicá-la.
Podemos lembrar a origem do termo, antes utiliza­
do pelos arquitectos na sua contestação da arte moderna,
de Bahaus, em que o “pós” era então um “anti”. Duas pro­
posições que sugerem um seguimento, um processo tem­
poral.
Com efeito, contestando o funcionalismo, os ar­
quitectos foram levados a situar os modelos no seu antô­
nimo, o ornamentalismo, e a proceder então por citações,
sem renunciar portanto aos avanços da tecnologia do mo­
dernismo. O “pós" é ao mesmo tempo que um “anti” um
“ana”, quer dizer, um retorno, medido e doseado, a certas
formas do passado arquitectural. Daí a ideia de um com­
posto, de um misto. Em seguida, o termo pôde designar
uma certa indiferença relativamente à marcha tradicional­
mente linear de uma história das formas, em suma a recusa
à inscrição numa história em progresso. O tempo das “gran­
des narrativas” passou, a narração épica cede perante o
trabalho dos detalhes, a atenção ao minimal, ao vulgar. O

117
A Arte Contemporânea

movimento afecta então, não somente as artes plásticas,


mas outras formas de actividades, como a produção lite­
rária, a sociologia, a própria história1.
Criticada, definida e redefinida, rejeitada ou abu­
sivamente utilizada, a noção de pós-moderno mostra ao
menos muito claramente o embaraço em que se encontram
o crítico, o teórico e o historiador de arte perante a acti-
vidade artística.
A situação que o termo nos dá, na sua indetermina-
ção essencial, tem isto de interessante, porque impõe ao
historiador o dever de corrigir de maneira crítica a sua dis­
ciplina, quer dizer de se interrogar não somente sobre o seu
método histórico e crítico, mas também sobre o objecto ao
qual se aplica, a própria arte, sobre os seus processos e
sobre o papel desempenhado pela história na interpretação
que lhe podemos dar.
É assim que numeroso teóricos, tomando posição
sobre o que representa a arte actual, põem em causa as
noções sacrossantas de desenvolvimento, de influência, de
atribuição, de autenticidade, de intencionalidade, de autor.
Com efeito, um certo número de artistas — a seguir
a Duchamp, mas também em conivência com a crítica
filosófica e social dos últimos decênios — recusam o autor
enquanto que sujeito, reclamam o seu apagamento, vão até
à reivindicação do anonimato. Recusam inscrever-se numa
“linha”, sempre ideológica, e concentram a sua atenção
sobre os lugares institucionais onde se produzem as obras,
pois que — sempre segundo a lição de Duchamp — são
mesmo esses lugares que definem a arte como arte.
Toda esta bateria de conceitos perturba efectiva-
mente a crítica, cerceando-lhe as margens de escolha so­
bre as quais ela se fundava ainda à pouco.
■o

118
A Actualidade

Muitas obras, aparecidas ultimamente, como a de


Maikael Baxandall2, de Hans Belting3, de Sveltana Alpers4,
interrogam de maneira crítica a noção do facto artístico; o
projecto da obra e a sua realização não pertencerão a um
sistema de decisão, idêntico ao da produção de uma obra
técnica, como a ponte sobre a Forth, susceptível de uma
análise, em termos de determinações sucessivas, de con­
flitos de racionalidades, de multi-finalidades? Se assim for,
que acontecerá à noção de autor a tempo inteiro, livre e
criador? Além disso, é extraordinário que a crítica do
esquema tripartido da decisão tenha sido feita há muito
tempo5 no domínio das actividades sociais ou políticas e
que tenha sido preciso esperar pela situação actual da arte
para tocar no processo da criação artística.
Do mesmo modo, a história, com a sua cronologia,
a sua continuidade desenrolada em anais sucessivos,
atravessando obstáculos e expressando influências, é
colocada em má situação quando tomamos consciência do
estado da arte actual. Ainda pior, se considerarmos a arte
contemporânea. Numerosas rupturas, falhas profundas,
impossíveis de ligar a qualquer precedente. Causalidade
em perigo. E contudo, existem mesmo ligações com o am­
biente sócio-político, possibilidades de isolar os “pacotes”
de expressão. Dito de outra maneira, possibilidade de apre­
ender as seqüências condicionadas pela unidade de um
problema. Uma vez satisfeitos os dados do problema, abria-
-se então uma outra série de questões, independente da
primeira: as normas mudam, os conceitos são de novo
questionados, teorizados. Assim se passa com a arte
actual: tratar-se-ia, para um historiador conseqüente, de
interpretar os novos dados teorizando esse pluralismo, sem
lhe aplicar as normas do passado. As noções de originali­

119
A Arte Contemporânea

dade, de acabamento, de evolução das formas ou de pro­


gressão para uma expressão ideal não têm já nenhum di­
reito de citação nesta hora da actualidade pós-moderna. A
noção de sujeito, já criticada no campo das ciências sociais,
torna-se problem ática, quer dizer a problem atizar: em
seguida, a da intenção, que consideram os, depois de
Wittgenstein e a filosofia analítica, como um simples ende­
reço: uma proposição de linguagem, sem conteúdo secreto.
Intenção e realização são uma só e a mesma coisa. Os
estados sucessivos da realização são os testemunhos de
uma visão ou de uma direcção, em que podemos vislum­
brar a forma uma vez o processo acabado. Contrariamente
à ideia recebida, a intenção só é discernível a posteriori.

II
Distinção entre os diferentes estados
da arte actual

Deixando então o termo pós-moderno à sua de­


signação de actualidade artística e literária global, vamo-nos
dedicar agora a isolar, na actualidade artística, os “pacotes”
ou a série de situações contrastadas. Como fizemos para
os arrancadores, vamos propor aqui tomar somente, entre
todos os artistas que ilustram essas diferentes séries, um
ou dois exemplos particularmente representativos. Com
efeito, não é uma questão de ser exaustivo, nem de seguir
tampouco uma cronologia dos dédalos dos caminhos sin­
gulares, mas de recuperar as estruturas, as situações.

120
A Actu.alid.ade

A título desta distinção, três séries nos vão reter: a


primeira, toma a cargo os temas arrancados por Duchamp.
A segunda, reagrupa os movimentos que estão em reacção
contra esses temas. A terceira, por fim, avalia as novas
tecnologias da comunicação.

1. A seguir aos arrancadores:


conceptual, minimal, “land art”.

A) Arte conceptual

O divórcio entre a estética e a actividade artística


está confirmado. Agir no domínio da arte é designar um
objecto como “arte”. A actividade de designação faz existir
a obra enquanto tal. Pouco importa que ela seja isto ou
aquilo, desta ou daquela matéria, sobre este ou aquele su­
porte, feita à mão, ou já existente, toda feita. Aqui reconhe­
cem-se as proposições duchampianas. Elas desenvolvem-se
em direcção a um trabalho sobre esta mesma designação:
esta pode-se decompor numa pesquisa sobre a denomina­
ção — quer dizer, sobre a linguagem — e numa pesquisa
sobre a exposição, pois designar também é mostrar — são
os lugares de intervenção da obra que estão então em
questão.

B) O trabalho sobre a linguagem

Já não é, como com Duchamp, um jogo que articu­


la um objecto e o seu título, jogo que desvia qualquer espé­
cie de uso habitual para uma colocação de parte, operando
assim uma distanciação; são as proposições-títulos que são

121
A Arte Contemporânea

em si o seu próprio objecto. O que Joseph Kosuth chama


tautologia forma então a base da arte conceptual6.
A tautologia, como repetição e redobramento, é uma
figura bem conhecida da retórica: dizer duas vezes a mes­
ma coisa confina ao pleonasmo. Portanto, a tautologia inte­
ressa à lógica e aos desenvolvimentos da filosofia analítica.
Com efeito, ao dizer, por exemplo, “eu sou quem sou”, a re­
petição vale por definição: a referência do segundo membro
da frase é a própria frase, a informação veiculada é inter­
pretada como um posicionamento frontal e opaco do locu­
tor. A obra, para a arte conceptual, afirma-se como tal fixan­
do-se opaca, auto-referencial. Ao fazer isto, ela rompe com
toda a representação de uma exterioridade qualquer. Ela é
o que diz que é. A sua autonomia é assim anelada sobre
ela própria, de maneira preteritiva.
Num tal dispositivo, o saber-fazer pictural é anula­
do, o artista como autor apaga-se. A peça de Kosuth, Five
Words in Orange Neon, com põe-se deste enunciado,
escrito em néon de letras laranjas. Este enunciado diz, a
propósito dele mesmo, que mostra cinco palavras de néon
laranja que são aquilo que o enunciado diz. Esta obra diz, a
propósito dela mesma, que ela é um enunciado a propósito
dela mesma.
Mas, se pode tratar-se de uma proposição emitida
pelo artista, podem também tratar-se de mensagens feitas
antecipadamente, aqui ou além, na massa dos textos dispo­
níveis: extratos de notícias, contratos, notas de lavandaria.
“Documentação”, como lhe chama J. Kosuth. Peça de con­
vicção.
Os certificados de venda, por exemplo, não estabe­
lecem somente a legitimidade da obra ao mesmo tempo
que o seu valor, eles tornam-se, estando expostos, a subs­

122
A Actualidade

tância da própria obra. Lawrence Weiner, lan Burn, lan


Wilson, Cart Andre, Nauman, Venet praticam a “documenta­
ção”. Quanto a Kosuth, ele utiliza a tautologia acompanhan­
do a obra exposta — que é um contrato — da redução da
própria obra, redução que será entregue ao comprador no
momento da transacção.
O apagamento do autor-artista pintor é então, ele
próprio, redobrado pelo apagamento do conteúdo da propo­
sição: esta não é sequer para ser lida como uma mensa­
gem de propagação geral ou crítica, mas como simples da­
do atirmando a sua identidade como obra completa.
Este jogo de nomes, que podíamos considerar
como estéril, induz portanto uma crítica muito radical da
imagem do artista, e a do comentário; convém interrogar-
mo-nos sobre as relações da obra com a sua interpretação,
sobretudo no caso em que a proposição afixada não é outra
senão um simples nome: o do autor, ou o de um pintor
notável. Ou ainda a série de “Portraits de caractéres”, como
a de Gérard Collin-Thiébaut, onde se afixam tipografica-
mente os nomes das personagens conhecidas. Aqui, a obra
vale-se da sua inscrição na história por se declarar obra de
arte. Referência suficiente, pois ela articula-se sobre para­
digmas ilustres e coloca quem assim a traça, na linhagem
dos seus predecessores7.

C) O trabalho sobre os lugares

A segunda direcção de pesquisas, a partir da posi­


ção conceptual, é feita sobre os lugares investidos. Se o
discurso é construtivo da obra, o espaço onde esse discur­
so se apresenta é uma componente essencial. Trabalhar
esse lugar torna-se um imperativo para um movimento que

123
A Arte Contemporânea

leva a identificação de uma obra como obra de arte, não


sobre o seu conteúdo, mas sobre a sua afirmação como tal.
É neste sentido que é preciso visualizar, por exemplo, os
trabalhos de Buren8. Lá aparece também apagamento do
autor, paralelamente a uma pesquisa da invisibilidade da
intervenção sobre os lugares. As famosas bandas verticais,
de uma feitura voluntariamente neutra, dão lugar à dos te­
cidos manufacturados, algumas vezes dum tom sobreposto
a igual tom, ou totalmente brancos. É dizer que a obra se
pode comportar como um “lugar”, um simples envelope sem
carácter particular.
“Cobrir uma banda branca com pintura branca, ela
própria rodeada de outras bandas alternadamente brancas
e coloridas, leva-me a pôr questões a propósito da parede
sobre a qual todas se apresentam, e, imediatamente, sobre
as conseqüências do lugar onde se encontra esse muro,
quem é o proprietário, quem vai ver esse lugar, como ver
esse muro, etc.”9.
A intervenção sobre os espaços de exposições,
museus, galerias, beneficiou do conforto, é verdade, de
uma crítica socio-económica que era, à partida, anti-institu­
cional, mas que se tem vindo a reconciliar com a instituição
— esta recuperando sempre a crítica para a englobar. Este
aspecto crítico da arte conceptual não é para negligenciar,
e torna-se sem dúvida mais facilmente reparável e qualifi-
cável do que outros movimentos que partilham os mesmos
temas, mas que não têm a mesma visão crítica explícita.

D) Minimalismo

Acontece o mesmo no minimalismo. Apagar o con­


teúdo representativo, reduzir a forma visível à sua mais

124
A Actualidade

simples expressão, apagar o traço do autor, isto é directa-


mente descendente da atitude duchampiana. Com o mini-
malismo, a letra, a importância da linguagem apaga-se
também e coloca-se discretamente atrás do processo. For­
mas geométricas, formas que encontramos quotidiana­
mente, prontas para serem usadas, como caixas, pratelei­
ras, simples batons, varões, são utilizadas tal e qual se en­
contram. Nomeadamente, por Don Judd. Trata-se de um jo­
go de espaço, de simples posicionamentos e não já de pro­
posições. Depois do desvio da linguagem, a visibilidade é li­
bertada da sua carga emocional, expressiva, mas também
de uma provocação de linguagem que não tem mais razão
de ser. O plasticista retorna ao seu trabalho sobre as for­
mas. Ele renuncia, desde logo, à “inopticidade”, para cons­
truir as arquitecturas visíveis que se significam, a elas pró­
prias, estabelecendo as regras da sua percepção. O espa­
ço e o tempo tornam-se nas categorias primeiras, não en­
quanto suportes vazios e formais do trabalho, mas enquan­
to a sua própria substância. Conceptuais no sentido kantia-
no, os minimalistas fazem aparecer, dão a perceber os con­
ceitos a priori da percepção.

Os trabalhos de Stella, o primeiro, segundo Leo Castelli,


a ter trabalhado as form as minim alistas de objectos fabricados:
“nada é feito à mão, tudo é produzido industrialmente”, “ redução
das form as a uma simplicidade tão total quanto possível”10, os de
Robert Ryman, com o os de Ad Reinhardt, Carl Andre, de Sol
LeWitt ou de Brice Marden dão disso testemunho. Por exemplo,
os trabalhos de Sol LeW itt acom panham -se de anotações colo­
cadas ao lado dos desenhos, tais como: “10 000 direitas em 20
cm de comprido, secantes. 10 000 direitas em 20 cm de comprido,
em não secantes” 11.

125
A Arte Contemporânea

Q u a n to a A d Reinhard, ele d e fin e a o b ra co m o “ um


objecto claramente definido, independente e separado de todos os
outros objectos e circunstâncias... Um ícone livre, não manipulado
e não manipulável, não fotografável, sem uso, invendável, irredutí­
vel, inexplicável...”12.

Uma série de “nãos”, opostos às características


convencionais, e que põem a nú o acto artístico, distinto de
toda a marca exterior ao seu próprio fundamento.
O mesmo cuidado de pôr em questão as condições
de produção da obra alimenta o movimento Suport-Surface.
O retorno à picturalidade passa pela questão da sua possi­
bilidade. Vamos pôr à prova a convenção do quadro tradi­
cional, a moldura, a esquadria, a tela, a bidimensionalidade,
o sitio, e as instituições que têm isso a seu encargo. Viallat,
Saytour et Dezeuse rompem com a pintura de cavalete, en­
quanto que se desenvolve uma contestação político-econó-
mica, à base da análise marxista da situação. Sucedem-se
tratados, manifestos e escritos teóricos13.

E) “L a n d a rt”

É também neste sentido que convém apreender a


land art.
Com efeito, o que se joga com a land art, é a con­
cretização, a visibilização presumível das categorias do
espaço e do tempo14. Colocar um rochedo no deserto do
Nevada, traçar uma linha sobre quilômetros de paisagem,
dispor círculos de pedras num sítio isolado chama a aten­
ção sobre a constituição de uma cena que passaria desper­
cebida sem essas marcas. Sobre a constituição de toda a
cena em geral. Marcas que se fundem na paisagem natural,

126
i

A Actualidade

apagam-se com o tempo, ou exigem tempo para as revelar


ou percorrer. Invisíveis para os amadores, por causa do seu
afastamento, não se podendo expor nos lugares institucio­
nais, longe do público, os trabalhos da land art fazem do
espectador, não já um espectador-autor, como queria
Duchamp, mas uma testemunha, a quem se exige crença:
com efeito, só as fotografias, uma revista de viagem, as no­
tas tiradas ao longo do trabalho de reunião dos desenhos, é
que são disponíveis e atestam que na realidade existe qual­
quer coisa de ordem artística, que se passa “além”, em
qualquer parte. A presença efectiva dos lugares, quer dizer,
a relação visual, sempre algum tanto de ordem emocional,
está apagada. Existe mesmo o visível, mas ele está fora do
alcance, não é senão o seu duplo, uma marca em segundo
grau, que atesta a realidade possível15.
A fotografia do trabalho, efectuada num determina­
do sítio, não é neste caso, uma reprodução do real, mas um
índice. Ela não pode ser tomada por uma obra de parte in­
teira, em si, mas como simples testemunha: “Quando ve­
mos a obra (trata-se de Spiraljetty de Robert Smithson), ela
não tem, de forma alguma, esse carácter puramente gráfi­
co, se alguém a tomar assim, nega a experiência temporal,
que é o conteúdo real da obra”16.
A revista de viagens atesta o passeio, o caminho.
Os postes, ou referências, indicam o percurso: o espaço
constrói-se à medida da obra. O espaço não pré-existe ao
uso, que é um facto, é pelo contrário o uso que define o
lugar como lugar, que tira o espaço da sua neutralidade
“natural”, para o artificializar, quer dizer, habitar.
“Um lugar é uma área num ambiente que foi altera­
do de maneira a tornar o ambiente geral mais perceptí­
vel”17. Confrontado com o conceptualismo, que construía a

127
A Arte Contemporânea

definição de uma obra como obra de arte pela sua relação


com o lugar pré-existente, a land art põe a tônica sobre a
ocupação de um território vazio, sem função particular, que
a obra faz então existir como lugar marcado, afectado por
um coeficiente de arte e que ficaria inacabado sem essa
acção. Arte conceptual e land art, embora as duas preocu­
padas em tratar a questão da relação da obra com o lugar,
o “sítio”, caminham no entanto ao inverso, em espelho.
Este duplo ponto de vista — ou pôr em questão o
lugar institucional existente (o museu) pela introdução de
uma obra, ou assegurar a existência de um lugar ainda vir­
tual alterando-o — pode ser sustentado simultaneamente
ou sucessivamente pelo mesmo artista.

Assim Buren pode, nomeadamente, tornar crítico o espa­


ço do museu por todo um jogo de constrangimentos, de recusas e
de aceitações contrastadas, e propor um lugar em movimento,
animado por projecções em contínuo, de 320 fotografias sobre um
cortinado de te la 18. Vemos Carl André, cujo nome se associa ao
minim alismo, enunciar proposições que poderiam servir de ban­
deira ao land art, como por exemplo: “A minha escultura ideal é
uma estra d a ” ou ainda "A posição do artista em penhado é de
circular ao longo do solo”. Proposições que poderiam ser as de
um Richard Long, ou de um Robert Smithson.

Podemos, evidentemente, fazer distinções subtis


entre o in situ, a land art, as intimações minimalistas e os
princípios da arte conceptual. Restam os topoi, os “lugares
comuns” destes diferentes movimentos. Tônica dada sobre
as condições de produção da obra, apagamento ou minimi-
zação do sujeito, impacto da linguagem, secundarização da
realidade.

128
A Actualidade

2. A reacção ou a neo-arte:
figuração livre, “action painting”, “body art”.

Em relação a estes princípios-axiomas, claramente


centrados sobre as proposições duchampianas, a segunda
série de manifestações artísticas, de que iremos falar ago­
ra, define-se menos por uma posição determinada em con­
tradição com a primeira, por uma recusa motivada, do que
por uma prática relativamente diversa, talvez heterogênea,
em todo o caso compósita. A prática prevalece claramente
sobre as considerações, ditas intelectuais, das primeiras.
Ultrapassando a redução, o apagamento do artista
e a inexpressividade, é a favor do “faze r” pictural, da
emoção primeira, do gesto e do corpo, da espontaneidade
que se reclamam os artistas de peinture — peinture, da bad
painting, da action painting, da figuração livre, da funk art,
dos gra ffiti, ou da body art... Cai então em desuso a
distinção entre actividade estética e actividade artística.
Retorno à ideia tradicional do artista como autor. Contudo,
o “não importa o quê, mas a que instante" duchampiano é
utilizado, a linearidade histórica é negada, e a simultaneida-
de das práticas assumida. Do mesmo modo também, a re^
de de comunicação é explorada.
Em suma, alguns fragmentos, pedaços destacados
dos princípios são guardados. Os traços subsistem, mistu­
rados: não esquecemos nem a Support-Surface nem in situ,
nem os monocromos, nem o ali over, nem o dripping. Esta
mistura é reivindicada como sendo a expressão da moder­
nidade (entenda-se da actualidade). Difícil de pôr em fórmu­
las, caracterizado pela sua heterogeneidade, este neo-re­
torno quer-se “impuro”, ao arrepio da pureza dogmática dos
conceptuais.

129
A Arte Contemporânea

Seremos então conduzidos a tratar as individualida­


des reagrupadas segundo os “estilos" de expressão, mais
do que as posições firmemente anunciadas.

A) Figuração livre, instalações

O grupo mais vasto, no qual figura uma boa parte


dos artistas “neo” é o da figuração livre. Designação que
não é um programa, longe disso, antes salienta uma “atitu­
de”. A da espontaneidade. Da expressão individual. A partir
da banda desenhada, da publicidade, dos cartoons, sobre
suportes extravagantes: telas soltas, cartazes, cartões reci­
clados, bidões velhos, largos empastamentos coloridos ,
misturando as técnicas (a formulação “técnica mista” acom­
panha muitas vezes as obras), colagens, peças acrescenta­
das, rasgadas. As personagens ou as anedotas são leva­
das à “cultura popular”, a mesma que os media aceitam e
tornam pública. Ben, que baptizou o movimento, liga-se por
sua vez à tradição dadaísta: ironia, violência, anti-inte-
'ectualismo, anti-historicismo, auto-irrisão.

Se bem que grande admirador de Duchamp, Ben não se


liga à arte conceptual, em parte por causa do “facto-mão” e da
significação auto-referencial das suas mensagens.

“Pintar antes de pensar”, poderia ser a devisa de


Combas e de di Rosa, como de Perdriolle e de Boisrond.
Arte que se quer então popular, senão populista, quer dizer
acessível a cada um. “É apenas uma sensação, nenhuma
racionalidade aí... Eu não reflito antes de pintar”. O instinto
prima.

130
A Actualidade

Espontaneidade, expressionismo, individualismo: o


retorno à figuração faz-se por um retorno ao primitivo. As
personagens são os “bons homens”, como nos desenhos
das crianças, os animais, cópias naives de “imagens”, em
que os traços são avivados.
O que dá então o toque de contemporaneidade aos
artistas da figuração livre, é a utilização da cultura mediáti-
ca: a sua ingenuidade pictural acaba, com efeito, onde co­
meça a publicidade. Mais exactamente, como sublinha C.
Millet19: “Logo que a arte recorre à estética dos médias,
presta-se particularmente bem à sua aplicação mediática.”
Aqui, como com Warhol, o conteúdo pictural está
em estreita ligação com a estrutura de comunicação, na
qual ele se mostra e circula. Do mesmo modo, o axioma da
sociedade de comunicação, segundo o qual um produto
deve circular em numerosos médias, procura realizar-se
com a figuração livre: os costureiros, os fabricantes de brin­
quedos, o design, o móvel são com anditários atentos.
Quanto à encenação mediática do trabalho, desta vez ela é
bem reflectida, e sem dúvida “antes” de pintar. Temos en­
tão um eco abafado, pois já não é provocante, da prática
Warholiana das redes.
Do mesmo modo, encontramos um eco da crítica in
situ nas -instalações — que poderíamos fazer versar no
cômputo da figuração livre, enquanto prática eclética não
crítica.
Dramaturgia: a actividade artística intervém como
dispositivo teatral. Trata-se menos, como o termo “instala­
ção” o indica, de criticar o lugar instituição, à maneira de um
Buren, do que de se instalar nele, por causa da “visualiza­
ção" e da integração: retornando à ilusão perspectivada, a
instalação “abre” um espaço de representação, no qual se

131
A Arte Contemporânea

produzem os objectos de arte20. Podem aqui jogar-se não


importa que cenas: seja a perspectivação de espaços em
tensão, seja a cena doméstica irrisória da vida quotidiana,
do escritório, ou do atelier do pintor, ou ainda do lugar de
exposição, assim abertos à transparência21. É o ambiente
da actividade artística que é então comunicado, segundo
uma das leis da rede comunicacional:,a mensagem que
transita sobre a rede é de menor importância que a visua­
lização da própria rede.

B) Action painting, B ad painting, Body art,


Funk art, Grajfiti.

Esta lista está incompleta, por definição. Com efei­


to, neste retorno ao “estilo”, a originalidade, a individualida­
de — ou a individualização — são a regra: as apelações flo­
rescem, nascem e morrem numa efervescência “expressio-
nista”. O que liga estes movimentos é a referência ao gesto,
ao corpo, a reacção ao ambiente directo. Este ambiente
pode ser o muro (graffiti e tags), a cidade (intervenções), o
próprio corpo (tatuagens, happenings)}os objectos usuais. A
arte toma muitas vezes a direcção de uma reivindicação: o
corpo, na cidade contemporânea, é negado, rejeitado,
neutralizado, funcionalizado a todo o transe. Ele não é mais
do que uma peça num jogo abstracto, numa vasta máquina
de devorar energia. O artista reclama então um “direito ao
corpo”, à emoção carnal, que deve passar pelo sofrimento
— a Body art põe em cena o corpo torturado do artista22 —
o inaceitável, o disforme, o obsceno, até mesmo o horren­
do. Como todo o corpo, de que ela será a expressão, a obra
é efêmera; ela familiariza-se com a escatologia, com o re-
0 síduo, a sujidade. Um dos aspectos desta atitude é a Funk

132
A Actualidade

Art, que tem as mesmas fontes que o punk, utiliza os


mesmo procedimentos satíricos, caricaturais.
Se este segundo corpo parece fragmentado, dis­
perso, em agitação contínua, não apresenta menos, global­
mente, uma coerência, não enquanto que preocupado em
respeitar os princípios ou seguir uma linha, mas enquanto
está manifestamente ligado a uma realidade contemporâ­
nea: a da comunicação generalizada.
Quais são com efeito, as marcas “da comunicação”
das obras desta última série?
Uma forte conivência com os modos de transmis­
são mediáticos da informação:

1. São os suportes publicitários, como os jornais, as


bandas desenhadas, os cartazes, as inscrições murais que
alimentam a figuração.
2. A individualização, o estilo próprio de um artista,
isso é exigido para reconhecimento de uma mensagem na
rede: corresponde, de uma certa maneira, ao código obriga-j
tório para entrar nela. E isto mesmo quando, paradoxal­
mente, a rede a transporta, em seguida, de maneira quase
ubiquitária e portanto anônima, em toda a espécie de su­
portes — tee-shirts, alfinetes, caixas de embalagens, etc. O
retorno do estilo, vilipendiado pelos conceptuais no que ele
representaria de uma evolução da forma pictural ligada à
história da arte, é um fenômeno menos intencionalmente
“artístico" que o resultado de uma entrada na rede.
3. A não-distinção entre os diferentes gêneros
tradicionalm ente separados: pintura, escultura, design,
arquitectura de interior, decoração, grafismo. A rede esma­
ga as diferenças, reclamando sempre, como temos vindo a
ver, o código próprio de um autor.

133
A Arte Contemporânea

4. A tendência à saturação da rede por repetição,


anulando o efeito da novidade. A obrigação então de intro­
duzir as micro-diferenciações. E, ligado a este último carác-
ter, a necessidade de uma certa velocidade de execução: o
“brotar” da pintura, o atabalhoamento podem ser reivindica­
dos como princípio de espontaneidade, mas são de facto o
resultado de uma velocidade de produção^exjgida.pela
estrutura de comunicação.

A actividade artística é assim largamente estendida


a diversos factores, sem ter em conta a qualidade estética
do trabalho e, se bem que a figuração esteja de volta, as
qualidades formais que lhe estavam outrora ligadas são
deixadas de lado... Dispositivo fragmentado: de um lado, a
palavra de ordem duchampiana é respeitada — a activi­
dade artística não é mais centrada sobre a estética — mas
ao mesmo tempo, cores, formas, relação ao real em repre­
sentação ilusória, apresentação tradicional com telas sobre
esquadrias ou objectos visualizados, tudo isto é mantido. O
choque dos dois sistemas contrários produz um efeito
contemporâneo, muito desconcertante para o espectador.
Ao lado destas duas séries (uma actividade artísti­
ca que leva a sério a pesquisa conceptual e questiona as
condições de possibilidade da obra, e uma actividade so­
bretudo de relação, que toma por suporte uma tradição
pictural antiga, no que ela tem de mais banal) instaura-se
uma outra atitude face às técnicas de comunicação: a utili­
zação das próprias máquinas de comunicar como matéria
prima de uma actividade artística. São então postas em
questão; e um processo “criativo”, e a imagem do artista, e
a ideia de uma “obra” acabada, de um objecto de arte... em
suma da arte no seu conjunto, em busca de uma nova de­

134
A Actualidade

finição; em busca também de uma posição reconhecida


pelo conjunto dos actores da cena artística.

3. A arte tecnológica.

Ainda aqui devemos distinguir duas práticas:


A primeira, utiliza os meios de comunicação tradi­
cionais: o correio, os envios postais (mailing) como suporte
de uma actividade artística livre, em que os princípios são
os da figuração. Ou ainda as técnicas mistas, como as que
se combinam nas instalações das imagens video, de tele­
visão, e das intervenções picturais. Estes dispositivos fa­
zem jogar as novas tecnologias de maneira pontual, dentro
de uma esfera definida como artística.
A segunda, aposta nas possibilidades do compu­
tador como suporte de imagens, mas sobretudo como uten­
sílio de composição. Um outro universo é explorado a partir
dos lógicos, uma segunda realidade constrói-se pouco a
pouco, enquanto que também se constrói uma nova relação
com o processo da obra, o ambiente e a realidade do vir­
tual.

A) “M ail art", arte sociológica, art video

O suporte postal é utilizado como rede de actores.


Os envios fazem-se entre artistas ou entre artistas e desti­
natários anônimos, e constrói-se um tecido de aconteci­
mentos. Matéria prima de comunicação, esta troca permite
construir uma obra de muitas linguagens, perturbando
assim a noção de autor único: o tempo da produção é posto
em evidência, a referência questionada. Ligada à transmis­

135
A Arte Contemporânea

são, a mail art põe a tônica sobre a importância contempo­


rânea da informação e sobre a necessidade de constituir as
redes. Está nisso o seu aspecto sociológico. No campo pro­
priamente artístico, a actividade textual da mail art está
muito próxima da arte conceptual. Na mesma linha, a copy
art utiliza sistemas mais sofisticados — fotocopiadoras,
telecopiadores, e geradores de imagens videográficas e
infográficas. Eis os utensílios de composição de imagens e
de transmissão que curtocircuitam — até um certo ponto —
o sistema tradicional de exposição. O museu torna-se então
um “écran de fixação do virtual, o ponto de emergência do
organismo difuso e reticuiário da criação”23.
Em 1982, na Bienal de Paris, Don Foresta recebe
as imagens por telefone, dos Estados-Unidos; em 1983,
com Ia plissure du texte, Roy Ascott expõe o seu projecto
de trocas planetárias.
Com a arte sociológica entramos, ainda mais, na
utilização da rede de comunicação muiti-médias. Intervindo
sobre as redes existentes, como a televisão hertziana, o
satélite, a radio-difusão, a transmissão telefônica, não são
mais os utensílios que são a fonte de produção de obras,
mas a transmissão em si (uma espécie de ready made
invisível) sobre a qual o artista de comunicação trabalha. O
objectivo é de tornar “visível” a invisibilidade do regime de
rede. Sociológicas porque estas intervenções vêm agitar a
evidência de uma transparência de informação, e tornam
sensível e crítico um universo de comunicação que parece
caminhar por si. Se nós vivemos, sem o sabermos, num
mundo aberto às transmissões mais ou menos maquinais,
para não dizer maquinadas, a arte sociológica convida-nos
a tomar consciência disso, com uma tônica muitas vezes
satírica, quase dadaísta.

13R
A Actu.alid.ade

F red Forest, q u e la n ço u o m etro q u a d ra d o a rtís tic o


(com pra m os um m etro q u a d ra d o de te rreno d ito "a rtís tic o ”, e
entramos assim na esfera da arte, tornamo-nos artistas) faz verter
uma torneira por intermédio de um apelo telefônico, passando por
Tóquio e Nova Iorque, lança avisos de busca, na imprensa, de
uma pessoa desconhecida, que deve ser identificada; interfere
nos programas televisivos expedindo uma imagem sobre o écran;
monopoliza, durante uns minutos, uma cadeia de televisão; liga,
em p ú b lic o , as c o n v e rs a ç õ e s v in d a s de to d o s os p o n to s do
globo24.

A a rt video apodera-se das possibilidades que


oferece o lançamento em rede de monitores, para actuar
sobre o sistema que apresenta a ligação observador/obser­
vado, quer dizer a relação do espectador com a obra, o jo­
go de espelhos das imagens entre si, sobre os dados rela­
cionais do espaço/tempo.
A instalação do écran video e de esculturas postas
em efeito repetitivo delimitam um espaço onde o real e a
ficção se ladeiam e se interpenetram...

Nas instalações de Dan Graham, o espectador encontra-


se preso à cilada da sua própria imagem: no Present continous
Past(s) "uma câmara abarca o espaço de um muro, coberto por
um grande espelho, que se lhe antepõe; a câmara está colocada
abaixo de um monitor, onde se torna difusa a imagem que ela
tom a; pelo jogo do espelho e da televisão, o espectador vê-se
repetido até ao infinito, no lim ite da definição do écran. Mas a
im agem video in icia l é d ife rid a em alguns segundos, e o seu
atraso acumula-se: virtualmente, a imagem do espectador não sai
mais da instalação”25.

137
A Arte Contemporânea

Com Nam June Paik, é o universo do écran que perturba


a distinção realidade/imagem e questiona a relação do espectador
com o écran de televisão: “TV Buda: uma pequena estátua, buda
ou pe nsador, está sentada dia n te de um écran de video; ela
reflecte, olha a sua própria imagem sentada, tom ada em directo
por uma câm ara colocada ligeiram ente de lado... com o podem
e la s c o e x is tir , v ig ia n d o -s e a s s im n e s ta p u ra p re s e n ç a
tauto lógica”26?

B) Novas imagens

Se é verdade que estas práticas artísticas, que


utilizam os utensílios de comunicação, põem em questão a
relação do homem com o seu ambiente — tempo, espaço,
transmissões, lugar mútuo do espectador e da obra, coloca­
ção do sítio institucional — entretanto, nestes dispositivos,
qualquer coisa fica intacta: a própria arte, o processo de
criação, o lugar do artista como autor, mesmo se este lugar
se define mais no interior de uma equipa do que como enti­
dade individual. A esfera de actividades é mesmo a da arte.
É à imagem de síntese, à art Computer, que deve­
mos uma mudança radical da própria ideia do que poderia
ser a arte.

A obra e o instrumento

Quer ela seja figurativa ou não, quer ela seja arte


conceptual, minimalista, figuração livre, bad painting, quer
ela apreenda o ready made ou quer ela jogue com as técni­
cas da visualização, a obra pretende sempre mostrar o
combate do artista contra a matéria, que desafia qualquer
inscrição no domínio do sentido. Cada técnica ordena-se à

138
A Actualidade

volta do mesmo esquema. O instrumento técnico está incor­


porado aos materiais que trata, ele prolongou o olho, a
mão, o gesto, sem grande dificuldade, sendo a finalidade
do trabalho da obra a mesma — a arte, sem ou com instru­
mento técnico.
Ora, o que as novas imagens, saídas das novas
tecnologias, põem em perigo, não é qualquer um dos con­
teúdos de significação, diversamente atribuídos à obra, mas
a sua própria definição. É o núcleo intocável da obra que se
encontra comprometido, pela chegada das imagens saídas
das novas tecnologias, as que chamamos de síntese.
Em que é que a definição da obra é tocada? Na me­
dida em que a imagem do artista e a da obra (autenticidade
do gesto, mistério do processo de criação, isolamento no
meio das determinações causais exteriores) são prejudica­
das pelo processo que as imagens numéricas reclamam27.
A obra de arte sempre manifestou, em relação às
suas referências, uma espécie de falsa hesitação: o refe­
rente está lá, mas nós ignoramo-lo. Não lhe ligamos, goza­
mos, negamos, mostramos ignorá-lo. Mas enfim, ele está
lá. Interpreta-mo-lo, mas ele persiste. Existe como que um
jogo perpétuo entre o mundo dos objectos e a arte. É este
jogo “livre” que nomeamos como actividade artística.
Para as imagens numéricas, o referente despare-
ceu. Ele pura e simplesmente não existe. O que conta são
as operações mentais, as análises e os cálculos que, pelo
simples poder das associações e das qualidades matemáti­
cas dos espaços, vão fazer brotar essa paisagem, essa
planta que cresce com os seus ramos sobre o écran, essas
vagas que alastram , calculadas de m ilím etro em m ilí­
metro28. Não existem referentes, mas referências. Não é a
aparência da vaga que imitamos, jogando com as suas

139
A Arte Contemporânea

manchas coloridas, é a própria textura da água, que se


franja e se espuma, que é produzida. Damos vida e forma a
partir de um programa. Dotada de uma vida autônoma, a
imagem numérica pode multiplicar-se, modificar-se indefini­
damente; basta dotá-la dos parâmetros para que ela se de­
senvolva, para que a vaga se torne fogo de artifício, para
que a flor se transforme em árvore ou em insecto. Não exis­
te obra parada, acabada. Em teoria, a obra-imagem-numé-
rica está na via das possibilidades infinitas.
De facto, o numerista não se preocupa com o últi­
mo estado da sua “obra”, nem também com oferecê-lo ã
contemplação maravilhada do público; ele goza-se com a
sua aparência, que não é senão passagem. Resultado de
um momento. Só o preocupa o processo pelo qual os jogos
de nomes e de códigos se vão materializar. O nível formal,
a bela forma, quando ausentes, criam um vazio. Vazio de
um projecto propriamente artístico. O seu mundo está além,
na beleza dos cálculos, na exactitude. Vazio de uma
intenção criativa, nascida do encontro do corpo e do seu
autor. Esta diferença — que divide ou atormenta o artista
tradicional — o numerista não somente não a conhece,
como participa da posição contrária; ele não faz senão um
com o seu cérebro e este com o écran que anima. Ele parti­
cipa do mesmo e não de outro. Não do paradoxo (comuni­
car o incomunicável) mas do seu esquecimento. A imagem
numérica comunica-se inteiramente, uma vez que o proces­
so está lá, sobre a mesa, talvez desdobrado, explicitado,
comentado, verificado em cada etapa. Podemos desfazer e
refazer, vemos formar-se diante de nós a imagem que
surge da brancura perturbada e pontilhada do écran. A obs­
curidade paradoxal, que faz o preço de certas obras, desa­
pareceu29.

140
A Actu.alid.ade

Compreendemos então a resistência de uma gran­


de parte do público — amadores e profissionais da arte —
diante desta morte de tudo o que dois séculos de aventuras
econômicas e teóricas conquistaram duramente: o preço da
incomunicabilidade, a situação privilegiada daquele que po­
de, num mundo como o nosso, propor um pouco (um jogo)
de non-sens ou, se quisermos, um pouco de in-comunica-
ção na comunicação generalizada.
Outra resistência, desta vez institucional: agora que
a arte, sob todas as formas contemporâneas que enumera­
mos até aqui, é objecto de cuidados atentos — para não
dizer intensivos — da parte do “estado cultural”30, a coloca­
ção de lugares de exposição, de centros equipados, os pe­
didos de subvenções para os projectos mais importantes
recebem respostas negativas. É verdade que a imagem de
síntese requere dispositivos muito pesados, tanto no plano
do lugar de trabalho como para formar uma equipa capaz
de produzir os softwares. É verdade também que a expo­
sição desses trabalhos não se pode fazer numa galeria não
equipada para isso, e geralmente muito pequena. É portan­
to todo um projecto que é preciso montar, custoso em tem­
po e em esforço. Mas, sobretudo, existe qualquer coisa que
não é aceite: a ideia que o Estado tem do que poderia ser a
arte, levanta obstáculos ao desenvolvimento das novas
imagens no domínio artístico. Os dois mundos — o da in­
dústria (que utiliza os sistemas de ajuda à decisão, e está
economicamente interessado no aperfeiçoamento destes
instrumentos) e o da actividade da criação artística (em que
os processos são supostamente individuais) ladeiam-se,
sem ao menos se puderem encontrar pelo menos ao nível
de uma ideologia “cultural”31. Num domínio em que o que é
pedido é o trabalho de equipa, em que lamentamos muito a

141
A Arte Contemporânea

atitude individualista e a dispersão dos movimentos artísti­


cos, nada é feito para equilibrar a situação.
Há mesmo, portanto, na incompreensão da arte
contemporânea, qualquer coisa que revela uma resistência
à forma comunicacional, quando se trata de produções
artísticas. De um lado, com efeito, os trabalhos dos artistas
contemporâneos são sempre julgados à luz da arte moder­
na e dos seus princípios consumistas; por outro lado, um
Estado que se quer cultural e comunicativo (o ministro da
Cultura é também o da Comunicação e das Obras) não dá
o nó entre estes dois elementos constitutivos e mantem-nos
afastados, propondo sempre a arte total, totalizante, até
mesmo totalitária.

142
A Actu.alid.ade

NOTAS:

1 Ver a esle propósito J.-F. Lyotard, La condition postmoderne, rapport sur le


savoir, Ed. de Minuit, 1979; Le postmoderne explique aux enfants, Galilée, 1986;
Henri Meschonnic, Modernité, modernité, op. cii.
2 M. Baxandall, Formes de l'intention, J. Chambon, 1991.
3 Hans Belting, Vhistoire de l'art est-elle fm ie ?, J. Chambon, 1991.
4 S. Alpers, Rembrandt, la liberté, la peiníure et l’argent, Gallimard, 1991.
5 Também a Critique de la décision de L. Sfez, Presses de la Fondation nationale
des Sciences politiques, 2®ed., 1981, e La décision, PUF, “Que sais-je?", 1984.
^ J. Kosuth, Art after Philosophy, in V a r t conceptuel, une perspective, Musée
d’Art modeme de la ville de Paris, 1990. Ver também C. Millet, Le monlant de la
rançon; C. Francklin, L ’art conceptuel entre les actes, in Art Press, ne 139,
Setembro 1989; e Louis Cummins, L ’art conceptuel peut-il guérir de la philoso-
phie?,inParac/iH/£, n9 61, 1991.
^ Catherine Bédard, Gérard Collin-Thiébaut, in Parachule, ne 61, 1991.
8 Ver Daniel Buren, Michel Parmentier, Propos délibérés, Bruxelles, Art Edition,
1991.
9 Ibid. p. 86.
Leo Castelli, in Claude Berri rencontre Leo Castelli, op. cit., p. 55.
11 Art minimal II, cap. Musée d’Art contemporain de Bordeaux, 1987, p. 46.
12 Ibid., p. 14.
^ Ver J.-M. Poinsot, Support-Surface, Limage 2,1983.
14 Ver Land Art, GiUes Tiberghien, Carré, 1992.
O aspecto “ecológico” desta acções, crítica do ambiente industrial em retomo à
natureza, ao mesmo tempo que a crítica dos espaços institucionais estão entre os
componentes do land art, os mais facilmente reparáveis, mas não os mais impor­
tantes.
^ Richard Serra, citado por C. Francklin, Une image en transit, in Les Cahiers du
Musée national d'Art moderne, n9 27,1989.

143
A Arte Contemporânea

Carl André, citado por Thierry de Duve, Ex situ, in Les Cahiers du Musée
national d'Art moderne, n9 27, 1989.
18 Dèambulatoire apresentado em 1985.
Catherine Millet, L'art contemporain en France, Flammarion, 1987, p. 232.
20 B. Marcadé, L'in situ comme lieu commun, Art Press, n9 137, 1987.
René Payant, Une ambiguité résistante: l'inslallation, in Parachute, n9 39,1985.
22 Pluchart, L'arl corporel, Limage 2, 1983.
23 J.-L. Boissier, Machines à communiquer faites oeuvres, in La Communicalion
sob a direcção de L. Sfez, PUF/Cité des Sciences, 1991.
24 Fred Forest, Le robinet téléphonique, exposition “Machines à communiquer”,
Cité des Sciences, 1991; “Hommage à Yves Klein”, ibid.\ “La recherche de Julia
Margaret Cameron”, acção mediática, association Art-Terre, 1988.
25 Dan Graham, Presenl continous past(s), exposição “Machines à communiquer”,
Cité des Sciences, 1991. Ver J.-L. Boissier, Machines à communiquer faites
oeuvres, in La Communication, sob a direcção de Lucien Sfez, PUF/Cité des
Sciences, 1991.
J.-L. Boissier, ibid.
27 Edmond Couchot, Images. De 1'optique au numérique, Hermès, 1987.
28 J.-L. Weissberg, Sous les vagues, la plage, in Paysages virtuels, Ed. Dis Voir,
1988.
Art Press, na 12, 1991; Nouvelles technologies, un art sans modèle?
30 Marc Fumaroli, L'état culturel, essai sur une religion moderne, Editions de
Fallois, 1991.
Ver o relatório de Pierre Musso, P o w un Bauhaus électronique, mandado ao
ministro da Cultura, da Comunicação e dos Grandes Trabalhos em Dezembro de
1990 e cujo projecto, em princípio aceite, não encontrou vontade firme em ser
aplicado.

144
CONCLUSÃO

Reunimos, aqui, as constatações preliminares: a


arte contemporânea é mal compreendida pelo público, que
se perde nos diferentes estados da actividade artística e é
contudo incitado a considerá-la como um elemento indis­
pensável à sua integração na sociedade actual. Onde quer
que vamos e o que quer que façamos para lhe escapar, a
arte está presente em toda a parte, em todos os lugares, e
em todos os ramos de actividade. A sociedade tornou-se, a
bem ou a mal, numa “sociedade cultural”. As conseqüên­
cias, ao nível artístico, são tão perturbantes como a confu­
são que se opera no espírito do público.
Com efeito, numa tal sociedade, o imperativo de
chegar a “ser criativo”, de “fazer arte” recai sobre os vários
decisores: agentes eleitos, administradores dos assuntos
urbanos, da sociedade, de integração das diferenças étni­
cas num vasto “lugar comum”. As obras de arte — escultura
pública, disposição paisagística, conjunto arquitectural, de­
coração de salas de reunião — são apontadas como tra­
zendo uma resposta aos problemas da cidade. A arte é
esse lugar de reunião simbólica, unificador de diferenças,

145
A Arte Contemporânea

que deve fazer função de ligação e substituir-se a uma coe­


são difícil de encontra, em suma, ter a função de consenso
político.
Esta operação de reunificação não data de hoje: a
actividade artística sempre foi usada pelo poder, para
visualizar os conceitos que lhe servem de princípios. Arcos
de triunfo, castelos, planos de urbanismo, avenidas em
perspectiva, jardins e parques reais, teatros, estas realiza­
ções sempre responderam a uma concepção definida pelo
detentor do poder; este decide fazer este ou aquele pro­
jecto, que melhor corresponde à ideia que faz da sua ima­
gem. Do que ele pretende mostrar como imagem.
Tratava-se, neste contexto, de uma decisão centra­
lizada, de uma determinada orientação, e de um processo
de decisão clássico em três etapas: deliberação, escolha,
realização, tudo em devida continuidade linear. Mais ou me­
nos hesitações ou indecisões no esquema não vêm pôr em
causa o facto da realização do projecto ser encomendada,
nomeadamente, pelo detentor do poder. Era a execução de
“ordens”, em sentido estricto1.
Ora, isso que ainda chamamos “ordens” não existe
já numa sociedade multi-centros, o que significa também
multi-racionalidade e multi-finalidade. Dito de outro modo, a
decisão de “comando” reduz-se a um desejo de comunicar
uma imagem (a da cidade, para o agente eleito, a da nação
para o ministério) que possa acarretar uma apreciação se­
dutora para o presumível detentor do poder, mas imagem
que só é definida na sua forma e no seu conteúdo pela
única junção do qualificativo “artístico”2. Ainda dito de outra
maneira, a realização de uma obra artística sonhada pelo
detentor do poder fica ao nível puramente tautológico: “É
necessário criar qualquer coisa de artístico, é preciso então

146
I
Conclusão

encomendar qualquer coisa de artístico a estes artistas,


uma vez que são os artistas que fazem a arte”. A argumen­
tação pára aí. O seu seguimento depende da rede de rela­
ções que o escolhido ou o administrador possuem com o
domínio da arte, das ocorrências e das ocasiões — as reco­
mendações de tal ou tal, o desejo de fazer tão bem quanto
o vizinho — às quais se vem juntar o peso da assinatura: a
obra será tanto mais artística quanto é conhecido o artista
recomendado.
Assim como falta a ligação entre uma orientação
política definida e a sua visibilidade pública, assim como in­
tervém os esteriótipos que então têm lugar: um parque de
diversões, o arranjo de um ecomuseu, o lançamento de
uma operação artística de envergadura — quem são os que
não têm o seu festival de verão ou de outono? Pouco im­
porta o conteúdo da operação do momento, desde que haja
uma e que o acontecimento seja celebrado.
A encomenda não funciona mais então como tal,
mas como uma utilização.
Enquanto utilizador, aquele que decide, que tam­
bém é o financiador da operação, pratica então esta activi­
dade artística, que nós dissemos ser, na sociedade de co­
municação, distinta da actividade propriamente estética. Ele
estende essa actividade em todos os locais onde ele inter­
vém, como “encomendador de arte”. De certo modo, ele po­
de-se assemelhar a um artista conceptual, na medida em
que enuncia a sua encomenda, a formula, quase que a
realiza. “Eu quero a arte, portanto eu sou um artista.” Em
certos casos, ele faz a “figuração livre”.
Já tinhamos visto os “profissionais da arte” reclama­
rem-se de terem uma função artística, temos agora os pro­
fissionais da indústria, da banca, da política, como criadores.

147
A Arte Contemporânea

As obras de arte são então, não somente confronta­


das com a estrutura de comunicação do mercado — em
que os artistas, à falta de lhes controlarem as regras, po­
dem portanto gerir o seu uso e portanto alimentar o seu tra­
balho, como o vimos — mas ainda esta extensão totalizante
de uma activid ad e no dom ínio da arte, extensão em
montante e em aval, que pode levar à seguinte conclusão:
Numa sociedade de comunicação, a actividade
mais procurada, a mais pedida, e talvez a única que con­
vém perfeitamente à circulação de informações sem con­
teúdos específicos, capazes por si mesmos de assegura­
rem o funcionamento das redes enquanto que redes puras,
é a actividade de criação artística. Assim, a visualização do
próprio sistema é assegurada, com um benefício ético: a
igualdade de todos os intervenientes, designados como
criadores. Por esta prática universalizante, a comunicabili-
dade da arte, de que Kant fazia um dever, torna-se regra.
Outro benefício, este político: a arte, ao internacionalizar-se,
torna-se num signo de vontade de reunião, de entendimen­
to, que os regimes políticos não podem derrubar. A imagem
simbólica de uma nação tornou-se presa deste imperativo.
Daí as tomadas de posições de um “Estado cultural”.
O contraponto, desta política, portanto, como o
constatámos na introdução, é, no que concerne ao público,
uma impressão confusa, uma incompreensão — onde está
o artista, onde está a arte? — e ao mesmo tempo — o que
parece contrário ao princípio de comunicabilidade universal
— uma tendência para o alheamento.

148
Conclusão

NOTAS:

1 M. Baxandall mostra-nos como, na Renascença, estes comandos iam até ao


extremo detalhe: sujeitos, formas, cores, formato, materiais, lugar de implantação
da obra encomendada (L'oeil du quatrocenlo, Gallimard, 1985).
2 Paysages sur commande, Colloque de mars 1988, Le Triangle, Rennes.

149
BIBLIOGRAFIA

Obras

Harrison e Cynthia W hite, La c a rrière des p ein tres au XIX siè c le ,


Flammarion, 1991.
H. Cueco e P. Gaudibert, U arèn e de l'art, Galilée, 1988.
Y. Michaud, L ‘artiste et les commissaires, Jacqueline Chambon 1989.
H. S. Becker, Les mondes de l'art, Flammarion.
Nathalie Heinich, La célébratlon de /'artiste, Métaillé, 1991.
Raymonde Moulin, Le marché de l'art, Ed. de Minuit, 1967.
Duchamp du signe, Flammarion, reed., 1991.
M areei D uchamp, ingénieur du tem ps perdu , Entretiens avec Pierre
Cabanne, Belfond, 1967.
J.-F. Lyotard, La condition postmoderne, rapport sur le savoir, Ed. de
Minuit, 1979.
Irving Sandler, Le triom phe de l'a rt américain, les années soixante,
Carré, 1990.
J.-M. Poinsot, Support-Surface, Limage 2,1983.
C. Millet, L'art cortíemporain en France, Flammarion, 1987.

151
A Arte Contemporânea

Artigos de revistas

Raymonde Moulin, Le marché et le musée, la constitution des valeurs artistiques


contemporaines, in Revue française de Sociologie, XXVH-3, 1986.
Cahiers du Musée national d'A rt moderne, n- 18, 1987: Art contemporain et
musée-, n5 19-20, 1987: Moderne, modernité, modernisme\ n- 22, 1987: Après
le modernisme.
La mise en scène de l’Art contemporain, Actes du Colloque de Bruxelles, octobre
1989, Les Eperonniers, 1990.
Arstudio, Special Warhol, ns 8, 1989.
Ari Press, n1 12, 1991 ,Nouvelles technologies, un art sans modele?
ÍNDICE

INTRODUÇÃO.................................................................................. 5

I. Modemo ou contemporâneo?........................................................ 6
II. A riqueza da arte............................................................................ 8
III. A arte: um sistem a....................................................................... 9
IV. Um obstáculo: a ideia de arte................................................... 11

PRIMEIRA PARTE

Os Regimes da Arte

CAPITULO I
A A rte M o d e rn a ou o R eg im e d e C o n s u m o ........................... 17

I. O regime de consumo ou a sociedade moderna........................ 21


1. Um esquema linear....................................................................... 23
2. Os intermediários, fabricantes da procura................................ 24

153
A Arte Contemporânea

II. Os efeitos do regime de consumo no registro da arte............ .26


1. Contra a Academia........................................................................ .26
2. Que quer dizer “libertação”?.........................................................27
3. O crítico-marchand....................................................................... .28
4. O crítico, juiz do gosto...................................................................31
5. O crítico vanguardista....................................................................34
6. O produtor: o artista.......................................................................36
7 . 0 consumidor: amador, coleccionador...................................... 38

III. A arte moderna............................................................................. 41

CAPITULO II
O Regime da Comunicação ou a Arte Contemporânea .... 47

I. A ideologia da comunicação na sociedade com o mesmo


nome.................................................................................................. .49
1. R ed e..................................................................................................51
2. A nelação..........................................................................................52
3. Redundância e saturação.............................................................. .52
4. Nominação.......................................................................................53
5. Construção da realidade............................................................... .54

II. Os efeitos da comunicação no registo do mercado da


arte.................................................................................................. 56
1. O efeito rede................................................................................... 56
2. O efeito da anelação...................................................................... 63
3. O efeito “realidade-segunda” ...................................................... 67

154
índice

SEGUNDA PARTE

Figuras e Modas da Arte Contemporânea

CAPITULO I
Os Arrancadores............................................................................ 77

I. O arrancador Mareei Duchamp................................................... .79


1. Primeira proposição: a distinção estética/arte............................81
2. Segunda proposição: a indistinção dos papéis...........................84
3. Terceira proposição: o sistema de arte é organizado em
rede.................................................................................................. .87
4. Quarta proposição: a arte pensa com as palavras.................... .88
5. O transformador Duchamp.......................................................... .90

II. O arrancador Warhol.................................................................... 93


1. Um falso moderno, um verdadeiro contemporâneo................. 93
2. O Warhol's system ........................................................................ 96
3. A arte dos negócios......:.............................................................. 102
4. O transformador Warhol............................................................ 105

III. Leo Castelli................................................................................ 106

CAPITULO II
A A c tu a lid a d e ..................................................................................115

I. O pós-moderno ou a actualidade da arte................................. ..116


II. Distinção entre os diferentes estados da arte actual............. ..120

155
A Arte Contemporânea

1. A seguir aos arrancadores: conceptual, minimal,


"la n d a rt" ........................................ ............................................. 121
2. A reacção ou a neo-arte: figuração livre, "action painting",
"bodyart"...................................................................................... 129
3. A arte tecnológica....................................................................... 135

CONCLUSÃO................................................................................. 145

BIBLIOGRAFIA............................................................................. 151

156

Você também pode gostar