Você está na página 1de 4

A arte e suas histórias

Rafael Coquejo

“Toda arte possui histórias, e minha arte conta histórias”, já diz Lucas Ksenhuk, artista
paulista com bela história de superação a partir das dificuldades relacionadas à sua
condição de autismo. Os traços típicos das pinturas de Lucas trazem consigo a longa
jornada de um garoto que sofria bullying na infância e que, após receber de presente um
caderno de um amigo, começou a desenhar e a desenvolver uma fuga do sofrimento de
colegas de classe o causavam. Os lápis deram lugar aos pincéis e as folhas do caderno
deram lugar às telas e tudo que pudesse ser pintado. Dentro de alguns anos suas obras
chegaram em exposições em São Paulo, Nova York, Londres, Helsinque, entre outros
lugares ao redor do mundo. Uma arte, uma história. Afinal, o que apreciamos quando
apreciamos uma obra de arte?

Quando observamos obras como a Guernica, de Pablo Picasso, a Criação de Adão, de


Michelangelo, ouvimos a Sonata Pathétique, de Beethoven, ou apreciamos qualquer outra
obra artística, estamos diante de algo que foi criado. Implícito nessa afirmação está o fato
de que, para que algo seja criado, é necessário que haja o ímpeto criador – a motivação, o
motor interno que leva o artista a expressar algo externamente, algo que costumamos
chamar de inspiração. A inspiração nasce dessa necessidade interna de se expressar a
respeito de algo que geralmente parte do relacionamento do artista com o mundo e consigo
mesmo. Apesar de cada um ter uma experiência própria nessa breve passagem por esse
planeta azul, existem muitas similaridades entre nossas vivências, motivo pelo qual
podemos nos identificar de maneira tão intensa com obras criadas por pessoas que nem
conhecemos. Portanto, o valor de uma peça artística, seja qual for, é carregado de uma
subjetividade imensa – do tamanho da confusão que é um ser humano com todas suas
peculiaridades. Sendo assim, uma pessoa que olha para o mercado da arte procurando
identificar os valores das peças, e quanto as pessoas estarão dispostas a pagar por elas no
futuro, têm, em muitos casos, a dura tarefa de identificar as obras com maior potencial de
identificação humana.

Nesse sentido, observamos que em Buying Beauty: On Prices and Returns in the Art
Market, os autores Luc Renneboog e Christophe Spaenjers investigam os determinantes de
preços e a performance de investimentos no mercado da arte. A partir de um índice de
preços, concluíram que a arte havia apreciado nos Estados Unidos, entre 1957 e 2007, em
3,97% ao ano, medido em termos reais. O interessante de se notar é que, apesar de ter uma
performance similar em relação à títulos corporativos, ativos artísticos apresentam
volatilidade – considerada uma medida de risco – muito maior. Além disso, as variações são
mais expressivas à medida que o preço da arte aumenta. Por fim, os autores concluem que
medidas de confiança do consumidor e sentimento no mercado da arte são fortes preditores
de tendencias de preços. Em relação ao termo “sentimento”, os autores o definem como um
otimismo ou pessimismo não justificado em relação aos preços de revenda futuros, algo que
vale a pena ser discutido.

É fato que esses movimentos “não justificados” não são exclusividade da arte – variações
de curto prazo são bastante comuns nos mercados de capitais devido ao otimismo ou
pessimismo de certos investidores. Contudo, ao contrário de ativos mais líquidos, em que
há menores retornos associados com esses movimentos de “sentimento”, na arte há apenas
apreciações – pelo menos no curto prazo. Ora, os fatores que levam um investidor a ter um
otimismo ou pessimismo em relação a um ativo em um mercado (corporativo) parecem ser
muito diferentes no outro (artístico). Enquanto, em um ativo financeiro, as variações de
confiança na capacidade de seus retornos e sua valorização se referem a questões
macroeconômicas, de governança, contábeis, entre outras, no caso do mercado da arte há
todo um componente subjetivo. É como se o investidor, ao apreciar uma obra, estivesse
intuindo o quanto ela será apelativa às inspirações humanas – o quão provável é que
pessoas se identifiquem com ela – afinal, o valor de uma obra artística é, no fim das contas,
o valor que dão a ela, isto é, o quanto ela transmite algo capaz de ser apreciado, tanto pelo
dono da obra quanto pelos seus conhecidos, algo que certamente não é deixado de fora por
consumidores da arte.

Outro trabalho que procura analisar a arte como um investimento é A call on art
investments dos autore Roman Kraeussl e Christian Wiehenkamp. Nele, os autores avaliam
que o desenvolvimento desses mercados e as escolhas dos investidores poderiam ser
otimizadas a partir da introdução de uma opção de compra no mercado da arte, com fins de
proteção contra desvalorizações de obras. Nesse sentido, investidores que estivessem
bastante expostos ao mercado da arte poderiam fazer um hedge, protegendo seu patrimônio.
Apesar disso, os resultados apontam para o fato de que apenas pessoas com grande
exposição à arte considerariam vender a opção de compra, uma vez que o mercado da arte
não possui grande correlação com a economia em geral. Em geral, é interessante perceber
como, ao analisar a arte como um ativo financeiro, ela incorpora muitos aspectos dos
mercados de capitais e de investimentos em geral e como, contudo, ela possui drivers e
dinâmicas muito distintas, sobretudo pelo modo como se avalia o valor da arte e de outros
possíveis investimentos.

A racionalidade, é claro, não fica de fora dos trabalhos acadêmicos que procuram analisar o
mercado da arte. Os principais museus e investidores não querem apenas quaisquer
histórias para expor em seus corredores e paredes. Se são realmente racionais, vão procurar
aquelas que são mais escassas, vistas como mais autênticas e glamurosas. Pense numa obra
como a Mona Lisa ou a Última Ceia de Leonardo da Vinci. Essas obras podem não ser as
mais belas do mundo, contudo, carregam consigo uma fama e a autoria de um dos maiores
gênios da história – um grande nome da Renascença - fazendo com que seu valor seja
bastante elevado. O mesmo vale para tantas obras, como a famosa escultura Pietá ou a obra
Escola de Atenas dos também renascentistas Michelangelo e Rafael Sanzio – seus valores
residem na sua raridade e no seu reconhecimento já estabelecido a opinião pública. Nesse
sentido, Leslie P. Singer e Gary A. Lynch, em “Are Multiple Art Markets Rational?”
estudam a racionalidade dos agentes no mercado da arte. No artigo, os autores procuram
entender se aqueles comercializando as obras artísticas levavam em conta todas as
informações históricas e críticas, assim como informações de autenticidade de obras à
venda.

Singer e Lynch observam que museus otimizam as escolhas ao comprarem artes


historicamente significantes, autenticas e com raros “equivalentes”, com oferta bastante
inelástica. Como é de se esperar, por serem obras já renomadas com maior informação
disponível, os museus pagam preços acima da média de mercado para obras teoricamente
similares. É como se um museu tentasse comprar a Mona Lisa – seu valor “incalculável” já
diz por si só que seu preço estaria bem acima ao de obras, talvez, tão belas quanto, mas
com histórias bem menos interessantes – ou melhor, com informações menos disponíveis
para a escolha racional. Colecionadores, por outro lado, compram obras mesmo sem terem
toda informação completa – assumem o risco da arte não valer tanto quanto pagaram, mas
podem ganhar prêmio pelo risco, uma vez que peças artísticas podem vir a valorizar para
além do preço pago.

Os mecanismos de mercado mostram que o preço pago por uma peça está muito
relacionado com a quantidade de informação que se tem sobre ela. No caso da arte, a
informação não está na arte em si, mas em toda sua representatividade para o público em
geral – em quão única e insubstituível ela é. Uma pessoa pode até reproduzir uma obra
como A Última Ceia, mas nunca será o que Leonardo da Vinci foi para o mundo e sua obra
nunca terá o valor incorporado a partir das mãos de uma das mais importantes figuras de
um período tão singular. A arte, por mais que venha a incorporar aspectos do mercado de
ativos financeiros, nunca será avaliada da mesma forma. Afinal, tudo que a arte tem a
oferecer são histórias. E se tem uma coisa que podemos ter certeza, é que histórias são
valiosas.

REFERÊNCIAS

KRAEUSSL, Roman; WIEHENKAMP, Christian (2011). A Call on art Investments.


Springer Science+Business Media.

SINGER, Leslie; LYNCH, Gary (1997). Are Multiple Art Markets Rational? Indiana
University Northwest, Division of Business and Economy, 3400 Broadway.

RENNEBOOG, Luc; SPAENJERS, Christophe (2013). Buying Beauty: On Prices and


Returns in the Art Market. Management Science59(1):36-53.

Você também pode gostar