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Elisa Matos
“Teorias da Arte”
Texto de Contextualização
Texto 1 (contextualização)
«Ao longo do século XX, fomos confrontados com uma variedade de tipos de arte
inédita e espantosa. Por um lado, surgiram as mais diversas criações vanguardistas
que, do romantismo em diante, com o seu afastamento radical das práticas
convencionais, desafiaram as ideias fossilizadas sobre a arte, e tornou-se difícil
distinguir a arte da não arte.
Identificar a arte transformou-se numa questão premente, saber se algo é ou não arte
pode determinar se é ou não um candidato a um prémio numa instituição
governamental ligada às artes ou se a sua venda e importação deve ser objeto de
imposto. Determinar se algo é ou não arte não é apenas importante para resolver
questões práticas e políticas. Conseguir identificar se uma coisa deve ser ou não
classificada como arte é crucial para apurar como devemos a ela reagir. Devemos
interpretá-la? Devemos procurar nela propriedades estéticas? Devemos tentar
compreender a sua configuração? Este tipo de questões começa a ter resposta
quando sabemos que uma coisa é arte.
Por exemplo, imaginemos que deparamos (como poderia suceder numa feira de
velharias) com uma cabra angorá embalsamada, que tem à sua volta um pneu de
automóvel usado e que está em cima de uma tela. Deveremos avaliar isto como uma
aglomeração aleatória de objetos, supondo que o proprietário não tinha mais onde
colocar o pneu, ou deveremos interpretar esta composição – perguntando o que
significa e por que motivo esta acumulação de objetos tem esse significado particular?
É claro que se identificarmos esse aglomerado de objetos como uma obra de arte – a
peça Monogram, de Robert Ranschenberg, para ser preciso –, isso é exatamente o
que devemos fazer: procurar interpretá-lo. De outra forma, ele parece exatamente o
oposto, um monte de coisas esquecidas no canto de um sótão, tão irrelevante como
qualquer outro monte de tralha. Identificar algo como arte é, então, indispensável
para as nossas práticas artísticas.
O facto de uma coisa ser arte assinala como e quando devemos reagir a ela de forma
interpretativa, estética e apreciativa. Se não tivermos maneira de classificar a arte – se
não tivermos meios de determinar se uma coisa pertence ou não à categoria de coisas
que justificam reações à arte – as nossas práticas artísticas desmoronar-se-ão. A
filosofia da arte no século XX reflete essa situação. À medida que a questão da
identificação da arte se tornava progressivamente mais complicada, a solução do
problema parecia óbvia: criar uma definição explícita da arte. Se as velhas formas
implícitas de identificar obras de arte já não funcionavam, havia que definir
explicitamente o conceito de arte, para que abrangesse todos os casos.»
Carroll N., Filosofia da Arte, Edições texto&grafia, 2015, pp231-233.
Weitz considerava que não devemos procurar uma caraterística que seja partilhada
por todos os objetos artísticos, não devemos procurar a essência da arte, pois não só
isso não se verifica, como teria uma implicação indesejável caso se verificasse: estaria a
impor limites a uma atividade que se carateriza justamente pela sua abertura à
mudança, à expansão e à inovação, teria um efeito castrador da criatividade.
Assim sendo, Weitz rejeita qualquer definição essencialista e a sua posição ficou
conhecida como «antiessencialismo».
Contudo, o facto de não ser possível fornecer uma definição essencialista da arte não
se segue necessariamente que nenhuma definição de arte possa ser encontrada. Uma
definição de arte que assente não em propriedades intrínsecas e manifestas dos
objetos artísticos, mas sim em propriedades extrínsecas e relacionais, isto é, que não
sejam inerentes ao próprio objeto em si mesmo considerado, mas que dependam
fundamentalmente do tipo de relações que este estabelece com outras realidades
(conceito aberto)1.
Algo é uma obra de arte, no sentido classificativo, se, e só se algo é um artefacto que
possui um conjunto de caraterísticas ao qual foi atribuído o estatuto de candidato a
apreciação por uma ou várias pessoas que atuam em nome de determinada instituição
social: o mundo da arte.
A segunda condição imposta pela teoria institucional diz-nos que para que um
artefacto seja uma obra de arte é necessário que uma pessoa (ou várias pessoas) que
atua (ou atuam) em nome do mundo da arte atribua (ou atribuam) o estatuto de
candidato a apreciação a um conjunto das suas caraterísticas. Mas o significa isto?
Texto 2
Dickie considera que que a found art é, em grande medida, responsável por chamar a
atenção para o ato de conferir o estatuto de arte, pois alguns artistas conferiam o
estatuto de arte a objetos vulgares formalmente indistinguíveis de outros objetos aos
quais esse estatuto não foi conferido. Essas atribuições ocorrerem no contexto de uma
prática social instituída à qual damos o nome de «mundo da arte».
Ou seja,
Texto 3
2
“Teorias da Arte” 2019/20
Assim sendo, o mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar para
atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes. Contudo, embora sejam
precisas várias pessoas para constituir a instituição social do mundo da arte, uma vez
constituída basta que um dos seus membros, muitas vezes o próprio artista, atue como
representante da mesma e atribua o estatuto de candidato à apreciação a um
determinado artefacto. Quando isso acontece, esse artefacto passa ser considerado
obra de arte no sentido classificativo, mas fica em aberto a questão de saber se se
trata de uma obra de arte no sentido valorativo.
De acordo com esta teoria, uma obra de arte no sentido valorativo (isto é, uma boa
obra de arte) é um candidato à apreciação que efetivamente chega a ser apreciado
pelo público do mundo da arte, ao contrário do que acontece com a má arte, que é
apresentada como candidata à apreciação, mas não chega a ser apreciada pelo
público. Neste sentido, atribuir o estatuto de candidato à apreciação de um artefacto
acarreta uma certa responsabilidade, pois caso ninguém o venha a apreciar, a pessoa
que fez essa atribuição pode perder credibilidade no mundo da arte.
Assim, ao contrário das teorias anteriores, a teoria institucional oferece uma definição
processual, e não uma definição funcional de arte, acabando por defender que aquilo
que faz com que algo seja uma obra de arte não são as suas propriedades manifestas,
como os seus efeitos ou as suas funções, mas sim o modo como é tratada por quem a
criou, por quem a expõe e por quem a aprecia.
Exemplos
“Teorias da Arte” 2019/20
Objeções
A teoria institucional parece viciosamente circular, visto que sustenta que o estatuto de obra
de arte é atribuído por representantes do mundo da arte e, por sua vez, o mundo da arte é
definido como o conjunto daqueles que têm o poder de fazer essas atribuições. Ora, dado que
para saber o que é uma obra de arte temos de saber o que é o mundo da arte e para saber o
que é o mundo da arte temos de saber o que são obras de arte, a definição parece andar em
círculos sem nunca esclarecer devidamente o significado dos seus termos.
A teoria institucional sustenta que qualquer coisa pode tornar-se arte, desde que esse estatuto
lhe seja atribuído por um representante do mundo da arte. Muitos autores veem aqui uma
razão para rejeitar esta teoria, pois parece admitir demasiadas coisas como obras de arte. Se
qualquer coisa pode ser uma obra de arte, então aparentemente não temos boas razões para
nos preocuparmos com a distinção entre arte e não arte e, por conseguinte, qualquer
definição de arte tornar-se-ia pouco informativa, inoperacional e inútil. O defensor da teoria
institucional vê-se assim perante um difícil dilema: ou aceita que um representante do mundo
da arte pode tornar qualquer coisa uma obra de arte ou considera que um representante do
mundo da arte não pode tornar qualquer coisa uma obra de arte.
“Teorias da Arte” 2019/20
Almeida, A., Definição de Arte, 2014, em Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica, in
http://compendioemlinha.letras.ulisboa.pt/wpcontent/uploads/2015/04/
almeida_definicao_arte_artio.pdf