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Teorias não essencialistas:

A teoria institucional e a teoria histórica

A teoria institucional da arte


Na década de 1950, num importante ensaio intitulado «O Papel da Teoria na Estética», o filósofo
da arte Morriz Weitz sustenta que o fracasso das teorias essencialistas da arte se deve ao facto de
todas elas assumirem erradamente que existe um conjunto de condições necessárias e suficientes
para a arte. Weitz considera que não devemos procurar uma característica que seja partilhada por
todos os objetos artísticos, pois não só isso não se verifica, como teria uma implicação indesejável
caso se verificasse: estaria a impor limites a uma atividade que se caracteriza justamente pela sua
abertura à mudança, à expansão e à inovação.

Contudo, ao contrário do que se possa supor, do facto de não ser possível fornecer uma
definição essencialista da arte não se segue necessariamente que nenhuma definição de arte possa
ser encontrada. As definições essencialistas caracterizam-se por apresentar condições
necessárias e suficientes para as obras de arte serem consideradas como tal; trata-se de
propriedades que todas as obras de arte e só as obras de arte exibem, e não poderiam deixar
de exibir sem que, por esse motivo, deixassem de ser obras de arte.
No entanto, apesar de não ser fácil encontrar propriedades que todos os objetos artísticos
exibam, talvez seja possível encontrar uma definição de arte que assente não em propriedades
intrínsecas e manifestas dos objetos artísticos, mas sim em propriedades extrínsecas e
relacionais, isto é, que não sejam inerentes ao próprio objeto em si mesmo considerado, mas que
dependam fundamentalmente do tipo de relações que este estabelece com outras realidades.

É justamente este tipo de sugestão que Arthur Danto apresenta no seu artigo de 1961 intitulado
«O Mundo da Arte». Nesse artigo, Danto analisa a obra Caixa de Brillo, de Andy Warhol, e conclui
que aquilo que distingue a obra de
Warhol dos seus semelhantes no quotidiano não são as suas características formais, nem
quaisquer outras características que lhe sejam intrínsecas, mas sim o facto de esta se inserir no
contexto de uma prática social instituída - o mundo da arte.

Com este artigo, Danto chamou a atenção para a natureza institucional da arte e, em 1974, o filósofo
americano George Dickie formulou de modo articulado a primeira teoria institucional da arte. De
acordo com esta teoria:

Algo é uma obra de arte, no sentido classificativo, se, e só se, algo é um artefacto que possui um

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conjunto de características ao qual foi atribuído estatuto de candidato a apreciação por uma ou várias
pessoas que atuam em nome de determinada instituição social: o mundo da arte.

Esta definição estabelece duas condições necessárias conjuntamente suficientes para que algo
seja arte. O primeiro requisito é o da artefactualidade. Tradicionalmente, a palavra «artefacto» é
utilizada para designar um objeto construído ou transformado por mãos humanas. Contudo, o
sentido que Dickie atribui à noção de artefacto é bastante mais lato do que o tradicional, pois este
considera que, para além dos objetos materiais concretos produzidos ou transformados pelos seres
humanos, também os movimentos de uma coreografia, ou as notas musicais numa dada melodia,
por exemplo, são artefactos; e mesmo objetos que não foram manufaturados ou cujas
propriedades formais não foram alteradas pela intervenção direta de um ser humano podem, em
determinados contextos, adquirir o estatuto de artefacto, por serem utilizados de certa maneira por
alguém. Por exemplo:

«Suponhamos que se recolhe um pedaço de madeira flutuante e, sem o alterar de forma alguma, o
usamos para cavar um buraco ou brandi-lo perante um cão ameaçador. O pedaço de madeira
inalterado foi convertido em ferramenta ou arma pelo uso que lhe foi dado. [...] Em nenhum dos
casos [. .. ] o pedaço de madeira é por si só um artefacto. O artefacto, em ambos os casos, é o pedaço
de madeira manipulado e usado de um certo modo.»
George Dickie, Introdução à Estética, Lisboa, Editorial Bizâncio (2008)

Deste modo, um simples pedaço de madeira pode ser considerado um artefacto, se o usarmos
para nos defendermos de um cão, ainda que as suas propriedades formais não sejam alteradas.
Algo de semelhante pode ocorrer no contexto da arte. Se o pedaço de madeira tivesse sido
recolhido e exibido numa exposição como uma escultura, também se teria convertido num
artefacto. Assim, Dickie considera que sem um artefacto, entendido neste sentido lato, nem sequer
se pode dizer que tenha havido lugar a qualquer tipo de criação, portanto, a existência de um
artefacto é uma condição necessária para a própria criatividade.

A segunda condição imposta pela teoria institucional diz-nos que para que um artefacto seja
uma obra de arte é necessário que uma pessoa (ou várias pessoas) que atua (ou atuam) em
nome do mundo da arte atribua (ou atribuam) o estatuto de candidato a apreciação a um
conjunto das suas características. Mas o que significa isto exatamente? Comecemos por perceber
em que consiste o ato de atribuir estatuto.

Um exemplo bastante trivial de atribuição de estatuto ocorre quando duas pessoas decidem
começar a namorar, atribuindo desse modo o estatuto de namorado(a) uma à outra. Embora não
envolva uma instituição social, num sentido formal, isto é, constituída com funcionários, hierarquias
e regulamentos perfeitamente definidos, etc., este tipo de ato enquadra-se numa prática social
instituída, regulada por um certo conjunto de normas, ainda que essas normas possam nunca vir a
ser devidamente explicitadas por ninguém.

Por exemplo, é preciso que as duas pessoas estejam de acordo quanto a essa atribuição. Ninguém pode
atribuir a uma pessoa o estatuto de namorado(a) sem o seu consentimento. Além disso, há certos
padrões de comportamento que ambas as partes passam a poder legitimamente esperar uma da outra,
como o respeito, o carinho, gestos românticos, etc. A ausência parcial ou total desses padrões de

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comportamento pode ser suficiente para que o estatuto de namorado(a) seja posto em causa.

Isto mostra que além de instituições formais, existem também instituições informais que se
estruturam de forma menos rígida, a partir de práticas sociais mais ou menos es tabelecidas. Segundo
Dickie, o mundo da arte é uma instituição social, neste segundo sentido. Na sua opinião:

«O núcleo fundamental do mundo da arte é um conjunto vagamente organizado [. .. ] que


inclui artistas [. .. ], produtores, diretores de museus, visitantes de museus, espetadores de teatro,
jornalistas, críticos de todos os tipos de publicações, historiadores da arte, teóricos da arte,
filósofos da arte e outros. São estas as pessoas que mantêm em funcionamento o mecanismo do
mundo da arte, permitindo assim a continuidade da sua existência. [ ... ] Todos estes papéis
estão institucionalizados e têm de ser aprendidos, de uma forma ou de outra, pelos
participantes.»
George Dickie, «O que é a Arte?» in O que é a arte?

No seio desta instituição social também há lugar a atribuições de estatuto. Dickie considera que a
found art é, em grande medida, responsável por chamar a atenção para o ato de conferir o estatuto
de arte, pois alguns artistas conferiam o estatuto de arte a objetos vulgares formalmente
indistinguíveis de outros objetos aos quais esse estatuto não foi conferido. Essas atribuições
ocorreram no contexto de uma prática social instituída à qual damos o nome de «mundo da arte».
Ou seja,

«O mundo da arte consiste num feixe de sistemas - teatro, pintura, escultura, literatura, música, etc. -
, cada um dos quais proporciona um contexto institucional para a atribuição do estatuto a objetos
pertencentes ao seu dorrunío.»
George Díckie, «O que é a Arte?» in O que é a arte?, organizado por Carmo
D'Orey, Trad. Desidério Murcho, Lisboa, Dinalivro (2007), p. 104

Assim sendo, o mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar para
atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes. Contudo, embora sejam precisas
várias pessoas para constituir a instituição social do mundo da arte, uma vez constituída basta que
um dos seus membros, muitas vezes o próprio artista, atue como representante da
mesma e atribua o estatuto de candidato à apreciação a um determinado
artefacto. Quando isso acontece, esse artefacto passa a ser considerado uma obra
de arte no sentido classificativo. Fica ainda em aberto a questão de saber se se
trata de uma obra de arte no sentido valorativo.

Esta obra de Marcel Duchamp não passa de uma vulgar pá de limpar


neve, formalmente indistinguível de centenas de outras pás de limpar
neve produzidas na mesma fábrica. No entanto, ao contrário das suas
semelhantes, este exemplar é uma obra de arte. Segundo Dickie, isso
acontece porque Duchamp, um representante do mundo da arte, lhe
atribuiu esse estatuto.

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Marcel Duchamp, Antecipação de um Braço
Partido (1915).

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De acordo com esta teoria, uma obra de arte no sentido valorativo (isto é, uma boa obra de arte) é um
candidato à apreciação que efetivamente chega a ser apreciado pelo público do mundo da arte, ao
contrário do que acontece com a má arte, que é apresentada como candidata à apreciação, mas não chega
a ser apreciada pelo público. Neste sentido, atribuir o estatuto de candidato à apreciação a um artefacto
acarreta uma certa responsabilidade, pois caso ninguém o venha a apreciar, a pessoa que fez essa
atribuição pode perder alguma credibilidade no mundo da arte.

A teoria institucional da arte parece ter alguns méritos relativamente às suas rivais.
Os filósofos da arte precedentes estavam tão focados nas características figurativas ou expressivas da
arte que acabaram por ignorar completamente a natureza institucional da arte e a propriedade do estatuto.

Assim, ao contrário das teorias anteriores, a teoria institucional oferece uma definição processual, e
não uma definição funcional de arte, acabando por defender que aquilo que faz com que algo seja uma
obra de arte não são as suas propriedades manifestas, como os seus efeitos ou as suas funções, mas sim
o modo como é tratada por quem a criou, por quem a expõe e por quem a aprecia. Vejamos, agora, as
principais objeções que esta perspetiva enfrenta.

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